19
VELHO, Gilberto e CASTRO, E. B. Viveiros de. O conceito de cultura e o estudo de Sociedades complexas: uma perspectiva antropológica. Artefato ano 1, nº1, Rio de Janeiro, 1978. A constituição da Antropologia enquanto campo de saber está profundamente associada à noção de Cultura. Esta disciplina, desde seu início em fins do século XIX, se apropria do termo “cultura” e o erige em conceito totêmico, símbolo distintivo. Difundindo-se pelo campo intelectual moderno, a noção de Cultura carrega definitivamente a marca antropológica. “Cultura, ou civilização... é este todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumes, e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade” (Tylor 1871:1). A famosa definição de Edward Tylor, por inclusiva e confusa que fosse, abriu caminho a toda uma nova problemática. Depois dela, muita coisa se passou, na Antropologia, em volta deste conceito: escolas inteiras organizaram-se a partir de ênfases, alternativas, definições de “cultura”. O termo entrou em pares conceituais variados: cultura/sociedade, cultura/personalidade, sem esquecermos pó tradicional cultura/civilização, presente na citação de Tylor. Kroeber e Kluckhon, em 1952, transcreveram, classificaram e comentaram 64 definições diferentes de “cultura”: descritivas, normativas, psicológicas, estruturais, históricas etc. (Kroeber e Kluckhon, 1952). Esta espantosa proliferação indica o papel estratégico do conceito, que, neste sentido, vai integrar o acervo cultural do Ocidente moderno: ele já foi comparado à segunda lei da termodinâmica, ao princípio da seleção natural, à motivação inconsciente do comportamento (Geertz, 1973) – tópicos-chave da mitologia “Culta” do século XX. Com Tylor, a história do termo “cultura” passa a uma ova fase. Até então, seu foco era predominantemente uma reflexão sobre as descontinuidades sociais e nacionais dentro da Europa. A Kultur foi um tema caro ao romantismo alemão, inicialmente instrumento da burguesia contra uma aristocracia influenciada pela corte francesa (identificada à Zivilisierheit, a civilização como polidez superficial, cortesã); mais tarde, veio a definir o espírito alemão, símbolo no esforço de unificação nacional (Elias, 1969). A idéia de “civilização” dominante na França e

Conceito de Cultura em Sociedades Complexas

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Gilberto VelhoEduardo Viveiros de Castro

Citation preview

VELHO, Gilberto e CASTRO, E. B. Viveiros de. O conceito de cultura e o estudo de Sociedades complexas: uma perspectiva antropolgica. Artefato ano 1, n1, Rio de Janeiro, 1978. AconstituiodaAntropologiaenquantocampode saberestprofundamente associada noo de Cultura. Esta disciplina, desde seu incio em fins do sculo XIX,seapropriadotermoculturaeoerigeemconceitototmico,smbolo distintivo.Difundindo-sepelocampointelectualmoderno,anoodeCultura carrega definitivamente a marca antropolgica. Cultura, ou civilizao... este todo complexo que inclui conhecimento, crena, arte, leis, moral, costumes, e quaisquer outras capacidades e hbitos adquiridos pelohomemenquantomembrodasociedade(Tylor1871:1).Afamosa definio deEdward Tylor, por inclusiva e confusa que fosse, abriu caminho a todaumanovaproblemtica.Depoisdela,muitacoisasepassou,na Antropologia, emvolta deste conceito: escolas inteiras organizaram-se a partir denfases,alternativas,definiesdecultura.Otermoentrouempares conceituaisvariados:cultura/sociedade,cultura/personalidade,sem esquecermosptradicionalcultura/civilizao,presentenacitaodeTylor. KroebereKluckhon,em1952,transcreveram,classificaramecomentaram64 definiesdiferentesdecultura:descritivas,normativas,psicolgicas, estruturais,histricasetc.(KroebereKluckhon,1952).Estaespantosa proliferaoindicaopapelestratgicodoconceito,que,nestesentido,vai integraroacervoculturaldoOcidentemoderno:elejfoicomparado segundaleidatermodinmica,aoprincpiodaseleonatural,motivao inconscientedocomportamento(Geertz,1973)tpicos-chavedamitologia Culta do sculo XX. Com Tylor, a histria do termo cultura passa a uma ova fase. At ento, seu foco era predominantemente uma reflexo sobre as descontinuidades sociais e nacionais dentro da Europa. A Kultur foi um tema caro ao romantismo alemo, inicialmente instrumento da burguesia contra uma aristocracia influenciada pela corte francesa (identificada Zivilisierheit, a civilizao como polidez superficial, cortes);maistarde,veioadefiniroespritoalemo,smbolonoesforode unificao nacional (Elias, 1969). A idia de civilizao dominante na Frana e Inglaterra,compreendidadesdeosmodosdasclassessuperioresatas conquistas tecnolgicas do Ocidente. Na Alemanha, civilizao veio indicar as realizaesmateriaisdeumpovo:cultura,poroutrolado,referia-seaos aspectos espirituais de uma comunidade. Enquanto a primeira noo trazia em siemseuusofrancsaidiadeprogresso,aoutravoltava-separaa tradio,aquelainseria-seno expansionismocolonial (a missocivilizatriado homem branco), estamarcava asingularidade de cada povo.E, com efeito, a noo de Civilizao permanece tingida pelo sentimento de uma especificidade do Ocidente como um todo, de uma autoconscincia satisfeita, a cultura, por sua vez, foi assumida pela Antropologia, discurso ocidental sobre a alteridade. Nota-se,contudo,nadefiniodeTylor,aequaocultura-civilizao,aqui, estadistinodeixadefazersentido,agoratrata-sededefinirconceitosde valoruniversal.Mas,seoconceitodeCulturaveioapredominarsobre civilizao,porqueoriginalmenteeleseadequavamelhorpropostada Antropologia.Enquantoaidiadecivilizaopressupeumaspectoterritorial dado, uma continuidade espacial (no por acaso surge em sociedades h muito unificadas),aidiadeculturasugereumaligaoespiritualentrehomens mesmoseparadosporfronteiraspoltico-geogrficas.Eestaligao inescapvel, consciente ou inconscientemente, pe o ser humano individual em contatocomumuniversosocialdevalores.Assim,ohomemacedesua essncia enquanto membro da sociedade como diz Tylor. Estes significados marcaram o uso da noo de Cultura dentro da Antropologia, cincia que se desenvolve como subproduto da expanso colonial europia. Se originalmente a idia de Cultura era resultado de um esforo de conscientizao de diferenas dentro da Civilizao ocidental, a diferena imediata, visvel, que seestabelecianoconfrontocomsociedadesexticas,africanas,asiticas, americanas,propunhaumenigmaparaaconscinciaocidental.Esteenigma, emseusentidoprofundo,revelavaafinitude,arelatividadedacivilizao europia.Ns,civilizaes,sabemosagoraquesomosmortais-sentencia Paul Valry. Apesardasteoriasracistas,acrenanaunidadefundamentaldognero humanoganhavasolideznofinaldosculopassado.Abiologiadarwinistafoi um dos principais instrumentos de legitimao desta crena: ela que redefine asteoriasevolucionistasapartirdopostuladodaunidadebiolgicadohomo sapienseoevolucionismo,aprimeirateoriapropriamenteantropolgicada diferenacultural,deveserjulgadocomdiscursoqueembora terminandopor sonegaraespecificidadedasculturasno-ocidentais,fundava-seneste postulado. Uma vez aceita no sem dificuldades a crena no monogenismo da espcie, surgiaautomaticamenteumnovo problema,quevaiconstituir a Antropologia: como explicar a evidncia cegante da enorme diversidade de modos de vida de todosestespovos,e,sobretudo,adiferenaentrens,civilizadoseos outros?OUniversalismodaperspectivaeuropia(fenmenoinditona histria das idias) tem de enfrentar este problema e o faz de vrias maneiras. DIVERSIDADE CULTURAL Deve-seobservarqueacinciadadiversidadeculturaldahumanidadeno remontava, evidentemente, apenas ao sculo XIX: os canibais de Montaigne j tinhamprovocadoumforteimpactonopensamentoeuropeu.Mas,porquea Antropologiadiscursoqueassociaopostuladodaunidadebiolgicaaoda diversidadeculturalsvemseconstituirrecentemente?Questoinevitvel, emboratalvezirrespondvel.Cabenotar,contudo,queaconscinciaocidental deOutroseinserehistoricamenteemcontextosvariveis.Agneseda Antropologia se faz em um momento em que a relao com as colnias muda desentido tratava-sede transformar as populaes coloniais, adequ-las ao sistema capitalista, no apenas como ocupantes indesejveis de territrio a ser predado,ou comofontedemo-de-obraescrava,mascomoparticipantes em umgrandemercadointernacional,aondetambmseroconsumidores,tendo que, mal ou bem, adotar valores de uma cultura ocidental. A unidade do gnero humano, assim, no deixava de encobrir, sob a capa piedosa do cristianismo ou do cientificismo, uma necessidade histrica de expanso colonial. Comefeito,oprimeiromomentodaAntropologiafoiodeumesforode reduodadiferenacultural.Seoshomenseramiguais,esuasdiferenas apenasculturais,porquenaverdadetaisdiferenasmascaravamuma unidadebsica.Asvariedadesnopassavamdeetapasdistintasdeums processoevolutivo,lideradopelaculturaocidental.Apercepodeuma variedadesincrnica passavaaserumaaparncia,queocultava uma unidade diacrnicamaisbsica.Ahistriadaculturadasculturaseraunificada, tornando-se epifenmeno da histria da humanidade, assim, a insero forada dos novos colonizados na histria doOcidente eraduplicada por uma reflexo tericaoevolucionismo quediscorriasobreanaturalidadedestainsero. Afinal, o fardo do homem branco era educar seus contemporneos primitivos, acelerarseucrescimento,quenecessariamenteiriaculminaremumestado idntico ao j atingido pela civilizao do Ocidente. A idia da civilizao, assim, perdeseusentidodeprocesso,epassaadefinirumestadoasociedade ocidental que deve ser atingido pelos ainda no civilizados. MasodestinodaAntropologianoeraodeservademasiadofieldo colonialismo;seumovimentohistricopodeserresumidonaidiadeuma crescentepercepodaespecificidadedasdiferenasculturaisemsi;oque melhorcaracterizaaposioantropolgicaoesforodereconstruiros critriosinternosquecadaculturautilizaparasuaauto-reflexo;nosetrata agoradejulgarosaborginesaustralianosporsua(altamentediscutvel) pobrezatecnolgica,eassimcoloc-lasnumahipotticaidadedapedra comumatodaaHumanidade;massimdeverificaremquedomniosa(s) sociedades australianas (ou sul-americanas etc.) atingiram maior elaborao. Aabordagemdadiferenaculturalcomumdadoirredutvelque,nolimite, levou a um certo relativismo quase-solipsista, mas saudvel na medida em que se opunha pulso devoradora do Ocidente ganhou fora a partir da entrada da Antropologia em seu estado experimental: a pesquisa etnogrfica detalhada, paciente,muitocontribuiuparaafalnciadeesquemasapriorsticosde interpretao das culturas humanas como variantes de ummesmo movimento universal.Asntese,agora,pressupunhaaanlise,eaindaestamosimersos nestatentativadereuniragigantescaquantidadedeinformaesrecolhida pelos antroplogos em todos os pontos do globo. Em certo sentido, verdade a Antropologiacompletouadevoraoocidentaldasdiferenas,aosepropor comotradutoraparaodiscursocientficodamultiplicidadevividade esquemascognitivoseemocionaisqueoshomensusaramparaseprno mundo.Masestecanibalismoevitaoutropioradestruiocega,emnome dosbenefciosdacivilizaoocidental,detudoaquiloquediferente.Assim, com adecadncia do evolucionismo ingnuo que a marcou em sua infncia, a Antropologiainscreve-sedefinitivamentenomovimentogeralde autoquestionamentodacivilizaoocidental.OespelhodoOutroassolaa conscinciadosculoXX.Osmovimentosculturaisfundamentaisqueiniciam estapocaosurrealismo,alingstica,apsicanliseeosocialismoesto marcados pela negao dos centrismos narcsicos que dominaram o ocidente. E tais movimentos muito devem Antropologia, como se pode observar. 2 Odilemaquemencionamoscomoconciliaraunidadebiolgicaea diversidadeculturalda espciehumana temsidoenfrentadomodernamente pelo consenso sobre a no-operatividade da noo de uma natureza humana. Oaspectoinstintualdoorganismodohomosapiens,comparadocomodos demaisanimaissuperiores,frouxamenteorganizado,fornecendoapenas determinaesgeraisparaocomportamento.Oessencialinacabamento biolgico do ser humano aps o nascimento, sua plasticidade e abertura para o mundo(Berger,1974),levamconclusodequeaCulturaergue-secomoa instnciapropriamentehumanizadora,quedestabilidadesreaes comportamentais, e funciona como o mecanismo adaptativo bsico da espcie. Masestaestabilizao se caracteriza por ser no-determinada universalmente. Ahumanizaodohomemsefazdevriasmaneiraspossveis.Aseleo cultural,i.e.,particular,dascapacidadesbiolgicasaseremdesenvolvidasou inibidas, tudo isto poderia ser de outro modo domnio da Cultura, como viu Mauss,odomniodamodalidade.Ahumanizaodohomemsefazsempre atravsdeummododevidaparticularohomemnoserealizaatravsde uma humanidade abstrata (Lvi-Strauss, 1973). Tais concluses podem ser inclusive aplicadas ao clssico problema da origem daCultura.Asdiscussesmaisrecentes(Geertz,1973)apontama interpretao histrica entre a evoluo final do organismo do homo sapiens e asprimeirasaquisiesculturaisamoeaferramentaseco-determinam. Nestesentido,tantoosaspectosantogenticosquantoosfilogenticosdo desenvolvimentohumanosupemainseparabilidadedeCulturaeNatureza literalmente,aCulturafazefezohomem.Evidentemente,comoosrecentes estudosdeetologiaanimaldemonstram(demaneiraaindapoucoclara),a variedadedoscomportamentosculturaisbaseia-seemcertosmecanismos biolgicos. Mas o que distingue o humano a elaborao particular sobre esta base natural. Este instrumento de humanizao um instrumento de comunicao. A Cultura temsidodefinidacomoumconjuntocomplexodecdigosqueassegurama ao coletiva de umgrupo (Lvi-Strauss,1950). A noo de cdigo,que veio marcarprofundamenteasteoriasantropolgicasatuaissobreaquestoda cultura,procededaLingsticadarevoluodeSaussure,queapontouo carteraomesmotemposocial,inconscienteesistemticodalinguagem, domniocentraldacultura.ClaudeLvi-Strausspodeserapontadocomoo antroplogoqueelaboroumaisdetalhadamenteestanoovindada Lingstica, mas ela surge na obra de vrios cientistas. A noo de cultura como cdigoconjuntoderegrasdeinterpretaodarealidadequepermitema atribuio do sentido ao mundo natural e social implica fundamentalmente a idiadesistema.AquiaAntropologiaselevantacontraastradicionais concepesdeCulturacomoagregadohistricodetraos,elementos culturais,cujarelaointernanoeraexaminada.Estatradioencontrasua origemnasescolasdifusionistasalems,que,diga-sedepassagem, apresentavam analogias com a gramtica histrica pr-Lingstica. Tratar a Cultura como sistema significa admitir que o todo complexo de Tylor umtodocoerente,aondecadacostume,regracrenaoucomportamento fazpartedeumconjuntoquedsentidospartes.Trata-lacomosistema, portanto,significaadmitiraracionalidadeintrnsecadequalquerculturae aquioevolucionismoredutorperdesuasbases.Oexameetnolgicodas culturasno-ocidentaisrevelouaaltacomplexidade,sutilezaecoernciade prticastidascomobrbarasouirracionais(umexemplopodeseroestudo das concepes Azande sobre Bruxaria, por Evans-Pritchard 1937). REGRAS INCONSCIENTES Poroutrolado,aconcepodaCulturacomosistemalevoutesedequea atividadeeopensamentohumanosestosubmetidosaregrasinconscientes (aqui, Freud, Saussure e a antropologia de Marcel Mauss se encontram) e que, portanto Cultura menos a manifestao emprica da atividade de um grupo (comoadefiniaTylor),queoconjuntodeprincpiosquesubjazemaestas manifestaes.Inconsciente,massocial:estasregrasnoseencontramno aparelho psquico natural de cada indivduo,masdefinem um sistema que comumaogrupo.Assimohomemcadavezmaissevligadosemquerer sociedade.OestudodasclassificaesprimitivasporDurkheimemMaus (1903/1969) chamou a ateno para a matriz social das formas de percepo e classificaodomundo,umtemaqueaAntropologiavemdesenvolvendode maneira privilegiada (v. p. ex. Douglas 1966/1976). EstescdigosquevoconstituiraCulturaconsistemessencialmenteem aparelhossimblicos.AnaturezasimblicadaCulturaoutroaspecto importantedestanooemAntropologia.Aculturapodeserconcebidacomo umsistemadesmbolos,organizadosemsubsistemas.Nestesentido,o comportamentohumanopercebidocomoapresentado,paraalmdos aspectospuramentetcnicosoupragmticos,umcomponentesimblico,i.e., expressivo. A noo de cultura como sistema simblico aponta, ademais para a natureza social do comportamento: estes smbolos so decodificados a partir de um cdigo comum a um grupo. Desta forma, um dos mtodos de identificao das fronteiras de uma cultura particular o exame da capacidade ou no de um dado smbolo ser decodificado identicamente por dois grupos. Oestudodo simbolismo, assim, tem constitudo outra vertentedominante nos estudos de cultura (ver Turner 1967/1974). Mas,seadescobertadocartersistmicodaculturafoialgorevolucionrio, levou por outro ladoa certos impasses,quemarcam amoderna Antropologia. Emprimeirolugar,comoexplicaramudanacultural,seoessencialdeuma culturaestnoinconsciente,eseohomems consegueatribuirsentidoao mundoapartirdeumsistemai.e.,umcdigoestveldeinterpretaode smbolos?Emsegundolugarestaaquestoquenosinteressamais diretamente comoestudar sociedades complexas, i.e., as sociedades onde a divisodotrabalhoeodesenvolvimentodasforasprodutivaslevouauma diversificaointernaconsidervel?Nestassociedades-,certoselementos levavamconstataodaexistnciadeumaculturadominante;outros indicavam a existncia de uma pluralidade de modos diversos de interpretao domundo.Talpluralidade,evidentemente,decorriadadiferenciaosocial: no se tratava mais, como nas sociedades simples, de uma diviso do trabalho cultural em especialistas orientados a partir de um referente cultural comum, mas de uma verdadeira diversidade cultural, por vezes um antagonismo. Assim o estudo das sociedades complexas levou ao refinamento da noo de Cultura empregadapelaAntropologiaesituou-amaisclaramentenumaperspectiva sociolgica. 3 Toda a discusso sobre o conceito de cultura assume novas dimenses quando contextualizada noque se chama de sociedade complexae/ou heterognea. Em princpio a noo de complexidade est ligada diviso socialdo trabalho maisespecializada,maissegmentadoranasociedadeurbanaeindustrial contempornea,comaformaodeumarededeinstituiesdiversificadas, mais ou menos ligadas dentro de um sistema, mas com fronteiras discernveis. Sahlins(1976)colocaquenasociedadeocidentalcapitalistaparticularmente, emboracomadistinoemdomnioseinstituies,ofocodaproduo simblica,i.e.,cultural,sedaonveldas relaesdeproduo,aocontrrio de sociedades tribais onde o foco estaria nas relaes de parentesco. Isto no significa que no existam outras reas de produo simblica significativas mas queestariammaisoumenoscontaminadasoufortementeinfluenciadaspelas relaesdeproduo.Emoutrostiposdesociedadepodemserencontradas situaesexatamenteinversas,ondeasrelaesdeproduoseriammenos significativascomofocosdeproduosimblica.Sahlinsestpreocupadoem mostrarqueaproduosimblicaculturalpodevariaremtermosdefocose nfases de acordo com o tipo de sociedadeemomento histricomas que em qualquersociedadeeladsentido,significadoeintencionalidadesaese comportamentos sociais. Isto no significa que em toda sociedade complexa ao se atingir um certo nvel de especializao na diviso social do trabalho, se encontre a rea das relaes de produes como o foco principal de produo simblica. H outros tipos de complexificaoque no esto associados ao capitalismo ou ao industrialismo, comoadasociedadeindianatradicionalanalisadaporDumont(1966),que teriacomorefernciaculturalbsicaummodelodeorganizaosocial hierrquico com grande independncia em relao ao sistema de produo que, contudo,apresentavagrandevariedadeeriquezainstitucional.H,portanto, que distinguir vrios tipos de sociedade complexa, mais ou menos tradicionais, capitalistas ou no, de base industrial ou de base agrria, etc. Anoodeheterogeneidadeporsuavezmaiscultural,enquantoade complexidadeseriamaissociolgica,emboracertamenteestejamvinculadas. Nosadivisosocialdotrabalhogerandoexperinciassociaisevisesde mundoaltamentediferenciadas,masaprpriacoexistnciadegruposde origenstnicaseregionaismuitovariadasconcorremque,emboratenham, obviamente pontos comuns, podem apresentar forte especificidade. A noo de subculturanormalmenteestassociadasociedadecomplexa,queestejase falandodeclasse,regioouetniacomo,porexemplo,culturaousubcultura operria, gacha, negra etc. A se coloca oproblemadadominncia.Em uma sociedadeestratificada,organizadaemtornodeumEstadoNacional,h desequilbriosedistribuiodesigualemtermosdepoder,prestgio,recursos emgeral.Nestecasoprecisodistinguirasnoesdeculturaeideologia. Dentrodatradiomarxista,ideologiaestbasicamenteassociadaclasse social.Assim,dentrodeumasociedadecapitalistaclssica,aburguesiaa classe social que controla os meios de produo e que domina mais ou menos diretamente o poder poltico, o aparelho de Estado, as instituies em geral. A se diz que a ideologia burguesa, por todas essas razes dominante, fazendo comqueosseusinteressespassemporserosinteressesdasociedadecomo umtodo,mascarandoascontradiesexistentes,sendoaprincipal,nocaso, capital X trabalho. Se a partir da se entende que o modo de vida, os valores, a viso de mundo burgueses constituiriam uma cultura, poder-se-ia falar em uma culturadominante.Enquantoideologiaenfatizariamaisosaspectos propriamentepolticosdeconflitoedominao,anoodeculturaseriade certaformamaisamplaoumenosprecisa,desdequeumaculturaburguesa incorporaria vrias tradies, heranas humanismo, cristianismo, por exemplo -,que no estariam, naorigem, necessariamente ligadas condiode classe daburguesia.Ideologiaestariavinculadasrelaessociolgicasentretipos especficosdegrupossociais,enquantoculturareferir-se-iaproduo simblica em geral e que, portanto, tambm traria dentro de si as contradies existentes ao nvel da sociedade propriamente dita. Naculturaburguesahlugarparamanifestaeseexpressesdesmbolos maisligadosaexperinciasaristocrticas,contemporneasouno,operrias, camponesasouindgenas,enaprpriamedidaemqueestsefalandode capitalismo, o foco da produo simblica so as relaes de produo inclusive comosconflitosexistentes.Assim,enquantoaideologiaestcoladaaos interesses de classe especficos, sendo um instrumento de dominao, a cultura daclassedominanteabarcamanifestaesdosgrupossociaismaisvariados, podendoseconfundiremumdeterminadomomentohistricocomacultura nacional.Assim,quandosefalaemculturabrasileira,italianaoumarroquina, noseestnecessariamenteignorandoosaspectosscio-polticosque acompanhamosfenmenosculturais,masreconhecendo-sequeemuma determinadaconjunturaouperodohistricopossveltraar-seoperfilda culturadeumasociedadeemquepossaminclusiveficarclaros,aonvelda produosimblica,ascontradieseconflitosexistentes.Enquantoa ideologia,umavezassumidaouconscientizada,superadasasdistorese mascaramentos,tenderiaasercoerente,aculturaseriaolcusdaprpria contradioe,atcertoponto,daincoerncia,poisaproduosimblica, manifestando-seem vrios nveis,inclusiveosmaisinesperados,nosepode sercompreendidaapenascomoumaproduo,resultado,conseqncia, reflexo de conflitos de classe. CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR Uma outra distino que se costuma fazer entre cultura de elite ou erudita e culturapopular ou,emcertos casos,demassa(Gans,1974).Aidia bsica que haveria umadiferena qualitativa entreessesdois tipos de cultura uma maissofisticada,tendocomofocoasprincipaiscontribuieserealizaesda sociedadeem suasformasmaisrefinadase demaiorvalor estticoecriativo, enquantoasegundaseriamaisrstica,menoscosmopolita,edevalorat duvidoso.Nocasodaculturademassaento,oseuvaloraindamais contestado,apontando-seseucarterbarateadorevulgarizante.claro, portanto, que uma classificao carregada de julgamentos de valor, e at, de preconceitos. No caso da cultura popular pode-se cair numa posio inversa e passaravaloriz-lacomomaisautntica,maispura,principalmentequando tida por intocada e no contaminada. A cultura de elite, em contraposio, seria consideradaartificial,decadente,inautntica.Deumaformaoudeoutra polariza-se a classificao e fica-se no nvel do esteretipo. claro que existem modosdevida,visesdemundomaiscaractersticosdas camadaspopulares, asacategoriapopularmuitopoucoprecisaemtermossociolgicose pressupe uma homogeneidade que est longe de ser comprovada nos estudos existentessobrecamponeses,operrios,camadasmdiasbaixasououtros segmentos e setores que pudessem ser includos nessa classificao. Da mesma forma,falaremelitepressupeummonolitismonascamadasmaisaltasda sociedade que poderia colocar na mesma categoria grandes proprietrios rurais, altaburguesia,oficiaisgenerais,setoresdainteligentzia,administradoresetc. Embora obviamente existam aspectos comuns e mesmo interesses polticos em determinadosmomentoscoincidentes,istoestlongedeconstituircategorias explicativas para a compreenso da lgica da produo simblica na sociedade. Ou seja, a oposio elite X povo, em termos de cultura, muito vaga e pouco precisa. Quantoculturademassa,suaprpriadefinioelimitessoaltamente problemticos. Como distinguir, na sociedade urbana industrial, onde o jornal, o rdio, a televiso, a propaganda, atuam e esto presentes emquase todos os nveisdainformao,umaculturaquenosejadealgumaformademassa? Evidentementeexistemsegmentosdasociedademaisvinculados,oumais exclusivamentevinculadosacertosmeiosdecomunicaodeatuaomais amplo mas, por exemplo, o consumo de discos de msica erudita ou de livros, pormaisesotricosourefinadososassuntos,noesttambmdentroda lgicadasociedadeindustrialdeconsumo?Aquestoentosedeslocapara julgar o mrito das obras ou dos produtos que esto sendo consumidos e este umdosterrenosmaisescorregadiosetalvezimprodutivos emqueas cincias possamentrar.Se,comojfoivisto,umadasgrandesconquistasda antropologiafoi,justamente,passaraprocurarcaptaropontodevistado outro,tentarperceberavisodemundodosgruposestudadosemseus prpriostermos,essastentativasdehierarquizaorepresentamuma possibilidadede retrocesso.Damesma forma, a noo de cultura da pobreza, queteveemOscarLewisseu principalterico,tambmpodeconduzirauma armadilha terica, pois inverte a questo aocolocar a categoria pobreza como razo explicadora universal de um determinado tipo de estilo de vida e viso de mundo,semrealmenteanalisarsistematicamenteasrelaesentreosgrupos sociais e suas produes simblicas. Gans,preocupadoemfazeranlisemaiscomplexadasociedadeamericana, procuradistinguirtasteculturesemqueaidiadeumaopopor determinadoestilodeconsumoculturalpermitiriatraarumquadromais flexvelerico,semdeixardeidentificarvariveissociolgicascapazesde estabelecer limites e possibilidades, como a classe social, a tnia e a faixa etria (Gans,1974).Anoodequeexisteumacertamargemdeliberdadee iniciativaparecesertil,especialmenteparaacompreensodasociedade complexaondeosindivduosparticipamdeformadesigualemdiferentes mundos com produes simblicas de alguma especificidade e at, em certos casos, conflitantes. Assim que, movendo-se do trabalho para a famlia, como membrodealgumareligio,noseulazer,participandodealgumaassociao ou grupo poltico, interagindo em geral com diferentes pessoas de sua rede de relaes,ohabitantedagrandemetrpole,especialmente,sevparticipando de cdigos e valores que podem guardar pouca coerncia entre si, provocando respostasedecisesmuitasvezescontraditrias(Wirth,1966).Ouseja,o mapasocialestlongedeserclaroeaspessoassolevadas,conscienteou inconscientemente,atomardecisesquevomarcartiposdetrajetrias possveis dentro de uma sociedade. A busca da lgica dessas decises pode ser umdoscaminhosparaentenderamaioroumenoreficciadossistemas simblicosenvolvidos.Sahlinsargumentaque,nasociedadecapitalista ocidental, as relaes de produo constituem o principal foco de manifestaes daproduosimblica,masistonodeveimplicaremumaformade reducionismo que desconhea, no s as mediaes, como o fato de que outros focosexistemepodemserdecisivosedeterminantesemvriassituaese momentosdavidasocial. Poroutro lado,assinalaraimportncia dasrelaes deproduonaatualizaodesignificadosnavidasocial,noimplicaem reconhecerumanicadireooutendncianodesenvolvimentodasrelaes deproduopropriamenteditas.Isto umaquestodepesquisacientfica, a verificar. CULTURA COMO UM CDIGO importante distinguir os possveis diferentes sistemas simblicos que existem emumasociedadecomplexa,procurarpercebersuasfronteirasesuas ambigidades.Poroutrolado,fundamentalcompreendercomoindivduos concretosinterpretamossmbolosesignosqueestosuavolta,como internalizameaquedeciseschegamemmomentosdeopotantoem situaesexplicitamentedramticasdahistriadeumasociedade,quantoao nvel do cotidiano, no que Raymond Firth chamou de organizao social (Firth, 1975). Esta idia de que a sociedade e a cultura esto sempre se fazendo, que nosoentidadesestticaspairandosobreosindivduostambmuma contribuioimportanteaserassinalada(Leach,1954).Osindivduos concretos,emsuasbiografias,interpretam,mudamecriamsmbolose significados,evidentementevinculadosaumaherana,aumsistemade crenas.Comissorecupera-seaidiadequeosindivduostambm desempenham o papel de agentes na transformao e mudana da cultura e da sociedadeenosomerosjoguetesdeforasimpessoais.Ofatodequeas pessoasnascemdentrodeumsistemascio-culturaljdadonoquerdizer queestesistemanoestejasempresefazendoatravsdasbiografias individuais. No necessrio ter conscincia e percepo do sistema enquanto totalidade(problemtica)parainfluenci-loatravsdeaeseinterpretaes em que os smbolos so manipulados e transformados diante de circunstncias esituaesnovas.Emboraumindivduosozinhonoinventeumacultura, atravsdasinteraesdosindivduosdesempenhandoereinventandopapis sociais que a histria sedesenrola.Entendendo-se a cultura como um cdigo, comoumsistemadecomunicao,percebe-seoseucarterdinmicoao produzirinterpretaesesignificados,smbolosdiantedeumarealidade permanentemente em mudana. J se disse, em diversas oportunidades, que a sociedade urbana industrial contempornea apresenta um ritmo e velocidade de mudanaparticularmenteacelerado,emgrandeparteemfunoda importnciarelativadasrelaesdeproduo.Ficammaisclarasainda, portanto, as alteraes e transformaes ao nvel da cultura que no so meras conseqnciasouresultadosdainfra-estrutura,masquedosentidoe intencionalidadeaosprocessossociais,sejatendocomofocoareligio,o sistema de parentesco ou as relaes de produo como no caso da sociedade complexa moderna. Umdosgrandesproblemasdoantroplogoaoestudarasociedadecomplexa modernaconseguiridentificarosdiferentes cdigosexistentese,aomesmo tempo, procurarverificar at que ponto e como esto interligados ese forma, constituem uma totalidadequepossaserdescritae analisada.Muitasvezeso investigadorlevadoapressuporumatotalidadequecoincidecomas fronteirasestabelecidaspoliticamente, isto podecorresponderaoresultadode investigaocientficaoupodesersimplesmente,umrecursoperigoso.o ponto em que se colocam velhas questes: o que mais significativo, por ex., umapopulaoruralqueidentificadasociologicamentecomosendo camponesa,tendo,portantocaractersticassemelhantesaoutraspopulaes espalhadaspeloplaneta,ouofatodelaestarsituadanoterritriodeuma naoespecficaBrasil,ndia,Noruega?Hcasosinclusivedalnguaou dialeto falado no corresponder lngua oficial do pas, como muitas vezes no Mxico.Atquepontopode-sefalaremumacultuanacional?Parece-nos, como j foi mencionado, que s se pode superar essa dificuldade com a noo de dominncia, em que fique claro que nos casos de uma coexistncia, em um determinadoterritriocomfronteiraspolticas,hquenopressuporuma homogeneidade,massimidentificarasrelaesentreoscdigosouculturas, ousubculturasexistentes,eexaminarasrelaesentreelas,fazendoa perguntasobrequando,ondeecomopode-sefalarnumpredomniodeuma sobreaoutra.Otrabalhodedecodificaressasculturasoudetraduziros cdigos , na realidade, o trabalho bsico de todo antroplogo. 4 Seaunidadedeanlise,oslimitesdocdigo-objeto,sooproblemacentral para o estudo antropolgico das sociedades complexas, o mtodo, ou melhor, a postura diante do objeto, tambm coloca questes importantes. O que se pode conhecer,ecomo?Diantedeumaoutracultura,estasperguntas necessariamente se impem. Mas quanto uma cultura outra? No estudo de subculturasdentrodasociedadedoobservador,estumadvidaadicional, maisprementedoquenocasofacilmenteexotizveldeculturasindgenas, no-ocidentais etc. A natureza e o grau de alteridade que separam a cultura do observadordaculturaobservadasugerem problemas epistemolgicosquevo constituir o ponto cego da Antropologia. Estaquestoadorelativismo,eadacomunicaointercultural:noum privilgio da Antropologia: o historicismodefronta-se com ela igualmente. Mas foi a disciplina antropolgica quem mais elaborou o tema. Secadaculturaumuniversoemsimesmo,secadahomemest penetrado por ela em seus menores atos e pensamentos, como pode o observador sair de si,colocar-senolugardooutro(masseristomesmo?),eretornar?Queele tenha que retornar, das regras do jogo ou no haveria Antropologia. Emprimeirolugar,pode-sesuporingenuamenteumacapacidadeinatade efetuaodeumareduofenomenolgica,quepermitaaoobservador esquecer suas determinaes histrico-culturais graas, quem sabe, a uma caridade(emsentidoliteral),aumaltrusmoqueimpliquearenegaodo EU em benefcio do Outro. Um altrusmo intelectual, diramos. Na verdade, isto no to ingnuo assim: a recordao de J.J. Rousseau feita por Lvi-Strauss esclarecedoradosentidoprofundodaAntropologia(Lvi-Strauss,1973, cap.III). ApossibilidadedesteacessoaoOutroproblemticadesdequeseadmiteo carter sistmico e hiperdeterminstico de cada cultura em particular pode ser fundamentada,comoesforoparaescapar-seaosolipsismorelativista,na naturezahumana.Assim,aAntropologiapodepostularauniversalidadedos mecanismos bsicosda mente humana,quesustentamasdiversas culturas, e considerarestadiversidadecomovariaoapartirdomesmorepertrio. Donde,acederaoOutrorealizarumesforofundadoteoricamente, admite=sedeestabeleceratransformaorelativaquedistanciaduas culturas a partir do mesmo repertrio (esta a posio clssica de Lvi-Strauss, 1950). Em outra direo, a concepo da Cultura como cdigo sustentaria aseguinte formulao: uma vez que uma cultura consiste em conjuntos de regras para a ao (e o pensamento), determinar estas regras e seu funcionamento permite queentendamosdedentroocomportamentodosmembrosdeumaoutra cultura. Umaviso gramatical; como se, para falar chins, bastassem algumas aulasdechins.Oqueestavisonolevaemconta,queosistemade regrasquedefineumaculturaagido,eacompetnciaseatualizaemum desempenho.Odomniodasregrasefetuadoporumnativoradicalmente diferentedo conseguido porqualquer estrangeiro.Estadiferena a questo. TalvezelasejairredutveleaAntropologiadevasecontentaremcodificaro vividopelosOutros.Talvezaoseja,masnestecasocorre-seoriscodo subjetivismo e, pior, do etnocentrismo disfarado de compreenso vivida. Emqualquercaso,oqueparececlaroqueanoodeCulturacomometa-cdigocolocaalgumasquestesfundamentaisparaaAntropologia.A Lingsticamesma,queexportouestaconcepo,cadavezmaistemse preocupadocomosaspectosdaparole(vs.langue),dodesempenho(vs. competncia),daenunciao(vs.enunciado).EmAntropologia,istosignifica uma preocupao detida em observar as formas pelas quais as regras cultuais so atualizadas pelos agentes. Assim, no basta construir modelos: trata-se de soldar o espao entre modelo e ao, entre representao e prtica. Desde que seadmitequeaaomodelada,queaprticarepresenta,exprime simbolicamenteaspectosdaCultura,vai-seaceitarqueocomportamento individual s tem sentido a partir da cultura mas isto no esgotaria a anlise, sob pena de um formalismo enrijecedor. Nocasodoestudodesociedadescomplexas,oproblemasedesdobrapela ambigidade do objeto: o que comum ao observador e ao observado, o que diferenteemtermosdeCultura?Nosepodemaisrecorreraofcil inconscientequegaranteumacomunicaoporbaixodasbarreirasculturais. Trata-seaquidereconhecerestasbarreiras,sobpenadeprojetar etnocentricamentecomimplicaespolticas-avisodoobservador.Eh ainda problemas mais concretos. Reconhecer as distncias, e portanto esforar-seporsupera-lascientificamente,nocadodocontatoentreoantroplogoe uma sociedade radicalmente extica, talvez seja mais fcil que fazer o mesmo quandoseestudamsubgruposdentrodasociedadedoantroplogo.Neste ltimocaso,oproblemaepistemolgicoestsocialmenteancorado.O observadorpartedasociedadedoobservador.Assim,oconfrontono apenasousobretudoentreoantroplogoeoobjeto,masentre representantesde segmentosde ummesmosistemasocial. Asrelaesentre estes segmentos determinam previamente o curso da reflexo, o que vai exigir umavigilnciaepistemolgicadeoutrotipo.Oqueserobservador,em casos como este? Quem pode observar, e o que a posio de observador deixa ver, e o que ela no deixa? Se, no caso da Antropologia das sociedades no-ocidentais, o movimento era o datransformaodoextico(dadopreviamente)emfamiliar(atravsda reflexo), o estudo de sociedades complexas supe a transformao do familiar (dado,edadopr-conceitualmente)emexticoodistanciamento antropolgico (ver Da Matta, 1974). Noentanto,essasnoesdedistnciaentrepesquisadoreobjetoso problemticas e a prpria noo de familiar deve ser examinada com cuidado. Oquesemprevemoseencontramospodeserfamiliarmasno necessariamente conhecido e o que no vemos e encontramos pode ser extico mas,atcertoponto,conhecido.Noentantoestamossemprepressupondo familiaridadeseexotismocomofontesdeconhecimentooudesconhecimento, respectivamente(verVelho,Gilberto).Ouseja,estamos,nonossocotidiano, como membros de uma sociedade lidando com situaes e pessoas com que ou quempodemosestaracostumados,habituados,masissonosignificaque saibamos,conheamosasuainseronavidaeprocessosocial,que entendamosafontededistores,poisosnossosmapassociaisso,em grande parte, construdos em cima de esteretipos e rtulos. Por outro lado, o fatodesermembrodeumadeterminadasociedadeeparticipanteemuma culturaespecficapodepermitir umtipo de percepoesensibilidade,a partir deumavivncia,difceisdeserematingidasporumobservadordefora. Portanto,apossibilidadedoantroplogoprocurardecodificaraprpriacultura emqueestinserido,pormaisqueenvolvariscosedificuldades,pareceser uma etapa inevitvel do desenvolvimento da pesquisa antropolgica, em que o esforoderelativizaochegaaumpontocrucial.Istospodeserpossvel num momento em que j existe um vasto conhecimento a respeito das outras culturas,oquepodedarumadimensocomparativacomorefernciaao pesquisador de sua prpria sociedade e cultura. BIBLIOGRAFIA BATESON, Gregory Naven, Stanford, Sanford University Press, 1958. BENEDICT, Ruth Patterns of Culture, Boston, Hougthon Mifflin, 1961. BERGER,PetereLUCKMAN,ThomasAConstruosocialdaRealidade,RiodeJaneiro, Vozes, 1974. BOAS, Franz Race, Language and Culture, New York, Free press, 1966. BOURDIEU,Pierre Esquisse dune Thorie de la Pratique Genve Paris, Librairie Droz, 1972. DA MATTA, Roberto A. O ofcio de Etnlogo ou como ter Anthropological Blues. Cadernos do Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social Rio de Janeiro, 1974. DOUGLAS, Mary Purity and Danger, London; Routledge and Kegan Paul, 1966 (Traduzido e publicado no Brasil pela Editora Perspectiva). DUMONT, Louis Homo Hierarchicus, Paris, Gallimard, 1966. DURKHEIM,EmileeMAUSS,Marcel,EssaisdeSociologie,EditionsdeMinuit,Paris,1968e 1969. ELIAS, Norbert La Civilisation ds Moeurs Calman-Lvy Paris, 1973. EVANS-PRITCHARD,E.E.Witchcraft,OraclesandMagicAmongtheAzande,Oxford, Claredon Press, 1937. FIRTH, Raymond Elementos de Organizao Social, Rio de Janeiro, Zahar, 1974. GEERTZ, Clifford The Interpretation of Cultures, New York, Basic Books, 1973. KROEBER,A.L.KandKLUCKHON,C.Culture,aCriticalReviewofConceptsandDefinitions. Vintage Books, New York, 1952. LVI-STRAUSS, Claude Introduction LOeuvre de Marcel Mauss em Mauss, Marcel, Paris, P.U.F., 1950. - Antropologie Structurale II, Paris, 1973. - The Elementary Structures of Kinship, Rev.ed., London: Eyre and Spottiswoode, 1969 (publicado originalmente em francs em 1949 e traduzido no Brasil pela Editora Vozes). LINTON, Ralph The Study of Man, New York, Apleton-Century, 1936. LEACH, E. Political Systems of Higland Burma, Harcard University Press, 1954. MALINOWSKI,BronislawArgonautsoftheWestern Pacific,London,Routiedgeand Kegan Paul, 1950. -Uma Teoria Cientfica da Cultura. Rio, Zahar, 1966. SAHLINS,MarshallD.CultureandPracticalReasonTheUniversityofChicagoPress, 1967. TURNER, Victor The Forest of Symbols. Ithaca, N.Y. Cornell University Pres, 1967. -O Processo Ritual Vozes, 1974. VELHO, Gilberto Observando o Familiar em Nunes Edson, Org. O Quotidiano da pesquisa em Cincias Sociais. Zahar, no prelo. WIRTH, Louis O urbanismo como Modo de Vida em O Fenmeno Urbano. Zahar, 1966.