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ISBN: 978-85-7282-778-2 Página 1 LEGISLAÇÃO E CONFLITOS EM UMA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL Francisco Hiályson Fidelis Medeiros (a) , Luiz Tavernard de Souza Neto (b) , Rodrigo Guimarães de Carvalho (c) (a) Programa de Pós-Graduação em Ambiente, Tecnologia e Sociedade (PPGATS), Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), hiá[email protected]. (b) Núcleo de Estudos Socioambientais e Territoriais (NESAT), Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), [email protected]. (c) Departamento de Gestão Ambiental (DGA), Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), [email protected] Eixo: Unidades de conservação: usos, riscos, gestão e adaptação às mudanças globais. Resumo: O objetivo dessa pesquisa foi examinar a evolução da legislação ambiental aplicável a RDSEPT, bem como avaliar os usos e ocupações presentes nas APPs. Para tanto, fez-se o uso de técnicas de geoprocessamento, utilizando o software livre Quantum GIS (QGIS®) e banco de dados cartográficos. Os resultados obtidos indicaram que, utilizando como parâmetro o Código Florestal de 1965, a RDSEPT possuiria 3 tipos de APPs, enquanto que, com base no Código Florestal de 2012, esse número aumenta para 4 tipos. Já para a Resolução CONAMA 302/2002, existem 6 tipos de APPs. Ao avaliarmos o uso e ocupação nas APPs, usando como critério o Código Florestal e a Resolução do Conama, verificou-se a presença de 7 atividades presentes nas APPs. Os dados apresentados nessa pesquisa apontam que a sobreposição da legislação pode dificultar a tomada de decisões para o planejamento da RDSEPT, considerando as dificuldades de estabelecer usos permitidos e proibidos. Palavras chave: Áreas de preservação permanente, legislação ambiental, uso e ocupação, geoprocessamento, unidade de conservação. 1. Introdução Os sistemas costeiros apresentam-se como áreas de funcionamento complexo, com ecossistemas sensíveis e interdependentes, sob forte interferência de diferentes fatores relacionados aos processos oceanográficos, atmosféricos e continentais (GUIMARÃES, 2012 et. al). Reconhecendo a necessidade de proteção e controle dos ecossistemas associados ao

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LEGISLAÇÃO E CONFLITOS EM UMA RESERVA DE

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO RIO GRANDE DO NORTE,

BRASIL

Francisco Hiályson Fidelis Medeiros (a), Luiz Tavernard de Souza Neto (b), Rodrigo

Guimarães de Carvalho (c)

(a) Programa de Pós-Graduação em Ambiente, Tecnologia e Sociedade (PPGATS), Universidade Federal Rural do

Semi-Árido (UFERSA), hiá[email protected]. (b) Núcleo de Estudos Socioambientais e Territoriais (NESAT), Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

(UERN), [email protected]. (c) Departamento de Gestão Ambiental (DGA), Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN),

[email protected]

Eixo: Unidades de conservação: usos, riscos, gestão e adaptação às mudanças globais.

Resumo:

O objetivo dessa pesquisa foi examinar a evolução da legislação ambiental aplicável a

RDSEPT, bem como avaliar os usos e ocupações presentes nas APPs. Para tanto, fez-se o uso de

técnicas de geoprocessamento, utilizando o software livre Quantum GIS (QGIS®) e banco de

dados cartográficos. Os resultados obtidos indicaram que, utilizando como parâmetro o Código

Florestal de 1965, a RDSEPT possuiria 3 tipos de APPs, enquanto que, com base no Código

Florestal de 2012, esse número aumenta para 4 tipos. Já para a Resolução CONAMA 302/2002,

existem 6 tipos de APPs. Ao avaliarmos o uso e ocupação nas APPs, usando como critério o

Código Florestal e a Resolução do Conama, verificou-se a presença de 7 atividades presentes nas

APPs. Os dados apresentados nessa pesquisa apontam que a sobreposição da legislação pode

dificultar a tomada de decisões para o planejamento da RDSEPT, considerando as dificuldades de

estabelecer usos permitidos e proibidos.

Palavras chave: Áreas de preservação permanente, legislação ambiental, uso e ocupação,

geoprocessamento, unidade de conservação.

1. Introdução

Os sistemas costeiros apresentam-se como áreas de funcionamento complexo, com

ecossistemas sensíveis e interdependentes, sob forte interferência de diferentes fatores

relacionados aos processos oceanográficos, atmosféricos e continentais (GUIMARÃES, 2012

et. al). Reconhecendo a necessidade de proteção e controle dos ecossistemas associados ao

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litoral, a legislação brasileira apresenta diversos instrumentos que incidem diretamente no

ambiente litorâneo, entre os quais merece destaque a Lei 12.651 de 2012 referente ao Código

Florestal que elenca as Áreas de Preservação Permanente (APPs). As APPs são áreas

protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os

recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo

gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, como

disposto no inciso II, do art. 2, do Código Florestal de 2012. Dessa forma, essas áreas

desempenham um papel fundamental na conservação ambiental.

Entre as APPs litorâneas, tem-se as bordas de tabuleiros, as praias, as restingas, os

manguezais, as dunas e as margens de lagoas, nascentes e rios/estuários. Esses ecossistemas

vêm sendo protegidos desde o antigo Código Florestal Brasileiro de 1965, passando também

por resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), sendo a mais importante

a Resolução CONAMA 303 de 2002. Diante do exposto, essa pesquisa se desenvolveu no

âmbito da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão (RDSEPT). A

unidade é caracterizada de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(SNUC) como de Uso Sustentável, que no seu artigo 7º, §2, inciso II indica que se deve

“compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos

naturais”.

O fato de a RDSEPT estar localizada em um ambiente costeiro que já possui uma

legislação própria de proteção e ainda assim ser uma área de uso sustentável fortalece a

necessidade de monitoramento e fiscalização dos ecossistemas da unidade. Diante disso, esse

trabalho tem por objetivo analisar a legislação ambiental brasileira aplicada as APPs da

RDSEPT, levando em consideração três instrumentos normativos, a Lei 4.771/1965, a

resolução CONAMA 303/2002 e a Lei 12.651/2012 e consequentemente identificar possíveis

conflitos de uso associados aos descumprimentos dos instrumentos citados.

2. Procedimentos Metodológicos 2.1. Área de Estudo

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão (RDSEPT),

foi criada por meio da Lei Estadual n° 8.349 de 18 de julho de 2003, e está localizada entre os

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municípios de Macau e Guamaré, litoral setentrional do RN, sendo seus limites dispostos entre

as seguintes coordenadas: latitude 5º2’ S e 5º16’ S e de longitude 36º23’ WGr e 36º32’ WGr,

incluindo uma parte terrestre e outra marinha (IDEMA, 2017). A unidade se encontra a uma

distância de aproximadamente 186 km da Capital do Estado, a cidade de Natal, as principais

vias de acesso às comunidades na área da Reserva são as rodovias BR 406 e as RN 401, RN

221 e RN 403 (Figura 1).

Figura 1 – Mapa de localização da RDS Ponta do Tubarão, Litoral Norte do Rio Grande do Norte, Nordeste

do Brasil.

2.2 Procedimentos Metodológicos

Para a análise da legislação ambiental e a relação com os conflitos de uso da RDSEPT,

buscou-se inicialmente, selecionar a legislação pertinente sobre Áreas de preservação

Permanente (APPs), com isso analisou-se três instrumentos normativos: o Código Florestal de

1965 (Lei nº 4.771); a resolução CONAMA 303/2003; e o Código Florestal de 2012 (Lei

12.651/2012). Esses instrumentos foram escolhidos em virtude de seu teor e da capacidade de

se realizar uma averiguação da evolução histórica da legislação ambiental voltada as APPs.

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A etapa posterior consistiu na seleção de banco de dados cartográficos contendo

mapeamentos da geomorfologia, recursos hídricos e uso e ocupação da área de estudo. Esses

dados foram obtidos por meio dos relatórios do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e

Meio Ambiente (IDEMA).

Os dados foram tratados e organizados em ambiente de Sistema de Informação

Geográfica, utilizando-se o software livre Quantum Gis na sua versão 2.14.12. Com o banco de

dados pronto, procedeu-se inicialmente a identificação das APPs da Reserva a partir dos dados

de mapeamento geomorfológico. Essa etapa consistiu em realizar uma seleção das feições

geomorfológicas que são categorizadas como APPs no contexto da RDSEPT.

Para a análise dos conflitos de uso e ocupação do solo, inicialmente excluiu-se classes

de uso e ocupação não conflitantes (vegetação nativa, classes geomorfológicas e/ou geológicas,

etc.), e posteriormente realizou-se uma sobreposição das classes restantes, ou seja, conflitantes

(núcleos rurais, salinas, extrativismo, etc.), sobre as classes de APPs de acordo com o

instrumento normativo mais restritivo.

3. Resultados e Discussão

Na perspectiva do histórico normativo do Brasil, uma das primeiras legislações

ambientais com o foco na proteção das florestas existentes e outras unidades ambientais, foi o

Decreto Federal de número 23.793, de 23 de janeiro de 1934. O mesmo já trazia uma

regulamentação da exploração, da conservação e da recuperação da vegetação nativa

(BRACALION et al., 2016). Mas só foi a partir do Código Florestal, a Lei nº 4.771, de 15 de

setembro de 1965 que surgiu um cenário mais claro sobre a proteção ambiental no brasil. A

partir dela começou-se a usar o termo Áreas de Preservação Permanente (APP).

Após a Lei 4.771/65, muitos outros instrumentos normativos surgiram visando

regulamentar a proteção de unidades ambientais com grande importância. Além dessa Lei já

citada, pode-se incluir a Resolução CONAMA 303/2002 e o atual código Florestal Brasileiro,

a Lei 12.651/2012. A análise do escopo protecionista desses instrumentos legais em conjunto

com o levantamento de dados geomorfológicos da área de estudo permitiu identificar a

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existência de cinco unidades ambientais categorizadas como APPs, sendo elas: o Entorno de

Lagoas/Lagoas, as Restingas (como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues), as

Bordas de Tabuleiros, o Manguezal e as Dunas (fixas ou móveis).

Usando a lei 4.771/65 como parâmetro, podemos perceber a presença de duas unidades

associadas as áreas litorâneas, sendo elas, a restinga e as bordas de tabuleiro, onde resguardam

espaços com presenças de falésias, e além delas, as margens de Lagos ou Lagoas. Ao

considerarmos a resolução Conama como o instrumento normativo percebemos um aumento

considerável na área legalmente protegida da RDSEPT, além de considerar as APPs de

restinga, borda de tabuleiro e margens de lagoas, a resolução acrescenta as áreas do

ecossistema manguezal em toda a sua extensão e as dunas, sejam elas fixas ou móveis.

Por fim, temos a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que veio para substituir a Lei

4.771/65. Considerando essa lei, temos a presença de quatro unidades ambientais protegidas,

as Restigas, os Manguezais, as Bordas de Tabuleiros e as margens de Lagos ou Lagoas. A figura

2 apresenta as APP’s presentes na área de estudo, considerando os 3 instrumentos normativos.

Figura 2 – Áreas de Preservação Permanente presentes na RDSEPT de acordo com a Lei 4.771/65, Lei

12.651/12 e Resolução CONAMA 303/2002.

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No mais, observa-se que a evolução da legislação ambiental brasileira sob o viés das

APPs, revela uma série de pontos positivos e negativos no que diz respeito a proteção da

natureza. Do ponto de vista quantitativo observamos uma evolução, considerando que ao longo

do tempo foram adicionadas novas unidades ambientais no contexto de APPs.

No entanto, verifica-se também, mudanças qualitativas, quando ocorre uma

flexibilização na utilização de áreas de preservação permanente, uma vez que a evolução

normativa demonstra que as APPs estão mais suscetíveis a alterações por utilidade pública,

interesse social ou baixo impacto ambiental (KARSTEN; SILVA, 2013). Além disso, esse

cenário de diversidade normativa, dificulta a gestão ambiental em áreas costeiras, considerando

a sobreposição desarticulada das normas e restrições dos instrumentos utilizados nessa pesquisa

(CORREIA; OLIVEIRA; MAIA, 2015).

3.1 Conflitos de Uso

Para a análise dos conflitos de uso e ocupação preferiu-se usar Resolução Conama

303/2012, uma vez que, dentre os instrumentos analisados, ela é a mais restritiva. A

sobreposição dos dados de uso e ocupação do solo obtidos pelo Plano de Manejo da RDS Ponta

do Tubarão (IDEMA, 2016), foram tratados e selecionados afim de representar espacialmente

os conflitos de uso existentes na reserva, esses dados podem ser visualizados na figura 3. Os

dados indicam que considerando todas as unidades ambientais caracterizadas como APPs

(Resolução Conama 303/2002) a reserva possui 6394 hectares de áreas protegidas, ou seja, 49%

de todo o território da unidade (Tabela 1).

Desses 6394 hectares, 1380 possuem algum tipo de uso e ocupação, o que compreende

22% de áreas de proteção com conflitos de uso. A restinga e as dunas móveis, ambientes frágeis

do litoral, apresentaram usos associados principalmente a instalações de parques eólicos, onde

foram identificados sete aerogeradores, sendo que a base de cada um ocupa em média 1 hectare.

Dessa forma, pelo menos sete hectares das restingas estão sendo usados com fins de produção

de energia. O manguezal tem o seu uso associado principalmente ao extrativismo (tipo de uso

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caracterizado como do “tipo indireto”), pelo menos 526 hectares são utilizados nessa atividade

e outros 69 hectares são ocupados por Salinas.

As bordas de Tabuleiro, apesar de serem a segunda menor APP em extensão, possui

uma ocupação marcante, principalmente da agricultura com 8 hectares, seguido de aglomerados

do tipo rural que ocupam 2 hectares. Já as lagoas, a menor APP em extensão possui um uso de

apenas 3 hectares, associados a agricultura.

Figura 3 – Áreas conflitantes de uso e ocupação do solo em relação as Áreas de Preservação Permanente na

RDSEPT, Rio Grande do Norte.

Áreas de Proteção Permanente Extensão* Área ocupada* %

Restinga 454 7 1.5

Borda de Tabuleiro 27 10 37

Lagoas 84 3 3.5

Manguezal 1575 595 38

Dunas moveis 1805 124 7

Dunas Fixas 2449 641 26 Tabela 1 – Extensão das Áreas de Preservação Permanente e a relação com usos e ocupações conflitantes

na RDSEPT, Rio Grande do Norte, Brasil.

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As dunas móveis são caracterizadas primordialmente pela ocupação de núcleos

urbanos, ocupando uma área de 100 hectares, enquanto que, a agricultura é a principal ocupação

presente nas dunas fixas, atingindo uma área de 641 hectares, seguido por núcleos rurais (7

hectares). Além disso, as dunas fixas e móveis possuem uma ocupação bem marcante de

aerogeradores, considerando o tamanho da base de cada um dos aerogeradores, os mesmos

ocupam 25 e 16 hectares nas dunas móveis e fixas, respectivamente.

Além das usinas eólicas, as dunas, possuem uma forte ocupação pelas áreas

urbanizadas e os núcleos rurais da unidade. Nesse sentido, MAMERI (2011 apud, Macedo,

1999) diz que as dunas possuem um alto valor, tanto pelo caráter paisagístico, como ambiental

e mostram-se especialmente sensíveis a qualquer forma de assentamento humano.

Bramati, Musella e Alleva (2014) defendem que dada a natureza das linhas costeiras,

os processos urbanos, como a expansão, são necessariamente limitados espacialmente. Nesse

sentido, a costa torna praticamente insustentável a expansão para o mar e, portanto, intensifica

as pressões. Esse cenário ocorre porque as áreas costeiras atraem uma variedade de interesses

e atividades dentro de um espaço limitado e por várias razões são únicas e mais complexas do

que os espaços interioranos (BRAMATI; MUSELLA; ALLEVA, 2014).

A ocupação por assentamentos humanos na reserva revela uma preocupação contra

impactos ambientais sob o sistema manguezal. Ao contrário do que ocorre em outros estuários,

onde a água doce de um rio se encontra com a água salgada do mar e favorece o surgimento da

vegetação de mangue, esse processo ocorre de maneira menos comum na RDSEPT, a água doce

responsável pela manutenção da qualidade ambiental do manguezal surge através da captação

de água pelas dunas, ou seja, a água é subterrânea. Dessa forma a impermeabilização das dunas,

podem promover mudanças na dinâmica natural da reserva.

Apesar disso, um ponto positivo que destoa das relações ambiente e sociedade é que

as comunidades inseridas nos limites da RDSEPT possuem uma história de luta contra

processos destrutivos dos ecossistemas, da biodiversidade e das atividades tradicionalmente

desenvolvidas na área, como a pesca artesanal. A própria criação da Reserva foi o resultado de

oito anos de lutas destas comunidades contra empresários, tentativas de devastação do

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manguezal local e influências externas negativas contra o meio ambiente (DIAS; ROSA;

DAMASCENO, 2007).

O que se observa em muitas reservas de desenvolvimento sustentável, é que, pela

deficiência do estado, seja na fiscalização ou gestão das unidades, as comunidades tradicionais

fazem as vezes dos instrumentos de fiscalização, alertando o poder público de possíveis

ameaças. Isso muitas vezes, gera conflitos dentro da comunidade, dividindo entre aqueles que

desejam um aumento da exploração dos recursos naturais do ambiente, em contrapartida, aos

que preferem uma gestão voltada a conservação do ambiente.

No que diz respeito ao manguezal, a utilização do mesmo na RDSEPT tem seu uso

associado ao apoio das atividades econômicas principais, ou seja, a vegetação retirada é

utilizada para alimentar animais, construção de “varais” para secar peixe e/ou na construção

civil (cercas, cercados para animais e estruturas para casas de sapê).

Para além desses aspectos Dias, Rosa e Damasceno (2007) destacam que apesar dos

conflitos de uso existentes na área, a pesca ainda é a atividade mais importante na Reserva e

envolve cerca de 1.000 famílias que incluem pescadores e pescadoras de peixes, catadores de

caranguejo e marisqueiras. A pesca artesanal na Reserva é realizada predominantemente em

dois ambientes caracteristicamente distintos: a praia e o manguezal. Ou seja, o manguezal é um

ambiente de extrativismo dentro da reserva que possui uma grande importância socioeconômica

(DIAS; ROSA; DAMASCENO, 2007).

As práticas tradicionais de pesca e mariscagem dessas populações definem um modo

de viver que se traduz em costumes, formas de organização social e de construção do seu

habitat, caracterizando-as como comunidades tradicionais (MAMERI, 2011).

O que mais se observa é que as APPs possuem sua importância delimitada, mas, em

diferentes ambientais elas podem tomar concepções diferenciadas. As dinâmicas da zona

costeira, a RDSEPT, as áreas de preservação permanente, formam uma confusão para as

estratégias de gestão, muito em decorrência da complexidade de se tomar decisões baseadas em

vários fatores associados. Tuda, Stevens e Rodwell (2014) destacam que a maioria das áreas

costeiras do mundo são áreas de uso múltiplo onde diferentes atividades humanas ocorrem.

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Consequentemente, muitos países estão a fazer tentativas de gerenciar conflitos entre usuários

dos recursos costeiros e parar os danos ambientais (TUDA; STEVENS; RODWELL, 2014).

Assim, os conflitos ambientais são analisados como decorrentes de rupturas de acordos

ecológicos devido a incompatibilidades de interpretações simbólicas quanto a unidades

territoriais compartilhadas (FLEURY; ALMEIDA; PREMEBIDA, 2014). A complexidade

desse assunto se releva quando verificamos como os ambientes costeiros possuem a capacidade

de ordenar forças naturais e socioeconómicas que se combinam de forma muito intensa, por

isso, a existência de muitos atores sociais interessados em explorar esses ambientes, isso por

sua vez, pode tornar os conflitos mais intensos (BRAMATI; MUSELLA; ALLEVA, 2014).

Apesar de tudo e considerando os princípios que motivaram a sua criação, com ênfase

na resistência da comunidade às práticas de descaracterização cultural, ambiental e de

especulação imobiliária, a RDSEPT é reconhecida hoje como uma experiência exitosa de luta

pela preservação dos recursos naturais disponíveis e de organização social (MAMERI, 2011).

Esse com certeza é um aspecto que deve ser sobreposto a esses conflitos, na medida em que,

segundo Tuda, Stevens e Rodwell (2014) devem ser trabalhadas as estratégias para o

desenvolvimento de mecanismos de gestão de conflitos adaptáveis as particularidades da

RDSEPT.

4. Considerações Finais

As unidades de conservação se tornaram uma das principais políticas para a gestão

territorial do brasil, compreendendo os aspectos da conservação e preservação da nossa rica

biodiversidade. Esse contexto se apresentou na Reserva de Desenvolvimento Sustentável

Estadual Ponta do Tubarão (RDSEPT), com uma série de perspectivas sobre a legitimação da

proteção promovida pela criação da Reserva.

Apesar de ser categorizada como uma Unidade de Conservação para uso sustentável,

verificou-se na pesquisa que a Reserva pode ter, a depender do instrumento legal, grande parte

do seu território vinculado as áreas de preservação permanente, que por consequência, possuem

características mais preservacionistas que uma RDS.

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Esse fato suscita uma série de questões sobre a gestão da qualidade ambiental da

reserva e sobre os direitos e deveres das comunidades. Com isso, considerando as dificuldades

de estabelecer usos permitidos e proibidos, aponta-se também que em todas as APPs da

RDSEPT existe algum tipo de uso e/ou ocupação variando de baixo a alto impacto. Dessa

forma, as contradições encontradas nos resultados da pesquisa, podem servir como elementos

norteadores para estabelecer as estratégias de gestão.

Para além dos aspectos legais, pensar os conflitos de uso e/ou ocupação da RDSEPT,

significa discutir com as comunidades as soluções preventivas e mitigadoras, administrando os

impactos existentes e evitando o surgimento de outras atividades que possam prejudicar as

relações sociedade-natureza positivas que existem na RDS.

Sugere-se que os próximos instrumentos de ordenamento territorial voltadas as

permissividades de uso e ocupação aplicados a RDS Ponta do Tubarão, busquem garantir a

preservação das unidades ambientais protegidas legalmente, na medida em que se estabelece

diálogos para a garantia da segurança econômica das populações residentes na reserva.

O apoio técnico, para a readequação de práticas predatórios, possibilitando um olhar

sustentável sobre o uso dos recursos e a adoção de políticas públicas ambientais, devem ser

realizar de forma combinadas a esses instrumentos de gestão territorial, para que se possa ter

um efeito desejado para conservação da qualidade ambiental da RDSEPT.

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