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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE LETRAS MESTRADO EM LETRAS THAÍS BENÁLIO DE SOUZA CONECTIVOS COORDENATIVOS PORTUGUESES: POR UM ESTUDO DO SENTIDO NO UNIVERSO TEXTUAL NITERÓI 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS

INSTITUTO DE LETRAS MESTRADO EM LETRAS

THAÍS BENÁLIO DE SOUZA

CONECTIVOS COORDENATIVOS PORTUGUESES:

POR UM ESTUDO DO SENTIDO NO UNIVERSO TEXTUAL

NITERÓI

2008

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THAÍS BENÁLIO DE SOUZA

CONECTIVOS COORDENATIVOS PORTUGUESES:

POR UM ESTUDO DO SENTIDO NO UNIVERSO TEXTUAL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: Estudos de Linguagem.

Orientador: Prof. Dr. RICARDO STAVOLA CAVALIERE

Niterói

2008

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

S729 Souza, Thaís Benálio de. Conectivos coordenativos portugueses: por um estudo do sentido no universo textua l / Thaís Benálio de Souza. – 2008.

162 f. Orientador: Ricardo Stavola Cavaliere. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2008. Bibliografia: f. 157-162.

1. Língua portuguesa - Morfologia. 2. Língua portuguesa - Sintaxe. 3. Língua portuguesa - Conectivos. 4. Análise do discurso (Lingüística). I. Cavaliere, Ricardo Stavola. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Letras. III. Título. CDD 469.5

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THAÍS BENÁLIO DE SOUZA

CONECTIVOS COORDENATIVOS PORTUGUESES:

POR UM ESTUDO DO SENTIDO NO UNIVERSO TEXTUAL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: Estudos de Linguagem.

Aprovada em março de 2008.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. RICARDO STAVOLA CAVALIERE - Orientador UFF

Prof.ª Dr.ª TEREZINHA MARIA DA FONSECA PASSOS BITTENCOURT UFF

Prof.ª Dr.ª DARCÍLIA MARINDIR PINTO SIMÕES UERJ

Prof. Dr. MAURÍCIO DA SILVA UFF

Prof. Dr. JOSÉ CARLOS SANTOS DE AZEREDO UERJ

Niterói

2008

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A Deus e à minha família.

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal Fluminense,

Ao Professor Doutor Ricardo Stavola Cavaliere,

Às Professoras Doutoras Terezinha Bittencourt e Darcília

Simões,

Aos Professores Doutores Maurício da Silva e José Carlos de

Azeredo,

Às Professoras Doutoras Vera Lúcia Soares e Maria Bernadette

Porto,

À Secretaria de Pós-Graduação em Letras da Universidade

Federal Fluminense e à Nelma,

A todos os professores com quem convivi e de quem tive o

privilégio de ser aluna no curso de Mestrado em Língua

Portuguesa.

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RESUMO Este trabalho se trata de uma investigação semântica de uma das categorias de

palavras da língua portuguesa: as conjunções coordenativas. A definição que a NGB confere a tais elementos lingüísticos é, na maior parte dos casos, limitadora, visto que aponta somente seus valores semânticos primordiais por meio de designações de suas funções mais gerais. Para se libertar dessa visão imposta ao longo do tempo pela Escola e seu método “decoreba” de estudo da morfossintaxe, o falante deve recorrer à semântica, que é capaz de levá-lo a um estudo reflexivo dos conectivos e, assim, verificar a pluralidade de sentidos que essas unidades coesivas podem manifestar no plano do texto (discurso). Graças a conceitos da Lingüística Textual e da Análise do Discurso, verifica-se, durante a análise semântica do objeto de estudo, uma infinidade de valores a que geralmente alunos dos ensinos fundamental e médio não têm acesso. Aborda-se, de um lado, a caracterização ducrotiana de operador lógico e operador argumentativo na perspectiva de Koch (In: CLEMENTE, 1992), através da qual são observados dois tipos de relações de naturezas bem distintas estabelecidas pelos conectivos coordenativos. De outro lado, discorre-se sobre o conceito geral das relações lógicas charaudeaunianas, articulado à argumentação. Além disso, encontram-se expostas, ainda que com certa brevidade, as contribuições coserianas observadas por meio de nova proposta de classificação das palavras do sistema lingüístico e de seus respectivos significados, bem como a análise do funcionamento da linguagem a partir da tríplice distinção do conteúdo. A relevância da investigação do sentido se deve ao fato de que ele representa o conteúdo que se manifesta em situações concretas de comunicação a partir de outros dois: do conteúdo significativo (significado), que faz parte da essência de qualquer palavra, e do conteúdo designativo, ou seja, de elementos e/ou fa tores lingüísticos e extralingüísticos que permeiam o contexto.

Palavras-chave: conectivos coordenativos; morfossintaxe; sentido; texto; discurso.

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RÉSUMÉ Ce travail propose une investigation sémantique sur une des catégories de mots de la

langue portugaise: les conjonctions de coordination. La définition que la NGB confère à tels éléments linguistiques est, dans la plupart des cas, limitative, puisqu’elle n’indique que leurs valeurs sémantiques primitives à travers les désignations de leurs fonctions les plus générales. Pour qu’on se libère de cette vision imposée depuis longtemps par l’École et sa méthode “decoreba” d’étude de la morphologie et de la syntaxe, le parlant doit avoir recours à la sémantique, qui est capable de le mener à une étude réflexive des connecteurs et de vérifier donc la pluralité de sens que ces unités de cohésion peuvent manifester sur le plan du texte (discours). Grâce aux concepts de la Linguistique Textuelle et de l’Analyse du Discours on vérifie au cours de l’analyse sémantique de l’objet d’étude une infinité de valeurs auxquelles les étudiants de l’enseignement primaire et du lycée en général n’ont pas d’accès. On traite, d’un côté, la caractérisation ducrotienne d’opérateur logique et d’opérateur argumentatif sur la perspective de Koch (In: CLEMENTE, 1992) où l’on observe deux types de relations dont les natures sont bien différentes. Ces relations se sont établies par les connecteurs de coordination. D’autre part, on discourt sur la conception générale des relations logiques charaudeauniennes, qui sont articulées à l’argumentation. De plus, bien que d’une façon brève, on expose les contributions coseriennes observées à travers une nouvelle proposition de classification des mots du système linguistique et de leurs respectifs signifiés, ainsi que l’analyse du fonctionnement du langage à partir de la triple distinction du contenu. L’importance de l’investigation du sens est due au fait qu’il représente le contenu qui se manifeste en situations concrètes de comunication à partir de deux autres contenus: le contenu significatif (le signifié), qui intègre l’essence de n’importe quel mot, et le contenu désignatif, c’est-à-dire, les éléments et les facteurs linguistiques et extralinguistiques qui se trouvent dans le contexte. Mots-clé: connecteurs de coordination; morphologie; syntaxe; sens; texte; discours.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 8 2 SOBRE CONECTIVOS ..................................................................................................... 11

2.1 IDENTIFICAÇÃO E DEFINIÇÃO DE CONECTIVOS ............................................................. 11

2.2 OS CONECTIVOS COORDENATIVOS ............................................................................. 13 3 A CONJUNÇÃO COORDENATIVA NA TRADIÇÃO GRAMATICAL ........................ 17

3.1 RUPTURA DO QUADRO TRADICIONAL DAS CONJUNÇÕES COORDENATIVAS ....... 35 4 COORDENAÇÃO E CORRELAÇÃO: DISTINÇÕES ..................................................... 65 5 CONJUNÇÕES COORDENATIVAS: SIGNIFICADO E SENTIDO .............................. 74

5.1 AS CONJUNÇÕES COORDENATIVAS E AS RELAÇÕES LÓGICAS DE CHARAUDEAU ................................................................................................................ 79

5.2 AS CONJUNÇÕES COORDENATIVAS E OS OPERADORES LÓGICO

E ARGUMENTATIVO NA PERSPECTIVA DE KOCH ......................................................... 115

5.2.1 Conectivos coordenativos de tipo lógico ......................................................... 115

5.2.1.1 Relação de causalidade ................................................................................................ 116

5.2.1.2 Relação de disjunção ................................................................................................... 118

5.2.1.3 Relação de temporalidade ............................................................................................ 122

5.2.2 Conectivos coordenativos discursivos .............................................................. 123

5.2.2.1 Operadores de conjunção ............................................................................................. 124

5.2.2.2 Operadores de disjunção argumentativa ........................................................................ 126

5.2.2.3 Operadores de contrajunção ......................................................................................... 127

5.2.2.4 Operadores de justificativa ou explicação ...................................................................... 130

5.2.2.5 Operadores de conclusão .............................................................................................. 131 6 ANÁLISE DE ALGUNS CONECTIVOS COORDENATIVOS ..................................... 133

6.1 CONJUNÇÕES ADITIVAS .............................................................................................. 133

6.2 CONJUNÇÕES ALTERNATIVAS ................................................................................... 137

6.3 CONJUNÇÕES ADVERSATIVAS ................................................................................... 140

6.4 CONJUNÇÕES EXPLICATIVAS ..................................................................................... 148

6.5 CONJUNÇÕES CONCLUSIVAS ...................................................................................... 150 7 CONCLUSÃO .................................................................................................................. 155 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 157

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1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem por objetivo investigar o papel dos principais conectivos

coordenativos do português, tomando por base a classificação da Tradição Gramatical

consolidada na NGB, e os diversos valores semânticos que essas palavras podem manifestar

no plano do texto (discurso)1. Hoje sabemos que, para formar alunos competentes em sua

própria língua – isto é, capazes de interpretar e de redigir textos, empregando unidades

lingüísticas coesivas de forma adequada e consciente de acordo com o contexto –, a atividade

de ensino-aprendizagem da morfossintaxe nas escolas deve estar aliada à semântica. Desse

modo, desvencilhando-nos da noção de conjunções dada pela Gramática Tradicional e

adotando um método de ensino reflexivo, poderíamos mostrar ao aluno que unidades

lingüísticas como os conectivos coordenativos não se prestam apenas a ligar segmentos do

discurso e não possuem valores semânticos fixos, eles também veiculam muitos sentidos que

não são ditos, mostrando vozes não-explícitas no universo textual.

No segundo capítulo, identificaremos e definiremos os conectivos, valendo-nos de

conceitos que a Lingüística Textual nos tem proporcionado. Para isso, estabeleceremos

distinção entre as noções de conectores e conectivos lingüísticos. Apesar de ambos os termos

apresentarem a função de conectar segmentos de naturezas diversificadas no texto (discurso),

os primeiros são mais abrangentes – correspondem a palavras gramaticais, como conjunções,

pronomes, preposições, e também a palavras lexicais, como advérbios – e os segundos, de

sentido mais restrito, constituem somente alguns itens gramaticais: conjunções

coordenativas, conjunções subordinativas, pronomes relativos e preposições. Em seguida,

1 Pautamo -nos na definição de texto (discurso) de Mira Mateus (MATEUS, 2003: 134): “um objecto

materializado numa dada língua natural, produzido numa situação concreta e pressupondo os participantes locutor e alocutário, fabricado pelo locutor por selecção sobre tudo o que, nessa situação concreta, é dizível para (e por) esse locutor a um determinado alocutário”.

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abordaremos os conectivos coordenativos e mostraremos o quanto o vocábulo conjunção é

polissêmico, justificando nossa preferência por conectivo.

No capítulo 3, será mostrado como os conectivos coordenativos são apresentados pela

Tradição Gramatical ao longo do tempo. Analisaremos, assim, gramáticas dos séculos XIX,

XX e XXI, nas quais seus autores realizam estudos etimológico, morfológico e, alguns deles,

até mesmo semântico das conjunções coordenativas da língua portuguesa no Brasil. Tratar-

se-á, ademais, da ruptura do quadro tradicional dessas palavras. Para isso, observaremos o

que lingüistas como Evanildo Bechara (BECHARA, 2004) e Maria Helena de Moura Neves

(NEVES, 2000) consideram que representam as conjunções coordenativas, como classe de

palavras de características peculiares de nosso sistema lingüístico.

No capítulo 4, serão expostas as principais diferenças entre a coordenação – que

constitui um dos processos sintáticos da NGB, ao lado da subordinação – e a correlação –

que é considerada como sendo um processo sintático apenas para alguns autores, como José

Oiticica (OITICICA, 1952) e Gladstone Chaves de Melo (MELO, 1971).

No capítulo 5, sustentaremos a tese de que os conectivos coordenativos são palavras

gramaticais, e, desse modo, constituem signos, apresentando dois sinais essenciais:

significante e significado. Exporemos, em linhas gerais, alguns estudos do lingüista romeno

Eugenio Coseriu, em que estabelece distinção entre suas três classes de palavras: as

lexemáticas, as categoremáticas e as morfemáticas (ou instrumentais). Cada uma delas

apresenta um tipo de significado, sendo cada um deles de naturezas bem distintas. Assim, é

óbvio, por exemplo, que uma palavra lexical (lexemática) não tenha um significado de

mesmo caráter que o de uma palavra gramatical (categoremática ou morfemática). Além

disso, será abordada a tríplice distinção do conteúdo, a partir da qual mostraremos a

importância do estudo do sentido, por ser ele o conteúdo que se manifesta em situações reais

de comunicação. Ainda neste capítulo, trataremos do conceito geral de relações lógicas que

Patrick Charaudeau (CHARAUDEAU, 1992) articula à argumentação, a fim de tirarmos

proveito da brilhante análise que faz dos inúmeros valores semânticos que podem manifestar

os relatores lógicos no ato comunicativo, ou seja, no discurso. Por fim, exibiremos um

estudo de Ingedore Koch (KOCH, 1992) em que a autora trabalha com a caracterização de

operador lógico e operador argumentativo, que demonstra sua visão de influência

ducrotiana. Essa análise da lingüista encontrar-se-á articulada aos conectivos coordenativos

que se enquadram entre os operadores de tipo lógico – que figuram em relações de natureza

lógica – e àqueles que se incluem entre os operadores argumentativos – que estabelecem

relações argumentativas (ou discursivas).

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No capítulo 6, será realizada análise semântica dos principais conectivos

coordenativos em corpus teórico de língua escrita contemporânea, selecionado a partir de

textos de jornais de diversos gêneros – editoriais, manchetes, propagandas etc. Para tanto,

valer-nos-emos de três perspectivas diferentes: 1) Tradição Gramatical, 2) Neves e Bechara

(segundo a 37.ª edição refundida da Moderna Gramática Portuguesa), 3) Charaudeau.

Acreditamos que, por se tratar de uma pesquisa que alia morfossintaxe ao estudo

semântico de elementos coesivos tão relevantes para a produção de textos, nosso trabalho

fornecerá importantes contribuições ao sistema de ensino da língua portuguesa, podendo ser

lido e aproveitado não apenas em meios acadêmicos por lingüistas e demais estudiosos do

português, como professores universitários e alunos graduandos e pós-graduandos, mas

também no ambiente escolar, por professores e alunos de diferentes séries.

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2 SOBRE CONECTIVOS

Pretendemos, antes de passar a uma efetiva descrição do objeto de estudo, identificá-

lo e defini- lo, isto é, tornar conhecido o objeto que se pretende pesquisar e, em seguida,

afirmar o que é que se vai descrever. Essa etapa inicial constitui procedimento indispensável

para que possamos alcançar o objetivo primordial da presente dissertação: a análise dos

possíveis sentidos que os conectivos coordenativos do português do Brasil podem assumir no

texto (discurso).

Apresentados os procedimentos que serão realizados e o objetivo do trabalho

dissertativo, acreditamos que possamos dar início à tarefa.

2.1 IDENTIFICAÇÃO E DEFINIÇÃO DE CONECTIVOS

Primeiramente, julgamos necessário identificar e definir os conectores, visto que

possuem caráter mais abrangente, abarcando os conectivos de nossa língua.

Num sentido geral, conectores são elementos lingüísticos que dizem respeito a

quaisquer termos que servem para conectar, unir segmentos menores ou maiores em um dado

texto (discurso), para estabelecer relações semânticas entre eles e, em muitos casos, para

determinar a orientação argumentativa de segmentos que introduzem.

Os conectores podem ser representados tanto por palavras gramaticais quanto por

palavras lexicais – conjunções, pronomes, preposições, advérbios etc. – que desempenhem

essas funções específicas, auxiliando e determinando processos argumentativos em

determinado texto (discurso). Esses termos, que promovem a conexão na linguagem, são

capazes, portanto, de garantir a coesão textual (KOCH & TRAVAGLIA, 1993), uma vez que

contribuem para que haja continuidade de sentido numa situação concreta de comunicação,

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levando o interlocutor a atingir o sentido global do texto (discurso), ou seja, a alcançar a

coerência textual2. Desse modo, Koch, em seu artigo “Dificuldades na leitura/produção de

textos: os conectores interfrásticos” (In: CLEMENTE, 1992: 85), apresenta a coesão e a

coerência como fatores de textualidade3, essenciais para que uma manifestação lingüística

possa constituir um texto:

Entre os fatores de textualidade – conjunto de propriedades que qualquer manifestação lingüística deve possuir para constituir um texto –, destacam-se a conexão seqüencial (ou coesão) e a conexão conceitual-cognitiva (ou coerência). A primeira diz respeito ao modo como os elementos lingüísticos da superfície textual se encontram relacionados entre si numa seqüência linear; a segunda, à maneira como os componentes do universo textual – conceitos e relações subjacentes ao texto de superfície – se unem numa configuração, de modo acessível e relevante. (cf. Beaugrande-Dressler (1981), Marcuschi (1983), Mateus et al. (1983)).

Assim, são os conectores elementos lingüísticos responsáveis pela conexão

seqüencial. Eles podem promover relação de tipo lógico, que um locutor estabelece entre o

conteúdo de duas proposições, sendo marcada por conectores de tipo lógico4. Nesse caso,

tem-se somente um enunciado, resultante de um ato de fala, uma vez que a compreensão da

idéia depende das duas proposições envolvidas. Há também os encadeadores do discurso, –

também conhecidos como operadores argumentativos –, que unem enunciados no texto

(discurso) por meio de “processos de seqüencialização” (In: CLEMENTE, 1992: 85), isto é,

de encadeamentos sucessivos, oriundos de atos de fala diversos. E através de tais processos

“se exprimem os diversos tipos de interdependência semântica e/ou pragmática entre os

enunciados componentes de uma superfície textual” (In: CLEMENTE, 1992: 85).

No primeiro caso, em que se verifica apenas um enunciado, resultante de um único

ato de fala, a relação de interdependência apresenta grau elevado, já que se têm duas

proposições cujos conteúdos são indispensáveis à compreensão da manifestação

2 KOCH & TRAVAGLIA, op. cit., passim.

3 Entendemos por textualidade o “conjunto de propriedades [ou seja, de fatores pragmáticos responsáveis pela organização estrutural e conceitual (que se enquadram na propriedade de conectividade) do texto, e de outros de ordem pragmática: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, intertextualidade, informatividade] que uma manifestação da linguagem humana deve possuir para ser um texto (discurso)” (MATEUS, 2003: 134).

4 Conectores de tipo lógico, ou operadores de tipo lógico, são aqueles que estabelecem relações “lógicas” (de tipo lógico) em línguas naturais, ou seja, relações entre acontecimentos e/ou fatos que se dão numa ordem “natural”, sendo conhecidas pelos homens e por eles partilhadas. Não se deseja afirmar aqui que a linguagem seja um objeto de natureza lógica, cometendo, desse modo, um erro logicista (cf. COSERIU, Eugenio. Logicismo e antilogicismo na gramatica. In: Teoria da linguagem e lingüística geral , 1979: 174-192).

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comunicativa. Tipo de relação essa que se poderia denominar subordinação semântica5. No

segundo caso, os diferentes enunciados encadeados sucessivamente, provenientes de atos de

fala distintos, possuem tamanha relação de independência semântica, que poderiam ser

proferidos por indivíduos diferentes. Tem-se, aqui, uma relação de coordenação semântica

(BALLY6, 1944 apud KOCH, 1992: 86).

Os conectivos, pelo fato de também serem considerados conectores, apresentam as

mesmas características funcionais mencionadas anteriormente, todavia, não constituem itens

lexicais, mas itens gramaticais, sendo representados pela NGB como conjunções

coordenativas, conjunções subordinativas, pronomes relativos e preposições.

Identificados os conectivos portugueses, passar-se-á a sua definição.

Tais termos, por serem lingüísticos, são semânticos e, portanto, apresentam

significados7 primários. Porém, é numa situação concreta de comunicação que esses itens que

compõem a gramática portuguesa podem assumir variados sentidos, ou valores contextuais –

porque também dependem de elementos e/ou fatores extralingüísticos, como “conhecimento

de mundo”, “conhecimento partilhado”, inferências, fatores pragmáticos, enfim, fatores

contextuais diversos, para se manifestarem –; valores evidentes no texto (discurso). Desse

modo, além de conectarem segmentos variados – sintagmas, frases, orações, períodos,

enunciados, parágrafos –, os conectivos constituem mecanismos de grande relevância para a

estruturação de um texto, a ponto de lhe determinarem o sentido. Logo, a ausência ou a

escolha inadequada desses elementos comprometeria a interpretação textual.

Depois de todas essas considerações traçadas até aqui, pode-se afirmar que todo

conectivo é um conector, mas nem todo conector é um conectivo.

2.2 OS CONECTIVOS COORDENATIVOS

Os conectivos coordenativos, tema do presente trabalho dissertativo, são mecanismos

lingüísticos que ora apenas elucidam relações específicas e bem determinadas, permitindo

que seus valores semânticos sejam influenciados por elas, ora determinam as relações de

5 Terminologia de Bally (1944).

6 Terminologia de Bally (1944).

7 Considera-se que os conectivos, mesmo sendo itens gramaticais, possuem significante e significado, já que são elementos que pertencem a uma língua funcional. Sendo o significado e a designação, – que deve ser entendida como conteúdo que remete ao extralingüístico –, elementos indispensáveis para que se chegue ao sentido; viabilizam-se, a partir desse momento, a compreensão e a interpretação de um texto.

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sentido entre os segmentos de um texto (discurso), a partir do momento em que influenciam

tais relações através dos valores que lhes são específicos, de seus significados, seus sentidos

objetivos8. Sendo assim, a escolha de um dado conectivo pode alterar a natureza de uma

relação, modificando, por conseguinte, o sentido do texto (discurso). Isso ocorre porque

certos conectivos, como o e, apresentam “caráter mais neutro” (NEVES, 2000: 739),

deixando-se determinar pela natureza da relação dos conteúdos argumentativos envolvidos.

Outros, por sua vez, possuem caráter significativo bem definido e costumam determinar

relações textuais.

Além disso, esses elementos, que, segundo a Gramática Tradicional, correspondem a

mecanismos responsáveis pelos processos de coordenação, podem estabelecer as relações, já

comentadas anteriormente, de natureza lógica e discursiva. Promovem, desse modo, tanto

relações de maior dependência semântica, quanto de menor dependência semântica, mesmo

que elas apresentem, nos dois casos, maior grau de independência sintática que as

subordinadas.

Pretendemos falar também a respeito do equívoco que comete a Gramática

Tradicional do português ao se referir aos conectivos coordenativos como conjunções. Na

maioria de nossas gramáticas, verifica-se que conjunções são esses próprios elementos que

ligam segmentos textuais. Assim, para seus autores, conjunções correspondem aos

conectivos de uma língua: “conjunções são os vocábulos gramaticais que servem para

relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração” (CUNHA &

CINTRA, 2001: 579); “a língua possui unidades que têm por missão reunir orações num

mesmo enunciado”9 (BECHARA, 2004: 319).

O vocábulo conjunção é polissêmico, já que também representa uma operação que,

segundo Charaudeau (CHARAUDEAU, 1992: 498), “consiste em ligar duas asserções em

que ao menos um dos elementos constitutivos de uma é semanticamente idêntico a um dos

elementos constitutivos da outra”10. Além disso, o termo “conjunção”, de acordo com

8 O lingüista Eugenio Coseriu afirma que o sentido objetivo de um signo lingüístico corresponde a um de seus

sinais essenciais: o significado. Tal sentido objetivo “não falta nunca”, visto que “coincide com o significado e com a designação”; e dele “normalmente não nos damos conta, porque não encerra nenhum sentido particular, apenas se limita a isto mesmo.” (cf. COSERIU, Eugenio. Do sentido do ensino da língua literária. In: Confluência: Revista do Instituto de Língua Portuguesa do Liceu Literário Português, n.º 5, 1993: 38).

9 O gramático Evanildo Bechara, em sua Moderna Gramática Portuguesa , utiliza termos designativos para as conjunções, tais como conectores, quando trata das coordenativas, já que “reúnem orações que pertencem ao mesmo nível sintático”, e transpositores, quando fala das subordinativas, pois alteram o nível de um termo, que passa de enunciado à função de palavra, dentro da estruturação gramatical.

10 “La ‘conjonction’ est une opération qui consiste à relier deux assertions dont l’un, au moins, des éléments constitutifs de l’une est sémantiquement identique à l’un des éléments constitutifs de l’autre.”.

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Beaugrande e Dressler (BEAUGRANDE & DRESSLER, 1981: 71), constitui uma das

operações, – ao lado das de disjunção, contrajunção e subordinação –, que compõem o

recurso lingüístico que chamam de “junção”: “Um claro recurso para assinalar o

relacionamento entre eventos ou situações é a JUNÇÃO, o uso de expressões juntivas (em

gramáticas tradicionais bastante indiscriminadamente todas são chamadas de

‘conjunções’)”. 11

Do ponto de vista semântico, o termo junção, de Beaugrande e Dressler, parece o

mais adequado para se referir a este recurso que consiste na ligação de segmentos variados na

linguagem, – podendo apresentar tais segmentos relações sintática e semântica mais ou

menos independentes –, visto que abrange tanto o processo de coordenação, quanto o de

subordinação. Ora, sabe-se que na coordenação pode haver interdependência semântica entre

frases, principalmente quando estas estabelecem relações de tipo lógico. Isso ocorre porque,

numa relação dessa natureza, uma proposição depende da outra para que o enunciado tenha

sentido. Na subordinação, a oração principal também mantém relação de interdependência

com as demais do período. Logo, não se pode falar em processos de coordenação e de

subordinação, uma vez que a relação entre eles, sob uma perspectiva semântica, deve ser

vista como um continuum.

A presente abordagem, porém, deve limitar-se à análise semântica dos conectivos

coordenativos à luz de uma pragmática discursiva, ou seja, aliada à verificação de fatores de

ordem pragmático-discursiva e extralingüística, que podem determinar o sentido desses

elementos gramaticais responsáveis pela coesão interfrástica, que, de acordo com Mira

Mateus (MATEUS, 2003: 138), “designa os processos de seqüencialização que exprimem

vários tipos de interdependência semântica das frases que ocorrem na superfície textual”.

Os conectivos coordenativos da Tradição Gramatical podem ser divididos em dois

tipos: conectivos coordenativos de tipo lógico e conectivos coordenativos discursivos (ou

argumentativos). Os primeiros operam segmentos cujos conteúdos relacionados são de

natureza “lógica”, ou seja, conectam conteúdos que representam acontecimentos e/ou fatos

que se dão numa certa ordem “natural” e cuja relação é conhecida pelo homem, podendo

representar também uma espécie de verdade universal, – como as relações de causa/efeito.

Os conteúdos unidos por esses conectivos estabelecem, por si mesmos, forte relação de

interdependência semântica. Sendo assim, um depende do outro para que a mensagem do

enunciado seja entendida pelo alocutário. Geralmente, os conectivos coordenativos de tipo 11 “A clear device for signalling the relationships among events or situations is JUNCTION, the use of junctive

expressions (in traditional grammars rather indiscriminately all called ‘conjunctions’)”.

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lógico exprimem valores específicos. Os conectivos coordenativos discursivos, por sua vez,

podem manifestar sentidos diversos, já que, em muitos casos, são influenciados pelo contexto

e por elementos e/ou fatores extralingüísticos em dada situação comunicativa. Além disso,

eles operam argumentos, isto é, introduzem segmentos textuais, determinando-lhes a

orientação argumentativa. Assim, podem não só determinar relações de sentido como

também ter seu sentido determinado no universo textual.

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3 A CONJUNÇÃO COORDENATIVA NA TRADIÇÃO GRAMATICAL

A conjunção era vista como uma categoria de palavras do Português por gramáticos

brasileiros do século XIX. Desse modo, filólogos como Julio Ribeiro e João Ribeiro, –

influenciados pelo modelo de estudos lingüísticos histórico-comparativistas europeus 12 que

chegou ao Brasil em 1881 –, consideravam que as conjunções representavam palavras.

João Ribeiro insere esse tipo de conectivo na sétima categoria de palavras da segunda

parte, que corresponde à Taxinomia, de sua “Grammatica Portugueza” (RIBEIRO, 1900:

32), valendo-se da seguinte definição:

CONJUNCÇÃO é a palavra invariável que serve para indicar relações entre duas proposições ou juizos: Vivo, pois penso; sê justo e sabio.

Em seguida, propõe uma classificação de grupos distintos de conjunções:

COPULATIVAS13: – E, tambem, outrosim, igualmente, semelhantemente, item, etc.

DISJUNCTIVAS14: – Nem, ou, já, ora , quer, etc.

CONDICIONAES: – Se, senão, comtanto que, sem que, comquanto, etc.

CAUSAES: – Porque, pois, por onde, porquanto , etc.

CONCLUSIVAS: – Logo, portanto , pelo que, assim que, por consequencia , em conclusão, etc.

COMPARATIVAS: – Assim, assim como , bem como , que, etc.

ADVERSATIVAS: – Mas, porém, posto que, comquanto , supposto, todavia , ainda assim, etc.

12 Os estudos histórico-comparativistas europeus enquadram-se no que Sílvio Elia denomina período científico

da gramática brasileira. Paradigma este de análise dos fatos gramaticais aplicado nas primeiras décadas desse período.

13 Correspondem às coordenativas aditivas da Gramática atual.

14 Correspondem às coordenativas alternativas.

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Notemos que as palavras também, igualmente e semelhantemente, tidas como

advérbios nos tempos atuais, constituem conjunções na perspectiva do gramático. Isso nos

leva a pensar que já havia, em pleno século XIX, a idéia de que os advérbios podem cumprir

a função de ligar segmentos em textos (discursos), de que eles representam, portanto,

exemplos de conectores15 lingüísticos.

As conjunções coordenativas, segundo João Ribeiro, desempenham o papel de

conectar “proposições16 que têm a mesma funcção na phrase17” (RIBEIRO, 1900: 91) – isto

é, orações coordenadas –, em uma proposição composta18. O gramático expõe, em seguida,

uma classificação dos conectivos mais utilizados no processo coordenativo :

As conjuncções ordinariamente usadas na coordenação são:

A copulativa e Deus creou o homem e creou o mundo.

A adversativa mas Elle estuda, mas não aprende.

A disjunctiva ou Venha ou mande.

A conclusiva logo Penso, logo existo. O filólogo não inclui em seu quadro de conjunções coordenativas as explicativas da

NGB.

O gramático nomeia as orações coordenadas que não são ligadas por conjunções:

As proposições coordenadas que não possuem termos de ligação, chamam-se collateraes ou coordenadas por juxtaposição. Exemplo:

Chegou, viu, venceu. Amo a virtude. Detesto o vicio.

Usam-se tambem as denominações de: asyndeticas para as coordenadas e

juxtapostas, e syndeticas para as coordenadas que possuem conjuncções. (RIBEIRO, 1900: 92)

Note-se que apenas os termos assindéticas e sindéticas são hoje utilizados pela NGB

para se referir às orações que apresentam ou não os conectivos da coordenação.

15 Entendemos por conector todo e qualquer elemento lingüístico que cumpre a função de estabelecer conexão

entre segmentos maiores ou menores do texto (discurso), representando, assim, um termo de caráter mais abrangente. Os conectivos exercem igualmente a função estabelecida pelos conectores, contudo, tratam-se de termos específicos que correspondem às conjunções da Gramática Tradicional. Logo, podemos afirmar que todo conectivo é um conector, mas nem todo conector é um conectivo.

16 O termo proposição é aqui entendido como oração, frase.

17 O termo frase apresenta a noção atual de período.

18 A proposição composta corresponde ao período composto por coordenação da Tradição Gramatical.

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Na primeira parte de sua “Grammatica Portugueza” (RIBEIRO, 1881: 188), Julio

Ribeiro trata das conjunções em seção denominada “elementos mórficos das palavras”,

procurando, logo de início, na “seção terceira”, em “etimologia”, averiguar a origem de

alguns conectivos lingüísticos selecionados:

316. As conjuncções portuguezas derivam-se

1) de conjuncções e de outras palavras latinas mais ou menos correspondentes.

2) de palavras ou de grupos de palavras do cabedal proprio da lingua.

317. São derivadas de conjuncções e de outras palavras latinas mais ou menos correspondentes

como que vem de cum e >> >> >> et mas >> >> >> magis ora >> >> >> hora ou >> >> >> aut pois >> >> >> post quando >> >> >> quando que >> >> >> quam, quod si >> >> >> si

318. Quasi todas, si não todas as outras conjuncções, bem como as locuções conjunctivas, são oriundas de palavras ou de grupos de palavras já pertencentes ao cabedal proprio da lingua, ex.: << Outrosim, todavia >>.

O gramático aborda, mais adiante, as relações que podem manter entre si os membros

de uma “sentença” (período) composta, referindo-se aos dois processos sintáticos

reconhecidos pela NGB: a coordenação e a subordinação.

Na “seção primeira” do “livro segundo”, em “sintaxe lógica”, da “Grammatica

Portugueza”, analisa o processo de coordenação:

360. Os membros de uma sentença composta estão em relação reciproca de coordenação quando, relativamente á sua força de expressão, são independentes entre si, formando proposições separadas quanto ao sentido, unidas apenas grammaticalmente por palavras connectivas, ex.: << Pedro é rico e Antonio é trabalhador >>. (RIBEIRO, 1881: 201)

Já naquela época considerava-se que as proposições de um processo dessa natureza

apresentavam-se “separadas quanto ao sentido”. Estudos recentes de caráter semântico,

contudo, revelam que as orações de um período coordenativo podem apresentar certo grau de

dependência semântica entre si, dependendo da situação comunicativa, do contexto

situacional em que se encontram relacionados os conteúdos proposicionais das orações

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coordenadas. Assim, há interdependência semântica entre frases na coordenação

principalmente quando elas estabelecem relações de tipo lógico. Isso ocorre porque, numa

relação dessa natureza, uma proposição depende da outra para que o enunciado tenha sentido.

Na subordinação, a oração principal também mantém relação de interdependência com as

demais do período. Por isso, muitos estudiosos hoje, sobretudo os que se baseiam no

paradigma da Lingüística de Texto, consideram que a relação entre os processos de

coordenação e de subordinação, sob uma perspectiva semântica, deve ser vista como um

continuum (cf. seção 2.2).

Mais adiante, Julio Ribeiro faz a seguinte afirmação a respeito da função exercida

pelas conjunções coordenativas entre os segmentos diversos que apresentam a mesma relação

sintática no período:

365. Do principio que rege a coordenação dos membros da sentença deduz-se que as conjuncções coordenativas só podem ligar palavras e membros que estejam na mesma relação com as outras partes da sentença. (RIBEIRO, 1881: 202)

Como João Ribeiro, o gramático chama de colaterais as orações coordenadas

assindéticas da NGB:

366. Encontram-se muitas vezes sentenças que, estando a par umas de outras, todavia não se acham ligadas por conjuncção alguma. Taes sentenças chamam-se collateraes , ex.: << Vim, vi, venci >>. (RIBEIRO, 1881: 202)

Passando à análise das gramáticas do século XX, Antenor Nascentes, em Dificuldades

da análise sintática (NASCENTES, 1961: 14), examina o emprego da conjunção e enquanto

introdutor de segmento cujo conteúdo permanece ligado a “reflexões mentais” realizadas

pelos interlocutores envolvidos no ato comunicativo:

Adaptando ao português uma observação que se encontra na Gramática da Academia Espanhola, podemos dizer que às vezes se principia um período com a conjunção e, a qual não une então a oração que encabeça, a outra anterior, mas a reflexões mentais que fazem prorromper com particular ênfase em interrogações e exclamações:

Ex.: E Júlio? Já chegou?

E êste esfarrapadinho inocente ensina a frei Bartolomeu a ser arcebispo! (Fr. Luís de Sousa, Vida de D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, I, 97).

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O e dos dois exemplos fornecidos por Nascentes equivale a um elemento que não

estabelece relação de tipo lógico19 entre os conteúdos das frases envolvidas em um único

enunciado, nem propriamente uma relação de natureza discursiva, em que tal elemento

operaria relações pragmáticas entre segmentos do texto (discurso), a partir do momento em

que encadeassem sucessivamente enunciados diferentes, estruturando-os em texto. Esse e

apenas cumpre a função de introduzir uma frase cujo conteúdo encontra-se atrelado a todo

um processo mental já realizado pelos participantes da atividade comunicativa.

O gramático continua sua análise do e, mostrando que o conectivo pode introduzir

uma frase exclamativa cujo conteúdo exprime certo sentimento de decepção da parte do

locutor, enunciando “um fato que agrava ainda um acontecimento desagradável que talvez

tenha precedido”:

Em certas exclamações mencionamos a intervenção imprevista de uma pessoa numa ação, enunciamos um fato que agrava ainda um acontecimento desagradável que talvez tenha precedido. Ex.: E eu que contava chegar a Belém antes do sol pôsto! (Gomes de Amorim, O Amor da Pátria). (NASCENTES, 1961: 15)

De acordo com Nascentes, o e não apresenta apenas função copulativa, ele é capaz

também de retomar toda a idéia de um segmento do texto estruturado em parágrafo

anteriormente expresso:

Não nos contentamos então com a simples copulação por meio do e; queremos de preferência dizer: em que situação ficarei eu ... mas, na comoção que experimentamos, não exprimimos absolutamente êste verbo e só a estrutura ulterior da frase atesta que se passou alguma coisa que não é expressa. (NASCENTES, 1961: 16)

Assim, deparamo-nos muitas vezes com frases do tipo: E em que situação ficarei eu?,

em que o e funciona como elemento anafórico ao recuperar toda uma idéia exposta

anteriormente durante a atividade comunicativa. Como se o locutor dissesse a seu alocutário:

E, depois de tudo que aconteceu, em que situação ficarei eu?

O gramático explora, mais adiante, o valor adversativo que o conectivo e pode

manifestar no texto (discurso):

19 Como as relações de causalidade, de disjunção de tipo lógico e de temporalidade. (Cf. KOCH, Ingedore

Villaça. Dificuldades na leitura/produção de textos: os conectores interfrásticos. In: CLEMENTE, Elvo (org.). Lingüística aplicada ao ensino de português. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992)

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E adversativo: São 11 horas e o correio ainda não chegou. (São 11 horas; entretanto o

correio ainda não chegou) (NASCENTES, 1961: 20) Sousa da Silveira, em Lições de Português (SILVEIRA, 1983: 136), como Julio

Ribeiro, realiza estudo etimológico de uma das “diversas espécies de palavras” existentes, a

conjunção:

A. ETIMOLOGIA:

13. Etimologia das diversas espécies de palavras

IX 225. CONJUNÇÕES

e < et. nem < nec.

mais (arc.)

} < magis. mas

se < si. ca (arc.) < * qua < quia (causal). ca (arc.) < quam (comparativa). ou < aut. vel (arc.) < vel. perém (arc.) < per inde . porém < * por inde, pro inde. pero < per hoc. como < quomodo, abreviado em * quomo (1). Formas arcaicas: come e coma. quando < quando . que < quid.

________________ (1) Bourciez, Eléments de Ling. Rom. , 118, § 129, c), e Grandgent, Introducción al Latín Vulgar, 183, § 283.

Em seção destinada à análise sintática das conjunções, Silveira investiga alguns

valores semânticos que os conectivos mas, porém e e podem assumir, a partir de textos

extraídos de corpus literário :

B. SINTAXE:

14. Sintaxe especial das diversas espécies de palavras:

9 CONJUNÇÕES

513. Muito há que dizer a respeito das conjunções. Limitar-nos-emos ao seguinte:

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a) A conjunção adversativa (mas, porém) exprime oposição:

“Não vil, não ignavo, Mas forte, mas bravo, Aqui virei ter.”

(G. Dias, “I – Juca-Pirama”).

ou simples diferença entre o que se diz na oração de mas e o que se disse na anterior:

“Ó fonte, que estás chorando, Não tardarás a secar; Mas os meus olhos são fontes Que não param de chorar.”

Entenda-se: “os meus olhos são também fontes, com esta diferença: que não param de chorar e, portanto, não secarão como a outra fonte”.

Denota compensação:

“Dignos de ti (1) não são meus frouxos hinos, Mas são hinos de amor.”

(Herculano, Poesias, 85).

“Triste, mas curto” (título de um capítulo do Brás Cubas de Machado de Assis).

“São mortos para mim da noite os fachos, Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas, E à vossa luz caminharei nos ermos!”

(Fagundes Varela, poesia “Cântico do Calvário”).

Também restrição:

– Sabe se Paulo vem hoje? – Não sei, mas é possível que venha.

Êsse mas restringe a ignorância expressa pela oração “não sei”; essa ignorância não é absoluta, uma vez que, com a conjunção mas, se admite a possibilidade da vinda de Paulo.

Insiste numa idéia, insinuando-a:

“E olha que foram Morenas e bem As moças mais lindas De Jerusalém. E a Virgem Maria Não sei... mas seria Morena também.”

(Guerra Junqueiro, A Musa em Férias, 111).

Em substância, há uma oposição: de quem declara não saber uma coisa (não sei), não se espera que logo depois a afirme, embora apresentando a afirmação sob a forma de dúvida, expressa pelo emprêgo do condicional (seria morena).20

20 A explanação de Sousa da Silveira a respeito do efeito semântico de “oposição” manifestado pelo mas no

texto literário parece remeter ao conceito de contrajunção argumentativa, de Ducrot, que se caracteriza por apresentar dois enunciados distintos – que correspondem a uma asserção de base e a uma asserção restritiva –, reunidos pelo conectivo mas, introdutor do segundo enunciado, que representa um argumento mais forte que a conclusão da asserção de base, que permanece implícita. A terceira asserção, ou seja, a asserção implícita,

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Distingue com vigor uma idéia de outra:

“Dai-me ua fúria grande e sonorosa, E não de agreste avena, ou frauta ruda: Mas de tuba canora e belicosa, Que o peito acende, e a côr ao gesto muda”

(Camões, Lus., I, 5).

Numa narrativa anuncia que se vai referir uma coisa, um acontecimento notável ou inesperado:

“Porém já cinco sóis eram passados Que dali nos partíramos, cortando Os mares nunca d’outrem navegados, Pròsperamente os ventos assoprando: Quando ua noite estando descuidados Na cortadora proa vigiando, Ua nuvem que os ares escurece Sôbre nossas cabeças aparece.”

(Camões, Lus., V, 37). ______________ (1) De ti: de ti, ó Deus.

E segue-se o relato da aparição e a extraordinária história do gigante Adamastor. Salienta de outros, às vêzes com solenidade, um pensamento ou idéia:

“Amo-te, oh cruz, no vértice firmada De esplêndidas igrejas; Amo -te quando à noite, sôbre a campa, Junto ao cipreste alvejas; Amo -te sôbre o altar, onde, entre incensos As preces te rodeiam; Amo -te quando em préstito festivo As multidões te hasteiam; Amo -te erguida no cruzeiro antigo, No adro do presbitério, Ou quando o morto, impressa no ataúde Guias ao cemitério; Amo -te, oh cruz, até, quando no vale Negrejas triste e só, Núncia do crime, a que deveu a terra Do assassinado o pó: Porém quando mais te amo, Oh cruz do meu Senhor, É se te encontro à tarde, Antes de o sol se pôr, Na clareira da serra, Que o arvoredo assombra, Quando à luz que fenece Se estira a tua sombra, E o dia últimos raios Com o luar mistura, E o seu hino da tarde O pinheiral murmura.”

que representa a conclusão esperada pelo alocutário, não chega a se realizar. Assim, gera -se um efeito de contra-expectativa em relação a essa asserção implícita não concretizada.

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(Herculano, Poesias, 121-122).

Modifica uma concepção ou idéia habitual:

“Céu livre, terra livre, e livre a mente, Paz íntima, e saudade, mas saudade Que não dói, que não mirra, e que consola, São as riquezas do êrmo, onde sorriem Das procelas do mundo os que o deixaram.”

(Id., ibid., 51).

A idéia que, geralmente, se faz da “saudade”, é que dói, que mirra e que não consola. Separa com relêvo idéias que representam coisas que podem coexistir, mas, em regra, não coexistem no mesmo indivíduo:

“............................... ................................................ Ao longe, Do presbitério rústico mandava O sino os simples sons pelas quebradas Da cordilheira, anunciando o instante Da Ave-Maria; da oração singela, Mas solene, mas santa, ......................................................... ...................................................................................................”

(Id., ibid., 123).

Denota acréscimo:

“Mas ó tu geração daquele insano Cujo pecado e desobediência, Não sòmente do reino soberano Te pôs neste deserto e triste ausência: Mas inda d’outro estado mais que humano Da quieta e da simples inocência, Idade d’outro, tanto te privou Que na de ferro e d’armas te deitou.”

(Camões, Lus., IV, 98).

“E não os (1) admirou menos a confiança com que se declarou (2): e

sobre tudo verem suas palavras não só toleradas, mas bem recebidas dos Cardeais.” (Sousa, Arc., I, 253).

Em interrogação ou exclamação pode acentuar indignação (“Mas que refinado patife!”), estranheza, ansiedade, apreensão:

“Mas que foi, que sucedeu?”

(Garrett, Viagens, cap. XXXIV).

“Que cópia ingente De bens espera A quem se esmera Em a (3) guardar! Mas seus pecados Quem há que entenda, E a sua venda Possa rasgar?”

(Sousa Caldas, Obras Poéticas, tomo I, Salmos de David, Paris, 1820, 66).

Introduz uma objeção:

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O rei de Melinde pede a Vasco da Gama que lhe conte a história de Portugal, bem como os sucessos de sua viagem. Responde-lhe Vasco da Gama:

“Mandas -me, ó Rei, que conte declarando De minha gente a grão geanalosia [= genealogia]: Não me manda [s] contar estranha história: Mas mandas-me louvar dos meus a glória.”

_______________ (1) os: aos mais padres. (2) O arcebispo D. Fr. Bertolomeu dos Mártires. (3) a: a lei de Deus. Dizendo depois o seguinte:

“Que outrem possa louvar esfôrço alheio, Cousa é que se costuma e se deseja”,

nota consigo que não lhe fica bem louvar os seus próprios esforços, e então levanta esta objeção, introduzida pela conjunção mas:

“Mas louvar os meus próprios, arreceio Que louvor tão sospeito mal me esteja, E pera dizer tudo, temo e creio Que qualquer longo tempo curto seja: Mas pois ó mandas, tudo se te deve, Irei contra o que devo, e serei breve.”

(Camões, Lus., III, 3 e 4).

Chama a atenção para um fato:

“Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto Das mulheres e dos varões, Como em água que deixa o fundo descoberto, Via limpos os corações.”

(M. de Assis, Poesias, 1901, 316).

Excetua:

“Tudo perece, Murcha a beleza, Foge a riqueza, Esfria amor. Mas a virtude Zomba da sorte, E até da morte Disfarça o horror.”

(Visconde da Pedra Branca).

O pensamento exposto resume-se nisto:

“Tudo perece, exceto a virtude”.

Assinala passagem de um pensamento ou assunto para outro:

“Mas é tempo de tornar àquela tarde de novembro”. (M. de Assis, D. Casmurro, 23). (SILVEIRA, 1983: 240-244)

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Podemos constatar, através da minuciosa análise do mas realizada por Silveira, que

tal conectivo – o operador argumentativo por excelência, segundo Ducrot – é capaz de

manifestar uma grande gama de efeitos semânticos no plano textual. Podemos verificar,

ademais, que ele também conserva seu sentido primordial, isto é, seu significado

instrumental21 de “contrariedade”, apresentando valor semântico de contra-expectativa,

exceto quando acentua sentimentos como estranheza, indignação, ansiedade e apreensão em

frases interrogativas e exclamativas, conforme foi visto.

O conectivo porém pode manifestar os mesmos efeitos de sentido do mas,

apresentando significado instrumental de “contrariedade”. Contudo, trata-se de uma

“conjunção”22 que apresenta colocação mais flexível dentro de uma frase. Fato este

observado por Silveira:

Quanto à colocação, a conjunção porém pode iniciar oração e, até, período; pode ser intercalada, e também encerrar oração ou período. Assim podemos dizer:

“Pedro pediu-me o livro, porém eu não o trouxe”; ou:

“Pedro pediu-me o livro, eu, porém, não o trouxe”; ou:

“Pedro pediu-me o livro, eu não o trouxe, porém”. (SILVEIRA, 1983: 244) Depois de extensa explanação dos conectivos adversativos mas e porém, Sousa da

Silveira passa a uma breve análise do e:

A conjunção e, no português antigo, pode ter o sentido de por isso , por isso mesmo, e por isso :

“E quando um bom em tudo é justo e santo E em negócios do mundo pouco acerta”

(Camões, Lus., VIII, 55).

Há de entender-se: “E quando um bom em tudo é justo e santo, por isso mesmo em negócios do mundo pouco acerta”.

No Auto da Mofina Mendes, de Gil Vicente, a Virgem Maria pede sinal dos

céus, e a Fé, a quem ela se dirigira, lhe acode logo com aquela sábia advertência: “Senhora, o poder de Deus não se há de examinar.”

E logo acrescenta o Anjo:

21 O significado instrumental é aquele que pertencente à classificação coseriana das palavras morfemáticas (ou

“instrumentais”), em que estão inseridas as conjunções (cf. capítulo 5).

22 Apesar da flexibilidade posicional do conector porém em frases observada por Silveira, o gramático Evanildo Bechara, na 37.ª edição de sua Moderna Gramática Portuguesa , inclui o elemento na categoria de conjunções coordenativas adversativas. (cf. seção 3.1).

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“E d’abenício escolhida, e manda-vos convidar, pera madre vos convida.”

(Sousa da Silveira, Dois Autos de Gil Vicente, Rio, 1953, 35-37).

Interpretar-se-ão assim as palavras do Anjo: “E [sois] d’abenício [= desde o

princípio] escolhida, por isso mesmo manda-vos convidar, para [sic] [sua] mãe vos convida”. (SILVEIRA, 1983: 245)

Ora, sabemos que o conectivo e é polissêmico. Hoje ele é capaz de manifestar

variados valores semânticos no texto (discurso), inclusive os de conclusão e de conseqüência.

Logo, os sentidos expressos por tal elemento não se manifestavam somente no português

antigo.

No primeiro exemplo de Sousa da Silveira, o e exprime idéia de conclusão. Trata-se,

assim, do e conclusivo23. Esse elemento gramatical passa a apresentar um novo valor

semântico graças aos conteúdos argumentativos das proposições semanticamente ligadas

entre si por meio de uma relação de tipo lógico, já que o conhecimento de uma asserção (“E

quando um bom em tudo é justo e santo”) leva-nos a inferir a outra (“E em negócios do

mundo pouco acerta”), que representa sua conclusão. O mesmo acontece no segundo

exemplo do gramático. Temos, neste caso, contudo, o e consecutivo24, que exprime tal valor

devido à relação de tipo lógico estabelecida entre os conteúdos proposicionais em questão,

dentre os quais, o primeiro representa a causa, o motivo (“E d’abenício escolhida”), de um

acontecimento, levando a uma conseqüência (“e manda-vos convidar”).

Passaremos agora à análise da visão que os gramáticos “modernos” do século XX –

isto é, os autores das gramáticas do português da época do surgimento da Nomenclatura

Gramatical Brasileira –, apresentavam da conjunção coordenativa.

Celso Cunha, um dos componentes da Comissão responsável pela NGB, em sua Nova

gramática do português contemporâneo (CUNHA & CINTRA, 2001: 580-581), elaborada

juntamente com Lindley Cintra, expõe o quadro clássico das conjunções coordenativas da

tradição gramatical:

1. ADITIVAS, que servem para ligar simplesmente dois termos ou duas orações de idêntica função. São as conjunções e, nem [= e não].

23 Cf. OLIVEIRA, Helênio Fonseca de. Conectores da conjunção. In: SANTOS, Leonor Werneck dos (org.).

Discurso, Coesão, Argumentação. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996.

24 Cf. OLIVEIRA, op. cit.

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2. ADVERSATIVAS, que ligam dois termos ou duas orações de igual função, acrescentando-lhes, porém, uma idéia de contraste: mas, porém, todavia, contudo, no entanto , entretanto.

3. ALTERNATIVAS, que ligam dois termos ou orações de sentido distinto, indicando que, ao cumprir-se um fato, o outro não se cumpre. São as conjunções ou (repetida ou não) e, quando repetidas, ora , quer, seja, nem, etc.

4. CONCLUSIVAS, que servem para ligar à anterior uma oração que exprime conclusão, conseqüência. São: logo, pois, portanto , por conseguinte, por isso, assim, etc.

5. EXPLICATIVAS, que ligam duas orações, a segunda das quais justifica a idéia contida na primeira. São as conjunções que, porque, pois, porquanto .

Cunha e Cintra dão ainda uma definição para as conjunções: “são os vocábulos

gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma

oração”. E as coordenativas são responsáveis por relacionar “termos ou orações de idêntica

função gramatical” (CUNHA & CINTRA, 2001: 579).

No que diz respeito à posição de algumas conjunções coordenativas adversativas, os

gramáticos afirmam que apenas mas possui posição fixa, aparecendo obrigatoriamente no

começo da oração. O que não ocorre com as outras adversativas da tradição gramatical, que

se caracterizam por sua flexibilidade posicional dentro da oração.

Partindo para a análise da posição das coordenativas conclusivas, observam que o

pois, quando conjunção conclusiva, sempre se apresenta posposto a um termo da oração a

que pertence. Já as conclusivas logo, portanto e por conseguinte “podem variar de posição,

conforme o ritmo, a entoação, a harmonia da frase” (CUNHA & CINTRA, 2001: 582).

Os gramáticos abordam, ademais, alguns valores de sentido, “valores particulares”,

que os conectivos e e mas podem assumir no texto, utilizando-se para isso de exemplos

extraídos a partir de corpus de textos literários. Desse modo, o e pode manifestar variados

valores semânticos, podendo:

a) ter valor adversativo:

Tanto tenho aprendido e não sei nada. (F. Espanca, S, 61.)

Era M. C. um homem feio e extremamente inteligente. (A. F. Schmidt, GB, 246.)

fronteiriço, por vezes, do concessivo:

Torço as orelhas e não dão sangue. (A. Peixoto, RC , 451.)

Fui, como as ervas, e não me arrancaram. (F. Pessoa, OP, 328.)

b) indicar uma conseqüência, uma conclusão:

Qualquer movimento, e será um homem morto.

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(Adonias Filho, LP, 26.)

Embarco amanhã, e venho dizer-lhe adeus. (M. Torga, CM, 51.)

c) expressar uma finalidade:

Ia decorá-la e transmiti-la ao irmão e à cachorra. (G. Ramos, VS, 84.)

No elevador, em frente ao espelho, levou um lenço aos olhos e retocou a pintura.

(Sttau Monteiro, APJ, 184.)

d) ter valor consecutivo:

Esperei mais algumas palavras. Não vieram – e saí desapontado. (G. Ramos, I, 62.)

Estou sonhando, e não quero que me acordem. (C. Castelo Branco, QA, 203.)

e) introduzir uma explicação enfática25:

Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu. (Machado de Assis, OC, II, 538.)

Que perdoava tudo, menos que lhe mordessem na reputação das filhas. Estavam casadas, e muito bem casadas.

(M. Torga, CM, 99.)

f) iniciar frases de alta intensidade afetiva, com o valor próximo ao de interjeições:

– El-rei preso! E não se levanta este Minho a livrá -lo!... (C. Castelo Branco, BP, 170.)

– E os críticos! E os leitores! E a glória! Esgaravataram tudo, rasparam tudo, recolheram todas as minhas sobras, pensaram tudo por mim, não me deixam respirar.

(A. Meyer, MA , 237.)

g) facilitar a passagem de uma idéia a outra, mesmo que não relacionadas, quando vem repetido ritmicamente em fórmulas paralelísticas que imitam o chamado estilo bíblico:

E a minha terra se chamará a terra de Jafé, e a tua se chamará a terra de Sem; e iremos às tendas um do outro, e partiremos o pão da alegria e da concórdia. (Machado de Assis, OC, II, 302.) (CUNHA & CINTRA, 2001: 582-585)

Cunha e Cintra observaram que o conectivo mas também pode assumir valores

diversos no texto, além de seus sentidos primordiais, de seus significados instrumentais de

oposição e de contraste, que gera uma idéia geral de contra-expectativa. Podem, portanto,

exprimir valores como os:

25 Essa “explicação enfática” a que os autores se referem representa um argumento mais forte que é apresentado

pelo locutor justamente para reforçar uma idéia, conferir ênfase a um fato qualquer. Trata-se do e “surenchère” de Charaudeau (Cf. CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l’expression. Paris: Hachette, 1992). Essa expressão francesa é usada para indicar que dado objeto num leilão foi arrematado.

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a) de restrição:

Continuou a conversa interrompida com a senhora gorda, que tinha muitos brilhantes, mas uma terrível falta de ouvido, porque não se pode ter tudo.

(M. J. de Carvalho, PSB , 145.)

– Vai, se queres, disse-me este, mas temporariamente. (Machado de Assis, OC, I, 547.)

b) de retificação:

Eram mãos nuas, quietas, essas mãos; serenas, modestas e avessas a qualquer exibicionismo. Mas não acanhadas, isso nunca.

(M. J. de Carvalho, PSB , 138.)

– O major, hoje, parece que tem uma idéia, um pensamento muito forte. – Tenho, filho, não de hoje, mas de há muito tempo.

(Lima Barreto, TFPQ, 94.)

c) de atenuação ou compensação:

Vinha um pouco transtornado, mas dissimulava, afetando sossego e até alegria.

(Machado de Assis, OC, I, 541.)

Uma luz bruxuleante mas teimosa continuava a brilhar nos seus olhos. (M. Torga, V, 252.)

d) de adição:

Anoitece, mas a vida não cessa. (R. Brandão, P, 150.)

Era bela, mas principalmente rara. (Machado de Assis, OC, I, 639.)

Ainda de acordo com os gramáticos, esse conectivo (assim como o porém) é

freqüentemente empregado “para mudar a seqüência de um assunto, geralmente com o fim de

retomar o fio do enunciado anterior que ficara suspenso”:

Mas continua. Não te esqueças do que estavas a contar. (D. Mourão-Ferreira, I, 69.)

Mas os dias foram passando. (J. Lins do Rego, U, 16.)

Um dia, porém, o Duro regressou à terra. (M. Torga, CM, 131.)

Maria Helena de Moura Neves, na Gramática de usos do português (NEVES, 2000:

739-785), tomando por base Bechara, considera que as conjunções coordenativas

correspondem àquelas tradicionalmente conhecidas como aditivas, adversativas e

alternativas. A autora trata diretamente dos conectivos que estão inseridos nos três tipos

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citados por meio de definições designativas em que se evidenciam suas funções, de acordo

com a natureza da relação de sentido que estabelecem no texto:

Como conjunção coordenativa, o E evidencia exterioridade entre os dois segmentos coordenados, e, a partir daí, acresce um segundo segmento a um primeiro, recursivamente, seja qual for a direção relativa desses segmentos, determinada pelas variações contextuais. O E marca uma relação de adição entre os segmentos coordenados, o que indica que esse coordenador possui um caráter mais neutro do que os outros. (...) Do mesmo modo que o e, o elemento NEM marca uma relação de adição entre os segmentos coordenados , com a diferença de que o NEM adiciona segmentos negativos ou privativos. (...) A conjunção coordenativa MAS marca uma relação de desigualdade entre os segmentos coordenados, e, por essa característica, não há recursividade na construção com MAS, que fica, pois, restrita a dois segmentos. (...) A conjunção coordenativa OU marca disjunção ou alternância entre o elemento coordenado no qual ocorre e o elemento anterior.

Neves expõe também os “modos de construção”, isto é, a posição que esses

conectivos geralmente ocupam em textos (discursos), bem como os valores semânticos (os

sentidos) que podem manifestar.

A autora não chega a afirmar que as conjunções constituem palavras do sistema

lingüístico funcional, e as insere na parte IV de sua gramática, a junção26, que representa

mecanismo lingüístico responsável pela conexão (inter)frásica no universo textual.

Em sua Moderna gramática portuguesa (BECHARA, 1983: 159), Evanildo Bechara

define conjunção como “a expressão que liga orações ou, dentro da mesma oração, palavras

que tenham o mesmo valor ou função”, dividindo-se em coordenativa e subordinativa.

De acordo com o gramático, as coordenativas correspondem àquelas “que ligam

palavras ou orações [independentes27] do mesmo valor ou função” (BECHARA, 1983: 160).

Em seguida, expõe o quadro tradicional das conjunções coordenativas do português:

a) ADITIVAS: quando estabelecem a ligação de palavras ou orações sem outra idéia subsidiária: e e nem (e não).

26 Terminologia de Beaugrande e Dressler. Tal mecanismo divide-se em quatro categorias: conjunção (ou

junção aditiva), disjunção (ou junção alternativa), contrajunção (ou junção contrastiva) e subordinação (cf. BEAUGRANDE, R. & DRESSLER, W. U. Introduction to text linguistics. London: Longman, 1981: 70-75).

27 Será visto, ainda nessa seção, o conceito de orações independentes desenvolvido por Bechara. Tais orações correspondem às coordenativas da Tradição Gramatical, e são assim chamadas devido à relação de maior independência sintática que estabelecem entre si no processo de coordenação.

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b) ADVERSATIVAS: quando ligam palavras ou orações que estabelecem oposição, contraste, compensação, ressalva: mas, porém, contudo, todavia , entretanto, senão, etc.

c) ALTERNATIVAS: quando ligam expressões e orações que ou estabelecem uma separação ou exclusão da palavra ou oração a que se ligam: ou, ou... ou, já... já, ora ... ora , etc.

d) CONCLUSIVAS: quando ligam orações que encerram uma conclusão: logo, pois (no meio ou no fim da oração), portanto, por isso , etc.

e) EXPLICATIVAS: quando começam oração que explica a razão de ser do que se diz na oração a que se ligam: pois (no início da oração), que (porque), porque, porquanto. (BECHARA, 1983: 160-161)

Quanto às explicativas, Bechara declara que “não passam de causais coordenativas,

que nem sempre se separam claramente das causais subordinativas” (BECHARA, 1983:

161). Segundo o gramático, é possível distinguir umas das outras por meio da pausa, uma vez

que “a causal subordinativa separa-se da oração principal por uma pausa muito fraca” e “a

causal coordenativa separa-se da proposição anterior por uma pausa mais forte”.

Hoje sabemos que cada uma das proposições envolvidas no processo de coordenação

representa um enunciado distinto, o que não ocorre no processo de subordinação. Assim,

temos duas orações – uma assindética e outra sindética – que estabelecem alto grau de

independência sintática entre si; por isso cada uma representa um enunciado, sendo

resultantes de atos de fala diferentes. A oração coordenada sindética explicativa constitui

uma inferência que o falante realiza a partir do que foi declarado na oração coordenada

assindética. Por outro lado, na subordinação, temos duas orações: a oração conhecida

tradicionalmente como “principal” e a oração subordinada adverbial, que depende

sintaticamente da primeira, resultantes de um único ato de fala. Neste caso, deparamo-nos

com uma relação de tipo lógico de causa/conseqüência. O falante não faz inferência, não há

necessidade de se fazer deduções a partir do conteúdo da oração “principal”, – que representa

a conseqüência do enunciado –, visto que se trata de um único ato de fala e o locutor tem

certeza de que a causa que apresenta é verdadeira28.

Segundo o gramático, dentro do período composto, as orações classificam-se em

independentes e dependentes, de acordo com as relações sintáticas que estabelecem. Desse

modo, oração independente é aquela que não exerce função sintática de outra a qual se liga.

28 Podemos fornecer como exemplo as seguintes frases: Maria e Paulo se casaram, porque (= pois) se amavam

/ Maria e Paulo se casaram porque se amavam. No primeiro caso, a conjunção coordenativa explicativa porque introduz uma asserção, proveniente de uma inferência realizada pelo falante, que representa uma explicação para o fato de Maria e Paulo terem se casado. A conjunção subordinativa adverbial causal porque da segunda frase não introduz asserção proveniente de uma inferência do falante, apenas marca uma relação de causa/conseqüência. Desse modo, a segunda oração representa a causa legítima para a conseqüência: o casamento de Maria e Paulo (cf. seção 5.2.2.4).

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Tais orações “reúnem em si todas as funções de que necessitam para se constituírem por si

sós unidades do discurso” (BECHARA, 1983: 216). Oração dependente, por sua vez, é

aquela que exerce função sintática de outra, valendo por um substantivo, adjetivo ou

advérbio; representa, portanto, “um termo sintático que tem a forma de oração”.

Os dois tipos de orações independentes são as coordenadas e as intercaladas:

São COORDENADAS as orações independentes que formam uma seqüência, relacionadas pelo sentido29:

Passavam os soldados e agitavam-se as bandeiras.

Correu, mas não chegou a tempo.

São INTERCALADAS as orações independentes que, não pertencendo à seqüência, aí aparecem como elemento adicional que o falante julga ser esclarecedor:

Machado de Assis – este escritor é um dos mais importantes de nossa literatura – era de origem humilde.

Meu pai – Deus o guarde – mostrou-me o caminho do bem. (BECHARA, 1983: 218)

Quanto às dependentes, o gramático declara: “as orações dependentes se dizem

subordinadas porque, exercendo uma função sintática da principal, são uma pertença desta

na seqüência oracional” (BECHARA, 1983: 218).

De acordo com Bechara, a coordenação pode ser feita também entre as orações

dependentes, as subordinadas, “que não exercem função sintática entre si”:

Espero que estudes e que venças na vida

Assim, segundo o gramático, não se deve estabelecer oposição entre orações

coordenadas e subordinadas, “mas entre orações independentes e dependentes”, visto que “a

coordenação é um processo de estruturação de orações do mesmo valor sintático, quer sejam

independentes (onde a equivalência é permanente) ou dependentes (onde a equivalência se dá

quando exercem idêntica função sintática)” (BECHARA, 1983: 218-219).

Além da classificação das orações quanto às relações sintáticas, existe a classificação

quanto à ligação que podem manter dentro do período, dividindo-se em: conectivas ou

sindéticas e justapostas ou assindéticas:

29 Bechara parece considerar que há interdependência semântica entre as orações coordenadas.

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São CONECTIVAS as orações que, numa série coordenativa ou subordinativa, se acham ligadas à anterior por palavras especiais de conexão chamadas conectivos.

São JUSTAPOSTAS as orações que, numa série, não se ligam à anterior por palavras especiais de conexão. (BECHARA, 1983: 219-220)

3.1 RUPTURA DO QUADRO TRADICIONAL DAS CONJUNÇÕES COORDENATIVAS

Em sua nova Moderna gramática portuguesa (BECHARA, 2004: 320-321), Evanildo

Bechara propõe um outro quadro das conjunções coordenativas (ou conectores),

considerando apenas três tipos, “conforme o significado com que envolvem a relação das

unidades que unem: aditivas, alternativas e adversativas”:

Conjunções aditivas – A aditiva apenas indica que as unidades que une (palavras, grupos de palavras e orações) estão marcadas por uma relação de adição. Temos dois conectores aditivos: e (para a adição das unidades positivas) e nem (para as unidades negativas).

Conjunções alternativas30 – Como o nome indica, enlaçam as unidades coordenadas matizando-as de um valor alternativo, quer para exprimir a incompatibilidade dos conceitos envolvidos [caso de disjunção exclusiva], quer para exprimir a equivalência deles [caso de disjunção inclusiva]. A conjunção alternativa por excelência é ou, sozinha ou duplicada junto a cada unidade.

Conjunções adversativas – Enlaçam unidades apontando uma oposição entre elas. As adversativas por excelência são mas, porém e senão.

Todas as outras conjunções coordenativas adversativas da tradição gramatical, – tais

como: contudo, entretanto, todavia, no entanto –, as conclusivas, – pois [posposto], logo,

portanto, então, assim, por conseguinte, etc. –, e as explicativas, – pois, porquanto, porque,

etc. –, são exemplos de unidades adverbiais de acordo com o gramático, e não de conjunções

coordenativas:

30 Para o gramático, apenas o termo ou constitui conjunção alternativa. Já, bem, ora são advérbios e quer...

quer, seja... seja correspondem a formas verbais imobilizadas. Todas essas unidades não representam, portanto, conectores lingüísticos (isto é, conjunções coordenativas), e são empregadas no texto (discurso) por meio de enumeração distributiva, manifestando o significado instrumental de alternância. Logo, considera que as orações enlaçadas encontram-se justapostas. Isso leva-nos à conclusão de que, segundo Bechara, todo e qualquer termo que não representa conjunção coordenativa não pode ser considerado conector, apesar de seu papel conectivo. Preferimos trabalhar com a idéia de que quaisquer elementos que promovam algum tipo de ligação entre segmentos do texto (discurso) são conectores. Desse modo, lembramos que “todo conectivo é um conector, mas nem todo conector é um conectivo”.

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Não incluir tais palavras entre as conjunções coordenativas já era lição antiga na gramaticografia de língua portuguesa; vemo -la em Epifânio Dias [ED. 1] e, entre brasileiros, em Maximino Maciel, nas últimas versões de sua Gramática [MMa. 1]. Perceberam que tais advérbios marcam relações textuais e não desempenham o papel conector das conjunções coordenativas, apesar de alguns manterem com elas certas aproximações ou mesmo identidades semânticas. (BECHARA, 2004: 322)

Esses advérbios textuais ou discursivos, que marcam relações semânticas a partir do

conteúdo que fora proferido, não desempenhariam, portanto, a função das conjunções

coordenativas de “reunir num mesmo grupo oracional as duas orações independentes do

enunciado”. Assim, utilizando-nos de exemplo fornecido na gramática, poderíamos dizer:

Não foram ao mesmo cinema e , portanto, não se poderiam encontrar.

Não foram ao mesmo cinema; portanto não se poderiam encontrar.

Não foram ao mesmo cinema e não se poderiam encontrar. (BECHARA, 2004: 322)

Na segunda frase, ao eliminar a conjunção coordenativa aditiva e, deparamo-nos com

uma coordenação assindética. Já na terceira, constatamos que o advérbio portanto também

pode ser eliminado. Neste caso, o conectivo e cumpre seu papel de conectar as orações

coordenadas a partir de seu significado instrumental de “adição” e do valor semântico

contextual de conclusão que passa a manifestar graças à natureza da relação estabelecida

entre os conteúdos das duas orações.

O gramático expõe outra distinção entre as conjunções coordenativas e os advérbios

textuais ou discursivos:

Outra diferença entre as conjunções coordenativas e os advérbios (a que poderíamos chamar textuais ou discursivos) é que só as primeiras efetivam a coordenação entre subordinadas equifuncionais, isto é, do mesmo valor (substantiva, adjetiva ou adverbial) e com a mesma função sintática:

Espero que estudes e que sejas feliz. (BECHARA, 2004: 322-323) Apresenta, ademais, provas de que tais palavras representam unidades adverbiais do

sistema lingüístico funcional:

Como advérbios, que guardam com o núcleo verbal uma relação, em geral, mais frouxa, esses advérbios podem vir em princípio em qualquer posição dentro da oração em que se inserem:

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Eles não chegaram nem todavia deram certeza da presença.

Eles não chegaram nem deram, todavia, certeza da presença.

Eles não chegaram nem deram certeza da presença, todavia.

Também os advérbios não participam da particularidade das conjunções coordenativas de constituírem um bloco unitário de enunciados coordenados por sua vez coordenado a outro anterior [CA. 1]:

Luís é vegetariano, mas [não come abóbora nem bebe chá].

Remetemos dois convites ao Paulo, mas [ou ele se mudou ou está doente]. (BECHARA, 2004: 323)

Assim, segundo Bechara, além das conjunções coordenativas, que representam

conectores, o sistema lingüístico dispõe de elementos transpositores, que correspondem às

conjunções subordinativas do português, segundo a classificação da Tradição Gramatical.

Tanto o conector quanto o transpositor são unidades responsáveis pela reunião de orações

num mesmo enunciado. Contudo, as conjunções coordenativas (ou conectores) reúnem

orações que pertencem ao mesmo nível sintático. Tais orações são, portanto, consideradas

“independentes umas das outras e, por isso mesmo, podem aparecer em enunciados

separados”. O conector é, então, o elemento que reúne unidades independentes em geral:

segmentos maiores do texto, como parágrafos, orações e até palavras. As conjunções

subordinativas (ou transpositores), por sua vez, apresentam papel distinto do das

coordenativas:

Bem diferente é, entretanto, o papel da conjunção subordinada. No enunciado:

Soubemos que vai chover,

a missão da conjunção subordinada é assinalar que a oração que poderia ser sozinha um enunciado:

Vai chover

se insere num enunciado complexo em que ela (vai chover) perde a característica de enunciado independente, de oração, para exercer, num nível inferior da estruturação gramatical, a função de palavra , já que vai chover é agora objeto direto do núcleo verbal soubemos. (BECHARA, 2004: 319-320)

Podemos afirmar, então, que a conjunção subordinativa é um transpositor de um

enunciado, de uma oração, que passa a uma função de palavra. Considera-se que que vai

chover é uma oração “degradada” ao nível da palavra devido ao fenômeno de subordinação

(ou hipotaxe), passando a exercer função sintática de objeto direto. Geralmente, cumprem o

papel de transpositor unidades lingüísticas como: a preposição, a conjunção integrante, o

pronome relativo e a conjunção adverbial.

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Conforme vimos no capítulo 3, Neves também rompe com o quadro tradiciona l das

conjunções coordenativas. A autora analisa em sua gramática as conjunções que considera

coordenativas – e, nem, mas, ou – distribuindo-as em três tipos de construções: construções

aditivas, construções adversativas e construções alternativas.

Na análise das construções aditivas, estuda primeiramente a coordenação com e, que,

segundo a lingüista, representa o conectivo de caráter mais neutro, uma vez que apenas

introduz um segmento excedente a um outro já existente no enunciado. Por esse motivo, é

altamente polissêmico, podendo reunir unidades que mantêm entre si diversas relações

semânticas. Percebemos, assim, que essa conjunção geralmente tem seu sentido determinado

pelo contexto, podendo manifestar valores semânticos variados no texto (discurso).

O conectivo em questão, como afirma a autora, pode reunir segmentos maiores ou

menores – palavras, sintagmas, orações, enunciados.

Neves investiga a seguir os possíveis valores semânticos do e. Quando introduz

sintagmas, orações ou enunciados, o conectivo pode indicar “adição de unidades do sistema

de informação”, podendo haver entre os segmentos, nesse caso, relação temporal ou não:

As previsões se confirmaram: após um dia E uma noite arrastados em dura espera, nasceu. (MAR)

Manhã de sol. Sala de paredes nuas E mobiliada com simplicidade. Portas à direita E à esquerda . (FAN)

Ele fuma E toma um cafezinho. (RE) (NEVES, 2000: 743) A conjunção pode produzir também “efeito de acúmulo”, através da multiplicidade de

segmentos coordenados, acentuando o efeito:

Garçons que passam com pratos E pratos de massas suculentas. (ARI)

Vovó Naninha se esmerava na cozinha e no forno de tijolo do quintal. E eram os sequilhos, as brevidades, as broinhas de fubá, as quitandas todas que ela sabia fazer. (CBC)

E eram os cortes de fazenda, os perfumes, os broches e anéis, ele parecia um cometa mostrando a sua mercadoria . (CBC) (NEVES, 2000: 743)

O conectivo aditivo pode indicar idéia de “restrição ao primeiro segmento”. Nesse

caso, não se verifica relação temporal entre os segmentos coordenados, e acrescenta-se uma

informação apenas em um ponto do segundo segmento (informação que configura uma

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especificação do primeiro). A parte do primeiro segmento que recebe especificação pode ou

não ser repetida no segundo:

A informação acrescida consiste em:

a) Uma atribuição (predicativo)

Vá com suas filhas, Sara, é seu dever; E vá descansada, que passarei muito bem o domingo, trabalhando . (CC)

b) Um modo do evento (adjunto adverbial de modo), que é, então, focalizado

Garçons a respeitavam muito (não por interesse, para ela só dava gorjeta uma vez

por ano, no Dia 31 de dezembro), E de modo especial. (GTT)

– Mas eu não fabrico dinheiro, caramba! Quem fabrica dinheiro é o governo. E às pampas! (DM)

c) Uma localização espacial ou temporal (adjunto adverbial de lugar ), que é

então, focalizada

Mas só os guardas me passavam pela cabeça; se me pegassem, não dariam a menor colher de chá, me arrastariam depressinha para o Juizado, não querendo explicação. Escapulir bem escapulido. E já. (DM)

O rádio falou no discurso do Getúlio. Já é batata, agora. E ele vai assinar o decreto aqui. (GAT)

d) Uma intensificação (adjunto adverbial de intensidade + parte intensificada)

Uma exemplificação se torna, de fato, mais “interessante”, na medida em que

abre possibilidade para as predições – E tanto mais interessante quanto mais arriscadas as predições que permite. (EC)

Às vezes caminhava até ao cercadinho, voltava – E tanto mais se movia, quanto mais rápida era a volta do seu desespero, a persistente sensação de que, em torno dele, um círculo apertava-se. (FP)

O êxito das realizações nacionais, como todo êxito, não traz em si mesmo a fragilidade das coisas necessariamente perecíveis, mas cria, intrinsecamente, novos problemas ou dilemas, por vezes mais difíceis ainda. E tanto mais quanto maior for o dinamismo do processo de mudança social . (ME-O) (NEVES, 2000: 744-745)

A conjunção e pode adicionar temas com subseqüência temporal no tempo da

narrativa, por meio de uma “progressão temática”, a partir do momento em que marca a

passagem das ações de uma personagem para as ações de outra, ou a sucessão do relato

depois de falas encaixadas no enunciado, correspondentes aos discursos das personagens:

A música cresce E o espectador entrevê ao fundo da tela, por entre flores e círios, indistintas e trêmulas figuras vivas da nacionalidade. (TB)

O tempo havia passado, Duval sumira por aí com os seus ressentimentos, E eu continuava assistindo à erosão da minha vida, sem que pudesse fazer nada. (AFA)

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Nestor continuou falando: E João Cardoso, como no princípio, olhando para o ar. (FP)

– Deus lhe acompanhe – dissera-lhe a mulher no dia da viagem. E o retirante juntou-se à leva. (C) (NEVES, 2000: 745)

O conectivo também pode adicionar temas sem subseqüência temporal, através de

simples “alternância temática”. Observem-se:

Gritos de Elvira E o olhar de pânico dos familiares que surgem nas portas. (TB)

Porém respondo: à mulher não entrego, de maneira alguma. E os meninos são muito pequenos. (FP)

O pai ocupava a cabeceira da mesa. E o copeiro de jaqueta engomada vinha trazendo os pratos. (CP)

Aicá subiu um calvário de tratamento em sua vida curta – disse Lídia. – E o Fontoura subiu outro. (Q) (NEVES, 2000: 745)

Em construção coordenada, quando empregado em início de enunciado, de ato de

fala, obedecendo a determinações pragmáticas, o e pode adicionar um pedido de informação.

Nesse caso, o conectivo introduz uma frase interrogativa direta ou indireta que sugere o

acréscimo de uma unidade de informação. Essa interrogativa pode ser geral ou parcial:

3.2.1.1 Interrogativa geral:

a) Com pedido de informação sobre a verdade da atribuição de um predicado a um sujeito

– Teria dormido comigo, se eu pedisse.

– E o senhor nunca pediu? – Não. – E ela era bonita? (EN)

– Crime? ... Crime, como? – O senhor investigue, que descobre. – E o criminoso entrou pelas paredes? (FP)

– Ao todo foram seis, mas como deram trabalho. – Oito, o senhor disse. – É verdade, oito. A oitava foi agora mesmo, estou vindo de lá. – E está morta? (IP)

b) Com pedido de informação sobre um tema (não necessariamente um sujeito). A

interrogação consta apenas do sintagma nominal , que configura esse tema

– Homem... Eu só acredito em Deus – respondeu o negro. Mas parece que eu posso contar com o Dr. Marcolino. Ele é quem vai comprar o nosso diamante. – Ótimo. E seu Quelézinho? – Dr. Marcolino me garantiu por ele. Peba tranqüilizou-se.

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– E seu Teutônio? perguntou ainda. (C)

– Isso é imprevisível. Sessenta dias é um tempo aceitável. – E a alimentação? Ela não quer comer nada, doutor. (GTT)

3.2.1.2 Interrogativa parcial: com pedido de informação em um ponto do

primeiro segmento:

– Então já são dois favores. – Exato. – E para quê? E por quê? (CBC) (NEVES, 2000: 746-747)

Quando adiciona uma solicitação sobre a consideração de um tema, a conjunção

introduz uma “interrogativa geral” que acresce a sugestão do novo tema:

3.2.2.1 O segundo segmento se restringe ao termo que representa o novo tema sugerido:

Distendemo-nos. Seguimos caminho.

– E o treino , hein? – disse nosso quíper bem perto de mim. (CVP)

Foram vãos os seus esforços. Não tinha firmeza nem para erguer o braço. E o cachorro? Este, durante todo aquele tempo, não mudara de posição, sequer. (OEJ)

– Ninguém respondeu. Ela deve estar dormindo. – E Marcelo? – Não sei, deve estar dormindo também. (CBC)

3.2.2.2 O segundo segmento é um enunciado completo:

Foi uma das mulheres mais inteligentes que conheci. Sempre acreditei que me

lesse no íntimo e que soubesse mais de minhas paixões do que eu próprio. – E ela, Eulália, a dona de meus suspiros, a responsável por meu desfinhamento e minha languidez, o que fazia, o que sabia de meus padecimentos? (DM)

– Como é, Sariruá, E você, Apucaiaca, aposto que estão comendo o peixe que deviam guardar para o quarup. Os índios riram sem entender, pois Fontoura tinha falado rápido. (...) – E você, Matsune – disse Olavo para a mulher – está fazendo beiju? (Q)

(NEVES, 2000: 747-748) O conectivo e também pode adicionar argumentos em um mesmo sentido de

argumentação, a partir do momento em que o enunciado iniciado por ele reitera, retoma, a

direção argumentativa do discurso:

3.2.3.1.1 O elemento E constitui uma indicação explícita de que um segundo argumento se acresce ao primeiro, sendo especialmente importante, para esse efeito, a pausa de final de enunciado (representada, na escrita, por alguma pontuação) antes do E.

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– De raça, a galinha? – Raça nada. Pêlo duro. Caipirinha da silva. – E gordinha que tá. (HC)

3.2.3.1.2 O segundo enunciado é uma interrogativa retórica (geral, parcial ou

hipotética), que solicita a consideração de um argumento e que pode ser considerada um acréscimo, na medida em que traz o argumento à consideração. O enunciado pode configurar o início ou a continuação de um discurso direto, de um discurso indireto livre , por exemplo de um monólogo interior .

A natureza desses segundo segmento varia:

a) Pode ser um enunciado completo

Humildade num homem como aquele?... E não havia, no tom com que falara,

uma oculta armadilha, pronta a disparar se ele dissesse não? (FP)

b) Pode ser o enunciado reduzido a palavra ou expressão interrogativa

Animou-se ao vê-la tão bem, chegou a acreditar ser mesmo possível... E por que não? – pensou tomando entre as suas as mãos descarnadas. (CP)

c) Pode ser o enunciado reduzido à prótase, se for uma interrogativa hipotética

[um argumento potencial]

– Meu Deus – disse Fontoura – só agora é que estou sentindo a coisa... E se pernoitarem? (Q)

Aderir à mentira de Valvano ou criar a minha? E se as malhas da rede do tenente fossem mais amplas, exigindo aquele tempo todo para ser tecida? (CVP) (NEVES, 2000: 748-749)

Pelo o que vimos até aqui, Neves analisa os diversos empregos da conjunção e como

operador discursivo (ou argumentativo), seja iniciando sintagmas e orações, seja iniciando

enunciados, manifestando diferentes efeitos semânticos, e contribuindo sempre para que haja

continuidade do sentido global do texto (discurso).

Contudo, a autora observa também que o sentido em que se encaminha a

argumentação pode ser mudado quando a conjunção aditiva inverte a direção argumentativa:

3.2.3.2.1 O segundo segmento é um enunciado asseverativo:

Eu podia fazer isso, mas quis dar-lhe uma satisfação, ver se você concorda. E você não entende, não agradece. (FP)

– Padre Mateus, recebi o senhor em minha casa como auxiliar. E não como aluno. (CHC)

3.2.3.2.2 O segundo enunciado é uma interrogação retórica de forma

interrogativa e de entoação exclamativa, com função asseverativa, e com valor negativo :

Vender peixe pros homens de linho e camisa esporte. Pras moças bonitas do

well, do fine, do bye-bye, e de outras conversas que ele não entendia mas sorria, que siá dona era capaz de se zangar se ele não sorrisse: podia tomar

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como ofensa. E ele podia pensar em ofender siá dona? Podia nada. (EN) (NEVES, 2000: 749-750)

No primeiro exemplo fornecido por Neves em que há inversão do sentido da direção

argumentativa, o valor semântico produzido pelo elemento e equivale ao do mas adversativo,

já que passa a indicar idéia de contra-expectativa (cf. seção 5.2.2.3). O conectivo introduz

um enunciado que contraria algo que é esperado pelo locutor – e que permanece implícito.

No segundo exemplo, podemos perceber nitidamente o sentido contrário da direção

argumentativa de uma enunciação do tipo: “– Padre Mateus, não recebi o senhor em minha

casa como aluno. E (mas) sim como auxiliar”.

A interrogação retórica a que se refere a autora no último exemplo parece se reportar

a uma possível inferência criada pelo ouvinte. Poderíamos, assim, considerar que o locutor,

mesmo após afirmar que a pessoa de quem fala não poderia deixar de sorrir, de demonstrar

simpatia aos estrangeiros, sob pena de se zangarem com ela, pressupõe a seguinte inferência

da parte do alocutário: ele poderia pensar em ofender os estrangeiros mesmo assim, deixando

de ser simpático, afinal de contas não entendia sequer o que diziam. A partir desse momento,

ao constatar a opinião implícita de seu alocutário, lança uma pergunta em relação a tal

inferência para, logo em seguida, expor a sua opinião, que vai de encontro à do ouvinte.

Nesse caso, verificamos que a interrogação, seguida da resposta com valor negativo, se opõe

àquela inferência. Estamos diante de uma relação de oposição entre a opinião do falante e a

do ouvinte, que permanece implícita.

De acordo com Neves, no que diz respeito à questão da ordem, existem dois tipos de

construção com o conectivo e: construções simétricas e construções assimétricas.

As construções com e são simétricas quando os dois segmentos envolvidos na relação

de adição podem permutar de posição facilmente. O resultado de sentido neste caso difere

somente do ponto de vista da distribuição da informação:

Assim, num enunciado como

A vítima está internada no hospital da cidade com febre alta e persistente, dores no corpo E mora no bairro Pedra Branca, onde viviam as três pessoas que morreram em função da doença nos meses de junho e julho. (EM)

tem-se uma construção basicamente equivalente a

A vítima mora no bairro Pedra Branca, onde viviam as três pessoas que morreram

em função da doença nos meses de junho e julho, E está internada no hospital da cidade com febre alta e persistente, dores no corpo . (EM) (NEVES, 2000: 750)

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A autora lembra que a ordem dos segmentos relacionados é pertinente quanto ao

efeito comunicativo. Desse modo, seriam razões, intenções comunicativas, encontradas no

texto, que teriam levado o falante do primeiro enunciado supracitado a indicar o local em que

a pessoa está internada e, somente depois, o lugar em que mora.

As construções com e são assimétricas quando os segmentos relacionados devem, por

alguma razão, ser considerados numa ordem necessária :

O ex-pugilista volta ao volante E dá a partida, dirigindo com a cabeça para fora, o ruivo de co-piloto. (EST)

Suspirou E morreu. (CD)

O produto escorreu pela testa da atriz E caiu no olho, deixando uma bolha de sangue perto da pupila . (VEJ)

Da gerência me dizem que ainda está no Rio, que deve voltar ao hotel para buscar a correspondência, mas que já pagou a conta E saiu com a valise de viagem. (A) (Neves, 2000: 750-751)

Nos exemplos acima, é necessário que se marque uma seqüência de eventos na ordem

em que estes aconteceram. Notamos, assim, uma seqüência temporal entre os enunciados

relacionados pelo elemento e.

Para Neves, o conectivo nem também marca relação de adição. Esse elemento

adiciona, todavia, segmentos coordenados que sejam negativos ou privativos:

Detetives não acharam rastro de Enrico NEM da Bertolazzi. (VN)

Um homem de bem neste estado, sem saber como NEM por quê! (PC) (NEVES, 2000: 751)

Como as demais conjunções coordenativas, o nem ocorre somente entre segmentos do

mesmo estatuto, dentre eles:

a) sintagmas Concordo, por aqui nunca passou o Império NEM a República. (PV)

Não tem mais NEM meio mais. (UC)

Não diga nada, Pai. A culpa não é sua, NEM de ninguém desta terra. (GE)

Esta a razão pela qual não se achava necessário ao Brasil NEM a qualquer outro país. (T)

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b) orações Não visitava ninguém NEM era visitada pelos vizinhos. (ANA)

Não me arrisco NEM arrisco você. (AVI)

Não cremos que a pesquisa de análogos aos antibióticos venha a ser incentivada, NEM que estas substâncias adquiram algum dia, importância terapêutica. (ANT)

O vento sopra onde quer e ouves a sua voz: mas não sabes donde vem NEM para onde vai. (LE-O)

c) enunciados

Por outro lado, não teremos a ingenuidade de considerar a interdisciplinaridade,

o método científico por excelência, o único capaz de resolver todos os problemas. NEM podemos crer na possibilidade de elaboração, pelo menos no futuro próximo, de uma verdadeira teoria interdisciplinar. (IP)

Não era tarde. NEM a missa estava marcada para hora muito matinal. (A)

Não sabe para onde vai. NEM lhe importa saber. (A)

Aí ninguém entra. NEM eu. (CR) (NEVES, 2000: 751-752) Geralmente, essa conjunção acresce um segundo segmento a um primeiro segmento

negativo recursivamente, sendo um ancorado em outro:

É duro não ter pai, NEM mãe, NEM bens e viver às expensas de parente. (GCC)

Não há brancos, NEM negros, NEM pobres, NEM condenados. (SOR) (NEVES, 2000: 752)

Além disso, o elemento nem pode aparecer em construção correlativa, ocorrendo já no

primeiro dos dois (ou mais) segmentos negativos postos em relação de conjunção. De acordo

com Neves, o nem da primeira posição compõe com o segundo nem a correlação aditiva

negativa. Observem-se alguns exemplos da autora:

NEM a virtude, NEM a modéstia contribuíram para a minha defesa naquele difícil transe. (CE)

Nos minuciosos relatórios enviados pelos agentes de seguros NEM os homens, NEM as mulheres, NEM as mulheres despedaçadas foram incluídas. (SPI) (NEVES, 2000: 752)

Contudo, esse elemento pode aparecer como advérbio em determinadas construções:

naquelas em que o verbo do enunciado precede o conjunto correlacionado por nem – caso em

que a negação do enunciado é marcada por algum outro elemento de negação – e em

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construções em que o nem vem precedido de e, formando o valor aditivo negativo “e também

não”, respectivamente:

Era quase um menino, não tinha NEM pai, NEM mãe, NEM parentes vivos. (SPI)

De sorte que não podia, e NEM deveria vir, no bojo de um mesmo processo, uma matéria fundamental, uma matéria urgente como a que V. Ex. se refere. (JL-O) (NEVES, 2000: 753)

Neste último caso apresentado, em que o nem passa a significar “e também não”,

pode indicar idéia de acréscimo, inclusão ou privação, o que favorece o emprego de algumas

palavras de reforço:

Parece-nos incontestável, ademais, que a finalidade do homem não pode mais coincidir com a finalidade da natureza, NEM tampouco estar na dependência exclusiva daquilo que dela possam dizer as ciências. (IR)

O Alferes não morreu, NEM mesmo adoeceu. (ALF)

Não houve biscoitos, como é de praxe, NEM sequer uma xícara de café fumegante

e aromático. (AL) (NEVES, 2000: 754) As palavras tampouco, mesmo e sequer, que acompanham a partícula nem nos

exemplos acima, têm a função de reforçar as noções de acréscimo, inclusão e privação

(exclusão), respectivamente.

Quando inicia sintagmas, orações ou enunciados, o nem pode indicar que o segundo

segmento se acresce ao primeiro:

Não era muito grande, NEM muito fundo. (GE)

Não farei promoção pessoal, NEM permitirei que a façam a minha sombra. (ME-O)

Sérgio correu o olhar em torno e pareceu não ver ninguém com nitidez. NEM detalhe algum. (A) (NEVES, 2000: 754)

Em construções em que há multiplicidade de segmentos coordenados, podemos notar

a ocorrência de polissíndeto com o nem, por meio da reiteração desse elemento:

Não poderás comer o dízimo do teu cereal, NEM do teu vinho, NEM do teu azeite, NEM os primogênitos das tuas vacas, NEM das tuas ovelhas. (LE-O) (NEVES, 2000: 755)

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Como conjunção aditiva, o nem direciona os argumentos que introduz numa mesma

direção. E a pausa de final de enunciado (representada por alguma pontuação na escrita)

antes desse conectivo contribui para a idéia de que o segundo segmento se acresce ao

primeiro:

É bem verdade que não podemos ser tolerantes a tal ponto de abrirmos mão de princípios fundamentais. NEM a nossa tolerância nos deve levar a não reconhecer que temos a verdade e não apenas uma verdade. (LE-O) (NEVES, 2000: 755)

Na análise das construções adversativas, Neves estuda o elemento mas, único que

considera se tratar de uma conjunção adversativa.

Para a autora, não há recursividade na construção com mas, pois tal palavra marca

uma relação de “desigualdade” entre os segmentos coordenados, que não tomam, por sua

vez, a mesma direção argumentativa:

Vocês servem mal, MAS a comida é ótima! (A) (NEVES, 2000: 755) Essa conjunção adversativa pode coordenar segmentos como sintagmas, orações e

enunciados:

Forço uma das vinte portas que existem no corredor e que se abre sobre um quarto modesto MAS decente. (AL)

O garçom tem cara de mentecapto, MAS isto não me afeta grande coisa. (AL)

Se se come bem aqui não sei. MAS, que se bebe bem, bebe-se! (A) (NEVES, 2000: 756)

Ainda de acordo com Neves, pode ocorrer coordenação com mas entre sintagmas

não-oracionais e sintagmas oracionais, sob a condição de que ambos tenham o mesmo

estatuto sintático:

Devem ser preferidas as bananas e as laranjas, ricas em todas as vitaminas, MAS que não precisam ser absorvidas em quantidades excessivas. (AE) (NEVES, 2000: 757)

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Desse modo, segundo a autora, a desigualdade presente nas relações marcadas por

mas é utilizada para a organização da informação e para a estruturação da argumentação;

“isso implica a manutenção (em graus diversos) de um dos membros coordenados (em geral,

o primeiro) e (também em graus diversos) a sua negação” (NEVES, 2000: 757). Além disso,

afirma que o valor semântico dessa conjunção adversativa tem especificações distintas, de

acordo com a distribuição do conectivo na construção.

O mas pode indicar contraposição ou eliminação quando inicia sintagmas, orações ou

enunciados em função atributiva.

Na relação de contraposição, a oração introduzida pelo conectivo não exclui o

elemento anterior, admitindo-o de modo explícito ou implícito, mas se contrapondo a ele.

Neves lembra, contudo, que a contraposição não se apresenta apenas em direção oposta do

ponto de vista argumentativo. Os conteúdos envolvidos nesse tipo de relação podem ter a

mesma direção ou direção independente.

Em casos de contraposição em direção oposta, o mas poderá produzir diferentes

efeitos semânticos: contraste, compensação, restrição, negação de inferência. Observem-se

alguns dos exemplos que selecionamos da autora:

3.1.1.1.1 Marcando contraste

Contraste entre positivo e negativo, ou vice-versa:

Será que pé gasta? Diz que de quem trabalha em salina gasta. MAS eu não; agora sou jornalista. (VI)

Jesus, naquela ocasião, não satisfez a curiosidade dos discípulos. MAS foi à prática: curou o cego. (LE-O)

Contraste entre expressões de significação oposta:

Vou bem. MAS você vai mal. (VN)

Contraste, simplesmente, entre diferentes:

O baiano sorria sem arrogância. MAS sem o menor temor. (AM-O)

3.1.1.1.2 Marcando compensação. Essa compensação resulta da diferente direção dos argumentos, e pode, ou não, envolver gradação.

• Não envolvendo gradação

Tinha de resignar-se a tolerar, durante algumas horas, a presença de Susana, seu olhar sardônico, as vingativas perguntas que não deixaria de fazer. MAS havia o menino, conversaria com ele. (FP)

• Envolvendo gradação

Na ordem do argumento mais fraco para o mais forte (que é, então, negado):

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E, continuando a andar, por vezes o vento lhe trazia um clamor vago, uma reivindicação mais intensa. Era um alarme de vida que delicadamente alertou o homem. MAS com o qual ele nada soube fazer como se visse uma flor se entreabrir e apenas olhasse. (M)

(= o alarme alertou o homem, mas não passou disso)

Na ordem do argumento mais forte para o mais fraco:

Dora afirma que lê as palavras na testa do pai acompanhando a vibração das rugas. Eu não chego a tanto. MAS em compensação apanho no ar os pensamentos do senhor. (M)

(= eu não chego a ler as palavras na testa de meu pai, mas apanho no ar seus pensamentos)

3.1.1.1.3 Restringindo, por acréscimo de informação, o que acaba de ser enunciado

no primeiro membro coordenado. Essa restrição pode significar uma exclusão parcial, estando expressos, por vezes, indicadores de negação, privação, insuficiência.

• Acrescentando um termo:

Casou-se. MAS não foi com a Luizinha . (BS)

• Acrescentando um circunstante limitador:

Couto continuaria a sofrer, e muito, MAS em verso . (AM-O)

• Acrescentando uma qualificação restritiva:

Queria que o filho fosse ministro, sim, MAS ministro protestante. (COR-O)

3.1.1.1.4 Negando inferência

Vem contrariada a inferência de um argumento enunciado anteriormente. No primeiro segmento há asseveração, com admissão de um fato; no segundo segmento expressa-se a não-aceitação da inferência daquilo que foi asseverado:

O Bar do Porco era velho e fedia: era muquinfo de um português lá onde, por uns

mangos fuleiros, a gente matava a fome, engolindo uma gororoba ruim, preta. MAS eu ia. (MJC)

(= o Bar do Porco tinha tudo para eu não ir (e eu sabia disso), mas (ainda assim) eu ia) (NEVES, 2000: 757-762)

Na contraposição em que os segmentos têm a mesma direção, o segundo argumento,

que é acrescentado na construção, é superior, ou não inferior ao primeiro. E essa valorização

é comparativa ou superlativa:

O sertão, para ele, não é uma coisa, MAS principalmente uma idéia e um sentimento. (FI)

Não reconhecera aquela voz: se tivesse reconhecido seria fácil saber. MAS o pior mesmo fora ele quase dando de cara com Geraldo. (CO) (NEVES, 2000: 763)

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A contraposição em direção independente caracteriza-se por apresentar um segundo

membro coordenado em que aparece um argumento ainda não considerado. Embora seja

admitido, o primeiro argumento é menos relevante do que o que vem acrescentado:

Gostaria de ver o Zico na Gávea até a morte, MAS reconheço que ele tem direito a este último contrato milionário. (PLA) (NEVES, 2000: 764)

A outra relação estabelecida pela conjunção mas em função atributiva – em que um

argumento é atribuído à operação discursiva – corresponde ao que Neves chama de

eliminação. Nesse caso, a oração introduzida por mas elimina o segmento coordenado

anterior.

Pode haver ou não relação temporal entre os segmentos coordenados na eliminação.

No primeiro caso, “elimina-se a subseqüência temporal natural, ou a consecução do que vem

enunciado no primeiro membro coordenado” (NEVES, 2000: 764); um evento, um

acontecimento qualquer é interrompido, e essa interrupção pode ser verificada no segundo

segmento.

A negação da subseqüência ou consecução é explícita quando utilizados elementos

negativos, ou até mesmo de palavras indicadoras de anulação, contenção, protelação,

desistência, irrealização:

Pensei em falar, em dizer mil coisas que me ocorrem, MAS não consegui sequer abrir a boca. (A)

– Posso fumar? – perguntou Augusto. MAS logo anulou o gesto. (VN)

– Ela abriu a boca para responder à insolência. MAS conteve-se. (M)

– Quando era sua cliente você a trouxe para conhecer Elvira e chegou a prevenir-nos de que ela tencionava oferecer-nos um jantar, ou um almoço, nem me lembro mais. MAS o convite ficou para as calendas gregas. (VN)

Amedrontado, Naé ergueu-se. MAS não chegou a dar um passo: a porta escancarou-se e dois homens avançaram na sua direção. (OJC)

– Está morando aqui? – Não. Pretendia, quando começasse o desquite. MAS vou morar noutro canto.

(FP) (NEVES, 2000: 765) A negação da subseqüência ou consecução pode vir implícita. O que o elemento mas

introduz é a causa dessa eliminação no tempo:

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Fê-lo no começo, MAS logo percebeu que assim afastava os povos do marxismo. (MA-O)

(= conseqüentemente, deixou de fazê -lo) (NEVES, 2000: 765) Diferentemente dos outros casos analisados até agora, em que observamos duas

orações explícitas e uma implícita na operação de contra-expectativa, o exemplo supracitado

apresenta duas orações explícitas (levando em conta apenas a construção coordenada) – a de

base (primeira) e a que contraria (segunda) uma oração implícita (terceira), sendo esta fruto

de uma inferência criada pelo alocutário a partir da primeira, da de base – e duas orações

implícitas. A nova implícita que é verificada nesse exemplo corresponde a uma conseqüência

daquela iniciada por mas, que representa, dessa forma, a sua causa. Uma construção em que

temos três explícitas e apenas uma implícita seria:

Fê-lo no começo, mas deixou de fazê-lo porque logo percebeu que assim afastava os povos do marxismo.

oração implícita: “continuou a fazê -lo”

A subseqüência também pode ser negada e haver uma recolocação, ou seja, vir

expresso um evento que substitui a subseqüência natural esperada pelo alocutário, cuja

probabilidade de acontecer é eliminada. A negação da subseqüência pode vir explícita,

seguida de uma recolocação:

Experimentou calcular se estaria perto ou longe daquilo que acontecia em algum lugar. MAS parava, e de novo o silêncio do sol se refazia e o desorientava. (M) (NEVES, 2000: 765)

A negação da subseqüência natural também pode encontrar-se suposta devido à

própria recolocação:

Já em mangas de camisa, dirige-se ao bispo com os braços largamente abertos, como quem vai abraçá-lo, MAS o bispo ergue a mão num gesto de desprezo e o palhaço ri amarelo, parando à espera. (AC)

(= ele deixa de abraçar) (NEVES, 2000: 765)

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Pode não haver relação temporal entre os segmentos coordenados na eliminação. A

negação do conteúdo do primeiro segmento pode vir explícita, referindo-se ao que está posto,

pressuposto ou subentendido:

Você pensa que sabe, MAS não. (A)

Nem sua mãe se o visse na rua o reconheceria, ele pensou contemplando no espelho aquela triste figura. MAS não, não era assim; tinha gente danada (...) tinha gente que por um pequeno detalhe já descobriria. (CO)

Ia recolher-se aos seus aposentos, quando o telefone tocou. MAS não era Antonieta. (VN)

Hoje pela manhã vieram me avisar: amanhã volto à liberdade. MAS que liberdade? Eu renunciei a ser livre no dia em que me prostrei diante do altar e prometi a Deus que seria padre. (CO) (NEVES, 2000: 766)

A negação pode vir implícita. Neste caso, é possível negar o preenchimento de uma

condição necessária, ou ratificar uma irrealidade, ou negar uma potencialidade. Nessa relação

de eliminação não-temporal, também é a causa que vem expressa desse não-preenchimento

da condição, dessa irrealidade ou dessa não-potencialidade:

Eu não queria vir; com medo de que o senhor se zangasse, MAS o major é rico e poderoso e eu trabalho na mina dele. (AC)

(= não vim [sic] [porque o major é rico e poderoso e eu trabalho na mina dele])

Todo mundo reprovou o procedimento dos compradores e mais ainda o de Estevão, que na qualidade de antigo proprietário e amigo poderia ter dito uma palavra em favor do velho Marcos; MAS Estevão era agora do outro lado, e nada mais se poderia esperar dele. (CBC)

(= não disse [porque Estevão era agora do outro lado, e nada mais poderia esperar dele])

Se ao menos Conrado tivesse aparecido... Tão bom ele era, tão delicado (...) MAS Conrado estava sempre tão longe! (CP)

(= não apareceu [porque estava sempre tão longe]) (NEVES, 2000: 766-767) No segmento introduzido pelo elemento mas, pode haver rejeição da oportunidade do

primeiro membro coordenado, e não negação deste. De acordo com Neves, “está em questão

se é oportuno, e, não, se é verdadeiro, o que vem aí enunciado [no primeiro segmento da

construção]; isso implica uma desconsideração, mesmo que provisória, desse primeiro

enunciado” (NEVES, 2000: 767):

Chego a me perguntar mesmo – MAS isso não importa muito aqui nesta conversa – se tudo não foi obra do Padre Luís. (A)

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Quando empregado em início de enunciado, ou melhor, em início de turno,

obedecendo a determinações pragmáticas, o mas também pode indicar as idéias de

contraposição ou de eliminação.

Na contraposição, o conectivo inicia enunciado que não elimina o antecedente;

contrapõe-se a ele. Além disso, os enunciados da relação de contraposição em que o mas

inicia turno de fala podem apresentar-se em direção oposta ou em direção independente.

Na contraposição em direção oposta, o elemento mas pode operar uma restrição ao

que foi enunciado. Essa restrição é feita por meio de refutação a um pressuposto ou a um

subentendido do enunciado anterior:

– Os bichos comem a gente. – MAS a gente não é só isso. (CP)

– Você não acha ridículo um velho amar? – MAS nem você tem a idade de Goethe, nem ela é jovem como Betina

Brentano. (VN)

– Na verdade, nem sequer começamos, e eu me recuso a continuar perdendo tempo com um paciente que me esconde pensamentos e sentimentos. – MAS é que conheci a moça apenas há duas semanas! (CBC) (NEVES, 2000: 767-768)

A restrição da relação de contraposição em direção oposta pode ser feita também

através de pedido de informação a propósito do enunciado anterior. Pode questionar-se o que

foi enunciado, o contexto maior, ou a situação:

Isso trouxe uma longa discussão sobre o possível conteúdo dos caixotes, e concordamos que devia ser qualquer coisa muito preciosa, ou muito delicada, a ponto de uma palmada por fora deixar o dono alarmado. MAS que coisa poderia ser que preenchesse essa ampla hipótese? (CBC)

Então (...) de novo subiu (...) a vontade de matar – seus olhos molharam-se gratos e negros numa quase felicidade, não era ódio ainda (...) MAS onde, onde encontrar o animal que lhe ensinasse a ter o seu próprio ódio? (CBC)

Para onde fugir? Nenhum navio no porto. Restaria entrar num daqueles botes e remar; içar velas. MAS ir para onde? (DM) (NEVES, 2000: 768)

Na contraposição em direção independente, é sugerido um enunciado hipotético

interrogativo como um novo argumento para consideração em lugar do argumento anterior,

que é admitido, mas considerado insuficiente:

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E se a danadinha batesse com a língua nos dentes? Não! A pequena não era boba,

era até bem sabida, logo se via. MAS se começasse a achacá-lo? – estremeceu. (DM) (NEVES, 2000: 768)

Ainda nessa relação, pode haver mudança do foco da narrativa ou da conversação. Tal

mudança apresenta-se expressa ou reiterada por determinados itens lexicais, ou apenas

sugerida pela modalidade interrogativa ou exclamativa do enunciado:

– Sim, continuará aqui, se quiser. Tem sido tão nossa amiga, não é mesmo? – acrescentou franzindo a testa. – MAS ouça, Virgínia, não se preocupe mais com os outros, eu cuidarei da sua

mãe. (CP)

As conversas frente a frente se repelem como sulcos na água produzidos por pedras atiradas das margens opostas; ao passo que as conversas lado a lado são como remos: ajudam a propulsão. MAS então, como vai essa alma? Ela já se desvencilhou dos sentidos? (VN)

– Elvira está ótima, não? – Felizmente. MAS de que é que estavam falando? (VN)

– Não. A gleba no Guarujá é uma só, e olhe lá! – MAS, Augusto, como você está bem disposto! (VN) (NEVES, 2000: 769)

Quando se introduz novo tema, que contrasta com o selecionado anteriormente, não

há desconsideração ou desvalorização do enunciado antecedente; fica marcada, porém, uma

progressão temática:

Depois (as mulheres) falavam de roupas, sem constrangimentos. De roupas, de empregadas e do zelo com as crianças (...) MAS os homens permaneciam no outro canto da sala e um deles contava coisas de viagem. (CBC)

Gosta da perspectiva de enfrentar a manhã chuvosa e fria, de caminhar lépida e só pela rua. Sair enquanto todos dormem, sem pedir licença, fá-la julgar-se independente e responsável. MAS a avó ouve-lhe os passos e chama-a; vendo-a vestida, pergunta-lhe onde vai, insiste para que não saia sem café, se não for comungar. (CC) (NEVES, 2000: 769-770)

Na relação de eliminação, o enunciado introduzido pelo mas geralmente exclui o

anterior. Nos casos a seguir, a rejeição da dúvida expressa no primeiro enunciado se dá sem

que haja nenhuma recolocação no subseqüente:

– Terá sido mesmo? MAS não, não pode ter sido. (FP)

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Passar ali? Seria um suicídio. Se bem que se sentia tentado: só para provar de novo e com maior risco o seu disfarce. MAS claro que não faria isso: seria cometer uma loucura. (CO) (NEVES, 2000: 770)

Quando a eliminação implica recolocação, pode acontecer de o enunciado anterior

àquele iniciado por mas ser desconsiderado, rejeitando-se, assim, o próprio ato de

enunciação. E a rejeição do primeiro enunciado (e, conseqüentemente, a enunciação nele

pressuposta) pode vir explícita:

– Era como as outras pessoas? – MAS, pelo amor de Deus, minha filhinha, não me faça mais perguntas. (CC)

– É muito ruim ser feio – MAS, meu bem, por que você fala assim? – Eu sou feia. (CP) (NEVES, 2000: 770)

Pode haver, além disso, rejeição, reprovação de algum elemento da situação de

enunciação:

Na portaria do hotel, mal fechei a porta, a dona espantou-se: – MAS o senhor lá fora, com um tempo destes! (MP)

E ela ficava pensando no quintal de seu Teotônio com as suas quarenta e tantas cabeças de galinha. – MAS a senhora – falava com a mulher do seu Teotônio – com tanta galinha

em casa e ainda compra fora? (CAS) (NEVES, 2000: 770) Por fim, Neves investiga as construções alternativas com a conjunção ou, responsável

pela operação de disjunção (cf. seções 5.2.1.2 e 5.2.2.2). Assim, a construção coordenada

com a palavra ou pode indicar disjunção inclusiva ou disjunção exclusiva. No primeiro caso,

há, via de regra, soma dos elementos envolvidos na operação. Observe-se um exemplo da

autora:

Meu grande empenho continua sendo o da pacificação da família brasileira, e estou disposto a tudo fazer para apagar ressentimentos OU divergências, que não mais podem subsistir diante dos deveres que todos temos para com a Pátria comum. (G-O) (NEVES, 2000: 771)

Quando coordenados em disjunção exclusiva, os elementos se excluem:

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Posso esperar OU falar depois. (GAT)

Sou OU não sou deputado eleito pelo povo? (HO) (NEVES, 2000: 771) Assevera Neves que em construções correlativas alternativas, em que os dois

segmentos coordenados são introduzidos por ou, a disjunção é sempre exclusiva:

OU ninguém notara OU tinham pena de nós. (BH)

OU se faz direito OU não se faz. (CCI) (NEVES, 2000: 771) A conjunção ou pode coordenar segmentos de naturezas diversas, como elementos de

composição de uma palavra, prefixos de mesma base lexical, palavras que exercem funções

estruturalmente idênticas e têm o mesmo papel semântico, sintagmas do mesmo estatuto

sintático – sintagmas nominais (preposicionados ou não), sintagmas de valor adjetivo,

sintagmas verbais, sintagmas de valor adverbial –, orações e enunciados:

Então vamos tirar a sorte no par-OU-ímpar, para ver quem é que vai! Sou par! (TEL)

Destruição anatômica ou funcional do parênquima ovariano, na vida embrionária, na pré OU pós-puberdade. (DDH)

Para repassar em seguida a vida do país e do mundo, com uma expressão no rosto onde não se colhiam sinais de

exterioridade Substantivo dentro de sintagma de valor adjetivo

OU

preocupação . (REP) Substantivo dentro do mesmo sintagma de valor adjetivo

Assim, o sal de cozinha (cloreto de sódio) obtido da água do mar OU de jazidas terrestres (sal-gema). (FUN)

Não se trata de ser caro OU barato. (A)

Posso esperar OU falar depois. (GAT)

É a hora em que recebo funcionários que não tiveram tempo de falar comigo durante o expediente OU em minha casa . (GAT)

Ele dará um tiro nele.

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OU ele dará um tiro em mim. (NOD)

Ana sempre foi assim distraída. OU quem sabe, tenha deixado no ar, de propósito! (BE) (NEVES, 2000: 772-774)

Ainda de acordo com Neves, existem três possibilidades de construção alternativa

com a conjunção ou. Desse modo, numa coordenação entre dois ou mais segmentos, pode

acontecer de somente o último ser iniciado por ou:

Não é preciso ser sociólogo, acadêmico OU cientista político para saber do mérito e autoridade da consulta popular sobre qualquer assunto de governo. (VEJ) (NEVES, 2000: 775)

Há casos em que todos os segmentos coordenados, exceto o primeiro, são

introduzidos pela conjunção:

É a hora em que surgem OU se desenvolvem, OU regridem, determinadas glândulas, decisivas para a elaboração da maturidade. (AE) (NEVES, 2000: 775)

O elemento ou também pode introduzir todos os segmentos coordenados – este

corresponde ao tipo de ligação conhecido como correlação (cf. capítulo 4). Relembra a autora

que nesse caso a disjunção é sempre exclusiva:

OU tinha saído, OU se achava em conferência, OU estava preparando um manifesto, OU só voltaria na manhã seguinte, porque fora inspecionar algumas das fazendas que possuía. (BH) (NEVES, 2000: 775)

As três possibilidades básicas de alternância, segundo Neves, diz respeito às seguintes

relações expressas pelo conectivo: a) alternância entre um fato e uma alteração desse fato; b)

alternância entre um fato e uma eventualidade; c) alternância entre duas eventualidades.

Quando se trata de uma alternância entre um fato e uma alteração desse fato, o

segmento iniciado por ou costuma precisar ou relativizar, por intermédio de itens lexicais, o

conteúdo do primeiro segmento:

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O passado não existia mais; não havia, portanto, necessidade de recordá-lo. OU, mais precisamente: todo seu empenho estava em enterrá-lo no mais fundo esquecimento. (OE-JC)

Leva sempre as mãos à cabeça, escusando-se. OU melhor, não sabe onde pôr as mãos grandes. (CBC)

Como, porém, tem um temperamento muito independente, a irmã mais velha tem receio de aconselhá-la inutilmente OU, pior ainda, tem receio de sua reação. (CRU)

Sua irmã também reconhece que o rapaz tem defeitos, mas procura apresentá-los de maneira disfarçada OU, pelo menos, moderada. (CRU)

O emprego de expressões como ou melhor e ou antes, precisando o conteúdo do

enunciado anterior, pode indicar correção:

Foi criada uma comissão de alto nível, constituída por Ministros de Estado, para, com prioridade, tratar do assunto, considerado por todos nós como de capital importância para a vida brasileira, OU melhor, para a sobrevivência das nossas instituições democráticas. (G-O)

A proposta, OU antes, o pedido não foi aceito. (ANA) (NEVES, 2000: 776) O enunciado introduzido pela conjunção alternativa pode restringir o sentido do

antecedente, invalidando, assim, a factualidade deste:

Sorrindo, você vai mostrar que tem todos os dentes, OU quase todos, e isso colocará os repórteres numa situação de inferioridade. (IS) (NEVES, 2000: 777)

O segmento disjuntivo pode também substituir um fato ou um elemento expresso no

primeiro enunciado por outro:

Daqui a pouco estou calma outra vez. OU muito pior, o que é preferível. (BB) (NEVES, 2000: 777)

A alternância entre um fato e uma eventualidade pode manifestar-se entre variados

tipos de segmentos – palavras, sintagmas, orações ou enunciados. Essa relação verificada por

Neves caracteriza-se por apresentar, em dado ponto do enunciado, uma alternativa marcada

como eventual por expressões como quem sabe, talvez, que potencialmente substituiria o

segmento antecedente:

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E em face do surgimento no cenário, dantes restrito aos Estados-Nações, de novos protagonistas singulares, as grandes empresas multinacionais – cujo potencial para o bem, OU talvez para o mal, ainda não nos é dado avaliar. (ME-O)

Como um refúgio, como uma academia OU, quem sabe, como um ninho de amor? (ACM) (NEVES, 2000: 777)

Pode acontecer de, após enunciação de uma declaração expressa no primeiro

segmento, a segunda oração ou enunciado oferecer uma alternativa eventual – geralmente

marcada com o verbo no futuro do pretérito –, que compromete, assim, o conteúdo afirmado

anteriormente:

E não me casaria com você de maneira alguma, tão certa estou, OU estaria, de que você o faria por interesse e não por amor. (SE)

Aí estava a laçada do tenente. OU aí estaria o dedo coadjutor do datilógrafo. (CVP) (NEVES, 2000: 777)

Pode haver restrição de sentido do primeiro enunciado declarativo assertivo por parte

do segundo, que lança uma alternativa eventual – uma interrogação geral, com verbo no

futuro do pretérito ou qualquer outra marca de eventualidade. Desse modo, com a existência

do segundo enunciado, o antecedente passa a ser considerado como portador de uma verdade

apenas parcial:

Tratando de costumes, pareceria uma ciência descritiva. OU seria uma ciência de tipo mais especulativo, que tratasse, por exemplo, da questão fundamental da liberdade? (ET)

Mas eu não posso pagar mais. OU será que apertando as despesas posso pagar dois mil e duzentos? (EL) (NEVES, 2000: 778)

O segundo enunciado pode lançar uma alternativa eventual – uma interrogação geral

– com inversão de polaridade. Assim, esse enunciado passa a representar a negação do que é

declarado no primeiro:

– Atenção! Lá vem ele. OU não é ele? (VN) (NEVES, 2000: 778) Pode acontecer de o segundo enunciado oferecer uma alternativa para um pressuposto

do primeiro. No caso a seguir, o primeiro enunciado é um pedido de informação

(interrogativa parcial) a respeito da causa de algo posto como factual. O segundo enunciado

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representa uma alternativa (interrogativa geral) para esse posto – fruto de uma suposição do

falante – cuja causa é investigada:

Por que não incentiva os pretendentes que às vezes a rondam discretamente? OU não se casou até agora porque a vida que leva – adstrita às tarefas que não lhe imponho mas que tomou a seu cargo primeiro para distrair-se, depois por gosto – a impede de pensar em si própria? (VN) (NEVES, 2000: 779)

O segundo enunciado – a oração alternativa – é uma suposição realizada pelo falante

através de interrogação para um pressuposto do primeiro enunciado: ao se perguntar a causa

de uma pessoa não incentivar os pretendentes, pressupõe-se que tal pessoa “pensa em se

casar um dia”, visto que é admitida a existência de pretendentes.

O primeiro enunciado pode ser declarativo e o segundo oferecer uma alternativa

eventual (por meio de uma interrogativa geral) para um dos pressupostos do primeiro:

E então começava-se a ouvir, a princípio indistintamente, um assobio vindo de muito longe. João precisava esticar bem os ouvidos para pegar no ar aquele fiapo de assobio. OU era do coração, a gente é que queria ouvir? (CBC) (NEVES, 2000: 779)

O conteúdo pressuposto do enunciado que antecede a oração alternativa é “havia um

assobio”. A alternativa eventual para esse pressuposto, expressa no segundo enunciado, uma

vez aceita, invalidaria a asserção posta no primeiro enunciado – “João precisava esticar bem

os ouvidos”. Logo, João não precisava esticar os ouvidos, já que não havia assobio.

A alternância entre duas eventualidades pode acontecer entre segmentos diversos –

palavras, sintagmas, orações ou enunciados. Em certos casos, o(s) segmento(s) introduzido(s)

pela conjunção ou e o anterior são não-factuais (eventuais), e, geralmente, apenas este último

aparece modalizado, de forma declarativa, por verbos como poder e dever devido ao

mecanismo de elipse:

Ângela bem poderia ter sido minha mulher. OU irmã. OU prima. OU mesmo amiguinha. (AV)

Maragato: – Pode ser o começo de uma guerra... Tenório: – OU o início da paz em Caxias... (HO)

Deve tomar posse amanhã OU depois. (MI)

O homem voltou a falar: – Deve estar morrendo de fome. – OU de sede – acrescentou o outro. (OE-JC) (NEVES, 2000: 779-780)

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Palavras ou expressões como talvez, provavelmente, quem sabe também podem

marcar uma relação entre dois ou mais segmentos não-factuais. Elas aparecem tanto nos

enunciados iniciados pelo conectivo coordenativo, logo após este elemento, quanto no

enunciado imediatamente anterior:

Sem saber o que fazer com o pensamento sobre a porta, saiu deste procurando imaginar que o homem devia agora estar adaptando-a com dificuldades nos gonzos enferrujados. Provavelmente mantendo aquele mesmo rosto de cansaço e quase riso, e aquela infantilidade impudica que os gigantes têm. OU, quem sabe, talvez trabalhando na instalação da porta com aquela mesma concentração remota com que engolira, numa minúcia de migalhas, a comida. (ME) (NEVES, 2000: 780)

Podem os dois segmentos aparecer em forma interrogativa. Há situações ainda em

que eles integram uma interrogação geral, ou seja, solicitação de informação referente à

eventual atribuição de um predicado a um sujeito:

Pagava aluguel, por acaso, ou comida? Tinha mulher para sustentar? OU filhos? Egoísta vinha sendo. (DM)

Sou OU não sou deputado eleito pelo povo? (HO) (NEVES, 2000: 781) Orações ou enunciados cujos conteúdos apresentam-se como eventuais podem ter o

valor de uma construção hipotética que implica idéia de ameaça, graças, sobretudo, à

presença do verbo no imperativo no primeiro segmento:

Abram OU tocamos fogo em tudo! (CCI)

(= se não abrirem, tocamos fogo em tudo) (NEVES, 2000: 781) O enunciado anterior ao introduzido pelo conectivo pode ser declarativo, sendo

modalizado ou não, e o seguinte é uma interrogativa geral de eventualidade:

– Eu sou menino, senhor? Heim? Sou menino? O mano só deixou no mundo, que podem zelar por ele, eu e você. A gente não pode deixar de se entender. OU você quer que a peste da viúva parta em cima do que o pobre deixou e leve tudo? (FP) (NEVES, 2000: 781)

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Há casos em que o primeiro enunciado da construção coordenativa é uma

interrogativa geral de eventualidade (marcado por verbo no subjuntivo e/ou por uma palavra

lexical, como talvez) e o segundo é declarativo, sendo marcado também, representando

igualmente uma eventualidade:

E agora, limpando a arma com uma concentração mecânica, Vitória de novo se perguntou que demônio a dominara para levá-la ao ponto de questionar a prima. Talvez tivesse sido a chuva que ameaçava sem cair? OU talvez a insistência daquele rosto que se especializara em esperar, a tivesse enfim exasperado. (ME) (NEVES, 2000: 782)

Outro ponto discutido por Neves diz respeito à questão da ordem das construções

coordenativas no enunciado. Desse modo, temos construções simétricas e assimétricas.

Numa construção simétrica, os membros envolvidos podem mudar facilmente de

posição, sem que haja alteração de sentido:

Assim, num enunciado como

Os andaimes estendem-se até o teto, criando uma impressão em todo o apartamento de poleiros OU de esqueleto de uma imensa favela. (TB)

tem-se uma construção basicamente equivalente a

Os andaimes estendem-se até o teto, criando uma impressão em todo o

apartamento de esqueleto de uma imensa favela OU de poleiros. (NEVES, 2000: 782)

A operação observada nos dois exemplos supracitados corresponde a uma disjunção

inclusiva, conforme já foi visto, em que os dois membros podem ser verdadeiros. De fato,

podemos admitir que ou apenas a primeira, ou a segunda, ou ambas as alternativas

possibilitariam a definição da impressão causada pelos andaimes. Contudo, a seleção da

posição de um ou de outro dos membros coordenados influencia o efeito comunicativo que

pretendemos obter. Em outras palavras, o falante opta por dada ordem da posição dos

elementos coordenados por razões comunicativas.

Podemos ter uma relação simétrica também entre dois membros coordenados que se

excluem – isto é, em disjunção exclusiva, em que somente uma alternativa é considerada

como verdadeira:

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Com duas alternativas que se excluem, o caso não é diferente: os termos simples e múltiplos são funcionalmente equivalentes, seja num enunciado como

A resistência pode ser simples OU múltipla. (ANT),

seja num enunciado como

A resistência pode ser múltipla ou simples. (NEVES, 2000: 782)

Uma razão que determinaria a ordem dos elementos coordenados no enunciado seria a

opção por colocar em segunda posição o membro que representaria a escolha última, e,

assim, de mais relevância.

As construções assimétricas caracterizam-se por apresentar elementos que devem ser

considerados numa ordem necessária por razões diversas, como em casos em que no segundo

elemento se faz uma correção do conteúdo expresso no primeiro segmento coordenado ou

uma correção da forma desse elemento anterior – caso este de correção metalingüística:

A proposta, OU antes, o pedido não foi aceito. (ANA)

– Leonô OU Leonor? – corrigiu a pressurosa professora, caçoando. (ANA) (NEVES, 2000: 783)

O falante pode usar uma outra palavra ou expressão no segundo membro para indicar

melhor algo que foi apresentado anteriormente:

Dona Leonor não descansaria enquanto não pusesse Carlos a par da minha “rebeldia” OU “ousadia”. (A) (NEVES, 2000: 784)

O segundo membro coordenado pode representar uma indicação mais genérica ou

indefinida, segundo a autora, em relação ao que foi expresso no primeiro. A generalização ou

indefinição do que acaba de ser indicado no primeiro segmento faz com que outras

indicações fiquem em aberto:

Digam-me: há cães, gatos, OU outros animais domésticos? (FJG)

Acho que é um viajante OU coisa assim. (DZ) (NEVES, 2000: 784) Numa relação assimétrica, também encontramos expressos quantidades ou valores,

seguindo uma ordem crescente:

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Quase nem aparecem aqui, se dividindo em quatro OU cinco empregos. (OAQ)

Se para um composto puderem ser escritas duas OU mais estruturas que diferem somente na distribuição dos elétrons, as propriedades de composto em questão não correspondem a nenhuma delas, mas a uma estrutura que é um híbrido de ressonância entre elas. (QO) (NEVES, 2000: 784)

O último caso de relação assimétrica observado por Neves diz respeito ao da ordem

iconicamente motivada, isto é, quando segmentos aparecem coordenados de acordo com a

subseqüência temporal e/ou a relação causa-conseqüência, e/ou condicionante-condicionado:

Abram OU botamos a porta abaixo! (IC)

Chega OU eu perco a cabeça! (MD)

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4 COORDENAÇÃO E CORRELAÇÃO: DISTINÇÕES

A Nomenclatura Gramatical Brasileira reconhece somente dois processos de

Composição do Período: a Coordenação e a Subordinação. Até a sua elaboração (1958), a

maior parte dos gramáticos aceitava apenas os dois processos. Havia aqueles, contudo, que

discordavam dessa orientação, dentre os quais, adotaram visão divergente José Oiticica –

precursor do estudo sobre a Correlação no Brasil –, Gladstone Chaves de Melo e Carlos

Henrique da Rocha Lima.

Já no Manual de Análise (OITICICA31, 1950 apud VALENTE, 1998: 40), Oiticica

atenta para a importância da correlação, que representaria processo particular de composição

do período:

Sendo tidas, em geral, como casos especiais da subordinação, cousa inadmissível, pouco se têm ocupado as gramáticas e os Métodos com as correlações, dificultando intensamente o estudo da análise... Insisto, pois, na necessidade de considerar a correlação processo de composição do período diferente da coordenação e da subordinação.

E utiliza o período “tal era o pai, tal é hoje o filho” para caracterizar a correlação,

caso em que se verifica “‘paralelismo’ na apresentação dos dois conceitos”:

Nesse exemplo, as orações são independentes em sentido, mas se acham presas uma à outra por uma comparação, com paralelismo na apresentação dos dois conceitos. Esse paralelismo se revela pela anteposição do mesmo termo tal a cada frase. Chama-se isso correlação, e as duas orações se dizem correlatas. Tal, nesse exemplo, é o termo correlativo. (OITICICA, 1950 apud VALENTE, 1998: 43)

31 OITICICA, José. Manual de Análise. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1950.

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O autor apresenta, em sua Teoria da Correlação (OITICICA, 1952: 15), o essencial

de sua doutrina, que consiste nos seguintes pontos:

a) uma comparação de igualdade;

b) uma adição introduzida, em cada frase por têrmos interdependentes (não só ... mas também) dos quais, mencionado o primeiro, somos forçados a mencionar o segundo;

c) de uma relação de causa e efeito tal, que, mencionado um têrmo intensivo da primeira, a segunda, iniciada por que, se torna obrigatória.

Mais adiante, o gramático desenvolve o assunto e divide seu estudo em quatro Grupos

que podemos denominar:

1º) correlatas aditivas 2º) correlatas comparativas de igualdade 3º) correlatas comparativas de superioridade ou inferioridade 4º) correlatas consecutivas

No 1º Grupo, Oiticica nos apresenta a correlação entre duas orações que estabelecem

relação semântica de adição, unidas por meio de conectivos correlativos. Procura mostrar a

diferença entre estruturas coordenadas, – em que empregamos a conjunção e –, e estruturas

correlatas, – quando são utilizados termos correlatos, como não somente... (denotativo

negativo de restrição) mas também (denotativo de inclusão). O primeiro termo correlato nos

força a usar o segundo no início da segunda oração. O gramático, além disso, fornece

exemplos com outros termos que exercem a mesma função sintática (sujeitos, objetos diretos,

apostos, adjuntos adverbiais), postos em correlação aditiva, chamando a atenção para o valor

de “encarecimento” expresso por tais correlações – o que não é observado na coordenação.

Ademais, lembra que pode haver braquilogia ou “encurtamento” do período devido à não

explicitação de determinados elementos:

“Houve, nessa ocasião, descomedimento do povo, como da polícia”, igual a: não só do povo, como da polícia (correlação dos complementos subjetivos). (OITICICA, 1952: 24)

No 2º Grupo, o autor apresenta variados tipos de correlação comparativa de

igualdade:

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a) referida à identidade:

Tais foram suas promessas, tais são hoje suas realizações32.

b) referida à qualidade:

Tal fora o pai, tal é o filho33.

c) referida à intensidade:

Tanto tocava um, tanto dançava o outro34.

d) referida a uma quantidade progressiva:

Tanto mais cantava o artista, tanto mais vibrava a platéia35.

e) referida à combinação de qualidade com intensidade:

Tão bela foi a mãe, tão feia é a filha.

f) referida aos modos:

Assim ditava o mestre, assim escrevia o discípulo36. (OITICICA, 1952: 24-34)

A NGB, por não reconhecer a correlação, não considera a classificação das orações

correlatas comparativas. Assim, tanto as correlatas comparativas de igualdade quanto as

correlatas comparativas de superioridade e de inferioridade encontram-se numa classificação

geral de orações subordinadas adverbiais comparativas. E as orações correlatas

proporcionais equivalem, por assim dizer, às orações subordinadas adverbiais proporcionais

“em correlação com um membro da oração principal” na gramática tradicional:

Estas orações [as subordinadas adverbiais proporcionais] podem estar em correlação com um membro da oração principal em construções do tipo: quanto mais... tanto mais, quanto mais... tanto menos, quanto menos... tanto menos, quanto menos... tanto mais:

32 Nesse caso, a repetição do elemento identificativo tais no período correlato proporciona efeito de realce na

identificação dos conteúdos correlacionados: “indico serem as realizações de hoje exatamente as constantes nas promessas antigas” (cf. OITICICA, 1952: 24).

33 Não há aqui identificação pura e simples, mas sim “mera comparação de qualidades não definidas” (cf. OITICICA, 1952: 26). Essa estrutura apresenta um modelo (o pai) e um modelado (o filho). O modelo é introduzido por qual quando o modelado o antecede (“O filho é tal qual o pai”).

34 Deparamo -nos agora com uma comparação de igualdade que valoriza a intensidade indefinida entre atos diferentes com idéia de progressão. Estrutura que também estabelece comparação entre um modelo (o que toca) e um modelado (o que dança). Se colocado na segunda oração, o modelo exige quanto (“Tanto dançava um, quanto tocava o outro”).

35 Caso em que a estrutura de comparação de igualdade com valor quantitativo pode ser intensificada pelos advérbios mais ou menos e por adjetivos comparativos. Tanto em estruturas intensificadas por termos específicos quanto em estruturas intensivas, como a anterior, verificamos idéia de progressão de atos. Teríamos, desse modo, exemplos de orações correlatas proporcionais. Oiticica (OITICICA, 1952: 28) admite, além disso, a correlação quantitativa progressiva com valor antitético: “a correlação antitética, com oposição de tanto mais a tanto menos (ou quanto menos)”.

36 Com a posposição do modelo, surge uma estrutura correspondente à de uma do processo de subordinação: “O discípulo escrevia tal qual o mestre ditava”.

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/ Quanto mais o conheço, / tanto mais o admiro. (CUNHA & CINTRA, 2001: 609)

No 3º Grupo, o gramático trata das correlatas comparativas de superioridade, e tudo o

que comenta a respeito delas se aplica às comparativas de inferioridade, com substituição de

mais por menos, e de maior por menor. Oiticica chama a atenção para o fato de ser

“impossível prender a segunda oração diretamente a algum verbo como ocorre na

subordinação das substantivas e adverbiais, ou a um substantivo qual sucede com as

adjetivas”, sendo assim, “a segunda oração apóia-se exclusivamente no intensivo mais” e “a

conjunção é, sabidamente, correlativa” (OITICICA, 1952: 34-35):

César lê mais, que escreve. ? ? adv. conj. Observamos que a estrutura correlata comparativa de superioridade acima possui dois

termos indispensáveis: o advérbio de intensidade mais e a conjunção que (do que). A

segunda oração do período prende-se por meio do conectivo que à oração anterior. A

primeira é considerada como sendo oração principal pela tradição gramatical e a segunda,

oração subordinada adverbial comparativa.

Além da comparação em que se verifica a ocorrência de dois fatos atribuídos a um

mesmo indivíduo, constatamos outras:

a) de dois fatos atribuídos a entidades diferentes:

César escreve mais depressa do que Hélio lê.

b) o intensivo mais pode anteceder um adjetivo qualificativo, indicando superioridade qualitativa:

Alberto é mais vivo que Donato.

c) determinadas vezes, o mais pode se juntar a um substantivo, passando a adjetivo numeral indefinido:

Ele escreve mais cartas que nós. (OITICICA, 1952: 35-36) De acordo com o gramático, um caso especial de correlação comparativa de

superioridade é a que se dá com os chamados adjetivos comparativos sintéticos (maior,

menor, melhor e pior), com os quais não se pode usar complemento terminativo. Com os

pares em que se pode usar complemento terminativo – tais como: superior, inferior, anterior,

posterior, exterior, interior, etc. –, entretanto, a superioridade não pode ser expressa através

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de correlação. De fato, não se diz, por exemplo, superior do que, anterior do que, e sim

superior a, anterior a. Desse modo, entende que maior, menor, melhor e pior apresentam-se

seguidos de oração subentendida, visto que o adjetivo implícito não é repetido no

comparativo. Vejamos o exemplo de Oiticica:

A igreja é maior (“mais grande”) que a escola (“é grande”). (OITICICA, 1952: 36)

No 4º Grupo, – o das correlatas consecutivas –, o gramático observa a relação de

causa e efeito (isto é, causa/conseqüência) que se manifesta nesse tipo de correlação. Em

seguida, expõe as características básicas dessas correlatas:

a) a oração correlata consecutiva exprime uma conseqüência; b) a conseqüência resulta de um fato enunciado enfaticamente, isto é, com vigor

acima do comum; c) a consecutiva se prende sempre à oração causativa por um termo intensivo

(advérbio, adjetivo ou mero denotativo: tanto, tal, tão, explícitos ou implícitos);

d) o segundo termo correlativo é a conjunção correlativa que. (OITICICA, 1952: 41)

Oiticica afirma, então, que na correlação consecutiva não há “nenhum característico

de oração subordinada, muito menos de natureza adverbial, pois não se prende [a oração

correlata que exprime conseqüência] ao verbo, senão à ênfase [da primeira oração

causativa]” (OITICICA, 1952: 40). Tal ênfase, portanto, constitui fator responsável pela

ocorrência do fato consecutivo:

Tanto o animei, que ele publicou o trabalho. Podemos admitir a relação de causa/conseqüência no processo de coordenação. Neste

caso, teríamos orações independentes do ponto de vista sintático e interdependentes do

semântico. Assim, se admitirmos que é a correlação um tipo de ligação entre conteúdos

oracionais, podemos perfeitamente acatar a idéia de que o período acima constitui um

exemplo de coordenação correlativa consecutiva, uma vez que nele verificamos duas

orações (ou enunciados) que, sem os elementos correlativos, seriam independentes

sintaticamente:

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Animei-o. / Ele publicou o trabalho. ? ? causa conseqüência

Seria o mesmo que dizer:

Animei-o e ele publicou o trabalho. O mesmo pode acontecer entre orações com valor semântico de co-ocorrência de

fatos (as proporcionais), que Oiticica classificaria como correlativas comparativas de

igualdade como: “Tanto puxava um, quanto o outro”. Temos aqui orações coordenadas entre

si e correlatas, já que verificamos elementos correlativos ligando-as. A concomitância dos

fatos indica que elas estabelecem entre si idéia de “proporção”. São, portanto, orações

coordenadas, porém interdependentes sintaticamente devido ao tipo de ligação.

O gramático observa que o elemento de ênfase pode aderir-se não somente ao verbo,

“mas também a adjetivo, substantivo ou advérbio” (OITICICA, 1952: 42), conforme nos

seguintes exemplos:

Ela se mostrava tão boa, que a todos encantava.

Cantou com tanta graça, que nos deliciou.

Ele falou tão bem, que a todos comoveu. O elemento tal pode figurar como primeiro termo da correlação consecutiva,

apresentando valor de tão grande, tão intenso. Além de quantitativo, quando possui sentido

definido, o termo pode realçar qualidade. Neste caso, “tal só é definido pela consecutiva”,

podendo manifestar idéia de tão nobre ou tão indigno:

Seu susto foi tal, que ela desmaiou. ? conectivo quantitativo = tão grande

Seu procedimento foi tal, que o elogiaram publicamente. ? conectivo qualitativo = tão nobre

Seu procedimento foi tal, que o expulsaram do clube. ? conectivo qualitativo = tão indigno (OITICICA, 1952: 43-45)

Segundo José Oiticica, “a correlação está bem clara” em estruturas como “Eles

falavam de maneira tal, que ninguém os entendia”, sendo de maneira tal um adjunto

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adverbial de modo, em que “o substantivo maneira está modificado pelo adjetivo tal”

(OITICICA, 1952: 47-48). Poderia haver inversão da expressão (de tal maneira), bem como

omissão (“Eles falavam de maneira que ninguém os entendia”). Neste último caso, em que

temos uma braquilogia, deparamo-nos ainda com um período correlato, o que não foi bem

entendido por alguns gramáticos que inventaram diversas locuções conjuntivas: de maneira

que, de modo que, de forma de. De acordo com o autor, tais conjunções modais não existem,

visto que locuções conjuntivas não poderiam começar com a preposição de.

Outro importante estudo sobre a correlação nos foi legado por Gladstone Chaves de

Melo em seu Novo Manual de Análise Sintática (MELO, 1971). Como José Oiticica, Chaves

de Melo considera que a correlação representa um dos processos sintáticos do português ao

lado da coordenação e da subordinação. Por outro lado, diferentemente de Oiticica, não vê a

justaposição como um dos processos sintáticos da língua, e sim como um tipo de ligação

sintática.

O gramático estatui quatro tipos de correlação, a saber: consecutiva, comparativa,

equiparativa e alternativa. A correlação equiparativa, apresentada pelo autor “ainda como

um ensaio” e criticada pela professora Amália Beatriz Cruz Costa, equivale, de acordo com

os exemplos encontrados na obra, às correlativas comparativas de igualdade e às correlativas

aditivas de José Oiticica. Além disso, alertado pela professora, Chaves de Melo admite falar

também numa correlação proporcional em estruturas correlatas com a presença de elementos

do tipo: quanto mais... tanto menos, quanto mais... tanto mais, quanto menos... tanto mais,

quanto menos... tanto menos.

Supõe ser descoberta sua a correlação alternativa a partir da “análise das orações

coordenadas (?) alternativas” (MELO, 1971: 118), ao tomar como base a seguinte questão:

Poder-se-á dizer que em casos como “Ou você me paga esta semana, ou te cobro judicialmente!” existe coordenação? Serão independentes as orações dêste período? Ou serão interdependentes?

Propõe, assim, distinção entre dois tipos de alternância sintática: uma singela – “com

o conectivo explícito só a partir do segundo termo” –, outra mais complexa – “com o

conectivo a encabeçar já o primeiro termo”. Para o autor, não pode haver dúvida de que

existe coordenação na alternação singela e correlação na complexa. Neste caso, é evidente a

interdependência sintática entre os segmentos relacionados, que, de acordo com o gramático,

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representa “característica distintiva de tal processo sintático [a correlação]” (MELO, 1971:

120).

Partindo do princípio de que somente a coordenação e a subordinação representam

processos sintáticos da língua, na medida em que se tratam de fenômenos responsáveis pela

forma de organização das orações, – seja no período (no caso das orações coordenadas), seja

na oração complexa (no caso da oração complexa, conhecida como “principal”, e a que

funciona como termo sintático de um núcleo verbal) –, consideramos que a correlação e a

justaposição constituem tipos de ligação sintática.

Ora, se temos a ligação assindética, que se caracteriza pela ausência de qualquer

elemento conectivo, na coordenação, podemos considerar que as subordinadas, que se unem

desse modo, encontram-se justapostas. Na correlação, deparamo-nos com orações que se

ligam por intermédio de dois elementos: um que intensifica um segmento da frase ou toda a

frase e outro que se refere a esse termo intensificador (ou enfático). Temos, então, uma

interdependência sintática (e também semântica) entre as orações correlatas. Se admitimos

que é a correlação um tipo de ligação que pode se manifestar tanto no processo

subordinativo, quanto no coordenativo, tendo em vista a interdependência sintática como seu

traço distintivo, chegamos à conclusão de que pode haver orações coordenadas

interdependentes do ponto de vista sintático, desde que estas sejam correlatas.

O professor Evanildo Bechara lança suas considerações a respeito do assunto,

deixando clara a distinção entre processo e ligação sintáticos:

(...) coordenação e subordinação, como tipos de oração (melhor diríamos aqui, orações independentes e dependentes), não estão no mesmo plano da correlação e justaposição. Os dois primeiros conceitos dizem respeito ao valor sintático de independência ou dependência em que se acham as orações dentro do contexto; correlação e justaposição se referem ao modo de se ligarem entre si essas mesmas orações (...). (BECHARA 37, 1976: 127 apud VALENTE, 1998: 40)

Assim, constatamos que pode haver orações correlatas coordenadas e correlatas

subordinadas. E elas serão determinadas de acordo com os elementos conectivos correlativos

que apresentarem. As correlatas consecutivas e comparativas constituem exemplos de

orações subordinadas, já que o segundo elemento conectivo de tais estruturas representa

papel de verdadeiro transpositor lingüístico, pois passa uma oração a um nível inferior dentro

37 BECHARA, Evanildo. Lições de Português pela Análise Sintática. Rio de Janeiro: Grifo, 1976.

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das camadas gramaticais da língua38. Isso já não ocorre entre os elementos correlativos das

outras categorias de orações correlatas, como as aditivas, as proporcionais e as alternativas.

38 Nesse caso, a oração pode passar a exercer função sintática de um adjunto adverbial de conseqüência ou de

comparação da oração anterior, já intensificada por um elemento correlativo.

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5 CONJUNÇÕES COORDENATIVAS: SIGNIFICADO E SENTIDO

Em primeiro lugar, é importante deixar claro o que consideramos a respeito das

conjunções no sistema lingüístico funcional. Ao contrário de muitos lingüistas seguidores da

Análise do Discurso, afirmamos que tais elementos representam itens gramaticais, e, assim

sendo, constituem palavras que integram o sistema de nossa língua.

Essa afirmação parece, em tese, óbvia para grande parte dos estudiosos da língua de

diferentes linhas de pesquisa, e até mesmo para adeptos de outras correntes que não a da

Lingüística Funcional. Contudo, achamos relevante tratar da natureza dos conectivos em

geral para mais tarde passarmos à efetiva proposição da presente dissertação: a análise

semântica das conjunções coordenativas em situações reais de comunicação, isto é, no texto

(discurso).

O lingüista romeno Eugenio Coseriu distingue três classes de palavras:

1) palabras lexemáticas [ou lexicais ], que estructuran y representan la realidad extralingüística, como, por ejemplo, hombre, bosque, blanco, correr, etc.; 2) palabras categoremáticas (“pronombres”), que presentan sólo la forma de estructuración de lo extralingüístico (que funcionan, por tanto, como sustantivos, adjetivos, etc.), pero que no representan ninguna materia extralingüística determinada, como, por ejemplo, yo, éste, aquí, ahora; 3) palabras morfemáticas (o “instrumentales”) que no funcionan de modo inmediato como configuradoras del “mundo”, sino sólo, en relación con otras palabras, en la estructuración del hablar, como, por ejemplo, y, o, sobre, en, sí, no, etc. (COSERIU, 1978: 133)

Para Coseriu, apenas as palavras lexemáticas pertencem ao léxico. A classe das

morfemáticas corresponderia ao que tradicionalmente conhecemos como palavras

gramaticais – ou seja, palavras que não representam diretamente o extralingüístico. Dentre as

palavras categoremáticas, encontramos unidades com função referencial, e que podem

substituir outras – por isso, consideradas verdadeiros “pronomes” pelo autor. As palavras

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morfemáticas (instrumentais) dizem respeito a elementos como conjunções, preposições e

certos advérbios que não apresentam função referencial.

Desse modo, podemos considerar que as conjunções representam itens gramaticais,

ou palavras morfemáticas, que constituem signos lingüísticos, visto que apresentam dois

sinais essenciais: significante e significado. Assim, o fato de não estruturarem e

representarem diretamente a realidade extralingüística, como o fazem as palavras

lexemáticas, não nos deve levar a acreditar que sejam desprovidas de significado. Os

significados das morfemáticas, como os das outras palavras, encontram-se no saber

idiomático do falante e servem de base para que o alocutário chegue aos sentidos que podem

manifestar no plano textual e para que o locutor estabeleça relações semânticas diversas a

partir de seus possíveis sentidos, que lhes são conferidos pelo contexto.

A respeito do significado de tais elementos lingüísticos, Maingueneau afirma:

Com nomes ou adjetivos, é possível, a rigor, admitir que basta compreender seu significado e modulá -lo pelo contexto para ter acesso à sua significação, mas no caso dos fenômenos que consideramos neste momento [dos conectivos] essa conduta é estéril por definição. O “significado” de mas num dicionário não pode ser um conjunto de traços semânticos que permitem selecionar um referente no mundo, mas, antes uma espécie de “modo de usar” que indica como proceder para reconstruir a conexão argumentativa estabelecida por esta ou aquela enunciação particular. (MAINGUENEAU, 1996: 65)

Ora, é evidente que o significado de um conectivo não nos permitiria selecionar um

referente no mundo, uma vez que, conforme afirmado anteriormente, ele representa um

termo gramatical, uma palavra morfemática, segundo Coseriu, que se opõe “como clase de

palabras a las otras dos clases (palabras lexemáticas y categoremáticas)” (COSERIU, 1978:

134). Isso não quer dizer, no entanto, que os conectivos não possuam significado.

Para uma efetiva interpretação de determinado texto (discurso), é indispensável que se

realize análise morfossintática aliada à semântica, através da qual teremos acesso aos

conteúdos lingüísticos que permitirão a constituição do “sentido” do texto, lugar em que se

manifesta a linguagem.

Os conteúdos lingüísticos, – a designação, o significado e o sentido –, correspondem

a conceitos aprofundados por Coseriu durante o desenvolvimento de sua tríplice distinção do

conteúdo.

Cada um desses conceitos pertence a um plano do saber lingüístico. Coseriu dividiu a

linguagem em três dimensões distintas – universal, histórica e individual – através de

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abstração para melhor estudar seu funcionamento como atividade cognoscitiva e

manifestativa, realizada por um sistema de duplos sinais (signos), sendo produzidos pelo

“aparelho fonador” e percebidos pelo aparelho auditivo, praticada pelo homem. Assim, temos

os seguintes planos do saber lingüístico, que correspondem a cada uma dessas dimensões:

plano universal, plano histórico, plano individual.

O plano universal, em que se encontra o saber elocucional (o “conhecimento de

mundo”) do falante, compreende a linguagem, como fruto de uma abstração. Linguagem que

representa, conforme já definido anteriormente, uma atividade, e que, por isso, não pode ser

estudada através da metalinguagem, só se deixando apreender como produto, que

corresponde à língua falada (seu objeto formal). A designação é o conteúdo que pertence a

esse plano e diz respeito a fatores extralingüísticos, como “conhecimento de mundo”,

contexto, situação comunicativa, enfim ao “extralingüístico mismo (en cuanto ‘designado’),

ya sea como estado de cosas o como contenido de pensamiento (estado de cosas pensado)”

(COSERIU, 1978: 135). Além disso, pode ser “la referencia a lo extralingüístico (que, por

supuesto, se da a través del significado)” (COSERIU, 1978: 135).

O plano histórico, em que se encontra o saber idiomático do falante, abarca a língua,

que também é fruto de uma abstração, presente na fala de uma comunidade, sendo

considerada como um sistema funcional, apresentando simultaneamente variedades

diastráticas, diafásicas e diatópicas numa dada sincronia, – isto é, um sistema que “funciona”

dentro de determinada comunidade histórica –; possui caráter interindividual, uma vez que se

deve partir do princípio de que não existe língua individual, pois o indivíduo sempre fala

levando em consideração um outro. Assim, toda língua, ou melhor, cada sistema lingüístico

atende à necessidade manifestativa que apresentam todos os seres humanos para se

comunicarem ou simplesmente exterioriza rem seus conteúdos de consciência, conteúdos

cognitivos (cf. CARVALHO, 1970: 26), no meio social em que vivem. Ademais, o plano

histórico, por ser coletivo, está ligado à alteridade, representando seu fruto de abstração, a

língua, o objeto de investigação da Lingüística. Desse modo, através de estudo diacrônico das

línguas históricas, ou seja, de variados sistemas sincrônicos, podemos verificar as mais

variadas mudanças e transformações em geral por elas sofridas ao longo do tempo. Como

afirma Coseriu, “el significado, en cambio, es el contenido dado en y por una lengua como

tal” (COSERIU, 1978: 135). Esse conteúdo lingüístico, bem como a designação, serve de

base para a investigação daquele que se expressa no universo textual: o sentido, que será

visto a seguir.

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O terceiro plano do saber lingüístico é o individual (do saber expressivo do falante),

tendo a fala como fruto concreto da linguagem verbal. Assim, afirmamos que é por meio

desse saber que podemos observar as manifestações lingüísticas (as falas) de cada indivíduo,

presentes nos discursos e nos textos. O conteúdo que se enquadra nesse plano é o sentido,

representando “el contenido lingüístico especial que se expresa en un texto determinado por

medio del significado y de la designación, y más allá del significado y la designación”

(COSERIU, 1978: 136). De fato, os enunciados, as palavras e outros termos de naturezas

diversificadas encontrados no texto (discurso) podem produzir variados sentidos. Sentidos

estes que dependem da designação, – de fatores extralingüísticos: contexto, situação (ou

circunstância) comunicativa, “conhecimento de mundo” do alocutário –, bem como do

significado, que permanece restrito ao ponto de vista idiomático, para se manifestarem.

Sendo o significado a base semântica de investigação das línguas, e, portanto, veículo

indispensável, ao lado da designação, para que se chegue ao sentido.

Desse modo, Coseriu declara que “la designación es la base semántica de referencia

de la llamada gramática ‘lógica’, así como de la gramática general o ‘universal’; el

significado es la base semántica de la investigación de las lenguas; y el sentido, la de la

lingüística del texto” (COSERIU, 1978: 136).

Chegando ao nível do sentido, o sujeito alocutário será capaz de realizar efetiva

interpretação do texto (discurso), produzido, por sua vez, pela figura de um sujeito locutor,

que utiliza variadas pistas, como os diferentes elementos coesivos de que uma língua dispõe,

– cuja escolha é determinada por sua intencionalidade comunicativa –, numa tentativa de

fazer com que aquele chegue à coerência, ou seja, à interpretação global do texto.

Logo, os conectivos, por representarem mecanismos de coesão textual, são elementos

que possibilitam a interpretação geral de um texto (discurso) e podem apresentar sentidos (ou

valores semânticos) diversos, constituindo termos lingüísticos e gramaticais (isto é, não

lexicais). Estão, portanto, no nível da língua, apresentando significado instrumental.

Nosso objeto de pesquisa, conforme já foi visto, encontra-se na classificação

coseriana das palavras morfemáticas (ou “instrumentais”), isto quer dizer que elas

estabelecem relações entre segmentos diversos na estruturação do falar a partir de seus

significados instrumentais39, ao contrário das lexemáticas, que representam as coisas do

39 “El significado instrumental , es decir, el significado de los morfemas, y, ello, independientemente de si son

palabras o no; así, por ejemplo, el, en el hombre, tiene el significado ‘actualizador’, y -s, en mesa-s, tiene el significado ‘pluralizador’” (cf. COSERIU, op. cit., p. 137).

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mundo. Assim, podemos considerar que o conectivo e, por exemplo, possui significado de

“adição”, uma vez que adiciona conteúdos de pensamento no plano textual.

Na obra O dizer e o dito (DUCROT, 1987), para tentar estabelecer a teoria de uma

descrição semântica lingüística, Oswald Ducrot explicita o que deve ser esperado da

descrição semântica de uma língua, a qual denomina L:

Entendemos que esta [a descrição semântica de dada língua natural] consiste em um conjunto de conhecimentos que permitem prever, frente a um enunciado A de L, produzido em circunstâncias X, o sentido que esta ocorrência de A tomou neste contexto. (DUCROT, 1987: 14)

Constatamos que Ducrot, por meio da descrição semântica de uma língua, chegou à

mesma conclusão a que chegamos a partir da leitura das concepções de Coseriu acerca do

funcionamento da língua – isto é, nos momentos em que se dão as trocas comunicativas pelos

interlocutores. Assim, afirma o estudioso da Lingüística Textual que, para se descrever

semanticamente uma língua, é preciso que o indivíduo se valha de conhecimentos prévios –

que correspondem a seu “conhecimento de mundo” e ao conhecimento dessa língua, ou seja,

aos conteúdos coserianos designativo e significativo, respectivamente – para prever o sentido

que determinado segmento produz a partir de certas circunstâncias conferidas pelo contexto.

Ducrot lembra, contudo, que a descrição semântica se constitui de um conjunto

extremamente heterogêneo, heteróclito, dada a infinidade de contextos e situações

comunicativas possíveis e aos conhecimentos “de mundo”40 e lingüístico, que variam entre

os falantes.

Tendo constatado a dificuldade de realizar a descrição semântica de uma língua,

devido à heterogeneidade do conjunto de fatores já citados, e com o objetivo de “colocar um

pouco de ordem na descrição semântica”, o lingüista resolveu criar dois componentes: um

lingüístico e um retórico. O primeiro diz respeito a um conjunto de conhecimentos que

“atribuiria a cada enunciado, independentemente de qualquer contexto, uma certa

significação” (DUCROT, 1987: 15) – equivalente ao significado, ao conteúdo próprio da

língua. O segundo, por sua vez, levaria em conta o significado do enunciado e as

circunstâncias em que tal enunciado é produzido, para, então, prever “a significação efetiva”

(o sentido) deste enunciado na situação, no contexto, em que fora inserido.

40 De acordo com o autor, os conhecimentos de mundo equivalem a “um certo número de leis de ordem

psicológica, lógica ou sociológica, um inventário das figuras de estilo empregadas pela coletividade que fala a língua L, com suas condições de aplicação, em suma, informações referentes às diferentes utilizações da linguagem nessa mesma comunidade.” (DUCROT, op. cit., p. 15)

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Com isso, assevera Ducrot:

A hipótese incorporada a este esquema pressupõe que as circunstâncias da enunciação são mobilizadas para explicar o sentido real de uma ocorrência particular de um enunciado, somente depois que uma significação tenha sido atribuída ao próprio enunciado, independentemente de qualquer recurso ao contexto. (DUCROT, 1987: 16)

Desse modo, é a situação comunicativa, o contexto, em que se encontra inserido o

enunciado que determina o sentido deste a partir das circunstâncias enunciativas. Antes disso,

porém, o falante deve conhecer o significado desse enunciado, que independe do contexto.

Isso quer dizer que no processo interpretativo primeiro recorremos ao significado e, depois,

ao contexto – ou seja, a fatores extralingüísticos, como a situação comunicativa e o

“conhecimento de mundo” do falante, e lingüísticos – para alcançarmos o sentido de

determinado segmento.

5.1 AS CONJUNÇÕES COORDENATIVAS E AS RELAÇÕES LÓGICAS DE

CHARAUDEAU

No capítulo 12 de sua Grammaire du Sens et de l’ Expression (CHARAUDEAU,

1992), Patrick Charaudeau trabalha com o conceito geral de “relações lógicas”, articulado à

argumentação, que, por sua vez, emerge do discurso, e não da língua, do sistema. De acordo

com o autor, a Tradição Gramatical não trata da questão das “relações lógicas” de modo

satisfatório, pois se limita a descrever “os diferentes tipos de proposições subordinadas que

são suscetíveis de compor a frase, entre as quais se encontram as proposições

circunstanciais” (CHARAUDEAU, 1992: 493)41. Assim, a proposição subordinada

“encontra-se especificada em causa, finalidade, conseqüência, etc., segundo o tipo de

palavras subordinativas que a introduz” (CHARAUDEAU, 1992: 494)42. No entanto, o

sentido de uma oração nem sempre é determinado pelo tipo de conectivo que a introduz,

visto que tais elementos podem se inscrever nas diferentes relações lógicas, pois são

41 “Elle [a tradição gramatical] décrit les différents types de propositions subordonnées qui sont susceptibles de

composer la phrase, parmi lesquelles se trouvent les propositions circonstancielles.”

42 “[...] elle se trouve spécifiée em cause, but, conséquence, etc., selon le type de mots subordonnants qui l’introduit.”

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polissêmicos e, além disso, não são os únicos que podem exprimir determinado tipo de

relação lógica.

Ademais, a noção de subordinação fornecida pela Tradição Gramatical, segundo

Charaudeau, limita o conjunto das relações lógicas a esse único domínio. Para o autor, há

operações como a conjunção e a disjunção que não emergem da subordinação, mas que

pertencem a esse domínio. Ele inclui, portanto, as duas operações coordenativas em suas

relações lógicas.

O autor critica, por fim, a concepção morfológica da Tradição Gramatical:

Enfim, tal concepção morfológica da gramática, que define e classifica as relações entre as proposições de acordo com o laço formal que as une, não permite determinar com precisão a natureza das operações lógicas sobre as quais repousam as proposições, nem reagrupar os meios de expressão que correspondem a cada uma dessas operações.43 (CHARAUDEAU, 1992: 495)

Charaudeau se refere a certas operações, como a de Implicação (ou

condicionalidade), que podemos exprimir de diferentes formas, por meio de palavras

gramaticais (conectivos) diversas e de construções variadas, até mesmo sem a presença de

elementos coesivos. Tomemos como exemplo a seguinte construção extraída de um texto

publicitário:

(1) “Compre tudo com os Cartões Bradesco e concorra a um jantar com o Reynaldo

Gianecchini.” Promoção Fã-clube Cartões Bradesco (Caras, junho de 2007)

Parafraseando:

(1a) “Se comprar tudo com os Cartões Bradesco, (então) concorrerá a um jantar com

o Reynaldo Gianecchini.”

(1b) “Quando compramos tudo com os Cartões Bradesco, concorremos a um jantar

com o Reynaldo Gianecchini.”

43 “Enfin, une telle conception morphologique de la grammaire, qui définit et classe les relations entre les

propositions d’après le lien formel qui les unit, ne permet pas de déterminer avec précision la nature des opérations logiques sur lesquelles reposent ces propositions, ni de regrouper les moyens d’expression qui correspondent à chacune de ces opérations.”

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Podemos exprimir, assim, a mesma operação de implicação (condicionalidade), que

está inserida na relação lógica de causalidade sob perspectiva lato sensu, como veremos mais

adiante, por intermédio de conectivos diversificados que integram os dois principais

processos sintáticos da Tradição Gramatical: a coordenação e a subordinação.

Essa operação pode ser igualmente expressa através de outras construções:

(1c) “É comprando tudo com os Cartões Bradesco que concorremos a um jantar com

o Reynaldo Gianecchini.”

(1d) “Comprar tudo com os Cartões Bradesco permite concorrer a um jantar com o

Reynaldo Gianecchini.”

(1e) “Comprar tudo com os Cartões Bradesco e (ou) concorrer a um jantar com o

Reynaldo Gianecchini.”

(1f) “Compremos tudo com os Cartões Bradesco, concorreremos a um jantar com o

Reynaldo Gianecchini.”

Verificamos que, nas construções (1c), (1d) e (1f), elementos coesivos não foram

empregados.

Charaudeau define operação lógica como aquela “que consiste em unir entre si duas

asserções sobre o mundo, de modo que a existência de uma dependa da existência da outra e

vice-versa”44. Essas duas asserções são unidas por um laço conceptual, resultante das

operações de pensamento, responsáveis pelas relações de sentido entre os seres e fatos e/ou

acontecimentos do mundo em geral, e não por um laço formal. Tal laço é, portanto,

denominado “lógico”. Contudo, trata-se de um laço lógico-conceptual que depende da língua

também, isto é, dos sentidos das asserções e das construções por meio das quais elas são

expressas. Assim, o lingüista acredita estar diante de “arquétipos lógico-lingüísticos, que se

constituem em categorias de língua, e cujas configurações [construções lingüísticas] podem

ser diversas, de acordo com as especificações trazidas pelo contexto e pela situação de

comunicação” (CHARAUDEAU, 1992: 496)45.

44 [...] “qui consiste à relier entre elles deux assertions sur le monde, de telle sorte que l’existence de l’une

dépende de l’existence de l’autre, et inversement.”

45 “On dira que l’on a affaire à des archétypes logico-linguistiques qui se constituent en catégories de langue, et dont les configurations peuvent être diverses, selon les spécifications apportées par le contexte et la situation de communication.”

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O autor apresenta ainda três níveis de construção das relações lógicas:

– cognitivo, em que se constroem os arquétipos lógico-lingüísticos, – lingüístico , em que o laço é especificado pelo sentido das marcas formais , – discursivo , quando o contexto e a situação de comunicação integram esse laço num dispositivo argumentativo.46 (CHARAUDEAU, 1992: 496)

O nível cognitivo diz respeito a todo “conhecimento de mundo” – frames (senso

comum sobre um conceito central, como um evento, ou um acontecimento), cenários

(conhecimento de ambientes e situações específicos de lugares), scripts (planos estabilizados,

utilizados ou invocados com muita freqüência para especificar os papéis dos participantes e

as ações deles esperadas), etc. –, ao saber elocucional (cf. COSERIU, 1978: 131), que o

falante partilha com os outros indivíduos de seu meio social. No nível lingüístico, levamos

em consideração os sentidos que podem ser manifestados pelas palavras gramaticais – tais

como as conjunções da Tradição Gramatical –, pelos conectores, pelos relatores lógicos47,

todos elementos polissêmicos. Assim, diferentes relações lógicas podem ser expressas por

um único relator, como é o caso do polissêmico e, que pode indicar idéia de adição,

conseqüência e oposição, por exemplo. Ainda segundo o autor, pode acontecer de uma

mesma relação lógica ser expressa por relatores diferentes, conforme vimos nos exemplos

(1), (1a) e (1b). Quanto ao nível discursivo, Charaudeau parece que rer chamar a atenção para

a influência que exercem o contexto e a situação comunicativa na análise de suas relações

lógicas.

As categorias lógico- lingüísticas do autor correspondem a arquétipos lógicos que são

submetidos a certas condições de realização semânticas. Desse modo, temos as seguintes

categorias lógico- lingüísticas: a Conjunção, a Disjunção, a Restrição, a Oposição e a

Causalidade; nesta se encontram as subcategorias de Implicação, de Explicação e de

Hipótese.

A conjunção, para o autor, “é uma operação que consiste em reunir duas asserções em

que ao menos um dos elementos constitutivos de uma é semanticamente idêntico a um dos

46 “– cognitif, où se construisent les archétypes logico-linguistiques, – linguistique, où le lien est spécifié par le

sens des marques formelles, – discursif, où c’est le contexte et la situation de communication qui intègrent ce lien dans un dispositif argumentatif.”

47 Expressão freqüentemente empregada pelo autor para se referir aos elementos responsáveis por suas relações lógicas, que estão articuladas à argumentação.

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elementos constitutivos da outra” (CHARAUDEAU, 1992: 498)48, podendo ser realizada de

maneira interna ou externa às asserções:

a) de manière interne, les assertions sont conjointes de telle sorte que l’élément identique soit mis en facteur commun de tous les autres éléments.

Cet élément peut correspondre à:

– un même être qui est qualifié par plusieurs caractéristiques . Dès lors, sont reliées par une marque de “Conjonction” les différentes caractéristiques qui se rapportent à ce même être:

“Jacques est grand”, “Jacques est fort”. “Conjonction”: “Jacques est grand et fort.”

– un même être qui joue le rôle d’agent de plusieurs actions, ou d’une même action qui porte sur des patients différents. Dès lors, ce sont ces actions ou ces patients qui sont reliés par une marque de “Conjonction”:

“Jacques mange bien”, “Jacques boit bien”. “Conjonction”: “Jacques mange bien et boit bien.”

“Jacques a acheté de la confiture”, “Jacques a acheté du chocolat”. “Conjonction”: “Jacques a acheté de la confiture et du chocolat.”

– une même caractéristique qui est attribuée à deux êtres différents. Dès lors, ce sont les deux êtres qui sont reliés par une marque de “Conjonction”:

“Jacques est grand”, “Gérard est grand”. “Conjonction”: “Jacques et Gérard sont grands.”

– un même rôle d’agent ou de pacient d’une action qui est joué par deux êtres différents. Dès lors, comme précédemment, ces deux êtres sont reliés par une marque de “Conjonction”:

“Jacques mange bien”, “Gérard mange bien”. “Conjonction”: “Jacques et Gérard mangent bien.”

“Mon beau-père chasse la caille”, “Mon beau-père chasse la perdrix”. “Conjonction”: “Mon beau-père chasse la caille et la perdrix.”

b) de manière externe, les assertions, qui ne comportent pas en apparence

d’élément constitutif commun, sont conjointes dans leur intégralité, sans faire l’objet d’une mise en facteur. En fait, ce qui justifie leur “Conjonction” [das asserções], c’est l’intention de les rapprocher pour les mettre en regard l’une de l’autre. C’est donc le processus d’énonciation lui-même qui constitue la partie commune de ces assertions.

Ce rapprochement peut être destiné à établir une comparaison, une opposition, une succession, une conséquence..., et c’est pourquoi on retrouvera la marque de cette opération (et) dans d’autres relations logiques .

“Le soleil s’est couché, et le vent est tombé” (simultanéité). “La table est bancale et la chaise est branlante” (parallélisme ). “L’un est grande et gros, et l’autre est petit et mince” (opposition). “Recommence, et tu verras!” (conséquence).

48 “La ‘Conjonction’ est une opération qui consiste à relier deux assertions dont l’un, au moins, des éléments

constitutifs de l’une est sémantiquement identique à l’un des éléments constitutifs de l’autre.”

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Charaudeau aponta como marca privilegiada dessa relação o relator e, que pode ser

substituído por nem quando tal relação se estabelece num contexto negativo, e o elemento

com, quando se trata de uma conjunção em relação semântica de Associação, como veremos

ainda neste item. Segundo o autor, a “comparação”, expressa por também e assim como,

representa uma variante da relação de conjunção, visto que une segmentos numa situação

“conjunta”:

“Jacques est grand, de même que (ainsi que) Gérard .” “Jacques est grand, Gérard aussi.” (CHARAUDEAU, 1992: 499)

O autor também constata, através de análise da relação de conjunção, que “é o

resultado da combinação de uma operação lógico-semântica com um tipo de ligação

semântica, o qual mantém interligados os elementos conjuntos” (CHARAUDEAU, 1992:

501)49, três subcategorias: a Adição, a Associação e a Reciprocidade.

A “Conjunção de Adição”, em que se evidencia o valor semântico de adição, de

acréscimo, representa a operação em que termos pertencentes a um mesmo plano de

igualdade são adicionados. Não há, portanto, hierarquia semântica entre eles, pois conservam

sua autonomia no enunciado:

(2) “Cafu e Roberto Carlos unidos contra reserva.” (O Globo , 25/06/2006, Esportes, p. 4)

A “Conjunção de Associação” ocorre quando um termo apresenta-se em relação de

dependência semântica com outro. Assim, há uma hierarquia semântica entre eles, que não se

encontram num mesmo patamar. Observem-se dois exemplos fornecidos pelo autor:

“Jacques est sorti avec Gérard.” “Jacques est sorti avec sa grande cape noire.” (CHARAUDEAU, 1992: 502)

No primeiro caso, os sintagmas nominais “Jacques” e “Gérard” encontram-se

semanticamente hierarquizados, sendo articulados pela palavra com. Assim, “Jacques” é o

protagonista da ação de sair, enquanto “Gérard” encontra-se num plano semântico inferior,

49 “[...] est le résultat de la combinaison d’une opération logico-sémantique avec un type de rapport sémantique, celui qu’entretiennent entre eux les éléments qui sont conjoints.”

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sendo o actante50 secundário. Logo, podemos dizer que estamos diante de uma

hierarquização semântica. O segundo caso, por sua vez, não corresponde a uma operação de

conjunção, de acordo com o lingüista, visto que o enunciado não reúne duas asserções. Desse

modo, ao contrário do primeiro exemplo – que pode ser desmembrado em duas orações:

“Jacques saiu” / “Gérard saiu” –, o segundo apresenta apenas uma oração – isto é, não

podemos dizer: “Jacques saiu” / “A grande capa preta saiu”. Neste caso, podemos verificar

que o segmento “sua grande capa preta” está semanticamente subordinado a “Jacques” – que

representa o agente da ação de sair, papel que “sua grande capa preta” não pode desempenhar

– através do elemento com. Deparamo-nos agora com uma subordinação semântica, segundo

Oliveira (In: SANTOS, 1996: 67).

Observem-se outros exemplos de hierarquização e subordinação semântica,

respectivamente:

(3) “MÚSICA E FUTEBOL. Convidados do ‘Altas Horas’, o cantor Evandro

Mesquita e o jogador Denílson assistiram ao jogo Brasil x Japão com Serginho

Groisman, antes de começarem a gravação.” (“Bola no Vídeo” – O Globo , 24/06/2006,

Esportes, p. 2)

(4) “Após passar por palcos europeus e estrear no Rio de Janeiro no último final de

semana, o cantor e compositor Gilberto Gil se apresenta em São Paulo, hoje e

amanhã, dias 16 e 17, no Citibank Hall, com seu projeto Banda Larga.” (“Gilberto

Gil traz a São Paulo o show ‘Banda Larga’” – O Estado de São Paulo, 16/08/2007, Arte & Lazer)

A “Conjunção de Reciprocidade” ocorre quando os actantes envolvidos na ação

desempenham um mesmo papel de maneira simétrica. Desse modo, tal relação semântica de

reciprocidade caracteriza uma ação mútua de dois actantes, em que cada um deles é ora

agente, ora paciente. Observe-se:

(5) “Uma fonte da missão israelense disse que os embaixadores de Israel e da Síria se

encontraram por acaso, quando Gillerman guiava um grupo de estudantes

israelenses em visita à ONU.” (“Síria e Israel dão versões diferentes para encontro na ONU”

– O Estado de São Paulo, 24/07/2007, Internacional)

50 Termo que se refere a seres animados no discurso.

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Em (5), podemos desmembrar a ação mútua dos sujeitos envolvidos, de forma que

cada um exerça os papéis de agente e de paciente. Assim, temos as seguintes paráfrases:

(5a) “Uma fonte da missão israelense disse que o embaixador de Israel encontrou o da

Síria por acaso, quando Gillerman guiava um grupo de estudantes israelenses em

visita à ONU.”

(5b) “Uma fonte da missão israelense disse que o embaixador da Síria encontrou o de

Israel por acaso, quando Gillerman guiava um grupo de estudantes israelenses em

visita à ONU.”

Em (5a), o embaixador de Israel é o agente, enquanto o embaixador da Síria é o

paciente. Ao contrário de (5b), em que o embaixador da Síria é o agente e o de Israel, o

paciente.

Oliveira, em Conectores da Conjunção (In: SANTOS, 1996: 68), estuda essas

“particularidades semânticas” de Charaudeau e percebe ambigüidade em certos casos de

relação de reciprocidade, que ocorre na construção denominada “voz recíproca”. Essa

ambigüidade se deve ao fato de que, muitas vezes, não é possível saber se se trata de “voz

recíproca” ou de “voz reflexiva” – ou seja, construção cuja relação estabelecida entre as

unidades apresenta idéia de reciprocidade ou de adição, respectivamente:

(6) “Julia Roberts, uma das atrizes mais bem pagas de Hollywood, declarou

recentemente que seus filhos Phinnaeus e Hazel se amam muito.” (“Julia Roberts

anuncia gravidez de seu terceiro filho” – O Estado de São Paulo, 29/12/2006, Arte & Lazer)

Em (6), constatamos um caso de voz recíproca, visto que na proposição é declarado

que as crianças amam uma a outra. E pode ser desmembrada da seguinte forma: “Phinnaeus

ama muito Hazel e Hazel ama muito Phinnaeus”. Todavia, se contextualizarmos esse mesmo

segmento, obteremos um outro sentido:

(6a) “Phinnaeus e Hazel têm um amor-próprio incrível. Phinnaeus e Hazel se amam

muito.”

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No exemplo acima, percebemos que estamos diante de um caso de voz reflexiva

graças à informação fornecida pelo contexto. Dessa vez, a proposição é desmembrada do

seguinte modo: “Phinnaeus se ama muito e Hazel se ama muito”. O sentido que obtivemos

nesse caso é de adição. Logo, podemos verificar que a ambigüidade gerada pelo pronome

oblíquo se é desfeita pelo contexto.

Após a análise das três particularidades semânticas da operação de conjunção,

Charaudeau investiga alguns efeitos de sentido (valores semânticos) que o conectivo e pode

manifestar no texto (discurso) a partir de efeitos contextuais, resultantes da combinação dos

conteúdos semânticos das unidades do contexto. O lingüista detectou os seguintes valores

semânticos: sucessividade, simultaneidade, aproximação, equivalência, surenchère51,

oposição, restrição52, conseqüência.

Estudaremos alguns desses valores mais adiante (cf. seções 5.2.1.1, 5.2.1.3 e 5.2.2.1).

Quanto à “Disjunção”, o autor declara:

[...] pour réaliser cette opération, il faut, comme pour la “Conjonction”, qu’il existe deux assertions, et que l’un au moins des éléments constitutifs de l’une soit sémantiquement identique à l’un des éléments constitutifs de l’autre, de sorte qu’il soit mis en facteur commun de tous les autres éléments, et ce à propôs d’un même être:

“Gérard est grand”, “Gérard est fort” “Disjonction”: “Gérard est grand ou fort.”

“Gérard mange bien”, “Gérard boit bien” “Disjonction”: “Gérard mange bien ou boit bien .”

d'une même caractéristique:

“Gérard est grand”, “Jacques est grand” “Disjonction”: “Gérard ou Jacques est grand.”

d'une même action:

“Gérard mange bien”, “Jacques mange bien” “Disjonction”: “Gérard ou Jacques mange bien.” (CHARAUDEAU, 1992: 506)

A disjunção ocorre também em alguns tipos de construção:

– dans une construction à valeur interrogative directe [discurso direto]:

51 Corresponde ao e de reforço argumentativo de Oliveira (In: SANTOS, 1996: 73-74), já que “introduz uma

asserção destinada a acrescentar à anterior um reforço argumentativo em relação à tese para a qual aquela se orienta”.

52 O termo restrição para Charaudeau apresenta sentido de objeção, e não de redução, de limitação.

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“Gérard est-il grand ou petit?” “Qui est-ce qui mange bien? Gérard ou Jacques?”

ou indirecte [discurso indireto]:

“Je me demande s’il viendra ou non.” – dans une construction à valeur impérative, ou hypothétique: “Mange ou bois, mais fais quelque chose!” “Rentre ou sors, mais ferme la porte!” “Que tu le veuilles ou pas, c’est comme ça!” – dans une construction à valeur déclarative, qui exprime l’éventualité: “Il viendra en train, à cheval ou en voiture, mais il viendra .” “Je ne sais pas s’il est venu à pied ou en voiture. Ce que je sais, c’est qu’il est là.” “Être ou ne pas être, c’est là toute la question.” “Rester ou partir, il faut décider.” – dans une construction à valeur déclarative qui exprime une alternance dans le

temps: “Pour une raison ou pour une autre.” “Je pleure pour un oui ou pour un non.” (CHARAUDEAU, 1992: 507)

De acordo com o autor, cada um desses tipos de construção corresponde a condições

de enunciação, que têm como pontos comuns:

a) A disjunção feita por uma asserção genérica, que engloba semanticamente as

outras duas:

(7) “A polícia acredita que os criminosos tinham informações sobre o local e

investiga se funcionários ou outros comerciantes tenham participação no furto.”

(“Ladrões roubam R$ 5 milhões de cofre no Ceasa de BH” – O Estado de São Paulo, 20/08/2007,

Cidades)

Em (7), as duas asserções em disjunção no enunciado levam a uma pressuposição,

que representa a asserção genérica: a polícia acredita que ou funcionários, ou outros

comerciantes tenham participação no furto (asserção genérica: “alguém participou do furto”).

b) A disjunção realizada através da ignorância da parte do falante, que desconhece os

termos das asserções que se reportam ao elemento constitutivo comum – casos em que o

falante pergunta sobre algo que desconhece, pede a alguém que escolha uma das ações entre

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as quais ele hesita ou descreve uma eventualidade, uma suposição qualquer, uma dúvida,

enfim, um processo “não realizado”:

(8) “O futuro da cozinha francesa está mais para um grande restaurante estrelado, um

bistrô moderno ou nenhum dos dois?” (“O intolerante da qualidade” – O Estado de São

Paulo, 16/08/2007, Suplementos / Paladar)

(9) “Nunca praticou mergulho? Aproveite o tanque montado para iniciantes no

esporte, ou opte por uma volta de quadriciclo na pista preparada pela Honda.” (“Adventure Fair, a partir de amanhã em SP” – O Estado de São Paulo, 21/08/2007, Suplementos

/ Viagem)

(10) “O anúncio acontece num momento em que as principais gravadoras debatem se

permitir os downloads de músicas de alguns artistas sem proteção afetará as

vendas de músicas digitais ou aumentará a pirataria.” (“Wal-Mart começa a vender

música digital sem restrição” – O Estado de São Paulo, 21/08/2007, Tecnologia / Internet)

Existe ainda uma terceira condição de enunciação para que ocorra a disjunção: “é

necessário que os termos sobre os quais se opera a “Disjunção”, e que constituem os termos

da alternativa, pertençam ao mesmo domínio semântico, e se encontrem ao mesmo tempo em

uma relação de oposição” (CHARAUDEAU, 1992: 508)53. Observem-se os exemplos de

Charaudeau:

“Il est grand ou petit?” “Alors, il est grand ou fort?”

O primeiro exemplo é imediatamente aceitável, pois os dois elementos disjuntos

pertencem a um mesmo domínio semântico – ou seja, a uma mesma asserção genérica que é

pressuposta em toda operação de disjunção –, que, neste caso, corresponde ao tamanho de

um ser, e se encontra nos dois pólos desse eixo (grande/pequeno). O segundo exemplo, por

outro lado, parece-nos menos aceitável, uma vez que temos a impressão de que os elementos

disjuntos não se encontram sobre um mesmo eixo semântico: grande/forte. Contudo, se

entendermos que o eixo semântico (ou a asserção genérica pressuposta) dos elementos

53 “Il faut que les termes sur lesquels s’opère la “Disjonction”, et qui constituent les termes de l’alternative,

appartiennent au même domaine sémantique, et se trouvent en même temps dans un rapport d’opposition”

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disjuntos encontra-se sobre o próprio ato de enunciação, essa operação é perfeitamente

aceitável. Isso quer dizer que, neste caso, falamos de qualidades físicas de um ser: “Então,

você quer falar de seu tamanho ou de sua força?”.

As particularidades semânticas analisadas pelo autor correspondem ao “cálculo

proposicional” dos logicistas, entre disjunção exclusiva e disjunção inclusiva. A primeira só

admite duas interpretações: “a primeira asserção é verdadeira e a segunda é falsa” ou “a

primeira asserção é falsa e a segunda é verdadeira”. Já a segunda admite três interpretações:

“a primeira asserção é verdadeira e a segunda é falsa”, “a primeira asserção é falsa e a

segunda é verdadeira” ou “a primeira asserção é verdadeira e a segunda é verdadeira”.

O lingüista lembra, contudo, que essa distinção não se aplica ao sistema lingüístico,

mas à língua em seu funcionamento, em situação real de comunicação. Assim, segundo

Charaudeau, é preciso distinguir dois tipos de ‘Disjunção’, em que as asserções presentes são

afirmadas ou negadas. Esses dois tipos de disjunção a que se refere o autor são: a operação

lógico-semântica de “Disjunção”, em construção afirmativa, que é sempre “exclusiva” e a

operação lógico-semântica de “Disjunção”, em construção negativa, que pode incluir uma

terceira interpretação:

(11) “O técnico não antecipou o time para domingo e nem se Kléber vai jogar na

lateral ou no meio-de-campo.” (“Luxemburgo faz várias mudanças para enfrentar o

América-RN” – O Estado de São Paulo, 23/08/2007, Es portes / Futebol)

O aspecto exclusivo da operação do exemplo (11) permite apenas duas interpretações:

“o jogador vai jogar na lateral ou no meio-de-campo”, já que não poderia assumir duas

posições ao mesmo tempo. Temos, então, duas interpretações possíveis: “a primeira asserção

é verdadeira e a segunda é falsa ou a primeira asserção é falsa e a segunda é verdadeira”.

Segundo Charaudeau, a terceira interpretação (“a primeira asserção é verdadeira e a segunda

asserção é verdadeira”) corresponde à operação de conjunção, “e é justamente para se

distinguir desta que a disjunção é sempre exclusiva” (CHARAUDEAU, 1992: 511)54. O

conector e/ou, por sua vez, exprime, ao mesmo tempo, uma relação lógica de conjunção –

inclusivo, admitindo como verdadeiras as duas asserções –, e uma relação lógica de

disjunção – exclusivo, a partir do momento em que considera como verdadeira apenas uma

asserção:

54 “[...] et c’est bien pour s’en distinguer que la “Disjonction” est toujours exclusive.”

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(12) “Além de serem aromatizadas, as águas vitaminadas são enriquecidas com fibras

e/ou vitaminas.” (“Águas que vão muito além da sede” – O Estado de São Paulo, 09/08/2007,

Suplementos / Paladar)

É possível obter as seguintes interpretações a partir do exemplo acima: “as águas

vitaminadas podem ser enriquecidas com fibras e vitaminas ao mesmo tempo”, “as águas

vitaminadas podem ser enriquecidas com fibras e não com vitaminas”, “as águas vitaminadas

podem ser enriquecidas com vitaminas e não com fibras”. No primeiro caso, temos uma

relação de conjunção, que é “inclusiva”. Nos dois últimos, deparamo-nos com uma relação

de disjunção, que é “exclusiva”.

Ao analisar a operação lógico-semântica de disjunção em construção negativa, que

pode incluir uma terceira interpretação, Charaudeau verifica a ocorrência de uma negação

relativa, que é diferente da negação absoluta da operação de conjunção. Observem-se os

exemplos do autor:

“Christiane et Sophie sont-elles venues?”, la réponse: “Ni l’une ni l’autre.” “Qui est venue? Christiane ou Sophie?”, la réponse: “Ni l’une, ni l’autre.”55 (CHARAUDEAU, 1992: 511-512)

No primeiro exemplo, temos dois termos conjuntos que operam a negação absoluta,

em que tudo é dito de maneira explícita. No segundo exemplo, dois termos disjuntos operam

a negação relativa, que se estabelece no conteúdo explícito, e não no implícito – isto é, não

em uma inferência criada a partir do que foi dito –, ou pressuposto (asserção genérica), que

permanece intacto. Assim, foi realizada uma negação referente ao que está posto, explícito no

discurso: “Christiane não veio e Sophie não veio”. Contudo, isso não nos impede de pensar

que “alguém tenha vindo” (conteúdo pressuposto, ou asserção genérica): “Christiane não

veio, Sophie não veio e outras pessoas vieram”. Para o autor, pelo fato de termos “um único e

mesmo meio lingüístico (nem... nem...), a diferença entre essas duas relações lógicas [a de

conjunção e a de disjunção] é neutralizada” (CHARAUDEAU, 1992: 512)56.

Os valores semânticos que o conectivo ou pode manifestar no texto (discurso) a partir

de efeitos contextuais são: equivalência, aproximação, oposição, conseqüência.

55 “Christiane et Sophie sont-elles venues?”, la réponse: “Ni l’une ni l’autre.”

“Qui est venue? Christiane ou Sophie?”, la réponse: “Ni l’une, ni l’autre.”

56 “[...] un seul et même moyen linguistique (ni... ni...), la différence entre ces deux relations logiques est neutralisée.”

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O elemento ou pode indicar idéia de equivalência quando os conteúdos das unidades

que liga apresentam valores parecidos em dado contexto (“o mesmo que, ou seja”):

(13) “Em 1952, a última vez que os Estados Unidos tiveram uma eleição aberta, na

qual o presidente ou o vice não concorreram, era impensável que uma mulher ou

um negro chegariam um dia à Casa Branca.” (“A farsa de Iowa” – O Estado de São

Paulo, 02/01/2008, Opinião)

(14) “Nas duas últimas eleições presidenciais, apenas 7% dos votantes registrados se

deram ao trabalho de comparecer a um dos 1.784 locais que cada partido, em tese,

selecionou para realizar seus caucuses, ou, literalmente, ‘conchavos’.” (“A farsa de

Iowa” – O Estado de São Paulo, 02/01/2008, Opinião)

O conectivo exprime valor de aproximação entre os segmentos envolvidos. Neste

caso, não há precisão de informação (“por volta de”):

(15) “O caucus democrata começa às 18h30 (22h30, no horário de Brasília), e o

republicano tem início meia hora depois. Os resultados podem começar a aparecer

dentro de uma ou duas horas.” (“Iowa dá pontapé inicial na escolha do próximo presidente

dos EUA” – O Estado de São Paulo, 03/01/2008, Internacional / EUA e Canadá)

(16) “Projetados nos últimos cinco a dez anos, os primeiros mini jatos VLJs (Very

Light Jets) começaram a ser entregues este ano: já existem 80 unidades, de

diferentes fabricantes, voando. A previsão para daqui a quatro ou cinco anos,

quando todos os fabricantes estiverem em plena capacidade, é de uma produção

anual de 700 jatos.” (“Caos aéreo turbina aviação executiva” – O Estado de São Paulo,

02/01/2008, Estadão de Hoje / Economia & Negócios)

O conectivo ou pode marcar uma relação de oposição, manifestando, assim, valor de

mesma natureza devido a palavras de sentidos contrários presentes no texto (discurso) (“um

ou outro”) :

(17) “Aqui as aplicações em fundos de renda fixa são marcadas a mercado. Isso

significa que o valor da cota pode subir ou cair, dependendo do valor diário dos

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papéis que fazem parte do cestão de títulos.” .” (“As aplicações em 2008” – O Estado de

São Paulo, 02/01/2008, Estadão de Hoje / Economia & Negócios)

(18) “Em sua defesa, Piddington argumenta que ‘o filme não condena ou absolve

Mark Chapman e, embora se trate de um filme humano, não é de nenhuma

maneira compassivo com ele’”. (“Crítica cai matando em filme sobre a morte de John

Lennon” – O Estado de São Paulo, 03/01/2008, Arte & Lazer / Música)

O conectivo pode igualmente introduzir um segmento de valor consecutivo, a partir

do momento em que marca uma relação de causa/conseqüência. O conteúdo do segmento

iniciado por ou apresenta idéia de ameaça, e constitui uma conseqüência de valor negativo

para o não cumprimento de uma ordem – que representa a causa nessa relação:

“Obéis ou tu seras puni” (“Si tu n’obéis pas, alors tu seras puni”) (CHARAUDEAU, 1992: 513)

A terceira relação lógica descrita por Charaudeau é a de restrição57. Primeiramente, o

autor chama a atenção para a distinção entre restrição e oposição, afirmando que as duas

operações não devem ser confundidas, mesmo que tenham algo em comum. A operação de

oposição caracteriza-se por promover uma relação entre termos que não pertencem a um

mesmo eixo semântico. Quanto à restrição, afirma ser a operação que, como a de conjunção

e a de disjunção, coloca em evidência duas asserções que têm ao menos um elemento

constitutivo em comum. Assevera ainda o autor a respeito das asserções da restrição:

Essas duas asserções são ligadas de tal maneira que uma delas (geralmente a segunda, dependendo do tipo de construção [a coordenada adversativa ou a subordinada concessiva da NGB]) nega a asserção (em geral implícita) que poderia ser uma das conseqüências da outra asserção (considerada como asserção de base). E é porque a negação remete somente a uma das conseqüências possíveis da asserção de base, e não a esta, que devemos falar de operação de “Restrição” (e não de “Oposição”).58 (CHARAUDEAU, 1992: 514)

57 O termo restrição sempre é usado pelo autor com a idéia de objeção, e não de limitação.

58 “Ces deux assertions sont reliées de telle manière que l’une de celles-ci (généralement la seconde, mais cela dépend du type de construction) nie l’assertion (le plus souvent implicite) qui pourrait être l’une des conséquences de l’autre assertion (considérée comme l’assertion de base). Et c’est parce que la négation porte seulement sur l’une des conséquences possibles de l’assertion de base, et non sur celle-ci, que l’on doit parler d’opération de ‘Restriction’ (et non d’ ‘Opposition’).”

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Segundo Charaudeau, “a asserção restritiva é expressa seja por meio de um termo

contrário àquele da conseqüência implícita, seja através de uma simples negação”

(CHARAUDEAU, 1992: 514-515)59:

(19) “Serviço atencioso, mas meio amador.” (“Little Italy: o que vale a pena é a pizza” – O

Estado de São Paulo, 01/06/2001, Arte & Lazer / Variedades)

(20) “Segundo o sociólogo argentino Dan Adaszko, existe um ‘discurso duplo’ na

Argentina por ser um país que abriu as portas para a imigração, mas não de forma

igualitária.” (“Argentina: Brasileiros são ‘estrangeiros preferidos’ de estudantes, diz pesquisa” –

O Estado de São Paulo, 28/08/2007, Geral)

Em (19), temos um elemento constitutivo comum: as qualidades atribuídas ao serviço

de um restaurante. E uma asserção implícita, que representa uma conseqüência possível da

asserção de base: “se o serviço do restaurante é atencioso (asserção de base), podemos

pressupor que seja profissional (asserção implícita)”. Contudo, o que observamos na segunda

asserção (a restritiva) é a quebra da expectativa gerada pela asserção implícita. Verificamos,

assim, um termo na asserção restritiva (“amador”) que é contrário ao da conseqüência

implícita (“profissional”). No exemplo (20), também nos deparamos com um elemento

constitutivo comum: “a Argentina abriu as portas para a imigração”. Uma conseqüência

possível que podemos inferir a partir da informação obtida na asserção de base –

conseqüência que representa a asserção implícita – seria: “se a Argentina abriu as portas para

a imigração, podemos pressupor que o fez de forma igualitária”. Nesse caso, entretanto, a

asserção restritiva nada mais é do que uma simples negação da que permanece implícita:

“não de forma igualitária”.

Em uma de suas observações, o autor afirma que a asserção implícita da operação de

restrição não é construída pela asserção de base, mas sim pela asserção restritiva, que se

apóia, para isso, num dado conhecimento partilhado. Tomemos a enunciação (20) como

exemplo: “abrir as portas para a imigração de forma igualitária” (asserção implícita) provém

do fato de a Argentina não ter aberto as portas para a imigração de forma igualitária (asserção

restritiva). Desse modo, a asserção implícita é construída e negada pela restritiva, que nos

leva a pensar o seguinte: “se a Argentina abriu as portas para a imigração, ela poderia estar

59 “L’assertion restrictive est exprimée soit à l’aide d’un terme contraire à celui de la conséquence implicite,

soit à l’aide d’une simple négation”

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querendo receber pessoas de nacionalidades bastante diversificadas e, assim, o teria feito de

forma igualitária”.

Para Charaudeau, o relator mas, que se posiciona entre a asserção de base e a asserção

restritiva, é a marca privilegiada para exprimir tal relação. Ainda de acordo com o autor,

“existem inúmeros outros relatores que se caracterizam por sua posição (perante a asserção

de base / perante a asserção restritiva), seu valor semântico (‘certeza’ / ‘probabilidade’), e o

tipo de construção morfológica (indicativo / subjuntivo / infinitivo / nome)”

(CHARAUDEAU, 1992: 515)60.

Os demais relatores a que se refere o autor correspondem a palavras que poderiam ser

enquadradas na classificação gramatical de advérbio, uma vez que, segundo Bechara, se

distinguem das conjunções, pois “como advérbios, que guardam com o núcleo verbal uma

relação, em geral, mais frouxa, esses advérbios podem vir em princípio em qualquer posição

dentro da oração em que se inserem” (BECHARA, 2004: 323). Assim, esses advérbios que

marcam relações semânticas com o que já foi dito no plano discursivo e possuem

flexibilidade posicional em enunciados podem ser chamados de textuais ou discursivos, de

acordo com o gramático.

Silva e Oliveira (2005), no artigo Conjunções Coordenativas: a classe gramatical

pela análise global, após leitura de alguns gramáticos, dentre os quais se encontra Bechara,

verificaram tal distinção entre “os termos que verdadeiramente são conjunções

coordenativas” e aqueles “que possuem força adverbial, e que por isso devem ser

considerados conjunções adverbiais61”.

Para Charaudeau, existem duas subcategorias da operação de ‘Restrição’, segundo a

maneira como são articuladas a asserção de base e a asserção restritiva: a restrição simples e

a restrição concessiva.

A restrição simples constitui a subcategoria da operação cujo relator introduz a

asserção restritiva. Sendo assim, para entender a negação nessa estrutura – correspondente à

das orações coordenadas adversativas da NGB –, o alocutário deve conhecer a segunda

60 “[...] il existe de nombreux autres relateurs qui se caractérisent par leur position (devant l’assertion de base /

devant l’assertion restrictive), leur valeur sémantique (‘certitude’ / ‘probabilité’), et le type de construction morphologique (indicatif / subjonctif / infinitif / nom).”

61 Essa terminologia usada pelas autoras, conforme podemos notar, corresponde aos advérbios textuais ou discursivos de Bechara. Provavelmente, assim chamam tais advérbios por se tratarem de elementos que cumprem tanto a função de conjunção, já que podem ligar um segmento a outro do texto (discurso), quanto a função de advérbio, visto que por geralmente guardarem uma relação com o verbo, podem ocupar qualquer posição dentro da oração em que estão inseridos.

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asserção (restritiva) para, através de inferência, ter acesso à asserção implícita, que é negada

por aquela :

(21) “Mas há também um grupo que não ganha a vida de Kombi, mas admira o

modelo e não troca sua cinqüentona por nenhuma outra mais jovem, mais

moderna e talvez até mais atraente.” (“E a Kombi chega aos 50” – O Estado de São

Paulo, 03/09/2007, Suplementos / Autos)

Em (21), somente ao se deparar com a asserção restritiva, introduzida pelo elemento

mas, é que o alocutário deduz que a asserção implícita corresponde ao fato de que esse grupo

de pessoas não deve admirar sua Kombi, podendo até trocá-la, visto que não ganha a vida

com o carro. Desse modo, essa inferência realizada pelo leitor-ouvinte representa uma

expectativa gerada pela asserção de base e negada pela restrit iva.

Por outro lado, na restrição concessiva – que corresponde à estrutura das orações

subordinadas concessivas da tradição gramatical –, a asserção de base é precedida por um

elemento que anuncia que a segunda asserção será restritiva :

(22) “Embora a modalidade tenha sido a principal estrela no Pan do Rio, com três

medalhas de ouro – duas de Diego Hypólito (solo e salto) e uma de Mosiah

Rodrigues (barra) –, a situação em Stuttgart é muito mais complicada.” (“Ginastas

do Brasil iniciam busca por vagas na Olimpíada” – O Estado de São Paulo, 01/09/2007)

No exemplo acima, notamos que embora não introduz a asserção restritiva, mas sim a

de base, que representa um argumento favorável à modalidade esportiva de ginástica artística

masculina do Brasil. Nessa primeira asserção, o locutor concede um argumento positivo para,

logo depois, anunciar um argumento negativo, isto é, desfavorável à referida modalidade

esportiva.

Convém expor os dois tipos de mas estudados pelos lingüistas: o mas de “refutação”,

também conhecido como SN – do alemão Sondern e do espanhol sino –, e o mas de

“argumentação”, ou mas PA – do espanhol pero aber. Observe-se um exemplo com o

primeiro:

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(23) “Não seria apenas um cinema, mas um complexo com hotel, restaurante e salão

de festas, verdadeiro ponto de encontro da comunidade.” (“Cine Niterói, ou ‘Heró i do

Japão’” – O Estado de São Paulo, 06/10/2007, Rumo aos 100 anos da imigração japonesa)

O mas SN veicula idéia de identificação através da negação expressa no primeiro

enunciado, seguido de retificação no segundo. Nesse caso, verificamos a “encenação de uma

estrutura de diálogo, no interior de um movimento único de refutação, que liga a negação e a

retificação” (MAINGUENEAU, 1997: 165).

O mas PA, argumentativo, corresponde ao conectivo da contra-expectativa, de

Ducrot, e ao restritivo, de Charaudeau. Ele liga dois atos enunciativos distintos, no

movimento “P mas Q”. Analisaremos, contudo, o mas argumentativo na perspectiva de Koch

em outra seção da dissertação (cf. seção 5.2.2.3).

Ainda de acordo com Charaudeau, a restrição também apresenta efeitos contextuais,

que dependem do valor semântico das palavras do texto (discurso). O autor distingue dois

tipos de efeito, em que a asserção restritiva opera sobre a asserção de base uma retificação

negativa ou positiva.

De acordo com o autor, a retificação negativa (ou “subtração”) caracteriza-se por

apresentar uma asserção restritiva que “constitui um subconjunto semântico da asserção de

base, e testemunha de um julgamento negativo” (CHARAUDEAU, 1992: 518)62 em relação

a esta. Observe-se um dos exemplos do autor:

“Il est bon professeur, mais il ne sait pas corriger.”

A retificação positiva, por outro lado, apresenta uma asserção restritiva que

“testemunha, em relação à asserção de base, um julgamento positivo” (CHARAUDEAU,

1992: 518)63:

“Il était mauvais danseur, mais bon valseur.”

62 “[...] constitue un sous-ensemble sémantique de l’assertion de base, et témoigne d’un jugement négatif”

63 “[...] témoigne, par rapport à l’assertion de base, d’un jugement positif”

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É importante ressaltar que, como lembra o autor, tais noções de negatividade e

positividade não são provenientes de uma moral, mas da relação de contra-expectativa64

entre as duas asserções da operação.

A operação lógica de oposição, segundo Charaudeau, é responsável por uma relação

entre duas asserções que se opõem de modo explícito. Em cada uma delas, há ao menos dois

elementos constitutivos que são semanticamente contrários, isto é, que se opõem dois a dois.

Diferentemente do que ocorre na operação de restrição, a segunda asserção da oposição não

nega nenhuma asserção implícita, que poderia representar uma conseqüência da asserção de

base. Temos, a seguir, um caso de operação de oposição:

(24) “A OIT (Organização Internacional do Trabalho) diz ainda que, enquanto

aqueles que estudam e trabalham concentram-se nos estratos mais altos de renda

familiar per capita, os que não estudam nem trabalham concentram-se nos estratos

médios e de baixa renda.” (“OIT: desemprego é maior entre os jovens da América Latina e

Caribe” – O Estado de São Paulo, 04/09/2007, Geral)

No exemplo supracitado, verificamos variados elementos semanticamente contrários:

“aqueles que estudam” / “(aqueles) que não estudam”, “e trabalham” / “nem trabalham”,

“estratos mais altos de renda” / “estratos médios e de baixa renda”. As duas asserções

opõem-se de maneira explícita. Percebe-se que não há entre elas a relação de contra-

expectativa da operação de restrição e, assim, nenhuma asserção implícita. O elemento

enquanto relaciona, neste caso, fatos co-existentes, podendo aparecer tanto no início da

primeira oração quanto no início da segunda. Isso não ocorre com o mas na restrição.

A operação charaudeauniana de que estamos tratando também pode ser marcada pelo

conectivo e, que é polissêmico por natureza, conforme analisaremos nas seções 5.2.1.1,

5.2.1.3 e 5.2.2.1. Observemos, contudo, neste momento, o exemplo de e contrastivo65

fornecido por Oliveira (In: SANTOS,1996: 72):

64 A relação de contra-expectativa, que será estudada mais adiante (cf. seção 5.2.2.3), quando tratarmos da

operação de Contrajunção , é aquela em que o locutor cria uma expectativa (correspondente à terceira asserção implícita) a partir de algum fato ou acontecimento proferido num primeiro momento de seu discurso (no primeiro enunciado, na asserção de base) para, logo depois, “quebrá-la”, isto é, anunciar o rompimento da conclusão inferida num segundo momento (geralmente no segundo enunciado, na asserção restritiva de Charaudeau).

65 Oliveira prefere a denominação “conectores contrastivos” à “conectores opositivos” para se referir a todos os elementos envolvidos na operação de oposição charaudeauniana. Segundo o autor, “Garcia (1972) toma o termo ‘opositivo’ num sentido mais elástico, que inclui os adversativos e os concessivos”. Além disso, “também Azeredo (1990: 97-107) coloca os três tipos na mesma categoria, a que dá o nome de conjunções do ‘contraste’”. Todavia, Oliveira exclui da categoria de “contrastivos” os concessivos e adversativos. Para isso,

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(25) “Os condomínios, em São Conrado, são urbanizados e luxuosos e a Rocinha,

bem ao lado, é paupérrima e urbanisticamente caótica.”

Em (25), o conectivo e estabelece relação de oposição entre duas asserções explícitas,

em que os termos “São Conrado” / “Rocinha”, “urbanizados” / “urbanisticamente caótica”,

“luxuosos” / “paupérrima” são semanticamente contrários.

Além do e, outro elemento que marca uma relação dessa natureza é o se, como

podemos verificar num caso registrado por Charaudeau:

“Si Jacques aime la marche à pied, Gérard préfère le vélo.”

Os relatores privilegiados dessa operação, para o lingüista, são: enquanto e quando.

Não há registro do conectivo mas estabelecendo a operação de oposição, pois esse

operador argumentativo por natureza, como já comentamos, costuma marcar relação de

contra-expectativa. Observe-se o seguinte enunciado do autor:

“Pendant qu’il pleut à Paris, il fait beau à Nice”

No caso acima, as orações se encontram em relação de oposição, porque seus

elementos constitutivos são semanticamente contrários: “chove” / “bom tempo”, “Paris” /

“Nice”. Não existe nenhuma asserção implícita, fruto de uma inferência realizada pelo

alocutário a partir da asserção de base.

Numa estrutura semelhante, que apresenta o mas, temos:

(26) “Chove em Paris, mas faz bom tempo em Nice.”

Nesse caso, deparamo-nos com uma estrutura cuja relação entre os enunciados

apresenta idéia de contra-expectativa – ou de restrição, segundo Charaudeau –, graças ao

conectivo mas, fator determinante para a ocorrência de uma relação dessa natureza. Logo, em

afirma: “a exclusão se deve ao papel especial que tem a concessão – a cujo serviço estão estes dois tipos – no processo argumentativo, papel esse que os conectores contrastivos não desempenham, ou de que pelo menos não são tão típicos representantes quanto aqueles” (In: SANTOS, 1996: 73).

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(26), verificamos a asserção de base “Chove em Paris”, a implícita “também chove em Nice”

– conclusão possível da primeira – e a segunda asserção “mas faz bom tempo em Nice”, que

nega a inferência realizada pelo alocutário, apresentando-se como conclusão verdadeira.

Na relação de oposição, efeitos contextuais de tempo, espaço e ações diversas,

provenientes dos valores de palavras semanticamente contrárias, foram detectados pelo

lingüista:

– Tempo (simultaneidade):

(27) “No ano passado a China produziu 7,189 milhões de automóveis, enquanto

Alemanha e Brasil produziram 5,820 milhões e 2,611 milhões, respectivamente.” (“Produção mundial de veículos crescerá puxada pelo Bric” – O Estado de São Paulo,

06/09/2007, Economia)

– Espaço (+ simultaneidade temporal):

(28) “Enquanto os traficantes se mobilizavam para conter o avanço dos militares por

um lado, soldados tomaram o morro do outro lado, pelas costas dos bandidos.”

(“Exército tem mapeamento do crime organizado no Rio” – O Estado de São Paulo, 06/09/2007,

Cidades / Rio de Janeiro)

– Ação:

(29) “O goleiro Felipe, que também era dúvida, foi liberado pelo departamento

médico e vai jogar. Por sua vez, o atacante Arce cumprirá suspensão pelo terceiro

cartão amarelo.” (“Zé Augusto muda time e Marinho volta ao Corinthians” – O Estado de São

Paulo, 07/09/2007, Esportes / Futebol)

– Ação (+ simultaneidade temporal):

(30) “Os jogadores titulares fizeram apenas um trabalho de recuperação na piscina na

tarde desta quinta, enquanto os reservas disputaram um jogo-treino com o

Litoral, clube de Pelé.” (“Santos insiste e pode anunciar Kléberson na segunda-feira” – O

Estado de São Paulo, 06/09/2007, Esportes / Futebol)

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Charaudeau estuda a operação de causalidade num sentido amplo, isto é, levando em

consideração desde as construções mais tradicionais – introduzidas pelo conectivo porque,

que é causal por excelência – até aquelas que exprimem conseqüência, conclusão e

explicação. Trabalha, portanto, com três grandes categorias abarcadas por essa operação: a

implicação, a explicação e a hipótese.

O estudioso entende que “a operação de ‘Causalidade’ estabelece uma relação lógica

entre duas asserções (A1 e A2), de tal modo que uma (A1) leva à existência da outra (A2)”

(CHARAUDEAU, 1992: 526)66. Esta depende daquela para existir.

Charaudeau lembra, contudo, que tal definição é muito geral. Assim, “ela é

acompanhada de diversas condições para dar existência a certas categorias. Mas permite

compreender o embaraço dos gramáticos [...] para classificar as proposições circunstanciais,

pelo fato de sua proximidade de sentido” (CHARAUDEAU, 1992: 527)67. Tais proposições

circunstanciais emergem dessa definição geral. Desse modo, como podemos observar nos

exemplos do próprio autor, temos diferentes enunciados que se aproximam de um modo ou

de outro da relação de causalidade:

“Mets un bon disque et je danserai avec toi” (conséquence), “Il a dansé avec lui parce qu’il a mis un bon disque” (cause), “Si tu avais mis un bon disque, j’aurais dansé avec toi” (hypothèse), “Mets un bon disque pour danser avec moi” (but) (CHARAUDEAU, 1992: 527)

O lingüista esquematizou essa relação geral – isto é, vista sob uma perspectiva lato

sensu – de natureza lógica, em que verificamos a idéia de causa/efeito:

“colocar um bom disco” ? “dançar com x” (A1) (A2)

Nos quatro casos supracitados, constatamos a relação lógica de causa/efeito

(causa/conseqüência) através das palavras dos enunciados. Contudo, cada um deles apresenta

uma estrutura típica de um dos processos sintáticos registrados pela NGB. Os três últimos

elementos responsáveis pela conexão entre as orações, por meio de seus conteúdos

66 “L’opération de ‘Causalité’ établit une relation logique entre deux assertions (A1 et A2), de telle sorte que

poser l’une (A1) entraîne l’existence de l’autre (A2).”

67 “[...] elle s’accompagne de diverses conditions pour donner existence à certaines catégories. Mais elle permet de comprendre dès à présent l’embarras des grammairiens [...] pour classer les propositions circonstancielles du fait de leur proximité de sens.”

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significativos (significados), determinam as relações que as “proposições circunstanciais” –

aquelas que apresentam o valor semântico indicado entre parênteses – estabelecem com as

outras. O conectivo coordenativo e, por sua vez, cujo significado instrumental corresponde à

idéia de adição, passa a manifestar o sentido de conseqüência, porque introduz a oração que

exprime tal valor, sendo, então, determinado pelo contexto.

Após constatar que “a relação de ‘Causalidade’ varia segundo a natureza do laço que

reúne as duas asserções”68 – a qual chamará condição lógica –, e “o alcance do valor de

verdade atribuído à relação das duas asserções” (CHARAUDEAU, 1992: 527)69, Charaudeau

analisa esses dois critérios que definem as categorias70 da operação em estudo.

Para colocar em evidência a “condição lógica” (ou o tipo de laço) que pode unir duas

asserções na operação de causalidade, o lingüista utiliza a negação lógica, aplicando-a

sucessivamente a A1 e a A2. Obtém, a partir de então, quatro casos, cujos efeitos semânticos

exprimem o possível, o necessário, o inelutável e o exclusivo.

No caso que exprime o possível, “A1 acarreta A2, a negação de A1 não acarreta

obrigatoriamente a negação de A2 (podendo, portanto, coexistir com A2), e a negação de A2

não pressupõe obrigatoriamente a negação de A1” (CHARAUDEAU, 1992: 528)71:

(A1 ? A2): “fazer bom tempo” ? “passear” (n. A1 ? A2): “não fazer bom tempo” ? “passear” (n. A2 não pressupõe n. A1): “não passear” não pressupõe “não fazer bom tempo”.

Assim, nesse caso, A1 é somente uma das condições possíveis para que A2 exista.

Geralmente, essa condição lógica do possível realiza-se lingüisticamente quando o

locutor faz uma sugestão a seu alocutário:

“Il fait beau, tu peux aller te promener” (CHARAUDEAU, 1992: 528) (A1) (A2)

68 “[...] la relation de ‘Causalité’ varie selon la nature du lien qui relie les deux assertions [...].”

69 “[...] la visée de la valeur de vérité qui est attribuée à la mise en relation des deux assertions.” Esse alcance pode ser particularizante – correspondente a um caso particular descrito: “Eu perdi meu trem porque não saí na hora certa” – ou generalizante – caso descrito que vale para todos, isto é, quando tornamos geral um caso: “Perdemos nosso trem quando não saímo s na hora certa”.

70 Analisaremos, mais tarde, as categorias da causalidade propostas pelo autor, que correspondem às relações de implicação , explicação e hipótese.

71 “[...] A1 entraîne A2, la négation de A1 n’entraîne pas obligatoirement la négation de A2 (et peut donc coexister avec A2), et la négation de A2 ne suppose pas obligatoirement la négation de A1.”

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Isso não quer dizer, contudo, que, “se não fizer bom tempo”, o alocutário não poderá

passear. A1 não é condição necessária para A2, mas sim possível.

Observa ainda o autor que, na verdade, são fatores como “o contexto lingüístico

(entonação, troca anterior) e/ou a situação de comunicação (tipo de relação entre os

interlocutores) que dirão se se trata de uma sugestão (condição Possível) ou de uma ordem

(condição Necessária [...])” (CHARAUDEAU, 1992: 528)72.

Na condição lógica que exprime o efeito de necessário, “A1 acarreta A2, a negação de

A1 acarreta obrigatoriamente a negação de A2, e a negação de A2, como para o Possível, não

pressupõe obrigatoriamente a negação de A1” (CHARAUDEAU, 1992: 528)73:

(A1 ? A2): “avoir 45 F” ? “voir le film” (n. A1 ? n. A2): “ne pas avoir 45 F” ? “ne pas voir le film” (n. A2 ne suppose pas n. A1): “ne pas voir le film” ne suppose pas “ne pas avoir 45 F”.

Logo, A1 é condição necessária para a existência de A2, isto é, o indivíduo deve ter 45

F para poder ver o filme. Caso não tenha os 45 F, não poderá ver o filme. Contudo, ele pode

ter 45 F e não querer ver o filme. Afirma ainda o autor: “mas como ao mesmo tempo a

negação de A2 não exige necessariamente a negação de A1, dir-se-á que A1 é uma das

condições para obter A2 e que, estabelecendo-se essa condição, ela é necessária”

(CHARAUDEAU, 1992: 528)74.

Na condição lógica que exprime o inelutável, “A1 acarreta A2, a negação de A1 não

implica obrigatoriamente a negação de A2 (e, assim, a negação de A1 e a de A2 podem

coexistir), e, nesse caso, ao contrário do Necessário, a negação de A2 pressupõe a negação de

A1” (CHARAUDEAU, 1992: 529)75:

(A1 ? A2): “avoir de la valeur” ? “être rare” (n. A1 e A2): “ne pas avoir de valeur” e “être rare” (n. A1 suppose n. A2) [sic]: “ne pas être rare” suppose “ne pas avoir de valeur”

72 “[...] le contexte linguistique (intonation, échange antérieur) et/ou la situation de communication (type de

rapport entre les deux interlocuteurs) qui diront s’il s’agit d’une suggestion (condition Possible) ou d’un ordre (condition Nécessaire [...]).

73 “A1 entraîne A2, la négation de A1 entraîne obligatoirement la négation de A2, et la négation de A2, comme pour le Possible, ne suppose pas obligatoiremente la négation de A1.”

74 “Mais comme en même temps non A2 n’exige pas nécessairement non A1, on dira que A1 est une des conditions pour obternir A2 et que, cette condition étant, elle est nécessaire.”

75 “A1 entraîne A2, la négation de A1 n’entraîne pas obligatoirement la négation de A2 (et donc non A1 et A2 peuvent coexister), et cette fois, contrairement au Nécessaire, la négation de A2 suppose la négation de A1.”

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Essa relação A1 ? A2 é considerada inelutável, inevitável, pois não se pode conceber

a existência de A2 sem A1, já que a negação de A2 pressupõe obrigatoriamente a de A1 : “o

que não é raro, então, obrigatoriamente, não tem valor”. Tal relação, entretanto, não é

recíproca, uma vez que a negação de A1 não implica obrigatoriamente a de A2, o que quer

dizer que pode haver objetos “sem valor” que sejam “raros”.

De acordo com o autor, esse caso realiza-se lingüisticamente com um quantificador

indefinido de valor genérico, como tudo:

“Tout ce qui a de la valeur est rare.” (CHARAUDEAU, 1992: 529) Na condição lógica que exprime o exclusivo, “A1 acarreta A2, a negação de A1 (como

para o Necessário) implica a negação de A2, e a negação de A2 (como para o Inelutável)

pressupõe a negação de A1” (CHARAUDEAU, 1992: 530)76:

(A1 ? A2): “avoir de la valeur” ? “être rare” (n. A1 ? n. A2): “ne pas avoir de la valeur” ? “ne pas être rare” (n. A2 suppose n. A1): “ne pas être rare” suppose “ne pas avoir de valeur”.

Nessa relação A1 ? A2 exclusiva, visto que a negação da primeira unidade (A1)

acarreta obrigatoriamente a negação da segunda (A2), bem como a negação desta pressupõe a

negação daquela, não podemos conceber a existência de A1 sem A2; e isso é recíproco.

Geralmente, esse caso realiza-se lingüisticamente com um quantificador indefinido de

valor restritivo, como somente:

“Seul ce qui a de la valeur est rare.” (CHARAUDEAU, 1992: 530) Além das quatro condições lógicas da relação de causalidade expostas, Charaudeau

também investigou os “alcances” do valor de verdade na relação entre enunciados diversos

no plano do discurso, a saber: o alcance generalizante, o alcance particularizante, o alcance

hipotético. Tais “valores de verdade” seriam avaliados seja na asserção de base (A1), seja na

relação A1 ? A2 e dependeriam “do grau de realização dessas asserções

76 “A1 entraîne A2, la négation de A1 (comme pour le Nécessaire) entraîne la négation de A2, et la négation de

A2 (comme pour l’Inéluctable) suppose la négation de A1.”

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(efetividade/eventualidade) e de seu modo de aparição (unicidade/repetição)”

(CHARAUDEAU, 1992: 530)77.

O alcance generalizante corresponde a uma “verdade universal” e é percebido

quando “a relação A1 ? A2 descreve um fato de experiência, um saber, ou uma lei da

natureza que se repete da mesma maneira a cada vez, escapando, assim, do recorte do tempo

[isto é, não trata de algo que acontece em determinado momento] (visão extra-temporal)”

(CHARAUDEAU, 1992: 530)78. Nesse caso, a asserção de base (A1) representa uma

quantificação totalizante graças a elementos quantificadores ou indefinidos totalizantes

(tudo, todo, todos os), exclusivos (só, somente, unicamente), iterativos (cada vez que, à força

de). Observem-se os exemplos do autor:

“Si on s’acharne dans la vie, on réussit” (à force de) “Partir, c’est mourir un peu” (chaque fois que) “Ce qui a de la valeur est rare” (tout , seul) (CHARAUDEAU, 1992: 531)

No primeiro exemplo, A1 indica valor exclusivo condicional. Seria o mesmo que

dizer: “somente quando nos esforçamos na vida, temos sucesso”. Contudo, se nos

utilizássemos de um termo como cada vez que diante de A1, o valor seria iterativo

(repetitivo): “cada vez que nos esforçamos na vida, temos sucesso”. No segundo exemplo, o

valor iterativo é percebido na primeira asserção: “cada vez que partimos, morremos um

pouco”. No terceiro caso, o sentido da primeira asserção dependerá do elemento utilizado.

Assim, por meio de um elemento indefinido totalizante, obteremos: “tudo o que tem valor é

raro” (valor totalizante). Se utilizarmos um termo de natureza semântica exclusiva, teremos:

“só o que tem valor é raro” (valor exclusivo).

Ao contrário do alcance generalizante, que não trata de um caso particular, o alcance

particularizante caracteriza-se por integrar uma relação A1 ? A2 que descreve um fato

único, singular no panorama de sua enunciação (visão de singularização). Esse tipo de

alcance pode manifestar-se através de dois casos:

– A1 et A2 sont tous deux effectifs :

“Il est parti tôt (A1) donc il est arrivé tôt (A2).” “Il est arrivé tôt (A2) parce qu’il est parti tôt (A1).”

77 “[...] du degré de réalisation de ces assertions (effectivité/éventualité) et de leur mode d’apparition

(unicité/répétition). 78 “La relation A1 ? A2 est posée comme décrivant un fait d’expérience, un savoir, ou une loi de la nature qui

se répète de la même façon à chaque fois, échappant ainsi au découpage du temps (vision extra-temporelle).”

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– A1 est effectif et A2 est éventuel (vision prospective):

“Il est parti tôt (A2) pour arriver tôt (A1).” (CHARAUDEAU, 1992: 531)

O caráter efetivo previsto por Charaudeau corresponde a ações efetivadas, isto é, que

já aconteceram. Por outro lado, o caráter eventual representa, como indica o próprio nome,

uma ação que ainda está para acontecer e que depende de uma circunstância, sendo, portanto,

inacabada. Neste caso, o A2 eventual diz respeito a uma intenção, finalidade, que justificaria

o fato de o indivíduo ter saído cedo, encontrando-se na ordem do possível.

No alcance hipotético, “a relação A1 ? A2 descreve um fato ou um saber eventual,

cuja realização depende de condições mais ou menos certas” (CHARAUDEAU, 1992:

531)79. Esse alcance manifesta-se por meio de três casos:

– A1 et A2 sont présentés dans une vision d’éventualité présente:

“Si je ne me retire pas (A1), il m’écrasera (A2).”

– A1 est presente dans une vision d’éventualité présente ou future et A2 dans une vision d’éventualité future:

“Si je savais (à l’heure actuelle) ce qu’il pense (A1), j’agirais autrement (A2).” “Si le ciel tombait un jour (A1), il nous révélerait bien des choses (A2).”

– A1 et A2 sont présentés dans une vision d’éventualité passée:

“Si j’avais su à l’époque (A1), je ne me serais pas lancé dans cette voie (A2).” Além disso, de acordo com o autor, o alcance hipotético pode se combinar tanto com

um alcance particularizante, quanto com um alcance generalizante. Observem-se:

“S’il pleut j’irai au cinéma” (combinado com um alcance particularizante) “Si on se vaccine, on est immunisé” (combinado com um alcance generalizante) (CHARAUDEAU, 1992: 531)

Para Charaudeau, as categorias da Causalidade “resultam da combinação de uma

condição lógica com um valor de verdade” (CHARAUDEAU, 1992: 532)80. Esse critério

permite estabelecer uma distinção entre as três categorias:

79 “La relation A1 ? A2 est posée comme décrivant un fait ou un savoir éventuel, dont la réalisation dépend de

conditions plus ou moins certaines.”

80 “[...] résultent de la combinaison d’une condition logique avec une valeur de vérité.”

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– les relations de Causalité à visée généralisante: l’IMPLICATION; – les relations de Causalité à visée particularisante: l’EXPLICATION; – les relations de Causalité à visée hypothétique: l’HYPOTHÈSE.

A implicação caracteriza-se por apresentar um movimento de pensamento que capta

globalmente a asserção de base (A1) e a asserção dependente (A2), diferentemente da relação

de explicação, que privilegia ora uma, ora outra. Existem três subcategorias de implicação,

de acordo com a condição lógica que se manifesta nessa relação: a implicação condicional, a

implicação absoluta simples, a implicação absoluta recíproca.

A implicação condicional, segundo o autor, “satisfaz a uma condição Necessária, isso

quer dizer que a asserção de base (A1) é colocada, dentre as condições possíveis, como

aquela cuja negação acarreta obrigatoriamente a negação A2” (CHARAUDEAU, 1992:

532)81:

[Pour voir tel film] “Prix des places 45 F.” “Si on s’acharne dans la vie, on réussit.” “Si on boit, on élimine. Buvez X” (Publicité).

Nessa relação, a primeira asserção (A1) implica a segunda (A2). A “condição”

distingue-se da “hipótese”, de acordo com o lingüista, que critica o fato de grande parte dos

gramáticos tratarem essas duas categorias como se fossem apenas uma. Na “hipótese”, o se

apresenta valor de eventualidade, enquanto na “implicação condicional”, o mesmo elemento

tem valor de repetição. A seguir, temos dois exemplos, cada qual representando uma

categoria:

(31) “‘Hoje se o Brasil tivesse as oito usinas nucleares em operação [...], utilizaria

apenas 30% do que tem durante 60 anos e exportaria o excedente’, afirmou.” (“Ministro admite exploração de urânio por companhias privadas” – O Estado de São Paulo,

24/09/2007, Economia / Investimentos)

(32) “Se quisermos uma economia própria, forte e independente, precisamos que

todas as partes assim o sejam.” (“Lucro do empresariado faz nação prosperar, diz Alencar”

– O Estado de São Paulo, 24/09/2007, Economia / Investimentos)

81 “[...] satisfait à une condition Nécessaire, c’est-à-dire que l’assertion de base (A1) se pose, parmi les

conditions possibles, ocmme celle dont la négation entraîne obligatoirement la négation de A2”

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Em (31), o se apresenta valor de eventualidade, logo, trata-se a relação exposta de

uma “hipótese”, cujo alcance é particularizante, visto que nela o falante se refere

especificamente ao Brasil. Casos como esse, em que verificamos o verbo de A1 no pretérito

do subjuntivo – indicando um fato e/ou acontecimento da atualidade (devido à presença do

advérbio hoje) – e o verbo de A2 no futuro do pretérito, Charaudeau chama de hipótese

presente. Veremos mais adiante os três tipos analisados pelo lingüista quando tratarmos

dessa categoria da causalidade. Em (32), verificamos uma relação de implicação

condicional, em que o elemento se manifesta valor de repetição, pois há a idéia entre as

orações envolvidas de algo que sempre deve se realizar. O se equivale a termos como: cada

vez que, sempre que:

(32)’ “Cada vez que quisermos uma economia própria, forte e independente,

precisamos que todas as partes assim o sejam.”

Cabe ressaltar ainda que o alcance dessa implicação condicional é generalizante, já

que são utilizados verbos conjugados na primeira pessoa do plural com a intenção de não

definir o sujeito e, então, tratar de um caso geral.

A implicação absoluta simples, outra subcategoria da categoria de implicação da

relação de causalidade, caracteriza-se por satisfazer “a uma condição Inelutável, o que quer

dizer que a asserção de base (A1), cada vez que é produzida, implica obrigatoriamente A2”

(CHARAUDEAU, 1992: 534)82:

“Tout ce qui a de la valeur est rare.” “Tout individu qui ne respecte pas cette règle sera passible d’une amende de...” “La fusion fait la force... quand derrière la fusion il y a une vision.” (Publicité)

Por fim, a implicação absoluta recíproca “satisfaz a uma condição Exclusiva, já que

não somente A1 acarreta obrigatoriamente A2, mas também A2 implica obrigatoriamente A1

(reciprocidade)”83 (CHARAUDEAU, 1992: 535):

“Seule sa banque pouvait le tirer d’affaire.”

82 “[...] à une condition Inéluctable, c’est-à-dire que l’assertion de base (A1), chaque fois qu’elle se produit,

entraîne obligatoirement A2”

83 “[...] satisfait à une condition Exclusive, c’est-à-dire que non seulement A1 entraîne obligatoirement A2, mais en plus A2 entraîne obligatoirement A1 (réciprocité)”

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No exemplo fornecido pelo autor, podemos notar a idéia de reciprocidade existente

no enunciado: “se ele for cliente do banco, não terá problema” e “se não for cliente do banco,

terá problema”.

Numa observação, Charaudeau confronta duas enunciações marcadas por se, cujas

asserções estabelecem relações distintas entre si:

“S’il mange, il grossit .” “S’il est fort, il est bête.”

No primeiro caso, verificamos uma relação de implicação, segundo o autor. E, no

segundo, de restrição, já que, neste, a palavra se passa a manifestar valor semântico

concessivo, exprimindo uma relação de contra-expectativa, graças às unidades qualificativas

que se encontram em pólos opostos presentes nas asserções (forte/burro). Desse modo, se na

causalidade lato sensu observamos apenas duas asserções explícitas, que representam, a

primeira, uma causa e, a segunda, uma conseqüência, na relação de restrição, constatamos,

além das duas orações explícitas, uma terceira, que permanece implícita: “ele é inteligente”.

A seguir, Charaudeau explora dois efeitos contextuais obtidos na implicação. Além

da estrutura “se A1, então A2”, que corresponde à relação de base dessa operação, podemos

também encontrar uma outra: “se A2, então (é porque) A1”:

Par exemple, au lieu de: “Si on s’acharne (A1), alors on réussit (A2)”, dire: “Si on réussit (A2), alors (c’est que) on s’acharne (A1)”. (CHARAUDEAU, 1992: 535)

Na ordem inversa das asserções, em que a idéia de conseqüência antecede à de causa,

podemos supor que a negação de A2 acarreta a negação de A1. A condição em questão é,

portanto, exclusiva. Isso não se dá na estrutura da relação de base, em que temos uma

implicação condicional. Neste caso, a conseqüência não se deve exclusivamente ao esforço,

pois podemos ter sucesso devido a fatores como talento, ou sorte, por exemplo.

O outro efeito contextual diz respeito à estrutura “não há A2, sem A1”, em que

interpretamos que não pode haver A2 sem A1; o que quer dizer que toda asserção A1 (causa)

acarreta obrigatoriamente uma asserção A2 (conseqüência). Assim, a condição tratada é

inelutável:

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Par exemple: “Pas de fumée (A2) sans feu (A1).” (CHARAUDEAU, 1992: 536) Contudo, essa estrutura inelutável provém de uma condição possível, ou até mesmo

necessária (“Se há fumaça (A1), há fogo (A2)”), de acordo com o lingüista, uma vez que pode

haver fogo sem fumaça e fumaça sem fogo. Mas a condição inelutável inerente ao exemplo

supracitado é interpretada da seguinte forma: “toda vez que há fumaça, há fogo”. Ademais,

tal condição pode tornar-se exclusiva em certas condições discursivas, como podemos

observar no exemplo de Charaudeau:

“Pas de réussite (A2), sans travail (A1)” (CHARAUDEAU, 1992: 536) Interpretamos esse enunciado da seguinte maneira: “o único meio de obtermos

sucesso é o trabalho”. O trabalho é, portanto, condição exclusiva para o sucesso.

Uma variante dessa estrutura correspondente ao segundo efeito contextual analisado

por Charaudeau é “não A1, sem A2”:

“On ne fait pas d’omelette sans ‘casser des oeufs’.” (CHARAUDEAU, 1992: 536) Ao contrário da implicação, a categoria de explicação “é uma relação de

‘Causalidade’ com alcance particularizante, cujo movimento de pensamento apóia-se em

uma das duas asserções para examinar e/ou alcançar a outra” (CHARAUDEAU, 1992:

538)84.

De acordo com a condição lógica, podemos observar quatro subcategorias de

explicação: a explicação condicional, a explicação causal, a explicação conseqüencial, a

explicação final.

Na explicação condicional, como na implicação de mesma natureza, a existência de

A1 determina a existência de A2. Todavia, por meio de alcance particularizante, combinando-

se com diferentes condições:

84 “[...] est une relation de ‘Causalité’ à visée particularisante, dont le mouvement de pensée prend appui sur

l’une des deux assertions pour envisager et/ou atteindre l’autre.”

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a) Avec une condition Possible, elle produit souvent un effet de sens de suggestion: A1 est une des conditions possibles de A2:

“S’il fait beau dimanche, nous pourrions aller au zoo.”

“Si votre perception du Japon se limite au bonsaï et au poisson cru, vous pouvez désormais l’enrichir grâce à deux vols hebdomadaires Paris-Tokyo sans escale” (Publicité).

b) Avec une condition Nécessaire, elle produit souvent un effet de sens

d’autorisation: A1 est une condition parmi d’autres, mais elle est nécessaire:

“Si tu fais ton devoir tout de suite, tu pourras aller au cinéma.”

c) Avec une condition Exclusive, elle produit souvent un effet de sens de menace, ou d’autorité absolue: A1 est presente comme la condition unique permettant A2:

“Tu n’iras au cinéma que si tu as fini ton travail.”

“Finis ton travail, sinon (autrement) tu n’iras pas au cinéma .” (CHARAUDEAU, 1992: 538)

Já na explicação causal, “o movimento de pensamento parte da existência da asserção

A2 [da conseqüência] para chegar à sua origem, ou seja, a asserção A1 [a causa], cuja

existência representa seu princípio, sua fonte” (CHARAUDEAU, 1992: 539)85.

Essa subcategoria da explicação geralmente se combina com uma condição

inelutável, já que o que justifica A2 é a existência de A1. Assim, a causa justifica a

conseqüência. Observem-se:

“Il est arrivé tôt parce qu’il est parti tôt .”

“Il grelotte parce qu’il a de la fièvre.” [A2 (conseqüência) ? A1 (causa)] (CHARAUDEAU, 1992: 539)

Neste caso, a relação de causalidade expressa não é icônica, isto é, a idéia de causa

não antecede à de conseqüência.

O autor afirma ser porque a marca privilegiada da “causa”. Em seguida, admite haver

outras variadas marcas que podem introduzir uma asserção causal (A1). Esses termos

apresentam nuanças semânticas, manifestando valores específicos e determinando, mesmo

que em parte, o sentido das relações entre segmentos no discurso. Citaremos, contudo,

apenas o exemplo com pois, por se tratar de um conectivo coordenativo, considerado

tradicionalmente como conjunção coordenativa explicativa:

85 “Le mouvement de pensée part de l’existence de l’assertion A2 pour remonter jusqu’à son origine, c’est-à-dire

l’assertion A1, dont l’existence représente son principe, sa source.”

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“Il a été congédié car il était trop vieux.”86 (CHARAUDEAU, 1992: 539) O autor parece considerar pois como um conectivo equivalente, do ponto de vista

semântico, ao causal porque. Na seção 5.2.2.4, intentamos expor a diferença primordial entre

estes dois elementos bem diversos: o operador lógico de causalidade e o operador

argumentativo de justificativa ou explicação.

Cabe adiantar, no entanto, que no exemplo supracitado, pois não marca uma relação

lógica de causa/conseqüência, como o faz porque. Isso quer dizer que ele não introduz uma

asserção cujo conteúdo apresenta idéia de causa, mas sim uma explicação ou justificativa

referente ao conteúdo da primeira asserção. Dessa forma, entendemos que essa palavra marca

uma relação discursiva (ou argumentativa), em que entram em ação inferências da parte dos

interlocutores para se chegar a uma conclusão. Logo, em casos como esses, o que

determinará a natureza da relação estabelecida entre as duas orações é o conectivo.

Ao contrário do que ocorre na explicação causal, na explicação conseqüencial, “o

movimento de pensamento parte da existência da asserção A1 para chegar à existência da

asserção A2, dependente daquela” (CHARAUDEAU, 1992: 541)87:

“Il est parti tôt de sorte qu’il est arrivé tôt.” [A1 (causa) ? A2 (conseqüência)] O fato de “sair cedo” (A1) acarreta obrigatoriamente “chegar cedo” (A2). Assim, trata-

se a relação entre as duas asserções de uma condição inelutável, sendo apresentada como se

fosse exclusiva. Além disso, segundo o autor, essa subcategoria da explicação é estabelecida

a partir de uma implicação implícita:

“Si on part tôt (A1), alors on arrive tôt (A2)” (CHARAUDEAU, 1992: 541) E essa implicação implícita pode ter um valor exclusivo:

“C’est seulement en partant tôt que l’on arrive tôt” (ou: n. A1 ? n. A2)

86 Não há registro no português do Brasil de conjunção pois causal, como no francês. Charaudeau considera que

tal elemento pode introduzir orações dessa natureza. O que temos é porque explicativo, que, geralmente, aparece antecedido por vírgula.

87 “Le mouvement de pensée part de l’existence de l’assertion A1 pour aboutir à l’existence de l’assertion A2 qui dépend de celle-ci.”

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Elementos como portanto, assim, então são, de acordo com o lingüista, as marcas

privilegiadas da conseqüência. É interessante lembrar, contudo, que essas palavras são

tradicionalmente reconhecidas como conjunções coordenativas conclusivas. A nosso ver, os

termos citados são conclusivos e, portanto, de natureza discursiva (argumentativa), já que

costumam estabelecer relação de conclusão (cf. seção 5.2.2.5), em que se verificam relações

silogísticas.

A explicação final apresenta o mesmo movimento de pensamento da explicação

conseqüencial, de acordo com Charaudeau, mas não vai até a existência da asserção A2 – da

conseqüência –, pois A2, nessa relação que exprime finalidade, objetivo, é apenas um projeto

de realização a partir da asserção A1. Assim, nas palavras do autor, “A2 é colocada em

perspectiva em relação a A1, por meio de uma condição Necessária, já que não se pode

afirmar que a negação de A2 acarreta a negação de A1” (CHARAUDEAU, 1992: 543)88.

Ademais, a explicação final costuma apresentar um enunciado causal implícito, modalizado

por um “querer”, o que comprova que essa relação é ligada a uma intencionalidade:

“Il est parti tôt pour arriver tôt.” [“Ele sai cedo porque quer chegar cedo”]

(A1: partir tôt / Intention: vouloir arriver tôt / A2: arriver tôt) Marcas como para, a fim de + infinitivo, a fim de que + subjuntivo e para que são as

privilegiadas dessa relação. Além dessas, existem muitas outras, citadas pelo autor, que

podem produzir sentidos particulares.

A hipótese – a última categoria da causalidade –, segundo Charaudeau, não deve ser

confundida com o que se costuma chamar de condição, apesar da grande afinidade existente

entre essas duas relações. A relação em questão “apresenta duas asserções dentre as quais

uma (A2) depende da outra (A1) para existir, o que faz com que esta última (A1) acarrete de

certa forma a precedente (A2): A1 ? A2” (CHARAUDEAU, 1992: 545)89.

A hipótese apresenta uma especificidade e, por isso, não pode ser confundida com a

relação de implicação: “a asserção de base (A1) apresenta um problema quanto a sua

existência, acarretando, ao mesmo tempo, a suspensão da existência da asserção (A2) que

88 “A2 est mise en perspective par rapport à A1, dans une condition Nécessaire puisqu’on ne peut affirmer que la

négation de A2 entraîne la négation de A1.”

89 “[...] met en présence deux assertions dont l’une (A2) dépend pour son existence de l’autre (A1), ce qui fait que cette dernière (A1) entraîne d’une certaine façon la précédente (A2): A1 ? A2.”

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dela depende” (CHARAUDEAU, 1992: 545)90. Dessa forma, na hipótese – relação de

alcance particularizante –, a asserção de base é colocada em dúvida e não pode ser

atualizada91, mudada, como ocorre na implicação:

“Si l’on boit beaucoup au cours d’un repas, alors le taux d’alcoolémie augmente.” (C’est vérifié, et vous pouvez le vérifier).

“Si j’avais su qu’il viendrait, j’aurais mis les petits plats dans les grands.” (“je n’ai pas su qu’il viendrait.”, “je n’ai pas mis les petits plats dans les grands”). (CHARAUDEAU, 1992: 546)

No primeiro exemplo fornecido pelo autor, temos uma relação de implicação, em que

não há dúvida quanto à existência de A1. A asserção de base determina, assim, a existência

de A2. Já no segundo, a asserção A1 é colocada em dúvida, em “suspensão”. A “cláusula

suspensiva” é definitiva, pois não pode passar por atualização, como no caso anterior.

Estamos agora diante de uma relação de hipótese.

Esta se inscreve, portanto, numa visão temporal de inatualidade e pode subdividir-se

em três categorias, de acordo com o quadro de enunciação a que se refere essa inatualidade:

presente, futuro ou passado. Assim, o autor desenvolveu as seguintes categorias de hipótese:

1. L’“ Hypothèse présente”

A1 est à l’imparfait [pretérito do subjuntivo], A2 au conditionnel [futuro do pretérito do indicativo]:

“Si je savais (actuellement) ce qu’il en pense, je pourrais agir en conséquence.”

[“Se eu soubesse (atualmente) o que ele pensa disso, poderia agir em conseqüência.”]

2. L’“Hypothèse future”

A1 à l’imparfait [pretérito do subjuntivo], A2 au conditionnel [futuro do pretérito do indicativo]:

“Si le ciel tombait (un jour), il nous révélerait bien des choses.”

[“Se o céu caísse (um dia), ele nos revelaria muitas coisas.”]

3. L’“ Hypothèse passée”

90 “[...] l’assertion de base (A1) fait problème quant à son existence, entraînant du même coup une suspension de

l’existence de l’assertion (A2) qui en dépend.” 91 Mira Mateus (MATEUS, 2003: 141-142) denomina seqüência condicional contrafactual (ou irreal) todo caso

em que a asserção de base não pode ser atualizada, visto que se trata de “relações gerais entre proposições que se verificam em mundos alternativos ao mundo real”, não havendo, portanto, possibilidade de mudança. Esse é um dos tipos de relação de hipótese estudados pela autora. Contudo, só verificaremos mais adiante essa relação na perspectiva de Mateus, em capítulo destinado à análise de algumas operações lógicas, mais especificamente na operação de causalidade lato sensu .

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A1 au plus-que-parfait [mais -que-perfeito do subjuntivo], A2 au conditionnel passée:

“Si j’avais su (à l’époque), je ne me sera is pas lancé dans cette voie.”

“Se eu tivesse sabido (na época), não me teria lançado nesse caminho.” (CHARAUDEAU, 1992: 546)

De acordo com Charaudeau, o condicional (ou futuro hipotético) costuma exprimir o

irrealizado, e não o irreal, como afirmam os gramáticos. A cláusula suspensiva A1 não pode

se atualizar, é definitiva. Assim, A2, como conseqüência de A1, refere-se a um acontecimento

ou fato que não pode se realizar, pois já faz parte do passado.

Embora alguns estudiosos considerem que as partículas se e então – conhecidas como

prótase e apódose, respectivamente – sejam os elementos coesivos prototípicos da hipótese,

para Charaudeau apenas se constitui a marca privilegiada dessa relação. Afirma ainda o autor

ser esse relator altamente polissêmico, podendo servir para exprimir diferentes relações,

segundo os tipos de contexto nos quais ele se encontra. Constatamos também aqui que o

valor semântico manifestado por se será determinado por fatores contextuais.

5.2 AS CONJUNÇÕES COORDENATIVAS E OS OPERADORES LÓGICO E

ARGUMENTATIVO NA PERSPECTIVA DE KOCH

Conforme já vimos anteriormente (cf. seção 2.1), esses dois tipos de operadores – o

de tipo lógico e o argumentativo (ou discursivo) – são responsáveis por interligar, no

primeiro caso, unidades mais dependentes semanticamente e, no segundo, unidades menos

dependentes do ponto de vista semântico. Trataremos a seguir dos principais conectivos

coordenativos que se enquadram nessas duas categorias de operadores.

5.2.1 Conectivos coordenativos de tipo lógico

Tais elementos lingüísticos, conforme já explicitado anteriormente, indicam o tipo de

relação lógica que o locutor estabelece entre os conteúdos de duas proposições sobre o

mundo num único enunciado. Proposições estas que mantêm considerável relação de

interdependência semântica.

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A partir desse momento, serão examinadas as principais relações de tipo lógico, assim

como os conectivos integrantes do processo de coordenação da NGB que podem expressá-

las. Para executar tal tarefa, tomar-se-á por base a divisão das relações dessa natureza

proposta por Koch92, a saber: causalidade, disjunção, temporalidade. Além dessas, existem

outras relações de natureza lógica propostas pela autora: condicionalidade, mediação,

conformidade, complementação e delimitação ou restrição. Estas últimas, contudo, não serão

tratadas no trabalho, uma vez que são marcadas por elementos lingüísticos de origem

subordinativa na Tradição Gramatical, com exceção da condicionalidade, que pode ser

considerada como sendo uma relação de causalidade sob perspectiva lato sensu e ser

marcada pela conjunção coordenativa e.

5.2.1.1 Relação de causalidade

Pode-se observar a relação de causalidade sob dois ângulos: lato sensu e stricto

sensu. No primeiro caso, verificam-se relações incluídas em diversas classificações da

Gramática Tradicional que podem exprimir idéia de “causalidade” – isto é, relação entre duas

proposições cujos conteúdos compreendem os conceitos lógicos de causa e conseqüência. No

segundo, observa-se a relação de causalidade expressa por conectivos específicos

encontrados na NGB que promovem vinculação entre a causa e a conseqüência.

Desse modo, como afirma Monnerat, “[...] a causalidade acolhe relações que a

Gramática Tradicional distribui tanto no processo sintático de coordenação, quanto no de

subordinação.”. 93

Tomando-se por base uma análise da causalidade sob perspectiva lato sensu,

constata-se que o conectivo e também é capaz de estabelecer tal relação:

(33) “Um contingente de 2,7 milhões de trabalhadores, desiludidos, desistiu de

procurar uma vaga no mercado de trabalho e, por isso, está fora das estatísticas de

desemprego no país.” (“Desemprego real no país é o dobro do oficial” – O Globo,

06/08/2006, 1.º Caderno, p. 1)

92 Cf. KOCH, Ingedore Villaça. Dificuldades na leitura/produção de textos: os conectores interfrásticos. In:

CLEMENTE, Elvo (org.). Lingüística aplicada ao ensino de português. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992.

93 MONNERAT, Rosane Santos Mauro. Gramática ou texto? Gramática e text o: a relação de causalidade – implicações semântico-discursivas. In: 10º Congresso Brasileiro de Língua Portuguesa. Congresso Internacional de Lusofonia do IP-PUC/SP.

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(34) “Vasco sofre com desfalques e arbitragem e perde do Paraná” (O Globo,

07/08/2006, Esportes, p. 2)

Em (33) e (34), os conectivos coordenativos e em destaque, – cujo significado é a

adição, uma vez que normalmente cumprem a função de unir uma proposição à outra no

texto (discurso) –, puderam ser inseridos em uma relação de tipo lógico de

causa/conseqüência. Em casos como esses, o e não deixa de cumprir sua função

conjuncional, ao unir proposições verdadeiras no mundo textual, mas assume efeito

contextual de conseqüência, ao introduzir uma proposição cujo conteúdo apresenta valor

consecutivo. Assim, podemos dizer que estamos diante de um “e consecutivo”. 94

Certas construções com o e consecutivo, conforme lembra Charaudeau, aparecem

associadas a um efeito de “ameaça” (CHARAUDEAU, 1992: 504):

(35) “Continue conversando e eu mando você para fora de sala!”

Em (35), verifica-se uma conseqüência negativa hipotética da ação de continuar a

conversa. Tal efeito geralmente é obtido quando se tem uma construção em cuja primeira

proposição, a que exprime idéia de causa, aparece um verbo conjugado no imperativo.

Na linguagem publicitária, todavia, a ação que exprime idéia de causa pode levar a

conseqüências positivas:

(36) “Faça um Prev Jovem Bradesco e dê um futuro de presente para quem você

ama.” Bradesco Seguros e Previdência (Crescer, outubro de 2004)

Nos dois exemplos anteriores, nota-se também uma relação de condicionalidade

entre as duas proposições. Essa relação caracteriza-se pela hierarquia de dependência

semântica estabelecida entre os conteúdos proposicionais, tal como ocorre em construções

subordinadas. Contudo, o que se observa em (35) e (36) são proposições que constituem atos

de fala distintos; sendo assim, apresentam-se mais independentes sintaticamente do que

proposições presentes em processo de subordinação.

Pode-se parafrasear esses dois exemplos, colocando-os em construção subordinativa:

94 Cf. CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l’expression. Paris: Hachette, 1992: 504.

Cf. OLIVEIRA, Helênio Fonseca de. Conectores da conjunção. In: SANTOS, Leonor Werneck dos (org.). Discurso, coesão, argumentação. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996: 71-72.

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(35a) “Se continuar a conversar, eu mando você para fora de sala!”

(36a) “Se fizer um Prev Jovem Bradesco, dará um futuro de presente para quem você

ama.”

Desse modo, (35) e (36), além de revelarem relações causais, já que expressam idéia

de causa/conseqüência, apresentam relação de condicionalidade, que é facilmente observada

nas seqüências condicionais não factuais ou hipotéticas95 de (35a) e (36a). Nestes casos, as

relações estabelecidas entre os conteúdos proposicionais possuem grau médio de hipótese,

apresentando “seqüências em que o conteúdo proposicional do antecedente especifica o(s)

mundo(s) epistemicamente não acessíveis (no It em que a seqüência é enunciada) em que se

verifica o conteúdo proposicional do conseqüente.” (MATEUS, 2003: 141).

Além das condicionais não factuais ou hipotéticas, existem as factuais ou reais96 e as

contrafactuais ou irreais97 que apresentam grau mínimo e grau máximo de hipótese,

respectivamente.

Logo, a relação de condicionalidade pode ser inserida no estudo da de causalidade

sob perspectiva lato sensu, uma vez que, numa seqüência condicional, o conteúdo de uma

proposição é capaz de exprimir a causa de um conteúdo expresso por outra proposição, que,

por sua vez, representa a conseqüência da relação lógica.

5.2.1.2 Relação de disjunção

A disjunção responsável por relações de tipo lógico é expressa através de duas

proposições unidas pelo conectivo coordenativo ou. Nela, verificam-se, via de regra, duas

asserções em relação de interdependência semântica, resultantes de um único ato de fala.

Entretanto, esse conectivo prototípico da disjunção, como lembra Koch, é ambíguo, pois

constitui um termo oriundo de duas palavras que tinham significados distintos no latim. Pode

apresentar, portanto, dois valores no texto (discurso):

95 Cf. MATEUS, Maria Helena Mira et alii. Gramática da língua portuguesa . 5.ª ed. Lisboa: Editorial Caminho,

2003: 141.

96 MATEUS, op. cit.

97 MATEUS, op. cit., p. 142.

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Todavia, esse conector é ambíguo em língua natural, pelo fato de possuir dois significados diferentes, embora, em parte, relacionados: o ou inclusivo (ou débil), correspondente ao latim vel, que significa um ou outro , possivelmente ambos (= e/ou); e o ou exclusivo (ou forte), correspondente à forma latina aut, que exclui a verdade de ambas as proposições.98 (In: CLEMENTE, 1992: 87-88)

Observem-se:

(37) “Os participantes da passeata devem usar camisas brancas ou portar acessórios

da mesma cor.”

(38) “O desejo de escolher o sexo do bebê não é novo. Tanto que não faltam métodos

e conselhos sobre como gerar meninos ou meninas.” (“Menino... ou menina. Uma

escolha quase impossível.” – Crescer, fevereiro de 2001, p. 20)

(39) “Roberto está no escritório ou na praia?”

(40) “Apesar do verniz científico, a maioria das técnicas que prometem favorecer a

concepção natural de bebê de um sexo ou de outro só funciona na teoria.” (“Menino... ou menina. Uma escolha quase impossível.” – Crescer, fevereiro de 2001, p. 21)

Nos dois primeiros exemplos acima, os conectivos ou em questão são inclusivos. Isso

quer dizer que, nesses casos, operam disjunção inclusiva, isto é, uma relação de tipo lógico

que “admite três interpretações, de acordo com a verdade de cada uma das asserções postas

em presença: a primeira é verdadeira, a segunda é falsa / a primeira é falsa, a segunda é

verdadeira / a primeira é verdadeira, a segunda é verdadeira”. 99 Desse modo, em (37), o

locutor da enunciação afirma que para participar da passeata as pessoas podem apenas usar

camisas brancas, podem apenas usar acessórios brancos, podem usar camisas e acessórios

brancos. Em (38), revela-se que existem métodos e conselhos para gerar tanto meninos

quanto meninas, sendo que alguns servem para casos de casais que desejam que a criança

seja do sexo masculino, e outros, para os casais que querem um bebê do sexo feminino.

98 KOCH, Ingedore Villaça. Dificuldades na leitura/produção de textos: os conectores interfrásticos. In:

Lingüística aplicada ao ensino de Português. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988

99 MONNERAT, Rosane S. M. A expressão da contra(dis)junção no texto publicitário: implicações semântico-discursivas. ABP – Zeitschrift zur portugiesischsprachigen Welt, Universidade de Colônia – Alemanha, 2001: 108.

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Nos exemplos (39) e (40), verificam-se conectivos ou exclusivos, visto que efetuam

disjunção exclusiva, que “admite duas interpretações: a primeira é verdadeira, a segunda é

falsa / a primeira é falsa, a segunda é verdadeira.”.100 Em (39), somente uma das proposições

é verdadeira. Trata-se de um caso que pode ser interpretado da seguinte forma: Roberto não

pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, logo, ele encontra-se ou no escritório ou na

praia; sendo uma das proposições excluída, apresentando-se como falsa. Em (40), está

explícito que existem muitas técnicas que poderiam levar à concepção de bebês de ambos os

sexos. Mas infere-se também que um mesmo bebê só pode ser do sexo masculino ou do

feminino.

Além da disjunção lógica comutativa, ou simétrica, – cuja ordenação das proposições

é livre –, apresentada até aqui através dos exemplos, há também a disjunção lógica

assimétrica, isto é, um tipo de disjunção que possui a mesma estrutura assimétrica das

condicionais:

(41) “Ou você come tudo. Ou vai ficar sem sobremesa.”

No caso do ou assimétrico acima, constata-se que o conseqüente é dependente da

negação do antecedente; o que pode ser claramente observado por meio de paráfrase com

uma construção condicional e a negação:

(41a) “Se você não comer tudo, vai ficar sem sobremesa.”

Assim, a relação de condicionalidade está presente tanto na construção coordenada

(41) quanto na subordinada (41a).

Outros conectivos coordenativos são empregados para exprimir a disjunção sem

hierarquia, como seja... seja, ora... ora, por vezes... por vezes, quer... quer.

Segundo Charaudeau (CHARAUDEAU, 1992: 509-510), as marcas ou... ou e seja...

seja podem assumir valor nocional e pontual (unicidade) ou valor temporal e iterativo no

texto/discurso. Já os relatores ora...ora e às vezes...às vezes apresentam apenas valor

temporal e iterativo (de repetição no tempo), sendo ora...ora menos episódico e às vezes...às

vezes mais episódico.

Observem-se os exemplos de Charaudeau:

100 MONNERAT, op. cit.

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(42) “O trabalho será feito seja (ou) por mim seja (ou) por meu colega, mas será

feito.”101

(43) “O trabalho será feito ora por mim ora por meu colega.”102

(44) “Ou ele ri, ou ele chora.”103

(45) “Ora (Às vezes) ele ri, ora (às vezes) ele chora.”104

Em (42), pode-se interpretar que o trabalho será feito em bloco por duas pessoas (por

mim ou por meu colega). A construção apresenta valor pontual (de unicidade). O conectivo

ou dessa mesma construção também pode ser exclusivo, a partir do momento em que se

admite a seguinte interpretação: o trabalho será feito por uma das duas pessoas. O conectivo

ora... ora, em (43), proporciona valor iterativo (de repetição no tempo) à seqüência, que pode

ser interpretada da seguinte forma: o trabalho será feito em certos momentos por mim e, em

outros, por meu colega. No exemplo (44), verifica-se a existência de valor nocional e

pontual: “ele reage rindo, ou chorando”. A seqüência pode apresentar também valor temporal

e iterativo: “em determinados momentos ele ri, em determinados momentos ele chora”. O

exemplo (45), contudo, tem apenas um valor temporal e iterativo, havendo uma diferença de

sentido entre ora (menos episódico) e às vezes (mais episódico).

O conectivo quer... quer, conforme lembra Monnerat, “tem um valor concessivo-

condicional”105:

(46) Viajarei quer queira, quer não.

O locutor do enunciado acima deixa explícita, assim, tanto uma idéia de condição:

“Viajarei se você quiser”, presente na primeira proposição, quanto uma idéia de concessão:

“ou/e mesmo que você não queira.”, expressa na segunda proposição da relação lógica.

101 “Le travail sera fait soit (ou) par moi, soit (ou) par mon collègue, mais il sera fait”

102 “Le travail sera fait tantôt par moi, tantôt par mon collègue”

103 “Soit (ou) il rit, soit (ou) il pleure”

104 “Tantôt (parfois) il rit, tantôt (parfois) il pleure”

105 Monnerat, op. cit., p. 111.

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5.2.1.3 Relação de temporalidade

De acordo com Koch, a relação de temporalidade é aquela “por meio da qual se

localizam no tempo, uns relativamente aos outros, ações, eventos ou estados de coisas do

mundo real, veiculados por intermédio de duas proposições” (In: CLEMENTE, 1992: 88).

No português, o conectivo principal que marca esse tipo de relação lógica é o quando

– elemento que se enquadra na categoria das conjunções subordinativas adverbiais temporais

da NGB.

Dentre os marcadores coordenativos, o aditivo e é aquele que pode desempenhar

valor de temporalidade, que lhe é conferido devido à relação estabelecida entre duas

proposições de um enunciado. Isso é possível, conforme visto anteriormente, graças a seu

“caráter neutro”.

Assim, o conectivo coordenativo e pode exprimir um valor de sentido de

simultaneidade temporal:

(47) “Mário chega à escola e carrega a mochila.”

No exemplo acima, constata-se que o marcador e, além de possuir significado de

adição, exprime idéia de simultaneidade, ligando duas proposições que expressam ações que

se passam ao mesmo tempo, indicando, assim, fatos simultâneos que se passam no cotidiano.

Poder-se-ia também obter tal idéia de simultaneidade numa construção com gerúndio:

(47a) “Mário chega à escola carregando a mochila.”

O e pode introduzir também uma proposição cuja ação se passa depois da expressa na

proposição antecedente:

(48) “A veterana musa Darlene Glória pede licença a Deus e volta aos cinemas”. (“‘A

sanidade me enlouqueceu’” – O Globo, 07/08/2006, Segundo Caderno, p. 1)

Em (48), a ação de voltar aos cinemas só se dá depois do fato de a atriz ter obtido

permissão de Deus para praticar tal ato.

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Em lugar do e, pode-se usar a locução em seguida para indicar essa idéia de

sucessividade temporal:

(48a) “A veterana musa Darlene Glória pede licença a Deus, em seguida volta aos

cinemas”.

O conectivo e pode unir proposições cuja relação de interdependência semântica

expressa idéia de continuidade ou progressão temporal:

(49) “Lex Luthor numa cena de ‘Superman – O retorno’: o vilão ouvia a ‘Primavera’,

de Vivaldi, e planejava matar bilhões de pessoas”. (“Um ‘hit’ bem popular entre todos

os clássicos” – O Globo, 07/08/2006, Segundo Caderno, p. 2)

Nesse caso, pode-se empregar a marca lingüística enquanto em lugar de e:

(49a) “[...] o vilão ouvia a ‘Primavera’, de Vivaldi, enquanto planejava matar bilhões

de pessoas”.

Trata-se em (49a) de ações simultâneas expressas em duas proposições que se

relacionam exprimindo idéia de tempo que progride continuamente através dos verbos ouvir

e planejar, que, em suas formas finitas de pretérito imperfeito do modo indicativo, apontam

para um aspecto inacabado no tempo.

5.2.2 Conectivos coordenativos discursivos

Os conectivos coordenativos discursivos são os elementos responsáveis por operar

relações pragmáticas entre segmentos do texto (discurso), a partir do momento em que

encadeiam sucessivamente enunciados diferentes, estruturando-os em texto. Em geral,

algumas dessas marcas lingüísticas são capazes de determinar a orientação argumentativa do

enunciado que introduzem por intermédio de seus valores específicos, outras podem ter seus

sentidos alterados por outros elementos lingüísticos e elementos e/ou fatores contextuais

diversos, isto é, de ordem extralingüística. Neste caso, todavia, não perdem os significados

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que lhes são próprios, determinando, em parte, a direção argumentativa em dada situação de

comunicação.

Koch, no artigo “Dificuldades na leitura/produção de textos: os conectores

interfrásticos”, divide os operadores argumentativos em seis tipos, a saber: operadores de

conjunção, operadores de disjunção argumentativa, operadores de contrajunção,

operadores de justificativa ou explicação, operadores de conclusão e operadores de

comparação. No entanto, serão abordados somente os cinco primeiros tipos de operadores

argumentativos, uma vez que correspondem aos conectivos coordenativos categorizados pela

NGB.

5.2.2.1 Operadores de conjunção

A conjunção argumentativa caracteriza-se pela soma de argumentos por meio dos

quais o locutor conduz seu alocutário a determinada conclusão.

A Tradição Gramatical apresenta dois conectivos responsáveis por essa operação

discursiva: as conjunções coordenativas aditivas e e nem (= e não).

O conectivo e constitui a principal marca lingüística que representa uma das

subcategorias da conjunção106: a adição. Tal elemento pode unir dois ou mais atos de fala no

texto/discurso, que podem aparecer num mesmo enunciado ou em enunciados diferentes.

Além disso, conforme geralmente acontece com os operadores argumentativos, pode unir

segmentos textuais maiores, como parágrafos, a partir do momento em que introduz um

argumento que, adicionado a outros, conduz o alocutário a uma dada conclusão:

(50) “É, sem dúvida, o melhor jogador. Cumpre bem a função de meio-campo. E

avança constantemente, atuando como atacante. Além disso, defende quando é

necessário.”

Os três últimos enunciados de (50) apresentam conteúdos que constituem argumentos

a favor da conclusão expressa no primeiro. O e introduz, assim, um dos argumentos da

seqüência.

106 Cf. CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l’expression. Paris: Hachette, 1992. p. 501-502.

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Monnerat, no capítulo “Possibilidades discursivas do ‘e’: um conector coringa”

(MONNERAT, 2004: 185-203), assegura que existe uma “preponderância absoluta do e

sobre os demais relatores”, que é comprovada não só no texto publicitário, mas em outros

tipos; assim como “em textos orais, em que o e se apresenta como marcador discursivo, ou

melhor, ‘marcador aditivo de continuidade seqüencial’”, visto que confere ao texto uma

seqüência progressiva, de modo a levar o leitor ao sentido global de determinada unidade

discursiva, proporcionando, assim, a interpretação.

O conectivo e possui significado de adição, mas, por se tratar de um operador

discursivo de “caráter neutro”, é altamente polissêmico, assumindo valores semânticos

variados no texto (discurso), que lhe são conferidos por outros elementos lingüísticos e

elementos e/ou fatores diversos de ordem extralingüística.

Cunha e Cintra, em sua Nova Gramática do Português Contemporâneo (CUNHA &

CINTRA, 2001: 582-584), chegam a mencionar alguns valores particulares assumidos pelo e.

Oliveira, em “Conectores da Conjunção” (In: SANTOS, 1996: 66-78), toma por base

o estudo de Charaudeau sobre a categoria lógico-semântica da conjunção107 ao analisar os

“efeitos contextuais”, resultantes da combinação de elementos de sentido encontrados nas

palavras do contexto, que levam o e a adquirir “os matizes semânticos de conclusão,

conseqüência, tempo simultâneo [simultaneidade], contraste [oposição], sucessividade (=

tempo posterior), reforço argumentativo [“surenchère”] e restrição (= E adversativo)”.

Dentre as relações apresentadas por Oliveira, cabe abordar, na presente seção de

operadores argumentativos, aquelas de natureza discursiva, e não lógica. Assim, pretende-se

expor o e conclusivo, o de reforço argumentativo (“surenchère” de Charaudeau) e o de

restrição argumentativa (ou de contrajunção) através de exemplos em que sejam percebidas

tais variações semânticas.

Para o autor, o e conclusivo, que é um operador discursivo, já que une enunciados

cujos conteúdos estabelecem entre si relação de natureza argumentativa, “é substituível por

PORTANTO e é possível subentender-se, depois dele, o sintagma preposicional POR ISSO e

equivalentes” (In: SANTOS, 1996: 70-71). A relação de conclusão será tratada mais adiante,

na seção de Operadores de conclusão.

De acordo com Oliveira, o e de reforço argumentativo é aquele que “introduz uma

asserção destinada a acrescentar à anterior um reforço argumentativo em relação à tese para a

qual aquela se orienta” (In: SANTOS, 1996: 73-74):

107 Charaudeau, op. cit., p. 503-504.

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(51) “Ela dirige e bem.”

Assim, o segundo argumento, introduzido pelo conectivo, representa o mais forte para

a defesa da tese em questão: “ela é uma boa motorista”. Nesse caso, o sintagma verbal da

primeira oração,– dirige –, é retomado após o e pelo mecanismo coesivo da elipse.

O e adversativo de Oliveira, ou de restrição, – nomenclatura de Charaudeau, utilizada

pelo autor –, caracteriza-se por estabelecer relação de contra-expectativa entre dois

enunciados, resultantes de atos de fala diferentes, em dada situação comunicativa.

Desse modo, o e adversativo não obedece ao princípio de co-orientação108, visto que

une proposições que levam a conclusões opostas, – as proposições apresentam-se, portanto,

antiorientadas. O uso desse conectivo prototípico da conjunção, em vez de mas, neutraliza

um pouco a adversidade e assume valor eufêmico:

(52) “Depenava frangos e não ganhava nada.”109

Em (52), a asserção, ou proposição, restritiva, introduzida pelo conectivo, nega a

implícita, que seria uma inferência criada pelo alocutário a partir da asserção de base:

“ganhava algo em troca por seu trabalho”. Sendo assim, a segunda asserção, a restritiva, vai

de encontro à expectativa gerada, apresentando uma conclusão não prevista, já que leva a

uma revelação inesperada. Nessa relação de contrajunção, contudo, a idéia de contra-

expectativa apresenta-se atenuada, diferentemente do que aconteceria numa relação de

mesma natureza promovida pelo conectivo coordenativo adversativo mas da NGB, que será

analisado mais adiante em “Operadores de contrajunção”.

5.2.2.2 Operadores de disjunção argumentativa

A disjunção argumentativa, segundo Koch, é a “disjunção de enunciados que têm

orientações discursivas diferentes, resultantes de dois atos de fala distintos” (In:

CLEMENTE, 1992: 90).

108 Um dos três princípios aos quais o emprego de e deve obedecer para que se realize a operação de adição (In:

SANTOS, 1996: 69-70).

109 NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000: 739.

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O elemento normalmente usado nessa operação é o conectivo coordenativo

alternativo ou, da Gramática Tradicional, que introduz o segundo enunciado, o qual,

conforme lembra Monnerat, “procura provocar o leitor/ouvinte para levá- lo a modificar sua

opinião ou, simplesmente, a aceitar a opinião expressa no primeiro, e não da disjunção lógica

entre o conteúdo de duas proposições” (MONNERAT, 2004: 107):

(53) “Você vai ficar aí me olhando? Ou vai me ajudar a preparar o almoço hoje?”

(54) “Pode-se dizer que todo voto é útil. Ou não foi útil o voto dado ao rinoceronte

“Cacareco” há alguns anos atrás?”110

Nos exemplos acima, observam-se, em cada caso, dois enunciados diferentes

encadeados, resultantes de atos de fala distintos. O conectivo ou introduz os enunciados cujos

conteúdos representam uma espécie de “provocação”, a partir do momento em que, em (53),

o locutor apresenta um argumento através do qual tenta fazer com que seu alocutário mude

de opinião e tome uma atitude; e, em (54), apresenta um argumento com a intenção de levar

o sujeito receptor a aceitar a opinião expressa anteriormente, a convencê- lo da veracidade da

tese apresentada por meio do primeiro enunciado.

5.2.2.3 Operadores de contrajunção

A contrajunção, como afirmam Koch e Elias, “estabelece-se não apenas entre

segmentos sucessivos, mas também entre seqüências mais distantes uma da outra, entre

parágrafos ou porções maiores do texto e mesmo entre conteúdos explícitos e implícitos”

(KOCH & ELIAS, 2006: 172):

(55) “Paulo estudou muito. Mas não foi aprovado.”

(56) “Muita gente investe uma boa quantia na decoração e depois não sabe como

manter peças e materiais com aparência de novos. Está certo que, nem sempre, a

manutenção dos produtos é tarefa fácil. Mas cuidados básicos como limpeza, por

110 Exemplo extraído de KOCH (1992: 90).

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exemplo, podem ajudar.” (“Para manter com cara de novo” – O Globo, 19/08/2006, Niterói,

p. 7)

Pode-se observar, a partir dos dois exemplos acima, que, na operação argumentativa

de contrajunção, o conectivo mas reúne enunciados distintos, introduzindo um argumento

mais forte que a conclusão da asserção de base, que permanece implícita. Em ambos os casos

a marca lingüística possui, portanto, valor de contra-expectativa em relação a uma asserção

implícita.

Em sua análise corrigida do mas argumentativo, Ducrot esclarece o funcionamento de

“P mas Q”, – sendo P = asserção de base, e Q = a segunda asserção, cuja conclusão

representa o argumento mais forte da enunciação –, em que o argumento não-R é

considerado “mais forte” do que R:

De fato, a única coisa constante é que o locutor declara negligenciar o primeiro [enunciado] da argumentação que está construindo, para apoiar-se apenas no segundo – a força argumentativa superior atribuída a este não passa de uma justificação desta decisão. (DUCROT111, 1983 apud MAINGUENEAU, 1997: 166)

Assim, nessa nova versão da análise da “força argumentativa”, o mas não promove

diretamente relação entre P e Q, apenas apresenta P como “negligenciável”, conferindo força

maior a Q.

Em (55), o conectivo mas quebra a expectativa gerada pela asserção de base P

(“Paulo estudou muito.”), a partir da qual se infere uma conclusão R, que constitui a asserção

implícita da contrajunção: “Paulo foi aprovado”. Porém, esta última é falsa, pois Q, a

asserção cujo argumento é o mais forte, nega-a, levando a uma conclusão não-R.

No exemplo (56), depois de apresentar um enunciado cujo argumento leva a uma

conclusão R, que é a terceira asserção e está explícita nesse caso (“Está certo que, nem

sempre, a manutenção dos produtos é tarefa fácil.”), o locutor expõe a segunda asserção, que

direciona seu alocutário a uma conclusão não-R, contrariando R.

Além do mas, outros conectivos encontrados na Gramática Tradicional, – as

conjunções coordenativas adversativas –, também podem estabelecer relação de

contrajunção: porém, todavia, contudo, no entanto, entretanto.

111 DUCROT, O. “Opérateurs argumentatifs et visée argumentative”, in Cahiers de linguistique française, n.º 5,

1983.

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Estes últimos elementos, contudo, segundo Bechara, não constituem conectivos, ou

conjunções, mas “unidades adverbiais”, que são assim consideradas devido ao “aspecto de

certa proximidade de equivalência semântica”; representam, portanto, “advérbios que

estabelecem relações inter-oracionais ou intertextuais” (BECHARA, 2004: 322-323). Além

das coordenativas adversativas, seriam advérbios também, de acordo com o gramático, as

explicativas e as conclusivas.

Cunha e Cintra analisam alguns valores de sentido, aos quais se referem como

“valores afetivos”, que o mas pode assumir no texto (discurso), a saber: de restrição, de

retificação, de atenuação ou compensação, de adição, podendo até mesmo ser empregado

para mudar a seqüência de um assunto.

Cabe lembrar ainda os diferentes efeitos causados por enunciações formuladas a

partir de construções adversativas e concessivas.

Numa construção adversativa, utiliza-se o mas para introduzir a principal proposição,

isto é, aquela que corresponde à verdadeira intenção comunicativa do locutor, representando

o argumento mais forte. Desse modo, já que o enunciado introduzido pelo mas é o que

permanece em foco e, normalmente, o subseqüente, há, como afirma Monnerat, “um

encaminhamento argumentativo contrário ao da oração anterior, frustra-se a expectativa do

destinatário.” (MONNERAT, 2004: 105):

(57) “O líder venezuelano não abre mão de ser o quinto maior fornecedor de petróleo

dos EUA, mas faz eco a Fidel em seu antiamericanismo.”

Observa-se em (57) que o foco argumentativo permanece sobre o segundo enunc iado,

introduzido por mas. Cria-se uma expectativa a partir do primeiro argumento: “Hugo Chávez

é aliado dos EUA, mantém-se a favor da política norte-americana” (terceira asserção

implícita). O alocutário é surpreendido pelo segundo argumento, que se encontra no

enunciado subseqüente. Caso que constitui uma estratégia de suspense.

O contrário acontece em construções concessivas, em que se verifica “um efeito de

modalização, já que prepara, com antecedência, o destinatário para uma conclusão contrária

à inicialmente esperada.” (MONNERAT, 2004: 105):

(58) “Embora não abra mão de ser o quinto maior fornecedor de petróleo dos EUA, o

líder venezuelano faz eco a Fidel em seu antiamericanismo.” (“Sem sentido” – O

Globo, 19/08/2006, p. 6)

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Em (58), o foco argumentativo incide sobre o segundo enunciado, pois é neste que se

encontra o argumento que representa o principal conteúdo comunicativo da enunciação.

Pode-se dizer, portanto, que estamos diante de uma estratégia de antecipação, por meio da

qual o locutor concede determinada razão ao presidente da Venezuela para, logo depois,

negá- la.

5.2.2.4 Operadores de justificativa ou explicação

A relação de justificativa ou explicação, bem como a de causa do processo de

subordinação, é estudada pela causalidade stricto sensu. Tal relação não exprime o

envolvimento de uma causa e uma conseqüência entre os conteúdos de duas proposições num

mesmo ato de fala, mas caracteriza-se, como declara Koch, por apresentar “um segundo

enunciado, resultante de um novo ato de fala, que visa a justificar o ato de fala anterior.” (In:

CLEMENTE, 1992: 91):

(59) “Não faça barulho, pois as crianças estão dormindo.”

Assim, em (59), o ato de fala introduzido pelo conectivo pois, correspondente ao

segundo enunciado, justifica o ato de fala antecedente, exercendo a função de explicar o

motivo do pedido de “não fazer barulho”.

A Gramática Tradicional abarca alguns conectivos coordenativos explicativos, como

que, porque, pois, porquanto, por meio dos quais o locutor introduz um ato de justificativa

ou de explicação de um ato de fala anterior.

Esses operadores argumentativos encontram-se no domínio epistêmico, ou seja, do

conhecimento de mundo do alocutário.

Diferentemente do que ocorre no domínio da relação lógica, de causa/conseqüência,

por exemplo, promovida por operadores de tipo lógico, no domínio epistêmico, nota-se um

momento de inferência marcado pela pausa, a partir do momento em que o falante apresenta

um argumento que explica ou justifica um outro. Nesse caso, a sua inferência representa a

conclusão que o faz pensar aquilo que afirma em enunciado anterior:

(60) “Carlos vai casar com Ana, porque a ama.”

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No exemplo acima, um indivíduo deduz que Carlos ama Ana. E o fato de ele amá-la

justifica seu casamento. A pausa é marcada por vírgula e coincide com o momento da

inferência realizada, que, por sua vez, explica o conteúdo do enunciado antecedente. Nesse

caso, o conectivo porque desempenha o papel de operador argumentativo.

Na relação de tipo lógico de causalidade não há pausa, não existindo, portanto,

inferência:

(60a) “Carlos vai casar com Ana porque a ama.”

Em (60a), observa-se uma operação lógica de causa/conseqüência, em que o locutor,

através da primeira proposição do enunciado, apresenta uma conseqüência da causa expressa

na segunda proposição. O porque representa agora um operador lógico.

5.2.2.5 Operadores de conclusão

A relação de conclusão caracteriza-se por apresentar um enunciado, introduzido por

um operador argumentativo, que possui valor conclusivo em relação a dois atos de fala

precedentes, um dos quais, geralmente, permanece implícito, a não ser em silogismos

completos.

São exemplos de conectivos coordenativos conclusivos da NGB: logo, pois, portanto,

por conseguinte, por isso, assim.

Koch explica as relações conclusivas descritas por Guimarães (1985) através de

esquema da seguinte forma:

[...] o discurso do locutor incorpora dois enunciadores Ei e Ej. Ej enuncia B, que constitui argumento em que se sustenta Ei para de A concluir C. Ej pode ser um enunciador genérico (a “vox populi”, o senso comum), um enunciador universal, ou o próprio locutor. No caso dos silogismos lógicos, Ej é sempre um enunciador genérico, razão pela qual o enunciado a ele atribuído (premissa maior) pode vir implícito (raciocínio entimemático). No discurso científico, Ej é um enunciador universal. É a partir do ato de fala B de Ej (explícito ou implícito) que Ei (= locutor) produz o enunciado A que lhe permite concluir C. (In: CLEMENTE, 1992: 92)

Pode-se elucidar essa relação silogística através de exemplo:

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(61) “Pedro é um homem responsável. Logo, é a pessoa indicada para dirigir a

firma.”

Em (61), há dois enunciadores: Ei e Ej. Aquele enuncia o argumento A, que constitui

o conteúdo do primeiro enunciado – “Pedro é um homem responsável.” –; e, este, o

argumento B, que se mantém implícito – “Pessoas responsáveis são indicadas para dirigir

firmas”. Ei, que corresponde ao próprio locutor do texto (discurso), sustenta-se no argumento

B, de Ej, que é o enunciador genérico. Ei basear-se-á no ato de fala de Ej, ou seja, no

argumento B, para produzir seu argumento A, a partir do qual concluirá C – “Logo, é a

pessoa indicada para dirigir a firma.”.

Quando pode ser substituído por outros conectivos que exprimem idéia de conclusão,

– logo, pois, portanto, por conseguinte, por isso, assim, etc. –, diz-se que o e é conclusivo:

(62) “Juninho lembrou que Gana comete muitas faltas e, como é bom batedor (o

melhor do grupo, na avaliação da comissão técnica), espera ser útil para o time.” (“Briga pelas vagas começa a gerar insatisfação entre os jogadores” – O Globo, 25/06/2006,

Esportes, p. 4)

A relação acima estabelecida também é conclusiva, de natureza argumentativa. Desse

modo, em (62), verificamos dois enunciadores: Ei e Ej. O primeiro enuncia o argumento A,

ou o conteúdo do primeiro enunciado – “Juninho lembrou que Gana comete muitas faltas”. O

segundo enuncia o argumento B, que nesse exemplo, está explícito – “como é bom batedor”.

Ei, que corresponde ao próprio locutor do texto (discurso), sustenta-se no argumento B, de Ej,

que, neste caso, também é o locutor. Ei basear-se-á no ato de fala de Ej, ou seja, no

argumento B, para produzir seu argumento A, a partir do qual concluirá C – “espera ser útil

para o time.”.

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6 ANÁLISE DE ALGUNS CONECTIVOS COORDENATIVOS

Nesse momento, pretendemos analisar os principais conectivos coordenativos de

nossa língua em casos selecionados, seguindo um critério em que procuramos investigar

valores semânticos bem distintos manifestados por nosso objeto, a fim de comprovarmos sua

pluralidade semântica. A análise será realizada segundo os seguintes pontos de vista: 1) o da

Tradição Gramatical, 2) o dos lingüistas brasileiros Maria Helena de Moura Neves e

Evanildo Bechara112, e 3) o do lingüista francês Patrick Charaudeau113.

Para cumprir tal tarefa, apresentamos uma divisão desses elementos que segue aquela

proposta pela Tradição Gramatical.

6.1 CONJUNÇÕES ADITIVAS

(63) “O visionário e escritor de ficção científica sir Arthur C. Clarke, que completou

90 anos no domingo, diz que tem três desejos para seu aniversário: que um

extraterrestre venha visitá- lo, que o homem se livre da dependência do petróleo e

que seu país adotivo, Sri Lanka, tenha paz.” (“Aos 90 anos, guru da ficção científica

Arthur Clarke quer ver ET” – O Estado de São Paulo, 17/12/2007, Arte & Lazer / Variedades)

1) Em (63), podemos observar o conectivo e, que para alguns gramáticos dos séculos

XIX e XX, como João Ribeiro, é conhecido como copulativo (cf. capítulo 3) por reunir

membros semanticamente interdependentes num período composto por coordenação. O

primeiro elemento liga dois segmentos menores, dois vocábulos – visionário e escritor. O

112 Para Neves, ver p. 739-785. Para Bechara,ver p. 319-323 da 37.ª ed. refundida da Moderna Gramática

Portuguesa .

113 Para Charaudeau, ver capítulo 12, p. 493-550.

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segundo conectivo, por sua vez, reúne uma oração subordinada, que funciona como aposto

do termo três desejos, às outras duas de mesma função. Lembremo-nos, além disso, do que

os contemporâneos Cunha e Cintra entendem por conjunções coordenativas aditivas: “[...]

servem para ligar simplesmente dois termos ou duas orações de idêntica função.” (CUNHA

& CINTRA, 2001:580). A adição corresponde ao sentido primário, ao significado, que

exprime o conectivo aditivo e.

2) Ainda na análise do exemplo anterior, valendo-nos da visão de Neves, o primeiro e

marca apenas relação de adição entre duas palavras. O segundo conectivo estabelece a

mesma relação, só que entre segmentos maiores: orações subordinadas substantivas

apositivas que se encontram coordenadas entre si. Tanto no primeiro quanto segundo caso de

ocorrência do e não há entre os segmentos relação temporal.

A análise realizada acima, segundo a perspectiva de Neves, equivale à de Bechara,

para quem as duas conjunções aditivas do exemplo supracitado indicam que as unidades

positivas – as palavras visionário e escritor, no primeiro caso, e as orações subordinadas

numa seqüência, no segundo – encontram-se marcadas por uma relação de adição.

3) Podemos verificar, segundo a visão de Charaudeau, que o elemento e –

responsável pela operação de Conjunção e por unir duas asserções em que ao menos um

elemento de uma seja semanticamente idêntico a um dos elementos da outra – estabelece

uma relação de maneira interna às asserções em (63). O primeiro e liga dois segmentos de

maneira interna, isto é, dois elementos são reunidos dentro de uma mesma oração, de tal

modo que um mesmo ser (“sir Arthur C. Clarke”) é colocado como fator comum. Assim, sir

Arthur C. Clarke é qualificado por duas características: visionário e escritor de ficção

científica. O segundo e, como vimos, reúne orações subordinadas numa seqüência

coordenada que funcionam como apostos de um termo anteriormente exposto (“três

desejos”), que constitui o elemento idêntico, o fator comum da operação. Cada uma dessas

orações representa um desejo de sir Arthur C. Clarke. Também neste caso, podemos dizer

que a operação foi realizada de maneira interna entre unidades subordinadas de mesma

função sintática no enunciado.

(64) “Pelo menos duas pessoas morreram e várias ficaram feridas neste sábado em

acidentes de trânsito em várias estradas da região central dos Estados Unidos,

castigada por uma forte tempestade de neve, informaram fontes policiais.”

(“Tempestade de neve castiga EUA e deixa dois mortos” – O Estado de São Paulo, 23/12/2007,

Internacional / EUA e Canadá)

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1) De acordo com a Tradição Gramatical, o conectivo aditivo do exemplo supracitado

também reúne dois elementos, que representam, contudo, segmentos maiores (“Pelo menos

duas pessoas morreram” / “várias ficaram feridas”) do texto – dois enunciados, já que

provenientes de atos de fala distintos. A conjunção e, nesse caso, não manifesta outros

valores semânticos por influência de fatores lingüísticos ou extralingüísticos; apenas marca

relação de adição entre os membros que coordena.

2) Numa perspectiva de Neves, as orações coordenadas pelo conectivo aditivo em

(64) também não apresentam relação temporal. A conjunção apenas indica explicitamente

que o segundo segmento (“várias ficaram feridas”) se acresce ao primeiro (“Pelo menos duas

pessoas morreram”).

Para Bechara, as duas orações envolvidas na construção coordenada do exemplo

acima se unem por uma relação gramatical de adição, sem qualquer sentido suplementar

advindo do contexto.

3) Guiando-nos pela visão charaudeauniana, observamos que, no último exemplo , a

operação de Conjunção se dá de maneira externa, uma vez que o conectivo e une duas

asserções em sua integridade, sem apresentar um fator comum. Temos a reunião de duas

asserções (“Pelo menos duas pessoas morreram” / “várias ficaram feridas”) devido a uma

intenção, por parte do locutor, de aproximá-las e, assim, colocá- las em evidência na

operação. Tal processo constitui a parte comum dessas asserções. Ademais, a aproximação

nesse caso está destinada a estabelecer uma relação de paralelismo entre os conteúdos

informativos dos membros envolvidos.

(65) “Ainda não havia dados oficiais sobre feridos, nem o itinerário do ônibus de

turismo ou da carreta.” (“Ônibus de turismo colide com carreta e deixa 10 mortos na Bahia” –

O Estado de São Paulo, 23/12/2007, Nacional)

1) João Ribeiro, em sua “Grammatica Portugueza” (RIBEIRO, 1900), inclui a

conjunção nem entre as disjuntivas. Provavelmente, o gramático se refira às construções

correlativas, em que o conectivo já aparece no primeiro membro de uma relação de

correlação. Para muitos gramáticos da Tradição Gramatical dos dias de hoje, como Cunha e

Cintra, o elemento nem constitui um exemplo de conjunção coordenativa aditiva,

correspondente a “e não”. Desse modo, o segundo segmento da estrutura (“nem o itinerário

do ônibus de turismo ou da carreta”) é adicionado àquele de valor negativo, correspondente à

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primeira oração do exemplo acima (“Ainda não havia dados oficiais sobre feridos”): “Ainda

não havia dados oficiais sobre feridos, e não havia o itinerário do ônibus de turismo ou da

carreta”.

2) Em (65), o conectivo nem adiciona segmentos coordenados de mesmo estatuto e de

sentidos negativos, de acordo com a perspectiva de Neves. Assim, duas orações de sentidos

negativos foram adicionadas na estrutura coordenada – “Ainda não havia dados oficiais sobre

feridos” e “não havia o itinerário do ônibus de turismo ou da carreta”.

Para Bechara, o conector nem une unidades negativas – “Ainda não havia dados

oficiais sobre feridos” e “não havia o itinerário do ônibus de turismo ou da carreta” –,

marcando-as por uma relação de adição.

3) O operador nem, segundo Charaudeau, também é uma variante de e; em outras

palavras, representa a contraparte negativa de e, e equivale, portanto, a “e não”.

(66) “O atentado à residência do deputado Carlos Romero, do partido governista

Movimento ao Socialismo (MAS) e um dos principais articuladores políticos de

Evo, não deixou feridos. Nem o deputado nem seus familiares se encontravam no

local.” (“Bando faz ataque em Santa Cruz de la Sierra” – O Estado de São Paulo, 24/12/2007,

Internacional)

1) Em (66), verificamos na construção correlativa duas conjunções que introduzem

dois sintagmas de valores negativos, estabelecendo relação de adição. Para alguns gramáticos

como Oiticica e Chaves de Melo, que estudaram a correlação como um processo sintático da

língua, a estrutura com as conjunções nem... nem corresponde, segundo o primeiro, a um caso

de correlação aditiva e, de acordo com o segundo, a uma correlação equiparativa. Em geral,

os gramáticos que seguem a NGB não registram a correlação como processo sintático, apenas

se limitam, como o fazem Cunha e Cintra, a lançarem pequenas observações para o fato de

algumas orações aparecerem correlacionadas com um termo de outra oração.

2) Segundo Neves, a construção do exemplo supracitado – “Nem o deputado nem

seus familiares se encontravam no local” – constitui um caso de correlação aditiva negativa,

devido aos sentidos negativos produzidos pelos dois conectivos.

Para Bechara, a correlação é um tipo de ligação sintática, uma vez que se refere ao

modo como duas unidades se ligam entre si. Assim, numa construção cujas unidades são

introduzidas, cada uma, por uma conjunção coordenativa – as quais mantêm uma relação de

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dependência sintática e de maior dependência semântica que nas construções coordenativas

cujas unidades não são ligadas correlativamente – a coordenação se dá por correlação.

3) Para Charaudeau, o relator nem, variante de e, é empregado em contextos

negativos, numa relação de adição da operação, ou categoria lógico-semântica, de

Conjunção. O lingüista não estuda a correlação em sua Grammaire du Sens et de

L’Expression (1992).

6.2 CONJUNÇÕES ALTERNATIVAS

(67) “Não serão beneficiados pelo desconto imóveis cujos proprietários ou

responsáveis estiverem devendo o IPTU.” (“Cumpridor do Lei Cidade Limpa terá

desconto no IPTU” – O Estado de São Paulo, 27/12/2007, Gera l)

1) Em (67), verificamos uma conjunção que a Tradição Gramatical reconhece como

alternativa – ou disjuntiva, segundo João Ribeiro (RIBEIRO, 1900: 32). Tal elemento reúne a

palavra proprietários a responsáveis numa relação de coordenação. Cunha e Cintra

consideram que esse conectivo tem o papel de ligar dois termos ou orações de sentidos

diferentes, de modo que o cumprimento de um fato exclui a possibilidade do cumprimento do

outro. Referem-se apenas, portanto, ao que conhecemos hoje como disjunção exclusiva (cf.

seção 5.2.1.2), deixando de lado a disjunção inclusiva (cf. seção 5.2.1.2).

Observamos, entretanto, no exemplo acima, uma relação lógica de disjunção

inclusiva entre os dois termos coordenados, uma vez que três interpretações são admitidas

neste caso: os indivíduos em questão podem ser apenas proprietários dos imóveis – se forem

locadores, por exemplo –, ou apenas responsáveis pelos imóveis – tratando-se de locatários –,

ou podem ser, ao mesmo tempo, proprietários e responsáveis.

Além disso, de acordo com Gladstone Chaves de Melo, verificamos em (67) uma

alternância sintática singela, em que o conectivo encabeça somente o segundo membro

coordenado – responsáveis.

2) No exemplo supracitado, o conectivo ou, responsável pela operação de disjunção,

segundo Neves, une duas palavras numa oração, estabelecendo uma relação disjuntiva

inclusiva, como já observamos em análise anterior. Para a autora, esse tipo de disjunção

caracteriza-se pela soma dos elementos envolvidos, não havendo, portanto, exclusão de

nenhum deles.

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Numa perspectiva de Bechara (BECHARA, 2004), o elemento ou é a conjunção

alternativa por excelência. O gramático deixa de lado, diferentemente do que ocorre em sua

gramática mais antiga (BECHARA, 1983), outras palavras que a Tradição Gramatical acolhe

como conjunções alternativas, tais como: ora, ora... ora (advérbios), quer... quer, seja... seja

(formas verbais imobilizadas). Em (67), o conectivo ou exprime a equivalência dos conceitos

envolvidos: o locutor pode estar referindo-se a pessoas que são apenas proprietárias

(locadoras) dos imóveis em questão, ou a pessoas que são apenas responsáveis (locatárias)

pelos imóveis, mas também a indivíduos que sejam, ao mesmo tempo, proprietários e

responsáveis, isto é, que sejam donos e residam nos imóveis.

3) Tendo em vista as considerações de Charaudeau, na operação lógico-semântica de

Disjunção observada em (67), temos dois elementos que se encontram sobre um mesmo axe

semântico (ou asserção genérica pressuposta): proprietários/responsáveis. Logo, entendemos

que o falante está se referindo a locadores e locatários, respectivamente. Trata-se, de acordo

com estudos logicistas, de uma disjunção inclusiva, em que há três interpretações possíveis:

“a primeira asserção é verdadeira e a segunda é falsa”, “a primeira asserção é falsa e a

segunda é verdadeira” ou “a primeira asserção é verdadeira e a segunda é verdadeira”.

Assim, podemos admitir que os indivíduos em questão podem ser proprietários e não

responsáveis, ou não proprietários e responsáveis, ou, ainda, proprietários e responsáveis

pelos imóveis. Lembremo-nos, todavia, de que a terceira interpretação a que fizemos

referência corresponde à operação de Conjunção, segundo Charaudeau, por admitir como

verdadeiras as duas asserções envolvidas. Desse modo, o conectivo ou em (67) exprime

simultaneamente uma relação lógica de conjunção – admitindo como verdadeiros os dois

elementos (ou inclusivo) – e uma relação lógica de disjunção – considerando como

verdadeiro apenas um dos elementos (ou exclusivo).

(68) “Ron Magill, porta-voz do Zoológico Metropolitano de Miami, contou que no

sábado foi feita uma autópsia. Foi descoberta uma pequena quantidade de sangue

no cérebro de Nonja, o que pode indicar um tumor ou um aneurisma como a

provável causa da morte.” (“Morre em Miami o orangotango mais velho do mundo” – O

Estado de São Paulo, 30/12/2007, Vida & / Meio Ambiente)

1) A conjunção alternativa do exemplo acima liga dois termos de sentidos diversos,

visto que tumor e aneurisma constituem casos patológicos diferentes. A possibilidade de um

caso como causa da morte do animal exclui a possibilidade do outro. Em outras palavras, ou

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o orangotango morreu devido a um tumor cerebral ou devido a um aneurisma. Portanto, a

relação nesse caso é de natureza exclusiva.

2) O conectivo ou une também em (68) duas palavras numa oração. Contudo, a

relação que expressa neste caso é disjuntiva exclusiva, segundo Neves. Nesse tipo de

disjunção, verificamos a exclusão de um dos elementos envolvidos, somente um é admitido:

se a causa da morte do orangotango for o tumor, a possibilidade do aneurisma é excluída e

vice-versa.

A conjunção alternativa presente em (68), de acordo com Bechara, enlaça duas

unidades – tumor e aneurisma – e exprime a incompatibilidade desses dois conceitos, já que

eles têm sentidos diversos. Podemos interpretar a operação expressa no exemplo do seguinte

modo: se o orangotango morreu devido a um tumor, então a causa da morte não foi um

aneurisma; caso o animal tenha morrido devido a um aneurisma, a causa da morte não

poderia ter sido um tumor.

3) Em (68), verificamos uma operação de Disjunção em que os dois elementos

envolvidos se encontram sobre um mesmo axe semântico: tumor/aneurisma. Assim,

entendemos que o locutor fala de doenças de naturezas diferentes. Já neste caso, deparamo-

nos com o que estudos logicistas apontam como disjunção exclusiva, sendo admitidas apenas

duas interpretações: “a primeira asserção é verdadeira e a segunda é falsa” – o tumor foi a

causa da morte de Nonja e não o aneurisma – ou “a primeira asserção é falsa e a segunda é

verdadeira” – o tumor não foi a causa da morte de Nonja, e sim o aneurisma. O conectivo ou

do exemplo (66), portanto, corresponde ao que Charaudeau conhece como exclusivo.

(69) “A votação no CNJ foi unânime. Doze conselheiros mandaram suspender o

artigo 228. O conselho decidiu que não faz sentido uma coisa dessas. Ou tem a

cobertura do Instituto de Previdência do Estado ou o juiz, como qualquer outro

funcionário, contrata um plano de saúde complementar. Como todo cidadão

normal, como todo mortal.” (“CNJ suspende benefícios de plano de saúde para juízes” – O

Estado de São Paulo, 28/12/2007, Geral)

1) De acordo com Cunha e Cintra, a conjunção alternativa ou pode aparecer repetida

em dada construção coordenada, conforme constatamos em (69).

Para Bechara (BECHARA, 1983), a conjunção alternativa, quando repetida, como no

exemplo supracitado, estabelece a exclusão de um dos elementos. Assim, se admitimos a

possibilidade do conteúdo da primeira oração, não podemos admitir a do conteúdo da

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segunda e vice-versa. Há, então, uma relação de natureza excludente que une os dois

membros coordenados.

Gladstone Chaves de Melo reconhece esse caso de repetição da conjunção ou como

uma alternância sintática complexa, em que o conectivo também encabeça o primeiro

membro – em (69): “Ou tem a cobertura do Instituto de Previdência do Estado”. Estamos

diante do que o gramático denomina correlação alternativa. Acreditava ser descoberta sua a

natureza de tal processo sintático114.

2) De acordo com Neves, em construções correlativas alternativas, em que os dois

segmentos coordenados são introduzidos pela conjunção ou, como no exemplo anterior, a

relação de disjunção é sempre de natureza exclusiva. Isso quer dizer que a possibilidade de

uma proposição exclui a possibilidade da outra: se o juiz tem a cobertura do Instituto de

Previdência do Estado, não contratará um plano de saúde complementar; se contratar um

plano de saúde complementar, não vai precisar da cobertura do Instituto de Previdência do

Estado.

O conectivo duplicado junto a cada membro em (69) exprime a incompatibilidade dos

conceitos envolvidos, na visão de Bechara. Trata-se de uma relação de exclusão entre as

unidades coordenadas: “a primeira é verdadeira e a segunda é falsa”, “a primeira é falsa e a

segunda é verdadeira”.

3) Charaudeau observou valores como nocional e pontual (unicidade) e temporal e

iterativo (repetição) (cf. seção 5.2.1.2) em casos de disjunção assimétrica, conforme a

verificada em (69). Os valores citados, contudo, não são verificados na operação de disjunção

exclusiva do exemplo em análise.

6.3 CONJUNÇÕES ADVERSATIVAS

(70) “Desde junho, Robinho já vinha dedicando seus gols ao filho que estava para

nascer. Mas o jogador do Real está na Espanha e só vai conhecer o herdeiro após

o clássico com o Barcelona.” (“Nasce Robson Júnior, o primeiro filho de Robinho” – O

Estado de São Paulo, 17/12/2007, Esportes / Futebol)

114 Para Chaves de Melo, a correlação representa um processo sintático que se distingue da coordenação. O

gramático observou que havia relação de interdependência sintática entre os membros correlatos, característica essa distintiva do processo de correlação, em seu entender.

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1) Podemos considerar o mas como a principal conjunção coordenativa adversativa,

segundo a Tradição Gramatical, já que percorre todos os níveis da variedade diastrática da

língua portuguesa, sendo, assim, a mais empregada por falantes de diferentes classes sociais.

Alguns gramáticos, como Sousa da Silveira (SILVEIRA, 1983) e Cunha e Cintra (CUNHA

& CINTRA, 2001), em suas investigações semânticas, observaram alguns valores

manifestados pelo conectivo em corpus literário. Para eles, a conjunção apresenta idéia geral

de contraste e pode assumir outros sentidos a partir do contexto, ou da situação comunicativa,

em que se encontram.

No exemplo acima, o conectivo mas introduz a segunda oração coordenada, que

contraria, de certo modo, uma inferência (ou expectativa) criada pelo alocutário – ou seja, a

terceira asserção implícita da operação argumentativa: “Robinho já teve a oportunidade de

conhecer o filho” –, a partir da primeira oração coordenada (de base). Na verdade, a

conjunção adversativa inicia uma justificativa para o fato de o jogador ainda não ter

conhecido seu filho: “Mas o jogador do Real está na Espanha”. Fato esse que aparece

explícito na oração introduzida pelo conectivo e: “e só vai conhecer o herdeiro após o

clássico com o Barcelona.”. Convém observar ainda que o locutor prevê a inferência do

alocutário, ou a expectativa deste a partir do que é dito na primeira oração coordenada, para

enunciar as duas seguintes, cujos conteúdos vão de encontro à expectativa do ouvinte.

Esse seria o sentido principal, o significado, que a conjunção mas costuma manifestar

em muitas situações comunicativas: o valor de contraste, a partir do momento em que

introduz argumentos que contrariam expectativas.

2) Para Neves, o mas marca relações entre segmentos coordenados que, em grande

parte dos casos, não tomam a mesma direção argumentativa, reunindo, assim, argumentos de

sentidos contrários. Em (70), a conjunção adversativa coordena dois enunciados numa

relação de contraposição – em que não há eliminação do primeiro segmento coordenado.

Neste caso, os conteúdos envolvidos apresentam-se em direções independentes do ponto de

vista argumentativo. Nos membros coordenados subseqüentes ao primeiro, aparecem

argumentos ainda não considerados pelo alocutário: “Mas o jogador está na Espanha” e “e só

vai conhecer o herdeiro após o clássico com o Barcelona”, sendo aquele argumento uma

justificativa (uma causa, segundo Neves) deste.

De acordo com Bechara, as conjunções adversativas apontam uma oposição de

sentido entre as unidades que coordena. O argumento introduzido por mas e o fato que é

justificado (iniciado por e) opõem-se, portanto, ao conteúdo da asserção implícita: “Robinho

já conheceu o filho”.

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3) Segundo Charaudeau, a operação de Restrição promove relação, como a de

Conjunção e a de Disjunção, e diferentemente da de Oposição, entre duas asserções que têm

ao menos um elemento constitutivo em comum.

Em (70), temos um elemento constitutivo comum: “o filho de Robinho vai nascer em

breve”; ou o seguinte: “o filho do jogador já nasceu”. As conseqüências possíve is (asserções

implícitas) que podem ser inferidas a partir da informação obtida na primeira asserção da

estrutura coordenada, na asserção de base, seriam, respectivamente: “assim que o filho

nascer, Robinho vai conhecê- lo”, ou “a criança já nasceu, então, pressupomos que o jogador

já teve a oportunidade de conhecê- la”. Podemos considerar que a oração introduzida pelo

conectivo e – “e só vai conhecer o herdeiro após o clássico com o Barcelona” – constitui,

desse modo, a asserção restritiva, em que observamos a quebra da expectativa gerada pela

implícita.

Ainda de acordo com o lingüista, na operação de Restrição, a asserção implícita é

construída pela asserção restritiva – que se apóia, para tal, num determinado conhecimento

partilhado –, e não pela de base. Logo, afirmamos que as duas asserções implícitas possíveis

– o fato de que o jogador de futebol vai conhecer o filho assim que nascer, ou o fato de que o

jogador já teve a oportunidade de conhecer o herdeiro, partindo do pressuposto de que a

criança já tinha nascido até então – provêm da asserção restritiva – “só vai conhecer o

herdeiro após o clássico com o Barcelona”.

(71) “Em tom mais ameno do que o adotado desde que assumiu, o presidente da

Bolívia, Evo Morales, disse que nunca pensou em expulsar as companhias

brasileiras do país. ‘Nós precisamos de vocês’, afirmou, dirigindo-se a Gabrielli.

‘Mas queremos sócios, não patrões’, repetiu.” (“Petrobras pode investir até US$ 1 bilhão

na Bolívia, diz Lula” – O Estado de São Paulo, 17/12/2007, Economia )

1) Na análise da fala do presidente boliviano Evo Morales, verificamos uma relação

de contraste entre os argumentos dos enunciados em estrutura coordenada: “Nós precisamos

de vocês. Mas queremos sócios, não patrões”. O conectivo mas inicia o segundo membro

coordenado, que contraria, uma expectativa (a terceira asserção implícita) criada pelo

alocutário a partir da oração de base – “já que os bolivianos precisam das companhias

brasileiras no país, estão dispostos a aceitar ordens severas, a serem submissos”. Também

neste caso, observamos que o falante prevê a inferência, a expectativa do ouvinte a partir do

que enuncia no primeiro segmento para lançar o argumento do segundo segmento – “Mas

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queremos sócios, não patrões” –, que é mais forte e contrário àquele da terceira oração

implícita.

2) Numa perspectiva de Neves, o mas, em (71), marca uma relação de contraposição

que se estabelece entre os dois enunciados da construção coordenada. Os conteúdos

envolvidos apresentam-se, nesse caso, em direções opostas do ponto de vista argumentativo.

A conjunção manifesta valor semântico de restrição no exemplo em análise. E isso pode ser

observado a partir do momento em que o conteúdo do segmento introduzido por mas

restringe, por acréscimo de informação, aquilo que é enunciado no primeiro segmento

coordenado: “precisamos de vocês, mas com restrições. Não vamos nos colocar numa

posição subalterna e aceitar todo tipo de ordem. Gostaríamos de estabelecer uma sociedade”.

Mais uma vez verificamos, de acordo com a visão de Bechara, uma relação de

oposição de sentido entre os membros coordenados pela conjunção adversativa mas. Na

verdade, podemos afirmar que a oposição de idéias se dá entre o argumento iniciado por mas

e o conteúdo da terceira asserção implícita, sendo aquele mais forte.

3) Deparamo-nos, em (71), com um elemento constitutivo comum na operação de

Restrição: “os bolivianos precisam das companhias brasileiras em seu país”. A conseqüência

possível (asserção implícita) que é inferida tomando como base a informação obtida na

primeira asserção corresponderia a um pensamento do tipo: “visto que os bolivianos

precisam das companhias brasileiras no país, estão dispostos a aceitar ordens severas, a

serem submissos”. Observamos, todavia, na asserção restritiva, a quebra da expectativa

gerada pela asserção implícita. A segunda asserção (restritiva), portanto, constitui um

argumento mais forte do que aquele inferido pelo alocutário.

Lembremo-nos de que, para Charaudeau, a asserção implícita não é construída pela

asserção de base, e sim pela asserção restritiva, que se apóia, como já afirmamos, num dado

conhecimento partilhado. Assim, só há possibilidade de se construir a asserção implícita – “já

que os bolivianos precisam das companhias brasileiras no país, estão dispostos a aceitar

ordens severas, a serem submissos” – a partir da asserção restritiva – “Mas queremos sócios,

não patrões”. Logo, constatamos que a asserção implícita é construída e negada pela segunda

asserção (restritiva).

(72) “Nos depoimentos formais, os dois detidos negam participação no furto.

Confirmam, porém, ter participado das tentativas anteriores de invasão ao Masp -

em 29 de outubro e 18 de dezembro.” (“Polícia identifica terceiro suspeito de furtar telas

de museu” – O Estado de São Paulo, 10/01/2008, Cidades / São Paulo)

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1) A palavra porém era considerada uma conjunção adversativa por gramáticos

brasileiros desde o século XIX, como João Ribeiro (RIBEIRO, 1900). Para Sousa da Silveira

(SILVEIRA, 1983), o conector apresenta o mesmo significado e cumpre função semelhante à

do mas; contudo, caracteriza-se pelo fato de ter colocação mais flexível dentro de uma frase,

podendo iniciar oração, vir intercalada entre dois membros coordenados ou encerrar um

enunciado.

Constatamos, em (72), que porém retoma o que é enunciado anteriormente – “Nos

depoimentos formais, os dois detidos negam participação no furto”. Além disso, como o

conectivo mas, o conector indica uma idéia de contra-expectativa no segundo enunciado –

“Confirmam, porém, ter participado das tentativas anteriores de invasão ao Masp – em 29 de

outubro e 18 de dezembro” –, já que se encontra em uma asserção que contraria uma

inferência (terceira asserção implícita) – “se negaram participação no furto, certamente vão

negar as tentativas anteriores de invasão ao museu” –, gerada a partir do que é dito na

primeira asserção. Verificamos também, no exemplo em análise, que porém não estabelece

ligação entre duas orações coordenadas num mesmo enunciado (provenientes de um único

ato de fala), conforme os operadores de tipo lógico, mas sim uma ligação de natureza

interfrástica, ou seja, entre enunciados distintos.

De fato, o elemento porém apresenta flexibilidade posicional dentro da frase em que

está inserido. Assim, poderíamos dizer: “Porém, confirmam ter participado das tentativas

anteriores de invasão ao Masp”, “Confirmam ter participado, porém, das tentativas anteriores

de invasão ao Masp”, ou “Confirmam ter participado das tentativas anteriores de invasão ao

Masp, porém”.

2) Neves não analisou o conector porém na seção de sua gramática em que estuda a

coordenação adversativa. Provavelmente pelo fato de considerar como conjunção adversativa

apenas o elemento mas.

Para Bechara, porém acentua idéia de oposição e é uma conjunção adversativa, assim

como mas. O gramático, portanto, não considera porém como sendo um advérbio textual (ou

discursivo), que apresenta flexibilidade posicional numa frase, guardando, assim, uma

relação mais frouxa com o núcleo verbal.

3) De acordo com Charaudeau, palavras como mais, or, pourtant – que

corresponderia ao porém do português –, cependant, nonobstant, par ailleurs, par contre, en

revanche costumam aparecer diante da asserção restritiva, marcando relação de simples

oposição:

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“Certes, il fait son régime sérieusement, cependant il ne maigrit pas.” (CHARAUDEAU, 1992: 517)

O que observamos em (72), como já expusemos mais acima, é uma relação de contra-

expectativa, em que a frase marcada por porém (a asserção restritiva) quebra uma expectativa

do alocutário, ou seja, a terceira asserção implícita, que é construída e negada a partir dessa

segunda asserção restritiva.

(73) “É claro que há coisas boas no PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação).

A intenção de articular as ações do governo federal com os municípios é

interessante e correta. Todavia, do modo como isso vem sendo feito, há mais

erros do que acertos até nas particularidades boas do plano.” (“O MEC não pára de

errar” – O Estado de São Paulo, 31/12/2007, Opinião)

(74) “Ainda de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado, após a morte cerebral,

confirmada no início desta tarde, Deonice morreu de parada cardíaca às 16 horas.

Até as 17h25, a TAM ainda não havia sido informada sobre o falecimento da

funcionária. Contudo, a empresa deve divulgar nota oficial até o início desta

noite.” (“Morre funcionária da TAM que caiu de um Airbus A340” – O Estado de São Paulo,

09/01/2008, Cidades / São Paulo)

(75) “Para a segunda fase o vestibulando deverá providenciar lápis, borracha, caneta,

água e alimentos. Está proibido, entretanto, o uso de qualquer tipo de

equipamento de telecomunicação, como bip, pager, celular, calculadora e

computador.” (“Fuvest recomenda que candidatos visitem local de prova” – O Estado de São

Paulo, 04/01/2008, Vida & / Educação)

(76) “No Porto de Santos não houve aumento na vacinação. Foram feitas cerca de 300

aplicações por dia na última semana. O acesso ao posto, no entanto, é restrito à

comunidade portuária. (“Febre amarela: cresce procura por vacina em aeroportos” – O

Estado de São Paulo, 12/01/2008, Geral)

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1) Observamos nos quatro exemplos supracitados, elementos que cumprem o papel de

conectores lingüísticos e apresentam, como o termo porém, flexibilidade posicional nas

frases em que se encontram. Referimo-nos às palavras todavia, contudo, entretanto, no

entanto.

Há registros dessas unidades como conjunções adversativas em grande parte das

gramáticas brasileiras desde o século XIX – conforme comprovamos na “Grammatica

Portugueza”, de João Ribeiro (RIBEIRO, 1900: 32). Cunha e Cintra também observaram que

tais conectores e porém têm colocação flexível dentro da frase. Mesmo assim vêem esses

elementos como conjunções coordenativas.

2) Neves não analisa os conectores todavia, entretanto, contudo e no entanto em sua

Gramática de Usos do Português (NEVES, 2000).

Segundo Bechara, esses conectores constituem exemplos de advérbios, e não de

conjunções adversativas, que compõem o sistema lingüístico, uma vez que não conectam

unidades coordenadas num dado texto (discurso). Para o autor, a Tradição Gramatical os

inclui entre as conjunções coordenativas porque se aproximam semanticamente destes

elementos. Mas representam advérbios, sobretudo pelo fato de guardarem certa relação com

o núcleo verbal e poderem vir em qualquer posição dentro de uma oração. Assim, todavia,

entretanto, contudo e no entanto são advérbios textuais ou discursivos, já que estabelecem

relações inter-oracionais e intertextuais. É interessante lembrar que a origem dessas supostas

conjunções é a de advérbios latinos.

3) Em (73), (74), (75) e (76), observamos casos de operação Restritiva, de acordo

com Charaudeau.

A idéia de contra-expectativa aparece nos quatro exemplos acima. Os conectores

lingüísticos, em cada caso, retomam algo que é dito previamente no plano textual e se

encontram em enunciados cujos conteúdos contrariam inferências geradas a partir dos

conteúdos de enunciados antecedentes. Em (73), todavia está inserido numa frase que

contraria a terceira implícita – “visto que é afirmado que há coisas boas no PDE e que a

intenção de articular as ações do governo federal com os municípios é apresentada como um

fato favorável, provavelmente esse plano e suas particularidades consideradas boas devem ter

mais acertos do que erros”. Essa implicatura é obtida, sob forma de elemento subentendido, a

partir da tese – “É claro que há coisas boas no PDE (Plano de Desenvolvimento da

Educação)” – e do argumento usado a seu favor – “A intenção de articular as ações do

governo federal com os municípios é interessante e correta”. Vemos que tal inferência é

construída e negada pelo último enunciado, aquele iniciado pelo conector (a asserção

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restritiva). Ademais, a frase “do modo como isso vem sendo feito” representa uma causa para

o fato de haver mais erros do que acertos no plano e em suas particularidades boas, referindo-

se o elemento anafórico a uma das “particularidades boas do plano”, que corresponde à

segunda frase: “A intenção de articular as ações do governo federal com os municípios é

interessante e correta”.

Em (74), o conector contudo inicia a oração que quebra uma expectativa (terceira

oração implícita) – “já que a TAM não havia sido informada sobre o falecimento da

funcionária até o final da tarde, certamente não iria divulgar nota oficial sobre a ocorrência

até o início da noite do mesmo dia” – a partir da oração de base – “Até as 17h25, a TAM

ainda não havia sido informada sobre o falecimento da func ionária”. A oração implícita é

construída e negada pela asserção que indica contra-expectativa (restritiva) – “Contudo, a

empresa deve divulgar nota oficial até o início desta noite” –, que representa o argumento

mais forte, o que prevalece.

Verificamos mais uma vez, em (75), relação de contra-expectativa entre dois

argumentos explícitos e um implícito. O conector entretanto, além de retomar a frase anterior

no plano textual, está inserido numa oração que contraria a terceira implícita – “se é

permitido que o vestibulando faça a prova com lápis, borracha, caneta, água e alimentos,

então ele poderá usar equipamentos de telecomunicação durante a prova”. Tal inferência,

gerada a partir da primeira oração (de base) do exemplo, é construída e negada pela oração

que aponta contra-expectativa – “Está proibido, entretanto, o uso de qualquer tipo de

equipamento de telecomunicação, como bip, pager, celular, calculadora e computador” –, que

é a mais forte do ponto de vista argumentativo.

Também em (76) o conector está inserido numa oração que apresenta idéia de contra-

expectativa, que vai de encontro a uma oração implícita – “já que foram feitas por volta de

300 aplicações de vacina por dia em uma semana no Porto de Santos, provavelmente o

acesso ao posto não deve ser restrito à comunidade local” –, criada a partir da oração de base

– “Foram feitas cerca de 300 aplicações por dia na última semana”. Lembremo-nos sempre

de que essa inferência do alocutário é construída e negada pela frase que indica contra-

expectativa (a asserção restritiva, segundo Charaudeau).

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6.4 CONJUNÇÕES EXPLICATIVAS

(77) “O técnico do Barcelona, o holandês Frank Rijkaard, afirmou neste domingo que

decidiu poupar Ronaldinho Gaúcho no jogo contra o Valencia, pois há jogos nos

quais é necessário optar por vários jogadores.” (“Rijkaard: Ronaldinho ficou no banco

por excesso de opções” – O Estado de São Paulo, 16/12/2007, Esportes / Futebol)

1) O elemento pois é uma das conjunções coordenativas explicativas da Gramática

Tradicional. Não há registro, porém, de conjunções dessa natureza na “Grammatica

Portugueza”, de João Ribeiro (RIBEIRO, 1900).

De acordo com Cunha e Cintra, o conectivo explicativo pois inicia uma oração que

justifica o conteúdo da anterior.

Para Bechara (BECHARA, 1983), as conjunções explicativas seriam causais

coordenativas, devido à dificuldade de distinção entre elas e as causais subordinativas. Ora, o

gramático na época parece não ter atentado para o fato de que a conjunção coordenativa

explicativa, como operador discursivo (que se encontra no domínio epistêmico), estabelece

relações de natureza argumentativa, em que surgem inferências realizadas por indivíduos

que, para isso, se valem do conhecimento que têm do mundo. Conhecimento este que é

próprio do sujeito falante. Por outro lado, a conjunção subordinativa causal é um operador de

tipo lógico, e encontra-se no domínio da relação lógica. Assim, esse operador aparece em

relações de natureza lógica de causa/conseqüência, de causa/efeito (quase que uma relação

lógica de ação/reação da Física), em que entra em jogo um conhecimento de mundo que é

partilhado entre os indivíduos falantes de todas as comunidades lingüísticas; isto é, uma

espécie de conhecimento universal, compartilhado.

Podemos observar, em (77), que entre o primeiro membro da coordenação (ou o

primeiro ato de fala) – “O técnico do Barcelona, o holandês Frank Rijkaard, afirmou neste

domingo que decidiu poupar Ronaldinho Gaúcho no jogo contra o Valencia” – e o segundo

membro (o segundo enunciado, ou ato de fala) – “pois há jogos nos quais é necessário optar

por vários jogadores” – existe uma pausa marcada pela vírgula. Assim, notamos um

momento de inferência marcado pela pausa, a partir do momento em que o falante apresenta

o segundo argumento que explica ou justifica o primeiro. O segundo argumento, portanto,

justifica a decisão do técnico do Barcelona em poupar Ronaldinho Gaúcho no jogo contra o

Valencia.

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2) Neves não analisa em sua gramática os conectivos explicativos da Tradição

Gramatical, já que rompe com o quadro tradicional das conjunções coordenativas,

considerando apenas as aditivas, as alternativas e as adversativas.

Igualmente, Bechara, em sua nova Moderna Gramática Portuguesa (BECHARA,

2004), entende por conjunções coordenativas os três tipos mencionados – salvo as

adversativas contudo, todavia, entretanto, no entanto e as alternativas já, bem, ora (repetidas

ou não), quer... quer, seja... seja da NGB, conforme já vimos. Tais palavras seriam unidades

adverbiais, com exceção de quer... quer e seja... seja, que constituem formas verbais

imobilizadas. Os elementos que para a Tradição Gramatical são exemplos de conjunções

explicativas – pois, porque, porquanto, etc. – e de conjunções conclusivas – pois [posposto],

logo, portanto, então, assim, por conseguinte, etc. – também são advérbios, de acordo com o

gramático.

3) Segundo Charaudeau, a explicação é a categoria da operação de Causalidade que

apresenta alcance particularizante. Das quatro subcategorias da relação de explicação –

explicação condicional, explicação causal, explicação conseqüencial e explicação final –, a

verificada em (77) corresponde à explicação causal. Nessa relação marcada pelo conectivo

pois, partindo da existência da asserção A2 (o primeiro segmento coordenado, que apresenta

valor de conseqüência), chegamos à sua origem, à asserção A1 (o segundo segmento

coordenado, cuja idéia é de causa). O elemento explicativo pois introduz, portanto, uma

“asserção causal” – “pois há jogos nos quais é necessário optar por vários jogadores” – que

justifica a “asserção conseqüencial” – “O técnico do Barcelona, o holandês Frank Rijkaard,

afirmou neste domingo que decidiu poupar Ronaldinho Gaúcho no jogo contra o Valencia”.

(78) “‘Precisamos de mais médicos, porque não podemos lidar com uma emergência

desta magnitude’, disse o administrador hospitalar Joe Momanyi. ” (“Protestos matam

pelo menos 13 no Quênia” – O Estado de São Paulo, 18/01/2008, Internacional)

1) A conjunção porque é explicativa quando aparece logo após uma vírgula no texto.

Fato este registrado por grande parte das gramáticas tradicionais de língua portuguesa. Esse

elemento, como operador argumentativo (ou seja, quando conectivo coordenativo

explicativo), encontra-se numa relação de domínio epistêmico (cf. seção 5.2.2.4), em que se

verifica um momento de inferência marcado pela pausa (representada por meio de vírgula na

escrita), a partir do momento em que o locutor-escritor apresenta um argumento que explica

ou justifica um outro. Em (78), o segundo membro da construção coordenada, introduzido

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pelo conectivo – “porque não podemos lidar com uma emergência desta magnitude” –, é o

argumento que justifica o ato de fala anterior (o correspondente ao primeiro membro

coordenado) – “Precisamos de mais médicos”.

2) Neves e Bechara não analisaram o conector porque, já que não consideram o

elemento como exemplo de conjunção, mas sim de advérbio, rompendo com o quadro

tradicional das conjunções coordenativas.

3) Das quatro subcategorias da relação de explicação observadas por Charaudeau, a

que verificamos em (78) também corresponde à explicação causal. Partindo da existência da

asserção A2 (primeiro segmento coordenado, que tem valor de conseqüência), chegamos à

sua origem, à asserção A1 (segundo segmento coordenado, que apresenta idéia de causa). O

conectivo explicativo porque introduz a “asserção causal” – “porque não podemos lidar com

uma emergência desta magnitude” – que justifica a “asserção conseqüencial” – “Precisamos

de mais médicos”.

6.5 CONJUNÇÕES CONCLUSIVAS

(79) “Muitos americanos nunca provaram nenhuma cerveja brasileira, logo eles não

têm uma imagem do que seja a cerveja brasileira.” (“Criatividade é pré-requisito para

sucesso da cultura cervejeira” – O Estado de São Paulo, 16/01/2008, Suplementos / Paladar)

1) A palavra logo é uma das conjunções coordenativas conclusivas registradas pela

Tradição Gramatical. Cunha e Cintra observaram que o conectivo, assim como os também

conclusivos portanto e por conseguinte, varia de posição, de acordo com o ritmo, a entoação

e a harmonia da oração. Apresentam flexibilidade posicional na frase.

Bechara, em versão mais antiga de sua Moderna Gramática Portuguesa (BECHARA,

1983), acolhe a categoria das conjunções conclusivas. Assim, para o gramático, essas

unidades ligam orações coordenadas, dentre as quais uma encerra idéia de conclusão.

Analisando o exemplo acima de acordo com a perspectiva da Tradição Gramatical,

verificamos que o conectivo conclusivo, além de ligar dois membros coordenados – “Muitos

americanos nunca provaram nenhuma cerveja brasileira” e “eles não têm uma imagem do

que seja a cerveja brasileira” –, introduz o segundo enunciado, que constitui a conclusão a

que chega o falante a partir do que é proferido no primeiro.

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Em verdade, o que constatamos em (79) é uma relação silogística em que o operador

argumentativo logo inicia um enunciado cujo conteúdo representa uma conclusão em relação

a dois atos de fala precedentes, um dos quais permanece implícito. Nessa relação conclusiva,

dois enunciadores foram incorporados no discurso do locutor, sendo que um enuncia o

argumento correspondente ao conteúdo do primeiro enunciado – “Muitos americanos nunca

provaram nenhuma cerveja brasileira” –, enquanto que o outro enunciador é responsável pelo

argumento que se mantém implícito – “Quem nunca provou uma determinada bebida não

pode ter sua imagem para descrevê- la”. O primeiro enunciador corresponde ao próprio

locutor do texto (discurso), e sustenta-se no argumento implícito, do segundo enunciador (do

enunciador genérico). Afirmamos, então, que o primeiro enunciador baseia-se no ato de fala

do segundo enunciador, ou no argumento que permanece implícito, para produzir o seu, a

partir do qual concluirá um terceiro argumento – “logo eles não têm uma imagem do que seja

a cerveja brasileira”.

2) Conforme afirmamos anteriormente (cf. seção 6.4), Neves e Bechara não

analisaram o conector logo, que para os autores não é um exemplo de conjunção, mas sim de

advérbio.

3) Para Charaudeau, a relação de conclusão corresponde a uma das subcategorias da

explicação, sendo estudada também na operação de Causalidade. Referimo-nos à

subcategoria da explicação conseqüencial. Em (79), observamos tal relação através de um

movimento de pensamento, que é oposto ao da explicação causal: parte-se da existência da

asserção A1 (o primeiro membro coordenado, que tem valor de causa) para chegar à

existência da asserção A2 (o segundo membro coordenado, que apresenta idéia de

conseqüência). O elemento conclusivo logo introduz a “asserção conseqüencial” – “logo eles

não têm uma imagem do que seja a cerveja brasileira”. Notemos que nessa outra subcategoria

de explicação a asserção que constitui o primeiro segmento coordenado – “Muitos

americanos nunca provaram nenhuma cerveja brasileira” – é aquela que justifica ou explica a

segunda asserção, ou seja, o fato de os americanos não terem uma imagem do que seja a

cerveja brasileira. Desse modo, por meio desse movimento, contrário ao da explicação

causal, constatamos uma relação que conhecemos tradicionalmente como sendo de

explicação ou justificativa, só que invertida.

Ainda de acordo com o autor, a explicação conseqüencial é estabelecida a partir de

uma relação de implicação implícita (de um argumento que se mantém implícito), de

natureza generalizante: “se não provamos uma determinada bebida, então não podemos ter

uma imagem do que ela é para descrevê-la”.

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(80) “Embora se torne cada vez mais fácil de usar, como a maioria dos softwares, o

CAD evolui com rapidez impressionante. Exige, portanto, atualização

permanente do conhecimento do usuário.” (“Como seria a vida sem ferramentas digitais?”

– O Estado de São Paulo, 27/01/2008, Estadão de Hoje / Economia & Negócios)

1) Outra palavra que é considerada uma conjunção coordenativa conclusiva pela

NGB é o item portanto. No exemplo acima, baseando-nos numa visão tradicional de

conjunções coordenativas conclusivas, diríamos que o conectivo reúne dois segmentos

coordenados, ou seja, os dois enunciados da estrutura coordenada – “Embora se torne cada

vez mais fácil de usar, como a maioria dos softwares, o CAD evolui com rapidez

impressionante” e “Exige, portanto, atualização permanente do conhecimento do usuário” –,

e se insere na frase que apresenta valor conclusivo.

Podemos notar, contudo, que esse elemento coesivo, assim como tantos outros que

não são considerados por Bechara (BECHARA, 2004) como conjunções coordenativas, mas

sim como advérbios, estabelece relação de sentido no plano do texto (discurso) (cf. seção

6.4). A palavra portanto é um termo anafórico e marca uma idéia de conclusão. Mais uma

vez observamos aqui uma relação silogística em que o operador portanto se encontra num

enunciado cujo conteúdo representa uma conclusão em relação a dois atos de fala

precedentes, um dos quais permanece implícito. O primeiro enunciador incorporado no

discurso do locutor declara o argumento referente ao conteúdo do primeiro ato de fala –

“Embora se torne cada vez mais fácil de usar, como a maioria dos softwares, o CAD evolui

com rapidez impressionante”. O segundo enunciador é responsável pelo argumento que

permanece implícito – “tudo o que evolui muito rapidamente requer atualização constante do

conhecimento do usuário”. O primeiro enunciador, que é o próprio locutor, sustenta-se no

argumento implícito do segundo enunciador (do enunciador genérico). Com isso, afirmamos

que o primeiro enunciador baseia-se no ato de fala do segundo enunciador, isto é, no

argumento que se mantém implícito, para produzir o seu, a partir do qual concluirá um

terceiro argumento – “Exige, portanto, atualização permanente do conhecimento do usuário”.

2) Como vimos na seção 6.4, Neves e Bechara não analisaram o conector portanto,

que para os autores não é um exemplo de conjunção, mas sim de advérbio. A flexibilidade

posicional dessa palavra é uma das provas de que representa uma unidade adverbial.

3) Em (80), a relação de explicação conseqüencial pode ser verificada por meio do

movimento de pensamento, que parte da existência da asserção A1 (ou seja, do primeiro

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segmento da estrutura coordenada, cujo valor é de causa) para chegar à existência da

asserção A2 (correspondente ao segundo segmento coordenado, que apresenta idéia de

conseqüência). O item portanto encontra-se na “asserção conseqüencial” – “Exige, portanto,

atualização permanente do conhecimento do usuário”. A asserção que constitui o primeiro

membro coordenado – “o CAD evolui com rapidez impressionante” – justifica ou explica a

segunda asserção, isto é, o fato de o CAD exigir atualização permanente do conhecimento do

usuário. Também neste caso, por meio desse movimento contrário ao da explicação causal,

deparamo-nos com o inverso de uma relação que conhecemos tradicionalmente como sendo

de explicação ou justificativa.

Ademais, a explicação conseqüencial, segundo Charaudeau, é instituída a partir de

uma relação de implicação implícita (isto é, de um argumento que permanece implícito): “se

algo evolui com grande rapidez, então exigirá atualização permanente do conhecimento do

usuário”.

(81) “Vivendo em plena difusão do ensino secundário, quando o conhecimento das

artes começava a permear as classes não intelectualizadas, Mallarmé professava

que a poesia era um ato de sacrifício, de entrega absoluta em busca do

inexprimível e que a função do poeta era integrar-se no Nada. Tal arte seria, pois,

destinada aos membros eleitos da ‘tribo’, não podendo ser compreendida pela

mediocridade dominante.” (“Mallarmé, a eternidade em si mesmo ” – O Estado de São

Paulo, 20/01/2008, Estadão de Hoje / Caderno2)

1) Segundo Cunha e Cintra (CUNHA & CINTRA, 2001), o pois, quando conjunção

conclusiva, aparece posposto a um termo da oração a que pertence, diferentemente das outras

conjunções de mesma natureza semântica. Bechara (BECHARA, 1983) também constatou

que o pois conclusivo pode ocupar posição no meio ou no fim da oração.

Observamos, em (81), que o operador pois não serve somente para ligar orações em

relação de conclusão. Esse elemento, considerado como advérbio por Bechara (BECHARA,

2004), também estabelece relação de sentido no plano textual. O item pois é anafórico e

marca uma idéia de conclusão. Nesse exemplo, verificamos mais uma relação silogística em

que o pois está inserido num enunciado cujo conteúdo representa uma conclusão inferida a

partir de dois atos de fala precedentes. O primeiro enunciador incorporado no discurso do

locutor profere o argumento correspondente ao conteúdo do primeiro ato de fala – “Vivendo

em plena difusão do ensino secundário, quando o conhecimento das artes começava a

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permear as classes não intelectualizadas, Mallarmé professava que a poesia era um ato de

sacrifício, de entrega absoluta em busca do inexprimível e que a função do poeta era integrar-

se no Nada”. O segundo enunciador é responsável por um argumento implícito – “Formas de

arte muito abstratas, que buscam o inexprimível, são destinadas apenas aos próprios artistas e

àqueles que estão integrados nesse meio, não pertencentes às classes mais baixas da

sociedade, que não são intelectualizadas”. O primeiro enunciador, isto é, o próprio locutor,

sustenta-se no argumento implícito do segundo enunciador (do enunciador genérico). Assim,

o primeiro enunciador baseia-se no ato de fala do segundo enunciador, ou seja, no argumento

implícito, para produzir o seu, a partir do qual concluirá um terceiro argumento – “Tal arte

seria, pois, destinada aos membros eleitos da ‘tribo’, não podendo ser compreend ida pela

mediocridade dominante”.

2) A palavra pois representa um advérbio de acordo com Bechara, devido à

flexibilidade posicional que apresenta, servindo para marcar relações textuais, e não para

ligar unidades. Neves igualmente não trata do elemento coesivo.

3) A relação de explicação conseqüencial no exemplo (81) é observada por meio do

movimento de pensamento, que parte da existência da asserção A1 (do primeiro ato de fala da

estrutura coordenada, cujo valor é de causa) para chegar à existência da asserção A2 (ao

segundo ato de fala, que apresenta idéia de conseqüência). Encontra-se o elemento pois na

“asserção conseqüencial” – “Tal arte seria, pois, destinada aos membros eleitos da ‘tribo’,

não podendo ser compreend ida pela mediocridade dominante”. A primeira asserção (A1) –

“Vivendo em plena difusão do ensino secundário, quando o conhecimento das artes

começava a permear as classes não intelectualizadas, Mallarmé professava que a poesia era

um ato de sacrifício, de entrega absoluta em busca do inexprimível e que a função do poeta

era integrar-se no Nada” – apresenta-se como uma justificativa ou explicação da segunda, ou

seja, o fato de a arte não poder ser compreendida pela mediocridade dominante. Deparamo-

nos, desse modo, com o inverso de uma relação de explicação ou justificativa tradicional.

A implicação implícita responsável por essa relação de explicação conseqüencial

seria: “se a poesia para Mallarmé era um ato de sacrifício, de entrega absoluta em busca do

inexprimível, sendo a função do poeta integrar-se no Nada, então essa arte não poderia ser

compreendida pela mediocridade dominante”.

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7 CONCLUSÃO

O estudo da sintaxe não pode ficar limitado em si mesmo. Para alcançar o objetivo de

levar o aluno a ter um bom desempenho lingüístico – o que abrange duas atividades

fundamentais: compreender e redigir textos –, o professor deve estar ciente de que a sintaxe

não se justifica por ela mesma. Caso contrário, o sistema de aprendizagem não passará do

conhecido método de “decoreba” de elementos e seus sentidos fixos e convencionados pela

Tradição Gramatical.

Para formar indivíduos competentes em sua língua, inserindo-os efetivamente na

sociedade em que vivem, os professores de língua portuguesa devem adotar um método de

ensino em que a sintaxe esteja aliada à semântica. Ora, somente apreendendo os sentidos

presentes em textos e discursos de diversas naturezas é que o falante estará apto a se

comunicar com os outros e isso lhe permitirá que crie textos coerentes.

Num único produto de comunicação, isto é, num mesmo texto (discurso), pode-se

gerar uma grande variedade de sentidos que possibilitem as mais diversas interpretações, que,

por sua vez, sempre dependem de elementos e/ou fatores, explícitos ou implícitos, de ordem

lingüística e extralingüística para serem realizadas.

O conhecimento de elementos lingüísticos, como os conectivos, é de fundamental

relevância para que nossos alunos possam exercer as duas atividades essenciais do falante

competente em seu idioma – a leitura e a produção de textos – e, assim, serem integrados no

meio social. Mais do que simples termos que servem apenas para ligar diferentes segmentos,

os conectivos coordenativos estabelecem variadas relações de sentido entre as unidades e

também entre seus conteúdos, isto é, os argumentos veiculados por elas em textos

(discursos). Essas palavras podem tanto determinar a orientação argumentativa não só de

partes, mas de todo o texto, levando a seu sentido global, quanto passar a produzir novos

sentidos por influência de elementos e/ou fatores lingüísticos e extralingüísticos. Mesmo

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neste último caso, as conjunções coordenativas determinam, embora que em parte, a natureza

da relação entre os segmentos, visto que não perdem seu sentido primordial, seu significado.

Esses elementos pertencem a um dos tipos de mecanismos de coesão gramatical da língua: a

coesão interfrástica, e representam um dos fatores pragmáticos responsáveis pela

textualidade, conferindo seqüência e permitindo, desse modo, que o texto possa ser

considerado com um todo, ou melhor, como uma unidade de sentido.

Além disso, a escolha dos conectivos coordenativos está diretamente ligada à intenção

comunicativa do locutor. Desse modo, o uso de determinado elemento coesivo em lugar de

outro é capaz de alterar o sentido de uma dada relação entre segmentos ou de uma orientação

argumentativa. Suas escolhas estarão sempre condicionadas aos significados que possuem

dentro do sistema lingüístico; o que quer dizer que a partir de seus significados, os conectivos

assumirão valores pertencentes a um mesmo campo semântico no universo textual. Outros

podem produzir valores distintos de seus significados, – que é o caso de conectivos

polissêmicos como o e. Mesmo estes, porém, continuarão a manifestar, de forma menos

significativa, seus sentidos objetivos. Obviamente, toda essa capacidade de expressão de

valores semânticos dos conectivos, – sobretudo dos coordenativos, uma vez que geralmente

unem segmentos sintaticamente mais independentes, podendo estabelecer, assim, relações de

sentido mais livres entre si –, vai depender também de fatores extralingüísticos, como

“conhecimento de mundo” dos sujeitos envolvidos na interação, intencionalidade do locutor,

aceitabilidade do alocutário, situacionalidade, contexto.

Os operadores lógicos – que apenas elucidam relações de tipo lógico bem definidas

entre unidades textuais – e, sobretudo, os operadores argumentativos (ou discursivos) – que

determinam a orientação argumentativa de segmentos que introduzem e podem passar a

manifestar valores semânticos diversificados por influência do contexto, da situação

comunicativa – são palavras que funcionam como pistas que viabilizam o acesso ao sentido

global do texto (discurso). São palavras, portanto, que orientam o alocutário durante o

processo interpretativo, de modo que o sentido do texto como um todo seja captado, bem

como os inúmeros efeitos semânticos que podem ser produzidos por cada um desses

elementos coesivos.

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