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Confissões de uma Suspeita de Assassínio · vizinho mais velho tido um enfarte? miolo 5 CUSA.indd 9 07/10/2013 13:24. 10 James Patterson com Maxine Paetro ... Porque é que o porteiro

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C o n f i s s õ e s d e u m a S u s p e i t a d e A s s a s s í n i o

1morte na

casa dos anjos

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C o n f i s s õ e s d e u m a S u s p e i t a d e A s s a s s í n i o

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Tenho segredos inconfessáveis para partilhar e mais vale que

seja consigo — um estranho, um leitor, mas acima de tudo, uma

pessoa que não pode fazer-me mal. Portanto, aqui vai, ou tudo ou

nada. Já nem estou certa de conseguir ver a diferença.

Na noite em que os meus pais morreram — depois de os seus

corpos terem sido levados pelo elevador de serviço em grossos sa-

cos pretos de transporte de cadáveres — o meu irmão Matthew gri-

tou com toda a força dos seus poderosos pulmões: «Os meus pais

eram maus, mas não mereciam ser levados como lixo!»

Ele tinha toda a razão quanto à última parte do protesto — e

também quanto à primeira, como se veria mais tarde.

Mas estou a pôr o carro à frente dos bois, não estou? Peço des-

culpa… É uma mania minha.

Estava a dormir no piso inferior, mesmo por baixo do quarto-

-estúdio dos meus pais, quando tudo aconteceu. Por isso não ouvi

nada — nem um bater frenético, nem um grito de terror, nenhum

ruído, nada. Acordei com os berros das sirenes a subir a Central

Park West, provavelmente um dos sons mais habituais na cidade

de Nova Iorque.

Mas nessa noite era diferente.

As sirenes pararam à nossa porta. Foi isso que me fez acordar

com o coração a cem à hora. Estaria o prédio a arder? Teria algum

vizinho mais velho tido um enfarte?

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J a m e s P a t t e r s o n c o m M a x i n e P a e t r o

Atirei para o lado os meus dois cobertores, fui à janela e olhei

para a rua, nove estonteantes andares mais abaixo. Vi três carros

da polícia e o que parecia ser um carro à paisana estacionado na

Seventy-second Street, mesmo nos portões da frente do nosso blo-

co de apartamentos, o exclusivo e famigerado Dakota.

Momentos depois, a campainha tocou, um apito estridente que

me socou o peito através da carne e dos ossos.

Porque é que o porteiro nos estava a ligar? Era de malucos.

O meu quarto era o que ficava mais perto da porta de entrada,

por isso atravessei a sala, fiz uma curva apertada à direita junto aos

tubarões no aquário em forma de mesa de café e passei entre Ro-

bert e a sua TV sempre ligada.

Quando cheguei ao átrio de entrada, atirei-me ao botão do in-

tercomunicador para deter aquele toque irritante, antes que acor-

dasse a casa toda.

Falei num murmúrio para o porteiro, pelo microfone:

— Sal? O que se passa?

— Menina Tandy? Vão dois polícias a caminho do seu aparta-

mento. Não consegui detê-los. Receberam uma chamada do 112.

É uma emergência. Foi o que eles disseram.

— Só pode ser engano, Sal. Está toda a gente a dormir. Passa

da meia-noite. Como é que os deixou subir?

Antes que Sal pudesse responder, a campainha tocou e depois

ouviram-se socos na porta. Uma voz masculina áspera disse:

— É a Polícia, abram.

Certifiquei-me de que tinha a corrente de segurança posta e abri

a porta — mas abri só uma frincha.

Espreitei pela abertura e vi dois homens. O mais velho era gran-

de como um urso, mas tinha uma aparência suave e um bocado

mole. O mais novo era rijo e tinha uma cara dura e inexpressiva,

algo como a lâmina de um machado, ou… não, a lâmina de um

machado, é mesmo isso.

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O mais novo mostrou o distintivo e disse:

— Somos o sargento Capricorn Caputo e o detetive Ryan Hayes,

da polícia de Nova Iorque. Abra a porta por favor.

«Capricorn Caputo?», pensei. «Estás a gozar?»

— Devem ter-se enganado no apartamento — disse eu. — Nin-

guém daqui de casa chamou a polícia.

— Abra a porta, menina. E já.

— Vou chamar os meus pais — disse eu pela fresta da porta. —

Não fazia ideia de que eles estavam mortos e de que nós seríamos

os únicos suspeitos de um duplo homicídio. Estava a viver o meu

último momento de inocência.

Mas quem é que eu estou a tentar enganar? Ninguém na famí-

lia Angel alguma vez foi inocente.

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— Abra a porta, ou o meu parceiro deita-a abaixo ao pontapé!

— disse o Cara de Machado.

Não é exagero dizer que toda a minha família estava prestes a rece-

ber uma visita do inferno. Mas naquele momento eu só pensava que

a polícia não podia arrombar a porta. Estávamos no Dakota. Podía-

mos ser despejados por deixar alguém perturbar o sossego do prédio.

Tirei a corrente e abri a porta. Estava de pijama, claro; de tom

amarelo-gema com dinossauros à caça de borboletas. Muito longe

do traje que escolheria para receber a polícia.

O detetive Hayes, o tipo-urso, perguntou:

— Como se chama?

— Tandy Angel.

— É filha de Malcolm Angel e Maud Angel?

— Sou. Podem dizer-me o que vieram cá fazer?

— Tandy é mesmo o seu nome? — disse ele, ignorando a mi-

nha pergunta.

— Sim, é Tandy. Esperem aqui por favor. Vou chamar os meus

pais para falarem convosco.

— Vamos consigo — disse o sargento Caputo.

A expressão sombria de Caputo disse-me que não estava a pedir

autorização. Acendi as luzes, a caminho da suíte dos meus pais.

Estava a subir as escadas de caracol, a pensar que os meus pais

me iam matar por levar estes homens lá acima, quando de repente

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ambos os polícias me ultrapassaram com rudeza. Quando cheguei

ao quarto, a luz do teto estava acesa e os polícias estavam dobrados

sobre a cama dos meus pais.

Mesmo com Caputo e Hayes à frente, pude ver que o meu pai

e a minha mãe não estavam nada bem. Os lençóis e cobertores

estavam no chão e os pijamas estavam enrodilhados debaixo dos

braços, como se tivessem tentado despir-se. O braço do meu pai

parecia que tinha sido torcido para fora do sítio. A minha mãe es-

tava deitada de cara para baixo, atravessada sobre o corpo do meu

pai e tinha a língua de fora. Uma língua preta.

Não precisei do médico-legista para me dizer que estavam mor-

tos. Soube-o no momento em que os vi. Diagnóstico mais do que

certo.

Dei um grito e corri para eles, mas Hayes travou-me. Impediu-

-me de entrar no quarto, pondo as suas grandes patas sobre os

meus ombros e obrigando-me a recuar para o corredor.

— Lamento ter de fazer isto, — disse ele e fechou-me a porta

do quarto na cara.

Não tentei abri-la. Limitei-me a ficar ali. Sem me mexer. Qua-

se sem respirar.

Bom, deve estar a pensar porque é que eu não estava a berrar, a

guinchar ou a desmaiar de choque e horror. Ou porque não corri

em direção à casa de banho para vomitar, ou porque não me en-

rolava em posição fetal, abraçando os joelhos a soluçar. Ou a fazer

qualquer uma das coisas que uma adolescente que acaba de ver os

corpos dos seus pais assassinados deve fazer.

A resposta é complicada, mas vou simplificar: não sou muito

do estilo das outras raparigas. Pelo menos, tanto quanto possa di-

zer. Para mim, dar-me uma coisinha má estava completamente

fora de questão.

Desde os meus dois anos, quando comecei a dizer frases com-

pletas com sujeito e predicado, que Malcolm e Maud me disseram

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que eu era excecionalmente esperta. Mais tarde, disseram-me que

era analítica e concentrada e que o meu desprendimento face a

emoções fortes era uma característica soberba. Disseram-me que,

se desenvolvesse estas qualidades, atingiria, ou chegaria mesmo a

ultrapassar, o meu extraordinário potencial e isso não era apenas

bom: era ótimo. Era a única coisa que interessava, de facto.

Tratava-se de um desafio e eu aceitara-o.

Eis porque estava mais bem preparada para esta catástrofe do

que a maioria dos miúdos da minha idade, ou melhor, do que to-

dos os miúdos da minha idade.

Sim, é verdade que sentia arrepios de pânico a percorrer-me a

espinha, e que me chegavam à ponta dos dedos. Estava em choque

e talvez mesmo aterrorizada. Mas depressa mandei calar a voz que

gritava na minha cabeça e recompus-me, juntando os poucos factos

que tinha à minha disposição.

Primeiro: Os meus pais tinham morrido de uma forma horrível.

Segundo: Alguém tinha sabido da sua morte e chamado a polícia.

Terceiro: As nossas portas estavam fechadas e não havia sinais

de arrombamento. Tirando eu, os meus irmãos Harry e Hugo, e a

assistente pessoal da minha mãe, Samantha, não estava mais nin-

guém em casa.

Desci as escadas e peguei no telefone. Liguei para o nosso tio

Peter e para o nosso advogado, Philippe Montaigne. Depois fui

aos quartos dos meus irmãos e ao de Samantha. E, de certa for-

ma, dei a cada um deles a inexprimivelmente má notícia de que

os nossos pais estavam mortos e era muito possível que tivessem

sido assassinados.

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Consegue imaginar, caro leitor, as palavras que usaria para dizer

à sua família que os seus pais tinham sido assassinados? Espero

bem que sim porque eu não vou ser capaz de partilhar esses mo-

mentos terríveis consigo, neste momento. Mal nos conhecemos e

eu levo um bocado de tempo a aquecer. Espero que tenha paciên-

cia. Prometo que vai valer a pena esperar.

Depois de completar aquela horrível tarefa — talvez a mais hor-

rível da minha vida —, tentei focar a minha atenção no sargen-

to Capricorn Caputo. Era uma personagem de cara dura, como o

polícia violento de um daqueles filmes a preto e branco dos anos

quarenta, que fumam cigarros sem filtro, têm os dedos mancha-

dos de nicotina, e tossem até deitar os pulmões pela boca a cami-

nho do cemitério.

Caputo devia ter uns trinta e cinco anos. Tinha uma única so-

brancelha, uma tira contínua de pelo sobre os dois olhos negros que

eram duros como pedra. Os seus lábios finos juntavam-se numa

linha curta e seca. Tinha arregaçado as mangas do seu blusão azul

brilhante e reparei num símbolo do zodíaco tatuado no pulso.

Era precisamente o tipo de polícia que eu queria a trabalhar no

caso da morte dos meus pais.

Retorcido e mau.

O detetive Hayes era um bicho muito diferente. Tinha uma cara

essencialmente agradável e usava aliança, um corta-vento da polí-

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cia de Nova Iorque e botas com biqueira de aço. Aos nossos olhos,

três miúdos sentados num semicírculo atordoado à sua volta, pa-

recia simpático. Mas o detetive Hayes não mandava e não era ele

quem ia falar connosco.

Caputo pôs-se de pé, de costas para a nossa enorme lareira e

tossiu para o punho. Depois olhou à volta da sala, boquiaberto.

Nem conseguia acreditar que vivíamos assim.

E não posso condená-lo.

Avançou para o aquário em forma de mesa de café, com os seus

3000 litros de água e quatro brilhantes tubarões-pigmeu a nada-

rem em círculos em torno do seu arejador.

A boca ainda se lhe abriu mais quando viu o tritão em tama-

nho natural que estava pendurado pela cauda, preso ao teto junto

às escadas por um anzol ensanguentado.

Deu uma olhadela ao piano de cauda lacado a branco, a que cha-

mávamos Pégaso porque parecia que tinha asas.

E ficou a olhar para Robert, que estava reclinado num sofá da

La-Z-Boy com uma Budweiser numa mão e o comando na outra, a

olhar para a estática no seu ecrã de televisão.

Robert é uma criação notável. É mesmo. É quase impossível di-

zer que ele, o seu La-Z-Boy, e o seu televisor fazem parte de uma

escultura incrivelmente real e tecnologicamente muito avançada.

Foi moldado em gesso a partir de uma pessoa real e depois feito

em polivinil e num composto chamado Bondo. Robert parece tão

real que quase se espera que ele às tantas amachuque a lata contra

a testa e peça outra cerveja fresca.

— Para que é que isto serve? — perguntou o detetive Caputo.

— É um estilo artístico chamado hiper-realismo — respondi.

— Hiper-real, hein? — disse o detetive Caputo. — Isso quer di-

zer «extravagante»? Porque me parece que isso é uma espécie de

constante nesta família, não é?

Ninguém lhe respondeu. Para nós, isto era o nosso lar.

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Quando o detetive Caputo acabou de passar revista ao cenário,

fixou os olhos em cada um de nós, à vez. Limitámo-nos a piscar

os olhos. Não houve histerismos. De facto, não houve nenhuma

emoção aparente.

— Os vossos pais foram assassinados — disse ele. — Percebe-

ram? O que é que se passa? Ninguém aqui gostava deles?

Gostávamos deles, mas não era um amor simples. Para já, os

meus pais eram complicados: austeros e generosos, castigado-

res, exuberantes e contidos. E, portanto, nós éramos complicados

também. Sabia que cada um de nós estava a sentir o que eu sentia

— um tsunami de horror e perda e confusão. Mas não podíamos

mostrá-lo. Nem mesmo para salvar as nossas vidas.

Claro que o sargento Caputo não nos via como crianças destro-

çadas que passavam pelo pior dia das suas ainda tão curtas e ten-

ras vidas. Via-nos como suspeitos, cada um de nós, uma «pessoa

interessada» num duplo homicídio em quarto fechado.

Não tentou esconder o que pensava e eu não posso criticar o

seu raciocínio.

Achei que ele tinha razão.

O assassino dos meus pais estava naquela sala.

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O meu olhar pousou na cara zangada de Hugo, o meu irmão-

zinho de dez anos de idade. Pelos olhares que dirigia aos polícias,

fiquei com a sensação de que ele os considerava malvados e que

queria partir o sargento Caputo aos bocados como se fosse um fran-

go assado. A questão é que Hugo é provavelmente tão forte quanto

um adulto. Achei que ele era mesmo capaz de o fazer.

Que mais podia Hugo fazer?

Sentou-se na «Cadeira-Porco», uma poltrona cor-de-rosa com pe-

zinhos de porco esculpidos a fazer de pés. Parecia um amor, como

quase sempre. Vestia uma grande sweatshirt dos Giants sobre o pi-

jama. Como Golias era o seu herói bíblico, só aceitava um corte de

cabelo uma vez por ano. Por isso, como já lá iam onze meses des-

de a última ida ao barbeiro, o cabelo castanho caía-lhe pelas costas

como uma cascata numa montanha.

O meu irmão gémeo, Harrison, «também conhecido por Har-

ry», sentou-se no sofá de couro vermelho em frente a Hugo. Vocês

iam gostar de Harry; toda a gente gosta.

Somos gémeos falsos, claro, mas somos bastante parecidos,

com olhos e cabelo escuros que herdámos da nossa mãe. Eu uso

o cabelo pelos ombros, às vezes com uma fita. O cabelo de Harry

tem uns caracóis que eu morria para ter também. Ele usa óculos

de armação escura estilo Harry Potter. Ambos temos o hábito de

fazer caracóis com os dedos, quando estamos a pensar. Eu enro-

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lo o cabelo no sentido dos ponteiros do relógio e ele na direção

contrária.

Harry também tem um belo sorriso. Acho que também devo

ter, mas uso-o pouco, ao passo que Harry o usa muito. Talvez ele

seja o único Angel que sorri, de facto.

Naquela noite, Harry estava com umas calças de pintor e uma

sweatshirt, com o carapuço puxado para lhe tapar metade do rosto,

o que me dizia que ele tinha vontade de desaparecer. Estava com

uma respiração forçada e aguda, como se tivesse um apito na gar-

ganta, anúncio de que vinha aí um ataque de asma.

Samantha Peck, a bela e simpática assistente pessoal interna da

minha mãe, passara a noite no apartamento, do lado de dentro das

portas fechadas. Trabalhava para Maud e isso tornava-a suspeita, tam-

bém. Estava em pé atrás de Hugo com uma mão no ombro dele, a

sua cabeleira cor-de-areia a cair em cascata sobre o roupão cor-de-

-rosa. Tinha o rosto pálido e chupado, como se o coração tivesse para-

do de bombear sangue. Pensei que devia estar em estado de choque.

Caputo apontou para o televisor de Robert que transmitia está-

tica 24 horas por dia, sete dias por semana, e disse:

— Alguém pode desligar aquilo?

Hugo disse:

— Nunca o desligamos. Nunca.

Caputo dirigiu-se à parede e arrancou a ficha.

Por momentos, a sala ficou completamente em silêncio, en-

quanto Caputo nos observava para ver como nós reagíamos. Dei

comigo a desejar mais do que nunca que o meu irmão mais velho,

Matthew, aparecesse de repente. Tentei apanhá-lo várias vezes, mas

não atendeu o telefone. Podia não estar nas melhores relações com

os nossos pais, mas eu não conseguia concentrar-me completamen-

te até ele ter sido informado das suas mortes. E Matthew saberia

de certeza como lidar com estes polícias.

O sargento Caputo arregaçou ainda mais as mangas e disse:

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— O estúdio lá em cima é cena de crime. Está fechado até eu

dizer. Estamos entendidos?

Pensei em como os meus pais teriam querido que nos compor-

tássemos nesta situação.

A minha mãe era como uma máquina de movimento perpétuo,

nunca parava, mal dormia. Parecia reparar ao de leve nas pessoas

— mesmo nos filhos. Toda a sua energia estava virada para a aná-

lise dos mercados financeiros e a gestão dos biliões de dólares do

seu fundo exclusivo de ações.

O meu pai era dono da Angel Pharmaceuticals, a meias com o

irmão mais novo, Peter. Era um químico com um cérebro gigan-

tesco e enormes dons. Ao contrário da minha mãe, Malcolm inte-

ragia connosco de forma tão intensa que, após poucos minutos de

contacto com o meu pai, me sentia invadida até à medula.

Com todos os seus erros, Malcolm e Maud defendiam os inte-

resses dos filhos e preocupavam-se connosco. Não se cansavam

de nos ensinar a cultivar aquilo a que chamavam os nossos «po-

deres sobre-humanos»: a nossa força física, as nossas emoções e

os nossos notáveis QIs.

Os nossos pais queriam que fôssemos perfeitos.

Mesmo nesta situação, haviam de querer que nos portássemos

impecavelmente.

Poder-se-ia pensar que a pressão constante para sermos per-

feitos iria afetar as nossas relações com os outros e as expetativas

que temos de nós mesmos. É como ser uma máquina fotográfica

e o sujeito das suas fotografias ao mesmo tempo.

É um bocado tramado, não é?

Ainda assim, não sei como, os miúdos Angel sobreviveram a

isto — talvez de uma forma que eu podia descrever como… não

inteiramente natural. Mas já lá vamos.

Para já, decidi usar as capacidades que os meus pais nos incu-

tiram e recusei-me a reagir como Caputo queria.

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— Claro, agente Caputo — respondi-lhe por fim. — Não quere-

mos interferir com a sua investigação super-rigorosa.

Só tinha de esperar que os polícias me saíssem da frente.

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J a m e s P a t t e r s o n c o m M a x i n e P a e t r o

confissão

Se ao menos Caputo pudesse interrogar Robert. Sabem, Robert vê

coisas. Sabe de coisas. Acerca dos Angel. Acerca de mim. Por exem-

plo: ele sabe daquela vez em que eu enfiei o pé no ecrã dele. De pro-

pósito. Pelo menos foi o que me disseram. Eu nem me lembro. Mas

sei que aconteceu porque um dia era a melhor jogadora de lacrosse

de All Saints, e no dia seguinte acordei no hospital com cinquenta

pontos no pé e na perna.

No hospital, os rostos assombrados de Malcolm e Maud olhavam

para mim sem qualquer compaixão. Maud disse que, de qualquer

modo, nunca achara que o lacrosse fosse desporto para mim. Eu

nunca mais viria a praticá-lo. Malcolm anunciou que o meu Grande

Corte ia servir para reparar o Robert até o pôr como novo. Os meus

esforços foram, infelizmente, em vão; eis porque Robert hoje em dia

só vê imagens de estática. E foi mais ou menos tudo o que me dis-

seram. Não se exigem respostas a Malcolm e Maud.

Hugo foi o único que viu o que aconteceu. Diz que eu entrei no

apartamento com uma tal raiva que ele se escondeu atrás da escultu-

ra de Claes Oldenburg a ver-me pontapear Robert, enquanto gritava

«Eles mataram-na! Eles mataram-na!». O meu pé atravessou o ecrã

de Robert com a força de um camartelo, afirma.

Como posso ter feito isso? Precisaria de uma força sobre-humana.

Quando perguntei a Matthew, ele encolheu os ombros e disse ape-

nas:

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— É uma peça de arte, Tandy. Não tem a resistência de uma coi-

sa industrial.

Mais importante, ainda assim, foi porque teria eu feito isso. Podia

estar realmente a falar da minha irmã Katherine, que morreu?

Estaria a acusar Malcolm e Maud de terem matado a sua filha

mais velha?

E porque será que não me lembro de nada?

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J a m e s P a t t e r s o n c o m M a x i n e P a e t r o

5

Caputo continuava a andar de um lado para o outro e a tossir,

olhando-nos com maldade e avisando-nos de que se passássemos

para a zona proibida da suíte lá de cima, teria de nos retirar do

apartamento.

— Estou a fazer-vos um favor ao deixar que fiquem no piso de

baixo. Não façam com que me arrependa.

Encarei o detetive ameaçador e lembrei-me do que tinha sido

crescer aqui no Dakota — uma ilha murada dentro de uma ilha.

Era um dos poucos sítios do mundo onde me sentia segura.

Ainda assim, Malcolm e Maud não eram as primeiras pesso-

as a serem mortas no Dakota. Toda a gente sabia que Mark David

Chap man tinha abatido a tiro John Lennon mesmo em frente aos

portões onde os carros da polícia estavam agora estacionados. E ape-

nas dois andares abaixo do nosso, o ator Gig Young matou a mu-

lher e suicidou-se em seguida.

Agora os meus pais tinham sido assassinados na sua cama

por um homicida desconhecido por um motivo que nem consi-

go imaginar.

Ou talvez consiga… mas não quero. Isso são pensamentos mui-

to íntimos, que deixo para mais tarde.

Sentei-me ao lado de Harry, sob o olhar atento do sargento Ca-

puto, enquanto investigadores da polícia científica passavam pela

entrada privada que muito poucos nova-iorquinos alguma vez

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C o n f i s s õ e s d e u m a S u s p e i t a d e A s s a s s í n i o

tinham visto, mesmo em fotografias. Atravessaram o átrio empe-

drado e usaram os elevadores dos residentes para subir, o que era

estritamente proibido pelo regulamento do condomínio.

O sargento Caputo tinha-nos banido da suíte dos nossos pais…

mas eu vivia ali. Tinha os meus direitos. E já tinha aprendido, so-

zinha, as bases da criminologia.

Aprendi tudo acerca de JonBenét Ramsey quando tinha seis

anos, a mesma idade que ela tinha quando foi assassinada. Era uma

rapariguinha adorável, aparentemente alegre, destemida e amoro-

sa. Fiquei tão sensibilizada com a sua morte que escrevi à polícia

do Colorado, perguntando-lhe porque não tinham ainda apanha-

do o assassino. Ninguém me respondeu. Até hoje, o seu assassino

nunca foi descoberto.

O caso Ramsey inspirou-me a ler os trabalhos dos famosos pa-

tologistas forenses Michael Baden e Henry Lee.

Li vários guias práticos de investigação de homicídios, por isso

sabia que quanto mais tempo se demorasse a resolver um caso,

mais probabilidades havia de ele nunca ser resolvido.

Não tinha lá muita confiança nas autoridades. Se calhar, Capu-

to e Hayes até eram polícias honestos. Mas os meus pais para eles

eram apenas mais um caso. Era o máximo que eles alguma vez

seriam para a polícia.

Malcolm e Maud eram os meus pais. Devia-lhes isso. Devia-o

a mim mesma e aos meus irmãos, tentar resolver as suas mortes.

O facto é que eu era a detetive ideal para este caso. Era um tra-

balho que eu podia — e devia — fazer. Por favor, não fique a pen-

sar que eu sou convencida quando afirmo isto.

A questão é que sabia que a minha motivação pessoal e a mi-

nha teimosia ultrapassariam qualquer treino que estes tipos ti-

vessem.

Ao fim e ao cabo, sou uma Angel. Como Malcolm sempre dis-

se, nós tratamos do que há para tratar.

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Por isso, sentada ali na sala naquela noite, assumi a responsabi-

lidade de descobrir o assassino dos meus pais — ainda que viesse

a descobrir que esse assassino partilhava o meu ADN.

Ainda que se descobrisse que tinha sido eu.

Não se deve descartar esta hipótese, amigo.

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6

Conhece a expressão «narrador não-confiável»? Talvez das aulas

de literatura? É quando quem conta a história pode não ser mere-

cedor da nossa inteira confiança. De facto, o narrador pode ser um

mentiroso compulsivo. Por isso, dado o que acabo de dizer, o leitor

estará provavelmente a pensar: será o meu caso?

Eu fazia-lhe uma coisa dessas? Claro que não. Pelo menos,

acho que não seria capaz. Mas nunca se pode ter a certeza de nada

acerca das pessoas, não é? O que é que sabe realmente acerca do

meu passado?

É coisa que temos de investigar juntos, mais adiante.

Por agora, voltemos à história. Eu estava prestes a dar início à in-

vestigação do homicídio dos meus pais. Quando os dois polícias desa-

pareceram para o estúdio, para longe da vista, trepei as escadas para o

longo corredor da suíte penthouse dos meus pais. Espremi-me contra

a parede vermelho-sangue e afastei os olhos dos técnicos do gabinete

do médico-legista, que retiravam os meus pais em sacos de plástico.

Depois fui até à entrada do quarto de Malcolm e Maud e esprei-

tei lá para dentro.

Uma especialista em cenas de crime com um ar muito eficien-

te andava atarefada a recolher impressões digitais. A placa na sua

camisa dizia csi joyce yeager.

Disse olá à cientista forense sardenta e disse-lhe o meu nome.

Ela deu-me os sentimentos. Acenei com a cabeça e depois perguntei:

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J a m e s P a t t e r s o n c o m M a x i n e P a e t r o

— Importa-se que lhe faça umas perguntas?

Yeager olhou em volta antes de dizer:

— Não.

Não tinha tempo para rodeios. Tinha sido afastada deste quarto

e de tudo o que continha, por isso comecei a disparar perguntas

como se fosse uma metralhadora.

— Qual foi a hora da morte?

— Ainda não foi determinada — disse ela.

— E o meio?

— Ainda não sabemos como os teus pais foram mortos.

— E a causa da morte? — perguntei.

— O médico-legista determinará se foi homicídio, acidente,

morte natural…

— Natural? — interrompi eu, já enervada. — Por amor de Deus…

— É tarefa do médico determinar estas coisas — disse ela.

— Descobriram alguma arma? Havia sangue?

— Ouve, Tandy. Lamento, mas tens de te ir embora, antes que

me arranjes problemas.

A CSI Yeager passou a ignorar-me, mas não fechou a porta.

Olhei em volta pelo quarto, observando a enorme cama de casal e

a colcha de seda no chão.

E fiz um inventário visual dos bens dos meus pais.

A pintura sobre a lareira, de Daniel Aronstein, era uma repre-

sentação moderna de uma bandeira americana: faixas de musse-

lina puída com camadas de pintura a óleo em verde e rosa. Valia

quase 200 mil dólares e não tinha sido tocada.

As joias caras da minha mãe também não tinham sido mexidas;

o seu colar de pérolas Mikimoto incrivelmente macias jazia numa

caixa de veludo aberta sobre o toucador e o seu anel de esmeralda

de doze quilates ainda pendia de um ramo da árvore de cristal para

anéis ao lado da cama.

Era claro como água: não houvera roubo.

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C o n f i s s õ e s d e u m a S u s p e i t a d e A s s a s s í n i o

Não me surpreenderia que as provas indicassem que os meus

pais tinham sido mortos por raiva, medo, ódio…

Ou por vingança.

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J a m e s P a t t e r s o n c o m M a x i n e P a e t r o

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Estava eu à porta do quarto dos meus pais quando uma som-

bra caiu sobre mim. Dei um salto, como se já estivesse a viver com

medo dos fantasmas de Malcolm e Maud. Já há muitos fantasmas

nesta família a assombrarem-nos, por isso é bom saber que está

aí, amigo.

Por sorte, esta sombra pertencia apenas ao sargento Caputo.

Apertou-me o ombro. Com força.

— Vamos embora, Tansy. Disse-te que este piso era de acesso

interdito. Entrar na cena de um crime sem autorização equivale a

adulterar provas. É um crime.

— Tandy — disse eu. — Não é Tansy. É Tandy.

Não discuti. Ele tinha razão. Desci as escadas à sua frente e vol-

tei à sala de estar, chegando mesmo no momento em que o meu

irmão mais velho, Matthew, entrava pela cozinha.

Quando Matthew entrou na sala, pareceu atrair para si todo o ar

e toda a luz. Tem caracóis castanhos-claros apanhados num rabo-

-de-cavalo atado com um fio de lã, e uns olhos azuis que brilham

como faróis.

Nunca vi olhos como os dele. Nem eu nem ninguém.

Matty estava de calças de ganga e de t-shirt preta debaixo de

um casaco de cabedal, mas toda a gente juraria que ele vestia um

fato agarrado ao corpo, com um S no peito e uma capa a esvoaçar

atrás dele.

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C o n f i s s õ e s d e u m a S u s p e i t a d e A s s a s s í n i o

Hugo quebrou o feitiço, saltando da sua cadeira.

— Upa! — gritou para Matty, pulando para o irmão de braços

abertos.

Matthew apanhou Hugo com facilidade e pôs uma mão na nuca

do seu irmão mais novo, enquanto passava os olhos pelos dois dete-

tives da brigada de homicídios.

Matthew mede um metro e oitenta e cinco e tem bíceps do tama-

nho de coxas. E, bem, ele consegue ser um bocadinho assustador

quando está zangado.

Zangado não era bem o termo para o definir naquela noite.

— Os meus pais acabam de ser carregados para fora do edifí-

cio no elevador de serviço — gritou ele aos chuis. — Eram maus,

mas não mereciam ser levados como lixo!

O detetive Hayes perguntou:

— E o senhor é…?

— Matthew Angel. Filho de Malcolm e Maud.

— E como é que entrou no apartamento? — disse Hayes.

— Os polícias deixaram-me entrar. Um deles até me pediu um

autógrafo.

Caputo disse a Matthew:

— Você ganhou o Heisman no ano passado, não foi?

Matthew acenou afirmativamente. Além de ter ganho o prémio

Heisman, de melhor jogador da temporada do futebol americano

universitário, e ter sido três vezes all-American, como magnífico

jogador amador, Matthew era o rosto da NFL, a Liga Nacional de

Futebol Americano, e tinha um contrato chorudo com a Nike. O jor-

nalista desportivo Aran Delaney disse um dia acerca da velocidade

estonteante e da agilidade de Matthew: «Consegue dar a volta ao

quarteirão enquanto eu tiro um fósforo e acendo o cigarro. Mat-

thew Angel é não só de alta extração mas está anos-luz acima de

outros grandes atletas». Por isso não foi surpreendente que Capu-

to reconhecesse o meu irmão.

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J a m e s P a t t e r s o n c o m M a x i n e P a e t r o

Matty estava a deitar fumo, como se a menção à sua fama nes-

tas circunstâncias fosse ofensiva. Eu tinha de concordar. Quem

é que queria saber da porcaria do Heisman numa altura destas?

Por sorte, Hayes era bastante pragmático.

— Olhe, Matthew. Lamento que tivéssemos de tirar os seus pais

pelas traseiras. Não iria gostar se os tirássemos pela frente, com

esses mirones a ver e a tirar fotos, pois não? Sente-se, por favor.

Temos algumas perguntas para lhe fazer.

— Prefiro ficar de pé — disse Matthew. Nessa altura, Hugo ti-

nha trepado por Matthew acima e estava às suas cavalitas, olhando

para os chuis por cima do ombro do irmão.

Caputo entrou logo em modo hostil.

— Onde é que esteve nas últimas seis horas?

— Estive com a minha namorada em West Ninth Street. Passá-

mos a noite juntos e ela terá muito prazer em lho confirmar.

A namorada de Matthew era a atriz Tamara Gee. Tinha recebi-

do uma nomeação para os Óscares no ano anterior, aos vinte e três

anos, e era quase tão famosa quanto Matty. Eu devia ter pensado que

ele estava no apartamento dela, mas não tinha de facto nenhuma

forma de o contactar lá. Conheci Tamara da única vez que Matty a

trouxe cá a casa para conhecer os pais e embora ela seja realmente

bonita na vida real, e talvez milhões de vezes mais esperta do que

outros atores, percebi perfeitamente, através da sua atitude e ma-

neira de falar, que não queria nada connosco. De certeza que não

nos ia dar o número de casa para a eventualidade de eu querer li-

gar para o meu irmão. Principalmente na calada da noite, para o

informar de que os nossos pais tinham sido assassinados.

O meu pai, por outro lado, pareceu admirar a óbvia desconfian-

ça de Tamara face a nós e mais tarde observou que ela era a última

peça do puzzle para garantir o futuro de Matthew. Quero dizer, ele

queria que Matty se candidatasse um dia à Presidência. Estava cer-

to de que Matty ganharia.

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C o n f i s s õ e s d e u m a S u s p e i t a d e A s s a s s í n i o

A propósito, Malcolm também achava que Matthew era um

sociopata. Mas, tirando Harry, todos nós, incluindo o meu pai, tí-

nhamos sido chamados de sociopatas pelo menos uma vez na vida.

— Os meus irmãos poderão dizer-lhes que não ponho os pés

nesta casa, nem vejo os meus pais, há meses — estava Matthew a

dizer ao detetive Hayes.

— Tem problemas com os seus pais? — perguntou Hayes.

— Tenho vinte e quatro anos. Dei à asa. — Matthew nem tenta-

va disfarçar o facto de não querer saber de Malcolm e Maud.

— Vamos verificar o seu álibi mais tarde — rematou Caputo. —

Mas oiça: toda a gente sabe que o senhor podia ter deixado a sua

namorada na Village, matado os seus pais e regressado à cama an-

tes de que a sua miúda se apercebesse sequer onde é que tinha ido.

Era uma afirmação muito próxima de uma acusação, obviamen-

te feita para provocar uma reação em Matthew. Mas o meu irmão

não mordeu o isco. Em vez disso, virou-se para Hugo e disse:

— Vou meter-te na cama, companheiro.

Caputo não tinha conseguido nada com Matty, mas forçara-me

a encarar as minhas próprias suspeitas. O meu irmão odiava os

pais. Era um jogador profissional de futebol americano com cem

quilos, uma besta.

Seria também um assassino?

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confissão

Associo o Heisman a coisas bastante mazinhas. A minha psico-

terapeuta, a Dr.a Keyes, trabalhou muito para me ajudar a esquecer

aquela noite, mas de vez em quando, uma memória pica-me o cérebro.

Foi depois da comemoração, depois de voltarmos ao apartamen-

to, após o jantar no Le Cirque. Malcolm e Matty já tinham bebido uns

copos e Malcolm disse:

— Portanto, deixa-me lá pegar no Heisman da família, filho. —

Esticou a mão para o troféu, à espera de que Matty lho entregasse.

— Lembra-te: deves-nos tudo — prosseguiu. — A tua velocidade, a

tua força, a tua resistência. A tua carreira. O teu dinheiro.

Isto não caiu bem ao Matty. Para dizer o mínimo.

— Eu não pedi para me darem nada — disse entredentes. Bateu

com o punho na mesa de jantar de vidro e eu dei um salto porque vi

aparecer uma racha e estava certa de que ele ia ficar com a mão em

tiras. Matty estava tão zangado que acho que nem notou. — Vocês

criaram cada um de nós para reviverem uma das vossas bizarras fan-

tasias de criança! Somos as marionetas do Malcolm. As bonecas da

Maud. Os trofeuzinhos preciosos da Maud e do Malcolm.

E foi então que ele atirou o troféu Heisman pela janela da sala de

estar, a menos de cinco centímetros da minha cabeça.

Podia ter matado quem fosse a passar lá em baixo. Podia-me ter

matado a mim. Teria ficado com remorsos?

Não nos chamavam sociopatas por acaso.

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Agora que já lhe contei essa recordação, tenho de a tirar da minha

cabeça quanto antes. É uma coisa que o leitor devia aprender acerca de

mim: a minha cabeça é um lugar estranho — e talvez um tanto peri-

goso para se ficar durante muito tempo. Por isso vou dar-lhe bocados

e peças aos poucos. Porque eu quero que fique a gostar de mim; pre-

ciso de um amigo. Alguém que queira estar comigo e sentir o horror

da noite em que os meus pais morreram. Pode fazer isso por mim?

Senti o soalho a estremecer quando Matthew voou da sala, mas

o sargento Caputo não se deixou intimidar. Rosnou para o resto

dos presentes, ainda sentados em volta da lareira:

— Quem foi a última pessoa a ver os vossos pais vivos?

Era uma pergunta apropriada e eu considerei as possibilidades.

Samantha, a assistente pessoal da minha mãe, saiu de serviço às

seis. Não foi convidada para o jantar que foi servido na nossa sala

de jantar às oito, em honra do convidado dos meus pais, o embai-

xador do Reino do Butão.

Hugo também tinha sido excluído do nosso jantar com o em-

baixador e tinha ido para o quarto às sete.

Harry e eu tínhamos ficado à mesa durante todo o espetáculo

e, quando este acabou, Harry tinha ido para o seu quarto e, como

é costume, trancado a porta.

Os meus pais tinham conduzido o embaixador ao elevador e

quando os vi pela última vez, no estúdio uma hora depois, estavam

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em forma. Maud estava elegantemente colocada na beira da sua ca-

deira de couro favorita, e vi que tinha trocado o fato saia e casaco de

seda por uma das suas túnicas tunisinas bordadas favoritas. O meu

pai estava sentado no seu cadeirão de couro, beberricando o seu ha-

bitual copo de whisky. Nenhum deles parecia minimamente agitado.

Em resposta à pergunta de Caputo, Samantha, que tinha ocu-

pado o lugar de Hugo na Cadeira-Porco, disse:

— Fui a última pessoa a vê-los. A Maud enviou-me uma men-

sagem acerca de uns documentos que precisavam de assinaturas,

por isso estive com ela às onze e meia. — Ela hesitou um bocadi-

nho quando disse o nome de Maud, mas ouvir a sua voz suave e

familiar acalmou-me ligeiramente.

— Como é que ela lhe pareceu?

— A Maud de sempre — disse Samantha.

— O que é que isso quer dizer? — Caputo não estava disposto

a usar a imaginação.

Samantha tirou um caracol de cabelo cor-de-areia dos olhos e

encarou Caputo.

— Quer dizer isso mesmo. Perfeita. Nem um cabelo fora do sí-

tio, nem uma ruga de preocupação. Calma. Pronta para enfrentar

o que desse e viesse.

Caputo ignorou aquilo e prosseguiu.

— Quem é que beneficia com a morte destas pessoas?

Samantha eludiu a pergunta.

— Por favor lembre-se de que tudo isto me é muito difícil nes-

te momento — disse ela, com a voz novamente hesitante. — Eu

gostava dessas pessoas e ainda estou em choque por ver que foram

arrancadas da minha vida para sempre.

Achei que percebia o que Caputo estava a fazer. Quando os sus-

peitos de homicídio são pressionados, por vezes cometem erros e

dizem aos chuis coisas que mais tarde podem ser utilizadas como

provas contra eles.

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Caputo voltou a perguntar:

— Menina Peck. Quem ganharia com a morte do Sr. e da Sr.a

Angel?

— Não estou a ver quem ganharia alguma coisa.

— Não está a ver ou não quer ver?

— Não sei — disse Samantha. — Não consigo imaginar que

alguém os quisesse ver mortos. Podiam ter algumas… excentrici-

dades pouco ortodoxas, mas eram boas pessoas.

No meio de ataques de tosse, Caputo espremeu-a quanto aos

seus movimentos na noite anterior e recolheu informação sobre o

amigo com quem Samantha tinha ido jantar à Carmine’s Trattoria

no West Side. Interrogou-a sobre as relações que tinha com cada

um de nós, ao que ela respondeu sucintamente que, se bem que

Maud fosse a sua patroa, cada um de nós, os miúdos, era como se

fosse da sua família. Fazia parte da nossa vida há anos, no princí-

pio enquanto fotógrafa que tirava os nossos retratos de família —

tinha feito centenas de belas fotografias da família ao longo dos

anos, muitas das quais estavam nas paredes do apartamento, ao

lado dos retratos de Leibovitz que possuíamos — e depois, quando

provou a sua capacidade para ser completamente discreta e leal,

como assistente pessoal de Maud. Não me lembrava do tempo em

que ela não estava connosco e, como ela disse a Caputo, sabia que

faria tudo por nós.

Quando Caputo acabou de anotar tudo o que Samantha tinha a

dizer, virou os seus olhinhos franzidos para Harry.

Harry estava de boca aberta e a respirar pesadamente, encosta-

do a mim, sentado tão perto que era como se ainda estivéssemos

aninhados juntos no útero.

— Como é que és o único Angel que parece perturbado?

— Estou… avariado — disse ele, citando o que Malcolm lhe ti-

nha dito demasiadas vezes. — As minhas emoções estão a levar a

melhor sobre mim. Lamento…

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J a m e s P a t t e r s o n c o m M a x i n e P a e t r o

— Queres contar-me algo, Harrington? — disse Caputo, com

a cara a centímetros do nariz de Harry. — O que é que me que-

res contar?

— O que é que quer que lhe diga? Dói-me tudo — gritou Harry

—, por dentro e por fora. Isto é a pior coisa que já me aconteceu!

Abracei Harry e ele rebentou em lágrimas contra o meu peito.

O Hayes porreiro avançou com um sorriso e um «então, en-

tão» para Harry. Podia garantir que estava prestes a fazer a cena

do polícia bom.

E eu estaria preparada para isso.

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