Conhecimento prospectivo

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Foucault e o conhecimento

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Devo alertar, antes de mais nada, que encontro-me em universo limitado, j que pudemos observar poucos autores nestes quatro semestres de filosofia. Por outro lado, tenho muitos amigos sbios, o que me d uma certa flexibilidade para utilizar o pouco que temos de bagagem. Tome o leitor portanto a expresso de minha ignorncia, no como um erro, mas, como dos diria Pascal, encare como lados que eu no vi ainda. Jamais me negarei a ver tais lados uma vez mostrados.

O que me intrigou quando estudamos Bacon foi o fato de tratar-se de um homem aberto para o novo e para a possibilidade, e ao mesmo tempo um ferrenho adversrios das teses de Galileu. No do direito desse de expressar-se, mas das idias em si. Argumentava que, frente aos instrumentos da poca, tudo o que ele dizia podia ser desdizido, j que tudo careceria de prova concreta.

Sabemos ns que os epiciclos e referentes passaram para a histria como a explicao suficiente dos fenmenos, mas que os fenmenos em si eram muito diferentes. Mas sabemos tambm que o mtodo dava conta com razovel preciso, de operar os fenmenos que se queria observar e prever ciclos, determinar regras, era um sistema que funcionava.

Me parece que nas cincia, abandonou-se a prtica dos epiciclos para se constituir um modelos mais realista e econmico do que de fato ocorre. Galileu num simples movimento de virar o olhar para o cu, mudou a atitude do homem diante do que v. A defesa dos defensores dos epiciclos no tratou de ser diferente do que podia: adaptou-se (com .........), negou o aparelho como intermediador demonaco da luz, enfureceu-se. Mas Bacon nos diria, entretanto, que tanto faz: no teriam, segundo este ltimo, um padro experimental que comprovassem as afirmaes.

Tem razo Bacon, tem razo Galileu. Por luzes diferentes.Tivssemos ns que provar experimentalmente todos os sonhos, aspiraes e planejamentos humanos, estaramos ainda nas cavernas. Pudemos ns ento, diante de um fato complicado, traar um finito, para uma intuio que no poder transformar em idia de um universo sem fim.O fato complicado, queimado junto com Giornano Brunno, que no estamos diante de um sistema: estamos diante de uma disperso de sistemas, arbitrariamente fixados. Afinal, que Deus to pouco poderozo esse que, ao dar o sopro da vida, deu apenas a esse mundinho aqui. E se a terra no o centro, o centro pode ser qualquer parte, j que tudo giraria em torno de tudo.Tudo bem que o rapaz chamou o papa de besta-fera e tudo o mais. Acabou queimado.Coincidentemente, Lebrun nos narra em um tocante final, muito mais do que esperamos de um livro sobre um autor, de como Port Royal terminou em cinzas.

Diante desse complicado, podemos nos movimentar bem, pois sabemos os limites. Mas... Convenamos, irresistvel colocar um fim, ainda que imaginrio, mas quase que de fato nesse universo. E a questo mais bvia a seguinte, o conhecimento sedimenta-se por sua capacidade de reflexo. No se manda uma sonda pro espao sem fim sem que ela retorne informaes. No se amplia uma imagem cem mil vezes seno para ampliar e aproximar a esfera de observao.Chamemos isso de prospeco. Tudo bem, diro, este termo especificamente usado para mineralogia. Direi entretanto que, o primeiro sentido ser mais visvel ou mais importante; sobressair, salientar-se. Mas esse verbo tem um sentido bastante conveniente: primeiro porque procura, por entre camadas e camadas, de coisas e coisas, determinadas coisas que podem ser diferenciveis ou no, pois sabe-se que muitos minerais precisam ser depurados de rochas e rochas. Ou seja, observa, explora, estuda, cataloga, constroi hipteses e orienta uma ao humana.Em seu sentido intransitivo, e aqui veremos porque um verbo to conveniente para o presente caso, prospectar projetar um valor mediante a prospeco. Diz-se prospectar para calcular o valor de uma jazida a partir de uma prospeco.

Ento podemos agora dizer que o homem tem um conhecimento reflexivo de seu prprio olhar, a exemplo das sondas e microscpios. Por outro lado, age de forma prospectiva. Ora, mas prospectar , ao mesmo tempo, uma tcnica de busca e uma de valorao. Mas a busca em si mesma, ou seja, o porque dela, um valor que escapa prpria prospeco. Ela prospecta na medida em que o ouro ou o petrleo valem isto ou aquilo, nesta ou naquela possibilidade de especulao e ganho.

Eu tenho um amigo prospector, que trabalha em alto mar, nessas imensas plataformas martimas, convivendo com ondas gigantes. E o mais interessante que ele acha que est realmente a conhecer o mundo inferior, e um verdadeiro sbio na arte de prospectar, mas esqueceu-se completamente que busca coisas que no sabe realmente o valor que tm, e que no tem poder algum ou nenhum controle sobre elas. Que fazer se o petrleo ali encontrado vai matar milhes de pessoas no Iraque, por controle de dutos, ou uma mudana de dlares para euros. Ele se sente feliz, no porque esteja mais ou menos interessado no mundo, mas porque acabou acreditando, por hbito, que a prospeco realmente pode conhecer e julgar valoativamente o mundo. Especializou-se de tal modo seu ponto de vista, que no enxerga a no ser a si prprio como a prpria realidade.

O conhecimento prospectivo age da mesma forma: sedimenta um conjunto de regras e desqualifica todas as demais, at sua forma mxima, onde magnanimamente enuncia que a validade dura at sua contestao. Interessante posio, plenamente adotada, por exemplo, no combate AIDS, em sua primeira fase, quando mais importante era denunciar os homossexuais por sua prtica, do que tentar combater uma doena cruel e desumana. At que milhares de vidas, muita tosse, trizteza, magreza e morte, e mais morte, provou-se o contrrio, e, objetivamente e calmamente a cincia pde lidar com isso. Ora, sabe-se que os laboratrios so bilionrios, ento um procedimento, convenhamos, que exemplar, tico, lucrativo, podemos dizer que em algumas dcadas esses maravilhosos cientistas, agora especializando-se em biotica, puderam nos brindar com grandes evolues de seus remdios. E no os tomo, os remdios, e nem meus filhos. Mas tenho um amigo que toma, e sempre consegue um vale, um plano, um financiamento, um desconto, e acaba tomando algumas dezenas desses medicamentos por ms, tal a evoluo da cincia.

Alguns autores, como Foucault ou Hannah Arendt, foram em sentidos mais profundos, e balanaram o conhecimento prospectivo, recolocando a vida humana antes de um possvel tesoura a que se busque. Mas, como se houvesse mesmo uma imensa reao, o mundo de trinta anos pra c talvez o mundo mais dogmtico da existncia humana. No consigo ver paralelo algum na histria do homem, em que tudo e todas as coisas devam ser objetivadas, regradas, catalogadas. Se bem que minha experincia seja pequena.Acredito que o pequeno gesto de Galileu, de apontar o telescpio para o cu, anunciou uma nova cincia que, baseado na ampliao de seus prprios sentidos (neste caso a viso) acaba por considerar que tem a medida do infinito.

No o caso de nossa dissertao, mas vejamos um exemplo simples. Faz de conta que um programador (eu escolheria Python) vai tentar dar conta da terceira meditao de Descartes. Vai chegar num ponto em que o programa vai travar. E ele no sabe porque, j que a meditao absurdamente bem construda e coerente. Ele liga pro guru dele, e descobre ento que o problema facilmente resolvido: ele arbitrariamente tem que fazer um converso forada de categoria.Descartes, neste trecho, faz uma hbil converso de tipos, e ao forar o tipo, pode fazer acompanhar a sua herana de sentido, podendo aplic-la em um novo contexto. como se estivssemos lidando, por exemplo, com nmeros, mas para continuar o programa ele precisasse interpretar os nmeros como verdadeiro e falso. Teramos que converter algarismos em conjuntos verdadeiros ou falsos de signos, no importa o tamanho ou mesmo a casa decimal.

Alguns pensadores, evidentemente, so linha de frente contra os prospectores. Primeiramente os cticos, que j vo questionar antes de mais nada a prpria sonda, seja ela qual for.Mas tem uma outra categoria de pensadores que age de uma forma diferente desses ltimos. No tm problema algum em utilizar sondas, primeiramente porque conseguem envolver a sonda em um sistema mais amplo, reconhecendo que suas descobertas devero estar inseridas em luzes mais abrangentes de conhecimento. Em segundo lugar, porque lanam suas sondas sem um conjunto prvio de valores, e buscam nos fenmenos, e no nas consistncias, uma regularidade qualquer que d conta dos problemas que, se evidentemente esto inseridos em um contexto mais amplo, tambm os problemas sero tambm mais abrangentes.

Mas so reflexivos, diro alguns. E so mesmo. Acredito que no possa haver conhecimento humano, a no ser o reflexivo.

Os dois autores oferecem exemplos notveis de unidades do ser: para Pascal o homem quer ser feliz, para Hume, o homem quer significar.