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Breve Nota Sobre Um Marxista Convicto e Confesso

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Ao cair da tarde de 29 de junho de 2012, o Magnífico Reitorda Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Dr. CarlosLevi, presidiu, no Salão Pedro Calmon, do Palácio da CulturalPraia Vermelha, a cerimônia solene em que o Conselho Univer~itário da UFRJ atribuiu a Carlos Nelson Coutinho o título deProfessor Emérito, a mais elevada honraria concedida pela univerliidadea um docente.

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Breve notasobre ummarxista convictoeconfessoJosPaulo NettoAocairda tardede 29de junho de 2012, o Magnfico Rei-tor da UniversidadeFederal do Riode Janeiro(UFRJ), Dr. CarlosLevi, presidiu, noSaloPedro Calmon, doPalciodaCulturalPraia Vermelha, a cerimnia solene emqueoConselho Univer-~itrio daUFRJ atribuiu aCarlos Nelson Coutinho ottulo deProfessor Emrito, a maiselevada honraria concedidapela univer-liidade a umdocente.Nasemana seguinte (3 de julho), acomunidade acadmicada Escola de ServioSocial, tambmematooficial naPraiaVer-fnclha, homenageou Carlos Nelsoncomuma emocionada sessodt: despedida pelos seus 25anosde magistrio naunidade. UmaIll(:sadedebates reuniu alguns de seus amigos maisprximos, eAlosio Teixeira, ex-reitordaUFRJ, abriu-acomuma belainter-wno sobreascondies daformao intelectual dageraoa'1I't: ambos pertenciam- a ltima intervenopblicaque lhefoid,ldo fazer: vtimade uminfarto fulminante, Alosio faleceria 20dl:ts depois, aos 67 anosde idade.Este alto reconhecimento institucional poderia oferecer deI :\Il'lnsNelsonaimagemdeumacadmicotpico. E, de fato, na111 W kmiapor umquartode sculo, Carlos Nelsonrevelou-se um es-JosPaulo Nettotritocumpridor dos deveres e dos ritos prprios a ela: queridoe res-peitadopelos estudantes, foi professor que nofaltava s aulas, quedialogavacomtodosos seus colegas sem se omitir nos confrontosinternos, queintervinha nos rgos colegiados, queparticipavadebancas(de concursos pblicos, de avaliao docente, de julgamentode dissertaes e teses), que orientava mestrandose doutorandos ...Tal imagem, contudo, no seria verdadeira - porquantomuito unilateral: tudo o queestaimagemexpressariacorrespon-de realidade; porm, ela deixarianasombra dois fatos cruciais.Prime~ro: Carlos Nelson no um"produto" ou"resultado" daacademia; comefeito, fez-se intelectual fora dela. Segundo: Car-los Nelson s serviu academia, nose serviudainstituio paranada_ no sevaleu do prestgio dela para tornar-se"consultor" ou"assessor"dergos estataisouempresas privadas; nunca viajouao exteriorcomrecursospblicos;e jamaissocorreu-se dela comoelegante refgiopara, emnome doestatuto "cientfico" davidauniversitria, afastar-se dos seusgrandes compromissos societ-rios, assumidosna juventude e aos quais permanece, na teoriae naprtica, irredutivelmente fiel - compromissos prprios dequemse refere a si mesmocom a frase clebre de Maritegui: "Eu, mar-xista convicto e confesso... " A academianoconstituiu, paraCarlosNelson, ailhota para escusar-seaopreodeuma clarssima op-oterico-poltica centralizada pelalutasocialista; ao contrrio,o seu ingresso, alis tardio, na academiafoi a extenso, paraumainstncia especficadadivisosociotcnica dotrabalho, datraje-triaquehmuito ele j vinha percorrendo. Naverdade, CarlosNelson esteve na academia, nofoi daacademia.A limitada pretenso destabrevenota, inserida emvolumequefesteja estedestacado protagonista dacultura brasileiracon-tempornea, , conferindo algumfundamento a esta ltima afir-mao, fornecer ao leitor uns poucose sintticos subsdios comple-mentares paraa apreciaoda obrade CarlosNelsonCoutinho.52Breve nota sobre ummarxista convicto econfessoo intelectual produtivoPelospadres vigentes dofordismo intelectual acadmico,registradonoCurrculo Lattes, CarlosNelsonseria excelentemen-te avaliado... como pequeno detalhe de ele jamais terconcedidoqualquer importncia a esse tipode "instrumento de avaliao".Dequalquer maneira, a produo de CarlosNelson- baia-nodeItabuna, filhodoadvogado, intelectual e poltico NathanCoutinho doRosrioe da grande damaElza de SouzaCoutinho,nascidoa 28de junho de1943, educadoem colgio maristae gra-duado emFilosofia pelaUniversidade Federal daBahiaem1965(naqual ingressou, primeiramente, como estudante deDireito)-, tal produo, ainda que referida toseincompletamente aelementos quantitativos, respeitvel. Sobreisto, alguns dados-enfatizo: parciais- so eloquentes (relacionadosabaixoat o pri-meirotrimestre de 2012).Carlos Nelson publicou treze (13)livros: Literatura ehu-manismo. Ensaios decrtica marxista. Riode Janeiro: Paz e Terra,1967; O estruturalismo e amisria da razo. Riode Janeiro: Paz eTerra, 1972; Ademocracia comovaloruniversal. Notas sobre a ques-to democrtica no Brasil. SoPaulo: Cincias Humanas, 1980;Gramsci. PortoAlegre: L&PMEditores, 1981;Adualidade de po-deres. Introduo teoriamarxista de Estado e revoluo. So Paulo:Brasiliense, 1985; Gramsci. Umestudosobre seu pensamento polti-co. Riode Janeiro: Campus, 1989; Cultura e sociedade noBrasil.Ensaiossobreideias eformas. BeloHorizonte: Oficina deLivros,1990; Democracia esocialismo. Questes deprincpio &contextobrasileiro. SoPaulo: Cortez-Autores Associados, 1992; Marxis-moepoltica. So Paulo: Cortez, 1994; Contra acorrente. Ensaios,I'obresocialismo edemocracia. SoPaulo: Cortez, 2000; Lukcs,fJroust e Kafka. Literatura e sociedade no sculo xx. Riode Janeiro:~ivilizaoBrasileira, 2005; Intervenes. Omarxismo nabatalha1mideias. So Paulo: Cortez, 2006; De Rousseau aGramsci. En-53JosPauto Nettosaiosde teoriapoltica. So Paulo: Boitempo, 2011. Quase todosestes ttulos, aqui assinalados emsuaprimeira edio, foram sub-sequentemente reeditados (e alguns emverses substantivamenteampliadas).No exterior, seis (6) livros seus foram editados: El estructu-ralismoy lamiseria delarazn. Trad. deJaime Labastida. Mxi-co: Era, 1973; Introduccin aGramsci. Trad. deAna Mara PaIos.Mxico: Era, 1986; Literatura e ideologaenBrasil. Tres ensayos decrticamarxista. Trad. de Julia Calzadilla. LaHabana: Casa deIasAmricas, 1987; Ilpensiero politico di Gramsci. Trad. de AmbraPelliccia. Milano: Edizioni Unicopli, 2006; Marxismo y poltica.La dualidad de poderesy otrosensayos. Trad. de Paula Vidal Mo-lina. Santiago de Chile: LomEdiciones, 2011; Gramsci's PoliticalThought. Trad. Pedro Sette-Cmara. Leiden-Boston: Brill, 2012.Aproduo deCarlos Nelson, sparcialmente recolhida nosttulos acima citados, todavia extensssima: iniciada precocemen-te no fim dos anos 1950/princpios dos anos 1960 (nas revistasngulos, de Salvador, eEstudos Sociais, do Rio deJaneiro) elogocontinuada naRevista Civilizao Brasileira (Riode Janeiro, cidadepara onde setransferiu emfinais de 1965), envolve mais de meiacentena deensaios deflego, publicados emdezenas devolumes deautoria coletiva, no Brasil eno exterior (Inglaterra, Frana, Itlia,Mxico, Chile, Japo eRomnia). No seincluem, a, incontveistextos divulgados, de finais dos anos 1960 aos anos 2000, na im-prensa diria e/ou semanal doRio de Janeiro (FolhadaSemana, OJornal, Opinio,jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa, O Globo), deSoPaulo (Vso, Repblica, LeiaLivros), deMinas Gerais (DirioMercantil), deSalvador (ATarde, Jornal da Bahia) etc. Do final dosanos 1970emdiante, outros ensaios seus saram emrevistas brasi-leiras - por exemplo, Temasdecinciashumanas (SoPaulo); En-contros comaCivilizao Brasileira (Rio deJaneiro); Escrita-Ensaio(SoPaulo); Presena(Rio deJaneiro); Teoria &Debate (SoPau-54Breve nota sobre ummarxista convicto econfesso10); Lua Nova (SoPaulo); ServioSocial &Sociedade (SoPaulo),MargemEsquerda (So Paulo) e tambm emperidicos doexterior(Portugal, Itlia, Cuba, Frana eMxico). Igualmente, inmerostextos seus, assinados compseudnimos (Carlos Nelson, poca daditadura, valeu-se devrios: Lus Augusto do Rosrio, GuilhermeMarques, Jorge Gonalves, Josimar Teixeira, Norberto Teles), cir-cularam no Brasil e no exterior. E, desde 1968, almdeorganizarantologias (deLukcs, Togliatti eGramsci), preparou dezenas deprefcios e introdues a livros deoutrem. Outra parcela detextosdeCarlos Nelson dosanos 1990emdiante - tambm nocomputa-dos aqui - apareceu emperidicos acadmicos (Praia Vermelha, daUFRJ; Empauta, daUerj; Libertas, daUFJF; Katlysis, daUFSC).No conjunto da atividade intelectual de Carlos Nelson, so-breleva oseutrabalho como tradutor - foi como tradutor que, defato, sobreviveu economicamente" no Rio deJaneiro, entre fins dadcada de 1960 e, salvo operodo do seu exlio, at meados dosanos 1980. dasualavra a verso aoportugus (a partir do fran-cs, docastelhano, doitaliano e doingls) demais desessenta (60)ttulos de autores expressivos, entre os quais Raymond Aron, C.Lvi-Strauss, Norberto Bobbio,]. Habermas, A. Heller, C. Casto-riadis, E. Morin, e demarxistas como Lucien Goldmann, HenriLefebvre, Palmiro Togliatti, Pietro Ingrao, Luciano Gruppi, Adol-fo Snchez Vzquez e Herbert Marcuse. Tambm Carlos Nelson,como apoio deoutros tradutores, respondeu pelaverso aoportu-gus, em12 volumes, daimportantssima obra coletiva, organiza-dapor Eric]. Hobsbawm, Histria domarxismo (Rio deJaneiro/SoPaulo: Paze Terra, 1980-1989).Neste ofcio, dois autores foram especialmente objeto dotrabalho de Carlos Nelson - ele no apenas os traduziu, mastransformou-os emreftrncias essenciais dasua prpria elaboraointelectual: por ordem, digamos cronolgica, Gyrgy Lukcs e An-tonio Gramsci.55JosPaulo NettoLeandro Konder; sabe-se, foi oprimeiro nadivulgao dopensamento estticode LukcsnoBrasil. Nosanos 1960, estabe-leceu-seentre ele eCarlos Nelson uma parceria intelectual que,assimcomoa amizade que os une, se prolonga at hoje. poca,Carlos Nelson traduziu eorganizou, deLukcs, comacolabo-raodeLeandro, os volumes Introduo auma esttica marxis-taeMarxismo eteoria da literatura (amboslanados noRiodeJaneiro, pela Civilizao Brasileira, em1968);e, numtrabalhoindividual, Realismo crticohoje(Braslia: Coordenada, 1969). Nadcadaseguinte, tambmcoubea ele a pioneiratraduo de doiscaptulosdaOntologia... de Lukcs, ento praticamente desconhe-cidanoBrasil: Os princpios ontolgicos fundamentais de Marx e Afalsa e averdadeira ontologia deHegel (ambospublicados emSoPaulo, pela CinciasHumanas, em1979). E, cerca de 30anos de-pois, nadireodaEditora UFR] (cargo queocupou entre2004e2011),Carlos Nelson, criando acoleo"Pensamento crtico",organizou etraduziu, juntamente comeste escriba, trsvolumesdeensaiosdeLukcs: Ojovem Marx e outros escritos de filosofia,Socialismo e democratizao e Arte e sociedade(Rio de Janeiro: Edi-toraUFRJ, 2007-2008-2009). A relaodeCarlosNelson comaobra de Lukcsfoi objetode vrios de seus ensaios, publicados emvolumes de autoriacoletiva (por exemplo: RicardoAntunes e Wal-quriaL. Rgo[orgs.], Lukcs. UmCalileu no sculo XX. So Pau-lo: Boitempo, 1996; sobre talrelao, cf. o depoimento de CarlosNelsoninM. O.Pinassi e S. Lessa [orgs.], Lukcs e a atualidade domarxismo. So Paulo: Boitempo, 2002).Naabertura da segundametadedos anos 1960, quandoAn-tonioGramsci aindano se tornaramodaentre os brasileiros,Car-los Nelsonparticipou ativamenteda divulgaodo seu pensamen-to no pas: traduziu Concepo dialtica dahistria(ttulodado pornioSilveira a Ilmaterialismo storico... Riode Janeiro: CivilizaoBrasileira, 1966)eOsintelectuais e aorganizao dacultura (Rio56Breve nota sobre ummarxista convicto econfessode Janeiro: CivilizaoBrasileira, 1968), almde organizar e tra-duzir uma seletadeLiteratura e vida nacional (idem). E, nofimdos anos1990, caberiaa ele (com a colaboraode M. A. Noguei-raeL. S. Henriques) aorganizao geral (traduo, introduese notas)dosseis volumesdosCaderns docrcere (Riode Janeiro:CivilizaoBrasileira, 1999-2002) e dos dois volumesdosEscritospolticos (idem, 2004), ademais daedio dos dois volumes dasCartas do crcere(idem, 2005). Aexcelnciae ocarter paradig-mtico dotrabalho editorial queresultounestesdez volumessointernacionalmente reconhecidos e valeramaCarlos Nelson, in-clusive, a vice-presidnciada International Gramsci Society (IGS).Ainda em 2011, ele preparou a antologia O leitor deCramsci (Riode Janeiro: Civilizao Brasileira, 2011). E muito dasua vincula-ocomopensamento gramsciano, emmedida bemmaior quenocaso deLukcs, foi objetode. inmeros estudos seus, publica-dos igualmente em volumes de autoriacoletiva (por exemplo: JooQuartim de Moraes [org.], Histria domarxismo noBrasil. Cam-pinas: Unicamp, v. 3, 1998; G. Baratta e G. Liguori [orgs.], Cra-msci da unsecolo all'altro. Roma: Riuniti, 1999; E. Borgiani e C.Montano [orgs.], Metodologa yserviciosocial. Hoyen debate. SoPaulo: Cortez, 2000; DoraKanoussi [org.], Cramsci enAmrica.IIConferencia Internacional deEstudios Cramscianos. Mxico: Plazay Yalds, 2000; M. E. Green[org.], Rethinking Cramsci: London--New York: Routledge, 2011). de observar-se, pois, que o ofcio de tradutor nosignificou, para Carlos Nelson, umsimples "meiodevida" porquaseduas dcadas. Serviu-lhe, sobretudo, para alimentar asuaprpriareflexo, pessoal e autnoma - Lukcse Gramsci, como jassinalei, constituemos parmetros centraisda sua prpria obra.Por agora, bastou-me apenas indicar oimenso trabalho de-senvolvido por CarIosNelsonao longode suavida. Poucosinte-.lectuais brasileirosda segunda metade dosculo XXproduziram5711111III1I~1\1,11'111JosPaulo Nettotanto e comtanta qualidade - e note-sequenoestorelaciona-das, nestaspginas queoleitor acaboudepercorrer, nema tota-lidadedosescritos deCarlos Nelson, nemas dissertaes e tesesqueorientounem, menosainda, a largasrie de confernciasqueproferiuemmaisdedezEstadosbrasileiros e noexterior (Itlia,Mxico, Cuba, Argentina e Chile).Ummarxista emmovimentoMas nosuficiente caracterizar Carlos Nelson comouminteletual produtivo; precisoqualific-Ia: trata-se deuminte-lectual marxista de vastaproduo.Como ironizava osaudosoNelson Werneck Sodr, aindanoseinventou o"marxmetro" - demodo que nopossvelaferir o "grau"demarxismo eventualmente "contido" emalgumpensador. Mas, se se quiser conferir aqualificao demarxista aalgumcomomais que ummerortulo poltico oupuramenteideolgico, parece-me que alguns parmetros podeme devemserestabelecidos _ afinal, ouo marxismo tem fronteirasou a refern-cia a ele carece de qualquer relevncia(e, neste caso, bemou mal eindiscriminadamente, seramostodos ps-marxistas).No estaaocasio, obviamente, para fundamentar ade-terminao dapertinncia aomarxismo, mesmoquese oconsi-dere _ como, alis, eu o compreendo - umcampoterico-prticoquecomporta distintas e at mesmoconflitantes concepes. Dequalquer maneira, parasimplificar muito, direi que, comodeno-minador comumnecessrioparacircunscrever este campo, a per-tinncia aomarxismo supesimultaneamente: 1) aincorporaodomtodo dialticomarxiano (tal qual Lukcso esclareceudesde1923) comoomtodo adequado para compreender asociedadeburguesa; 2) a crticadaeconomia capitalista assentada nateoriamarxiana dovalore 3) a perspectivadarevoluo(logo, das lutas58Breve nota sobre ummarxista convicto econfessode classes) comoinarredvel paraa ultrapassagemdaordembur-guesa. suprfluo aduzirque, mesmopostasestas trs condies, possvel problematizar a pertinncia aocampo marxista - por-quemesmoelas podemser pensadas e.processadasdiversamente.Porm, bastam-me minimamente, aqui, para caracterizar aquelapertinncia.Ora, ameujuzo, aolongo demais dequatro dcadas deatividade intelectual (e poltica), Carlos Nelson temsemantidoclara e inequivocamente no campodo marxismoassim compreen-dido. Masa suainseronocampo terico-prtico domarxismo- como, alis, ademuitos pensadores importantes - nunca seexpressoucomo aderncia cristalizada monotematicamente ouauma nica ecerrada interpretao doprprio marxismo. Comosinalizarei a seguir nestanota, Carlos Nelson temsidoummar-xista emmovimento; maisprecisamente, ummarxista parao qualo marxismo implicatambmcolar-se ao movimento do mundo.Dos anos1960aoexlioNaentrada dos anos 1960, CarlosNelsonvinculou-se tra-dio marxista- que, comosua opoterico-poltica existencial,desenvolveria e consolidaria ao longoda dcadae da vida. parteasuainteligncia, asuadedicao eoseuesforopessoal nestesentido, oesprito da pocacontribuiu decisivamente para asuaadeso ao marxismo.Foi aquele o tempoem queas lutasde classes nopas ascen-diamdramaticamente a umnovo patamar, em queos quadros dademocraciarestrita que vinhade 1945-1946 eramtensionadospelavitalidadedomovimento operrio e sindical, emqueo campesi-nato avanavaorganizadamente, em queo movimento estudantilse encorpava (com a UNE e os CPCs ganhando forteaudincia),emqueboaparte dasvriascorrentes daesquerda brasileirarei-59JosPaulo Nettovindicavao pensamento de Marx. Para alm das nossas fronteiras,Sartreafirmava entoque"o marxismo (...) insupervel". Movi-mentos de libertao nacional sacudiamo "TerceiroMundo", e aRevoluoCubana imantava a AmricaLatina. Ganhava visibili-dadea New Lefi, o movimento comunista se fraturava(lembre-seo conflitosino-sovitico), mas experimentava renovaes especial-mente noOcidente, dequeera prova, por exemplo, a influnciacultural e o crescimentodos PCsda Franae da Itliae, ainda, noOriente, doPC japons.Eraconstatvel umahegemonia da esquerdano"mundo dacultur.a" brasileira, que o golpe de1964 (como o demonstrou Ro-bertoSchwarznumjustamente clebre ensaio de1969, publicadoemLestemps modernes, acessvel hoje emOpai de famlia e outrosestudos. So Paulo: CiadasLetras, 2008) noliquidou imediata-mente - oqueveioaocorrer nasequncia doAtoInstitucionaln. 5/AI-5(dezembrode1968), provocando o que Alceu AmorosoLimadesignariapor "vazio cultural".Militando nomovimento estudantil universitrio, em1961Carlos Nelson jeramembro doilegal (porm, nomais clan-destino at 1964) Partido Comunista Brasileiro(PCB), noqualpermaneceria at 1982. De 1964 at 1976, quando se viufora-doaoexlio, participou ativamente daresistnciaditadura nafrentecultural; sempreumcomunista disciplinado, nunca foi um"incondicional" (por exemplo, manifestou-se publicamente, em1968, contra ainterveno sovitica naTchecoslovquia, que adireodo PCBapoiou - cf. o seu texto, firmadojuntamente comLeandro Konder, "Tchecoslovquia: a crise de agosto". CorreiodaManh, Riode Janeiro, 8/12/1968).Essa primeira metade dosanos 1960 foi deessencial impor-tncia para a formao de Carlos Nelson. Se a sua opo comunistase construana militnciaestudantil (cf., por exemplo, o seu artigo"Novosrumosparaa poltica estudantil". A Tarde, Salvador, 21de60Breve nota sobre ummarxista convicto econfessoagosto de1961), a sua adeso ao marxismofaz-se atravs da leituradiretae intensiva do prprio Marx- j entol, entre outrasobras,O capital (leituraque aprofundaria depois noRiode Janeiro, numgrupo deestudos formado por seusca.{l1aradasdepartido, equeconsolidarianumcursotericoespecfico, dealguns meses, sobreO capital, em1968, realizado em Moscou).O slido conhecimentode Marxpor CarlosNelsonnose evidencia apenasnaseguranaterico-metodolgica comqueconduz, j nasegunda metade dosanos1960, os seus trabalhos - revelar-se-ia, inteiro, nos muitostex-tos em que, posteriormente, tratariado prprio Marx(por exemplo,nocitado Adualidade de poderese em suas contribuies a PorqueMarx, L. Konder, G.CerqueiraFilho e E. L. Figueiredo[orgs.],Riode Janeiro: Graal, 1983, e a OManifesto Comunista 150 anos depois,Daniel AaroReis Filho[org.], Riode Janeiro-SoPaulo: Contra-ponto-Fundao Perseu Abramo, 1998). Por outra parte, iniciaaleitura sistemtica de Lukcs - e este umaspecto importante nos pela aproximaoa uma fonte seminalda tradio marxista, mastambmpela incorporao de umainterpretao domarxismo ca-racterizada pela sua riqueza cultural: quaisquerque sejam as crticasdirigidas a Lukcs, jamais se lhe negou a amplitudede seus horizon-tes no domnioda filosofia, da artee da literatura.nocampo dacrticaliterria queaproduo autoral dearlos Nelsonflorescernasegunda metade dosanos 1960 e na'mrada dadcadade1970: quando publicaLiteratura e huma-nismo, como antolgicoensaiosobreos romances deGracilianoRamos e quando comeaseus estudossobre Proust e Kafka (que,r(;visados, faroparte dobemulterior Lukcs, Proust e Kafka). A~lIaafirmao como crtico literrio dealto quilate vir comar1aborao, em1973, deoutroensaioantolgico, destavez sobreLima Barreto(publicadoprimeiro em CarlosNelsonCoutinho etIllii, Realismo e antirrealismo naliteratura brasileira. Riode Janei-1'0:Paz e Terra, 1974).61JosPaulo NetloNa esteira de Lukcs, Carlos Nelson, poca, opera tam-bm no marco da crtica filosfica. Prossegue interessado es-pecialmente na filosofia francesa (j redigira sobre Sartre umensaio que saiu emEstudos Sociais. Rio deJaneiro, v. 5, n. 18,novembro de 1963, ea ele retornaria outras vezes, como numtexto divulgado emHora. Universidade Federal deJuiz deFora,ano I, n. 1, 1971) e sobre umveioento nela florescente e comforte influncia noBrasil que publica umdeseus livros mais im-portantes, Oestruturalismo e amisria da razo (para a segundaedio - SoPaulo: Expresso Popular, 2010 -, redigi umlongoposfeio, no qual procurei situar a sua relevncia). deobservar que, na sequncia doAI-5, bastante isolado,comcamaradas presos, "desaparecidos" e/ou compelidos aoex-lioe como PCB submetido a dura represso, que culminaria em1974-1975, Carlos Nelson dedicou-se por quase dois anos aumintensivo estudo dafilosofia grega - planejava, quele tempo, es-crever sobre elaumlivro, nunca elaborado (nomomento emqueesta nota redigida, Carlos Nelson, mesmo com asua imensacapacidade detrabalho afetada por umcncer pulmonar, prepa-ra uma "breve histria da filosofia", que, certamente, ser umasntese dos seus estudos filosficos).Duas notaes so significativas acerca deste primeiro mo-mento daproduo deCarlos Nelson. Uma diz respeito sua re-lao comLukcs: ento discpulo assumido dofilsofo hngaro,Carlos Nelson oera comgrande autonomia intelectual e criativi-dade. Atesta-o, por exemplo, a suaavaliao jformulada daobradeKafka (quesfoi primeira etardiamente dada apblico numensaio emTemasdeCinciasHumanas. SoPaulo, n. 2, 1977), emque discrepa do juzo lukacsiano sobre oautor d~ metamorfose;ou, ainda, asua criativa elaborao categorial da "misria da ra-zo" - central emOestruturalismo e amisria darazo-, ausentenaobra deLukcs (mesmo que aprovada por ele).62Breve nota sobre ummarxista convicto econfessoAsegunda relaciona-se a umcerto vis "culturalista" que li-mitava osseus escritos, tal como seapresentaram emLiteratura ehumanismo e na sua imediata sequncia, mesmo que a gravitaodas dimenses sociopolticas constitutiyas do fenmeno estticoincidissem na sua anlise literria e filosfica (e no seria diferen-te, emsetratando de ummarxista ediscpulo deLukcs). Pode--se supor, como hiptese explicativa desta verificao, que Car-losNelson movia-se considerando que lhe cabia, numa espcie de"diviso detrabalho" entre osintelectuais do PCB- que, defato,gozavam de inteira liberdade de criao e expresso, superadosdesde 1956-1958 os constrangimentos da hipoteca stalinista _,operar exclusivamente nafrente cultural. Tratava-se deumespaode interveno bastante amplo, sustentado pela flexvel polticacultural do PCB, que vinha desde 1958e que acabou por ser cla-ramente articulado sanlises deconjuntura que opartido fazia,na continuidade do seu VCongresso (1960) eantecipando-se ou baseando-se naResoluoPoltica doseuVI Congresso (1967),resoluo que Carlos Nelson no questionou - eque lhe serviutambm para recusar as tentaes do forte esquerdismo que, nasequncia do golpe de 1964, vicejou entre influentes crculos in-I'clectuais. Se, para essa escolha ou deciso, pesava asua prpria/>ormao acadmica, tal "diviso dotrabalho" como que alargava:1autonomia afirmada para osi~telectuais do PCB depois daDe-'/arao deMaro (1958). Foi na condio demembro da frente'ultural que, napassagem dos anos 1960 aos 1970, participou dogrupo de intelectuais que assessorou osdirigentes partidrios na,.reparao doque seria o VII Congresso doPCB- congresso que1150 se realizou poca, dado onvel darepressso (defato, semtk:zembro de 1982o PCB haveria dereunir o seuVII Congresso).Apartir de 1969 (mais precisamente, das imediatas impli-l'lll.;es do AI-5), esse "culturalismo" vai ser deslocado por uma11'I'lcxocada vezmais tendencialmente determinada pelapoltica.63II~'JosPaulo NettoNumtextoque circulouclandestinamente - e, bvio, muitores-tritamente - em1972, firmado com o pseudnimo de GuilhermeMarques, intitulado "Cultura e polticano Brasil contemporneo"(e seguramente redigido comvistas ainfluir nareelaborao dapoltica cultural queresultaria doplanejado, mas noefetivado,VII Congresso), Carlos Nelsonavana, a meu juzo, o seu primei-rotratamento histrico-poltico do Brasil- mas umtratoaindatmido. Somenteno j citado ensaio sobre Lima Barreto("O signi-ficadode LimaBarretona literatura brasileira")surgea matrizdateseque Carlos Nelson desenvolversistemtica eaprofundada-mentenos anosseguintes- inspirada originalmente no tratamen-toqueLukcs oferecera nocaptulode abertura d'A destruio darazoe que, expressamente, CarlosNelsoncreditaa Lenin; a tesesegundoa qual a formaosocial brasileirase caracteriza pela suaconstituio moderna enquanto resultanteda "via prussiana". Sal-vo erro de minha parte, foi Carlos Nelsono primeiro, no Brasil, aexplicitamente utilizar comrigoresta chave heurstica a que, pos-teriormente e com impostaes diversas, expressivos estudiososdanossahistriahaveriamde recorrer diferencialmente (p. ex., LuizWerneckVianna e Jos Chasin).Se estas observaes so corretas, pode-se legitimamenteconsiderarque, na entradados anos1970, o pensamento de CarlosNelsontendiaa transladar-se- ou, se se quiser, a deslizar - paraodomnio histricoe sociopoltico.A experincia doexlio: a dimenso dapoltica e aaposta perdidaEntre incios de1976edezembro de1978, Carlos Nelsonviveu na Europa (primeirona Itlia, em seguidaumbreve perodoem Portugal e, enfim, na Frana). Depoisdos terrveis golpes quea repressoassestou noPCBentre 1974 e1975, a sua vidaestavaemrisco - viu-se compelidoao exlio.64Breve nota sobre ummarxista convicto econfessoInicialmente, durante cercadeumano, residindo emBolo-nha, a suaatividade poltica limitou-se aotrabalho desolidarie-dadeaos brasileirosperseguidos e denncia daditadura - e fezomesmonospoucos mesesquepassouemLisboa. JemParis,ondeficoude setembrode1977 a dzembrode1978, envolveu-senos embatesque se travavamentreos dirigentesdo PCBno exlio,intervindo naorientao da Voz Operria, mensrio dadireopartidria editado noexterior; emartigosfirmados compseud-nimos, publicou noperidico textossignificativos - assimcomoem tudes Brsiliennes, revistatericadoPCBeditada na Blgica.Apesar doafastamento fsicodoBrasil, no perdeu seusconta-tos nopas, a partir de meados de1977 estimulados pelarelaoestabelecida comogrupo demarxistas queainiciativa deRaulMateos Castell articulava emSoPaulo emtorno daEditorialGrijalbo, logo transformada emLivrariaEditora CinciasHuma-nas (responsvel por Temas de Cincias Humanas, revistacomaqual CarlosNelsoncomeoua colaborar)- em especial com Mar-co AurlioNogueira.Nessesquasetrs anosnoexterior, CarlosNelsonestudou-comosempre- intensivamente: aprofundou principalmente a suaanlise econmico-poltica docapitalismo contemporneo, comnfasenotratamento que marxistas franceses davamaocapita-lismomonopolista deEstado (CME), categoria queconsideraradequada parapensar oBrasil, e, por outra parte, examinou emdetalhe autores esconjurados peladogmtica "marxista-leninista"(Kautsky, Bernstein, Bukharin eos"austro-marxistas"). Porm,buscando claramente responder aos problemas postosaoscomu-nistas brasileiros(basicamente a compreenso da derrotaorgnicasofridapeloPartido, queobrigou parte dadireo vida noex-cerior, ea preparao doPartido para enfrentar as tarefas dasuareconstruo, quejse operavaautonomamente noBrasil soba'L'sedo regime ditatorial), a sua reflexo volta-se diretamente para65JosPaulo Nettoo debatepoltico. Odeslizamento dosseus interessesintelectuaispara ocampo dahistria e dassuasdimenses sociopolticas, jmencionado, ganha ento umnovoritmo: semprejuzo dasuaateno literatura e filosofia, CarlosNelsonvolta-se parao es-tudoda formaodo Brasil moderno.Emumprocessoquevai ocup-Iosistematicamente atosanos 1990, iniciarumreexame da bibliografiahistricae socioe-conmicabrasileira(Caio Prado Jr., NelsonWerneckSodr,CelsoFurtado, Raymundo Faoro, mas tambm degrandes conserva-dores, como OliveiraViana) emergulhar naleitura dosnossosmelhores cientistas sociais(Florestan Fernandes, Octavio Ianni).Investiraindana leiturade autores de outraslatitudes, comoBar-rington Moore. E pesquisar o debatequeentose processava naEuropa Ocidental acerca de umateoriapolticamarxista.Como se sabe, este debate se desenvolvia especialmentenaItlia (mastambm naFrana, naEspanha enaInglaterra),no marco da discussodomalchamado eurocomunismo. CarlosNelson debruou-se sobreaevoluorecentedosPCs europeus,aprofundou asuacrtica ao"marxismo sovitico" econvenceu--sedeque aelaborao conduzida pelos italianos, na trilha dopensamento de Togliatti, poderialevar a umarenovaoda teoriapoltica marxista ( sintomtico que, logoapsoseuretorno aoBrasil, tenhaselecionadoe traduzido textosdodirigente italiano:PalmiroTogliatti, Socialismo e democracia. Riode Janeiro: Muro,1980). De fato, ele seaproximou inequivocamente das proposi-es eurocomunistas - no conformea vulgarizao modade umSantiagoCarrillo, mas muitochegados posies mais esquerdadeumPietroIngrao (de quemtraduziria a famosaentrevista, de1978, a Romano Ledda: Criseeterceiravia. SoPaulo: CinciasHumanas, 1981). neste quadro, quecertamente a favorecia, queCarlosNelsonretomaa sua interlocuocom Gramsci, que vinhadesdea segunda metadedos anos 1960. Retoma-a, porm, non-66Breve nota sobre ummarxista convicto econfessovel de umaexegese meticulosa, que seria aprofundada nos 20 anosseguintes. Exegese que dariaexcelentes frutos de precisoterico--filolgica, patenteados naproduo madura deCarlosNelson (eque se podemcomprovar tambmnos vrios verbetesque redigiuparaa obradirigida por G. Liguori ~P. Voza, Dizionario Grams-ciano. Roma: Carocci, 2009).Na polmica interna quesetravavana direo exilada doPCB, CarlosNelsonparticipa ativamente e, no ncleoaglutinadoem tornode Armnio Guedes (constitudo, entreoutros, porseuscamaradas e amigos Leandro Konder e Milton Temer),desempe-nha umprotagonismo expressivo navertente quese reivindicavacomo"renovadora"do PCB(nummovimento que, por outroladoe por outrasrazes, j se esboava, autonomamente, no interior dopartido noBrasil). Salvo errode interpretao, foi nesteprocessode lutainterna, emParis, queCarlosNelson- emestreita relaocomos estudosquedesenvolve poca - assumea dimenso espec-fica da polticae a situanocentroda sua reflexo.Os artigos queento escreve para a loz Operria indicamcom nitidezo giro que se operana sua vida intelectual. Maso pri-meiro marcosubstantivo do novo patamar da reflexoterico-po-lticadeCarlos Nelson, produzido ainda emBolonha, o texto,firmado como pseudnimo deGuilherme Marques, "conomieet poli tiqueau Brsil aujourd'hui" - que sai em tudes Brsiliennes(Leuven, ano3, n.4, 1977); abordando as ideias expostaspor Fer-nandoHenrique Cardosoem Autoritarismo e democratizao (Riode Janeiro: Paz e Terra, 1975), realizadelasuma crticabrilhantec radical. A meu jUzo, nesta pea importante que o pensamentodeCarlos Nelson setranslada centralmente para odomnio dateoria poltica (transIaoque aindanose verificaemumensaioanterior, tambmimportante, "Culture et idologie. Le probImede Ia culture brsilienne: 'nationalisme culturel' ouassimilation67I:1JosPaulo Nettocratrice de Ia cultureuniverselle", igualmente sob a firmade Gui-lhermeMarques e publicadoem tudes Brsiliennes, 1, n. 1, 1975).Noquedizrespeito lutainterna noPCB, queprosseguirno Brasil at 1982, quandose realiza o seu VII Congresso (dezem-bro de 1982), CarlosNelsonfaz umaaposta alta: joga o seu empe-nhoe o seu prestgiono que pretendia ser a renovaodo partido.Ocomplicadoprocessodessa luta interna- queainda objetodeamplapolmica- envolver dilaceraesintestinas, a auto exclusodafiguramaior de Prestes e, ao fime ao cabo, a sadadopartidode militantes expressivos, inclusive intelectuais do portede CarlosNelson. Os"renovadores" perderam, doponto de vistaorgnico,a sua aposta, embora, ironicamente, a resoluopolticaaprovadapelo VII Congresso (Uma alternativa democrtica para a crise bra-sileira. So Paulo: NovosRumos, 1984) consagrevriasdas tesesdefendidas por eles.Comesta derrota orgnicae depoisde 20anosde vidapar-tidria, CarlosNelsonsai doPCB. Maslevava consigo, assimila-da, a "cultura comunista" prpriadoPCB, queo acompanha atosdias dehoje- ningum, comseriedade, passaimpunementepor duas dcadas numpartido comunista srio. Esai nomes-mocompasso emquesuareflexoterico-crtica deixavadedarprioridade aotratamento dos fenmenos esttico-culturais paracuidar preferencialmente dahistriada formao social brasileiracontempornea.Do debate sobre democracia e socialismo s novas apostasOdeslocamento dofoco das reflexes deCarlos Nelsondacrtica literria e filosfica para o terreno dateoria poltica,sobodireto influxo de Gramsci evoltado para aateno aoBrasil contemporneo - deslocamento que, iniciado noexlio,serconsolidado no curso dos anos 1980-, no significou o68Breve nota sobre ummarxista convicto econfessoabandono das suas preocupaes estticas nem, segundo eleprprio, asubstituio das suas referncias lukacsianas pelasgramsclanas.Quanto aoprimeiro aspecto, verdade queCarlos Nelsoncontinuou tematizando problemas d teoriaesttica e at mesmoacrticaliterria- veja-se, por exemplo, o tardio e breve ensaio"Opovonaobrade Jorge Amado" (j esboado em"Jorge Amado,o povoe a literatura". O Dirio, Lisboa, 13 deagostode1977, ehoje novolumecoletivo Umgrapina no pas docarnaval. Salva-dor: FJCA/EdUFBA, 2000) ou, substantivamente, asreservasaLukcse a revisoa quesubmeteu os textosreunidos emLukcs,Proust e Kafka (2005). Entretanto, parece-mepossvel afirmar quemesmo esteinteresse- prosseguimento dasuaproblematizaodo "mundo da cultura" -, crescentemente secundarizado nos anos1980, estar a partir dasubmetido a umregistrodiferente, sobre-determinado pelas suas preocupaes terico-polticas. Oregistrotericoprprio dopensamento deCarlos Nelson quechamareidemaduro (vale dizer: dopensamento queelaboradesdeo inciodos anos 1980, quando se aproximavada casa dos 40anos de ida-de) no tratodo "mundoda cultura" aparece, inquestionavelmente,numaconferncia quepronunciou em1980, emSo Paulo("Osintelectuaise a organizao da cultura", depoisrecolhida emCul-tura e sociedade noBrasil), consolidando a matriz analtica avan-ada numtextode poucoantes (1977-1979), "Cultura e sociedadeno Brasil"(tambmcoligidonesteltimolivro).Osegundoaspecto - seu caminho de Lukcsa Gramsci - mais polmico. Para algunsanalistas, entre os quais se incluio sig-Il::ttriodapresentenota, este trnsitono algo pacfico, mas, ao{~()ntrrio, carregadode problemase tenses.CarlosNelson- semgnorar as profundas diferenas entre os dois pensadores - tem sus-lrntado, desde os anos1980, a compatibilidade entre as concepesllr ambos(f-Io, aindarecentemente, numbelo ensaio - "Lukcs e69JosPaulo NettoGramsci: apontamentos preliminares para uma anlisecompara-tiva" - publicado emDe Rousseaua Gramsci). Eis, emresumidascontas, a concluso do seu argumento: falsa a alternativa LukcsouGramsci, sendo mais cabvel a frmulaLukcs e Gramsci.Paraalmde quaisquer outras notaes, o fato quea refe-rnciareiteradadopensamento maduro de CarlosNelson mes-moAntonio Gramsci (de 1980 a 2005, paraalmdo que j listei,contabilizo pelomenos outras quinze (15) intervenes textuaisexpressamente dedicadas ao comunista sardo)- respondendo di-retamente natureza de suas novas preocupaes de pesquisa.Mas precisosublinhar que o seu universointelectual continuoua enriquecer-se (sempre merc de umestudosistemtico), seja porreleituras, seja por novasleituras. No primeiro caso, estarevi-sitaoa seusqueridos Hegel eRousseau (revisitao efetivadaapartir dos anos 1980, mas cuja objetivao textual especfica posterior - cf. "Crticae utopiaemRousseau". LuaNova. Culturae poltica. So Paulo: Cedec, 37, 1996; Hegel e ademocracia. SoPaulo: Instituto deEstudosAvanados/USP, ColeoDocumen-tos, Srie Especial 1.6, julhode1997; e ''A dimenso objetivadavontade geralemHegel". Lua Nova. Cultura e poltica. So Pau-lo: Cedec, 43, 1998) e tambma Weber (atendendoespecialmen-te aos cursosacadmicos quecomeou a ministrar). Nosegundocaso, oexamemais acurado dostericos deFrankfurt, especial-menteAdorno (porquej conhecia Horkheimer e Benjamin, se queeste podeser pensadocomofrankfurtiano, e tambmHaber-mas),refratado s parcialmente, por exemplo, nopequeno artigo''A Escola de Frankfurt e a cultura brasileira"(Presena. Revista depoltica e cultura. Riode Janeiro, 7, marode1986) e, ainda, deautoresto distintos comoH. Arendt, J. Rawls, R. Dahl, C. Gffe,C. B. Macpherson e C. Lefort.Na primeira metade dos anos 1980, praticamente toda aproduo (ensaios, conferncias, intervenes polticas, artigosna70Breve nota sobre ummarxista convicto econfessogrande imprensa) deCarlosNelson estarvoltada para a proble-matizao darelaoentredemocracia e socialismo- e ser pre-cisamente nesteperodo queos influxos eurocomunistas maissefaro sentir sobre a sua reflexo, influxos que, posteriormente, es-pecialmente na segundametadeda dcad~ de 1990, iro se esbater(o que, certamente, no alheio flagrante constatao do inteirofracasso das propostas eurocomunistas na Europa).Ningum, aoqueeusaiba, contesta quefoi Carlos Nelsonaquele que colocou adiscusso da relao democracia/socialis-mo nocorao da agenda daesquerda brasileira, comoensaio''A democraciacomovalor universal" (Encontros com aCivilizaoBrasileira. Riode Janeiro: CivilizaoBrasileira, 9/3/1979; depoisobjetodereedies). Publicado jnaagonia doregimeditatorial(agonia quese prolongaria at 1985), quando as forasdemocr-ticas brasileirasexperimentavam ummovimento ascendente, e seestruturavamnovos instrumentos de intervenosocial e poltico--partidria, este ensaiotornouo nomede CarlosNelsonconheci-do paramuito almdoscrculosdo"mundo dacultura". Imensafoi a sua repercussopoltica - e o autorganhoua notoriedade queI'oda a sua interveno cultural anterior nolhehaviagranjeado.Nas fronteiras dacompsita frenteantiditatorial, o ensaioprovo-;ou frisson: enfim, dizia-se, umcomunista rende-se aosvaloresdemocrticos; na esquerda, tambmela heterclita, armou-seumaIlolmica que no se viu livre de equvocos; mas, nela, desde ento,I questodemocrtica ficoucravada de formadefinitivae nomaisIl()deser eludida - e talvezresidaa omritosubstantivo queseIk:veatribuir ao textotornado famoso. bvioquea umautornopodemser debitados os abusos1'1 )~rados apartir deuma tese, deuma ideia, mormente quandoI ollCjuistagrande ressonncia. Ao longodos anos 1980 (e nos),liA democraciacomo valor universal"serviu a quase tudoe a quaseII H los: ao repensamento srio doprojetosocialista, retomada da71JosPaulo Nelloinspiraode "clssicos" da tradiorevolucionria, rendioaoliberal-democratismo burgus, ademocratas sinceros eaoutrosnemtanto, a marxistas de ocasio e a ex-guerrilheirosconvertidosao credo da cidadania liberaloide, ao ambientalismo dentro da or-deme promoo de ONGs. CarlosNelsonnopodeser respon-sabilizadoporalguns usos e os muitos abusos de queo seu ensaiofoi objetoepretexto direita eesquerda. Mas continuamenteinsistindo na validez doncleoduro de ''A democraciacomovaloruniversal", ele discretamente pareceadmitir que a sua formulaooriginal de1979 nofoi das maisprecisas e felizes - quando, porexemplo, concede, recolhendoa inspiraodo ltimoLukcs, queo valor universal no a"democracia", masa"democratizao"(cf., entre outrasmanifestaes suas, "Democratizao como valoruniversal". Proposta. Riode Janeiro: Fiocruz, 61, junho de1994,retomado na entrevistaa P. C. C. Bocayuvae S. M. Veiga [orgs.],Afinal, quepas este?RiodeJaneiro: DP&AEditores, 1999);entretanto, precisoconvir,a meu juzo, que as duaspalavras(nolimite, os doisconceitos)nopodemser tomadas(os) comosin-nImos.Dequalquer forma, nos anosimediatamente seguintese de-pois, em inmeras intervenes, Carlos Nelsontratoude enfatizarquea suadefesa dademocracia eraparte inerente ao seuideriosocialista, que aconsequncia radical doprincpio democrticoeraa proposta socialista; enfim, tratou deexplicitar, comitlicosnooriginal, "que, se semdemocracia no hsocialismo, tampoucoh democracia plena econsolidada semsocialismo, ouseja,semasuperaodasociedadede classes, fundada naexploraodoho-mempelo homeme na alienao" (Contra a corrente. Ensaiossobredemocracia e socialismo. So Paulo: Cortez, 2aed., 2008, p. 17).Omote segundoo qual "sem democraciano h socialismo"(sempreesempre reiterado- cf.,por exemplo, "Semsocialismono h democracia". Caros Amigos. So Paulo, n. 153, dezembrode72Breve nota sobre ummarxista convicto econfesso2009) permite-me abriraqui umparntesepara j antecipar a rea-o de CarlosNelsonao colapso, na passagemdos anos 1980 aosanos 1990, dochamado socialismo real- cujo dficit democrticosemprelhesaltou vista. Semquestionar o significado histricodaRevoluodeOutubro, reconhecendo aimportncia dacon-tribuio sovitica defesa dacivilizaoameaada pelonazifas-cismo, os impactos positivos daUnio Soviticasobreaprpriademocratizao doOcidente easuaativasolidariedade slutasde libertao nacional e anti-imperialistas, CarlosNelsonsemprese mostrou suficientemente crticodiante dosenormeslimites do"degelo" promovido a partir do XX Congressodo PCUS(dos seustextos sobre a literatura sovitica,aindade meadosdos anos 1960, sua avaliao deSoljenitsin, naentrada dos anos 1970, este po-sicionamento ntido; e j mencionei, noquetoca poltica ex-ternado Estadosovitico poca, a sua atitude diante da invasoda Tchecoslovquia em1968). Desdemeadosdos anos 1970 - e aruim me pareceque, neste aspecto, os rumos tomados pelaURSS1iobBrejnev e a relaode CarlosNelsoncoma verso italianado'urocomunismo foramdecisivos -, contudo, ele foi aprofundando:1 sua crtica ao socialismoreal (que aparececomotal, porexemplo,no artigo''A Polniae o futuro do comunismo". FolhadeS.Paulo,14/1/1982; e depois em''A esquerda rev Moscou". Jornal doPT,SetoPaulo, n. 3, agostode 1988). Valeu-se muito, neste aprofunda-mento, da inspiraogramsciana acerca daestatolatria para pensar. criticar)a experinciasovitica. Se CarlosNelsonviucomsim-p:ltia a tentativa de autorreforma de Gorbatchev, nose surpreen-dl..:LL comoseufracasso, embora olamentasse. No entanto, noll\i tomadopor "perplexidades" neminvoluiuparaa cantilena da"lll:cessidadede novas utopias": compreendeu o colapso do socialis-lI/O real comoexaurimento deuma experinciahistrica extrema-Illente relevante, da qual h que extrair lies para a reconstruo,/()Ilre novosfundamentos, doprojeto socialistaedomovimento73JosPaulo Nettocomunista ( o quese inferede textos, entremuitos, como"Crisee reconstruo do projetosocialista", in J. Almeida e VCancelli[orgs.], Estratgia. Aluta poltica almdo horizonte visvel. So Pau-lo: Fundao Perseu Abramo, 1998; "Osocialismohoje: entre cri-se e reconstruo". in Vv. Aa., Osignificado daRevoluo Socialistade1917. So Paulo: Centro de Estudos Sindicais, 1998, e "Crise eperspectivasdo socialismo", in VIorio[org.], Conversas na Biblio-teca. Riode Janeiro: Fundao Biblioteca Nacional, 2009). E, ex-pressamente quanto ao marxismo, em 2000continuou insistindoque ele "conserva seu valor analticoe sua atualidade prtica, mes-moou sobretudo depoisdo colapso dosocialismo real" (prefcio 1a ed. deContra a corrente. So Paulo: Cortez, 2000).Cumpre notar aindaque, em visceralrelaocomo debatesobre democracia e socialismo, CarlosNelsonformulou - ao queme parece, conclusivamente - a sua concepoacerca do pluralis-motanto noplanoterico (cf. "Pluralismo: dimenses tericasepolticas". CadernosABESS 4. Ensino emServioSocial; pluralismoeformao profissional. So Paulo: Cortez, 1991) quanto nopol-tico(que ele tematiza, creioquepeladerradeira vez, numensaiocontidona2aed.deContra acorrente).Retomemos o fio da meada. A problematizao operadaporCarlos Nelson darelaodemocracia/socialismo tambmse vin-culavaestreitamente aoquadro poltico datransio doregimeditatorial democraciapolticaem cursono Brasil - e queele, emsuasanlises daconjuntura da poca, qualificou ecaracterizoucomo"transiofraca" (cf. o item1de "Democracia e socialismonoBrasil de hoje", inDemocracia e socialismo). Emvrios dos seusescritos dosdois primeiros teros da dcadade1980, CarlosNel-sonapresentaa suainterpretao doprocessoquese desenrolavanoBrasil, na qual muitas dasprincipais categorias gramscianasso empregadascomofundamentais instrumentos heursticos (Es-tadoampliado, sociedadecivil, revoluo passiva, hegemonia, nacio-74Breve nota sobre ummarxista convicto econfessonal-popular, bloco histrico, guerra demovimentolguerra de posio,transformismo etc.); j se viuque nofoi o nicoa faz-lo, masfoiaquele que maissistemticae rigorosamente o fez. Privilegiando arelao Estado/sociedade civil, es.forou-sepor compreend-Ia, emprofundidade enasconcretas condies donossopas, emsuasdimenses sincrnica e diacrnica - aqui se voltando novamentepara a documentao histricae sociolgica brasileira e reinterpre-tandoa obra de autoresfundamentais (cf., por exemplo, "Umavia'noclssica' parao capitalismo", in Mariangelad'Incao [org.],Histria e ideal. EnsaiossobreCaioPradojnior. So Paulo: Brasi-liense-Unesp, 1989; "Marxismo e'imagemdoBrasil' emFlores-tanFernandes", in Cultura e sociedade noBrasil. Riode Janeiro:DP&A, 2aed., 2000; e tambm"Umaimagemmarxista doBra-sil", in M. VIamamoto eE. R. Behring [orgs.], Pensamento deOctavio Ianni. Umbalano desuacontribuio interpretao doBrasil. Riode Janeiro: 7 Letras, 2009).desnecessrio relembrar nesta nota aefervescnciasocial: polticadosanos 1980, doagravamento daagoniadaditadura:\ suaderrota eseleiesde 1989: reingresso aberto da classeoperria na cena poltica, revitalizao do movimento sindical; sua expanso para muito alm das fronteiras proletrias,vigorosa emersode movimentos sociais, legalizaodos partidos'omunistas eformao deoutros partidos, potencialidades para.'onstruirnasociedade brasileiranovas vontade e hegemonia po-1fticas...Ento, pelaprimeira vezdesde 1964, Carlos Nelson pdeLI'/,cra experincia, em seu pas e com a sua identidade terico-po-Illica posta luz dosol, de buscar sujeitos coletivos sobre os quais,'11 Iar a suareflexoterica, queo quadro sociopoltico, por seu1lll'no,estimulava e exigia, permitindo-lhe articular as suas ideiasI (1mtendnciasobjetivamente dadase operantes narealidade so-1'1,11, tendncias que expressavamas longa eduramente reprimi-75JosPaulo Nettodasdemandas dedemocracia e transformaes sociais. Naquelesbreves anos, Carlos Nelson pde imaginar queviviaasituao(queo jovemMarx tosugestivamente figurara) dequetanto oseu pensamento se dirigia realidadequanto esta se dirigiaao seupensamento. Pareciaque, novamente, oespritoda poca estava afavorec-Io - e, em parte, favoreceu-o efetivamente: propiciou-lhe,ento, ascondies para quese constitusse uma afinada sinto-niaentreas suas preocupaes tericas, a sua participao poltica(aindanonecessariamente partidria, masesta logo se manifes-taria)e demandas democrtico-populares expressas mobilizadora-mente. Em suma, nos anos1980, o pensamento maduro de CarlosNelson pdecontar comevidnciasparadesenvolver muito pro-priamente as ideias no seu lugar- se evocarmosa polmicadesata-da nos anos1970 por outrotexto clebre de RobertoSchwarz("Asideias fora do lugar".Revista Cebrap. So Paulo: Cebrap, 3, 1973),polmicada qual CarlosNelsontambmparticipou (cf. "Culturabrasileira: umintimismo deslocado sombrado poder". Cadernosdedebate. Histria. So Paulo: Brasiliense, 1, 1976).Tambmnohespao, nestanota necessariamente limita-da, para referiro largorol deintervenes (artigos, ensaios, con-ferncias, entrevistas) queCarlos Nelsondedicoua esta quadra davidabrasileira, demonstrando aintensidade comqueele a viveu- parte significativados materiais queentoproduziu est coligi-da em algunsde seus livros (por exemplo, Democracia e socialismo,Contra acorrente, Intervenes). Oimportante asalientar que,no processode elaboraodesses materiais- cujo objetoprimeiro,frequentemente, foi aconjuntura poltica -, Carlos Nelson con-solidoua suainterpretao doBrasil contemporneo. E istoporquesuasanlisesdaconjuntura nose limitaram direta e pragmati-camente microavaliao das foras das classes empresena, perspectivao dosinteresses emcontradio, detecodecon-flitos de poder. Foi almdosepifenmenos e daimediaticidade:76Breve nota sobre ummarxista convicto econfessoprocurando prospectar as tenses, as possibilidades e as alternati-vas que se desenhavamno horizonte da grandepoltica (parece-mecomprovada factualmente asua projeoacercadoembate entreos projetos"liberal-corporativo" e de "de.mocracia de massas" - cf.o item 2 do j citado"Democracia e socialismono Brasil de hoje"),tambmas chancesde constituio de umnovointelectual coletivo,Carlos Nelson articulou, criativamente, os componentes deumaoriginal teoriadoBrasil contemporneo.Efoi exatamente nocursodesteprocessoque, j completa-dos os seus 40anos, moveu-se em direo instituio acadmica.Apsuma breve passagem, noinciodos anos 1980, pelasFacul-dadesBennett (RJ), CarlosNelson, em1986, atravs de concursopblico, obtevea livre-docncia emPolticaSocial naUniversida-deFederal doRiode Janeiro, tornando-se, naEscoladeServioSocial, professortitular do Departamento de PolticaSocial e Ser-vio Social Aplicado.Omovimento deCarlos Nelson no decorreu apenas emfunodaabertura das universidades aos novosventosdemocr-ticos: quetais ventos, ento, sopravammuito peculiarmente naUFRJ - dirigia-aumreitor atpico, o primeironoBrasil eleito porvotodireto, cientistae professor respeitado, qumicode nomeadaeviolinista nas horas vagas, o histricocomunista HorcioMacedo(1925-1999). E na Escola de Servio Social vivia-se uma verdadeirar(;voluo, conduzida pelo grupodas professorasMariaHelenaR.I{amos e Maria InsS. Bravo, querompiacomo tradicionalismo(' o corporativismo at entocaractersticos do ServioSocial bra-Njlciroe dominante na instituio. Por umquarto de sculo,Car-IClS Nelson, emprestando seu prestgio intelectual quelaunidadelcadmica, desfrutou ali de umambiente de trabalho acolhedor.E, ainda nofinal dosanos 1980, fez outra apostapoltico-pn rtidria: ingressounoPartido dos Trabalhadores (PT), acom-Ih'llhandoLeandro Konder e Milton Temer. Lastreadopela"cul-77JosPaulo Nettotura comunista" que assimilou em20anos dePCBe coerente coma suaconvico acerca dopapel necessrio e insubstituvel do par-tidocomo instncia deuniversalizao das demandas poltico-so-ciais, viu no PT o partido denovotipoe oinstrumento adequadopara amilitncia socialista nas condies brasileiras - militnciaque poderia exercitar oque eleformulava (1989) como reformis-mo revolucionrio, no quadro da sua concepo processual de re-voluo (cf. "Democracia esocialismo: questes de princpio", inDemocracia e socialismo).Intelectual eminente entre os muitos intelectuais eminentesque' se filiaram aoPT, aolongo demais dedezanos - tendo feitoparte do"governo paralelo" (coordenando a "Secretaria deRelaesExteriores") queo partido montou nasequncia daeleiodeCollordeMello -, Carlos Nelson participou dos debates intrapartidriose sempre marcou posio emseus fruns nacionais. Atrajetria doPT, contudo, deixou-o progressivamente descorooado; olimite dasuatolerncia chegou quando opartido, comumcentralismo per-sonalista que operava aoarrepio deinstncias efetivamente demo-crticas, rendeu-se de fato eno governo vaga neoliberal (cf. ''Asmetamorfoses doPTe o governo Lula", in Intervenes). Recorde-se,alis, que Carlos Nelson, a partir dofimdos anos 1980, contribu-ra para desvelar ocarter medularmente antidemocrtico, elesivoaos interesses imediatos emediatos dos trabalhadores, da ofensivaneoliberal; uma sntese das suas ideias sobre esta problemtica, elea ofereceu naconferncia ''A poca neoliberal: revoluo passiva oucontrarreforma?" (publicada primeiro emitaliano e depois recolhi-dana2aed. deContraa corrente).Em 2004, o "marxista convicto e confesso" (talvez exata-mente por s-lo) abandonou asfileiras do PT efeznova aposta:foi, como outros intelectuais significativos, um dos fundadoresdo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) - aolado, outra vez, de78Breve nota sobre ummarxista convicto econfessoLeandro Konder e Milton Temer. Elessoos trs mosqueteiros daesquerda marxista no Brasil.Paraaavaliaodaobrade (arlo~NelsonAobra de Carlos Nelson caracteristicamente ensastica -mas no creio que asua opo pela forma do ensaio tenha sidouma escolha apenas consciente epuramente individual: ela, se-guramente, insere-se nos, e deve-se sobretudo aos (como diria umilustre socilogo ignorado pelas geraes mais novas, G. Gurvitch),quadros sociais da inteligncia brasileira aotempo dos seus anosdeformao.O trnsito dos anos 1950 aos anos 1960 - com opanora-masociopoltico que sinalizei muito esquematicamente linhas aci-ma, indicador das profundas mudanas por que passava opas:auge da industrializao substitutiva de importaes (aque logose seguiria a industrializao pesada), crescimento doproletariado,urbanizao acentuada, movimentos demobilidade ocupacional,I'ocial e espacial, ampliao deoportunidades deeducao formal;tc. - implicou importantes alteraes nadinmica cultural brasi-kira. Uma dentre taise muitas alteraes foia renovao (inclusivepor razes geracionais) do ensaiocomo forma de expresso inte-lectual; jcomlarga tradio e umelenco degrandes cultores naIltcligncia brasileira, ele ento se redimensiona vigorosamente,IIIfcrencia-se, amplia ouniverso dos seus objetos eas suas reasli'mticas. No mbito emque oensaio mais dispunha dehistria1'llI rc ns - odacrtica literria -, esta renovao saliente.Emmeados dadcada de 1960, estreiam emlivrotrs jovensI11Ioresque marcariam indelevelmente a histria doensasmo bra-Idro e atestam a renovao a quemerefiro: JosGuilherme Mer-qllior (1941-1991), comRazo do poema, Roberto Schwarz (1938),I tllll A. sereiaeodesconfiado (ambos editados no Rio deJaneiro79JosPaulo Nettopela Civilizao Brasileira, em1965) e Carlos Nelson, que publicaLiteratura e humanismo em1967. Trs talentosas trajetrias que secumpriram (embora seja aqui incorreto opretrito, uma vez queSchwarz e Carlos Nelson continuam vivos e a produzir) medianteinseres scio-ocupacionais e inspiraes diversas - Merquior noservio diplomtico, Schwarz naacademia e Carlos Nelson sin-gressando nelatardiamente. O primeiro inscrevendo progressiva econscientemente a suaproduo emummarco dereferncia libe-ral (ele, certamente, dir-se-ia um"social-liberal"); Schwarz desen-volvendo seutrabalho sobre umterreno emque decisivos compo-nentes marxistas (lukacsianos) confluem comfortes impostaesdeFrankfurt (Adorno); e Carlos Nelson, emumespao marxistabalizado por Lukcs e Gramsci. Na diferenciada evoluo dostrs,verifica-se - tambm diversamente - que o trato originalmentedirecionado para a literatura desbordou esteobjeto e incidiu sobrea filosofia e a teoria poltica (expressamente emMerquior e CarlosNelson, mais matizadamente emSchwarz). Todos eles tiveram/tm no ensaio a sua forma expressiva essencial eacontribuioque ofereceram/oferecem cultura brasileira ainda aguarda, pare-ce-me, uma avaliao cuidadosa que dconta das suas respectivasimportncias.No caso deCarlos Nelson, a meu juzo, esta necessria ava-liao dever distinguir nasuaobra trs nveis. Oprimeiro o quechamarei de publicstico: nelese encontra oconjunto detextos, demaior ou menor flego, emque Carlos Nelson tem por objetivoresumir uma determinada problemtica ouesclarecer as ideias/te-sescentrais deumgrande intelectual. Sonumerosos osseus tex-tos que se enquadram neste tpico - mas, entre tantos, considerotpicos, por exemplo, "Orealismo como categoria central dacrti-camarxista" (Literatura e humanismo), a"introduo" aos textosgramscianos coligidos no Gramsci (L&PM, 1981) e, igualmente,a"introduo" a' Oleitor de Gramsci. Compulsando-se estes ttu-80II'HVIl 1IIIftl ~"III" 11111111111 xliII " 11I11VI,lu " IIIIII"~'''Iln.~, vobreoBrasil redigidos a partir de 1980 - elaborou uma viso/l1'/leuladae sistemtica da constituio doEstado burgus noBra-81JosPaulo Nettosil e suas relaes comasociedade civil, apreendendo preferencial-mente assuasmodificaes noperodo ps-1930. Nessestextos,ele construiu o que, ao referir-se a Octavio lanni, designoucomouma "imagemdoBrasil", ouseja, "noa descriodeelementosparciais denossarealidade social, oumesmodenossarealidadeglobal, mas atentativa decompreender agnesehistrica destarealidadee de identificar as tendncias contraditrias que ela com-porta nopresentee queapontamparao futuro" ("Uma imagemmarxista do Brasil",inPensamento deOctaviolanni, cit., p.57). Atalimagemestouchamando a suateoriadoBrasil contemporneo;seu ncleoduropodeser sintetizadonas palavras do prprioautor:(...) Cabeinsistir que a naobrasileirafoi construda a partir doEstado,enoapartir daaodas massas populares. Ora, issoprovoca conse-qunciasextremamente perversas, como, por exemplo, o fatode que tive-mos, desdeoinciodanossaformao histrica, uma classedominantequenada tinha a ver como povo, quenoera expressodemovimentospopulares, mas que foi imposta ao povo de cimapara baixooumesmodeforaparadentro e, portanto, nopossuauma efetiva identificao comasquestes populares, comasquestes nacionais. Para usar a termino-logiadeGramsci, isso impediu quenossas 'elites', almdedominantes,fossemtambm dirigentes (Contra acorrente. So Paulo: Cortez, 2aed.,2008, p. 111).(...) Empenho-me sempre pordemonstrar que o problema central dacul-turabrasileira (...) temsua gnese na ausnciade um'grande mundo' de-mocrtico emnossa sociedade (...), ausnciaque resultados processosdetransformao peloalto('via prussiana', 'revoluopassiva') quemarca-rama histriabrasileira(...) (Cultura e sociedade noBrasil. Riode Janeiro:DP&A, 2aed., 2000, p. 10).(...) OBrasil se modernizou 'pelo alto', prussianamente, passivamente,gerandocomisso formasextremamente perversasde desigualdade social,tremendos dficits decidadania; maso fato que, malgrado isso, nosso82Breve nota sobre ummarxista convicto econfessopasse modernizou, tornou-se o que Gramsci chamaria de uma'socieda-deocidental'. E isso nosobrigaa novasreflexese desafiostericos. (...)Torna-seagoraurgente umareflexoque busqueelevar a conceito (comoHegel gostavade dizer)a especificid~dedoBrasilcontemporneo (Inter-venes. So Paulo: Cortez, 2006, p. 148).A suateoriadoBrasil constitui, exatamente, a sua contribui-onosentido de"elevar aconceito" anossaespecificidade con-tempornea.Esperotenha ficadoclaro, pelasminhas observaesprece-dentes, que esteterceiro nvel concretiza odeslizamento opera-dopelasua reflexonasegunda metade dos anos 1970, tanto noque diz respeitos suas referncias tericas(de Lukcsa Gramsci)quanto ao direcionamento dasua pesquisa (da focagemliterrio--filosfica teoriapolticacentrada noBrasil). Tal deslizamento,comoigualmente procurei sugerir,nose produziu apenasem ra-zo da experinciado exlio, aindaqueesta tenha desempenhadonele umpapel relevante - mas j se esboava nosegundoterodadcada de 1970, por razes imanentes maturao doseu pensa-mento epor imperativos doconhecimento deumBrasil em profundatransformao.Esta derradeira notao meparecedecisiva para quando seapresentar a oportunidade de avaliar, comcuidado e muitorigor,:l totalidade dosescritosdeCarlosNelson- porque ento, e estaJ. a minha hiptese bsica, verificar-se-a unidade que, tecidaporumcontnuo fio vermelho, articula dialeticamente osdiferentesm.omentos e nveisdasuaproduo e lhesconferea inteireza de{"ma obra.83