consciencia fonológica e leitura

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    1. INTRODUO

    A capacidade para analisar as palavras emunidades sonoras mais pequenas uma compe-tncia crtica para a aprendizagem da leitura.

    A relevncia deste tipo de capacidades para aaprendizagem da leitura e escrita fundamen-tada, por exemplo, atravs de estudos correlacio-nais que encontram relaes sistemticas entremedidas de conscincia fonolgica antes da en-trada para a escola e as performances das crian-as em testes de leitura depois da entrada para aescola (Yopp, 1988; Calfee, 1977; Mann, 1984;Lundberg, Olofsson & Wall, 1980, citados porBryant & Goswami, 1990).

    Neste sentido, a aprendizagem da linguagemescrita parece requerer capacidades explcitas deanlise da fala, nomeadamente ser capaz de per-ceber que as palavras orais so constitudas poruma sucesso de componentes fonticos, os

    quais so as unidades representadas pelo cdigoalfabtico.

    No entanto, a reflexo consciente sobre ossegmentos fonticos extremamente difcil paraas crianas, na medida em que os fonemas nodiscurso no so percepcionados isoladamente,mas no contexto do fonema imediatamente pre-cedente e consequente. Por outras palavras, a in-formao necessria para identificar um fonemaparticular geralmente sobrepe-se com a de umoutro fonema (Liberman, Cooper, Sankweiller &Studdert-Kennedy, 1967, citado por Tumner &Rohl, 1991), o que faz com que a capacidade deanlise fonmica, na medida em que implica aconscincia de entidades que so intrinsecamen-te abstractas, seja uma competncia altamentecomplexa. A capacidade para lidar com os com-ponentes fonticos das palavras surge medidaque as crianas aprendem as correspondnciasgrafo-fonticas. Apesar de existirem muitos da-dos empricos que confirmam a existncia deuma conexo causal entre a sensibilidade aos

    segmentos fonticos das palavras e o sucesso daaprendizagem da leitura e escrita existe uma am-pla controvrsia sobre o sentido dessa relaocausal.

    Ser que a conscincia fonolgica enquantouma capacidade de representao consciente dasunidades fonticas decorre da aprendizagem da

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    Anlise Psicolgica (1997), 2 (XV): 283-303

    Conscincia fonolgica e aprendizagemda leitura: Mais uma verso da velhaquesto da galinha e do ovo

    ANA CRISTINA SILVA (*)

    (*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Uni-dade de Investigao em Psicologia Cognitiva do De-senvolvimento e da Educao.

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    leitura? Ou, pelo contrrio, ser que o desenvol-vimento da conscincia fonolgica (nas suasvrias dimenses, incluindo no s a conscinciados fonemas, mas tambm das slabas e dasunidades intra-silbicas), constitui uma basefundamental para que as crianas aprendam a ler.Ou, por outro lado, ser que esta questo conscincia fonolgica causa ou consequnciada aprendizagem da leitura uma falsa dicoto-mia?

    Vamos analisar detalhadamente a fundamen-tao destas duas posies.

    1.1.A conscincia fonolgica enquanto efeitoda aprendizagem da leitura

    Esta posio defendida pelo chamado grupode Bruxelas (Content, Morais, Alegria et al.,1987), que assume que a capacidade de explici-

    tao consciente das unidades da fala decorregeralmente da aprendizagem da leitura. Estesautores consideram que a capacidade para pensare lidar com as unidades fonticas no se desen-volve espontaneamente, mas requer algum tipode treino que induza os sujeitos a centrarem-senas unidades segmentais da fala. Este tipo detreino, acontece para a maior parte das pessoas,aquando da aprendizagem da leitura e escritanum sistema de escrita alfabtico. Estes autoresno excluem, no entanto, a hiptese da conscin-cia segmental se desenvolver, atravs de progra-

    mas de treino especfico que incidam sobre pis-tas articulatrias, mas consideram que o princi-pal factor de desenvolvimento da conscincia fo-ntica para a maior parte das pessoas a apren-dizagem do cdigo alfabtico.

    Este ponto de vista confirmado de algummodo quando se comparam os desempenhos emtarefas de natureza fontica de sujeitos analfabe-tos e sujeitos alfabetizados; de sujeitos alfabeti-zados num sistema de escrita ideogrfico e sujei-tos alfabetizados num cdigo alfabtico ou aindaquando se comparam as performances das crian-as neste tipo de tarefas antes e aps a aprendi-zagem da leitura. Analisemos alguns destes estu-dos.

    Dados relativos a analfabetosEm 1979, Morais, Alegria, Cary e Bertelson

    efectuaram um estudo onde foram comparar odesempenho de 30 adultos analfabetos com o de-

    sempenho de 30 adultos alfabetizados em adul-tos em tarefas de natureza fonolgica. As tarefasenvolviam a adio e subtraco de fonemas depalavras podendo originar palavras ou no-pala-vras. As diferenas registadas nas taxas de su-cesso entre os dois grupos (19% para o 1. grupoe 72% para o 2. grupo), sugerem que a expe-rincia da aprendizagem da leitura parece funda-mental para a conscincia fontica.

    Esta perspectiva confirmada num outro es-tudo (Morais, Cluytens, Alegria & Content, cita-do por Goswami & Bryant, 1990), onde os auto-res foram comparar novamente o desempenho deum grupo de sujeitos analfabetos e um grupo desujeitos alfabetizados em adultos em tarefas fo-nolgicas que implicavam a manipulao de fo-nemas e slabas.

    A anlise do desempenho dos dois grupos nasprovas de supresso do fonema inicial de uma

    no-palavra e supresso de uma slaba inicialigualmente de uma no-palavra, permite verifi-car que os analfabetos tm sempre piores resul-tados, mas essa desvantagem foi particularmenteacentuada na prova do fonema.

    Tambm numa tarefa que envolvia a selecode duas palavras que rimavam num grupo decinco, os sujeitos analfabetos tiveram resultados20% piores do que o outro grupo.

    Estes dados sugerem que os analfabetos socapazes de ter algum sucesso em tarefas que en-volvem unidades maiores do que os fonemas,

    mas tm resultados muito maus em tarefas demanipulao fontica. Consequentemente, pare-ce lgico concluir de que a aprendizagem do c-digo alfabtico tem uma influncia determinantepara o desenvolvimento da conscincia fontica.

    Dados relativos a grupos de sujeitos ensina-dos em escritas ideogrficas

    Os resultados obtidos nos estudos com anal-fabetos parecem ser confirmados num estudo deRead, Zhang, Nie & Ding (1986, citado porGowami et al., 1990). Estes autores foram com-parar os resultados em provas de adio e sub-traco de fonemas de palavras de dois gruposde sujeitos chineses. Os sujeitos do primeiro gru-po conheciam apenas a escrita ideogrfica tradi-cional chinesa mas os sujeitos do segundo gruposabiam tambm ler num sistema de escrita alfa-btica (o pinyin). A taxa de sucesso dos sujeitosdo primeiro grupo foi de 21%, significativa-

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    mente inferior taxa de sucesso de 83% do se-gundo grupo.

    Mais uma vez, a instruo num cdigo alfa-btico parece ter um efeito determinante para odesenvolvimento da representao das unidadesfonticas.

    Estudos longitudinais: Dados relativos aoantes e depois da aprendizagem da leitura

    Uma outra linha de argumentao a favor daimportncia da aprendizagem da leitura e escritapara o desenvolvimento da conscincia fonticadecorre de estudos que evidenciam que as crian-as entrada para a escola apresentam resultadosmuito maus em tarefas fonolgicas, particular-mente aquelas que envolvem manipulao de fo-nemas, e que esses resultados vo progressiva-mente melhorando medida que as crianasvo dominando o cdigo alfabtico.

    Por exemplo, uma investigao de Morais etal. (1979, citado por Alves Martins, 1994) evi-dencia que as crianas ao longo do primeiro anode escolaridade vo sucessivamente melhorandoos seus resultados em tarefas de manipulaofontica. Neste estudo, as crianas foram avalia-das em provas de supresso e adio de um fo-nema no incio de uma palavra no princpio,meio e no fim do ano, obtendo taxas de sucessode 16% e 26% no primeiro momento de avalia-o, 34% e 64% no segundo e 74% e 79% no l-timo momento avaliativo, respectivamente emrelao a cada uma das tarefas.

    Um outro estudo de Perfetti et al. (1987; ci-tado por Tunmer & Rohl, 1991), d conta de queas crianas que apresentavam nveis de leituramais avanados no incio do ano eram aquelasque tinham melhores resultados em trs tarefasfonolgicas: sntese fonmica, contagem de fo-nemas e supresso de fonemas.

    Este ponto de vista ainda confirmado numtrabalho de Bruce (1964, citado por Goswami etal., 1990), efectuado com crianas entre os cincoe os nove anos de idade. Este autor testou crian-as destas vrias faixas etrias em tarefas de su-

    presso de fonemas do incio, meio ou fim da pa-lavra. Os resultados foram muito baixos aoscinco, seis anos e mesmo sete anos, apresen-tando-se significativamente melhores a partirdos oito anos. Portanto, estes dados sugeremmais uma vez que as crianas de idade pr-es-colar tropeam e muito quando tm de proce-

    der a julgamentos fonolgicos que requeremuma conscincia explcita dos fonemas. Por ou-tro lado, tambm mais uma vez parece evidenteque este tipo de tarefas cognitivamente comple-xas, requer um domnio quase completo do cdi-go alfabtico.

    A influncia do cdigo alfabtico na cons-

    cincia fonolgica visvel ainda pelo facto dasimagens ortogrficas disponveis nas crianasque j sabem ler contaminarem o seu desem-penho em tarefas de contagem de fonemas (EhrieWilce, 1980; Tunmer e Nesdale, 1985, citadospor Tunmer et al., 1991).

    1.2. A conscincia fonolgica enquanto per-cursor da aprendizagem da leitura

    Vrios autores (Bradley et al., 1986, 1990,1991; Lundberg, 1991; Mann, 1991), assumem

    que conscincia fonolgica um importantepreditor do sucesso das crianas na aprendiza-gem da leitura e escrita. Por outras palavras, es-tes vrios autores defendem que existe uma cla-ra e inequvoca relao entre a sensibilidadedas crianas aos componentes sonoros das pala-vras e o seu progresso na aprendizagem da lei-tura. Mais concretamente, eles afirmam que aconscincia de componentes sonoros maisamplos como as rimas e aliteraes (as alitera-es remetem para a capacidade de categorizarpalavras que partilham a consoante inicial, im-plicando consequentemente a capacidade paradetectar o ataque das palavras), permite prever osucesso na leitura. Para estes autores, muitascrianas de idade pr-escolar desenvolvem maisou menos espontaneamente a capacidade paramanipular rimas. bastante frequente que mes-mo aos 4 anos as crianas sejam capazes de per-ceber que co rima com po mas no commar. Este tipo de competncias relacionadascom a categorizao de palavras com base empadres sonoros comuns e consequentementecom a capacidade de efectuar juzos fonolgicoscom base na diviso ataque/rima das slabas de-

    sempenhar um papel importante na aprendiza-gem da leitura, na medida em que as crianasusaro este tipo de conhecimentos para efectuarprocedimentos de descodificao por analogia,uma vez que as palavras que partilham sons emcomum geralmente compartilham igualmente desequncias grficas idnticas. Para alm deste

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    efeito directo da conscincia das rimas na leitura,Bryant et al. (1990), apoiam a ideia de que estetipo de competncia desempenha um papel im-portante no desenvolvimento de formas mais ela-boradas de conscincia fonolgica, nomeada-mente na crescente sensibilidade aos fonemas.

    Apesar de considerarem que estas dimensesda conscincia fonolgica funcionam comoimportantes pr-requisitos para a aprendizagemda leitura, Bryant et al. (1990), defendem igual-mente que as crianas frequentemente s tmacesso consciente estrutura fontica das pala-vras como resultado da aprendizagem da leitura.Ser atravs da aprendizagem das correspondn-cias grafo-fonticas que as crianas tomam ex-plicitamente conscincia de que as palavraspodem ser divididas em sons representados pelasletras.

    Portanto, resumindo, do ponto de vista desta

    perspectiva, as competncias fonolgicas aonvel da sensibilidade a rimas e sensibilidade aunidades intra-silbicas apresentam uma cone-xo causal com o sucesso na aprendizagem daleitura e da escrita. A capacidade para lidar comos componentes fonticos das palavras surge medida que as crianas aprendem as correspon-dncias grafo-fonticas.

    Estas ideias so apoiadas essencialmentequando olhamos para os dados obtidos em estu-dos de carcter longitudinal onde se analisa a re-lao entre as competncias fonolgicas das

    crianas antes da sua entrada para a escola e osseus posteriores resultados em leitura e ortogra-fia, e para os trabalhos onde se procede a treinosde natureza fonolgica e se avalia o seu efeito nosucesso da aprendizagem da leitura.

    Dados relativos a estudos longitudinaisUm estudo de Lundberg, Olofsson e Wall

    (1980, citado por Goswami et al., 1990) encon-trou uma consistente relao entre os resultadosde crianas de idade pr-escolar em provas deanlise e sntese silbica e fontica e as pontua-es das crianas num teste de leitura no final doprimeiro ano de escolaridade.

    Bryant e Bradley (1983) efectuaram um es-tudo longitudinal com 400 crianas de 4 e 5 anos(no incio do projecto), onde apresentaram aessas crianas provas de rima e aliterao. Nes-sas provas, o experimentador lia s crianasquatro palavras, trs das quais rimavam ou co-

    meavam pelo mesmo fonema e uma no,devendo a criana excluir aquela que no par-tilhava sons com as outras. Trs anos depois, ascrianas foram submetidas a testes estandardiza-dos de leitura, ortografia e aritmtica. Os autoresverificaram a existncia de uma significativacorrelao entre a sensibilidade inicial das crian-as s rimas e aliteraes e os resultados dascrianas nessas provas de leitura e ortografia. Assuas pontuaes nas provas de rimas permitiaprever especificamente o seu sucesso na leitura eescrita mas no o seu nvel da prova de aritm-tica.

    Num outro estudo longitudinal (Bryant et al.,1990), seguiram 64 crianas desde os trs anos emeio at aos seis anos e meio. No incio do pro-

    jecto foram passadas s crianas provas de rimae aliterao, quando as crianas tinham cincoanos foram submetidas a provas de contagem de

    fonemas e de supresso do fonema inicial e, nofinal do projecto, as crianas foram avaliadas emtestes de leitura escrita e aritmtica. Mais umavez os resultados na prova de rimas foram con-sistentes com os progressos das crianas na pro-va de leitura. As medidas fonmicas permitiramigualmente prever o desempenho das crianas naleitura, mas no to bem como as provas de ri-ma. Por outro lado, os resultados obtidos nasprovas de rima e de deteco de fonemas esta-vam significativamente correlacionados. Paraos autores, estes resultados confirmam a existn-

    cia de uma consistente e especfica relao entreas competncias fonolgicas e a leitura. Poroutro lado, estes dados permitem, segundo eles,defender que a conscincia das rimas e alitera-es contribuem para a leitura de, pelo menos,duas maneiras. Uma delas tem a ver com o factodas rimas serem percursores no desenvolvimentoda deteco de fonemas que, por sua vez, facilitaa aprendizagem das correspondncias grafo-fo-nticas. A outra tem a ver com um efeito directodas rimas na leitura na medida que a conscinciadas rimas permite s crianas categorizar aspalavras com base em padres de ortografia co-muns.

    Dados relativos a estudos que envolvemprogramas de treino da conscincia fonolgica

    Este tipo de trabalhos permite genericamentedemonstrar a hiptese de que se treinarmos ascrianas, no sentido de aumentar a sua sensibili-

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    provavelmente ambas tm razo at certo ponto,e que sobretudo este corpo de investigao nosd orientao preciosas para a preveno dasdificuldades de aprendizagem da leitura e escri-ta.

    De facto uma anlise detalhada destes doispontos de vista permite concluir que a maior par-te dos investigadores concordam que a relaoentre a conscincia fonolgica e a aprendizagemda leitura uma relao recproca na sua natu-reza e que alguns pontos aparecem hoje comoinequvocos nomeadamente:

    - A conscincia explcita das unidades fon-ticas potenciada pela aprendizagem deum sistema de escrita alfabtico.

    - Conscincia fonolgica nas suas vriasdimenses nomeadamente a conscincia si-lbica, a conscincia fonmica e a conscin-cia das unidades intra-silbicas constituium bom preditor do sucesso das crianas naaprendizagem da leitura e escrita, e o treinodeste tipo de competncias facilita a apren-dizagem da leitura.

    - A conscincia das slabas e das unidades in-tra-silbicas podem desenvolver-se mais oumenos espontaneamente em crianas emidade pr-escolar, o mesmo no aconteceem relao conscincia fonmica. No en-tanto, a conscincia fonmica pode ser pro-movida atravs de programas de treino pre-viamente instruo formal da aprendiza-

    gem da leitura.Resumindo este problema ainda hoje algo

    polmico conscincia fonolgica e aprendiza-gem da leitura; causa ou consequncias? pare-ce desembocar na existncia, de uma mais queprovvel causalidade recproca (Perfetti, 1989;Tumner & Hoover, 1992). Ou seja algumas habi-lidades fonolgicas mais elementares ajudam oleitor principiante a iniciar-se no sistema alfab-tico, e competncias fonolgicas mais explcitasdesenvolvem-se a partir da aprendizagem daleitura.

    Mais concretamente algumas competnciasfonolgicas como a capacidade para dividir asslabas em ataque e rima permitir s crianastirar vantagem de certo tipo de regularidades or-togrficas como aquelas que acontecem em gru-pos de palavras que se iniciam por uma mesmaconsoante familiar ou grupos de palavras que

    partilham da rima (ex. mo, po, co). Por outrolado, capacidades de segmentao fontica faci-litam, sem qualquer margem de dvida, a apren-dizagem das correspondncias grafo-fonticas.

    Outro tipo de competncias fonolgicas sub-jacentes a tarefas de supresso de fonemas (sercapaz de perceber que se se tirar o fonema /r/ dapalavra frio fica fio) ou de inverso fontica (sercapaz de perceber que se se inverter por com-pleto a ordem dos fonemas da palavra luarobtemos a palavra Raul), so capacidades alta-mente complexas, que exigem grande capacida-de de memria verbal, implicam muitas vezes orecurso a imagens ortogrficas e s so desen-volvidas atravs da aprendizagem da leitura.

    Por conseguinte, as evidncias que existemsugerem que necessrio alguma competnciasfonmicas rudimentares para que a criana con-siga aprender o cdigo alfabtico, o que no

    exclui que esse tipo de competncias no possaser melhorada e desenvolvida atravs da aprendi-zagem da leitura.

    1.4. Conscincia fonolgica e conhecimentosde letras

    Conhecimento do nome de letras que as crian-as aprendem informalmente ou atravs do en-sino formal, primeira vista parece que poderajudar as crianas a descobrir as correspondn-cias grafema-fonema, na medida que o nome das

    letras incluem o fonema que representam. No en-tanto, o nome das letras constituem apenas ana-logias no muito precisas dos fonemas que re-presentam nas palavras faladas. Para que ascrianas se apercebam que a letra p da pala-vra pai, tero que ser capaz de segmentar a pala-vra para fazerem a ligao entre a letra p e ofonema /p/. Portanto, estes dois tipos de conhe-cimentos, nome das letras e capacidade desegmentao provavelmente funcionam em in-teraco, uma vez que os dados que existemapontam que as crianas s beneficiam doconhecimento dos nomes das letras quando socapazes de segmentar as palavras orais.

    Esta hiptese fundamentada por um estudode Share, Jorm, Maclean e Mattews (1984,citado por Tumner, 1992), que demonstraramque o conhecimento das letras e as capacidadesde segmentao fontica, avaliados entrada pa-ra a escola, eram de 39 medidas, os melhores

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    preditores do desempenho da leitura aps doisanos de escolaridade. No entanto atravs deuma anlise de regresso, os autores concluramque o conhecimento das letras s por si poucocontribua para a varincia nos resultado da lei-tura, depois de retirada a varincia devida s ca-pacidades de segmentao fonmica.

    Tambm num estudo de Tumner & Nesdale(1988), foi demonstrado que os conhecimentosfonolgicas e de letras tem um efeito interactivopositivo nas capacidades de descodificao gra-fo-fonticas. Neste trabalho os autores, avalia-ram 101 crianas do primeiro ano de escolari-dade em provas de leitura de pseudopalavras,conscincia fonolgica e conhecimentos deletras. Os autores verificaram que eram as crian-as que simultaneamente conheciam mais letrase tiveram melhores resultados nas provas fono-lgicas, que tinham melhores pontuaes no tes-

    te de descodificao de pseudopalavras. Ascrianas que conheciam bastantes letras masque no dispunham de competncias fonolgicastiveram resultados na prova de leitura significa-tivamente piores, o que confirma a importnciada conscincia fonolgica para que as crianasbeneficiem do conhecimento do nome das letras.

    2. OUTRA DIMENSO DO CONHECIMENTOMETALINGUSTICO: AS REPRESENTAES

    INFANTIS SOBRE A ESCRITA

    2.1. Conceptualizaes infantis e aprendiza-gem da leitura

    O desenvolvimento da conscincia dos sonsque compem a fala , um componente impor-tante para o sucesso na aprendizagem da leitura,no entanto outra dimenso fundamental paraesse processo tem a ver com o modo como ascrianas pensam sobre a linguagem escrita.

    Previamente entrada para a escola as crian-as constrem hipteses sobre o que a escrita

    representa. Essas hiptese correspondem a dife-rentes momentos evolutivos em termos das con-cepes que as crianas dispem sobre a lingua-gem escrita, as quais podem estar mais ou menosprximas do princpio alfabtico.

    No momento da entrada para a escola ascrianas encontram-se em diferentes momentos

    desse percurso evolutivo; algumas crianas aindano relacionam o escrito com o oral, outras pro-curam j ajustar as suas produes ao oral, maisconcretamente sequncia silbica, outras ainda,comearam j a tentar proceder a uma fonetiza-o da escrita procurando seleccionar as letrasque melhor correspondem aos sons das palavras.

    Vrios estudos procuram relacionar os conhe-cimentos precoces das crianas sobre a lingua-gem escrita e o seu sucesso na aprendizagem daleitura, demonstrando que o nvel conceptual dascrianas um bom preditor do sucesso em lei-tura.

    Um estudo de Ferreiro (1988, citado por Al-ves Martins, 1994), evidencia que a passageminstitucional de classe no primeiro ano de esco-laridade est correlacionada com as conceptua-lizaes infantis ao nvel da escrita: as crianasque produzem escritos pr-silbicos tm dez ve-

    zes mais probabilidades de no transitarem deano do que os seus colegas que produzem es-critos silbicos, silbico-alfabticos ou alfab-ticos.

    Tambm Margarido (1989, citada por AlvesMartins, 1994), demonstrou que 45% da varin-cia nos desempenhos em leitura no final do pri-meiro ano de escolaridade era devida s con-ceptualizaes infantis sobre a escrita.

    Estes dados sugerem claramente que as con-ceptualizaes infantis sobre a escrita entradapara a escola, vo interagir com aquilo que lhes transmitido na escola, vo influenciando o modocomo os contedos ensinados vo ser assimila-dos pelas crianas.

    Queramos ainda referir uma investigao deAlves Martins (1994), que ao estudar a relaoentre os resultados num teste de leitura silen-ciosa no final do primeiro ano de escolaridade eo nvel de desenvolvimento metalingustico dascrianas medido atravs de vrias variveis de-monstrou que as variveis mais fortemente cor-relacionadas com os resultados em leitura erampor ordem de significncia, o conhecimento dasletras, o nvel de conceptualizaes sobre a lin-

    guagem escrita e a capacidade da sntese fonmi-ca.

    Este trabalho tem um enorme mrito de rela-cionar o resultado de duas linhas de investigaoque raramente se cruzam: os estudos relativos sconceptualizaes infantis sobre a escrita e asinvestigaes que incidem sobre a importncia

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    da conscincia fonolgica sobre a aprendizagemda leitura. Assim esta investigao atende nombito dos conhecimentos metalingusticos dascrianas entrada para a escola no s a avalia-o de competncias fonolgicas mas tambm aavaliao dos conhecimentos das crianas rela-tivamente s relaes entre a linguagem escrita eoral.

    2.2. Conceptualizaes infantis e conscincia fonolgica: que tipo de relaes poss-

    veis?

    Os trabalhos no mbito da anlise das con-ceptualizaes infantis sobre a escrita temsubjacente uma viso construtivista inerente aodesenvolvimento dos conhecimentos sobre alinguagem escrita.

    Para Ferreiro (1995), as descobertas relativa-

    mente s vrias hipteses conceptuais que ascrianas constrem sobre a linguagem escritaconfirmam os princpios gerais da teoria constru-tivista piagetiana, os quais tem a seguinte espe-cificao no que respeita ao modo como ascrianas se apropriam da linguagem escrita:

    Assim deste ponto de vista considera-se queas crianas so sujeitos activos, construindo osseus conhecimentos progressivamente ao tenta-rem assimilar a informao proporcionada pelomeio. Nesse processo de apropriao as crianaselaboram hipteses sobre as propriedades do

    sistema de representao escrita as quais orien-tam as suas produes escritas e interpretaesque fazem das marcas grficas antes de saberemler. Esses esquemas conceptuais ao serem con-frontados com novas informaes, so frequen-temente reelaborados pelas crianas de modo aintegrar novos dados assimilveis ou de modo amanter a consistncia interna das conceptualiza-es construdas.

    So estas caractersticas do funcionamento in-fantil que permitiram criana evoluir de hip-teses conceptuais onde a escrita ainda no orientada por critrios lingusticos, para hip-teses onde se estabelecem relaes sistemticasentre o oral e o escrito. Primeiro segundo regrasmeramente quantitativas (uma letra aleatria/

    /uma slaba), depois com tentativas de fonetiza-o da escrita, numa primeira fase ainda segundoa regulao silbica posteriormente procedendoanlises que vo para alm da slaba e que con-

    duzem aos escritos alfabtico-silbico e alfab-tico.

    Os autores que estudam a problemtica daconscincia fonolgica no reflectem geralmentesobre este tipo de questes relativas ao processode apropriao da linguagem escrita, consideran-do apenas que as competncias fonolgicasconstituem uma capacidade importante para queo processo ensino/aprendizagem em contextoformal de instruo da leitura, surta efeito. Im-plicitamente esta posio engloba a ideia de queo acesso ao princpio alfabtico e s condutas dedescodificao o resultado da aprendizagem doalfabeto e das correspondncias grafo-fonticas,onde o sucesso dessa aprendizagem mediadopelas competncias fonolgicas.

    Os trabalhos sobre a conscincia fonolgicano tm geralmente em conta os dados das in-vestigaes no mbito das conceptualizaes

    infantis sobre a linguagem escrita (e vice-versa,alis).

    E no entanto, os trabalhos sobre as conceptua-lizaes infantis sobre a escrita demonstram quepreviamente entrada para a escola, as crianas

    j pensaram sobre a escrita que podem encontrarno seu meio ambiente e tm ideias prprias sobreas propriedades da escrita e sobre o que ela re-presenta, construindo uma srie de hiptesesgeneticamente ordenadas que podem estar maisou menos prximas da realidade alfabtica.

    Este facto, (e quando atendemos ao conjunto

    de dados disponveis por estas duas correntes deinvestigao), permite-nos levantar problemti-cas de vria ordem, nomeadamente questes re-lativas aos mecanismos subjacentes construode hipteses conceptuais mais evoludas porparte das crianas as quais j reflectem umarelao mais sistemtica entre a linguagem oral eescrita e questes relativas ao papel da conscin-cia fonolgica relativamente construo das hi-pteses conceptuais caractersticas de cada umdos momentos evolutivos identificados.

    O primeiro problema obriga-nos a questionar-nos sobre os quais os aspectos e propriedades dalinguagem escrita a criana consegue descobrirsozinha atravs da explorao do material gr-fico e quais as caractersticas cuja compreensoeventualmente implicam algum tipo de instruoexplicita (de modo formal ou informal).

    Ferreiro (1988), no entanto, nunca equacionaesta ltima hiptese de modo explicito, defen-

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    conduz a uma repetio das mesmas letras namesma palavra (nomeadamente de vogais).

    O terceiro conflito tem a ver com as diferen-as que as crianas encontram entre as suas pro-dues reguladas pela hiptese silbica e escritadas pessoas alfabetizadas.

    Para a autora so estes conflitos que induzema criana a proceder a uma anlise que v paraalm da slaba, a qual conduz ao surgimento dosescritos albabtico-silbicos e posteriormente oacesso hiptese alfabtica.

    Este tipo de argumentao leva-nos a colocarvrios problemas, nomeadamente:

    Uma vez que as crianas pr-escolares tmgrande dificuldade em segmentar e em identi-ficar as unidades fonticas da fala ser que aresoluo deste tipo de conflitos requer que ascrianas tenham desenvolvido competncias deanlise do oral ao nvel da segmentao fonmi-

    ca.Ou ser que estes problemas cognitivos que a

    criana enfrenta promovem s por si o desenvol-vimento deste tipo e competncias fonolgicasmais elaboradas, at por que este nvel conce-ptual implica j o conhecimento de algumas le-tras e a reflexo sobre a sua adequao aosequivalentes sonoros das palavras.

    Por outras palavras, estas questes reflectemao nvel produes alfabtico-silbicas a mesmaproblemtica que Ferreiro, equaciona para odesenvolvimento da hiptese silbica. A pri-

    meira hiptese que apontmos concebe a possi-bilidade de que a evoluo para produes es-critas que ultrapassam a anlise da slaba reque-rem que a criana disponha de algumas compe-tncias fonmicas, deixando em aberto como que as crianas aplicariam essas capacidades stentativas de correspondncia grafo-fonticas(ou seja por exemplo, como que essas capaci-dades podero potenciar mais ou menos estesalto, em funo da quantidade de letras queas crianas conhecem?).

    A segunda hiptese prev o desenvolvimentoda capacidades de anlise fonmica medidaque a criana faz algumas tentativas de escritaque permitam resolver os problemas cognitivosanteriormente referidos. Neste caso a reflexopor parte da criana sobre a relao entre as le-tras seleccionadas e as partes sonoras das pala-vras que lhe correspondem potncia a conscin-cia fonmica, efeito potenciador que ser tanto

    maior quanto maior o nmero de letras que acriana conhece. Esta hiptese no invalida, noentanto, que essas competncias se possam de-senvolver em paralelo atravs da reflexo sobreo oral.

    E mais uma vez, estes dois percursos poss-veis podero no ser necessariamente incompa-tveis.

    Outra questo a colocar e que remete para aprimeira ordem de problemas que colocamos oseguinte: atendendo a que este tipo de capacida-des de anlise fonmica parecem decorrer daaprendizagem da leitura e da instruo relativas correspondncias grafo-fonticas, ser queeste tipo de conflitos ocorrem para a maior partedas crianas apenas num contexto explicito deinstruo alfabtica?

    Estas vrias questes e hipteses (que care-cem de resposta no quadro actual de investiga-

    o), apontam-nos pistas para a investigao nosentido de procedermos anlise de como seprocessa a interaco entre as competncias fo-nolgicas (nos seus vrios nveis), e a construode hiptese por parte das crianas sobre as leissubjacentes codificao na linguagem escrita.

    Mais concretamente interessa-nos analisar seas competncias fonolgicas (e a que nvel) po-dero ser desenvolvidas atravs de restruturaoinduzidas a partir de hiptese infantis sobre aescrita. Mas igualmente, precisar como ou secompetncias fonolgicas (de diferentes nveis),

    desenvolvidas atravs de programas de treinoiro ser utilizadas/integradas por parte das crian-as nos seus processos de apropriao conceptu-al sobre o que escrita representa.

    Estamos neste momento, ainda a recolherdados que nos permitam de um modo integradoobter respostas para estas questes, mas pode-mos j apresentar resultados de duas experin-cias.

    3. O ESTUDO

    As duas experincias que vamos apresentarfazem parte de um projecto mais amplo que visaanalisar a interaco entre o desenvolvimento decompetncias fonolgicas (nos seus diversosnveis), e o modo como as crianas vo cons-truindo hipteses sobre as leis inerentes a codifi-cao no sistema alfabtico.

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    No caso especfico das investigaes em cau-sa centramo-nos na problemtica equacionadapor Ferreiro (1988), a propsito da transio deprodues infantis ainda no determinadas porcritrios lingusticos para produes j reguladaspela hiptese silbica (ainda que numa perspecti-va meramente quantitativa: uma letra/uma sla-ba).

    Mais concretamente interessava-nos ir ver,por um lado se a evoluo para um nvel conce-ptual silbico teria repercusses nas capacidadesinfantis de anlise das palavras nos seus se-gmentos orais, mas por outro lado queramosigualmente observar se um programa de treinoincidindo especificamente sobre a conscincia daslaba teria repercusses nas representaes in-fantis sobre a escrita.

    3.1.Experincia 1

    3.1.1. A Amostra

    Trabalhmos com 20 crianas de 5/6 anos de2 jardins de infncia. As crianas provinham deum meio scio-cultural homogneo (mdio-alto),tal como eram equivalentes as abordagens peda-ggicas dos colgios em termos das actividadesdesenvolvidas no mbito de uma pr-primria,privilegiando nomeadamente tarefas relaciona-das com a motricidade fina e a coordenao vi-

    suo-espacial.

    3.1.2. Objectivos e hipteses

    Esta experincia tem no essencial dois objecti-vos:

    a) Avaliar se a evoluo conceptual de um n-vel de escrita pr-silbica para a hiptesesilbica comporta progressos nas compe-tncias fonolgicas.

    b) Precisar em que tipo de tarefas que se re-gistam esses progressos.

    Estes objectivos foram operacionalizados nasseguintes hipteses:

    a) A evoluo das hipteses conceptuais in-fantis de um nvel pr-silbico para umnvel silbico aumenta as competncias fo-nolgicas.

    b) Os progressos ao nvel das competnciasfonolgicas vo incidir em todo o tipo detarefas que envolvem a manipulao dasunidades silbicas, mas no em tarefas querequerem a manipulao de unidades fon-ticas.

    3.1.3. Procedimento

    FASE I PR-TESTE

    A primeira fase deste trabalho incluiu apassagem de quatro instrumentos de maneira aseleccionarmos apenas crianas cujas produesescritas no fossem determinadas por critrioslingusticos e ao mesmo tempo que garantissema homogeneidade das crianas em relao s

    competncias fonolgicas disponveis a partida,nmero de letras conhecidas e capacidades inte-lectuais.

    As provas utilizadas foram as seguintes:

    Avaliao das conceptualizaes infantis

    sobre a escrita

    De modo a analisarmos as conceptualizaesinfantis sobre a escrita utilizmos uma entrevistaclnica de tipo piagetiano, onde solicitmos scrianas que escrevessem um determinado n-mero de palavras do modo como quisessem,

    sendo-lhes igualmente pedido que lessem o quetinham escrito.O nmero de palavras propostas foi anormal-

    mente elevado em relao ao que habitual: fo-ram ditadas setenta palavras dividas por cincosesses. O elevado nmero de palavras ditadasdeveu-se nossa preocupao em que esta provativesse uma extenso sensivelmente equivalente bateria de provas fonolgicas, para que o efei-to de treino, que sempre resulta de uma situaode avaliao, fosse equiparvel neste dois dom-nios de competncia.

    A listagem de palavras a ditar foram divididasem cinco grupos em funo de alguns critriosque passamos a explicitar:

    Grupo I palavras de tamanho igual e quereenviam para referentes de tamanho diferente(ex., urso/rato)

    Grupo II palavras de tamanho diferentes e

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    reenviam para referentes semelhantes (ex., rapo-sa/co)

    Grupo III palavras da mesma famlia (ex.,lua/luar)

    Grupo IV ditado de uma palavra e do res-pectivo plural (ex., gato/gatos)

    Grupo V Ditado de um grupo de palavrascom repetio de uma delas (ex., asa... mala...fato... asa).

    Esta prova era a primeira a ser passada por sero critrio de seleco fundamental para a nossainvestigao.

    A partir da anlise do conjunto de escritosproduzidos e do seu comportamento durante aentrevista, seleccionmos crianas cujas produ-es escritas foram consideradas pr-silbicas.Assim seleccionmos crianas que enquanto es-creviam no tentavam relacionar a linguagem es-crita com a linguagem oral, no produziam ver-

    balizaes durante a tarefa e a sua leitura daspalavras era global. Nas suas produes estascrianas consideravam que as palavras tm de terum nmero mnimo de letras e variavam a posi-o das letras na escrita de palavras diferentes.

    Avaliao das competncias fonolgicas

    No sentido de avaliar a conscincia fonol-gica foram construdas uma bateria de provas fo-nolgicas que incluem seis subtestes, que dife-rem em funo da unidade lingustica a mani-pular (slaba ou fonema), e das exigncias cogni-

    tivas subjacentes tarefa (do mero reconheci-mento de semelhanas fonolgicas, passandopor competncias de segmentao e manipulaodeliberada de segmentos orais).

    Assim esta bateria procurou incluir algumadas vrias tarefas utilizadas nos vrios estudosque incidem sobre a avaliao da conscincia fo-nolgica, nomeadamente:

    a) Tarefas de classificao onde as crianasdeveriam categorizar duas palavras/alvoem quatro, segundo um critrio de slabainicial idntica ou fonema inicial idntico.

    Ambas as provas tm 14 itens sendo cadaresposta correcta pontuada com um ponto.

    b) Tarefas de segmentao onde era solicitadas crianas que pronunciassem isolada-mente as slabas ou os fones das palavras.Tambm neste caso cada uma das provas(anlise silbica e anlise segmental), tem

    14 itens, e cada resposta correcta classi-ficada com um ponto. No caso da prova deanlise segmental, dez dos itens so cons-titudos por palavras monossilbicas e ape-nas 4 itens incluem palavras bissilbicas,de modo a facilitar a tarefa.

    c) Tarefas de manipulao, onde era pedido scrianas que eliminassem uma slaba ou umfone de uma palavra, originando sempreuma no-palavra. A prova de supresso daslaba inicial tem 14 itens, mas a prova desupresso do fonema inicial tem 24 itens.Nesta prova os itens esto agrupados dois adois, ou seja existem sempre dois itensque comeam pelo mesmo fonema, umadas palavras monossilbica e onde o fo-nema inicial corresponde ao ataque da sla-ba, sendo mais fcil de realar, e a outra bissilbica. Mais uma vez, em ambas as

    provas cada resposta correcta pontuadacom um ponto.

    Todas as provas foram aplicadas usando umsuporte figurativo para as palavras de modo adiminuir as exigncias da tarefa em termos derequisitos mnsicos.

    Conhecimento do nmero de Letras

    Para avaliar o conhecimento do nome das le-tras, foram apresentados a cada criana 23 car-tes com as letras do alfabeto em letra de im-prensa numa ordem aleatria. As crianas eramquestionadas no sentido de avaliar se conheciamcada uma das letras e de as nomearem.

    Posteriormente era contabilizado o nmero deletras conhecido por cada criana.

    Avaliao do nvel intelectual

    Foi aplicado individualmente a cada criana,as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, se-guindo o procedimento estandardizado. Este tes-te foi seleccionado por poder ser passado emcrianas desta faixa etria e pela sua rpida e f-cil aplicao.

    FASE II SITUAO EXPERIMENTAL

    Nesta fase as crianas foram divididas emdois grupos (10 crianas no grupo experimentale 10 no grupo de controle), tendo a preocupao

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    Progressos ao nvel das Competncias Fo-nolgicas

    Atravs da comparao das mdias do soma-trio das pontuaes nas vrias provas obtidasno pr e ps-teste, no grupo experimental e decontrolo, possvel obter um indicador do efeitodo treino conceptual nas competncias fonol-gicas infantis. Assim a mdia das pontuaesglobais nas provas fonolgicas aumentou de34.0 para 49.0 no grupo experimental, enquantono grupo de controlo subiu apenas 29.6 para37.5.

    Uma avaliao mais definitiva deste efeito, foiefectuada atravs do modelo linear de Ward eJennings (1983), desenvolvida por Ramalho(1996), o qual permite analisar a especificidadedas consequncias do treino, a partir da compa-rao dos resultados emparelhados nas provasfonolgicas no pr e ps-teste para o mesmo

    grupo de sujeitos.Esta anlise estatstica confirma a existncia

    de diferenas significativas nos valores da mu-dana (f=8.3703 para o nvel de significncia de0.01), a favor das crianas do grupo experimen-tal.

    Este modelo foi igualmente aplicado na an-lise dos desempenhos dos sujeitos do grupo ex-perimental e de controlo no pr e ps-teste, emrelao a cada uma das provas, permitindo ava-liar a especificidade do efeito do treino con-ceptual no que respeita aos vrios tipos de tare-

    fas fonolgicas.Assim no que respeita s provas silbicas ve-rificmos uma diferena significativa nos valoresdas pontuaes a favor das crianas do grupo ex-perimental nas provas de supresso de slaba ini-cial e anlise silbica (respectivamente f=5.1963,ao nvel de significncia de 0.05 e f=5.221, nomesmo nvel de significncia).

    A comparao das mdias obtidas pelo grupoexperimental e de controlo no pr e ps-teste,confirma uma evoluo das pontuaes mdiasde 4.0 para 12.7 para o grupo experimental eapenas de 2.0 para 6.6 para o grupo de controlona prova de supresso da slaba inicial. A mesmacomparao para a prova de anlise silbica su-gere um aumento da pontuao mdia de 11.3para 13.6 para o grupo experimental entre o pr eps-teste, enquanto que para o grupo de controloo aumento foi de 11.4 para 11.8.

    Na prova de classificao da slaba inicial,

    no houve diferenas significativas no registoevolutivo dos sujeitos do grupo experimental ede controlo entre o pr e ps-teste. Estes resulta-dos podero ser explicados por um efeito detecto, na medida que ambos os grupos obti-veram pontuaes muito elevadas, tanto no prcomo no ps-teste.

    Em relao s provas fonmicas, s na provade classificao do fonema inicial se registaramdiferenas significativas no desempenho dossujeitos entre o pr e o ps-teste, a favor dossujeitos do grupo experimental (f=9.009, nonvel de significncia de 0.01). Este facto con-firmado por se verificar um aumento das pon-tuaes mdias de 5.7 para 8.2 no grupo expe-rimental entre o pr e ps-teste, enquanto para ogrupo de controlo a evoluo foi de 5.2 para 5.3.

    Nas outras duas provas, supresso do fonemainicial e anlise segmental, no se verificaram

    diferenas significativas, tendo os resultados si-do extremamente baixos (pontuaes mdias naordem dos zero e um valor), quer no pr quer nops-teste.

    3.1.5. Discusso dos resultados

    O conjunto de resultados apresentados suge-rem em primeiro lugar que a transio de nveisconceptuais no determinados por critrios lin-gusticos para nveis conceptuais silbicos, me-lhoram genericamente as competncias fonol-

    gicas infantis, tendo sobretudo efeitos positivosna capacidade das crianas em manipular cogni-tivamente unidades silbicas.

    O tipo de treino proposto neste caso s crian-as induzindo-as a relacionar a linguagem escritacom a linguagem oral (atravs da leitura de es-critos j determinado pela hiptese silbica), areflectir sobre a linguagem oral (para poderemantecipar o nmero de letras a utilizar), e a isolarcada um dos segmentos silbicos das palavras(pela leitura do que estaria representado em cadaletra), conduziu a uma restruturao da suasrepresentaes sobre a escrita e elaborao deuma nova regra para a regulao dos seus escri-tos: a cada slaba da palavra emitida correspondeuma letra. A compreenso e utilizao desta re-gra nas suas produes escritas tem inerenteuma exercitao continuada na decomposio emanipulao das unidades silbicas, na medidaque a hiptese silbica joga com a necessidade

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    de se proceder sistematicamente a correspondn-cias entre as partes das palavras emitidas e aspartes da palavra escrita. Da no ser surpre-endente que as crianas que foram submetidas aeste treino melhorassem significativamente nasprovas fonolgicas e em particular aquelas querequeriam manipulaes cognitivas mais sofis-

    ticadas das unidades silbicas como o caso daprova de supresso da slaba inicial.

    Voltando problemtica que Ferreiro equacio-na relativamente ao sentido das interaces sobreos conhecimentos gerais sobre a linguagem e acompreenso da escrita na evoluo para os es-critos silbicos, ela coloca duas hipteses pos-sveis, como referimos anteriormente. Mais con-cretamente ela afirma ... que de acordo com aprimeira hiptese, o desenvolvimento no nveloral que conduziria a criana a uma silabaoprogressiva, que encontraria, em dado momento,

    um ponto de aplicao na escrita, conforme asegunda hiptese, seriam duas vias independen-tes sobre a slaba que depois se combinariam,mas apario da silabao seria uma respostaacarretados pela compreenso da escrita, e nosimplesmente uma habilidade obtida noutroscontextos (1988, op. cit.).

    Os resultados obtidos no nosso estudo no nospermitem optar definitivamente por nenhumadestas hipteses mas permitem-nos levantar al-gumas pistas. Assim os dados que obtivemosevidenciam que as crianas ao nvel do pr-teste dispunham de algumas competncias deanlise silbica evidenciados pela elevada taxade sucesso que obtiveram nas provas de anlisesilbica (80% para o Grupo Experimental e 84%para o Grupo de controlo), e classificao daslaba inicial (89% para o Grupo Experimental e86% para o Grupo de controlo), o que sugere quecapacidades como a de segmentao silbica, ede categorizao com base em slabas comuns,se desenvolvem no nvel oral.

    Mas por outro lado, a resoluo de certos pro-blemas cognitivos colocados pela escrita,nomeadamente o da relao entre a totalidade e

    as partes da palavra, torna as crianas capazesduma manipulao mais hbil das unidade sil-bicas. Esta hiptese fundamentada quandoanalisamos as taxas de sucesso no pr e ps-testedo grupo experimental na tarefa de supresso daslaba inicial (respectivamente, 28.5% e 90.7%),e as comparamos com as taxas de sucesso obti-

    das pelo grupo de controle nos mesmos momen-tos (respectivamente 20% e 47%).

    Este efeito da reflexo sobre a escrita na ca-pacidade de manipulao das unidades silbicas confirmado quando olhamos para os dados deum estudo de Rosner e Simon (1971, citado porAlves Martins, 1994), o qual evidencia que na

    tarefa de supresso da slaba inicial a taxa de su-cesso das crianas de seis anos de 50%.

    Consideramos esta tarefa mais emblemticaem relao aos progressos das crianas na mani-pulao das unidades silbicas, porque se tratade uma tarefa mais difcil do ponto de vista dasoperaes cognitivos necessrias ao seu desem-penho bem sucedido do que, por exemplo, a tare-fa de segmentao silbica, sendo por outro ladoa prova onde a evoluo dos desempenhos mais acentuada.

    A transio para representaes silbicas da

    escrita no teve, como seria de esperar, qualquerefeito no desempenho das crianas nas tarefas desegmentao fontica e supresso do fonema ini-cial. Os dados que existem sugerem que estas ta-refas apresentam taxas de sucesso muito baixasem crianas de idade pr-escolar (Liberman, etal., 1974; Fox & Routh, 1975; Yop, 1988), odesempenho adequado nestes dois tipo de tarefasparece ser uma consequncia da aprendizagemda leitura (Wagner & Torgesen, 1987; Perfetti,1987; citados por Tumner et al., 1991).

    No entanto, foi possvel observar uma consis-tente melhoria dos desempenhos das crianas dogrupo experimental na tarefa de classificao dofonema inicial (estas crianas evoluram de umataxa de sucesso de 40% para 58% do pr para ops-teste, enquanto as crianas do grupo de con-trolo apresentaram uma taxa de sucesso de 37%nos dois momentos avaliativos).

    Este tipo de tarefas que requerem a categori-zao de palavras com base num fonema inicialcomum, no exigem que a criana seja capaz deproceder a uma representao isolada das vriasunidades fonticas constituintes das palavras,nem qualquer manipulao cognitiva das mes-

    mas, sendo por isso mais simples que as ante-riormente referidas. A maior facilidade desta ta-refa em particular decorre ainda do facto dofonema inicial das palavras coincidir com o ata-que da primeira slaba, e existem evidenciasempricas que sugerem que em tarefas de com-parao, as crianas obtm melhores resultados

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    na deteco de fonemas comuns quando estescorrespondem ao ataque da palavra (Treiman &Zukowsky 1991).

    Os dados obtidos por ns, sugerem que areflexo sobre a linguagem oral implicita a cons-truo da hiptese silbica ter tido consequn-cias na capacidade das crianas para isolar fone-mas desde que estes formem o ataque da palavra,ou seja, ter tido algum efeito na sensibilidadeinfantil a diviso ataque/rima de uma slaba co-mo meio de avaliar que, por exemplo, a palavramala e mota partilham um som inicial comum.

    3.2.Experincia II

    3.2.1 A Amostra

    Mais uma vez trabalhamos com 20 crianas

    de 5/6 anos que frequentavam os mesmos jardinsde infncia da populao utilizada na experinciaanterior, do mesmo nvel scio-cultural.

    3.2.2. Objectivos e hipteses

    Um outro contributo para o esclarecimento daproblemtica enunciada por Ferreiro passa poravaliar que impacto ter um treino fonolgicocentrado nas unidades silbicas nas represen-taes infantis sobre a escrita, em crianas cujosescritos no so determinados por critrios lin-

    gusticos. Esta questo o objecto de estudo des-ta segunda experincia que apresentamos. Estaexperincia tem no essencial os seguintes objecti-vos:

    a) Avaliar se um treino fonolgico centradonas unidades silbica comporta progressosna representaes infantis sobre a escrita.

    b) Avaliar que consequncias tem um treinofonolgico centrados nas unidades silbicasnas competncias fonolgicas infantis.

    Estes objectivos foram operacionalizados nas

    seguintes hipteses:a) Os progressos fonolgicos na manipulao

    de unidades silbicas permite s crianascujos escritos no so determinados porcritrios lingusticos evoluir para um nvelconceptual silbico.

    b) Um treino fonolgico centrado nas unida-

    des silbicas, permite s crianas melhoraro seu desempenho em tarefas que implicama conscincia da slaba, mas no em tarefasque implicam a conscincia de fonemas.

    3.2.3. Procedimento

    FASE I PR-TESTE

    Nesta fase utilizamos os mesmos instrumentosreferidos para a experincia anterior. Assim co-meamos por efectuar a prova de ditado demodo a seleccionar crianas que estavam aindanuma fase de escritas pr-silbicas. Seguida-mente essas crianas foram avaliadas com amesma bateria de provas fonolgicas anterior-mente utilizada, foram avaliadas em relao ao

    nmero de letras conhecidas, e foi-lhes passadoas Matrizes Progressivas Coloridas de Raven.

    FASE II SITUAO EXPERIMENTAL

    Nesta fase as crianas foram igualmente di-vididas pelo grupo experimental e grupo de con-trolo (com dez crianas cada), tendo mais umavez a preocupao dos grupos serem homog-neos ao nvel das competncias fonolgicas, n-mero de letras conhecidas e nvel intelectual.

    As crianas do grupo experimental foramsubmetidas a um programa de treino com 8 ses-ses, que tinha como objectivo promover as ca-pacidades de anlise e manipulao de unidadessilbicas.

    Este treino inclua tarefas de anlise silbicaem relao a palavras que variavam entre umaslaba a quatro slabas. Neste tipo de tarefa ascrianas deveriam contar os bocadinhos daspalavras colocando um pino por cada slaba.Sempre que a crianas no era bem sucedida era-lhe fornecido feed-back com modelao.

    Outro tipo de tarefas trabalhadas eram tarefas

    de categorizao de palavras em funo da slabainicial comum. Neste caso as crianas deveriamseleccionar entre uma srie de quatro palavrasapresentadas com suporte figurativo, duas quepartilhavam a mesma slaba inicial. Se as crian-as no tinham sucesso eram induzidas a pro-nunciar devagarinho a primeira slaba de cada

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    rimental (f=8.720, no nvel de significncia de0.01). Esta diferena no corresponde, no en-tanto, a uma evoluo significativa na evoluodos desempenhos na medida em que as mdiasno ps-teste no grupo experimental continuam aser muito baixas (do pr para o ps-teste o Gru-po Experimental registou uma evoluo de 1.3para 2.9 numa prova cujo valor mximo seria14). Os dados acima apresentados so explic-veis pelo facto de ter havido uma diminuio nodesempenho dos sujeitos do grupo de controlodo pr para o ps-teste (no pr-teste o Grupo decontrolo obteve uma pontuao mdia de 2.6 eno ps-teste de 1.8).

    Evoluo Conceptual dos sujeitosEste treino fonolgico centrado nas unidades

    silbicas teve repercusses significativas nasrepresentaes infantis sobre a escrita. Todas as

    crianas do grupo experimental apresentavam nops-teste escritos silbicos, procedendo sistema-ticamente a tentativas de correspondncia entre ooral e o escrito. Este facto fundamentado noapenas atravs das suas produes grficas (ondepor sistema aparecia uma letra para uma slaba),mas igualmente pelo comportamento das crian-as enquanto escreviam. Quase todas as crianasantes de escreverem as palavras, pronunciavam-nas, antecipando ao mesmo tempo que contavamos bocadinhos das palavras, o nmero de le-tras a escrever, e procediam a uma leitura silbi-

    ca dos seus escritos.Em relao s crianas do grupo de controlo,a maior partes das suas produes continuavamcentradas no critrio de quantidade mnima deletras e variao intrafigural, no se registandouma correspondncia sistemtica entre o oral e oescrito. Essa correspondncia apenas apareciaesporadicamente ao nvel da leitura, quando emalguns dos escritos, o nmero de grafemas utili-zados enquadrava no nmero de slabas dapalavras. No entanto, de assinalar que um dossujeitos do grupo de controlo passou a efectuarsistematicamente escritos silbicos.

    3.2.5. Discusso dos resultados

    Em primeiro lugar, e em relao ao efeito deum treino fonolgico centrado nas unidades sil-bicas, de salientar que este treino melhorou osdesempenhos das crianas nas tarefas silbicas

    mas igualmente em algumas das tarefas emenvolviam unidades fonticas, pondo em causauma das nossas hipteses iniciais.

    Assim e como seria de esperar as crianas dogrupo experimental, tiveram taxas de sucessomuito elevadas em todas as tarefas silbicas nops-teste (96% na tarefa de classificao da sla-ba Inicial; 97% na anlise silbica e 77% na su-presso da slaba inicial, enquanto no pr-teste astaxas de sucesso eram respectivamente 53.5%,79% e 12%). O efeito deste treino nos resultadosdos subtestes silbicos particularmente eviden-te na tarefa de supresso inicial uma vez o pa-dro evolutivo mais saliente e que os desem-penhos de partida eram mais baixos. Este efeito igualmente realado pelo facto de as crianasdo grupo de controlo apresentarem taxas de su-cesso que se podem considerar elevadas nas tare-fas de classificao da slaba inicial e anlise si-

    lbica (respectivamente 79% e 89% no ps-testepartindo de taxas de sucesso de 63.5 e de 62.5),mas no tanto na tarefa de supresso do slabainicial (47% partindo de uma taxa de sucesso de20%). Como j foi referido estas taxas de suces-so correspondem a padres evolutivos estatisti-camente significativos a favor do grupo experi-mental em relao s tarefas de classificao daslaba inicial e supresso da slaba inicial.

    Curiosamente, no final do treino, as crianasdo grupo experimental apresentavam taxas desucesso razoveis em dois dos subtestes fonmi-

    cos (75% na classificao do fonema inicial e63% na supresso do fonema inicial), sobretudose atendermos s taxas de sucesso iniciais(respectivamente de 42.8% e 12.1%), e se ascompararmos com as taxas de sucesso do grupode controlo (respectivamente de 42% e 21%,partindo de uma base de sucesso de 35% e 9%).

    Estes resultados tem igualmente que serequacionados em funo do nvel de dificuldadeda tarefa. Assim a tarefa de classificao dofonema inicial uma tarefa que requer que acriana seja capaz de segmentar o fonema inicialdas palavras e avaliar aquelas que o primeirofonema idntico, mas uma tarefa que no exi-ge uma representao isolada das vrias unida-des fonticas constituintes das palavras. Treiman(1992), concebe este tipo de tarefas como umaforma de avaliar a capacidade das crianas deanalisar as slabas no seu ataque e rima, enqua-drando esta capacidade como uma forma inter-

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    mdia de conscincia fonolgica entre capaci-dade de segmentao silbica e fontica. Por ou-tro lado, Sawyer (1991) considera que as capa-cidades de segmentao fontica so precedidaspor fases intermdias onde as crianas comeampor ser capaz de isolar os fonemas iniciais oufinais das palavras.

    Em relao a tarefa de supresso do fonemainicial, esta concebida como uma tarefa parti-cularmente difcil do ponto de vista cognitivo,porque exige uma grande sobrecarga de mem-ria. Um trabalho de Rosner e Simon (1971, ci-tado por Gombert), evidencia que o grau de difi-culdade da tarefa varia em funo da posio dofonema a subtrair (a supresso do fonema inicialteria um nvel de dificuldade intermdio, maisdifcil que a supresso dum fonema final, masmais fcil do que a subtraco de um fonemaintermdio), apresentado para as crianas das

    idades da nossa amostra uma taxa de sucesso de7% em relao a supresso do fonema inicial.Treiman (1992) refere, no entanto, que a perfor-mance neste tipo de tarefa poder ser facilitadaatravs da diviso ataque/rima, apresentandodados que sugerem que as crianas de idade pr-escolar podero aprender a suprimir o fonemainicial desde que este coincida com o ataque dapalavra.

    Resumindo os dados, que apresentamos suge-rem que um programa de treino centrado nasunidades silbicas parece favorecer o desem-penho em algumas tarefas de natureza fontica,cujo acesso pode ser obtido atravs da conscin-cia de unidades intra-silbicas.

    Do ponto de vista terico estes resultadosparecem confirmar a perspectiva de Treiman,que defende que a capacidade de segmentar aspalavras em fonemas antecedida pela capaci-dade de analisar as slabas em ataque e rima, evi-denciando que um programa de treino silbicodesenvolve a sensibilidade infantil em relao sunidades intra-silbicas.

    Este programa no teve, no entanto, grandesconsequncias ao nvel da conscincia fontica,

    (no sentido de se ser capaz de segmentar e repre-sentar isoladamente as unidades fonticas deuma palavra), na medida que os resultados daprova de anlise segmental, continuaram a sermuito baixos no ps-teste.

    Outro aspecto a salientar neste estudo, oefeito que este treino parece ter tido nas repre-

    sentaes infantis sobre a escrita. De facto, osresultados apontam que a crescente capacidadeinfantil para manipular deliberadamente as uni-dades silbicas, enquanto consequncia do trei-no, foi aplicada pelas crianas no modo comopassaram a conceber a linguagem escrita, indu-zindo-as a construo da hiptese silbica.

    No contexto destes dados parece-nos impor-tante reflectir sobre quais os aspectos do treinotero sido mais pertinentes para este progressoconceptual. De algum modo parece-nos plausvelafirmar que o aumento do controle conscientesobre as unidades silbicas, ter sobretudo de-corrido do treino relativo a tarefa da supressoda slaba inicial. Esta tarefa obriga a que numprimeiro tempo a uma analise da palavra apre-sentada de modo a extrair a slaba e num se-gundo tempo, um trabalho de sntese para re-constituir as slabas restantes. Gombert (1990),

    considera alis, que o subteste mais fivel paradeterminar a capacidade infantil de manipulaometafonolgica da unidade silbica exacta-mente a tarefa da supresso da slaba inicial. Acapacidade para manipular deliberadamente asunidades silbicas como uma consequnciasobretudo no treino desta tarefa, parece ser umaconcluso aceitvel se pensarmos, por outrolado, que as taxas de sucesso nas outras tarefassilbicas j eram relativamente elevadas no pr-teste (por ex., na tarefa de anlise silbica apre-sentava ndices de sucesso de 79.2 no Grupo Ex-perimental e 62% no Grupo de Controlo).

    Parece-nos que esta capacidade crescente demanobrar cognitivamente as unidades silbicas,e no apenas a sensibilidades aos componentessilbicos das palavras, a dimenso fonolgicapertinente para que a criana comece a estabe-lecer relaes sistemticas entre a linguagemoral e escrita. Este ponto de vista parece de al-gum modo confirmado quando verificamos queo treino conceptual da experincia anterior, teveum efeito dramtico nos resultados obtidos nestatarefa elas crianas do grupo experimental ao n-vel do ps-teste.

    4. CONCLUSES

    A conjugao dos resultados das duas expe-rincias aqui descritas sugerem que as duas hip-teses colocadas por Ferreiro (1988), a propsito

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    do sentido das interaces dos conhecimentosgerais linguisticos e a compreenso da lingua-gem escrita, na transio para a construo da hi-ptese silbica, so igualmente viveis.

    Os dados apresentados confirmam que a tran-sio de uma representao pr-silbica da escri-ta para uma representao silbica comportaefeitos significativos na capacidade de manipu-lao metafonolgica das unidades silbicas.Mas por outro lado, um treino silbico centradosobre o oral e onde a partir desse treino, a crian-a passa a ser capaz no apenas de decompor aspalavras nas suas slabas mas de manipularcognitivamente essas unidades, tem efeitos namaneira como a criana passa a conceber o sis-tema de representao escrita. Estes resultadoscomportam ento a ideia que os processo detomada de conscincia em relao a linguagemneste caso especificamente em relao s unida-

    des silbicas, podem ser potenciados por duasvias paralelas uma baseada na reflexo sobre asprodues escritas, outra baseada na reflexo so-bre o oral que se assistem mutuamente.

    Esta concluso , no entanto, ainda abusivaem relao ao sentido da interaco entre aconscincia fonmica e a evoluo para hipte-ses conceptuais alfabtico-silbica ou alfabtica,da a pertinncia da aplicao deste paradigmade investigao em relao aos nveis evolutivosseguintes.

    Mais ainda parece-nos que a realizao deste

    tipo de investigao, poder contribuir para oesclarecimento da polmica conscincia fonol-gica causa ou consequncia da aprendizagem daleitura. Ou pelo menos para reequacionar o mo-do como esta polmica colocada. Provavel-mente mais importante do que tentar responder aesta questo genrica, passarmos efectuar in-vestigaes mais finas, que atendam s diferen-tes formas de conscincia fonolgica, e as con-sigam relacionar com as vrias fases de apropria-o da linguagem escrita ou com as vrias fasese formas de leitura.

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    RESUMO

    Este artigo procura analisar a relao entre o desen-volvimento das competncias fonolgicas e a evoluodas conceptualizaes infantis sobre a escrita emcrianas pr-silbicas, atravs de dois estudos em-pricos. No primeiro procurou-se proceder a um treinono sentido de induzir uma restruturao das repre-sentaes das crianas sobre a escrita. O treino reve-

    lou-se eficaz no sentido de fazer evoluir as crianaspara um nvel conceptual silbico. Por outro ladoverificou-se nas crianas submetidas a este programa

    uma evoluo das suas competncias de anlise dooral sobretudo ao nvel da manipulao de unidadessilbicas. No segundo estudo procedeu-se a um pro-grama de treino fonolgico com incidncia nas unida-des silbicas. Este treino permitiu uma evoluo signi-ficativa das crianas ao nvel das suas competnciasfonolgicas, e teve igualmente reflexos nas representa-es infantis sobre a escrita na medida que as pro-

    dues das crianas passaram a ser reguladas pelahiptese silbica.

    Palavras-chave: Conscincia fonolgica, Concep-tualizaes infantis sobre a escrita, Aprendizagem daleitura.

    ABSTRACT

    This article tries to analyse the relationship betweenthe development of phonological competence and theevolution of childrens conceptions about written lan-guage, in pr-syllabic children through two empiricalstudies. In the first one we used a training programmewith the purpose of producing changes in the waychildren represent written language. The trainningwas efficient since all the children progressed to alevel that represents written language related to thesyllabic hypothesis. Also the children that were sub-mitted to this programme made progress in their pho-nological skills, most of all in their abilities to mani-pulate syllabic units. The second research is centeredin a phonological training programme focused in thesyllabic units. Through this training programme thechildren made significant progress in their phonologi-cal skills, but this programme had also implications inthe way children represent written language, sincetheir written productions became regulated by the

    syllabic hypothesis.Key words: Phonological Awareness, Conceptions

    about written language, Reading acquisition.

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