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Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 159
OS CONFLITOS ENTRE A LEGISLAÇÃO INDÍGENA E A
LEGISLAÇÃO COMUM SOB A ÓTICA DOS MAXAKALI
Brenda Rocha Santos1
Flávio Henrique Salomão Neto2
RESUMO: No cenário contemporâneo do Brasil, mesmo após tantos
anos da descoberta do país, poucos sabem e pouco se sabe o que
realmente envolve o direito dos índios. Apesar da expressiva população
indígena no território brasileiro, ainda são muitas as dúvidas advindas
da cultura, rituais, incidência e direitos dos mesmos. Sendo assim, o
trabalho constitui-se de uma sucinta análise etnográfica dos índios do
Brasil de modo geral e dos povos Maxakali. Seguindo essa linha,
procura-se esclarecer alguns aspectos da vida indígena dos Maxakali
pela forte incidência dos mesmos na região do Vale do Mucuri e
apresentar uma visão jurídica dos assuntos que os envolve, fornecendo
dados históricos, atuais e jurídicos para maior clareza do seu cotidiano
visto pela ótica jurídica. Nessa senda, é analisada a questão indígena e
a sua leitura pelo direito brasileiro, confrontando o direito comum e o
direito indígena trago pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei
6.001, de 19 de dezembro de 1973, entre outros.
PALAVRAS-CHAVE: Índios. Direitos Indígenas. Índios Maxakali.
Princípio da Isonomia
1 Advogada. Graduada em Direito pelo IESI/FENORD. 2 Professor de Direito Administrativo e de Direito Internacional Público e Privado do
IESI/FENORD. Mestrando em Ciências das Religiões.
160 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
ABSTRACT : In the contemporary scenario of Brazil, even after so
many years of the country's discovery, few know and little is known
what actually involves the right of the Indians. Despite the significant
indigenous population in Brazil, there are still many questions arising
from culture, rituals, incidence and rights thereof. Thus, the work
consists of a brief ethnographic analysis of Brazil's Indians in general
and Maxakali people. Following this line, we try to clarify some
aspects of indigenous life of Maxakali the high incidence of the same
in the Mucuri Valley region and provide a legal vision of the issues
surrounding them, providing historical, current and legal information
for clarity of their daily lives seen by the legal perspective. In this path,
the indigenous question and its reading by Brazilian law is analyzed,
comparing the common law and indigenous law bring the Federal
Constitution of 1988 and Law 6,001 of December 19, 1973, among
others.
KEYWORDS: Indians. Indigenous rights. Maxakali Indians.
Principle of Equality
1 INTRODUÇÃO
A diversidade étnica do nosso país é o que o faz peculiar, graças
à variedade cultural dos grupos sociais, tornando-o multicultural. A
cultura indígena talvez seja uma das culturas mais expressivas e
variadas em toda esta diversidade, merecendo a apropriada atenção.
A análise do passado, das raízes, é de interesse geral e, ao
olharmos para trás, com o propósito de compreendê-lo, criamos visões
e expectativas diferentes, maduras e enriquecedoras do presente e
futuro que talvez solucionarão problemas e dúvidas relativos a
inúmeros assuntos.
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 161
Os índios, que são chamados assim por um erro histórico, ou
silvícolas, são aqueles que vivem de forma incivilizada, em estreita
relação com a natureza e que, por conta de seu afastamento, é
considerado aculturado, distinguindo-o juridicamente dos
considerados civilizados; e de acordo o Estatuto do Índio, Índio ou
Silvícola é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que
se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas
características culturais o distinguem da sociedade nacional.
Como primeiros integrantes do nosso país, que foi descoberto
em 1500, os índios sempre foram, e sempre serão, um assunto de
relevância na nossa sociedade sendo sempre um tema atual e moderno,
mesmo com os muitos anos de existência, que intervém cotidianamente
em diversas áreas de atuações e estudos.
Segundo levantamento feito pelo IBGE em 2010, a atual
população indígena brasileira é de 817.963, uma taxa relevante da
população do país que é, também de acordo a pesquisa do IBGE feita
em 2010, de 190.755.799 milhões de pessoas. Destes 817.963
indígenas, 502.783 vivem em zona rural e 315.180 em zonas urbanas.
Além destes, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) registra 69
referências de índios não contatados.
Sendo uma população tão expressiva no nosso meio, não podem
ser esquecidos pelo Estado e nem por seus patrícios, afinal, são
considerados por muitos os verdadeiros donos das terras do Brasil, pelo
fato de serem nativos daqui, encontrados no processo de ocupação dos
colonizadores portugueses, que os consideraram selvagens, matando-
162 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
os e escravizando-os, tendo eles sobrevivido à conquista e passado a
serem vistos como minoria. Com o tempo e a evolução da sociedade,
os índios conquistaram seu espaço, suas terras e sua paz, sendo
protegidos pela Constituição Federal de 1988, que trata sobre os
mesmos, com especial atenção, no Capitulo VIII, sob o título Dos
Índios, nos art. 231 e seus parágrafos e no art. 232. Há, também,
legislação infraconstitucional própria, como a Lei 6.001/73, que ficou
conhecida por Estatuto do Índio. Embora esta lei tenha como uma de
suas premissas a proteção da cultura indígena, ela dá maior ênfase à
integração dos indígenas à comunhão nacional. Esta lei regula ainda,
em seus 68 artigos, acerca da questão fundiária, patrimônio cultural,
educação bilíngue, assistência à saúde, normas penais, bem como dos
bens e renda do patrimônio indígena.
Levando em conta a convivência eminente e quase diária com
os índios Maxakali na nossa região, mais especificamente nos Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri, é natural que desperte o interesse de toda
população para conhecer melhor a cultura e as polêmicas que orbitam
em torno destes, não se restringido apenas a esta etnia citada, mas a
todas as outras 305 diferentes que existem na imensa vastidão do nosso
país.
Muitos são os assuntos em torno dessa população: suas terras,
o alcoolismo, estupros, guerras, as cotas de inserção no meio
acadêmico, o questionamento sobre seus costumes, práticas e rituais
tão divergentes dos nossos que vão de rituais de passagem até o
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 163
infanticídio; opiniões sobre manter ou não esses costumes para
protegê-los ou se realmente esta seria uma forma de protegê-los, as
questões vistas pelo âmbito penal, ambiental e cível, dentre tantos
outros.
Nos questionamentos incluem perguntas como: “Que direito
têm os índios sobre as terras?”, “Os índios são cidadãos brasileiros?”,
Afinal, quem são os índios? Somente aqueles que vivem isolados? E
os que vivem inseridos na sociedade civilizada, que têm título de eleitor
e exercem seus direitos e cidadania?” É natural que no âmbito
acadêmico estas curiosidades também sejam despertadas, e assim
sendo, o presente artigo assume relevância não só jurídica, mas
também social e cultural.
2 O ÍNDIO BRASILEIRO
2.1 DEFINIÇÃO DE ÍNDIO
O índio é definido pelo Estatuto do Índio, Lei nº 6.001/1973, no
seu art. 3°, I:
Art. 3º Para os efeitos de lei, ficam estabelecidas as
definições a seguir discriminadas:
I - Índio ou Silvícola - É todo indivíduo de origem e
ascendência pré-colombiana que se identifica e é
identificado como pertencente a um grupo étnico cujas
características culturais o distinguem da sociedade
nacional;
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De acordo com o dicionarista Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira:
Ín.di.o.¹ sm. 1. Aborígine das Américas; habitante das
terras americanas, ao chegarem os primeiros europeus,
nos séculos XV e XVI. 2. Indivíduo que pertence a grupo
étnico descendente dos aborígines americanos. [Sin.,
nestas acepç..: indígena.] . adj. 3. Relativo aos índios.
(FERREIRA, 2000, pág. 384)
Júlio Cesar Melatti (2007), em sua obra Índios do Brasil, descreve
alguns critérios usados por órgãos destinados a dar assistência aos índios. Os
mesmos são: o racial, o legal, o cultural, o desenvolvimento econômico e o
de autoidentificação étnica.
O critério racial define o índio pelas divergências físicas entre os
mesmos e os conquistadores europeus; o critério Legal é usado desde a era
colonial. Se dá quando a pessoa satisfaz as peculiaridades estabelecidas em
lei especificas; o critério legal é definido pela língua, costumes, crenças e
hábitos; de acordo com o critério do desenvolvimento econômico, a definição
de índio deveria levar em conta as deficiências, tanto qualitativas, quanto
quantitativa, avaliando renda, produção agrícola, taxa de mortalidade,
número e localização geográfica de povos que falam língua diferente da
oficial e que vivem em isolamento; e segundo o critério da autoidentificação
étnica, os índios devem ser assim considerados por eles próprios e pela
população que os cerca. Esse critério pode ser notado na definição dada ao
índio pela Lei n° 6001 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio) em seu artigo
3° inciso I.
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 165
2.2 O PASSADO DO ÍNDIO NO BRASIL E SUA DESCOBERTA
Pero Vaz de Caminha, em sua famosa Carta ao Rei, disse “E
dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito [...].
Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.
Traziam arcos nas mãos, e suas setas.”
No ato do “descobrimento”, os europeus ficaram encantados
com as belezas oferecidas pelas terras, riquezas e costas da terra que
posteriormente chamariam de Brasil, porém, não contavam que a terra
já fosse habitada por seres tão diferentes: nômades que viviam em
grupos tribais e que eles passariam a chamar de índio. Inicialmente, os
portugueses pensaram estar chegando às terras da Índia, e por essa
razão denominaram de índios todos os habitantes que ali se
encontravam. Mesmo após outras explorações, nas quais ficou evidente
que o Brasil fazia parte da América, continente à parte da Índia, essas
pessoas continuaram sendo assim chamadas.
Como dito, os índios são assim denominados por um erro
histórico, mas também são denominados de “silvícolas”, que são
aqueles que vivem de forma incivilizada, em estreita relação com a
natureza e que, por conta de seu afastamento, é considerado aculturado,
distinguindo-o juridicamente dos considerados civilizados.
Os povos indígenas viviam em comunidades normalmente em
forma de círculos ou fechaduras, como ainda é em algumas aldeias
atuais; comiam frutas e raízes coletadas, caçavam, pescavam e, em
alguns casos, cultivavam os próprios alimentos. Aqueles que não eram
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agricultores se deslocavam quando os alimentos se esgotavam; os que
eram, normalmente eram mais sedentários e fabricavam cerâmica e
tecidos. (JOBSON e PILETTI, 2001)
2.2.1 População
Não se sabe o número exato de indígenas encontrados no Brasil
em 1500, mas alguns autores tentaram calcular de diferentes formas É
o que é descrito, de forma sintetizada, na obra “A Presença Indígena
na Formação do Brasil” por seus autores:
Há várias estimativas sobre o montante da população
indígena à época da conquista, tendo cada autor adotado
um método próprio de cálculo (área ocupada por aldeia,
densidade da população etc.). Julian Steward, no
Handbook of South American Indians calculou em
1.500.000 os índios que habitavam o Brasil (Steward,
1949). William Denevan projetou a existência de quase
5.000.000 de índios na Amazônia (Bethell, 1998:130-
131), sendo reduzida posteriormente essa projeção para
cerca de 3.600.000 (Hemming, 1978). (OLIVEIRA,
FREIRE, 2006, p. 22)
2.2.2 O seu presente e sua incidência no território brasileiro
Apesar de que, desde 1500 até a década de 1970 a população
indígena tenha diminuído consideravelmente, esta situação foi
contornada nas últimas décadas. Segundo levantamento feito pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE em 2010, a
população indígena brasileira, naquele ano, era de 817.963,
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 167
representando 305 etnias diferentes, uma taxa relevante da população
do país que é, também de acordo com a mesma pesquisa, de
190.755.799 milhões de pessoas. Destes 817.963 indígenas, 502.783
vivem em zona rural e 315.180 em zonas urbanas. Além destes, a
FUNAI (Fundação Nacional do Índio) registra 69 referências de índios
não contatados.
Com relação às 274 línguas faladas, o censo demonstrou que
cerca de 17,5% da população indígena não fala a língua portuguesa.
Os povos indígenas estão presentes nas cinco regiões do Brasil,
sendo que a região Norte é aquela que concentra o maior número de
indivíduos, 305.873 mil, sendo aproximadamente 37,4% do total. Na
região Norte o estado com o maior número de indígenas é o Amazonas
representando 55% do total da região.
2.3 OS ÍNDIOS MAXAKALI
Segundo Kurt Nimuendajú (1958), famoso etnólogo alemão
que estudou os índios no Brasil por mais de quarenta anos, as primeiras
notícias encontradas sobre os Maxakali foram no século XVIII, “numa
carta de 26 de maio de 1734, do Mestre de Campo João da Silva
Guimarães, célebre pelas suas empresas na região do Mucuri, São
Mateus e Rio Doce”.
De acordo pesquisa do Instituto Socioambiental, apesar dos
Maxakali serem abertos à comunicação com os brancos, sendo,
inclusive, no passado, nomeados como Nakneuk que significa, de
168 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
acordo com a língua dos Botocudos, “índios mansos, aliados e
aldeados”, os mesmos se deslocaram com a intenção de fugirem dos
Botocudos e da dominação dos colonos, depois de percorrer longos
caminhos e várias localidades, se estabeleceram no Vale do Mucuri.
De acordo com informações dadas pelo Museu do Índio,
A língua Maxakalí pertence ao tronco Macro-jê e à
família homônima Maxakalí (Rodrigues, 1986), à qual
também pertenciam as línguas Pataxó, Kapoxó,
Monoxó, Coropó, Makoní e Malalí. O Maxakalí é
atualmente a única língua ainda viva da família
Maxakalí, à qual, juntamente com outras, cujo número
varia entre quatorze e dezesseis, pertence ao tronco
linguístico Macro-Jê.
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), somente na tribo
Água Boa, no município de Santa Helena, o português é falado com
alguma fluidez, apesar de que entre eles somente é falada a língua
tribal; na aldeia Pradinho no município de Bertópolis, apenas os
homens dominam o português, ainda assim, com dificuldade.
2.3.1 Nomeação
Conforme Nimuendajú, o termo que usavam para designar a si
próprios era "Monacó bm" (1958:54). Porém, segundo Joaquim S. de
Souza, antigo chefe de posto e conhecedor da etnia, eles se
identificavam com Kumanaxú. Já Popovich (1992), conhecedora da
língua, registrou que Tikmu’ún (nós) é o termo adotado por eles para
se autodenominarem.
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 169
2.3.2 Suas terras, localização e população
Inicialmente, os Maxakali recuaram para beira-mar e para a foz
do rio Mucuri por causa dos Botocudos, posteriormente passando para
o Vale do Jequitinhonha. No Ribeirão do Rubim do sul, suas terras
foram invadidas pelo tenente Henrique; no início, os índios resistiram
à invasão, porém, posteriormente, o tenente dizimou vários deles e
dispersou o restante. Já no trecho que estão hoje, Joaquim Fagundes,
funcionário do governo, passou a conviver com o grupo e ter-lhes a
confiança. O mesmo, utilizando deste benefício, vendeu, ilegalmente,
as terras indígenas.
A FUNAI, em 1991, retomou o processo de demarcação das
terras dos Maxakali. Em 1998, as terras, já concedidas, são
desocupadas com o pagamento das devidas indenizações aos
fazendeiros que ali se encontravam.
Hoje, as tribos têm suas aldeias localizadas basicamente em
quatro municípios: Bertópolis-MG e Santa Helena de Minas-MG, onde
se encontram as aldeias Pradinho e Água Boa que juntas totalizam uma
população de 1.165 índios em uma área de 5.305,67ha; Ladainha-MG,
onde fica a Aldeia Verde, com população de 230 índios em uma área
de 522,72ha, e em Teófilo Otoni-MG, onde fica a Aldeia Cachoeirinha,
com 70 índios em uma área de 606,19 ha.
170 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
3 A CULTURA INDÍGENA
3.1 A INFLUÊNCIA DOS ÍNDIOS NA CULTURA BRASILEIRA
No cotidiano, mesmo que não saibamos, somos muito
influenciados pelos índios. Muitos alimentos, foram descobertos pelos
mesmos e passados aos portugueses e de geração a geração, plantas
medicamentosas e diversos tipos de sabedoria.
Em décadas recentes, os pesquisadores vêm sendo estimulados
a pesquisar mais sobre a sabedoria indígena no que tange ao meio
ambiente, tanto no sentido da flora quanto da fauna. Nestas pesquisas,
com a mistura da etnologia e da biologia, surgiram ramos aos quais foi
dado o nome de etnobotânica, mistura da botânica e da etnologia que
estuda as aplicações e os usos tradicionais dos vegetais pelo homem,
de etnozoologia, estudo multidisciplinar das relações entre as culturas
humanas e o os animais etc.
Na obra “A Temática indígena na Escola”, os organizadores,
por Araci L. da Silva e Luís D. B. Grupioni (1995), tratam do tema em
capítulo próprio, no qual tomam como base as obras da renomada
etnóloga Berta G. Ribeiro. Inspirada em tal obra, trataremos
superficialmente e exemplificativamente sobre o assunto em tela, visto
que devemos dar a devida importância à influência dos índios na nossa
cultura.
Sobre o legado alimentício, muitas foram as descobertas dos
habitantes primitivos da América; importantes plantas e frutos que
alimentam a humanidade e a indústria alimentícia, tais quais a
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 171
mandioca, o milho, o tomate, a batata doce, feijões e favas como o
amendoim, frutas como o cacau, abacaxi, mamão e caju e as amêndoas
como a castanha do Pará. O milho, por exemplo, é um dos vegetais
mais antigos e era utilizado pelos índios para inúmeras receitas que
hoje são feitas por nós, como citou Sampaio:
Com o milho preparavam a canjica (acanjic), grão
cozido; a farinha (abatiuy), a pamonha (pamuna), a
pipoca, que quer dizer “epiderme estalada” [...] A carne
ou peixe pilado e misturado com farinha davam o nome
de poçoka, que quer dizer “pilarado à mão” ou
esmigalhado à mão (SAMPAIO, 1928 apud SILVA,
Aracy L. da; GRUPIONI, Luís D. Benzi, 1995, p. 213).
Espécies vegetais já eram utilizadas em larga escala pelos
índios antes da chegada do Europeus, como por exemplo a borracha,
que hoje desempenha expressiva importância na estrutura econômica
global. A borracha já era utilizada pelos índios para fazerem bolas e
impermeabilizarem objetos, sendo dada como “descoberta” pela
civilização em meados do século dezenove, o que teve por
consequência a morte milhares de índios visto a impetuosa
penetrabilidade da civilização ocidental que passou imensas fortunas
tal advento. As plantas medicinais utilizadas pelos mesmos também
tiveram e têm grande importância na indústria farmacêutica moderna e
grande parte ignora sua origem indígena. Neste sentido, Andrew Gray:
Três quartas partes das drogas medicinais prescritas
atualmente derivam de plantas que foram descobertas
172 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
através do conhecimento dos povos indígenas. As
plantas medicinais da floresta produzem um lucro de 43
milhões de dólares anuais para a indústria farmacêutica.
Os povos indígenas não receberam nem o
reconhecimento nem o respeito por sua contribuição à
saúde e o bem estar da população mundial. (GRAY,
1992 apud SILVA, Aracy L. da; GRUPIONI, Luís D.
Benzi, 1995, p. 204)
Os silvícolas também têm mérito tanto na adesão de
medicamentos advindos da coca, que hoje serve como anestésico local
e o curare que é usado para cirurgias do coração como também na
utilização de plantas estimulantes como o tabaco, guaraná e erva mate.
Sem contar a experiência com roçado e criação, caça e descoberta e
nomeação de animais, como também nomeação de plantas.
3.2 SEUS COSTUMES E RITUAIS VISTOS PELA ÓTICA
JURÍDICA
Os rituais indígenas são parte de seu modo de viver, é
importante para a comunicação e o fortalecimento da sociedade
indígena. Entretanto, certos rituais indígenas não são aceitos pela
sociedade nacional. O Estado deve, então, interferir nesses modos de
vida? Rituais que fazem mal à dignidade dos indivíduos dos grupos
indígenas devem ser vistos moral e juridicamente como crime ou
tradição?
As tradições rituais que alguns povos indígenas apresentam são
ou podem parecer contrárias ao Direito Positivo, mas ainda assim
fazem parte de seu modo de vida, sua origem e suas tradições culturais,
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 173
portanto, não podem ser tidas como contrárias à moral construída em
seu habitat e seu modo de vida.
No Brasil, por exemplo, grande parte dos rituais praticados
pelas diversas etnias indígenas pode ser tida como ritos de passagem
ou festividades, ou seja, são eventos que marcam uma transformação
social de um ou vários indivíduos deste grupo. Os rituais podem ser
por inúmeros motivos: nascimento, mudança de estações, casamentos,
passagem da infância para a adolescência, adolescência para a vida
adulta ou funerais. Esses costumes são praticados e tido como normais
para todo o grupo social.
O conceito de ritual é amplo e apresenta um universo de
símbolos traduzidos por festas, comidas, roupas, música e danças,
dentro de cada grupo social, cultural e político. Para o antropólogo e
colaborador do ISA, Renato Sztutman (2008),
Os mitos contam como as coisas chegaram a ser o que
são. Contam como as divindades, os homens, os animais
e as plantas se diferenciaram. Os rituais, por sua vez,
fazem o caminho inverso dos mitos. E, não por acaso,
eles se dispõem muitas vezes a contar o mito, a recriar o
mito, promovendo uma espécie de retorno a esse tempo
de indiferenciação geral em que divindades, homens,
animais e plantas se comunicavam entre si, e produziam
sua existência por meio dessa interação.
Tais eventos culturais desses povos são fundamentais para o
modo de vida que eles exercem, para preservação de suas tradições.
Para a garantia desta preservação, foi criado o Estatuto do Índio e a
Constituição Federal de 1988 destinou um capítulo a tais povos,
174 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
reconheceu aos indígenas, entre outros direitos, o de manter sua
organização social e o direito de ser diferente (Art. 231 e 232).
A Convenção 169 da OIT, que impõe a questão indígena na
pluralidade cultural e a ideia da permanência das sociedades indígenas
tribais, promulgado pelo Decreto n. nº 5.051, de 19 de abril de 2004
também é um dos mais importantes documentos de proteção desse
povo, a mesma dispõe, em seu artigo 5°, sobre o respeito e
reconhecimento das práticas sociais, culturais, religiosas e espirituais
dos povos indígenas e ainda que a natureza dos problemas que os
mesmos enfrentam devem ser levadas em conta, vejamos:
ARTIGO 5º Na aplicação das disposições da presente
Convenção: a) os valores e práticas sociais, culturais,
religiosos e espirituais desses povos deverão ser
reconhecidos e a natureza dos problemas que enfrentam,
como grupo ou como indivíduo, deverá ser devidamente
tomada em consideração; b) a integridade dos valores,
práticas e instituições desses povos deverá ser
respeitada;
E ainda, impõe aos governos o respeito às culturas e valores
espirituais dos povos indígenas:
ARTIGO 13 1. Na aplicação das disposições desta Parte
da Convenção, os governos respeitarão a importância
especial para as culturas e valores espirituais dos povos
interessados, sua relação com as terras ou territórios, ou
ambos, conforme o caso, que ocupam ou usam para
outros fins e, particularmente, os aspectos coletivos
dessa relação.
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 175
Interessante será também mencionar o artigo 10 da convenção
169, que dispõe que as características econômicas, sociais e culturais
deverão ser levadas em consideração para a imposição de sanções
penais e que características econômicas, sociais e culturais deverão ser
levadas em consideração. Portanto, inicialmente, temos que a cultura
dos índios, de um modo geral, é protegida e garantida.
3.3 A CULTURA DOS MAXAKALI
De acordo com Darcy Ribeiro, os Maxakali exibem dois modos
de visão sobre ao mundo além de suas terras. A primeira é representada
por uma parcela que tenta ferrenhamente sustentar as tradições da tribo
e a segunda está, conscientemente, remodelando a cultura para juntar o
atual com o antigo, com o objetivo de manter suas tradições, hábitos e
patrimônios e acompanhar um novo estilo de vida. (RIBEIRO, 1977,
apud POPOVICH, Frances Blok, 1980, p.3)
A fonte da denominação "maxakali" não é sabida; não foi dada
à etnia pelos próprios índios, já que os mesmos nem conseguem
pronunciá-lo com facilidade. Segundo Nimuendajú, o termo que
usavam para designar a si próprios era "Monacó bm" (1958:54 apud
POPOVICH, Frances Blok, 1980, P. 12).
De acordo pesquisa feita pelo Instituto Sócioambiental (ISA),
os Maxakali são vistos como semi-nômades, e sobrevivem
prevalentemente da pesca, caça, coleta e um pouco de agricultura. Eles
classificam os semelhantes em duas classes: os Xape (nos quais
176 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
depositam esperança de solidariedade, bondade, consideração e
respeito à propriedade) e Pukñog (estranho ou inimigo, de que não se
pode confiar, nem esperar bondade ou consideração, mesmo sendo da
parentela ou parente por afinidade).
Os velhos têm papel de muita estima entre os Maxakali,
exercendo bastante influência por meio de seus pontos de vista. Os
Maxakali não têm um xamã, espécie de sacerdote que recorre a forças
ou entidades sobrenaturais para realizar cura (FERREIRA, 2000),
todos os rituais da tribo são coletivos; se praticados individualmente,
são considerados feitiçaria, que é uma acusação muito grave e é punida
em certas ocasiões, com a morte (POPOVICH, 1980).
Ainda de acordo com Popovich (1980), não existem rituais para
o casamento:
Os Maxacali consideram o casamento como um
processo e não um ato realizado num momento certo.
Todo esse processo, que envolve um namoro discreto e
uma negociação, acontece sem alarde. O primeiro ano de
vida em comum é passado na casa da noiva e não é
considerado definitivo, pois muitos casais se separam
durante o primeiro ano.
Novamente utilizando o ISA como fonte, podemos relatar que
também não são observados ritos referentes à maturidade da moça; a
dos rapazes é indicada por iniciações rituais secretas. São feitos,
também, rituais de cura, porém, não em recém-nascidos, pois não os
consideram parte da sociedade, e nem em idosos por ser respeitado o
direito de morrer depois de tanto trabalho e dificuldades. Os Maxakali
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 177
acreditam que os espíritos capturam as almas dos mesmos, fazendo-os
ficarem doentes.
Suas armas são arco e flecha fabricados pelos homens da tribo.
Além de tais instrumentos, os homens também fabricam vassouras,
peneiras, chocalhos, cestos, vestimentas ara os rituais, etc. As mulheres
fabricam vasos de cerâmica, redes, colares, redes, cestos, sacos e
sacolas quem são sustentados na testa por meio de tiras e redes de
pesca, além de pescarem, coletarem e fazerem a colheita das roças.
Hoje, utilizam roupas comuns para se vestirem; os homens,
normalmente, de camiseta e short e as mulheres de vestido, porém,
continuam se pintando.
Infelizmente, dado ao contato com os brancos, os Maxakali
fazem largo uso de bebidas alcoólicas. Essa relação dos mesmos com
a bebida foi relatada pela primeira vez por Nimuendajú (1958), em
1939 (apud PENA, João Luiz, 2000) se perpetrando até os dias atuais.
4 OS CONFLITOS QUE ENVOLVEM O DIREITO INDÍGENA
4.1 CONFLITOS ENTRE OS MAXAKALI
Os conflitos dos Maxakali têm como origem e/ou se
desenvolvem por vingança. Normalmente acontece uma agressão sobre
um deles, o que acarreta a vingança sobre outro do grupo rival. Tal
prática é considerada justa por eles e a chamam de “pagamento do
morto”. Assim, acabam se separando, o que também acontece em casos
178 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
de aldeias rivais (VIEIRA, 2006). A motivação para agressões,
estupros e/ou assassinatos entre os índios normalmente é a bebida
alcoólica. Vejamos o relato de Nascimento:
Várias são as causas dessa baixa longevidade. Uma delas
pode ser o grande número de assassinatos de adultos, em
decorrência dos efeitos do alcoolismo. Registrei 16
desses casos, num período de 4 anos, perfazendo a média
de um assassinato por trimestre. O Maxakali embriagado
torna-se muito agressivo e, por qualquer motivo, usa a
arma contra o outro, mesmo sendo seu parente próximo.
Os índios afirmam que os assassinatos cometidos sob os
efeitos do álcool não são vingados. Eles justificam,
dizendo: “Fulano bateu ou matou porque estava com a
cabeça doida!” Mas não é garantido que a vingança não
possa ser praticada do mesmo modo sob os efeitos do
álcool (NASCIMENTO, 1984 apud VIEIRA, Marina
Guimarães, 2006).
VIEIRA (2006) também faz vários relatos de estupros ocorridos
a mulheres Maxakali que se encontravam alcoolizadas ou não e
praticados por homens Maxakali alcoolizados: “A morte foi causada
por traumatismo craniano, provavelmente antecedido de estupro, pois
verificava-se sangramento vaginal. Segundo o chefe de posto, um
pedaço de pau foi introduzido na vagina da mulher. ”
O ISA publicou vários relatos no obra “Índios no Brasil – 2001/
2005” (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2006). Abaixo, vale
transcrever um deles:
ALCOOLISMO E DESNUTRIÇÃO
O alcoolismo, o alto grau de desnutrição e a falta de
projetos econômico de auto-sustentação ameaçam os
índios Maxakali. Transformaram-se em vítimas de
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 179
“traficantes de álcool”, a quem pagam de R$25,00 a R$
50,00 por um litro de cachaça. [...]. “Bêbados, se
agridem e see matam. Neste ano, cinco já morreram por
causa da violência encorajada pelo álcool. O problema é
gravíssimo”. A constatação é do Administrador
Regional da Funai de Governador Valadares, [...]. O
administrador lembra que nenhum dos problemas
enfrentados pelos Maxakali é novo, mas chegaram a um
ponto intolerável. Os índios estão se armando. A
tragédia pode ser maior”, argumentou. Em 2004, seis
Maxakali morreram em conflitos entre grupos rivis,
dentro da aldeia (Ana Lúcia Gonçalves, Hoje em Dia,
04/11/05 apud SOCIOAMBIENTAL, Instituto, 2006, p.
768).
E ainda:
CONFLITO ENTRE GRUPOS RIVAIS PROVOCA
MORTES Pelo menos dois índios Maxakali morreram
ontem, nesta cidade no Vale do Mucuri, em mais um
conflito entre grupos rivais das aldeias Água Boa e
Pradinho. Devido À dificuldade de comunicação com a
aldeia, até ontem a Funai só havia identificado uma das
vítimas, [...], que foi morto a facadas. [...] (Hoje em Dia,
09/11/05 apud SOCIOAMBIENTAL, Instituto, 2006, p.
768).
Como se pode ver, os conflitos internos são basicamente
provocados pelo álcool ou pela falta de comunicação e rivalidade entre
as aldeias, sendo, na maioria das vezes, solucionado entre os próprios,
que em certas ocasiões se mostram arredios e agressivos.
4.2 CONFLITOS ENTRE OS MAXAKALI E OS POVOS
CIVILIZADOS
180 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
Os conflitos entre os Maxakali e os brancos também são
decorrentes nas regiões em que se encontram as comunidades
indígenas. Os mesmos ocorrem, normalmente, em função também do
alcoolismo, que faz com que os mesmos fiquem agressivos e por hora
agridam alguém e em função das terras que são constantes alvos de
disputas, processos e brigas entre os índios e fazendeiros das
localidades e, em certos casos, até a mortes desde os tempos antigos
até a tempos atuais.
Vários relatos sobre tais fatos podem ser encontrados em
publicações de jornais, livros e artigos, como é o caso ocorrido em
1987, do índio Osmínio Maxakali que foi encontrado morto nas
localidades de uma fazenda três dias após ter tido uma briga com o
filho do fazendeiro por estar caçando na fazenda do mesmo; seu corpo
estava com cortes no pescoço e em cima do peito e a cabeça se
encontrava muito preta, ao contrário do corpo. De acordo com o relato
a polícia não concluiu as investigações e não apontou a causa da morte.
(SOCIOAMBIENTAL, Instituto, 1991)
Em 2005, o jornal Hoje em Dia – Belo Horizonte-MG, publicou
matéria sobre uma invasão de cerca de 200 Maxakali que armaram
barracas de lona na entrada de uma fazenda que dá acesso a outras dez.
Para os mesmos é propriedade dos seus antepassados.
Segundo notícia veiculada pelo ISA, com fonte Organização
Não-governamental CEDEFES, em 31 de janeiro de 2015, uma índia
foi atropelada em frente a um bar em Ladainha- MG, onde transitava
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 181
carregando um balaio com mangas coletadas na estrada, por uma
motocicleta dirigida por pessoa desconhecida (apesar de o bar estar
cheio na hora do ocorrido) que não prestou socorro. Além disso, em
2014 uma índia também foi atropelada em Teófilo Otoni, outro
atropelado em Batinga-BA, um apedrejado em Santa Helena de Minas-
MG e mais um baleado em Itanhém-BA. Tais fatos revelam total
descuido e indiferença da sociedade, evidenciando que em alguns casos
as pessoas simplesmente não respeitam os índios, ou simplesmente não
entendem a diferença entre as sociedades, entre as culturas.
4.3 O CONFLITO DE NORMAS ENTRE A LEGISLAÇÃO
COMUM E A LEGISLAÇÃO INDÍGENA
É válido, a esta altura deste trabalho, que sejam abordados os
conflitos indígenas de forma mais direta com o Direito; tanto o comum,
quanto o indígena, analisando as diferenças entre os mesmos. É o que
veremos a seguir.
4.3.1 Posição Jurisprudencial
A jurisprudência se mostra bastante coerente e dentro dos
preceitos de justiça e direito à diferença, julgando cada caso de acordo
com suas peculiaridades, punindo quando deve ser punido e
absolvendo quando assim se fazer necessário e justo, evitando a
agressão à sociedade comum e à sociedade indígena.
182 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
Vejamos jurisprudência do TJ-SC, sobre estupro. Como é
sabido, as normais penais brasileiras, de acordo com o a artigo 217-A
do Código Penal Brasileiro, têm a conjunção carnal com menor de
quatorze anos, independente da aceitação da vítima (como confirmado
na jurisprudência a seguir) como crime, punido de acordo o caso
tratado. No caso em tela, não foi aplicado o Estatuto do Índio, visto que
foi comprovado que o réu estava plenamente integrado na sociedade,
devendo ser julgado como qualquer outro cidadão comum:
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA
DEFESA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. CRIME
DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A).
PRELIMINAR. INCIDÊNCIA DO ESTATUTO DO
ÍNDIO. INOCORRÊNCIA. EXERCÍCIO DE
ATIVIDADE LABORAL E OUTROS ELEMENTOS
A EVIDENCIAR INTEGRAÇÃO À SOCIEDADE.
MÉRITO. PROVA SUFICIENTE DA
MANUTENÇÃO DE RELAÇÃO SEXUAL E
CIÊNCIA DA IDADE DA VÍTIMA. CONFISSÃO DO
RÉU. DEPOIMENTO DA VÍTIMA E
TESTEMUNHAS. ADVENTO DA LEI 12.015/2009.
ERRO DE TIPO NÃO EVIDENCIADO.
SUPERAÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE
PRESUNÇÃO ABSOLUTA E RELATIVA.
CONSENTIMENTO DA VÍTIMA CONSTITUI
INDIFERENTE PENAL. IDADE COMO ELEMENTO
DA TIPICIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA. -
Evidenciada a plena integração do índio à sociedade, não
há falar na aplicação da tutela prevista no Estatuto do
Índio. - O agente que pratica conjunção carnal com
menor de quatorze anos, ciente de sua idade, comete o
crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A,
do Código Penal, independente da ocorrência de
violência. - Presente nos autos provas a evidenciar que o
réu, mesmo após tomar ciência sobre a idade da vítima,
manteve relações sexuais com a mesma, tem-se inviável
o reconhecimento do erro de tipo. - Parecer da PGJ pelo
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 183
conhecimento e não provimento do recurso. - Recurso
conhecido e não provido (TJ-SC - APR: 20130077362
SC 2013.007736-2 (Acórdão), Relator: Carlos Alberto
Civinski, Data de Julgamento: 23/06/2014, Primeira
Câmara Criminal Julgado,).
Já na jurisprudência que se segue, o réu foi absolvido, mesmo
sendo comprovada a prática do estupro para os parâmetros das normas
comuns da nossa sociedade, visto que a inocência da vítima seria
relativa e a mesma procurou ter relações sexuais, além de tal fato ter
sido considerado comum para a sociedade indígena, dentro da sua
cultura normal.
APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO - VIOLÊNCIA
PRESUMIDA - ABSOLVIÇÃO - FUNDAMENTO DE
QUE A INNOCENTIA CONSILLI É RELATIVA -
IMPROCEDÊNCIA - VÍTIMA ÍNDIA - OFENDIDA
QUE AVOCOU PARA SI A INICIATIVA DO ATO
SEXUAL - COMUNIDADE INDÍGENA QUE
ACEITOU O FATO DENTRO DE UMA
NORMALIDADE - NÃO-APLICABILIDADE DO
RIGOR ORA OBSERVADO NAS CORTES
SUPERIORES - IMPROVIMENTO (TJ-MS - ACR:
6979 MS 2008.006979-2, Relator: Des. João Batista da
Costa Marques, Data de Julgamento: 17/06/2008, 1ª
Turma Criminal, Data de Publicação: 04/07/2008).
Tratando sobre homicídios, que são considerados crimes
hediondos e também são punidos, de acordo o artigo 121 do Código
Penal Brasileiro, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu
que não seria hipótese de indenização e responsabilidade civil, pelo
homicídio praticado pelo índio, visto que a culpa foi exclusiva da
184 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
vítima, que adentrou a reserva indígena para extração ilegal de
madeira. Vejamos:
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS
MATERIAIS E MORAIS. HOMICÍDIO PRATICADO
POR ÍNDIOS. ÁREA DE RESERVA INDÍGENA.
INVASÃO PARA EXTRAÇÃO ILEGAL DE
MADEIRA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA.
INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO ESTADO. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO. APELAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. A
responsabilidade objetiva do Estado segue a teoria do
risco administrativo, segundo a qual, para se caracterizar
o dever de indenizar, são necessários a ocorrência de um
comportamento do agente público, a existência de um
dano e nexo causal entre ambos. Há Hipóteses, todavia,
em que essa responsabilidade pode ser afastada, se
comprovada a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro,
bem como a ocorrência de caso fortuito ou de força
maior. 2. No caso, foi comprovada a culpa exclusiva da
vítima, que invadiu reserva indígena, sem autorização,
para extração ilegal de madeira, ficando afastada a
responsabilidade do Estado e o consequente dever de
indenizar, uma vez que não configurada qualquer
omissão quanto ao dever de segurança, mormente
quando a área se encontrava interditada por meio da
Portaria n. 508, de 20.06.1978. 3. Sentença confirmada.
4. Apelação desprovida (TRF-1 - AC: 114025 RO
2000.01.00.114025-2, Relator: DESEMBARGADOR
FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, Data de
Julgamento: 01/12/2008, SEXTA TURMA, Data de
Publicação: 02/02/2009 e-DJF1 p.153).
Reafirmando o fato de que os índios plenamente integrados à
sociedade não indígena e que são aculturados, segue jurisprudência do
TJ-SC, que desproveu recurso com o referido fundamento; afastando
assim, qualquer privilégio que talvez seria dado ao silvícola que não
estivesse civilizado, tratando-o sem distinção dos outros cidadãos:
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 185
APELAÇÃO CRIMINAL - ÍNDIOS - LEI N. 6.001/73
- DELITO PRATICADO POR SILVÍCOLAS -
RECURSOS DEFENSIVOS - PRELIMINAR -
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA O
PROCESSAMENTO DA AÇÃO PENAL - SÚMULA
140 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA -
INIMPUTABILIDADE PENAL - ÍNDIO -
INDIVÍDUO PLENAMENTE INTEGRADO À
SOCIEDADE, INCLUSIVE COM TÍTULO DE
ELEITOR - INAPLICABILIDADE DA LEI N.
6.001/73 AOS CRIMES COMETIDOS POR ÍNDIO -
AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS -
PROVA TESTEMUNHAL - SENTENÇA MANTIDA
- PRESCRIÇÃO - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA
- EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECLARADA DE
OFICIO - RECURSO DESPROVIDO Entendimento
assente na jurisprudência pátria de que os crimes
cometidos por silvícolas perfeitamente integrados e
aculturados, são processados e julgados na justiça
comum estadual, sem distinção do cidadão comum (TJ-
SC - APR: 28900 SC 2003.002890-0, Relator: Solon
d´Eça Neves, Data de Julgamento: 17/06/2003, Primeira
Câmara Criminal, Data de Publicação: Apelação
Criminal n. , de Abelardo Luz.).
Feitas tais análises, presumimos que pelo que foi coletado, a
Justiça tem procurado dar a devida atenção aos silvícolas e tratá-los o
mais perto possível do que as leis que os regem determinam.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise
da importância da diferenciação do sujeito indígena e dos civilizados
de forma geral, uma reflexão sobre como a forma com que eles vivem
se desiguala à nossa, sendo assim, não pensam como nós e,
186 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
consequentemente, não agem como nós. Além disso, permitiu a
utilização de diferentes recursos para apresentar tais dissemelhanças.
De modo geral, os homens civilizados não se mostram
interessados em entender, ajudar ou até participar da cultura do índio,
diminuindo as barreiras e os conflitos entre o “branco e índio”, ainda
têm dificuldades para tratar os indígenas como seu semelhante,
deixando de lado as divergências culturais. Algumas pessoas,
principalmente pesquisadores, antropólogos e religiosos tem grande
parcela da contribuição para a melhoria da vida indígena, visto o vasto
material encontrado em todos os meios de pesquisas; por outro lado,
outras pessoas, como alguns habitantes das cidades circunvizinhas e
fazendeiros da região não querem colaborar de maneira nenhuma, o
que torna os assassinatos cometidos tanto pelo indígena quanto pelo
civilizado, bastante numerosos.
Os Maxakali, apesar de serem considerados índios que
preservam sua cultura mesmo tendo contato com o branco a mais de
200 anos, também se mostram interessados na ajuda e na convivência
com o mundo externo, como se pode perceber da permissão dos
mesmos em serem auxiliados pela FUNAI; entretanto, acabam tendo
seus fins desviados para o álcool, seu grande malfeitor e causador da
maior parte das desavenças existentes tanto dentro quanto fora da tribo,
como relatado do decorrer deste trabalho. A análise etnográfica dos
índios do Brasil e do índio Maxakali possibilitou o melhor
Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016 187
entendimento do meio indígena, dando melhor embasamento ao tema
proposto.
Os conflitos internos observados nos possibilitaram perceber
como o álcool prejudica a vivência dos silvícolas, como eles ficam
instáveis perante a bebida, chegando a cometer crimes dentro da tribo
e muitas vezes, a causar conflitos de proporções muito maiores. Da
observação dos conflitos com os brancos, percebe-se também o dano
trago pelo álcool, que em algumas ocasiões são o estopim do problema.
Outro grande inconveniente são os problemas de cunho patrimonial; os
índios reivindicam suas terras, que, normalmente, foram invadidas e
tomadas dos mesmos, décadas antes; os fazendeiros, insatisfeitos,
agem perante impulso tentando também, de alguma forma, reaver seus
bens. Em outras circunstâncias, os índios também invadem
injustamente as propriedades dos seus extremantes danificando-as e de
igual forma causando conflito.
Pela análise das jurisprudências, concluímos que o Judiciário
vem procurando estabelecer a justiça e solucionar os conflitos,
respeitando as diferenças culturais e normativas a que os índios estão
sujeitos. O índio também deve ser tratado de forma justa e íntegra,
principalmente diante da sua posição de fragilidade perante o
capitalismo; portanto políticas sócias devem continuar sendo feitas e o
índio deve ser protegido, quando justo e necessário da violência
imposta a ele. Nesse sentido, nada mais justo dar-lhes o tratamento que
lhes é de direito, tratando-os, de acordo a Constituição Federal, de
forma diferente, conforme suas diferenças.
188 Águia - Revista Científica da FENORD - julho/2016
REFERÊNCIAS
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