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CONQUISTA NORMANDA DA INGLATERRA POR GUILHERME, O CONQUISTADOR NA CRÔNICA DE GUILHERME DE MALMESBURY
WEHMUTH, Letícia Ruoso.1
As invasões nórdicas se tornaram cada vez mais frequentes e destrutivas, por
conta disso, no século X o rei franco Carlos, o simples, concede à Rollo o ducado da
Normandia, com o intuito de conter o avanço das forças. Os normandos carregam traços
da cultura nórdica, se tornaram cristãos e adotaram a língua até então usada pelos
francos. O ducado protagoniza diversas transformações políticas e sociais, como por
exemplo, a conquista normanda da Inglaterra efetuada pelo duque Guilherme no século
XI. Eduardo assume o trono anglo-saxão depois do final do domínio dinamarquês
iniciado por Canuto, mas ele é visto como um estrangeiro e seu reinado fica marcado
pela ineficiência, por conta disso Haroldo aparece como uma figura forte. O duque
Guilherme utiliza seu parentesco longínquo com Eduardo e uma promessa para fazer
uma reivindicação ao trono, já que o Rei não tinha herdeiros legítimos. Haroldo é
coroado, e logo tem que lidar com as invasões. Os normandos comandados por
Guilherme vencem a Batalha de Hastings em 1066, primeiro passo para sua legitimação
no trono. Sessenta anos depois o monge beneditino Guilherme de Malmesbury escreve
sua obra Chronicle of the Kings of England, na qual ele dedica parte a conquista
normanda, seus antecedentes e quais foram seus impactos na sociedade, as mudanças
políticas que se estabeleceram, assim como sua pretensão de manter uma ponte com
a identidade anglo-saxã. O trabalho se propõe a partir dessa obra compreender os perfis
traçados e os argumentos construídos por Guilherme de Malmesbury, e quais foram
suas principais considerações sobre a conquista de Guilherme, o conquistador, levando
em conta a força do discurso cronístico na medievalidade. Analisando o contexto de sua
produção motivada agora pelo século XII, no qual uma séria crise dinástica tomou
grandes proporções depois que Henrique I, filho de Guilherme, morreu sem deixar filhos
legítimos, duas figuras disputam a posição, Matilde, filha de Henrique, e Estevão de
Blois, seu sobrinho, que ganhou destaque por estar sempre ao lado do Rei. Essa
questão acabou em uma guerra, situação que motiva a crônica de Guilherme de
Malmesbury e seu discurso que busca no passado a força para manter o legado, que
segundo o monge, foi duramente conquistado por Guilherme.
Palavras chaves: Conquista normanda; Guilherme o conquistador; crônicas; Batalha
de Hastings.
No século XII muitas transformações aconteceram, no contexto inglês
especificamente, ainda é possível perceber os impactos da conquista normanda,
que naquele momento é um acontecimento recente, pois Guilherme, o
Conquistador se estabelece no trono no mesmo ano que invade o reino, 1066.
1 Graduanda de História na Universidade Federal do Paraná. Financiada pela Fundação
Araucária. E-mail: [email protected]
Os processos históricos iniciados com a conquista atravessarão a Idade Média,
mas o século XII nos interessa particularmente, pois é em 1128 que Guilherme
de Malmesbury educado na Abadia de Malmesbury, um monge benetidino que
escreveu várias obras, entre elas Chronicle of Kings of England. Para
compreendermos quais são as pretensões de Guilherme de Malmesbury
devemos retornar ao contexto normando. O ducado normando será criado no
século X, a partir do tratado de Saint Clair sur Epte, pois os reis francos, assim
como o que acordou o tratado, Carlos, o Simples, estavam cada vez mais
suscetíveis às invasões nórdicas, que se tornaram frequentes e destrutivas.
Junto a uma das principais lideranças nórdicas, Rollo, o rei afirma o tratado a fim
de conceder o território normando, para que Rollo não só o administrasse, mas
que empregasse um combate efetivo a qualquer invasão, considerando que a
região da Normandia é estratégica.
O tratado firmado em 911 cria uma situação extremamente interessante,
a aproximação de duas culturas essencialmente diferentes, que até então eram
inimigas. Rollo e seus acompanhantes trarão tradições e visões de mundo, que
encontraram diretamente a expectativa da administração franca, que
necessitava que o ducado fosse coerente em sua gestão, ao seguir seu próprio
modelo, e mais, que participasse e partilhasse de uma concepção de cultura e
mais diretamente de fé, o que quer dizer que os normandos logo se tornaram
cristãos e adotaram o francês. Ou seja, os normandos não são nem vikings, nem
francos, mas algo híbrido entre os dois. Mesmo que a Normandia seja um
ducado pertencente aos francos, não demora a aparecer decisões tomadas de
forma muito autônoma, e por isso a região será protagonista de inúmeras
transformações políticas e sociais nos próximos séculos. (FERRARESE. 2015:
10)
A Inglaterra e a Normandia se aproximarão a partir do começo do século
XI, quando a filha do duque Ricardo I, Emma, se casa com o Rei anglo-saxão
Etelredo II. A Inglaterra, nesse momento, já havia consolidado uma monarquia
que se iniciou com a centralização de Alfredo, o Grande, situação que demonstra
o poder das invasões nórdicas, foram tão agressivas que mobilizaram uma
reação que resultou na unificação do poderio anglo-saxão. Um século depois, a
monarquia está sistematizada administrativamente, atrairá diversos olhares,
como por exemplo, dos dinamarqueses, que empreenderam uma série de
ataques, até que conseguem derrotar Etelredo II e seu filho Edmundo, mortos na
tentativa de defender seu reino. A expedição vitoriosa foi liderada por Canuto,
que a partir de então se torna rei da Dinamarca e da Inglaterra.(ABBOTT. 2009:
123). Sua afirmação no trono vem do seu casamento com a viúva de Etelredo II,
Emma, dessa união nasce Hardacanuto, que deveria suceder seu pai. Canuto
emprega várias modificações, inclusive uma perseguição à linhagem de Etelredo
II, que se refugiam na Normandia, nos interessa particularmente Eduardo, que
viveu na corte do duque Roberto I durante anos. Canuto planeja naturalmente
estabelecer uma dinastia no trono, Haroldo I, filho ilegítimo de Canuto, toma a
posição frente a Hardacanuto, que mobiliza uma ofensiva para reaver sua
herança, mas Haroldo I morre antes disso, deixando o trono ao filho legítimo.
(FERARRESE. 2015: 16). Em 1042 Hardacanuto também morre, sem deixar um
sucessor. O conselho anglo-saxão Witenagemot, que tem uma posição muito
importante nas decisões políticas do reino, logo reage, convocando Eduardo a
assumir o trono e assim restabelecer o controle anglo-saxão sobre o território.
Eduardo, que foi convidado em 1041 por Hardacanuto para retornar ao reino, é
coroado em 1043.
Eduardo, o Confessor, como ficará conhecido, não estabelece um
governo forte que faria jus ao fim do controle dinamarquês, pelo contrário, ele
será diversas vezes classificado como fraco e incompetente. Eduardo, em suma,
gera um desconforto aos anglo-saxões que o viam como um estrangeiro, que
tendia a se parecer e apreciar demais os normandos. Isso fica claro quando
Haroldo Godwinson começa a ganhar destaque no cenário político, vindo de uma
família anglo-saxã muito poderosa. Haroldo acusa o rei de ser um estrangeiro,
palavra empregada com um arcabouço de negatividade, acusação que não era
infundada, já que muitos normandos se tornaram parte da corte de Eduardo, e
as próprias atitudes do Rei provam que ele havia sido inserido na lógica
normanda de uma maneira geral.
Não é por acaso que com o passar do tempo, considerando que Eduardo
mesmo casado nunca teve filhos, Guilherme duque da Normandia, vai se
aproximando do Rei, até porque eram parentes, Emma, mãe de Eduardo era
filha do avô de Guilherme. E cada vez mais ele demonstra um interesse no trono.
Interessante considerar a trajetória de Guilherme até que se torne duque. Seu
pai Roberto I em 1027, consegue subjugar as intenções de seus irmãos com a
ajuda de Henrique I, o rei franco. Aproximadamente em 1028 nasce Guilherme,
fruto da relação de Roberto I com Harlete, que não era sua esposa, o que faz de
Guilherme, um bastardo. Em seguida Roberto I decide fazer uma peregrinação
à Jerusalém, mas não chega a retornar, morrendo em 1035. Antes de sair da
Normandia, Roberto sabia das dificuldades de tornar Guilherme seu sucessor,
mas ele investiu nisso, tanto que Guilherme assume com apoio de Henrique I,
por exemplo, mas parte da elite local não o aceita. Em decorrência disso ele terá
que articular desde muito cedo, toda uma estratégia política e militar para manter
a posição legada por seu pai. A disputa pelo poder vai assolar a Normandia, um
dos episódios mais expressivos é a rebelião liderada por Guy da Borgonha, que
se tornou séria se desdobrando em um conflito militar ao qual Guilherme saiu
vitorioso. Aos poucos, Guilherme começa a consolidar sua posição, já que
demonstra sua capacidade para gerir o ducado assim como suas habilidades
militares, que o auxiliam com a aceitação dessa camada social que começa a
vê-lo como possível líder. Guilherme enfrentará ainda outras oposições, vindos
até mesmo de lugares inesperados como Henrique I, que antes o havia apoiado,
basicamente porque Guilherme começa a expandir o território do ducado,
através de alianças e conquistas, seu próprio casamento com Matilde de
Flandres demonstra que havia ascensão de sua posição, como a Normandia era
apenas um ducado, Henrique I teme perder completamente o controle da região,
pois esta tem um histórico de autonomia política que continuará. Ainda devemos
salientar que a larga experiência que Guilherme conquistou ao ter que lidar ainda
muito jovem com a manutenção de seu poder, vai auxiliá-lo como guerreiro e
ainda mais como governante. (COSTA, 2009: 13).
O cenário político anglo-saxão vai se desenhando a partir da necessidade
de um sucessor à Eduardo, o Confessor. Haroldo Godwinson é a escolha óbvia
considerando toda sua atuação política antes e depois do reinado de Eduardo,
assim como Guilherme. Um episódio bastante emblemático, que envolve os dois
reivindicantes é quando Haroldo segue para a Normandia. Ao se perder em uma
tempestade se torna prisioneiro de um dos vassalos de Guilherme. O duque
mobiliza seus recursos para que ele seja libertado, depois que isso acontece,
Haroldo passa um tempo na corte de Guilherme, é nesse momento que o duque
expõe suas intenções. Guilherme queria garantir que Haroldo, ao invés de se
tornar um inimigo, pois seria a escolha direta dos anglo-saxões, o ajudasse em
suas pretensões (FERRARESE, REIS. 2012: 3). Segundo as fontes, Haroldo
teria consentido aos desejos de Guilherme e admitido que o ajudaria, em suma
não foi isso que aconteceu, quando Eduardo morre em 1066, Haroldo será eleito
pelo conselho, Witenagemot ou apenas Witan, é preciso enfatizar que a
monarquia anglo-saxã não está ligada diretamente à uma legitimidade
sanguínea hereditária, o que significa que a decisão do Witan tem muito mais
peso. Haroldo, que não era parente de Eduardo, é um caso que demonstra essa
tradição. (ALBUQUERQUE, 2014: 7). Além do sangue, a pessoa deveria ser
nomeada pelo Rei anterior e ainda demonstrar ser capaz de defender o reino.
Algumas fontes normandas afirmam que Eduardo teria prometido o trono à
Guilherme, considerando que eram próximos, mas essa promessa é bastante
nebulosa. Eduardo utilizava constantemente a falta de um sucessor em acordos
políticos, o que significa na prática que ele prometeu o trono mais de uma vez,
para mais de uma pessoa, ou seja, essa ação não seria suficiente para
preencher a reivindicação de Guilherme de legalidade. (DEACON, 2015: 1)
O conselho preferiu coroar Haroldo ao invés de um estrangeiro normando,
essa ação, depois ficará caracterizada em diversas crônicas que retratam a
conquista, como o grande pecado cometido por Haroldo, o falso testemunho,
pois ele havia jurado à Guilherme e depois descumpriu o acordo assumindo o
trono. Logo depois da coroação, as contestações começam a chegar, e não vem
apenas da Normandia, outros personagens aparecem, como por exemplo,
Haroldo III da Noruega, que afirma que tem direito ao trono, a partir de um acordo
antigo entre Magno e Hardacanuto. Haroldo II, agora rei anglo-saxão, mobiliza
suas forças que combatem a invasão de Haroldo III, que expulsam todos
completamente depois da batalha de Stamford Brigde. Sem tempo para
desmobilizar as forças, Haroldo II descobre que Guilherme chega às fronteiras,
o que os obriga a ir combate-los do outro lado do reino. (ALBUQUERQUE. 2014:
10). Os soldados de Haroldo, cansados, considerando a dificuldade de
locomoção em tão pouco tempo, encontram uma forte oposição sistematizada,
que detinha uma cavalaria superior (FERRARESE, REIS. 2012: 4). Guilherme e
Haroldo II colocam suas forças à prova na Batalha de Hastings, a qual Guilherme
sairá vitorioso, efetivando a conquista normanda da Inglaterra em 1066, o que
marca o fim do período de gestão dos anglo-saxões. Entre Guilherme e Haroldo
III devemos considerar.
(...) Harold Hadrada, king of Norway, who had aspirations to
extend his rule, had no hereditary right. William, on the other hand,
was the great nephew of Queen Emma, sister of Duke Richard II
of Normandy, who had married successively King Aethelred and
King Cnut. It was a slender right, based on colateral descente, but
in sufficed to give show of legitimacy to William’s claim.2
Guilherme realmente invadiu a Inglaterra, principalmente se levarmos em
conta a maneira como a tradição anglo-saxã se comportava para escolher um
novo rei. Seu direito vem da conquista, da força, das armas (DEACON, 2015).
Sua presença no trono vai gerar uma série de descontentamentos e rebeliões,
porque assim que Guilherme chega ao centro do reino começa a destituir a
nobreza anglo-saxã, substituindo-os por normandos. Mesmo que Guilherme
tivesse governado a Normandia, essa nova conquista é determinante para
empregar um desenvolvimento das instituições, pois a ambição de manter a
Inglaterra assim como a Normandia gerará a centralização da monarquia.
Guilherme tomará medidas de reconhecimento e dominação como o Domesday
Book, que foi finalizado apenas em 1086, resultado de um levantamento de
2 CHIBNALL, Marjorie. Anglo-Norman England – 1066-1166. Published Wiley-Blackwell. 1991. P 55
informações sobre tudo no reino, que auxiliará o novo rei a administrar o
território.
Essa centralização [de terras] foi possível graças ao
recenseamento das terras estabelecido por Guilherme, na forma
do Domesday Book, o Livro do Dia do Senhor, de 1086. Nessa
obra, a totalidade da Inglaterra é tratada como uma herança
passada de Eduardo, o Confessor, ao Conquistador, e não como
uma coleção de feudos, condados e terras livres e
incidentalmente associadas entre si por vários e históricos
tratados e relações diplomáticas anteriores para com os antigos
reis ingleses e seus sucessores.3
Como vimos, os normandos se estruturam conforme os moldes francos,
mesmo contando com as tradições nórdicas, essa nova cultura normanda, vai
transplantar a administração, costumes e até mesmo a língua.
O resultado principal da conquista normanda foi, (...), os
numerosos empréstimos lexicais do francês-normando ao inglês.
A influência francesa se tornou cada vez mais evidente nos
manuscritos ingleses do século XIII. Estima-se que cerca de
10.000 palavras francesas tenham penetrado no inglês nessa
época – muitas das quais tomadas de empréstimo a fontes mais
remotas.4
Vemos a partir da conquista, se inaugurar uma situação que se prolongará
durante séculos na Inglaterra que é a coexistência de pessoas que falam inglês
e francês. As duas línguas cada vez mais associadas ao lugar social ao qual
essa pessoa pertence. Exatamente porque a nobreza estará ligada à Guilherme,
e consequentemente a Normandia, ou seja, a alta aristocracia fala francês, e o
inglês vai ter um caráter mais popular.
Como Guilherme precisava de um discurso que funcionasse como
ferramenta de legitimação, as crônicas vão atuar nesse sentido, ao construir
perfis traçados, nos quais Guilherme ocupa a posição de sucessor, enquanto
3 FERRARESE. Lucio Carlos. Guerra e política: Guilherme, o Conquistador e a batalha de Hastings nas fontes anglo-normandas dos séculos XI e XII. Maringá, 123 p. 2015. Dissertação (de Mestrado em História). Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2015. P 101. 4 OLIVEIRA, João Bittencourt. Do francês ao inglês: um breve estudo da contribuição
francesa ao léxico inglês. P 03
Haroldo é retratado como usurpador. O discurso a partir da conquista se dará no
sentido de consolidar a imagem de Guilherme, como O Conquistador, sempre
ocupando a posição de enviado por Deus. Essa é uma característica
importantíssima quando trabalhamos com história medieval e
consequentemente cristã.
En lo que se refiere a la Crónica, ésta participa, como el resto de
la historiografia Cristiana, de todos los aspectos señalados del
Providencialismo. La Providencia divina organiza y divide la
historia de la humanidad em grandes eras y elige a un pueblo
encargado de la direción de la Historia. Ambas circunstancias dan
lugar a un optimismo metafísico que confía firmemente em la
existencia de una orden universal al que se adecúan todos los
acontecimentos históricos. Por outro lado, la justicia divina
interviene directamente em la historia administrando acá y acullá
premios y castigos.5
Um traço comum às crônicas desse período é a ação de Deus sobre o
curso da História, ou seja, o providencialismo. No caso das que tratam a
conquista normanda, e incluindo a analisada neste trabalho, Chronicle of the
Kings of England de Guilherme de Malmesbury, afirmam que Guilherme, o
Conquistador foi incumbido por Deus para conquistar a Inglaterra, missão que
ele deveria desempenhar. A moral cristã considerada pouco integrada na
Inglaterra anglo-saxã deveria ser reformada e Guilherme levando a religião teria
o direito de invadir e conquistar. Podemos ver a conotação religiosa em seu
discurso.
The courageous leaders mutually prepared for battle, each
according to his national custom. The english, as we have heard,
passed the night withou sleep, in drinking and singing and in the
morning proceeded withou delay against the enemy. (...) On the
other hand, the Normans passed the whole night in confessing
their sins, and received the communion of the Lord’s body in the
morning.6
5 SANCHEZ, Pedro Juan Gálan. El gênero historiografico de la chronica – las crónicas hispanas de época visigoda. Cáceres. 1994.P 40. 6 MALMESBURY, William of. Chronicle of the Kings of England, from the earliest period to the reign of King Stephen. Por J. A. Giles. 1847. P 276
Há também o fato de Haroldo ter prometido apoio à Guilherme, quando
esse lhe expõe suas pretensões. Haroldo finge aceitar a proposta, o que o
caracteriza como um pecador, o falso perjúrio de Haroldo, revela o quão errada
essa moral está, se tratando dos anglo-saxões. Ou seja, Haroldo pagou por seu
pecado, assim como todos os anglo-saxões que resistiram a conquista de
Guilherme e mais diretamente o julgamento divino.
Devemos enfatizar que Chronicle of the Kings of England foi escrita em
1128, ou seja, sessenta anos depois da Batalha de Hastings, quando o reinado
de Guilherme, o Conquistador não estava só consolidado, mas já havia acabado.
Mesmo assim, as preposições ainda são comuns às do século XI, no sentido de
garantir que Guilherme tinha o direito de fazer o que fez, além de garantir que o
desenvolvimento trazido pela conquista não acabasse com sua morte, mas fosse
prolongado por seus filhos, o que efetivamente aconteceu.
The reigns of William I’s sons were of immense importance in
administrative anf financial development, as well as being the time
when the Normans became fully integrated in English society
without weakening their cross Chanel ties.7
Sobre o século XII é importante salientar que uma crise dinástica está
prestes a se tornar uma guerra na Inglaterra, pois depois que Guilherme, o
Conquistador morreu, sua herança foi dividida. Guilherme, o Ruivo foi designado
à administrar a Inglaterra e seu irmão mais velho Roberto, a Normandia, que
acabou como duque depois de se desentender com o pai inúmeras vezes e até
conspirar sua morte. (ABBOTT. 2009: 242). Guilherme, o Ruivo governa por
pouco tempo, Roberto faz uma tentativa de reaver os dois territórios, mas seu
outro irmão, Henrique, age com rapidez e consegue afastá-lo e controlá-lo. Até
que, forçando o irmão a abdicar, Henrique I recupera a totalidade da herança de
seu pai.
Henrique I utiliza todas as articulações políticas para tornar seu governo
forte, o que realmente consegue fazer. O rei teve inúmeros filhos bastardos,
7 CHIBNALL, Marjorie. Anglo-Norman England – 1066-1166. Published Wiley-Blackwell. 1991.P 4
entre eles Roberto de Gloucester, mas apenas um com Edite da Escócia, sua
esposa, Guilherme Adelino, que deveria sucedê-lo, mas este morre durante um
naufrágio. Ou seja, morre antes do pai, Henrique I faz um imenso esforço até
decidir apoiar sua filha Matilde como candidata ao trono, uma decisão bastante
ousada e incomum, levando em conta a posição das mulheres no século XII.
(CHIBNALL. 1991: 78)
Um personagem ganha destaque nesse contexto político, Estevão de
Blois, sobrinho de Henrique I que sempre esteve presente em seu reinado, e
logo vai se colocar como reivindicante do trono (CHIBNALL.1991: 77) Quando
Henrique I, morre em 1135, sem um sucessor legítimo, Matilde e Estevão vão se
enfrentar. Matilde é apoiada militarmente por seu meio irmão Roberto de
Gloucester que vai empregando investidas contínuas ao território inglês, mesmo
assim Estevão se firma no trono, organiza contra-ataques e tendo força similar,
nenhum deles faz grandes avanços nos primeiros anos. Matilde era viúva de
Henrique V, imperador do Sacro Império Romano Germânico, como eles não
tiveram filhos, ela retorna e casa-se com Godofredo V de Anjou, o próprio
condado de Anjou vai desempenhar um papel ativo na guerra, enquanto Matilde
empenha-se em invadir a Inglaterra, Godofredo age sobre a Normandia. A guerra
avança inconclusivamente, até que Henrique Plantageneta, filho de Matilde e
Godofredo toma a dianteira dos combates, aproveitando da impopularidade do
governo de Estevão, que virou um caos graças ao esforço contínuo de guerra,
reivindica a sucessão. Estevão tentará legitimar seu filho, e fracassa, através do
Tratado de Wallingford em 1153, Estevão reconhece Henrique como seu
herdeiro. (CHIBNALL. 1991:100). Acordo que se concretiza, fazendo de
Henrique II o primeiro Plantageneta no trono inglês.
Todo o contexto explanado é motivador da crônica de Guilherme de
Malmesbury, pois em 1128 já era possível notar que a situação só se agravaria.
A crônica trabalhada é particularmente extensa, pois inicia com a retomada da
história anglo-saxã, pela qual Guilherme de Malmesbury nutre uma imensa
admiração, até o reinado de Estevão. Isso é representativo, pois o autor
demonstra com o projeto de sua crônica que é muito importante que a conquista
de Guilherme em 1066, não seja interpretada como ruptura, pelo contrário, a
continuidade da história é fundamental, tanto que ele se preocupa em sintetizar
os dois períodos. Nossa análise parte do Livro III, no qual Guilherme de
Malmesbury retrata a conquista normanda, reafirmando a proposta pedagógica
tão clara que também aparece em outras obras, que são fontes muito ricas para
o trabalho historiográfico.
Guilherme de Malmesbury no século XII demonstra a partir de sua crônica
muito de suas expectativas, como por exemplo, os encaminhamentos que
tomaria o reinado de Estevão. Reconhecendo que a crise já estava estabelecida,
seu discurso é carregado de legitimidade em relação à conquista, já que o autor
se esforça muito ao propor uma identidade única, para que normandos e anglo-
saxões se sentissem pertencentes a uma união, a sensação de pertencimento
que será central considerando o contexto. Devemos levar em conta que
Guilherme de Malmesbury se interessa e respeita a história anglo-saxã,
considerava Bede uma figura excepcional, e muito desse posicionamento tem
relação com seu nascimento, já que sua mãe era anglo-saxã e o pai normando,
isso lhe permite pensar as duas perspectivas (WOOLEY, 2013: 2). Dessa
maneira podemos compreender porque seu discurso aparenta ambiguidade.
I would not, howerver, had these bad propensities ascribed to the
English universally; I know that many of the clergly at that day trod
the path of sanctity by a blameless life; I know that many of the
laity, of all ranks and conditions. In this nation well pleasing to God.
Be injustice far from this account; the accusation does not envolve
the whole, indiscriminately; but as in Peace the mercy of God often
cherishes the bad and the good together, so equally, does his
severity sometimes include them both in capitivity.8
Ele não deixa de colocar Haroldo como um usurpador, que
inevitavelmente mereceu o que aconteceu, mas mesmo assim ele é apresentado
como uma pessoa de imensas qualidades, como exímio guerreiro, por exemplo.
O autor tenta medir seus argumentos e ser justo com o povo e a tradição anglo-
8 MALMESBURY, William of. Chronicle of the Kings of England, from the earliest period to the reign of King Stephen. Por J. A. Giles. 1847. P 279
saxã, mesmo que esta precisasse da intervenção divina, solidificada na
conquista de Guilherme.
The valour of both leaders was here eminently conspicuous.
Harold, not merely contente with the duty of a general in exhorting
others, diligently entered into every soldier-like office; often would
he strike the enemy when coming to close quarters, so that none
could approach him with impunity : for immediately the same blow
levelled both horse and rider.9
Assim como Guilherme de Malmesbury não deixa de criticar Guilherme,
o Conquistador, mesmo que se empenhe em afirmar sua posição.
É também parte da proposta da crônica relembrar a conquista de
Guilherme, e mesmo que seu reinado já tenha acabado, ainda é essencial
reafirmar a legalidade deste, assim como a conquista como grande
acontecimento e todo valor que lhe cabe, demonstrando que o esforço
empregado em 1066 deve ser prezado e não jogado fora com disputas que
enfraqueceriam o trono. A crônica de Guilherme de Malmesbury demonstra a
riqueza desse tipo de fonte, capaz de nos revelar um projeto de sociedade, pois
mesmo que Guilherme de Malmesbury se preocupe em propor uma identidade,
na prática os dois povos misturados vão demorar muito para se reconhecerem
como único. A conquista normanda será determinante para as transformações
políticas, mas os aspectos culturais não podem ser esquecidos. A visão de
Guilherme de Malmesbury no século XII sobre a conquista do XI, demonstra que
vários aspectos ainda precisam ser reforçados, assim como novos aparecem, a
necessidade de estipular uma identidade. Garantir que Guilherme fosse
lembrado como, o Conquistador e não como o Bastardo é parte de seu projeto
político, que ecoou entre tantas outras vozes que consolidaram essa construção
histórica.
Referências:
Fonte:
MALMESBURY, William of. Chronicle of the Kings of England, from the earliest period to
the reign of King Stephen. Por J. A. Giles. 1847.
9 Ibidem. P 277.
Bibliografia: ABBOTT, J. History of William the conqueror: markers of history. New York: Cosimo Classics, 2009. ALBUQUERQUE, Isabela Dias de. A formação da Inglaterra em duas batalhas Edington (878) Hastings (1066). Disponível em: <https://www.academia.edu/6586572/A_forma%C3%A7%C3%A3o_da_Inglaterra_em_duas_batalhas_Edington_878_e_Hastings_1066_ > Acesso em: setembro de 2015 CHIBNALL, Marjorie. Anglo-Norman England – 1066-1166. Published Wiley-Blackwell. 1991. COSTA, Ricardo da. Breve história da Tapeçaria de Bayeux (c. 1070-1080). In.: Potlach. Revista de História das Faculdade Integradas de Cataguases: FIC̸ FUNCEF, Ano 1, n. 1, 2009, p. 11-20. DEACON, Jacob. William of Normandy’s Claim to the English throne: Examining the Evidence. 2015. Disponível em: < http://www.medievalists.net/2015/04/21/william-of-normandys-claim-to-the-english-throne-examining-the-evidence/>. Acesso em: janeiro de 2016. FERRARESE. Lucio Carlos. Guerra e política: Guilherme, o Conquistador e a batalha de Hastings nas fontes anglo-normandas dos séculos XI e XII. Maringá, 123 p. 2015. Dissertação (de Mestrado em História). Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2015. OLIVEIRA, João Bittencourt. Do francês ao inglês: um breve estudo da contribuição francesa ao léxico inglês. Disponível em: <https://www.academia.edu/5458772/DO_FRANC%C3%8AS_AO_INGL%C3%8AS_BREVE_ESTUDO_DA_CONTRIBUI%C3%87%C3%83O_FRANCESA_AO_L%C3%89XICO_INGL%C3%8AS>. Acesso em: janeiro de 2016 REIS, Jaime; FERRARESE, Lúcio. O ideal de cavalaria da Tapeçaria de Bayeux. In.: XVIII Semana de História, VI Fórum de pós-graduação em História, I Fórum de Licenciatura em História. 2012. SANCHEZ, Pedro Juan Gálan. El gênero historiografico de la chronica – las crónicas hispanas de época visigoda. Cáceres. 1994. WOOLLEY, Meghan. “Dies Fatalis” William of Malmesbury on the Norman Conquest. Disponível em: <https://www.academia.edu/7838788/_Dies_Fatalis_William_of_Malmesbury_on_the_Norman_Conquest>. Acesso em: janeiro de 2016.