6
Conflitos entre Pacientes e Médicos. Que maravilha é a comunicação humana. E quão problemática ela pode ser dependendo do que se fala, do que se ouve, do que se entende, do que se diz mesmo quando o interlocutor (o outro) não está presente. Na relação médico-paciente não é difernete. Ela poderia ser definida simplesmente como a resultado do convívio entre o médico (cuidador) e a pessoa que busca cuidados (paciente, ou como são chamados por alguns, cliente ou usuário). E deste relacionamento surgem tanto o cuidado em saúde, como o sustento do trabalhador, a qualidade de vida, a manutenção da vida em si (algumas vezes) e experiências para eventos semelhantes futuros dos envolvidos e dos que os rodeiam. Está inerente a esta relação um lado psico-emocional que tem além de um poderoso efeito terapêutico, um importante efeito sobre uma atual relação como futuras, entre os envolvidos e entre terceiros. Aqui se abordará a relação médico-paciente, porém esta poderia em muitos casos ser estendida a que acontece com demais profissionais cuidadores da saúde humana. Muitas são as falas e pensamentos dos envolvidos que interferem negativamente na relação médico paciente. Frases de pacientes, como as abaixo, quase sempre geram antipatia nos médicos. - “Estou morrendo e esse médico não vem me atender...” - “Não agüento mais ... nunca tive tanta dor... (sendo uma hora da manhã e respondendo ao médico que faz dias que está assim)” -“eu até sei o que o senhor vai falar, doutor, mas sabe como é, né? Eu não consegui resistir... só de vez em quando não faz mal, tenho certeza disso, o pessoal exagera um pouco, eu não... também tudo o que é bom faz mal agora, né?... quando eu era menor lá na roça essas coisas não existiam...” - “não sei o que que o médico da emergência disse que eu tenho.. mas ele me deu aquele remédio... hummm... é aquele branquinho...” - “será cesárea né doutor? - “ Ah agora não vou na emergência porque tá muito cheio e vou ter que ficar esperando, vou de noite que é melhor...” - “Preciso de um atestado...” - “eu vim aqui por que eu queria que o senhor me prescrevesse um raio x e uns exames porque eu sei que estou com um problema muito grave...” Frases de médicos como as relacionadas abaixo (quando percebidas ou ouvidas, ditos aos pacientes ou outros) quase sempre geram antipatia nos pacientes:

Conflitos entre Pacientes e Médicos.doc

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Conflitos entre Pacientes e Médicos.doc

Conflitos entre Pacientes e Médicos.

Que maravilha é a comunicação humana. E quão problemática ela pode ser dependendo do que se fala, do que se ouve, do que se entende, do que se diz mesmo quando o interlocutor (o outro) não está presente. Na relação médico-paciente não é difernete. Ela poderia ser definida simplesmente como a resultado do convívio entre o médico (cuidador) e a pessoa que busca cuidados (paciente, ou como são chamados por alguns, cliente ou usuário). E deste relacionamento surgem tanto o cuidado em saúde, como o sustento do trabalhador, a qualidade de vida, a manutenção da vida em si (algumas vezes) e experiências para eventos semelhantes futuros dos envolvidos e dos que os rodeiam. Está inerente a esta relação um lado psico-emocional que tem além de um poderoso efeito terapêutico, um importante efeito sobre uma atual relação como futuras, entre os envolvidos e entre terceiros.

Aqui se abordará a relação médico-paciente, porém esta poderia em muitos casos ser estendida a que acontece com demais profissionais cuidadores da saúde humana.

Muitas são as falas e pensamentos dos envolvidos que interferem negativamente na relação médico paciente. Frases de pacientes, como as abaixo, quase sempre geram antipatia nos médicos.

- “Estou morrendo e esse médico não vem me atender...”- “Não agüento mais ... nunca tive tanta dor... (sendo uma hora da manhã e

respondendo ao médico que faz dias que está assim)”-“eu até sei o que o senhor vai falar, doutor, mas sabe como é, né? Eu não consegui

resistir... só de vez em quando não faz mal, tenho certeza disso, o pessoal exagera um pouco, eu não... também tudo o que é bom faz mal agora, né?... quando eu era menor lá na roça essas coisas não existiam...”

- “não sei o que que o médico da emergência disse que eu tenho.. mas ele me deu aquele remédio... hummm... é aquele branquinho...”

- “será cesárea né doutor?- “ Ah agora não vou na emergência porque tá muito cheio e vou ter que ficar

esperando, vou de noite que é melhor...”- “Preciso de um atestado...”- “eu vim aqui por que eu queria que o senhor me prescrevesse um raio x e uns exames

porque eu sei que estou com um problema muito grave...”

Frases de médicos como as relacionadas abaixo (quando percebidas ou ouvidas, ditos aos pacientes ou outros) quase sempre geram antipatia nos pacientes:

- “se isso é hora de me incomodar por causa de um problema que acha que é grave, mas que não é muita coisa.”

- “se está com isto há tanto tempo, por que vem me procurar apenas agora?”- “se o problema é crônico e está incomodando há tanto tempo por que vem me

procurar a esta hora?”- “fica dando piti, por aí... uh tigrona... merece mesmo... e ainda não quer que eu

cobre?”-“Devia cobrar mais caro deste poliqueixoso...”- “hum... huhum... sei... mas onde era a dor mesmo? Tá... então tá, tome este remédio

aqui e podes ir... próximoooo”.

Dura esta realidade moderna. São tantos os cenários que poderiam ser descritos e os contextos a serem discorridos a partir destas falas que não caberiam neste simples texto. Se for da vontade de Deus existirão outras oportunidades.

Page 2: Conflitos entre Pacientes e Médicos.doc

Voltando a alguns destaques, primeiramente vê-se que algumas falas dos pacientes são interpretadas pelos médicos como imediatismo e exagero. Esquecendo que há poucas décadas atrás, não existia o mesmo acesso aos serviços e saúde que hoje existem. As pessoas suportavam queixas semelhantes, às vezes intensidade de dores maiores que as atuais e por mais tempo do que se suporta atualmente. A alta freqüência que tecnicamente se percebe queixas com intensidade incompatíveis com os diagnósticos é outro argumento explicativo da interpretação antipática dada pelos médicos.

A liberdade e a responsabilidade humanas têm como limite comum o exercício destas virtudes pelos contactuantes (pessoas que se entra em contato). Numa atualidade de disseminação da informação, porém de superficialidade de ensino-aprendizagem explicam algumas das falas que são interpretadas pelos médicos como desleixo, auto-cuidado ruim, incoerência ou mesmo má-educação em saúde. As escolhas de cada um, seja de fazer ou de deixar de fazer trazem conseqüências. E não é a falta de informação para embasar melhores decisões que fundamentam tal interpretação médica. Educação é muito diferente de apenas informação. Existe muita informação disponível, mesmo considerando diferentes níveis sociais e de escolaridade resta informação em saúde o suficiente para a tomada das decisões mais importantes. A prática evidencia (até entre profissionais de saúde, o que é mais grave) a falta de uma cultura preventiva, ou ao menos de agir antes do agravamento do caso (os diferentes níveis de prevenção); o não uso de preservativo; as relações desestruturadas, o desamor e o egoísmo, além do elevado estresse e descontrole emocional; a alimentação com excesso de carboidratos, sal, doces e gorduras; e o sedentarismo. O que fazem acumular queixas, doenças e conflitos.

O medo desproporcional da dor e o comodismo são outras interpretações possíveis oriundas tanto do contexto anteriormente exposto como do convívio quase psicótico da humanidade com tecnologias que vieram para facilitar a vida porém paradoxalmente exacerbaram estas características humanas. E o fator motivador das ações deixa de ser o correto para ser o conveniente individualmente falando.

Medicina realmente é algo serio. E muitas vezes o indivíduo não consegue ter o entendimento disto, ou do que ele está enfrentando ou para enfrentar. E esbarra, com certa freqüência, na infeliz falta de seriedade de alguns profissionais. Embora seja desejável a co-responsabilização do paciente e do médico quanto ao tratamento, prognóstico (se vai evoluir bem ou mal) à prevenção e até certo ponto quanto ao diagnóstico. Não obstante, existem muitos que querem exercer o auto-cuidado de uma forma tão profunda que seu conhecimento superficial torna quase irresponsável, e com conseqüências sérias seja para consigo mesmo ou para com a sociedade. Isto é visto tanto na auto-medicação, na sobrevalorização e oneração desnecessária de exames complementares, na falta de vínculo, na burocratização dos sistemas de saúde e previdenciário e no desenrolar de diagnósticos induzidos ou precocemente realizados (não é a toa que profissionais de saúde são pacientes difíceis).

Na antropologia da comunicação médico-paciente o primeiro é colocado em posição de vantagem no convívio direto. Pois o paciente, fragilizado tanto pela condição emocional que a doença impõe quanto pela condição socialmente imposta de estar precisando do cuidado em saúde, acaba sendo mais franco (sincero) na comunicação direta com o médico. Porém tanto um quanto outro, podem indiretamente fazer o juízo de valores que desejar. O que pode afetar esta relação, bem como a de outras pessoas.

Já nas falas dos médicos citadas acima, algumas poderiam ser entendidas como negativas para o relacionamento com o profissional por parte do paciente.

Descaso, falta de empatia e prepotência certamente são interpretações possíveis. O cuidado (a atenção, a orientação, etc) é algo comum a todas as profissões da área da

Page 3: Conflitos entre Pacientes e Médicos.doc

saúde, e no processo de superespecialização, fragmentação do fazer saúde (e da medicina) e do paciente foi renegado a segundo plano em relação aos demais processos do ato terapêutico. Retornar a exercer uma atividade pedagógica na educação em saúde, como um professor do comportamento saudável, promovendo saúde para além da simples informação sobre costumes historicamente errôneos, das desculpas e mitos sem fundamento científico. Sendo o médico um dos responsáveis pela gerência do cuidado, se o médico fragmentar o contexto da queixa do paciente limitará também o seu cuidado e por sua vez a eficácia de sua terapêutica. O corre-corre do cotidiano, as múltiplas pressões a que está inserido, as inúmeras atividades, os vários empregos paralelos a que a maior parte dos médicos se sujeitam, o entendimento popular errôneo de que médico não adoece, de que pode se privar de convívio com família, de repouso, estudo e lazer seriam outras explicações possíveis.

A incoerência e a ganância são outros argumentos que se vêem defendidos junto às interpretações das falas acima. Incoerência frente a um juramento (o de Hipócrates, considerado o pai da medicina) que é inclusive desconhecido pela maioria da população, mas no inconsciente coletivo prima pela caridade e altruísmo. E a ganância oriunda pela disparidade entre o alto custo de vida de um médico, salários pagos pelo serviço público de saúde e da população em geral além de alguns compromissos e necessidades questionáveis que o consumismo moderno (no qual o médico está inserido) falsamente impõem.

Restando ainda, neste destaque, argumentos de indolência (preguiça) e mediocridade. Tais significações podem ser obtidas quanto presenciam-se alguns casos onde ocorre um atendimento extra-ordinariamente rápido (frente a necessidade, e o comparar com outros atendimentos médicos, especialmente particulares) e aparentemente de um jeito incompleto, para ficar em horário de trabalho sem pacientes e passar este tempo conversando ou na internet. Tais situações, se ocorrem são de difícil explicação frente a tamanha complexidade do ser humano, grandiosidade do processo saúde-doença e abrangência que pode ser exercida o ato médico, que envolve ações não superficiais de educação, nutrição, enfermagem, psicologia, assistência social, dentre outras áreas do saber humano, além da fisio-pato-farmocologia da qual a medicina é bem conhecida.

Na antropologia da relação médico-paciente também podem por o primeiro em desvantagem pois como já visto o paciente tende a ser mais sincero, e os dilemas dos médicos tende a ficar mais oculto (introjetado) aos pacientes, portanto menos trabalhado nesta relação. Até porque a psique do cuidador é apenas superficialmente conhecida pela maior parte dos cuidadores (salvo, talvez profissionais da saúde mental) o que além de desconhecer o efeito disto em si mesmo, não interfere positivamente sobre ela.

Por mais que algumas das explicações para as diferentes interpretações não justifiquem nem as falas quanto os comportamentos e atitudes a realidade é que elas estão acontecendo e suas conseqüências se fazer perceber. Tanto pela perda da eficácia da medicina tradicional, quanto pela influência do complexo médico-farmacêutico-industrial, perda da referência em saúde do médico, a fragmentalidade do indivíduo e do cuidado, o crescimento da medicina alternativa (que muito tem de bom, porém infelizmente também ocorre o charlatanismo de difícil controle social).

As soluções para estes conflitos passam por ações bastante abrangentes de longo prazo como educação e desenvolvimento social; melhor remuneração dos trabalhadores sem ágio nos preços dos serviços ou inflação; mudanças culturais tanto do auto-cuidado como do trabalho dos profissionais em saúde (desde estruturação em rede dos serviços,

Page 4: Conflitos entre Pacientes e Médicos.doc

trabalho transdisciplinar, até voltar a praticar uma medicina além do biológico, etc.). E outras de menor abrangência como efetivar os mecanismo de referência e contra-referência, sumários de alta, resumos clínicos atrás da receita, não acomodar-se em relação ao auto-cuidado (e saber por exemplo as medicações que toma, as doenças pré-existentes e familiares, ser co-responsável em relação ao diagnóstico, prognóstico e tratamento).

Como visto, muitas são as implicações de uma relacionamento médico-paciente conflituoso e todos parecem sair perdendo com isso. Quanto mais cada um fizer a sua parte menos problemas se terá com tais conflitos. Enquanto espera-se a mudança no outro, ao menos evitar as generalizações não transferirá o conflitos a outros.