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2 MONOGRAFIAS O NEOLÍTICO EM PORTUGAL ANTES DO HORIZONTE 2020 : PERSPECTIVAS EM DEBATE Coordenação de Mariana Diniz, César Neves e Andrea Martins

MONOGRAFIAS · conjuntos artefactuais das duas ocupações, procu‑ rando‑se fazer uma análise estatisticamente repre ‑ sentativa dos elementos identificados no estudo ecnot‑tipológico

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2MONOGRAFIAS

O NEOLÍTICO EM PORTUGAL ANTES DO HORIZONTE 2020: PERSPECTIVAS EM DEBATE

Coordenação de Mariana Diniz, César Neves e Andrea Martins

Título Monografias AAP

Edição As sociação dos Arqueólogos Portugueses Largo do Carmo, 1200 ‑092 Lisboa Tel. 213 460 473 / Fax. 213 244 252 [email protected] www.arqueologos.pt

Direcção José Morais Arnaud

Coordenação Mariana Diniz, César Neves, Andrea Martins

Design gráfico Flatland Design

Fotografia de capa: Vaso do Cartaxto (Museu do Carmo – AAP) José Morais Arnaud

Impressão Europress, Indústria Gráfica

Tiragem 300 exemplares

ISBN 978-972-9451-59-1

Depósito legal 396123/15

© Associação dos Arqueólogos Portugueses

Os textos publicados neste volume são da exclusiva responsabilidade dos respectivos autores.

índice 5 Editorial

José Morais Arnaud

7 Apresentação Mariana Diniz, César Neves, Andrea Martins

9 Antes do afagar a terra: quando o território era então mesolítico Ana Cristina Araújo

25 Na Estremadura do Neolítico Antigo ao Neolítico Final: os contributos de um percurso pessoal João Luís Cardoso

51 The velocity of Ovis in prehistoric times: the sheep bones from Early Neolithic Lameiras, Sintra, Portugal Simon J. M. Davis, Teresa Simões

67 Percursos e perceções pessoais no estudo do neolítico, 1992-2016 António Faustino Carvalho

79 Palácio dos Lumiares e Encosta de Sant’Ana: análise traceológica. Resultados preliminares Ângela Guilherme Ferreira

87 Zooarqueologia do Neolítico do Sul de Portugal: passado, presente e futuros Maria João Valente

109 O Neolítico no Alentejo: novas reflexões Leonor Rocha

119 Hidráulica na Pré-História? Os fossos enquanto estruturas de condução e drenagem de águas: o caso do sistema de fosso duplo do recinto do Porto Torrão (Ferreira do Alentejo, Beja) Filipa Rodrigues

131 Sociedades Neolíticas e Comunidades Científicas: questões aos trajectos da História Mariana Diniz, César Neves, Andrea Martins

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palácio dos lumiares e encosta de sant'ana: análise traceológica. resultados preliminaresÂngela Guilherme Ferreira

FLUL – UNIARQ / [email protected]

Resumo

Este trabalho reflecte a análise traceológica realizada sobre dois conjuntos líticos em sílex provenientes da es‑cavação de dois sítios (Palácio dos Lumiares e Encosta de Sant’Ana) localizados no estuário do Tejo, na actual cidade de Lisboa.

Os contextos estudados foram integrados cronologicamente, através da análise tecno ‑tipológica e de data‑ções absolutas, num momento do denominado Neolítico antigo evolucionado, na transição do 5º para o 4º milé‑nio A. C..

Numa análise preliminar dos resultados, é possível afirmar que não seriam praticadas exactamente as mes‑mas actividades em cada um destes sítios. É importante destacar o registo da prática de actividade agrícola, no Palácio dos Lumiares, a par da continuação de práticas cinegéticas, enquanto na Encosta de Sant’Ana não foram ainda reconhecidas qualquer uma destas actividades.

Pretende ‑se com este trabalho caracterizar o modo de vida e estabelecer que tipo de ocupação seria desen‑volvido por estas duas comunidades contemporâneas em cada um dos sítios, que ocupariam praticamente o mesmo território e explorariam os mesmos recursos naturais.Palavras ‑chave: Análise traceológia, Sílex; Palácio dos Lumiares, Encosta de Sant’Ana, Neolítico antigo evo‑ lucionado.

Abstract

This study reports the preliminary use ‑wear analysis of the flint tools assemblages recovered from two archaeo‑logical sites (Palácio dos Lumiares and Encosta de Sant’Ana) nearby the Tagus estuary, present Lisbon.The sites dated as early Neolithic (in the transition from 5th. to the 4th. millennium) via absolute dating and techno‑‑typological analysis.

The preliminary results show evidences of agriculture and local hunting in Palácio dos Lumiares while no evi‑dences of these activities were found in Encosta de Sant’Ana. Thus, the two groups probably had different sub‑sistence strategies and economical activities.

This study aims at understanding the subsistence strategies and territorial occupation of two contemporane‑ous early Neolithic communities that occupied the same geographic region (estuary of the Tagus river, present Lisbon) and thus had similar natural resources.Keywords: Use‑wear analysis, Flint, Palácio dos Lumiares, Encosta de Sant’Ana, Early Neolitihic.

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1. IntRodução

O sítio do Palácio dos Lumiares e da Encosta de Sant’Ana localizam ‑se na actual cidade de Lisboa. Foram identificados e intervencionados em contex‑to de arqueologia de emergência: o primeiro pela equipa da empresa Era Arqueologia, S.A., e o se‑gundo pela equipa do Museu da Cidade de Lisboa.

O estudo agora apresentado está a ser realizado no âmbito da tese de doutoramento da autora, su‑bordinado ao tema “As indústrias líticas do Palácio dos Lumiares e da Encosta de Sant’Ana. Estudo tecno ‑tipológico e funcional”.

2. os Contextos: CARACteRIzAção

2.1. Palácio dos LumiaresO Palácio dos Lumiares situa ‑se na extremidade su‑deste de um interflúvio alongado que se estende desde a zona do largo do Rato até ao Bairro Alto, no topo de uma vertente de acentuado declive. Tem uma implantação que se pode considerar de altura, possuindo boa visibilidade sobre o Tejo e o final da Ribeira de Valverde, encontrando ‑se jun‑to a pequenas ribeiras que desaguavam no Tejo (Valera, 2006).

Devido a ter sido escavado num contexto de ar‑queologia de salvamento e por constrangimentos por parte da obra, o trabalho desenvolveu ‑se por di‑

versas fases dispersas no tempo. Nas várias fases do trabalho foram identificados contextos preservados do Neolítico antigo em 3 sondagens (sondagem 3, 4 e 7) dispersas pela área a ser afectada pela obra (Valera e Filipe, 2002).

Sob a estratigrafia correspondente à Época Moderna, foram identificados depósitos de origem diversa, que forneceram materiais de cronologia pré ‑histórica (Valera e Filipe, 2002).

As análises geoarqueológicas realizadas por D. Angelucci permitiram perceber o processo de sedi‑mentação que teve lugar neste sítio, sendo possível distinguir um depósito de possível origem coluvio‑nar, que se sobrepõe a um paleossolo, que por sua vez assenta no substrato geológico, que aqui cor‑responde às “Aréolas da Estefânia”. Esta estratigra‑fia simplificada observou ‑se em todas as sondagens em que foram observados contextos pré ‑históricos (Valera, 2006).

É importante referir que, nas sondagens 3 e 4, foram ainda registadas a presença de uma lareira e de um buraco de poste (Valera e Filipe, 2002).

2.2. encosta de sant’AnaO sítio da Encosta de Sant’Ana localiza ‑se a poente do atual Largo do Martim Moniz, na margem direita da Ribeira de Arroios, perto da confluência com o Esteiro da Baixa. Implanta ‑se numa zona de baixa altimetria, próximo de uma linha de água (Muralha e Costa, 2006).

Este local foi ocupado durante épocas sucessi‑vas, do Neolítico antigo até à actualidade, tendo esta intensidade ocupacional sido responsável por algumas das perturbações verificadas na estratigra‑fia (Muralha e Costa, 2006).

A ocupação do Neolítico antigo, que é o alvo deste estudo, foi documentada na camada 4 do sector E, identificada como um paleossolo por estudos de geoarqueologia, desenvolvidos igual‑mente por Diego Angelucci (Almeida et al., 2006; Angelucci et al., 2004). Associadas a esta camada foram detectadas quatro estruturas de combustão, um provável buraco de poste e uma estrutura em negativo de tipo fossa.

Figura 1 – Localização do Palácio dos Lumiares e da Encosta de Sant’Ana na actual cidade de Lisboa.

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3. dAtAções

Em ambos os sítios foram realizadas datações, ape‑sar de terem sido realizadas com técnicas diferentes.

Na Encosta de Sant’Ana as datações foram ob‑tidas através da técnica do radiocarbono, em que foram analisadas duas amostras de carvão (Muralha e Costa, 2002).

No Palácio dos Lumiares as datações para o pa‑leossolo foram obtidas por B ‑OSL (Valera, 2006).

Ambas as ocupações foram datadas da transi‑ção do 5º para o 4º milénio A.C. (Muralha e Costa, 2002; Valera, 2006).

4. BReve desCRIção dos Conjuntos ARtefACtuAIs

4.1. Palácio dos LumiaresO conjunto artefactual recolhido tem uma enorme dimensão, sobretudo no que concerne aos elemen‑tos de pedra lascada. No conjunto cerâmico estão presentes fragmentos de recipientes fechados e de algumas taças/tigelas com superfície lisa ou com decorações incisas e impressas. Encontra ‑se bastante fracturada e com as superfícies algo erodi‑das. Relativamente à fauna, foram recolhidos restos de fauna mamalógica, malacológica e ictiofauna (Valera, 2006).

No que concerne à indústria de pedra talhada, é importante referir que esta é a única componen‑te do conjunto artefactual que foi estudada inten‑sivamente (no âmbito da tese referida no início do artigo). No estudo realizado apenas foram tidos em conta os elementos recolhidos nas unidades estratigráficas que correspondem ao paleossolo.

Figura 2 – Localização do Palácio dos Lumiares e da Encosta de Sant’Ana numa reconstituição do paleo estuário do Tejo.

Figura 3 – Datações realizadas para o sítio da Encosta de Sant’Ana e para o sítio do Palácio dos Lumiares.

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Verificou ‑se a presença preponderante do sílex como matéria ‑prima, que nesta região correspon‑de a uma matéria ‑prima local. Estão presentes ele‑mentos de todas as fases da cadeia operatória da produção de utensílios de pedra talhada, desde nó‑dulos informes ainda com córtex, esquírolas, lascas, lâminas e lamelas. Observou ‑se uma maior percen‑tagem de lascas do que de produtos alongados, tendo ‑se verificado que a grande maioria das peças se encontrava em bruto.

4.2. encosta de sant’AnaO conjunto artefactual engloba fragmentos de re‑cipientes cerâmicos, nomeadamente de vasos em saco, lisos e decorados, sobretudo com impres‑sões. Foi também recuperado um conjunto impor‑tante de fauna mamalógica e malacológica. Estes elementos do conjunto artefactual foram alvo de um estudo preliminar, que forneceu dados impor‑tantes, sobretudo no que diz respeito ao estudo das faunas (Muralha e Costa, 2006).

A indústria lítica, cujo estudo intensivo integra a tese já referida, embora em número menor do que a do Palácio dos Lumiares, apresenta característi‑cas semelhantes. Também aqui o sílex é a matéria‑‑prima predominante, tendo sido praticado talhe local, observando ‑se a presença de material de re‑avivamento, núcleos, esquírolas, lascas, lâminas e lamelas. É de notar que, ao contrário do Palácio dos Lumiares, aqui não se verificou a presença de nódu‑los informes de sílex.

Também na Encosta de Sant’Ana se observou uma maior percentagem de lascas do que de pro‑dutos alongados, podendo afirmar ‑se que se trata‑va de uma indústria com uma debitagem orientada para a produção de lascas. As peças consideradas como estando em bruto são maioritárias, seguindo‑‑se aquelas que apresentam traços de utilização.

5. AnáLIse funCIonAL

5.1. Amostra estudadaO estudo funcional, cujos resultados preliminares são aqui apresentados, incidiu sobre as indústrias

líticas em sílex, provenientes das unidades estrati‑gráficas que correspondem ao paleossolo dos sítios do Palácio dos Lumiares e da Encosta de Sant’Ana. Estes são, também, os contextos que foram estuda‑dos na análise tecno ‑tipológica.

No início desta abordagem foi necessário sele‑cionar a amostra a ser analisada, visto que, dadas as dimensões das coleções e o tempo necessário, era impossível observar todas as peças. É importante, também, referir que a partir de um certo número de efectivos analisados os resultados se tornam repeti‑tivos, o que em termos de conhecimento e de análi‑se estatística se torna redundante.

As amostras escolhidas tiveram em conta os conjuntos artefactuais das duas ocupações, pro cu‑rando ‑se fazer uma análise estatisticamente repre‑sentativa dos elementos identificados no estudo tecno ‑tipológico.

5.2. objectivos e MétodosTendo como ferramenta de estudo a análise fun cio‑nal procurou ‑se observar:

– Qual a variedade das atividades praticadas nes‑tes dois sítios;

– Compreender a natureza dos lugares ocu pa dos;– Qual a função e modo de funcionamento de cada

um dos sítios;– Existência ou não de distribuição das atividades

de forma diferencial no espaço de ocupação;– O estabelecimento de relações entre os supor‑

tes/classes tipológicas e tecnológicas e funções específicas (ou objetivos funcionais).

O estudo do material lítico foi efetuado segundo o protocolo de análise estabelecido por Semenov (Semenov, 1973; González e Ibañez, 1994), que se centra, através da observação macro e microscópi‑ca, enquanto métodos complementares, na iden‑tificação e interpretação das diferentes marcas de desgaste no utensílio lítico.

Assim, num primeiro momento, observaram ‑se os vestígios de uso presentes nos gumes activos através de uma lupa binocular (Leica MZ 12 até 10X), que permitiu reconhecer esquirolamentos, embo‑

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tamento dos bordos e fraturas de utilização. Numa segunda etapa foi utilizado o microscópio (Leica DM 2500 MH 50X a 500X) para observar polidos e estrias.

Pela identificação das zonas activas, da cinemá‑tica de utilização, da natureza do material de con‑tacto, a traceologia permite apreender o modo de acção do utensílio, o seu funcionamento.

A observação obtida através destas análises for‑nece dados correspondentes ao tipo de movimen‑to efetuado, à matéria trabalhada, à intensidade de utilização e ao ângulo de trabalho (González e Ibañez, 1994).

6. ResuLtAdos

Os resultados obtidos são ainda preliminares, pois ainda está em curso a análise traceológica das peças.

Relativamente à matéria trabalhada, destaca ‑se o facto de tanto no Palácio dos Lumiares, como na Encosta de Sant’Ana, os utensílios serem utilizados para trabalhar um vasto leque de matérias. Observa‑‑se que existe um predomínio do trabalho de ma‑térias animais, estando mais presente o trabalho da pele nos Lumiares e o corte de carne na Encosta de Sant’Ana.

O facto de na maior parte das peças não se ter con‑seguido determinar a matéria trabalhada está dire‑tamente relacionado com o grau de intensidade da utilização, ou seja, as peças não eram usadas duran‑te muito tempo, o que não foi propício ao desenvol‑vimento dos vestígios de uso, logo à sua individuali‑zação e identificação.

Como foi referido, observou ‑se um predomínio do trabalho de matérias animais em ambos os sítios, nomeadamente o corte da carne e o trabalho da pele (desde o corte, raspagem e perfuração) sendo documentado o trabalho da pele em diferentes es‑tados (fresca, seca). Verificou ‑se também o trabalho do osso, embora em número reduzido.

Figura 4 – Peça com vestígios de trabalho sobre pele.

Figura 5 – Peças com vestígios de trabalho sobre carne.

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Relativamente às atividades cinegéticas, observou‑‑se no Palácio dos Lumiares a presença de segmen‑tos com fraturas de impacto de projétil, o que pres‑supõe a prática de atividades de caça.

Na Encosta de Sant’Ana não estão presentes micró‑litos geométricos, ou outras peças com fraturas de impacto. Esta situação poderia pressupor que as ati‑vidades cinegéticas não seriam praticadas por este grupo. No entanto, os resultados preliminares do estudo dos restos faunísticos recolhidos demons‑tram que seriam consumidos animais selvagens, no‑meadamente javali, veado e coelho.

No que concerne ao trabalho sobre matérias vegetais, observaram ‑se vestígios de uso relaciona‑dos com a madeira, mais concretamente a prática de movimentos longitudinais. Verificaram ‑se tam‑bém vestígios de uso de vegetais não lenhosos na Encosta de Sant’Ana, e mais especificamente de ce‑reais no Palácio dos Lumiares.

Quanto às atividades desenvolvidas, no sítio do Palácio dos Lumiares os movimentos longitudinais, como cortar e serrar, foram registados em maior número. Na Encosta de Sant’Ana o registo da pre‑sença de movimentos transversais, como raspar e alisar, e de movimentos longitudinais, encontram ‑se equiparados.

Observou ‑se também que a maior parte dos utensílios usados não tinham qualquer retoque.

Na maioria das peças foi usado um único gume e em casos excecionais usaram a mesma peça em mais do que uma matéria.

Figura 6 – Gráficos com distribuição percentual das matérias trabalhadas.

Figura 7 – Micrólito geométrico com vestígio de fractura de impacto.

Figura 8 – Traços de uso de trabalho sobre madeira.

Figura 9 – Traços de uso de corte de cereais.

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O grau de desenvolvimento dos vestígios é bai‑xo, tendo sido utensílios pouco usados, não existin‑do reavivamento dos gumes para nova utilização. Esta situação, em concreto, dever ‑se ‑á, certamente, à proximidade das fontes de matéria ‑prima, o sílex, que levava a que os utensílios não fossem exaustiva‑mente utilizados.

7. Questões

Sendo estes resultados preliminares, com um nú‑mero de peças analisado ainda reduzido, tendo em conta, sobretudo, a dimensão dos conjuntos arte‑factuais, muitas questões estão ainda em aberto, tais como:

As actividades cinegéticas seriam ou não prati‑cadas pelos habitantes da Encosta de Sant’Ana?

Existiriam áreas de actividade no interior dos es‑paços habitacioanais?

Qual a gestão das utensilagens relativamente às matérias trabalhadas e actividades praticadas?

Qual a relação com os recursos estuarinos?Qual a relação entre os dois sítios, um locali‑

zado num sítio de altura, outro num local de baixa altimetria?

Integração destes dois sítios no contexto da transição do Neolítico antigo para o Neolítico mé‑dio na região do estuário do Tejo e, num âmbito mais alargado, na Península Ibérica.

8. A síntese PossíveL

Os sítios do Palácio dos Lumiares e da Encosta de Sant’Ana correspondem a um registo importante da ocupação do estuário do Tejo pelas primeiras co‑munidades produtoras de alimentos.

Com base na análise das suas indústrias líticas (nas vertentes funcional e tecno ‑tipológica) observou‑‑se que a matéria ‑prima lítica preferencial mente usa‑da (o sílex) era de origem local. A abundância de sílex nas proximidades influenciou a forma como os utensílios em sílex eram usados, observando ‑se um certo “desperdício” e um descarte dos materiais em momentos precoces da sua utilização. Devido

ao uso pouco intensivo da utensilagem, os traços de utilização nas peças, observáveis através da análise funcional, são, num grande número de casos, pouco desenvolvidos. Esta situação “perturba” a obtenção de dados relativos às actividades desenvolvidas por estas comunidades e, de um modo mais abrangen‑te, ao modo de vida e sistema económico praticado.

Apesar destas dificuldades, foi possível obter dados importantes que nos permitiram concluir que o grupo que habitava o Palácio dos Lumiares prati‑cava a cultura de cereais, mas que as actividades de caça mantinham um papel importante.

Através da análise do conjunto lítico da Encosta de Sant’Ana, até ao momento não foram reconheci‑das estas práticas neste sítio.

RefeRênCIAs BIBLIogRáfICAs

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