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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015 Yanis Varoufakis: Confissões de um Marxista Errante, nas Sombras de uma Revoltante Crise Europeia 10/12/2013, [*] Yanis Varoufakis Blog de Yanis Varoufakis Confessions of an Erratic Marxist in the Midst ou a Repugnant European Crisis Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu Recomendação da Vila Vudu: Para acompanhar esse artigo de 2013, interessante ler, de 21/2/2015, Varoufakis prefere a tese do copo meio cheio , de O Diário, de Portugal. Yanis Varoufakis Em maio de 2013, fui convidado para falar sobre esse assunto ao 6º Festival Subversivo em Zagreb, Croácia (●). Só agora consegui escrever e ampliar em várias direções significativas, o que disse naquela conferência. [1] RESUMO: A Europa está passando por sobressalto que difere substancialmente de uma recessão capitalista “normal”, do tipo que se ultrapassa com arrocho salarial que ajuda a restaurar a lucratividade. Esse deslizar secular, de longo prazo, em direção a uma depressão assimétrica e à desintegração monetária põe os

CONFISSÕES DE UM MARXISTA ERRANTE.doc

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tera-feira, 24 de fevereiro de 2015

Yanis Varoufakis: Confisses de um Marxista Errante, nas Sombras de uma Revoltante Crise Europeia

10/12/2013,[*] Yanis VaroufakisBlog de Yanis VaroufakisConfessions of an Erratic Marxist in the Midst ou a Repugnant European CrisisTraduzido pelo pessoal daVila VuduRecomendao da Vila Vudu:Para acompanhar esse artigo de 2013, interessante ler, de 21/2/2015,Varoufakis prefere a tese do copo meio cheio, deO Dirio, de Portugal.

Yanis Varoufakis

Em maio de 2013, fui convidado para falar sobre esse assunto ao 6 Festival Subversivo em Zagreb, Crocia (). S agora consegui escrever e ampliar em vrias direes significativas, o que disse naquela conferncia.[1]RESUMO:A Europa est passando por sobressalto que difere substancialmente de uma recesso capitalista normal,do tipo que se ultrapassa com arrocho salarial que ajuda a restaurar a lucratividade.Esse deslizar secular, de longo prazo, em direo a uma depresso assimtrica e desintegrao monetria pe os radicais num dilema terrvel: devemos usar essa crise capitalista nica no sculo como oportunidade para trabalhar a favor do desmonte da Unio Europeia, dado o entusiasmo com que a UE abraa as polticas e o crdito neoliberais? Ou devemos aceitar que a Esquerda no est preparada para mudana radical e fazer campanha, ento, na direo de estabilizar-se o capitalismo europeu?Nesse artigo, argumento que, por menos tentadora que essa segunda possibilidade soe aos ouvidos do pensador radical, dever histrico da Esquerda, nessa especfica conjuntura, estabilizar o capitalismo; para salvar o capitalismo europeu, dele mesmo e das engrenagens insanas da crise inevitvel da Eurozona.Baseado em experincias pessoais e em sua prpria trajetria intelectual, o autor explica por que Marx tem de permanecer no centro de nossa anlise do capitalismo, mas que, simultaneamente, temos de nos manter errticos [errantes, como nmades], em nosso marxismo.O artigo elabora tambm sobre por que uma anlise marxista do capitalismo europeu e da atual condio da Esquerda nos obriga a trabalhar na direo de uma coalizo ampla, inclusive com a direita, coalizo cujo objetivo tem de ser a soluo da crise na Eurozona e a estabilizao da Unio Europeia.O artigo sugere, em resumo, que os radicais devem, no contexto da calamidade em curso na Europa, trabalhar para reduzir o custo humano, reforando as instituies pblicas europeias e, assim, ganhar tempo e espao para desenvolver alternativa genuinamente humanista.Palavras-chave:Crise na Eurozona; criticismo imanente; dialtica; marxismo1. Introduo: Uma confisso radicalO capitalismo teve seu segundo espasmo global em 2008, gerando uma reao em cadeia que empurrou a Europa para uma espiral descendente que hoje ameaa os europeus com um sorvedouro de depresso quase permanente, cinismo, desintegrao e dio contra a humanidade.

Merkel e Syriza

Nos trs ltimos anos, tenho falado a pblicos excepcionalmente diversificados sobre os padecimentos na Europa. A milhares de manifestantes contra polticas de arrocho [austeridade] na Praa Sintagma em Atenas; a executivos doFederal Reserve Bankem New York, a Deputados Verdes no Parlamento Europeu, a analistas da rede Bloomberg em Londres eNew York, a alunos de escola em subrbios muito pobres na Grcia e nos EUA, na Cmara dos Comuns em Londres, para militantes da coligao Syriza em Tessalnica, em reunies de administradores dehedge fundsemManhattane naCityde Londres, a lista to ampla quanto a distncia que separa os lderes europeus de qualquer humanismo; e a razo sempre a mesma. Por diverso que sejam os pblicos, a mensagem sempre consistente: a atual crise europeia no ameaa s contra os trabalhadores, contra os despossudos, ou os banqueiros, ou grupos particulares, ou classes sociais, nem, sequer s contra naes. No. A atual postura da Europa ameaa toda a civilizao como a conhecemos.Se meu prognstico correto, e a crise europeia no s mais um solavanco cclico a ser rapidamente superado com novo aumento nos lucros, depois do inevitvel arrocho salarial, a questo que se impe para os radicais a seguinte: Devemos dar boas vindas a esse desmoronamento generalizado do capitalismo europeu, como oportunidade para substituir o capitalismo por sistema melhor? Ou devemos nos preocupar com o quadro que se tem e partir para uma campanha para estabilizar o capitalismo europeu?Minha resposta tem sido sempre a mesma ao longo dos trs ltimos anos, e a natureza dessa resposta j transparece na lista de pblicos diversos que tenho procurado influenciar. A crise da Europa, como a vejo, no vem grvida de alternativas progressistas, mas s de foras radicalmente atrasistas, regressivas, que tm capacidade para provocar renovados banhos de sangue humanitrios, ao mesmo tempo em que vo matando qualquer esperana de qualquer movimento progressista para as futuras geraes.Por essas minhas ideias tenho sido acusado, por vozes radicais bem-intencionadas, de ser derrotista; uma espcie demencheviqueultrapassado, que labute incansavelmente a favor de esquemas cujo propsito seria salvar o indefensvel sistema socioeconmico europeu. Um sistema que encarna tudo contra o qu os radicais tm de se manifestar e lutar: uma Unio Europeia transnacional antidemocrtica, irreversivelmente neoliberal, altamente irracional, que tem praticamente zero capacidade para evoluir na direo de alguma comunidade genuinamente humanista, dentro da qual as naes europeias possam respirar, viver e desenvolver-se. Essa crtica, confesso, machuca. E machuca porque contm mais que um mnimo gro de verdade.Sim, partilho a ideia de que essa Unio Europeia no passa de um cartel fundamentalmente antidemocrtico e irracional, que meteu os povos europeus numa trilha de misantropia, conflito e recesso permanente. E partilho tambm a crtica de que tenho trabalhado a favor de uma agenda fundada no pressuposto de que a Esquerda foi e continua retumbantemente derrotada. Assim, sim, nesse sentido, sinto-me obrigado a reconhecer que gostaria muito de estar fazendo campanha bem diferente; preferiria estar promovendo uma agenda radical cujaraison d treseja substituir o capitalismo europeu por outro sistema, diferente, mais racional em vez de trabalhar tanto para meramente estabilizar o capitalismo europeu, exatamente o contrrio de minha definio de Boa Sociedade.Nesse ponto, talvez caiba uma confisso de ordem superior, uma metaconfisso, e confessar que... todas as confisses tendem autoindulgncia, quem confessa sempre confessa pecado menor. Verdade que todas as confisses tendem sempre ao que John von Neumann disse de Robert Oppenheimer, quando soube que seu antigo diretor no Projeto Manhattan convertera-se em militante antinuclear e confessara sua culpa por ter contribudo para a carnificina em Hiroshima e Nagasaki. Von Neumann disse, custico, que Oppenheimer:Confessou o pecado, para abocanhar a glria.Felizmente no sou Oppenheimer e, assim, no preciso ser to duro na confisso dos meus pecados como ferramenta de autopromoo, mas, sim, como uma janela pela qual se possa examinar a viso que tenho desse repugnante, profundamente irracional, eivado de crises, capitalismo europeu; cuja imploso, apesar de todos os males que causa, tem de ser evitada a qualquer custo. Minha confisso confisso s para tentar convencer os radicais de que temos misso contraditria:temos de deter a queda livre do capitalismo europeu, para conseguir o tempo de que precisamos para formular a alternativa.2. Por que marxista?Quando escolhi o tema de minha tese de doutoramento em 1982, optei, de caso pensado, por um tema altamente matemtico para o qual o pensamento de Marx no era determinante. Quando, depois, optei pela carreira acadmica, como professor de importantes departamentos de Economia, o contra implcito entre eu e as universidades que me empregavam sempre foi que eu ensinaria aquele tipo de teoria econmica que no deixava espao para Marx. No final doa anos 1980s, sem que eu soubesse fui contratado para o Departamento de Economia da Universidade de Sydney para manter fora da universidade um candidato de esquerda. Depois, quando voltei Grcia em 2000, apostei minhas fichas em George Papandreou, na esperana de impedir que voltasse ao poder uma direita dedicada a empurrar a Grcia para uma posio de xenofobia (domesticamente, com ataque aos trabalhadores migrantes; e como poltica externa).

George Papandreou

Como todo o mundo j sabe hoje, o partido do Sr. Papandreou no apenas no conseguiu derrotar a xenofobia, mas, no final, comandou um governo das mais virulentas polticas macroeconmicas neoliberais que implantou na Eurozona os chamados resgates, causando assim o retorno dos nazistas s ruas de Atenas. Mesmo depois que renunciei ao cargo de conselheiro do Sr. Papandreou no incio de 2006, e converti-me no mais empenhado crtico de seu governo, quando administrou mal a imploso grega ps-2009, minhas intervenes no debate pblico sobre a Grcia e a Europa (por exemplo, aModest Proposal for Resolving the Euro Crisis,de que sou coautor e a favor da qual tenho trabalhado) no inclui nenhum mnimo trao de marxismo.Considerando essa longa trajetria pela academia e o debate pblico europeu, algum poderia estranhar ver-me sair agora do, como se diz, armrio, como marxista. Pronunciamentos desse tipo no so parte da minha natureza. Gostaria de poder evitar definies hetero (quero dizer, algum se definir pela viso de mundo e mtodo de outros). Marxista, hegeliano, keynesiano, humano, tenho tendncia natural a dizer que no sou nada disso; que consumi meus dias tentando tornar-me a abelha de Francis Bacon: uma criatura que prova o nctar de um milho de flores e converte a coisa, nas prprias entranhas, em algo novo, que deve muito a todas as floraes, mas no se define por nenhuma nica flor. Na verdade, no seria falso nem, para comear, seria perfeita confisso.Na verdade, Karl Marx foi responsvel pela formatao de minha perspectiva do mundo em que vivemos, da minha infncia at hoje.No coisa de que eu goste muito de falar em sociedade atualmente, porque a simples meno ao mundo-M (Marx), afasta muitos pblicos. Mas, tampouco, jamais neguei coisa alguma. Na verdade, depois de uns poucos anos falando a pblicos com os quais no tenho qualquer comunidade ideolgica, surgiu recentemente em mim uma necessidade de falar sinceramente sobre a marca marxista que h em todo o meu pensamento. Para explicar por que, como marxista que no tem do que se desculpar, acho importante resistir apaixonadamente contra Marx numa srie de diferentes modos. o que chamo ser errante no prprio marxismo.Se toda a minha carreira acadmica em larga medida ignorou Marx, e minhas atuais recomendaes polticas so impossveis de apresentar como marxistas, por que falar, e logo agora, do meu marxismo? A resposta simples: at a minha economia no marxista foi guiada por uma mentalidade pesadamente influenciada por Marx. Sempre entendi que tericos radicais tm dois diferentes modos pelos quais podem desafiar a economia mainstream. Um deles mediante acrtica imanente. Aceitar os axiomas domainstreame na sequncia expor suas contradies internas. Dizer: No posso contestar seus pressupostos, mas no h meio lgico pelo qual se possam extrair, dos seus pressupostos, as suas concluses. Esse foi o mtodo pelo qual Marx desconstruiu a economia poltica dos britnicos. Ele aceitou os axiomas postos por Adam Smith e David Ricardo, para demonstrar que,no contexto dos pressupostos deles mesmos, o capitalismo sistema contraditrio.A segunda via pela qual um terico radical pode atuar , claro, construir teorias alternativas s doestablishment, na esperana de que venham a ser levadas a srio e que o que os economistas marxistas do final do sculo XX tm feito.Meu pensamento sobre esse dilema sempre foi que os poderes possveis jamais se deixam perturbar por teorias que partem de pressupostos diferentes dos deles. Nenhum economista estabelecido sequer dar ateno, hoje em dia, a modelos marxistas ou neo-ricardianos. A nica coisa que pode desestabilizar e genuinamente desafiar economistas mainstream neoclssicos a demonstrao da inconsistncia interna dos prprios modelos deles. Por essa razo, desde o comeo, escolhi mergulhar nas entranhas da teoria neoclssica, em vez de consumir quase toda a minha energia no esforo para desenvolver modelos alternativos, marxistas, de capitalismo. Minhas razes, concordo, foram muito... marxistas.[2]Sempre que convocado a comentar sobre o mundo em que vivemos, como oposto ideologia dominante no que tenha a ver com os trabalhos do nosso mundo, no tinha escapatria, e tinha de voltar tradio marxista que modelou meu pensamento desde quando meu pai operrio metalrgico imprimia em mim o efeito da mudana e da inovao tecnolgica sobre o processo histrico. Como, por exemplo, a passagem da Idade do Bronze para a Idade do Ferro acelerou a histria; como a descoberta do ao acelerou o tempo histrico vezes dez; e como as tecnologiasIT(Information Tecnology) esto hoje acelerando as descontinuidades socioeconmicas e histricas.Esse triunfo constante da razo humana sobre a natureza e os meios tecnolgicos, que tambm serve periodicamente para expor o atraso de nossos arranjos e relaes sociais, insightinsubstituvel que devo a Marx. A sua perspectiva histrico-materialista foi reforada do modo mais interessante e inesperado. Qualquer pessoa que tenha assistido ao episdio intituladoBlink of an eye [Piscar de um olho, vdeo no fim do pargrafo]deStart Trek Voyager, reconhecer ali uma maravilhosa verso, em 45 minutos, de materialismo histrico em ao; a apaixonante narrativa de um processo pelo qual o desenvolvimento de meios de produo engendra avanos tecnolgicos que constantemente minam o poder da superstio e criam saltos histricos os quais, no linearmente, abrem as portas para novos estgios da civilizao.Meu primeiro encontro com textos de Marx aconteceram cedo, resultado dos tempos estranhos durante os quais cresci, com a Grcia saindo do pesadelo da ditadura neofascista de 1967-74. O que chamou minha ateno foi o dom insupervel de Marx, a capacidade para escrever como o roteiro dramtico da histria humana, de fato da danao humana, entretecido com a possibilidade muito real de salvao e autntica espiritualidade. Ler linhas como...As relaes burguesas de produo e de troca, o regime burgus de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de produo e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que j no pode controlar as potncias internas que ps em movimento com suas palavras mgicas (Manifesto do Partido Comunista,1848),... foi como encontrar, de um lado o Dr. Fausto e o Dr. Frankenstein, e, de outro, Adam Smith e David Ricardo, criando uma narrativa povoada de personagens (operrios, capitalistas, funcionrios, cientistas) que eram asdramatis personaeda histria, agentes que lutaram para conjurar a razo e a cincia no contexto de empoderar a humanidade, ao mesmo tempo em que, a contrapelo das intenes deles, iam libertando foras demonacas que usurparam e subverteram a prpria liberdade e a prpria humanidade.Essa perspectiva dialtica, onde tudo grvido do prprio oposto, e o olho aplicado com que Marx conseguiu discernir o potencial para mudana nas estruturas sociais aparentemente as mais constantes e imutveis, ajudaram a captar as principais contradies da era capitalista. Dissolveram o paradoxo de uma era que gerara a mais notvel riqueza e, no mesmo flego, a mais horrenda misria.Hoje, voltando crise europeia, a crise da compreenso nos EUA, a estagnao de longo prazo do capitalismo japons, muitos comentaristas ainda no conseguem ver o processo dialtico ali, debaixo do nariz deles. Veem a montanha de dvidas e perdas bancrias, mas no veem o verso dessa mesma moeda, a anttese: a montanha de poupana ociosa congelada pelo medo e que, assim, no convertida em investimentos produtivos. Fossem marxistamente antenados, teriam olhos mais abertos...Uma importante razo por que a opinio estabelecida no consegue jamais se dar conta da realidade contempornea que nunca compreendeu a dialeticamente tensa produo conjunta de dvidas e supervits, de crescimento e desemprego, de riqueza e pobreza, de espiritualidade e depravao, na verdade de bem e mal, de novos aberturas de prazer e novas formas de escravido, de liberdade e subjugao, dessa mistura de oposies binrias para a qual nos alertou a escritura dramtica de Marx como fontes da astcia da histria.Desde meus primeiros passos de pensamento como economista, at hoje, sempre me ocorreu e ocorre que Marx fez uma descoberta que tem de permanecer como o corao de qualquer anlise til do capitalismo. Foi, claro, a descoberta de outra oposio binria profundamente interna ao labor humano. Entre as duas diferentes naturezas do labor humano:(I)o trabalho como criador de valor(sopro de fogo),atividadeque no pode ser especificada ou quantificada antecipadamente(e que, portanto, no pode ser convertida em mercadoria), e(II)o trabalho como quantidade(e.g. nmero de horas trabalhadas)que existe venda e tem preo.A est o que distingue o trabalho, de outrosinputsprodutivos, como a eletricidade: essa natureza bifronte, gmea, contraditria. Uma diferenciao-com-contradio que a economia poltica no percebera antes de Marx, e que, at hoje, a economiamainstreamrecusa-se obstinadamente a ver.Tanto a eletricidade quanto o labor humano podem ser pensados como mercadorias. Na verdade, empregadores e empregados lutam, ambos, para fazer do trabalho, mercadoria. Os empregadores usam toda sua astcia, e a dos seus servos especialistas em administrar Recursos Humanos (RH), para quantificar, medir e homogeneizar o trabalho. Ao mesmo tempo, os potenciais empregados vivem em frentica atividade para tambm converter em mercadoria a prpria fora de trabalho, e escrevem e reescrevem os currculos, para se autoexibir como portadores de unidades quantificveis de trabalho. E a est o buslis! Porque, mesmo que trabalhadores e empregadores tenham conseguido converter o trabalho totalmente em mercadoria, ainda assim o capitalismo perecer. A est uminsightsem o qual jamais algum compreender completamente a tendncia do capitalismo para gerar crises, tambminsightao qual ningum ter jamais acesso, sem alguma exposio ao pensamento de Marx.3.Science-fictionque vira documentrioNo filme clssico de 1953The Invasion of the Body Snatchers[Vampiros de Almas], a fora aliengena no nos ataca cara a cara, como, digamos, emGuerra dos Mundos, do livro de H.G. Wells. Em vez disso, os humanos so tomados por dentro, at que nada reste do esprito e das emoes humanas. S restam os corpos, como a concha onde antes houve livre arbtrio, e funciona como simulacro libertado da inquantificvel estranheza da natureza humana. Esse processo equivalente transformao que tem de acontecer para converter o labor humano numinputno diferente de sementes ou eletricidade, de fato, em robs. Em termos modernos, o que teria ocorrido se o trabalho humano se tornasse perfeitamente redutvel a capital humano e assim pudesse ser, afinal, inserido nos modelos dos economistas vulgares.

Guerra dos Mundos (H.G. Wells)

Se se analisam, cada uma e todas as teorias econmicas no marxistas que tratam como intercambiveis osinputsprodutivos humanos e no humanos e como quantidades qualitativamente equivalentes assumem que a desumanizao do labor humano completa. Masse pudesse algum dia ser completa, o resultado seria o fim do capitalismo como sistema capaz de criar e distribuir valor. Para comear, uma sociedade de simulacros desumanizados, de autnomos, seria semelhante a um relgio mecnico cheia de molas e engrenagens, cada um para sua nica e exclusiva funo, e todos juntos s produziriam um bem: ganhar tempo. Mas, se nessa sociedade s existissem outros e outros autnomos, ganhar tempo no seria um bem. Com certeza haveria umoutput, mas por que seria um bem? Sem humanos reais capazes de se servir da funo do relgio, no haver nem bem nem mal. Uma sociedade de autmatos seria, como o relgio mecnico ou algum circuito integrado, cheia de partes funcionantes, demonstrandofuno, mas nada que se pudesse descrever, com alguma utilidade, como bom ou mau; afinal, como valor.Assim, recapitulando, se o capital algum dia conseguir quantificar integralmente o trabalho e, na sequncia converter o trabalho integralmente em mercadoria, como o capital est sempre empenhado em tentar fazer, ele acabar com essa recalcitrante, indeterminada liberdade humana que opera dentro do trabalho e que o que leva gerao de valor. O brilhante insightde Marx, que deixa ver a essncia das crises capitalistas foi precisamente esse: quanto mais bem sucedido o capitalismo na operao de converter o trabalho em mercadoria, menos vale cada unidade deoutputgerado, menores os lucros e, afinal, mais prxima a amarga recesso de toda a economia como sistema. O que Marx fez de nico, e s ele fez, foiretratar a liberdade humana como categoria econmica o que tornou possvel outra interpretao dramaticamente diferente e analiticamente muito astuta, da propenso que tem o capitalismo para arrancar recesso, at mesmo depresso, das mandbulas do crescimento.Quando Marx estava escrevendo que o trabalho o fogo vivo, o fogo que d forma; a transitoriedade das coisas; a temporalidade das coisas; estava fazendo a maior contribuio que qualquer economista jamais fez para a nossa compreenso da aguda contradio enterrada fundo no DNA do capitalismo. Quando retratou o capital como[uma]fora qual temos de nos submeter(...) [o capital]desenvolve uma energia cosmopolita, universal, que rompe qualquer limite e qualquer cadeia e se impe como nica poltica, nica universalidade, nico limite e nica cadeia,[3]Marx estava iluminando a realidade de que o trabalho pode ser comprado por capital lquido (i., dinheiro), em sua forma mercadoria, mas sempre carregar com ele um desejo hostil ao capitalista comprador. Mas Marx no estava fazendo apenas uma declarao psicolgica, filosfica ou poltica. Estava, isso sim, oferecendo anlise notvel de que, porque o momento trabalho (como atividade no quantificvel) dissemina essa hostilidade, ele torna-se estril, incapaz de produzir valor.A anlise de Marx garante poderoso antdoto, para tempos em que os neoliberais j enrolaram a maioria em seus tentculos tericos, regurgitando sem parar a ideologia de aumentar a produtividade do trabalho num esforo para aumentar a competitividade, para criar 'crescimento' etc. O capital jamais vencer nessa luta para converter o trabalho num inputinfinitamente elstico, mecanizado... sem se autodestruir. Isso o que nem os neoliberais nem os keynesianos jamais entendero!Se toda a classe do trabalho assalariado tiver de ser aniquilada pela mquina escreveu Marx que terrvel ser isso para o capital, o qual, sem o trabalho assalariado, deixa de ser capital![4]Quanto mais o capital se aproxima de sua vitria final sobre o trabalho, mais nossa sociedade se parece com outro filme descience fiction, mais um que, sim, Marx tambm prenunciou:The Matrix.O que h de especial emThe Matrix que, ali, nossa rebelio das mquinas no foi simples caso de criador-cdio. Diferente do Coisa que Frankenstein criou, que ataca irracionalmente seres humanos, arrastado por sua abissal angstia essencial, e das mquinas da srieThe Terminatorque s querem exterminar todos os seres humanos para consolidar sua dominao futura sobre o planeta, emThe Matrixo emergente imprio das mquinas cuida atentamente depreservara vida humana para seus prprios objetivos. Apesar de termos inventado a escravido de humanos e apesar do nosso insupervel recorde no campo de infligir horrores indizveis aos nossos irmos, nem assim seramos capazes de imaginar o papel que as mquinas nos atribuiriam emThe Matrix: atados em equipamentos que nos imobilizaram para economizar energia, as mquinas nos foram a comer nutrientes nauseabundos, para garantir o mximo de gerao de calor.

Srie Terminator (4 filmes)

Mas as mquinas rapidamente descobrem que seres humanos no duram muito depois que o esprito deles quebrado e perdem total e completamente a liberdade. Nossa estranha necessidade de liberdade passava, assim, a ameaar a eficcia das usinas movidas a humanos. Ento, as mquinas nos premiaram com o que Marx chamaria de uma falsa conscincia. Passam a nos fornecer fora no s nutrientes, mas tambm iluses que nosso esprito introduz em nossa mente. Engenhosamente, conectam eletrodos em nossos crnios, mediante os quais fornecem diretamente ao crebro uma vidavirtual, mas muitssimorealista, vida com a qual, que, como humanos, conseguimos lidar. Enquanto nossos corpos continuam brutalmente ligados aos geradores de energia, alimentando-os com eletricidade produzida com o calor corporal, o programa de computadores chamadoThe Matrixenche-nos a cabea com vida imaginria, ilusria, mas mesmo assim real, normal. Assim os nossos corpos, esquecidos da realidade, vivem durante dcadas, com grande serventia como mquinas encarregadas de gerar energia para sustentar aquele novo mundo. Assim se demonstra que humanos indiferentes e desconectados da vida real so fator crucial de produo na Economia deMatrix.As mquinas alcanaram o poder de mandar no trabalho humano e seus produtos,[5]foi como Marx descreveu a ascenso das mquinas como combinao de antiga tragdia grega e tragdia shakespeariana que evolui num pano de fundo de uma revoluo industrial na qual as mquinas pertenciam a poucos e os muitos as operavam. O ponto de Marx era que, no universo do capital, j somos transumanos.Matrixno futurologia. Vem sendo parte de nossa realidade j h bastante tempo! um excepcionaldocumentrio de nossa eraou, para ser mais preciso, da tendncia de nossa era para extrair do trabalho humano todas aquelas caracterstica que o impedem de ser totalmente flexvel, perfeitamente quantificado, infinitamente divisvel. Quanto a Marx, seu papel foi nos garantir a possibilidade da plula vermelha;[6]uma chance de olhar cara a cara, sem o vu das iluses edulcorantes da ideologia burguesa, a feia realidade de um sistema que produz crises e privao como normalidade, por projeto; com certeza no por acaso.Leiam qualquer manual de gerncia, qualquer artigo em qualquer peridico de economia da educao, qualquer artigo sado da Unio Europeia sobre treinamento, escolas, programas para aumentar a produtividade, a competitividade, etc.. O que se reconhece ali imediatamente que j estamos vivendo na nossa verso deThe Matrix. Os esforos inexorveis do capital para quantificar e usurpar o trabalho j infectaram todos esses documentos que esto fazendo operar uma sociedade em que todos aspiram a ser autmatos. Uma ideologia cuja extenso programtica transformar o trabalho humano numa verso da energia trmica que permite que mquinas funcionem para fabricar outras mquinas, as quais, tragicamente, no tm capacidade para gerar... valor.Nesse sentido,nossaMatrix s pode ser provisria, porque, quanto mais se aproxima da verso cinematogrfica aprimorada, mais provvel se torna a prxima e monumental crise, com valores econmicos j caindo abaixo do nvel da rua, uma Grande Recesso que chega, e at a ascenso das mquinas revertida, quando o investimento nelas torna-se negativo. Dessa perspectiva marxiana, voltando ao filme mais uma vez, o bando de humanos libertados nas entranhas da sociedade-mquina (que lideram a ressurreio humana contra as mquinas) simboliza a resistncia humana contra tornar-se capital humano; a inerente, irredutvel hostilidade contra a quantificao, que permanece ativa dentro de coraes e mentes at dos que consomem todas as prprias energias tentando fazer-se converter em mercadoria a servio de seus empregadores. A deliciosa ironia a que a prpria hostilidade que o capital tenta erradicar do trabalho o que faz o trabalho capaz de produzir valor e permite que o capital possa ser acumulado.4. O que Marx fez por ns?Paul Samuelson tentou certa vez denegrir Marx, chamando-o de ricardiano menor. Quase todas as escolas de pensamento, inclusive alguns economistas progressistas, gostam de repetir que, embora Marx tenha sido figura poderosa, s bem pouco de sua contribuio perduraria at hoje, se que alguma coisa perdura. Peo licena para discordar. parte ter capturado o drama bsico da dinmica capitalista (vide sesso 3.acima ), Marx deu-me as ferramentas com as quais me tornar imune propaganda txica dos inimigos neoliberais da liberdade genuna e da racionalidade. Por exemplo, a ideia de que a riqueza seria produzida privadamente e depois apropriada mediante os impostos por algum estado quase-ilegtimo qual se pode sucumbir facilmente, se no se foi exposto, antes, ao argumento espantosamente acurado de Marx, que ensina que o que acontece exatamente o contrrio disso: a riqueza produzidacoletivamentee depois apropriada privadamente mediante relaes sociais de produo e direitos de propriedade que repousam, para serem reproduzidos, quase exclusivamente sobre a falsa conscincia. Assim tambm com o conceito de autonomia, que ressoa tanto nesse nosso mundo ps-moderno. Tambm produzida coletivamente, mediante a dialtica do mtuo reconhecimento, e depois apropriada privadamente. Se Marx tivesse sido levado a srio (e, pode-se dizer, tantos pelos marxistas como pelos detratores do marxismo e de Marx), muito do ar engarrafado que se acumulou ao longo dos anos nos anais dos estudos culturais teria sido evitado.Phil Mirowski destacou recentemente,[7]muito eloquentemente, o sucesso dos neoliberais ao convencerem muita gente de que os mercados no so s meios teis, mas tambm um inalienvel fim neles mesmos. De que, enquanto a ao coletiva e as instituies pblicas nuncafazem a coisa certa, as operaes irretocveis de interesses privados gerariam uma espcie de secular-mas-tambm-divina providncia que com certeza s leva a resultados certos, alm de a desejos, carter e, at, a tica certos.O melhor exemplo da imbecilidade neoliberal , claro, o debate sobre a mudana climtica e o que fazer. Os neoliberais correram a argumentar que, se alguma coisa teria de ser feita, seria inventar um quase-mercado para o ruim (ou seja,o sistema de negociar as emisses [que a ecologia moda Al Gore & Marina Silva, a insuportvel, to cara aos verdes e ecolgicos udenistas no Brasil-2015(NTs)]), porque s os mercados sabe(ria)m precificar apropriadamente bens bons e ruins. Para compreender por que essa soluo de quase-mercado est condenada ao fracasso e, mais importante, de onde vem a motivao para esse tipo de solues, basta informar-se sobre a lgica da acumulao do capital que Marx esboou e Michal Kalecki adaptou a mundo governado por oligoplios conectados em rede.

Marina Silva

No sculo XX, os dois movimentos que buscaram razes no pensamento de Marx foram os partidos Comunista e Social-Democrata. Os dois, alm de outros erros (e, de fato, de crimes) fracassaram tambm porque no conseguiram seguir os ensinamentos de Marx num ponto crucial: em vez de abraar a liberdade e a racionalidade como conceitos organizativos e palavras-de-ordem, aqueles partidos optaram por s falar de igualdade e justia e deixaram aos neoliberais, como se fosse palavra de ordemdeles, a liberdade. Marx foi claro e preciso. O problema com o capitalismo no que seja injusto, mas que irracional condena habitualmente geraes inteiras privao e ao desemprego e at converteu os capitalistas em autmatos angustiados que, eles tambm, so escravizados por mquinas que eles supunham que lhes pertencessem, vivendo sob medo permanente de que, a menos que consigam converter todos os seres humanos em mercadoria para servirem a uma acumulao mais eficiente de capital, os prprios capitalistas deixaro de ser... capitalistas.Assim, se o capitalismo parece injusto, porque escraviza todos modaMatrix, trabalhadores e capitalistas; desperdia recursos naturais e humanos; faz surgir infelicidade, servido e crises das mesmas linhas de produo que produzem engenhocas notveis e riqueza inaudita. Depois de fracassar no esforo para construir uma crtica do capitalismo em termos de liberdade e racionalidade como Marx ensina que essencial a social-democracia e a Esquerda em geral permitiram que os neoliberais usurpassem a bandeira da liberdade e alcanassem triunfo espetacular na disputa pelas faculdades e ideologias.[8]Ainda sobre o triunfo dos neoliberais, talvez a dimenso mais significativa desse triunfo seja o que veio a ser conhecido como dficit democrtico[de fato, preciso dizer dficit de democracia; evidentemente esse dficit no democrtico; antidemocrtico, des-democrtico, qualquer coisa,excetodemocrtico. Mas o adjetivo metido a marteladas no sintagma , tambm, parte do mesmo golpe ideolgico (NTs)].Rios de lgrimas de crocodilo correram por conta do declnio de nossas grandes democracias ao longo das trs ltimas dcadas de financeirizao e de globalizao. Marx teria gargalhado por conta dos que tanto parecem surpreendidos, ou incomodados, pelo tal dficit democrtico. Qual foi o grande objetivo por trs do liberalismo do sculo XIX? Foi, como Marx nunca se cansou de repetir, separar a esfera econmica e a esfera poltica, e confinar a poltica numa esfera s poltica, para deixar toda a esfera econmica entregue ao capital. O que vemos hoje o esplndido sucesso dos liberais, que alcanaram, afinal, esse objetivo to longamente buscado. Tome-se por exemplo a frica do Sul, mais de duas dcadas depois que Nelson Mandela deixou a priso, e a esfera poltica afinal passou a envolver toda a populao. A tragdia do Congresso Nacional Africano foi que, para ser autorizado a dominar a esfera poltica, teve de aceitar ser castrado na esfera econmica. E se algum ainda no se convenceu, sugiro que converse com as dzias de mineiros recebidos bala por pistoleiros contratados pelos patres, quando se atreveram a pedir aumento de salrio.5. Por que errante? Os dois erros imperdoveis de MarxTendo explicado porque devo em larga medida a Marx qualquer compreenso aproveitvel que eu tenha de nosso mundo social, quero agora porque permaneo terrivelmente furioso contra ele. Em outras palavras, devo expor pelo menos em linhas gerais por quedeliberadamente, por escolha, eu sou marxista errante, inconsistente. Marx cometeu dois erros espetaculares: um, erro de omisso; o outro, erro de comisso. So erros importantes at hoje, porque minam a efetividade da Esquerda, que no consegue fazer frente efetiva contra a misantropia organizada, especialmente na Europa.

Karl Marx

O primeiro erro de Marx, o erro que sugiro que tenha acontecido por omisso, foi no ter sido suficientemente reflexivo, suficientemente dialtico. No dedicou reflexo suficiente, e manteve cauteloso silncio, sobre o impacto de sua prpria teoria sobre o mundo sobre o qual estava teorizando. Sua teoria excepcionalmente poderosa em termos de discurso, e Marx no disse uma slaba sobre esse poder.Como pode no ter manifestado nenhuma preocupao com a possibilidade de que seus discpulos, gente com mais capacidade que a mdia dos trabalhadores do mundo para compreender o poder que lhes estava sendo entregue, mediante as prprias ideias de Marx, se apropriassem daquelas ideias para construir sua prpria base de poder, alcanar posies de influncia, influenciar crianas em idade escolar etc.?Para dar um segundo exemplo, sabemos que o sucesso da Revoluo Russa foi a causa de o capitalismo, no tempo devido, ter-se recolhido estrategicamente para conceder penses, aposentadorias e servios pblicos de sade; tiveram a ideia, at, de obrigar os ricos a pagar para que massas de estudantes pobres frequentassem escolas e universidades que os liberais construram de caso pensado. Ao mesmo tempo, tambm vimos como a furiosa hostilidade contra a Unio Sovitica, com vrias invases, como exemplo primrio, desencadeou uma paranoia entre os socialistas e gerou um clima de medo, que se comprovou particularmente fecundo para alimentar figuras como Joseph Stalin e Pol Pot. Marx jamais viu que esse desdobramento dialtico ali estava, e viria. Simplesmente no considerou a possibilidade de que a criao de um estado de operrios foraria o capitalismo a tornar-se mais civilizado, ao mesmo tempo em que o estado de operrios seria infectado pelo vrus do totalitarismo, ao mesmo tempo em que crescia e crescia a hostilidade do restante do mundo (capitalista), contra aquele estado de operrios.O segundo erro de Marx, que considero erro por comisso, foi pior. Foi Marx assumir por pressuposto que a verdade sobre o capitalismo poderia ser descoberta na matemtica de seus modelos (os chamados esquemas de reproduo). Esse foi o pior desservio que Marx poderia ter cometido contra seu prprio sistema terico. O homem que nos garantiu a liberdade humana como conceito econmico de primeira ordem; o intelectual que elevou a indeterminao radical ao lugar que lhe cabe dentro da economia poltica; o mesmo homem que acabou brincando com modelos algbricos simplrios, nos quais as unidades de trabalho eram, naturalmente, integralmente quantificadas, esperando, contra qualquer esperana possvel, que arrancaria daquelas equaes algunsinsightsa mais sobre o capitalismo. Depois da morte de Marx, economista marxistas desperdiaram longas carreiras indulgindo nesse mesmo tipo de mecanismo escolstico, e acabaram no que Nietzsche descreveu certa vez como as peas do mecanismo que chegam a sofrer [orig.the pieces of mechanism that have come to grief]. Plenamente imersos em debates irrelevantes sobre o problema da transformao e o que fazer sobre isso, acabaram por tornar-se espcie quase extinta, com o paquiderme neoliberal esmagando qualquer oposio que lhe aparea pelo caminho.Como pode Marx ter-se iludido tanto? Por que no reconheceu que nenhuma verdade sobre o capitalismo jamais brotar de qualquer modelo matemtico, por brilhante que seja o modelador? Ser que no tinha as ferramentas intelectuais para dar-se conta de que a dinmica capitalista brota da parte no quantificvel do trabalho humano; i., da varivel quejamais poder ser matematicamente definida? claro que tinha essas ferramentas, pois foi ele mesmo que as forjou!No, a razo desse erro um pouco mais sinistra: como os economistas vulgares que ele to brilhantemente advertiu (e que continuam a dominar os Departamentos de Economia at hoje!), Marx buscou, por cobia, o poder que a prova matemtica lhe garantia.Se eu no erro, Marx sabia o que estava fazendo. Compreendeu, ou tinha a capacidade para saber, que uma teoria ampla do valor no poderia ser acomodada dentro de um modelo matemtico de uma economia capitalista dinmica, em crescimento. Marx sabia, no tenho dvidas, que uma teoria econmica adequada teria de considerar odictumde Hegel, para quem as regras do indeterminado so, elas tambm, indeterminadas. Em termos econmicos, significa reconhecer que o poder do mercado, e, pois, da lucratividade, dos capitalistas no era necessariamente redutvel capacidade de eles extrarem trabalho de seus empregados; que alguns capitalistas podem extrair mais de um dadopoolde trabalho, ou de uma dada comunidade de consumidores, por razes que so externas sua prpria teoria.Infelizmente, esse reconhecimento implicaria aceitar que suas leis no eram imutveis. Marx teria de fazer concesses a vozes concorrentes no movimento sindical, que diziam que essa teoria era indeterminada e, portanto, o que ela provava no a nica coisa absoluta e no ambiguamente correta. Que tudo ali era permanentemente provisrio. Mas Marx sentiu uma urgncia incontrolvel de anular gente como o Cidado Weston,[9]que se atrevia a preocupar-se com o risco de um aumento de salrio obtido por greve viesse a revelar-se prrico, se, na sequncia, os capitalistas aumentavam os preos. Em vez de simplesmente argumentarcom gente como Weston, Marx estava decidido a provar com preciso matemtica que aquela gente era errada, no cientfica, vulgar, que no merecia ateno sria.Houve tempos em que Marx deu-se conta, e confessou, que errara para o lado do determinismo. Quando iniciou o terceiro volume deO Capital, ele viu que at a complexidade mnima (por exemplo, permitindo diferentes graus de intensidade de capital em diferentes setores) bastava para fazer descarrilar seu argumento contra Weston. Mas estava to obcecado com o prprio monoplio sobre a verdade, que atropelou o problema, passou rpido demais sobre ele, impondo porFiato axioma que, no final, garantia sua prova original; a mesma com a qual batera na cabea do Cidado Weston. So estranhos esses rituais da vacuidade, e tristes quando encenados por mentes excepcionais como Karl Marx e nmero considervel de seus discpulos no sculo XX.A determinao de ter a histria, ou o modelo, completo, fechado, final, a ltima palavra coisa pela qual no consigo perdoar Marx. prova, afinal, de erro, mas, mais significativamente, de autoritarismo. So erros e autoritarismo que, em vasta medida, so responsveis pela atual impotncia da Esquerda como fora do bem, e como resistncia contra os ataques razo e liberdade que a tripulao neoliberal comanda hoje.6. Aideia radical do Sr. Keynes

John Maynard Keynes

Keynes foi inimigo da Esquerda. Gostava do sistema de classes que o gerou, nada queria ter a ver (pessoalmente) com os tumultos do andar de baixo, e trabalhou muito e aplicadamente para produzir ideias que permitiriam que o capitalismo sobrevivesse mesmo contra a sua propenso a espasmos potencialmente mortais. Mente aberta, esprito livre, pensador burgus liberal, Keynes teve o raro mrito de no fugir de quem desafiasse seus pressupostos. Em plena Grande Depresso, gostou de libertar-se da tradiomarshalliana que foi seu legado. Ao perceber que o emprego caa sempre mais, quanto mais caam os salrios, e que o investimento recusava-se a subir mesmo depois de longo perodo de juros zero, Keynes estava pronto para rasgar o manual e reconsiderar o que sabia sobre as vias capitalistas.O seu pensamento radical tinha de comear de algum ponto. Comeou quando Keynes rompeu com seus pares e fez o impensvel: revisitou a discusso entre David Ricardo e Thomas Malthus, e tomando o lado do clrigo. Em termos bem claros, em plenaGrande Depresso, Keynes escreveu:Se pelo menos a economia do sculo XIX tivesse brotado do ramo Malthus, em vez de brotar do ramo Ricardo, que mundo to mais sbio e to mais ricoteramos hoje![10]Com essa proclamao incendiria, Keynes no adotava nem a posio de Malthus a favor de rentistas aristocratas nem sua viso teolgica sobre o poder redentor do sofrimento.[11]Em vez disso, Keynes abraou o ceticismo de Malthus em relao a(a)a sabedoria de buscar umateoria do valorque fosse consistente com adinmicae acomplexidadedo capitalismo; e(b)a convico de Ricardo, que Marx adiante herdou, de que depresso persistente incompatvel com o capitalismo.Por que Keynes no convergiu para a posio de Marx, o qual, afinal, foi o primeiro economista poltico a explicar as crises como constituintes da dinmica capitalista? Porque a Grande Depresso no foi como outras viradas, do tipo das que Marx explicara to bem. No 1 volume deOCapital, Marx contou a histria das recesses redentoras que ocorrem devidas dplice natureza do trabalho e que davam lugar a perodos de crescimento que vinham grvidos de novas quedas as quais, por sua vez, preparavam novas recuperaes e assim por diante. Mas nada havia de redentor na Grande Depresso. A queda dos anos 1930s foi o que foi: queda que teve muito de um equilbrio esttico estado da economia que parecia perfeitamente capaz de se autoperpetuar, com recuperao que teimava em no aparecer no horizonte, mesmo depois que a taxa de juros recuperou-se em resposta ao colapso dos salrios e taxas de lucros.A gema de uma descoberta de Keynes sobre o capitalismo teve duas faces:(a)Foi sistema inerentemente indeterminado, mostrando algo a que os economistas podem hoje se referir como uma infinidade de equilbrios mltiplos, alguns dos quais eram consistentes com permanente desemprego em massa; e(b)que podia cair num daqueles equilbrios terrveis num tirar de chapu, imprevisivelmente, sem razo ou rima, s porque poro significativa dos capitalistas temessem que pudesse acontecer assim.Em linguagem mais simples, significa que, no que tenha a ver com prever sobressaltos e a superao deles por foras de mercado, o diabo nos carregue, se conseguimos tal coisa! Que no h meio de saber o que o capitalismo far amanh, mesmo se, hoje, vai-se mostrando cada dia mais forte. Que ele pode perfeitamente cair de cara e recusar-se a levantar outra vez. A noo do esprito animal de Keynes representa ideia profundamente radical, ao capturar a indeterminao radical que h no prprio DNA do capitalismo. ideia que Marx introduzira antes, na anlise que fez da natureza dialtica do trabalho, mas que depois, no processo de escreverOCapital, esmagou e l deixou esmagada, para conseguir fixar seus teoremas como provas matemticas irretorquveis.De toda aTeoria Geral do Emprego do Juro e da Moedade Keynes, essa ideia, do capricho autodestrutivo do capitalismo a ideia que temos de recuperar, e us-la para re-radicalizar o marxismo.7. Alio da Sra. Thatcher, para os radicais europeus de hoje

Margaret Thatcher

Mudei-me para a Inglaterra, para comear a universidade em setembro de 1978, seis meses antes, mais ou menos, da vitria da Sra. Thatcher, que mudou a Gr-Bretanha para sempre. Assistir ao governo trabalhista que se desintegrava sob o peso daquele seu programa social-democrata degenerado, induziu-me a um erro da primeira ordem: ao pensamento de que talvez a vitria da Sra. Thatcher viesse a ser uma coisa boa, que daria s classes trabalhadora e mdia britnicas o choque agudo necessrio para revigorar alguma poltica progressista. Dar Esquerda uma chance de repensar sua posio, e criar uma agenda nova, radical, para um novo tipo de poltica progressista, efetiva.Mesmo quando o desemprego dobrou, depois triplicou, com as intervenes neoliberais radicais da Sra. Thatcher, continuei a cultivar a esperana de que Lnin sabia do que falava:As coisas tm de piorar, antes de comear a melhorar.Com a vida cada vez mais miservel, mais brutal e, para muitos, cada vez mais curta, ocorreu-me que no, que eu estava tragicamente errado: as coisas podem piorar perpetuamente, sem jamais melhorarem. A esperana de que a deteriorao dos bens pblicos, a diminuio da vida da maioria da populao, as privaes que j chegavam a cada esquina da terra, levariam automaticamente ao renascimento de alguma esquerda era o que era, nada alm do que era: s esperana!A realidade era dolorosamente diferente. Cada volta no parafuso da recesso, a Esquerda se tornava mais introvertida, menos capaz de produzir agenda progressista e, entrementes, a classe trabalhadora ia-se dividindo entre os que so expulsos da prpria vida da sociedade e os que so cooptados para a forma mental neoliberal. A noo de que a deteriorao das condies objetivas dariam de algum modo origem a condies subjetivas das quais emergiria uma nova revoluo poltica no passava, completamente, de engodo. A nica coisa que emergiu dothatcherismofoi gente que vive de especulao, a financializao extrema, o triunfo doshopping mallsobre as lojas da esquina, afetichizaoda casa prpria e... Tony Blair.Em vez de radicalizar a sociedade britnica, a recesso que o governo da Sra. Thatcher construiu to cuidadosamente, como parte da guerra da classe dela contra o trabalho organizado e contra as instituies pblicas da seguridade social e da redistribuio de riqueza to dificultosamente implantadas depois da guerra, destruiu para sempre qualquer possibilidade de poltica radical progressista na Gr-Bretanha. De fato, tornou impossvel a prpria noo de valores que transcendam o que o mercado determine como o preo certo.A lio que a Sra. Thatcher ensinou-me do modo mais difcil, sobre a capacidade de uma recesso prolongada para minar qualquer poltica progressista e implantar o dio humanidade na prpria fibra da sociedade, lio que trago comigo hoje para a crise europeia. , de fato, o fator determinante mais importante de minha posio em relao eurocriseque vem ocupando quase integralmente todo o meu tempo e o meu pensamento ao longo dos ltimos alguns anos. a razo pela qual estou feliz de confessar o pecado que me tem sido imputado pelos crticos radicais de minha posio menchevique sobre a Eurozona: o pecado de escolher NO propor programas polticos radicais que visem a explorar aeurocrisecomo oportunidade para derrubar o capitalismo europeu, para desmantelar toda a Eurozona e para minar a Unio Europeia dos cartis e dos banqueiros corruptos.Ah, sim, eu adoraria poder apresentar aqui aquela agenda a mais radical. Mas, no, no estou disposto a cometer o mesmo erro pela segunda vez. O que obtivemos de bom na Gr-Bretanha no incios dos anos 1980s, promovendo uma agenda de mudana socialista da qual a sociedade britnica zombava, ao mesmo tempo em que afundava, de cabea, na armadilha neoliberal da Sra. Thatcher? Precisamente nada. Que bem nos faria hoje clamar pelo desmonte da Eurozona, da prpria Unio Europeia, se o capitalismo europeu est tambm ele fazendo de tudo para pr fim Eurozona, at prpria Unio Europeia?Uma sada de Grcia ou de Portugal ou Itlia, da eurozona, logo se desenvolver numa fragmentao do capitalismo europeu, o que gerar uma regio a mais de grave supervit recessivo no leste do Reno e norte dos Alpes, enquanto o resto da Europa v-se nas garras de uma viciosa estagflao. Quem vocs imaginam que se beneficiaria desse desenvolvimento? Alguma Esquerda progressista, que nasceria feito fnix das cinzas das instituies pblicas europeias? Ou os nazistas da Alvorada Dourada, os neofascistas de vrias origens, os xenfobos, ou especuladores? No tenho absolutamente dvida alguma sobre qual desses dois grupos se beneficiaria da desintegrao da Eurozona. Eu, de minha parte, no estou interessado em soprar ventos novos nas velhas dessa verso ps-moderna dos anos 1930s.Se tudo isso significa que seremos ns, os adequadamente errantes marxistas, que teremos a tarefa de salvar o capitalismo europeu dele mesmo, que seja! No por amor a eles, ou de tanto que apreciamos o capitalismo europeu, a Eurozona, Bruxelas ou o Banco Central Europeu , mas s porque queremos minimizar o sofrimento humano desnecessrio que essa crise cobrar; as incontveis vidas que sero ainda mais profundamente esmagadas sem qualquer tipo de benefcio, nenhum, para as futuras geraes de europeus.8. Concluso: O que devem fazer os marxistas?As elites europeias esto agindo hoje como bando temerrio de lderes sem-noo, que no compreendem nem a natureza da crise em cujo bojo esto seus governos, nem as implicaes daquela crise sobre o prprio destino deles para nem falar do prprio futuro da civilizao europeia. Atavicamente, continuam a escolher saquear cada vez mais os estoques de fracos e despossudos, com vistas a encobrir os buracos negros nos quais se debatem seus banqueiros falidos, recusando-se a encarar a evidncia de que sua tarefa tarefa impossvel. Tendo criado uma unio monetria que:(a)removeu todos os absorvedores de choque da macroeconomia europeia, e(b)garantiu que, quando o choque venha, que seja gigantesco, esto agora investindo na negao, esperando irracionalmente por algum milagre dos deuses, desde que nmero suficiente de vidas humanas sejam sacrificadas no altar da austeridade [arrocho] competitiva.Cada vez que os lacaios datroikavisitam Atenas, Dublin, Lisboa, Madrid; a cada pronunciamento do Banco Central Europeu ou da Comisso Europeia sobre o prximo arrocho no parafuso da austeridade que ter de acontecer em Paris ou Roma vm cabea as palavras de Bertholt Brecht:Fora bruta est fora de moda. Para qu mandar assassinos contratados, se lacaios fazem o mesmo servio?Aquesto : como resistir a eles?Sempre carregando a culpa coletiva da Esquerda pelo feudalismo industrial, pelo qual condenamos milhes de pessoas durante dcadas, em nome de... poltica progressista, mesmo assim tenho de traar um paralelo entre a Unio Sovitica e a Unio Europeia. Apesar das grandes diferenas, uma coisa ambas tm em comum: a linha do partido, uniforme, que percorre sem costuras ou emendas visveis do topo (oPolitburoou a Comisso) at o ltimo funcionrio (cada ministro aspirante em cada estado-membro, ou at o ltimo comissrio, todos papagueiam as mesmas tolices).Osapparatchikssoviticos e europeus partilham uma determinao de seita crist para s aceitar fatos da realidade que se encaixem nas profecias e textos sagrados da religio deles. O Sr. Olli Rehn, por exemplo, que comissrio da Unio Europeia com responsabilidade sobre assuntos econmicos e financeiros teve recentemente a audcia de acusar o Fundo Monetrio Internacional por revelar erros na computao dos multiplicadores fiscais da Eurozona, porque aquela revelao()abala a confiana do povo da Europa em suas instituies!Nem Leonid Brezhnev jamais se atreveria a dizer tal coisa, em pblico!Com as elites europeias em pleno surto de negar evidncias, desconcertadas, e com as cabeas enfiadas no buraco feito avestruzes, a Esquerda tem de admitir que simplesmente no estamos prontos para remendar os buracos que um capitalismo europeu em colapso abrir, usando, ns, algum sistema socialista operante, capaz de gerar prosperidade partilhada para as massas.Nossa tarefa deve ser, pois, dupla:Oferecer uma anlisedo atual estado ao qual foram empurrados europeus no marxistas bem intencionados, pelas sereias do neoliberalismo. E fazer seguirem-se a essa anlise slida, propostas para estabilizar a Europa que ponham fim espiral descendente que, no fim, s refora os perversos e incuba o ovo da serpente. Ironicamente, os que mais amaldioamos a Eurozona, temos uma obrigao moral de salv-la!Eis precisamente o que tentamos fazer com nossaModest Proposal. Ao nos dirigir a pblicos diversos, que vo de ativistas radicais a gerentes dehedge funds, a ideia forjar alianas estratgicas mesmo com gente da direita, com os quais partilhamos um simples interesse: um interesse em pr fim ao circuito de realimentao negativa entre austeridade [arrocho] e crise, entre estados falidos e apoiadores falidos; um efeito de realimentao negativa que mina o capitalismo, como mina qualquer programa progressista que o substitua. Eis como defendo minhas tentativas de arregimentar apoios para a causa da nossa Proposta Modesta mesmo entre jornalistas da redeBloomberge doNew York Times, membros Tory do Parlamento, financistas preocupados com o assustador estado a que foi reduzida a Europa.O leitor permitir que eu conclua com duas derradeiras confisses. Por mais que me satisfaa defender como atitude genuinamente radical a implantao de uma modesta agenda para estabilizar um sistema que desprezo, no fingirei que a coisa me entusiasme.Acho que a est o quetemos de fazer, sob as circunstncias atuais, mas muito me entristece pensar que provavelmente no viverei para assistir adoo racional de agenda muito mais radical. Por fim, uma confisso de natureza muito altamente pessoal:seique corro o risco de, sub-repticiamente, encobrir a tristeza por estar enterrando qualquer esperana de substituir o capitalismo, no tempo de vida que me resta, deixando-me arrastar pelo sentimento de satisfao por ter-me tornado palatvel nos crculos da sociedade polida. A sensao de autossatisfao ao ver-me festejado por ricos e poderosos, at comeou, sim, uma vez, a implantar-se em mim. E que sensao feia, corrompida, no radical foi aquela!Meu fundo do poo pessoal aconteceu num aeroporto. Um grupo endinheirado havia-me convidado para uma conferncia sobre a crise europeia e consumira a quantia escandalosa de dinheiro necessria para enviar-me uma passagem de primeira classe. De volta para casa, cansado e j com muitas horas de voo na bagagem, eu ia andando do lado da longa fila dos passageiros da classe econmica, para chegar porta de acesso dos ricos. Foi quando, de repente, com considervel horror, dei-me conta de como eu me deixara facilmente infectar pela sensao de que eu tinha direito de passar frente doshoi polloi[grego no orig., a plebe]. Percebi o quo rapidamente eu esquecera o que minha mente de esquerda sempre soubera:que nada se reproduz mais perfeitamente nem mais rapidamente, que um falso senso de ter direito a algo.Forjar alianas com foras reacionrias, como entendo que devamos fazer para estabilizar a Europa hoje, pe-nos sob o risco de sermos cooptados, de deixar nosso radicalismo morrer sufocado sob o calor acintoso da sensao de ter afinal chegado aos corredores do poder.Confisses radicais, como a que tentei escrever aqui, so talvez o nico antdoto programtico contra deslizes ideolgicos que ameaam nos converter em engrenagens da mquina. Se temos de forjar alianas com o diabo (e.g. com o FMI, com neoliberais os quais, contudo, tambm tm objees ao que chamo de bancorruptocracia, etc.), temos de evitar nos converter em socialistas que fracassaram na luta para melhorar o mundo, mas... melhoraram, sim, muito, a prpria vida privada.O truque evitar o maximalismo revolucionrio que, no fim, s ajuda os neoliberais a superarem a oposio imundcie medocre e autoderrotista deles; e conservar ante nossos olhos a feira inerente do capitalismo, quando tentamos salv-lo, para objetivos estratgicos, dele mesmo. Confisses radicais podem ser teis para alcanar esse difcil equilbrio. O humanismo marxista, afinal, ensina a nunca parar de lutar contra isso em que nos estamos convertendo._____________________________________________BIBLIOGRAFIA Keynes, J.M. (1933,1972). Robert Malthus: The First of the Cambridge Economists, penned in1933, inThe Collected Works of John Maynard Keynes, Vol. X: Essays in Biography, London: Macmillan. Marx, K, (1865,1969). Wages, Prices and Profit inValue, Price and Profit, New York: International Co.. Marx, K. (1844,1969).Economic and Philosophical Manuscripts, inMarx/Engels Selected Works,Moscow, USSR: Progress Publishers. Marx, K. (1849,1902). Wage-Labour and Capital, first published in theNeue Rheinische Zeitung, April 5-8 and 11, 1849. [Delivered as lectures in 1847] Edited with an introduction by Friedrich Engels in 1891. Translated by Harriet E. Lothrop, New York: Labor News Company. Marx, K. (1972).Capital: Vol. I-III. London: Lawrence and Wishart. Mirowski, P. (2013).Never Let a Good Crisis Go To Waste: How Neoliberalism survived the financial meltdown, London and New York: Verso Varoufakis Y. (2013).Economics Indeterminacy: A personal encounter with the economists peculiar nemesis, London and New York: Routledge. Varoufakis, Y. (1991).Rational Conflict, Oxford: Blackwell. Varoufakis, Y. (1998).Foundations of Economics: A beginners companion, London and New York: Routledge. Varoufakis, Y., J. Halevi and N. Theocarakis (2011).Modern Political Economics: Making sense of the post-2008 world, London and New York: Routledge. Varoufakis, S. Holland and J.K. Galbraith (2013).A Modest Proposal for Resolving the Euro Crisis, Version 4.0._____________________________________________________Notas do autor[1]Artigo redigido sobre as notas para a palestra intitulada Confisses de um Marxista errtico, que o autor proferiu dia 14/5/2013, no6th Subversive Festival, The Utopia of Democracy [A Utopia da Democracia], Zagreb, Crocia, 4-18/5/2013. Hum vdeo dessa apresentao.[2]Para exemplos da pesquisa resultante, verVaroufakis (2013) and Varoufakis, Halevi and Theocarakis (2001).[3]VideKarl Marx (1844,1969),Manuscritos Econmicos e Filosficos[4]KarlMarx emTrabalho Assalariado e Capital[Wage-Labour and Capital, first published in theNeue Rheinische Zeitung, April 5-8 and 11, 1849. Delivered as lectures in 1847. Edited with an introduction by Friedrich Engels in 1891. Translated (ing.) by Harriet E. Lothrop, New York: Labor News Company, 1902.[5]VideKarl Marx (1844,1969),Manuscritos Econmicos e Filosficos.[6]No incio deThe Matrix, um guerrilheiro urbano que ajudou nosso Thomas Anderson (codinome Neo) a escapar de agentes inimigos de terno preto oferece a ele uma escolha entre duas plulas. Se tomar a azul, ser devolvido prpria cama e acordar pela manh certo de que tudo no passara de pesadelo, e retomaria sua vida normal. Mas se escolhesse a plula vermelha, descobriria a verdade sobre a prpria vida e a sociedade em que vivia. Em mais um triunfo da curiosidade temerria sobre a graa dos prazeres simples, Neo abriu mo de poder viver sob uma abenoada ignorncia, que a plula azul lhe garantia, e escolheu a cruel realidade anunciada pela plula vermelha.[7]VerMirowski (2013).[8]Mais, sobre esse argumento, emVaroufakis (1991) e Varoufakis (1998).[9]VerSalrio, Preos e Lucro, em que Marx debate com o Cidado Weston, debate narrado pelo prprio Marx.[10]Ver seu ensaio sobre Malthus, Robert Malthus: The First of the Cambridge Economists, escrito em1933,inJohn Maynard Keynes (1972).The Collected Works of John Maynard Keynes, Vol.X: Essays in Biography, London: Macmillan. O trecho citado est na pg. 100-1. Originalmente publicado emEssays in Biography, 1933.[11]Malthus fez sua reputao prognosticando que o crescimento da populao da Terra ultrapassaria os recursos do planeta, por melhores que fossem nossos esforos, e, assim, a fome seria mecanismo essencial de equilibrao. Clrigo, explicou que seria parte dos desgnios divinos: o sofrimento das massas, os ventres inchados de crianas doentes, as faces exauridas das mes em luto, tudo era ocasio que Deus dava aos humanos para abraar a f e combater contra o mal.______________________________________________Nota dos tradutores:()6th Subversive Festival, The Utopia of Democracy[A Utopia da Democracia], Zagreb, Crocia, 4-18/5/2013, com participao de Oliver Stone, Alexis Tsipras, lvaro Garca Linera, Aleida Guevara, Slavoj iek, Tariq Ali, Silvia Federici, Chantal Mouffe, Franco Berardi Bifo, Yanis Varoufakis, Maurizio Lazzarato, Susan George, Bernard Stiegler, E. O. Wright, Costas Douzinas, Eric Toussaint, Bernard Cassen e muitos outros. O programa do 7 Festival Subversivo, 3-17/5/2015 (ing.).__________________________________________________________[*] Yanis Varoufkis, (em grego (nasceu em Atenas,24/3/1961), economista, blogueiro e poltico grego membro da coalizo SYRIZA; atual Ministro das Finanas do Governo Tsipras desde 26/1/2015. Varoufkis um acrrimo opositor do arrocho (austeridade).Depois de se diplomar em matemtica e estatstica, concluiu seu doutoradom Economiaem 1987 na Universidade de Essex, UK. Em 1988, passou um ano como um professor-assistente na Universidade de Cambridge. Foi professor de Economia na Universidade de Sydney (Austrlia) entre 1988 e 2000. Em seguida tomou uma ctedra na Universidade de Atenas. A partir de 2013 ensinou na Universidade do Texas, em Austin.Tem umblogcom os resultados de suas pesquisas. Desde a crise global e do euro que comeou em 2008, Varoufkis tem sido um participante ativo nos debates ocasionados por esses eventos. autor de vrios livros, alguns em parceria com Stuart Holland, James K. Galbraith e outros co-autores: Europe after the Minotaur: Greece and the Future of the Global Economy. The Global Minotaur: The True Origins of the Financial Crisis and the Future of the World Economy, London and New York: Zed Books, 2011, Second Edition, 2013 Economic Indeterminacy: A personal encounter with the economists peculiar nemesis, London and New York: Routledge, 2013 Modern Political Economics: Making sense of the post-2008 world, London and New York: Routledge, (with J. Halevi and N. Theocarakis) 2011 Game Theory: A Critical Text, London and New York: Routledge, (with S. Hargreaves-Heap), 2004 Foundations of Economics: A beginner's companion, London and New York: Routledge, 1998 Rational Conflict,Oxford: Blackwell Publishers, 1991Postado por Castor Filho s 16:36:00

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