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ASPECTOS PROCESSUAIS 30 de junho de 2013, 7h00 Por Claudia Aoun Tannuri e Daniel Jacomelli Hudler O objetivo do presente artigo limita-se a discutir os principais aspectos da Lei n. 11.804/2008, a chamada “Lei de Alimentos Gravídicos”, assim como as dificuldades encontradas para a sua regular aplicação pelos profissionais do Direito. A questão da fixação de alimentos antes do nascimento sempre foi bastante controvertida. Atualmente, a celeuma foi superada e não mais se aventam grandes discussões, ao menos sobre a sua possibilidade, mercê do já consolidado entendimento doutrinário e jurisprudencial. Trata-se da interpretação sistemática de nosso ordenamento jurídico, à luz dos artigos 5º, 227 e 229 da Constituição Federal, o artigo 2º do CC e o artigo 8º do ECA, que já permitia a fixação de alimentos à gestante, de forma a garantir uma gravidez sadia e, por conseguinte, a vinda ao mundo de um bebê saudável. Todavia, pela recalcitrância de alguns magistrados, é que o legislador pátrio decidiu promulgar lei para ratificar aquele entendimento. Eis que se editou a Lei n. 11.804, de 05 de novembro de 2008, a qual disciplina o direito a alimentos para a mulher grávida (mais conhecido como alimentos “gravídicos”). Na dicção da lei em comento, bastam indícios de paternidade para que, desde logo, o juiz fixe alimentos, que perdurarão até o nascimento da criança, devendo ocorrer de forma célere, uma vez que a morosidade poderá acarretar consequências irreversíveis à gestante e ao bebê; sem se descurar, porém, do binômio necessidade-possibilidade. A redação é simples, mas permeada de dois significados preciosos: primeiro, permite a concretização do direito à vida digna e ao desenvolvimento saudável Alimentos gravídicos não precisam de provas robustas

ConJur - Fixação de Alimentos Gravídicos Não Precisa de Provas Robustas

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Artigo Alimentos Gravidicos

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ASPECTOS PROCESSUAIS30 de junho de 2013, 7h00PorClaudia Aoun TannurieDaniel Jacomelli HudlerO objetivo do presente artigo limita-se a discutir os principais aspectos da Lein. 11.804/2008, a chamada Lei de Alimentos Gravdicos, assim como asdificuldades encontradas para a sua regular aplicao pelos profissionais doDireito.A questo da fixao de alimentos antes do nascimento sempre foi bastantecontrovertida. Atualmente, a celeuma foi superada e no mais se aventamgrandes discusses, ao menos sobre a sua possibilidade, merc do jconsolidado entendimento doutrinrio e jurisprudencial.Trata-se da interpretao sistemtica de nosso ordenamento jurdico, luz dosartigos 5, 227 e 229 da Constituio Federal, o artigo 2 do CC e o artigo 8 doECA, que j permitia a fixao de alimentos gestante, de forma a garantiruma gravidez sadia e, por conseguinte, a vinda ao mundo de um bebsaudvel.Todavia, pela recalcitrncia de alguns magistrados, que o legislador ptriodecidiu promulgar lei para ratificar aquele entendimento. Eis que se editou aLei n. 11.804, de 05 de novembro de 2008, a qual disciplina o direito aalimentos para a mulher grvida (mais conhecido como alimentosgravdicos).Na dico da lei em comento, bastam indcios de paternidade para que, desdelogo, o juiz fixe alimentos, que perduraro at o nascimento da criana,devendo ocorrer de forma clere, uma vez que a morosidade poder acarretarconsequncias irreversveis gestante e ao beb; sem se descurar, porm, dobinmio necessidade-possibilidade.A redao simples, mas permeada de dois significados preciosos: primeiro,permite a concretizao do direito vida digna e ao desenvolvimento saudvelAlimentos gravdicos no precisam de provasrobustasda criana que nascer; segundo, procura dirimir a irresponsabilidadepaterna.[1]Muito embora tenha se tornado pacfico a existncia do direito a alimentosgravdicos, algumas questes de cunho prtico surgiram, tais como: I- Afixao urgente de alimentos gravdicos pelo magistrado dever ser lastreadaem que provas? ; II - Aps o nascimento, h possibilidade de converso paraalimentos criana? ; III - H possibilidade de cumulao de alimentosgravdicos e investigao de paternidade? ; IV - A partir de qual momento se da vigncia dos alimentos?Essas questes e outros aspectos sero debatidos, de forma sucinta, nestetrabalho.Fixao dos alimentos gravdicosAb initio, afirma-se que no cabe ao magistrado exigir provas robustas parafixao dos alimentos gravdicos, sob pena de a lei perder sua eficcia,notadamente para as pessoas mais humildes, as quais mais necessitamdaquele auxlio material.Com efeito, prev o artigo 6, caput, da Lei de Alimentos Gravdicos:Convencido da existncia de indcios da paternidade, o juiz fixar alimentosgravdicos que perduraro at o nascimento da criana, sopesando asnecessidades da parte autora e as possibilidades da parte r.Assim, para a fixao de alimentos gravdicos, cabe gestante carrear aosautos elementos que comprovem a existncia de relacionamento amoroso como suposto pai. So eles: fotografias, cartes, cartas de amor, mensagens emredes sociais, entre outros. possvel ainda a designao de audincia dejustificao, para oitiva de testemunhas acerca do relacionamento mantidopelas partes.Dada a necessidade do deferimento da tutela jurisdicional de forma urgente esob pena de causar gestante prejuzos irreparveis ou de difcil reparao,privilegia-se a cognio sumria. Afasta-se, por consectrio lgico, a exignciade demonstrao do direito de forma inequvoca, apangio este da cognioexauriente.[2]Nesse sentido, Ana Maria Gonalves Louzada (2010, p. 40) afirma:Mas e se a genitora no tiver essas provas, se foi um encontroeventual, poder o magistrado, apenas com um laudo atestando aRessalta-se ainda que as necessidades da gestante e do nascituro no podemser separadas, por razes biolgicas, bem como so presumidas, em virtudedo estado peculiar em que se encontra uma mulher grvida. Portanto, no hque se falar na necessidade de comprovao de gastos especficos com agestao, de efetivos dispndios que a gestante teve ou est tendo com suagravidez, como insistem alguns juzes de famlia.Do contrrio, como j enaltecido, a lei perder aplicabilidade, especialmentepara as gestantes economicamente hipossuficientes, cujas necessidades soquase sempre relacionadas s condies mnimas de subsistncia dela e dacriana, e que possuem srias dificuldades para a produo da provadocumental nesse sentido.Converso de alimentosPrev o pargrafo nico do artigo 6, da Lei 11.804/2008: Aps o nascimentocom vida, os alimentos gravdicos ficam convertidos em penso alimentcia emfavor do menor at que uma das partes solicite a sua reviso.A lume do referido dispositivo, os alimentos continuam devidos mesmo aps onascimento, passando a figurar como credor alimentrio a criana, e no maisa sua genitora. [3]Diante desse quadro, no se revela razovel o entendimento, tambm adotadopor alguns juzes de famlia, no sentido de que o nascimento da crianaacarreta a extino da ao de alimentos gravdicos, sob o fundamento deperda superveniente do objeto.Tal interpretao revela-se descabida, vez que a extino do feito traria umasituao de indefinio, conforme poder se ilustrar com dois exemplos: casosolicitada eventual reviso de alimentos, estes seriam devidos at quando?Uma vez encerrada a ao, caber ao menor ou ao alimentante ingressar coma competente ao?Insta salientar que esta situao assume contornos ainda mais incertos no quegravidez, fixar alimentos? Entendo que sim, uma vez que aexperincia forense tem nos mostrado que na imensa maioria doscasos, em quase sua totalidade, as aes investigatrias depaternidade so julgadas procedentes, no se mostrandotemerria, a fixao dos alimentos gravdicos sem provas (atporque a lei no exige). Elege-se a proteo da vida em detrimentodo patrimnio.tange ao segundo caso, haja vista no ser possvel a imposio a qualquer daspartes o ingresso de ao judicial.H ainda mais um problema a ser aventado. Percebe-se do exposto que opargrafo nico do artigo 6 da Lei de Alimentos Gravidicos refere-se,implicitamente, ao reconhecimento voluntrio da paternidade pelo requerido;contudo, como se resolveria essa situao nos casos em que o pai biolgico noreconhece a paternidade de forma voluntria?Nessa esteira, exige-se uma interpretao sistemtica do dispositivo emcomento, de tal modo que os alimentos continuam devidos mesmo aps onascimento da criana. Tal pensamento somente ser aplicvel com acumulao de aes, haja vista a implcita necessidade de averiguao dapaternidade, a qual dever se dar no bojo da prpria ao de alimentosgravdicos, com superveniente realizao de exame hematolgico ( exame deDNA). de se sustentar que a soluo da cumulao de aes, neste ponto, vem aoencontro dos princpios da celeridade, economia, efetividade einstrumentalidade do processo, alm de viabilizar a proteo do melhorinteresse da criana, esta ltima expressa na garantia de ver sua necessidadeamparada, no mnimo, materialmente.Ademais, tal medida no somente possvel, como desejvel, ao passo em queo contedo ftico exposto basicamente o mesmo em ambas as aes, qualseja, a existncia de um suposto genitor que, dentro de sua possibilidade, compelido a auxiliar a gestante e seu filho, cujas necessidades soindissociveis, escusando-se desta responsabilidade somente se cabalmentecomprovada a impossibilidade financeira ou alijada a paternidade.Por ltimo, parece-nos contraproducente o encerramento de uma ao paraajuizamento de outra com os decorrentes bices processuais (e.g: anecessidade de nova citao, apresentao de nova defesa), que resultar: a)em verdadeiro desperdcio de recursos, b) no aumento incomensurvel deaes judiciais e, principalmente, c) em uma famigerada demora na prestaojurisdicional, prejudicando sobremaneira as mes que no podem esperar,visto que desprovidas do bsico.Termo inicialPor fim, segue-se para a anlise de outra questo que suscita polmica: o termoinicial de vigncia dos alimentos gravdicos. Para alguns doutrinadores, osalimentos gravdicos tem como termo inicial a concepo da criana; j paraoutros, a citao do requerido.O artigo 9 da Lei 11.804/2008 estabelecia como termo inicial dos alimentosgravdicos da citao do ru. No entanto, o dispositivo foi vetado, sob ofundamento de que poderia condenar o instituto no-existencia.Para Maria Berenice Dias (2009, p.481)[4], o termo inicial dos alimentosgravdicos d-se desde a concepo, na medida em queDenis Donoso, por sua vez, entende queExpostos os argumentos adotados pelas duas correntes doutrinrias, no nosparece adequado considerar a citao como termo inicial dos alimentosgravdicos. Isso porque muito comum em lides dessa natureza que orequerido adote manobras protelatrias para se furtar ao ato citatrio,podendo, destarte, beneficiar-se de sua prpria torpeza (o que atentaria contrao lapidar princpio da Nemo auditur propriam turpitudinem allegans).No se pode olvidar, ainda, que a prpria natureza emergencial dos alimentosgravdicos elemento que tambm justifica o afastamento da citao comotermo inicial, consoante indicado pelo supramencionado veto presidencial.(...)a Constituio garante o direito vida (CF 5). Tambm impea famlia, com absoluta prioridade, o dever de assegurar aos filhoso direito vida, sade, alimentao (CF 227). Alm disso, oCdigo Civil pe a salvo, desde a concepo, os direitos donascituro (CC 2)(...)com o nome de gravdicos, os alimentos sogarantidos desde a concepo. A explicitao do termo inicial daobrigao acolhe a doutrina que h muito reclamava anecessidade de se impor a responsabilidade alimentar com efeitoretroativo a partir do momento em que so assegurados osdireitos do nascituro.os alimentos gravdicos so devidos desde a citao do devedor. Auma, porque s a citao que o constitui em mora (artigo 219,caput, do CPC); a duas, porque LAG se aplicam supletivamente asdisposies da Lei de Alimentos (conforme previsto no artigo 11da LAG), e esta prev que os alimentos fixados retroagem datada citao (artigo 13, pargrafo 2).Neste passo, a primeira corrente mostra-se mais acertada, atuando emconsonncia com o esprito da lei, porque garante a proteo dos interesses dagestante e do nascituro, eliminando-se a influencia de bices processuais e am-f do devedor.Por outro lado, a nosso sentir, poder-se-ia ainda conjecturar um tertium genus,por meio do qual os alimentos gravdicos seriam devidos a partir dadistribuio da petio inicial.Esta posio intermediria respalda-se no contedo da antiga Smula 226 doSupremo Tribunal Federal[5], que abrange todos os tipos de alimentos,notadamente para aquelas em que haja interesse de crianas e adolescentes.Consideraes finaisEm sntese, aduz-se que a lei 11.804/2008 ratifica o entendimento consolidadoem prol do reconhecimento do direito a alimentos da gestante (e da prole) cujaedio trouxe a baila questes de cunho prtico em anlise.No tocante fixao dos alimentos gravdicos provisrios, tendo em vista aprpria natureza do instituto, dever ser determinada pelo magistradosegundo um juzo preliminar e que no demanda um robusto contedoprobatrio, sob pena de se inviabilizar a prpria aplicao da lei de alimentosgravdicos.Ainda, pode-se afirmar que expressamente prevista a converso dealimentos gravdicos para alimentos criana. Entretanto, em relao aoscasos em que o genitor no reconhece de pronto a paternidade que surgir advida de como o profissional do Direito dever proceder.Porm, tal situao superada com a salutar cumulao da ao de alimentosgravdicos e a investigao de paternidade cumulada com alimentos. Soluoesta plenamente possvel, que tem fulcro em uma interpretao sistemtica denosso ordenamento jurdico.Afinal, no parece producente o encerramento de um processo paraajuizamento de uma nova ao com o mesmo contexto ftico, sendo que afinalidade de ambas, em ltima anlise, uma medida judicial que garantaauxilio material para a sobrevivncia da me e da prole.No que concerne ao termo inicial de vigncia dos alimentos gravdicos, dentreas posies anteriormente elencadas, parece-nos menos acertada a que fixaalimentos a partir da citao, principalmente porque meio mais benfico aomau devedor que se utiliza de subterfgios para se evadir da Justia , assimcomo por no exprimir a real necessidade da gestante, que nasce justamentecom a gestao - e no no momento da citao.Elege-se, portanto, como meio mais adequado, a citao desde a concepo donascituro. Em havendo dificuldades prticas para adoo desta corrente, aindaser possvel a adoo da retroao dos alimentos at o distribuio da inicial.Por derradeiro, de se exaltar a necessria humanidade e sensibilidade paratratar de tal temtica. Sem dvida, a vida humana e as necessidades inerentesa ela so de grande relevo e consideradas como direito fundamental pelonosso Estado, de tal sorte que tais ponderaes no apenas so bem vindas,mas essenciais para a consecuo dos fins sociais preconizados pelaConstituio Federal.Referncias Bibliogrficas:LOUZADA, Ana Maria Gonalves. Alimentos gravidicos e a nova execuo dealimentos, in BASTOS, Eliene Ferreira; LUZ, Antnio Fernandes da (coords.)Familia e Jurisdio III. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.40.DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Familias, 5 Ed., So Paulo:Revistados Tribunais, 2009, p.481.DONOSO, Denis. Alimentos Gravdicos. Aspectos materiais e processuais da Lei11.804/2008. Disponvel em: . Acesso em: 16. mai.2013.[1] Cf. Maria Berenice Dias em seu artigo Alimentos para vida.[2] A jurisprudncia tem sido favorvel a essa interpretao. Cf. julgados AI673.771-4/6-00- SP, AI 643.786-4/0-00 - SP,AI 70029315488 RS, AI 70017520479RS, AI 70028667988 - RS, AC 660.766-4/3-00-SP , AI 646.712-4/5-00 - SP.[3] Recomenda-se consulta aos julgados: AI 663.368-4/9-00 SP, AC20090710241625- DF e AC 20090810061229-DF.[4] Neste mesmo sentido, Cf: Douglas Phillips Freitas, Alimentos Gravidicos e aLei n.11.804/2008.[5] A referida smula dispe: na ao de desquite, os alimentos so devidosdesde a inicial, e no da data da deciso que os concede.Claudia Aoun Tannuri defensora pblica do Estado de So Paulo.Daniel Jacomelli Hudler acadmico de Direito.Revista Consultor Jurdico, 30 de junho de 2013, 7h00