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Guia de Estudos B CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS Tópico A Tópico A Tópico A Tópico A – Operações de paz e a reforma do setor de segurança Operações de paz e a reforma do setor de segurança Operações de paz e a reforma do setor de segurança Operações de paz e a reforma do setor de segurança Tópico B Tópico B Tópico B Tópico B – A situação no Afeganistão A situação no Afeganistão A situação no Afeganistão A situação no Afeganistão Bruno Roda Fracarolli Eduardo Pereira Baptista Ferreira dos Santos Gabriel de Castro Souza Juliana Barraviera Giglio Laura Pereira Ludwig Alfons Lamm Menke Matheus Melhado Telles Sílvia Mara Lopes Conceição

CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS · auxílio humanitário e da proteção civil no processo de reforma do setor de segurança (PERMANENT MISSION OF THE REPUBLIC OF ANGOLA

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Guia de Estudos B

CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS

Tópico A Tópico A Tópico A Tópico A –––– Operações de paz e a reforma do setor de segurançaOperações de paz e a reforma do setor de segurançaOperações de paz e a reforma do setor de segurançaOperações de paz e a reforma do setor de segurança

Tópico B Tópico B Tópico B Tópico B –––– A situação no AfeganistãoA situação no AfeganistãoA situação no AfeganistãoA situação no Afeganistão

Bruno Roda Fracarolli Eduardo Pereira Baptista Ferreira dos Santos Gabriel de Castro Souza Juliana Barraviera Giglio Laura Pereira Ludwig Alfons Lamm Menke Matheus Melhado Telles Sílvia Mara Lopes Conceição

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SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO

CARTA DE APRESENTAÇÃO............................................................................................................................ 3

POSICIONAMENTO DAS REPRESENTAÇÕES ............................................................................................. 4

MEMBROS DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS ............................................. 4

MEMBROS OBSERVADORES ..................................................................................................................... 12

AS OMP DA ONU E A REFORMA DO SETOR DE SEGURANÇA ............................................................. 17

As OMP tradicionais da ONU ................................................................................................................ 17

As OMP multidimensionais ................................................................................................................... 21

BREVE HISTÓRICO DO AFEGANISTÃO – DA FORMAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO ATÉ O FIM DA

GUERRA FRIA .................................................................................................................................................... 26

Antecedentes à formação da nação .................................................................................................... 26

A independência ..................................................................................................................................... 29

A Guerra Fria ............................................................................................................................................ 29

O AFEGANISTÃO E A “GUERRA AO TERROR” .......................................................................................... 33

O regime talibã e a al-Qaeda ................................................................................................................. 33

O pós-11 de setembro: a operação Liberdade Duradoura ............................................................... 34

A OTAN e suas operações no Afeganistão ........................................................................................35

A ATUAL SITUAÇÃO DO AFEGANISTÃO .................................................................................................. 41

A situação política ................................................................................................................................... 41

A situação econômica ............................................................................................................................. 41

A situação social: a crise humanitária ................................................................................................ 43

Novos desafios: a ascensão do Estado Islâmico ............................................................................... 45

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CARTA DE APRESENTAÇÃOCARTA DE APRESENTAÇÃOCARTA DE APRESENTAÇÃOCARTA DE APRESENTAÇÃO

Prezados delegados,

Bem-vindos ao comitê do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU).

Gostaríamos de apresentar a nossa equipe, composta por alunos do curso de Relações

Internacionais da FACAMP: o diretor-geral, Ludwig Menke, do 3° ano; o diretor do comitê, Gabriel

Souza, do 3° ano; e os diretores-assistentes, Eduardo Baptista, do 3º ano; Bruno Roda, do 1° ano; e

Laura Pereira, do 1° ano.

A necessidade de se discutir uma mudança no setor de segurança, bem como a atual

situação do Afeganistão, é fundamental, e, neste ano de 2015, após duas edições do FAMUN, pela

primeira vez realiza-se um comitê duplo do CSNU, de modo que os debates poderão ser realizados

tanto pelos alunos do ensino médio quanto pelos do ensino superior. Nós esperamos que vocês,

delegados, possam ter um debate frutífero e se esforcem para realizar uma discussão dinâmica ao

longo dos dias do FAMUN.

A proposta deste comitê surgiu em 2014, e agora, em setembro de 2015, com muito

trabalho e empenho, conseguiremos realizar este momento único e que será bem lembrado por

novos diretores e delegados que participarão de novas edições desse evento realizado pelas

Faculdades de Campinas (FACAMP).

Nós estamos ansiosos pela presença de vocês e à disposição para quaisquer questões a

respeito de nosso comitê. Esperamos que estejam preparados!

Atenciosamente,

Ludwig Alfons Lamm Menke – Diretor-geral

Gabriel de Castro Souza - Diretor

Bruno Roda Fracarolli – Diretor-assistente

Eduardo Pereira Baptista Ferreira dos Santos – Diretor-assistente

Laura Pereira – Diretora-assistente

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POSICIONAMENTO DAS REPRESENTAÇÕESPOSICIONAMENTO DAS REPRESENTAÇÕESPOSICIONAMENTO DAS REPRESENTAÇÕESPOSICIONAMENTO DAS REPRESENTAÇÕES

MEMBROS DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDASMEMBROS DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDASMEMBROS DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDASMEMBROS DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS

AngolAngolAngolAngola (República de Angola)a (República de Angola)a (República de Angola)a (República de Angola)

Angola tem um papel ativo nas discussões da ONU sobre a reforma do setor de segurança

e outras áreas relacionadas à consolidação da paz e segurança internacional, em especial na

África e na região Subsaariana. Tanto que, em 2006, Ismael Gaspar Martins, seu embaixador

junto à ONU, foi eleito para presidir a então recém-criada Comissão de Construção da Paz das

Nações Unidas (Peacebuilding Commission, em inglês). Por ter recebido quatro operações de paz,

Angola adquiriu experiência na área e contribui ativamente com a mobilização de recursos para

essas operações. Ademais, o país defende a importância das forças de segurança e defesa, do

auxílio humanitário e da proteção civil no processo de reforma do setor de segurança

(PERMANENT MISSION OF THE REPUBLIC OF ANGOLA TO THE UNITED NATIONS, 2015;

GOVERNO DE ANGOLA, 2015).

Angola considera necessário rever o cronograma de saída das tropas americanas do

território afegão, dada a importância do trabalho da OTAN em relação à assistência às forças de

segurança nesse país. Também considera um objetivo importante o diálogo nacional e regional

para a reintegração e reconciliação afegã. Além disso, destaca o suporte internacional – a médio e

longo prazo – como essencial para o desenvolvimento econômico e defende a necessidade de uma

melhor coordenação das doações recebidas pelo Afeganistão, para que elas estejam alinhadas

com os programas nacionais de reforma. Quanto às drogas, enfatiza a necessidade de medidas

para a diminuição do cultivo de papoulas e o aumento do controle de narcóticos (UNITED

NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

Chade (República do Chade)Chade (República do Chade)Chade (República do Chade)Chade (República do Chade)

Para o Chade, a reforma no setor de segurança é essencial tanto para a construção da paz

quanto para a prevenção de conflitos. O país realizou uma reforma no seu setor de segurança

entre os anos de 2007 a 2010 e, por isso, considera que tal reforma, ao ser realizada em outros

países, deve incluir todos os elementos desse setor e estabelecer instituições que melhorem a

segurança da população e do país, de forma eficaz e profissional. Para o país, a reforma do setor

de segurança deve ser um processo guiado por estratégias e prioridades em âmbito nacional, além

de levar em consideração o nível sub-regional (UNITED NATIONS, 2015; UNITED NATIONS

SECURITY COUNCIL, 2014 a).

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Em relação à situação do Afeganistão, o Chade acredita que o governo afegão deva

aumentar a sua vigilância após a saída da Força Internacional de Assistência para Segurança

(ISAF, em inglês), para evitar que grupos extremistas e combatentes estrangeiros se estabeleçam

em seu território. O Chade também defende que tráfico de drogas no Afeganistão seja erradicado

por meio de uma cooperação fronteiriça e luta conjunta entre os Estados vizinhos. Por fim,

defende que haja um aumento na assistência humanitária, principalmente às pessoas deslocadas

internamente (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

Chile (República do Chile)Chile (República do Chile)Chile (República do Chile)Chile (República do Chile)

Para o Chile, a reforma do setor de segurança será mais efetiva se seu planejamento e

implementação em âmbito nacional forem integrados à coordenação das organizações regionais e

sub-regionais. Ao mesmo tempo, apoia que o Estado receptor da reforma deva determinar como

ela será feita, a partir das prioridades nacionais, garantindo os recursos necessários esse fim. O

país também destaca a importância da transparência e da participação civil – inclusive das

minorias – na reforma do setor de segurança, tanto na discussão quanto na formulação das

políticas que serão aplicadas. O processo também deve estar sujeito ao controle e à supervisão

das instituições democráticas para garantir o respeito aos direitos humanos e às liberdades

fundamentais, além de promover uma reconciliação nacional e favorecer a reconstrução do tecido

social do país (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 a).

O Chile estabelece como prioridade de curto prazo, no caso do Afeganistão, a realização

das eleições parlamentares e municipais, com ativa participação feminina e apoio internacional. O

combate à corrupção, à crise humanitária, ao tráfico de drogas e ao terrorismo deve ser colocado

como prioridade na atuação da ONU, focando especialmente na proteção civil, frente ao cenário

propício ao extremismo. Em longo prazo, o Chile aponta a necessidade do comprometimento dos

países doadores e de instituições financeiras internacionais para financiar a economia afegã e

defende o foco no desenvolvimento, na segurança e na cooperação regional e internacional

contínua (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

ChiChiChiChina (República Popular da China)na (República Popular da China)na (República Popular da China)na (República Popular da China)

A China aponta que, para haver uma reforma mais efetiva no setor de segurança, a ONU

deve garantir que o processo seja feito de maneira nacional, atendendo aos interesses do país.

Cabe também à ONU prover treinamento e consultoria para melhorar a capacidade do setor de

segurança dos países receptores da reforma. Outro ponto defendido pela China é que o

planejamento dessa reforma deve levar em consideração o cenário e as circunstâncias específicos

do país receptor. Além disso, acredita que, com o auxílio da ONU, a RSS possa estar integrada a

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uma estratégia de reconstrução e desenvolvimento. Segundo a China, a ONU também deve agir

como uma coordenadora entre os países que necessitam de assistência e aqueles que possam dá-

la. Tal coordenação deve ser feita por meio de uma melhor comunicação entre os diferentes

departamentos e as organizações regionais e sub-regionais, por meio de workshops, cursos de

treinamento e intercâmbio de pessoas (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 a).

Para a China, a comunidade internacional deve dar suporte e contribuir para o

fortalecimento das capacidades em todas as áreas que colaborem para a estabilidade do

Afeganistão. A UNAMA deve respeitar e fortalecer a comunicação e a cooperação com a

liderança afegã, além de auxiliar na reconciliação nacional. Também deve honrar seus

compromissos e colaborar ativamente para o desenvolvimento da economia afegã, com base nas

prioridades nacionais. A China aconselha que o governo afegão intensifique a cooperação

regional, principalmente na área econômica (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

Espanha (Reino da Espanha)Espanha (Reino da Espanha)Espanha (Reino da Espanha)Espanha (Reino da Espanha)

A reforma do setor de segurança, para a Espanha, deve ser liderada pelos interesses

nacionais, com a criação de forças policiais e de segurança competentes, que cumpram e estejam

sob a lei, além de um sistema legal e penitenciário independente. A garantia da proteção a grupos

vulneráveis, a necessidade de reformas flexíveis aos diferentes cenários, baseadas nos princípios

da boa governança, dos direitos humanos e da lei e um diálogo intenso e contínuo com as

autoridades nacionais são, para a Espanha, cruciais. Todas as instituições e estruturas de

segurança devem estar à disposição da população, e cabe à ONU e aos demais parceiros o papel

de fornecer às autoridades nacionais os instrumentos necessários para tanto (UNITED NATIONS

SECURITY COUNCIL, 2014 b).

A Espanha apoia que haja uma cooperação contínua da comunidade internacional com o

governo afegão no processo de transição que se iniciou a partir da renovação do mandato da

UNAMA, em 2015. Esse processo deve ser tratado com urgência pelas instituições e autoridades

afegãs, de modo a se criar um governo de unidade nacional. As autoridades também devem se

comprometer a cumprir seu programa de governo, que visa à garantia de progressos nas áreas de

democratização, boa governança e direitos humanos, em particular os das mulheres. Além disso, a

Espanha recomenda que o governo se empenhe na construção da paz e na reconciliação nacional

e mantenha boas relações com os países vizinhos (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL,

2015).

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Estados UniEstados UniEstados UniEstados Unidos (Estados Unidos da América)dos (Estados Unidos da América)dos (Estados Unidos da América)dos (Estados Unidos da América)

Para os Estados Unidos, a reforma no setor de segurança deve incluir estruturas efetivas

que se adequem às necessidades e prioridades de cada país, devendo ser feita de forma nacional,

pois, sem um comprometimento político local, os esforços internacionais seriam ineficientes. Por

isso, a ONU deve estar pronta para dar assistência, caso requisitada pelo governo local.

Entretanto, o país também enfatiza que a reforma deve garantir o respeito aos direitos humanos e

que garanta uma situação na qual não haja o retorno da violência. Para tanto, são necessárias

reformas políticas voltadas para a reconciliação nacional e a justiça transicional, o que deve incluir

treinamentos além do militar, que incorporem estratégias para responder às ameaças aos civis e

prevenir a violência sexual nos conflitos. (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 a).

Os Estados Unidos defendem como prioridades para o governo afegão a criação de um

gabinete presidencial e uma reforma eleitoral, que tenham como base os padrões internacionais,

para garantir o sucesso das eleições parlamentares e das eleições distritais. Consideram

necessária a continuidade da profissionalização da defesa e das forças nacionais com apoio

internacional, incluindo a feita pela Missão de Assistência da OTAN. Por fim, os Estados Unidos

apoiam o comprometimento do governo afegão com a erradicação do uso da tortura no país

(UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

França (República Francesa)França (República Francesa)França (República Francesa)França (República Francesa)

A França defende que, no que tange à reforma do setor de segurança, devam ser

implementadas instituições de segurança transparentes, efetivas e justas, que funcionem com um

sistema de boa governança e respeitem os princípios democráticos e os direitos humanos.

Segundo o país, a reabilitação da polícia e dos serviços judiciais deve ser uma prioridade na

reforma, pois eles contribuem para a legitimidade do Estado frente à população. Além disso,

argumenta que, no processo de reforma, não devem ser usadas forças policiais que tenham

infringido os direitos humanos. A França também afirma que a reforma do setor de segurança

apenas terá resultados positivos se houver o total suporte e comprometimento das autoridades

nacionais, bem como o diálogo entre a sociedade civil, os agentes nacionais e as unidades que

implementarão a reforma (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 a).

Quanto ao Afeganistão, a França considera que, para garantir a estabilidade do país e dar

continuidade ao processo de reconciliação nacional, é fundamental a parceria com países da

região e a melhoria na defesa das fronteiras. O país apoia os esforços da OTAN em território

afegão e reconhece a importância da Missão de Suporte Resoluto no treinamento das tropas

afegãs. Além disso, apoia a mobilização das autoridades afegãs para o combate ao tráfico e

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produção de drogas e reitera a importância da ONU e dos parceiros internacionais para a garantia

do desenvolvimento do Afeganistão (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

JordâniJordâniJordâniJordânia (Reino Hashemita da Jordânia)a (Reino Hashemita da Jordânia)a (Reino Hashemita da Jordânia)a (Reino Hashemita da Jordânia)

A posição da Jordânia quanto à reforma do setor de segurança é de que esse processo

deve criar um setor de segurança profissional, efetivo e eficiente e que respeite os direitos

humanos e a lei local. O processo de reforma deve ser conduzido pela liderança nacional, com a

cooperação de organizações regionais e sub-regionais, além, é claro, da ONU, e precisa levar em

consideração as mudanças de cenário no país receptor da reforma. A Jordânia destaca que

qualquer mandato do Conselho de Segurança em relação à reforma do setor de segurança deve

ser feito com a constante consulta às autoridades locais para garantir que os interesses nacionais

sejam contemplados (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 a).

O país defende, em relação ao Afeganistão, o diálogo com as facções afegãs e a consulta a

elas, de modo a evitar sabotagens ao processo de reconciliação nacional. Também recomenda o

aumento da proteção aos civis em relação a ameaças e atividades terroristas; o combate à

corrupção; e a proteção dos direitos humanos – neste caso, principalmente por meio do

julgamento de violadores dos direitos humanos. O governo afegão também deve, segundo a

Jordânia, dar mais ênfase às instituições civis do setor de segurança e garantir maior participação

da mulher. A cooperação internacional, principalmente regional, é essencial para o

desenvolvimento econômico afegão (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

LLLLituânia (República da Lituânia)ituânia (República da Lituânia)ituânia (República da Lituânia)ituânia (República da Lituânia)

A Lituânia defende que haja uma ligação entre a reforma do setor de segurança e a

reforma de outros setores, como o de desmobilização e reintegração, o que pode oferecer uma

alternativa de vida para os combatentes. Segundo o país, o processo deve ser conduzido pela

autoridade nacional, com a participação de toda a sociedade, fortalecendo, assim, o contrato entre

o Estado e a população. Para a Lituânia, a reforma do setor de segurança deve focar-se em

medidas como a reforma da polícia e do sistema judiciário e também de combate à corrupção, de

julgamento de crimes e de garantia dos direitos humanos, com ajuda especial àqueles que estão

sendo reintegrados nas estruturas de segurança. Além disso, a Lituânia ressalta a importância da

constante revisão das medidas adotadas nos países que conduziram reformas no setor de

segurança (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 a).

A prioridade imediata no Afeganistão, segundo a Lituânia, é fortalecer a economia,

principalmente nos setores da agricultura, da mineração e de serviços. As autoridades afegãs

devem se engajar no combate à corrupção, à economia ilícita, ao narcotráfico e à fraude no uso de

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fundos públicos, além de melhorar o processo de reforma eleitoral. Também enfatiza a

necessidade de aumentar a presença da mulher afegã nas esferas econômica, social e política e de

derrubar a lei de violência à mulher, além de promover acesso à justiça e assistência às vítimas.

Para a Lituânia, a assistência e cooperação internacionais são importantes para esse processo e

para o desenvolvimento afegão (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

MalásiaMalásiaMalásiaMalásia ((((Federação da MalásiaFederação da MalásiaFederação da MalásiaFederação da Malásia))))

Segundo a Malásia, são necessárias revisões e melhoras contínuas na reforma do setor de

segurança. Esse processo deve ser dirigido por autoridades locais, em consulta com as partes

interessadas. O país enfatiza a importância de a reforma ser inclusiva, pois, caso não haja diálogo,

reconciliação e consultas entre as partes, ela falhará. Reconhece como benéficas as parcerias Sul-

Sul em áreas como a identificação de especialistas que deem o apoio necessário ao processo de

reforma. Defende que os fundos necessários devem ser providos pelos parceiros internacionais,

mas que os mandatos das operações de paz sejam formulados em conjunto com as autoridades

locais. Apoia a melhora das capacidades de monitoração e avaliação da ONU, levando em

consideração o cenário nacional e o planejamento da reforma ao formular as missões de paz. A

maior coordenação entre os representantes do secretário-geral, os comandantes das forças e das

agências da ONU também é vista como importante pelo país malaio (UNITED NATIONS

SECURITY COUNCIL, 2014 a).

No caso afegão, a Malásia considera importante o alinhamento das organizações e dos

recursos internacionais com as prioridades estabelecidas pelo novo governo. O contínuo suporte

da ONU e de doadores da comunidade internacional é essencial para o processo de reconciliação

nacional pelo qual o Afeganistão passa. A nação malaia acredita em um diálogo moderado entre

os diferentes grupos políticos do país, de forma a buscar interesses comuns e combater as visões

extremistas. Por fim, a Malásia assume um comprometimento no auxílio às autoridades afegãs

nos processos de reforma, reconciliação e reintegração nacional (UNITED NATIONS SECURITY

COUNCIL, 2015).

NigériaNigériaNigériaNigéria (República Federal da Nigéria)(República Federal da Nigéria)(República Federal da Nigéria)(República Federal da Nigéria)

A Nigéria vê a reforma do setor de segurança como essencial para a manutenção da paz e

da segurança internacionais. Além disso, argumenta que a reforma deve ocorrer além das

atividades habituais de treinamento e equipamento das forças policiais e militares: é necessário

garantir a governança democrática e a fiscalização civil das atividades governamentais, de modo

que os responsáveis pela segurança não se tornem ameaças à sociedade. Ademais, a Nigéria

ressalta que é importante haver uma troca de experiências entre países que passaram ou estão

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passando por um processo de reconstrução, em conjunto com a assistência técnica e financeira

(UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 a).

Segundo a Nigéria, para a construção de um Afeganistão unido, deve haver transparência

e governança inclusiva. A prioridade deve ser dada à melhoria das capacidades institucionais e da

infraestrutura. Em relação ao crescimento econômico, a Nigéria considera essencial o

financiamento externo, que deverá aumentar, caso o governo afegão crie um cenário propício à

entrada de capital estrangeiro. É também essencial o suporte internacional, tanto no combate ao

tráfico de drogas quanto na angariação de fundos para a retirada de minas terrestres, fundamental

para a garantia da segurança dos civis (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

Nova ZelândiaNova ZelândiaNova ZelândiaNova Zelândia

Segundo a Nova Zelândia, a reforma do setor de segurança exige a coordenação do CSNU

com as autoridades locais e parceiros internacionais, em especial com a Comissão de Construção

da Paz. O país defende que a assistência aos países receptores deve ser formulada levando em

consideração as necessidades locais, pois um pré-requisito para a reforma é que o processo seja

nacional. Os objetivos prioritários na reforma do setor de segurança, para a Nova Zelândia, são a

ajuda às lideranças políticas nacionais e a assistência técnica nos níveis nacional, regional e sub-

regional. A capacitação de autoridades nacionais para fazer suas próprias reformas, a revisão e

adaptação constantes do processo e a cooperação com aqueles que têm experiência prática

regional são também defendidos pelo país (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 b).

A Nova Zelândia vê como vitais, para o processo de transição nacional no qual o

Afeganistão se encontra atualmente, uma liderança nacional unificada e o suporte da UNAMA e

da comunidade internacional a esta. Além disso, destaca a importância de avanços no processo de

reforma eleitoral e na promoção do papel da mulher na sociedade afegã. Também defende a

estabilidade da Força Nacional de Segurança Afegã e a reconciliação das autoridades afegãs com

o Talibã; e por fim, recomenda maior atenção ao desenvolvimento econômico afegão, com a ajuda

da comunidade internacional (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

Reino Unido Reino Unido Reino Unido Reino Unido (Reino Unido da G(Reino Unido da G(Reino Unido da G(Reino Unido da Grãrãrãrã----Bretanha e Irlanda do Norte)Bretanha e Irlanda do Norte)Bretanha e Irlanda do Norte)Bretanha e Irlanda do Norte)

Para o Reino Unido, as prioridades da reforma do setor de segurança devem ser proteger a

população e reduzir a violência, buscando criar condições para a implementação do processo de

reforma o mais rapidamente possível. Os mandatos das operações de paz da ONU devem ser

claros, para evitar desentendimentos, e as necessidades mais urgentes devem ser priorizadas.

Outros pontos importantes são a cooperação entre os representantes da ONU e as autoridades

locais e o fortalecimento da interação interna entre os departamentos da ONU e entre a ONU e as

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organizações regionais, como forma de haver uma comunicação concisa e rápida para a

coordenação das atividades ligadas ao processo de reforma do setor de segurança (UNITED

NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 a).

O Reino Unido defende como fundamentais, no caso do Afeganistão, a continuidade do

suporte financeiro da UNAMA e dos doadores internacionais à agenda do governo afegão, além

da continuidade da disciplina fiscal por parte do governo. Garantir a paz sustentável por meio de

um acordo político, com reconciliação nacional, é vital para a nação afegã. Ademais, o Reino Unido

se compromete a dar treinamento, assistência e consulta ao Afeganistão nos combates aos

insurgentes, ressaltando a importância de evitar a morte de civis (UNITED NATIONS SECURITY

COUNCIL, 2015).

Rússia (Federação Russa)Rússia (Federação Russa)Rússia (Federação Russa)Rússia (Federação Russa)

Para a Rússia, a reforma do setor de segurança só deve ser feita com a concordância do

país que a receberá, de forma a respeitar os princípios de soberania e independência política. Pelo

mesmo motivo, os governos devem decidir as prioridades para a reforma, coordenar sua

implantação e assumir as responsabilidades pelos resultados. Assim, a pressão externa excessiva

e a imposição de um modelo de reforma devem ser evitados, e a situação específica do país deve

ser levada em consideração. Além disso, a Rússia defende o desenvolvimento de uma abordagem

compreensiva e equilibrada no que se refere ao apoio político e financeiro aos países em situação

de pós-conflito. Também ressalta a importância do Fundo de Construção da Paz como potencial

financiador dos projetos de reforma, que garanta o fortalecimento da cooperação e de troca de

experiências entre os Estados da região e as organizações regionais e sub-regionais (UNITED

NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 a).

Segundo a Rússia, a ISAF deixou o território do Afeganistão sem cumprir o que foi

acordado no mandato proferido pelo CSNU, ao não formular um relatório compreensivo sobre a

sua presença de 13 anos no país. A Federação Russa espera que a liderança da OTAN na Missão

de Suporte Resoluto seja mais consciente, e para isso, defende maior monitoramento de suas

atividades. A reconciliação entre as partes em conflito deve ser feita em conjunto com um cessar-

fogo. A Rússia também destaca a necessidade de dar fim à atuação da al-Qaeda e de outras

organizações terroristas em território afegão, por meio da atuação do CSNU e de programas de

ação conjunta com a ONU. Outros pontos defendidos são a ação contra o tráfico de drogas e a

coordenação dos esforços civis internacionais por meio da UNAMA (UNITED NATIONS

SECURITY COUNCIL, 2015).

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Venezuela (República BolivariVenezuela (República BolivariVenezuela (República BolivariVenezuela (República Bolivariana da Venezuela)ana da Venezuela)ana da Venezuela)ana da Venezuela)

Para a Venezuela, a reforma do setor de segurança deve levar em consideração os

princípios de soberania e integridade territorial e ter como uma de suas prioridades a

reconciliação nacional. Intervenções militares devem ser evitadas ao máximo, e o processo de

reforma do setor de segurança deve ser nacional, com participação popular, e feito com o apoio da

comunidade internacional. A Venezuela defende que possíveis mudanças de cenário e a realidade

do país receptor devem ser levadas em consideração na formulação dos mandatos para a reforma

do setor de segurança e que as capacidades institucionais e a segurança interna devem ser

fortalecidas, com o apoio da comunidade internacional e de países vizinhos (UNITED NATIONS

SECURITY COUNCIL, 2015).

Em relação à questão do Afeganistão, o governo venezuelano reafirma a importância de a

sociedade afegã ter autonomia no processo, com ajuda da comunidade internacional, sendo

contrária à ocupação do território afegão, principalmente pelas tropas da OTAN. Uma das

prioridades deve ser a reconciliação nacional, com a inclusão de toda a sociedade afegã no

processo e com a participação das comunidades internacional e regional nos esforços de paz. O

governo venezuelano defende a criação de condições para a estabilidade econômica do país.

Também reconhece a necessidade do fortalecimento das capacidades institucionais, incluídas as

Forças Armadas afegãs, para neutralizar a influência de grupos extremistas na população civil.

Além disso, apoia a coordenação das agências estatais, pelo governo, para o combate ao uso e

exportação de drogas, e defende o aumento de assistência aos refugiados e desalojados afegãos

(UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

MEMBROS OBSERVADORESMEMBROS OBSERVADORESMEMBROS OBSERVADORESMEMBROS OBSERVADORES

AfeganistãoAfeganistãoAfeganistãoAfeganistão (Rep(Rep(Rep(República Islâmica do Afeganistãública Islâmica do Afeganistãública Islâmica do Afeganistãública Islâmica do Afeganistão)o)o)o)

Após a reforma do setor de segurança, as estruturas do Afeganistão atualmente estão

mais fortalecidas, devido à presença de mais de 10 anos da UNAMA em seu território. O

Afeganistão afirma que está no caminho para se tornar um membro da comunidade democrática

de nações, havendo realizado eleições presidenciais, em que foi eleito Ashraf Ghani. Quanto às

mudanças a serem feitas no país, o governo afegão se compromete a dar assistência aos

programas realizados em conjunto com a comunidade internacional, de forma a melhorar o bem-

estar civil e garantir a promoção dos direitos humanos, do desenvolvimento econômico e da

estabilidade fiscal. Além disso, defende o combate a problemas como a pobreza e a corrupção e

coloca como prioridades o processo de paz e reconciliação nacional (GOVERNMENT OF

AFGHANISTAN, 2015; UNITED NATIONS ASSISTANCE MISSION IN AFHGANISTAN, 2015).

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Para o Afeganistão, continua sendo essencial o suporte da ONU e da UNAMA,

considerando-se a influência de grupos extremistas na região, o tráfico de drogas e outros

problemas locais. O governo afegão reconhece os avanços já feitos pela UNAMA, como a criação

de uma comissão eleitoral, em 2014, que viabilizou as eleições. O país também vê como

importante a presença da OTAN, por meio da Missão Suporte Resoluto, e quer estabelecer uma

longa parceria com a OTAN (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

Irã (República Islâmica do Irã)Irã (República Islâmica do Irã)Irã (República Islâmica do Irã)Irã (República Islâmica do Irã)

O Irã defende que a reforma do setor de segurança seja conduzida pelos princípios de

responsabilidade, de garantia à soberania nacional e de adaptação do processo ao cenário local.

Além disso, argumenta que o desenvolvimento da reforma do setor de segurança deve ser

discutido na Assembleia Geral das Nações Unidas, e a formulação das estratégias deve ser feita

por um processo intergovernamental amplo. Para o Irã, a reforma só deve ser conduzida a pedido

do país em que será aplicada, sendo responsabilidades deste a decisão de estratégias, a

identificação de dificuldades e áreas de prioridade e a coordenação com a assistência

internacional (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 b).

Segundo o Irã, as atividades das tropas estrangeiras em território afegão, incluídas as da

OTAN, devem ser feitas com o consentimento do governo do Afeganistão e a constante consulta a

ele. Outro ponto fundamental é o combate ao cultivo de papoulas, com apoio das comunidades

internacional e regional, dos doadores internacionais e do UNODC (Escritório das Nações Unidas

sobre Drogas e Crimes). Outro ponto defendido envolve o aumento da assistência internacional

aos países que recebem refugiados afegãos e um esforço conjunto para a repatriação desses

refugiados. Por fim, o Irã acredita na necessidade do fortalecimento da UNAMA, levando em

consideração os avanços políticos e socioeconômicos no Afeganistão (UNITED NATIONS

SECURITY COUNCIL, 2015).

PaquistãoPaquistãoPaquistãoPaquistão ((((República Islâmica do PaquistãoRepública Islâmica do PaquistãoRepública Islâmica do PaquistãoRepública Islâmica do Paquistão))))

Segundo o Paquistão, a reforma do setor de segurança deve restaurar e fortalecer

instituições nacionais que lidem com a justiça transicional; as forças policiais e de segurança; a

desmobilização, reintegração e extensão da autoridade governamental; e o controle de

armamento e do crime organizado. Além disso, o Paquistão acredita que um setor de segurança

efetivo, profissional e transformador é aquele que tenha a confiança da população e seja

responsável por suas necessidades. O país defende que a ONU deva melhorar sua

responsabilidade pelo setor de segurança dos países receptores e criar uma melhor capacidade de

dar-lhes suporte financeiro e técnico, tanto no campo quanto nas sedes. O Paquistão também

14

defende que os processos de reforma do setor de segurança devam ser prioritários nas missões de

paz, promovam legitimidade e aceitação das instituições governamentais. A assistência

internacional deve levar em consideração as prioridades do país em questão e atenção deve ser

dada à infraestrutura, à fiscalização institucional, à governança e ao treinamento (UNITED

NATIONS SECURITY COUNCIL, 2014 b).

No caso afegão, o Paquistão apoia o uso do diálogo ao invés da alternativa militar e

defende que os termos para a reconciliação com o Talibã sejam decididos pelo governo afegão,

com o apoio da comunidade internacional. A visão paquistanesa é a de que segurança e

desenvolvimento são interdependentes, e por isso, o combate contra as conexões entre o tráfico

de drogas, o crime transnacional, a corrupção e o terrorismo deve ser uma prioridade. Medidas de

curto prazo com o objetivo de estimular a economia devem acompanhar a construção de um

cenário propício ao crescimento econômico em longo prazo, por meio da coordenação do governo

afegão. Por fim, o Paquistão acredita que a UNAMA deve dar prioridade à repatriação e ao

restabelecimento dos refugiados afegãos (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2015).

Jens Stoltenberg,Jens Stoltenberg,Jens Stoltenberg,Jens Stoltenberg, ssssecretárioecretárioecretárioecretário----geral da geral da geral da geral da OTANOTANOTANOTAN (Orga(Orga(Orga(Organização do Tratado do Atlântico Norte)nização do Tratado do Atlântico Norte)nização do Tratado do Atlântico Norte)nização do Tratado do Atlântico Norte)

A OTAN cada vez mais passa a atuar nos processos de construção da paz e no

gerenciamento de crises ao redor do mundo, expandindo sua participação nos locais que estão

realizando reformas no setor de segurança ou em processo de transição pós-reforma, como é o

caso do Afeganistão. Quando seus membros requisitam, a OTAN se utiliza das tropas dos países

para realizar suas operações, como nos casos das operações de paz e de gerenciamento de

conflitos (NORTH ATLANTIC TREATY ORGANIZATION, 2015 a).

De 2003 a 2014, a OTAN contribuiu para o processo de reforma do setor de segurança

afegão como comandante da Força Assistencial de Segurança Internacional (International Security

Assistance Force ou ISAF, em inglês), até o governo assumir a responsabilidade pela segurança

nacional. Atualmente, a organização está no comando de uma missão assistencial no Afeganistão:

a Missão de Suporte Resoluto (Resolute Support Mission, em inglês). A missão tem como foco o

treinamento das autoridades nacionais para manter o território afegão seguro de grupos

extremistas e também dá assistência e consultoria às instituições de segurança afegãs, provendo-

lhes suporte financeiro até o fim de 2017. Dentre as discussões acerca da atual situação no

Afeganistão, figura a permanência ou retirada das tropas da OTAN do território (NORTH

ATLANTIC TREATY ORGANIZATION, 2015 b).

15

Nicholas HaysomNicholas HaysomNicholas HaysomNicholas Haysom, , , , SecretárioSecretárioSecretárioSecretário----geral da geral da geral da geral da UNAMA (UNAMA (UNAMA (UNAMA (Missão de Assistência das NaMissão de Assistência das NaMissão de Assistência das NaMissão de Assistência das Nações Unidas ções Unidas ções Unidas ções Unidas

para o Afeganistão)para o Afeganistão)para o Afeganistão)para o Afeganistão)

A UNAMA é a missão de assistência da ONU em território afegão. Ela conta com uma

experiência em campo de mais de 10 anos e busca contribuir para a adequação da reforma do

setor de segurança do país. Durante sua permanência no Afeganistão, a UNAMA conseguiu,

depois de muito tempo, criar um cenário propício para o atual processo de transição, no qual

atuará segundo o novo mandato de 2015. Dentre alguns dos recentes avanços conquistados pela

UNAMA, estão as eleições de 2014 e a assistência no estabelecimento de cooperação regional

com o Paquistão e outros países da região, como a China. No entanto, a UNAMA ainda enfrenta

desafios quanto à questão da garantia da segurança no país e da agilidade do processo de

reforma, uma vez que ainda não cumpriu plenamente seus objetivos no país, tornando necessária

a emissão de consecutivos mandatos (UNITED NATIONS SECRETARY-GENERAL, 2015; UNITED

NATIONS ASSISTANCE MISSION IN AFHGANISTAN, 2015).

No presente mandato, a UNAMA está envolvida no apontamento de oficiais de justiça

para o fortalecimento da lei; na promoção da inclusão feminina na administração pública; nas

reformas eleitorais; no aumento da colaboração regional; e na assistência aos mais vulneráveis. A

UNAMA também apoia a agenda do governo afegão, que busca aumentar a distribuição de

serviços e as ofertas de emprego. Atualmente, um dos desafios da UNAMA é auxiliar no

julgamento de torturadores e no desenvolvimento de programas que exterminem essa prática.

Ademais, o fortalecimento do Estado Islâmico coloca à UNAMA o desafio de rapidamente

consolidar o processo de reconciliação nacional, de modo a garantir uma estrutura nacional capaz

de combater a influência do Estado Islâmico no território afegão (UNITED NATIONS SECURITY

COUNCIL, 2015).

REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS

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Foreign Affairs – Islamic Republic of Afghanistan, 2015. Disponível em:

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2014. Disponível em:

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16

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Permanent Mission of the Republic of Angola to the United Nations”. In: Website oficial da

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March2015.pdf>. Acesso em: 05.jul.2015.

17

AS OMP DA ONU E A REFORMA DO SETOR DE SEGURANÇAAS OMP DA ONU E A REFORMA DO SETOR DE SEGURANÇAAS OMP DA ONU E A REFORMA DO SETOR DE SEGURANÇAAS OMP DA ONU E A REFORMA DO SETOR DE SEGURANÇA

As operações de manutenção da paz (OMP) realizadas pela ONU consistem em missões

bastante complexas, que ganharam novos contornos com o desenrolar histórico e com os

resultados, tanto positivos quanto negativos, das operações implementadas em diferentes países.

As primeiras operações foram estabelecidas em um formato tradicional, apresentando

aspectos essencialmente militares, e foram predominantes desde a criação da ONU até o fim da

Guerra Fria. Atualmente, as missões têm um formato multidimensional, que se caracterizam, além

dos aspectos militares, pela busca da manutenção da paz por meio da atuação em áreas

diferentes, mais focadas em auxiliar a reestruturação dos países afetados pelo conflito.

A partir de 2008, o conceito de Reforma no Setor de Segurança (RSS) foi incorporado ao

mandato das missões multidimensionais, como uma forma eficaz e pacífica de reestruturar os

países que sofreram com conflitos, sendo uma prática ainda recente e que passa por vários

desafios. A seguir, apresentaremos com mais detalhes as características das OMP tradicionais e

multidimensionais, além das características de algumas missões já realizadas pela ONU.

As OMP tradicionaiAs OMP tradicionaiAs OMP tradicionaiAs OMP tradicionais da ONUs da ONUs da ONUs da ONU

As OMP tradicionais da ONU se caracterizam principalmente pelo envio de observadores

militares. Na maioria das operações tradicionais, a discussão chegava ao Conselho de Segurança

após as partes em conflito terem realizado algum dos seguintes acordos: de retirada de tropas; de

cessar-fogo; de retorno de refugiados; e de outros termos referentes à finalização de um conflito

entre dois países (FAGANELLO, 2013, pp. 57-58).

As funções das OMP tradicionais passavam por observar, investigar e reportar, para as

partes envolvidas e para o secretário-geral, quaisquer violações dos termos estabelecidos nos

acordos e tratados internacionais. A ONU buscava o estabelecimento da paz duradoura, e para

esse fim, aplicava diferentes abordagens, sendo a mais comum o envio de observadores militares

e tropas levemente armadas para garantir a realização dos acordos de cessar-fogo, fortalecer a

confiança entre as partes conflitantes, manter a ordem e criar buffer zones1. Os observadores

militares eram enviados com o consentimento das partes em conflito e eram gerenciados por um

representante escolhido pelo próprio secretário-geral (FAGANELLO, 2013, pp. 57-58).

Em seu mandato no país, a OMP usava a força o mínimo possível, apenas como último

recurso. A autorização do CSNU para o uso da força recaía apenas nos seguintes caso: defesa da

população; defesa dos funcionários envolvidos na missão; legítima defesa; defesa do mandato.

1 Buffer zones são delimitações no território que separam as partes em conflito.

18

Assim, a força não deveria ser usada indiscriminadamente, pois poderia dificultar o cumprimento

da operação e pôr em risco a vida da população local e dos funcionários envolvidos (FAGANELLO,

2013, pp. 74-76).

A título de ilustração, a seguir serão apresentadas algumas OMP da ONU nas quais se

destacam suas características de missões tradicionais.

Missão de Bons Ofícios das Nações Unidas no Afeganistão e Paquistão (United Nations Good Offices

Mission in Afghanistan and Pakistan – UNGOMAP)

A UNGOMAP foi criada em 1988, como uma resposta ao pedido do Conselho de

Segurança para que um representante do secretário-geral pudesse estabelecer um diálogo

diplomático entre o Afeganistão e o Paquistão, com o objetivo de supervisionar a retirada das

tropas soviéticas do primeiro país (UNITED NATIONS, 2009).

Essa missão remete ao contexto da Guerra Fria, quando mais de 100.000 soldados

soviéticos estavam presentes no território afegão desde dezembro de 1979, com o objetivo de

lutar contra a facção conhecida como resistência afegã, ou Mujahideen (UNITED NATIONS,

2009). Porém, essa mobilização gerou uma reação nos Estados Unidos, que tinham no Paquistão

um local de resistência à expansão soviética não apenas no Afeganistão, mas em toda a região

(ALMEIDA, 2004). Com vistas a resolver a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão,

ocorreram vários debates no Conselho de Segurança durante a década de 1980. Esses debates se

desdobraram em uma série de negociações indiretas em Genebra, durante as quais se estabeleceu

a UNGOMAP, em maio de 1988, com o propósito de investigar e reportar quaisquer violações

possíveis das resoluções sobre o assunto. Além disso, como pano de fundo, a UNGOMAP

contribuiria para evitar um aumento das tensões entre o Afeganistão e o Paquistão e entre a União

Soviética e os Estados Unidos (UNITED NATIONS, 2009).

O mandato específico da UNGOMAP se definiu em três áreas: “(...) o monitoramento da

(1) não interferência e não intervenção das partes nos assuntos correspondentes a cada um; (2) a

retirada das tropas soviéticas do Afeganistão; e (3) o retorno voluntário dos refugiados”2 (UNITED

NATIONS, 2009, tradução nossa). Em relação à primeira área do mandato, a UNGOMAP realizou

os bons ofícios (isto é, uma mediação diplomática com o objetivo de reatar as negociações) entre

Afeganistão e Paquistão, uma vez que ambos os governos trocavam acusações de hostilidade. Já

em relação à retirada das tropas, a UNGOMAP se reuniu com representantes soviéticos para

agendar o período e a logística da saída das tropas, que ocorreu ao longo dos anos de 1988 e 1989.

2 Do original: “(...) the monitoring of (1) non-interference and non-intervention by the parties in each other's affairs; (2) the withdrawal of Soviet troops from Afghanistan; and (3) the voluntary return of refugees” (UNITED NATIONS, 2009).

19

Por fim, em relação aos refugiados, a UNGOMAP prestou assistência a mais de 5 milhões de

refugiados afegãos que se encontravam no Paquistão e no Irã (UNITED NATIONS, 2009).

Apesar de algumas violações nos acordos entre as partes, a retirada de tropas soviéticas

foi completada com sucesso, de modo que a UNGOMAP teve seu mandato finalizado

formalmente no dia 15 de março de 1990 (UNITED NATIONS, 2009).

Grupo de Observadores Militares das Nações Unidas para Índia e Paquistão (United Nations Military

Observer Group in India and Pakistan – UNMOGIP)

A UNMOGIP foi criada em 1949, com o objetivo de supervisionar o cessar-fogo entre Índia

e Paquistão em relação à disputa pelo Estado de Jammu e pela Kashmira. Os observadores da

UNMOGIP estavam ligados à Comissão das Nações Unidas para Índia e Paquistão (United Nations

Commission for India and Pakistan – UNCIP), criada em janeiro de 1948 pelo Conselho de

Segurança, com o objetivo de mediar o conflito entre os dois países (UNITED NATIONS, 2015 c).

O conflito entre Índia e Paquistão remete aos acordos de partição estabelecidos no

processo de independência dos dois países, em 1947. Por meio do Ato de Independência Indiano

de 1947, a Kashmira teria o direito de escolher fazer parte da Índia ou do Paquistão. Sua união à

Índia provocou uma disputa bélica entre os dois países (UNITED NATIONS, 2015 c).

Com o objetivo de mediar esse conflito e dar fim a ele, a UNCIP enviou um primeiro grupo

de observadores da UNMOGIP, em janeiro de 1949, com o mandato de “(...) supervisionar, no

Estado de Jammu e na Kashmira, o cessar-fogo entre Índia e Paquistão; e dar assistência ao

Conselheiro Militar da Comissão das Nações Unidas para Índia e Paquistão (UNCIP) (...)”3

(UNITED NATIONS, 2015 c, tradução nossa). Segundo esse mandato, os observadores da

UNMOGIP eram responsáveis por acompanhar as autoridades locais no processo de fim das

hostilidades e informar e reportar a ONU sobre os avanços e retrocessos. Os observadores

deveriam se manter neutros e não causar nenhuma interferência que pudesse, de alguma forma,

dar apoio a uma das partes do conflito (UNITED NATIONS, 2015 c).

Com um acordo de cessar-fogo efetivamente concluído em julho de 1949 – o chamado

Acordo Karachi –, a UNCIP foi finalizada em março de 1951. Entretanto, o Conselho de Segurança

decidiu permanecer com os observadores da UNMOGIP, que acompanharam processos

importantes, como a efetivação do cessar fogo, em dezembro de 1971, e a assinatura do acordo

sobre uma linha de controle na Kashmira, em 1972 (UNITED NATIONS, 2015 c).

3 Do original: “(...) to supervise, in the State of Jammu and Kashmir, the ceasefire between India and Pakistan; and to assist the Military Adviser to the United Nations Commission for India and Pakistan (UNCIP) (...)” (UNITED NATIONS, 2015 c).

20

Nas décadas subsequentes, os acordos de cessar-fogo não foram suficientes para dar

termo ao conflito entre Índia e Paquistão sobre o controle das regiões de disputa. Assim, ainda

hoje, a UNMOGIP permanece com seus observadores na região, que mantêm uma posição neutra

de observação da linha de cessar-fogo estabelecida em 1972 e reportam periodicamente os

acontecimentos ao secretário-geral (UNITED NATIONS, 2015 c).

Grupo de Observadores Militares das Nações Unidas para Irã e Iraque (United Nations Iran-Iraq Military

Observer Group – UNIIMOG)

No período de 1980 a 1988, desenrolou-se um dos conflitos mais intensos da Guerra Fria: a

guerra entre Irã e Iraque. O conflito entre os dois países teve início em virtude de uma disputa

fronteiriça sobre o controle do canal Chatt-el-Arab, que escoa a produção petrolífera do Iraque

pelo Golfo Pérsico. Saddam Hussein, líder do Iraque, reivindicou o canal controlado pelo Irã,

mobilizando tropas para o interior do território iraniano. Entretanto, o conflito tinha como pano de

fundo a disputa pela liderança regional entre ambos os países (HARDY, 2005).

O Conselho de Segurança e o secretário-geral acompanharam de perto a questão,

realizando uma série de mediações, e, com o fim do conflito, em 1988, a UNIIMOG foi

estabelecida com o mandato de supervisionar o fim das hostilidades entre Irã e Iraque e a retirada

das tropas dos respectivos países (UNITED NATIONS, 2003). Houve uma série de violações dos

acordos de cessar-fogo nesse período, mas, a despeito disso, a retirada das tropas ocorreu de

forma progressiva. Em setembro de 1990, praticamente todas as tropas já tinham sido removidas

do território. Por conta disso, nessa data, o mandato da UNNIMOG foi renovado, com três

objetivos:

- verificar, confirmar e supervisionar os estágios finais de retirada;

- ajudar as partes a resolver quaisquer tensões locais que pudessem emergir, por exemplo, como resultado das diferenças sobre a exata linha da fronteira, movimentações para frente, disparos acidentais etc.;

- auxiliar as partes no estabelecimento de uma área de separação C em cada lado da fronteira, na qual cada parte concordaria em não mobilizar forças militares4 (UNITED NATIONS, 2003, tradução nossa).

Esse mandato foi cumprido em fevereiro de 1991, o que levou ao término da missão, e os

países prosseguiram para o processo de estabelecimento da paz.

4 Do original: “to verify, confirm and supervise the remaining stages of the withdrawal; to help the parties to resolve any local tensions that might arise, e.g., as a result of differences about the exact line of the border, moves forward, accidental firings, etc.; to assist the parties in establishing an area of separation C an area on either side of the border into which each party would agree not to deploy military forces” (UNITED NATIONS, 2003).

21

As OAs OAs OAs OMP multidimensionaisMP multidimensionaisMP multidimensionaisMP multidimensionais

Pode-se dizer que as OMP multidimensionais tiveram início com o fim da Guerra Fria, uma

vez que, cessadas as intervenções organizadas pela União Soviética e pelos Estados, diversos

conflitos regionais surgiram a partir de 1990. Ademais, com um CSNU mais unificado

ideologicamente e menos travado pelos vetos simultâneos entre União Soviética e Estados

Unidos, foi possível uma tomada de decisões mais eficaz no que se refere às operações de paz

(FAGANELLO, 2013, pp. 64-65).

As OMP multidimensionais levam esse nome devido à sua característica de ter uma

atuação em áreas mais abrangentes, e não mais fixa ao uso de militares e observadores, como: o

desenvolvimento de estruturas político-sociais democráticas; a proteção dos direitos humanos e

civis da população local; e o auxílio na reestruturação do setor de segurança do país

(FAGANELLO, 2013, p. 66). Assim, ressalta-se que:

As peacekeeping operations multidimensionais são desdobradas tendo como objetivo não apenas manter a paz e a segurança, mas facilitar o processo político; proteger civis; auxiliar no processo de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) de ex-combatentes às forças oficiais; organizar eleições; proteger e promover os direitos humanos; apoiar e criar instituições governamentais legítimas e efetivas, bem como instituir o rule of law (FAGANELLO, 2013, pp. 66-67, grifos da autora).

Em 2008, foi incorporado às OMP multidimensionais o conceito de reforma do setor de

segurança, por meio do qual as forças da ONU auxiliam países recém-saídos de um conflito

interno a reestruturar sua própria força de segurança nacional. Assim, todas as instituições que

provêm segurança para um país e seus cidadãos, como as forças policial e militar, recebem auxílio

das OMP da ONU, como treinamentos, táticas e suporte, para que o país não se torne dependente

de forças militares externas e possa solucionar autonomamente seus problemas de segurança

(UNITED NATIONS, 2015 e).

A título de ilustração, a seguir, serão apresentadas algumas OMP da ONU, nas quais se

destacam suas características de missões multidimensionais, incluída a ênfase na reforma do

setor de segurança do país receptor.

Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (United Nations Stabilization Mission in Haiti –

MINUSTAH)

A MINUSTAH foi criada em 2004, com o objetivo inicial de auxiliar a transição política

haitiana após o exílio do então presidente Bertrand Aristide, momento marcado por enorme

violência em várias cidades do país. Além desse objetivo, o mandato da MINUSTAH claramente

envolvia elementos de uma operação multidimensional, pois deveria adotar a estratégia de

22

desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR); garantir o Estado de Direito, os direitos

humanos e a proteção da população civil em relação à escalada da violência; e conduzir o

processo político e constitucional, incluindo as eleições presidenciais, parlamentares e municipais.

O mandato da MINUSTAH também contemplava elementos de reforma de seu setor de

segurança, como a reestruturação da Polícia Nacional Haitiana e a assistência na rearticulação das

instituições de segurança pública e privada (UNITED NATIONS, 2015 b).

Porém, em virtude do terremoto que atingiu o Haiti em 12 de janeiro de 2010, o Conselho

de Segurança ampliou o mandato da MINUSTAH para que ele pudesse incluir ajuda humanitária,

logística e de segurança necessária para conduzir uma rápida reconstrução do país e evitar uma

desestruturação do processo de paz. Também foi reforçado o papel da missão em garantir maior

capacidade de atuação da Polícia Nacional Haitiana e apoio às eleições presidenciais, que

ocorreram em março de 2010. A MINUSTAH também teve o papel de contornar o surto de cólera

que tomou o Haiti no mesmo período (UNITED NATIONS, 2015 b).

Em 2012, com a normalização da situação política e de segurança no Haiti, o Conselho de

Segurança decidiu por uma redução das tropas e de outros funcionários da missão. O trabalho da

MINUSTAH, no entanto, continua, pois a ONU considera que ainda é necessário prestar apoio

político, humanitário e de reconstrução ao país, já que se trata de um dos países mais pobres das

Américas (UNITED NATIONS, 2015 b).

Missão de Estabilização Multidimensional Integrada das Nações Unidas na República Centro-Africana

(United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in the Central African Republic –

MINUSCA)

A MINUSCA foi criada pelo Conselho de Segurança, em 2014, com o propósito de ser uma

missão multidimensional, capaz de lidar não apenas com a crise política, mas, principalmente,

com a crise humanitária vivenciada pela República Centro-Africana desde 2012, quando a coalizão

rebelde Séléka, formada por membros muçulmanos, realizou uma série de ataques violentos que

culminaram na derrubada do presidente François Bozizé. Desde então, milícias cristãs passaram a

combater os rebeldes, levando a uma escala da violência de enorme proporção: em setembro de

2014, 2,5 milhões de pessoas necessitavam de ajuda humanitária, e mais de 174 mil foram

deslocados internamente, sem contar as milhares de pessoas mortas no conflito (RIBEIRO, 2013;

UNITED NATIONS, 2015 a).

Diante dessa situação, o mandato da MINUSCA foi definido a partir das seguintes

prioridades:

(a) a proteção de civis; (b) a proteção do pessoal, instalação e equipamentos das Nações Unidas, e a garantia da segurança e livre circulação de pessoal das

23

Nações Unidas e de associados; (c) o apoio ao processo político e aos elementos-chave da transição, incluindo a restauração da autoridade do Estado e sua extensão pelo território; (d) a criação de condições de segurança favoráveis à prestação de assistência humanitária e ao retorno seguro, voluntário e sustentável dos deslocados internos e refugiados; (e) a promoção e a proteção dos direitos humanos; (f) a promoção de um diálogo nacional, da mediação e da reconciliação em todos os níveis; e (g) o apoio ao desarmamento, à desmobilização e à reintegração de antigos grupos armados, com atenção especial às crianças, e à repatriação de atores estrangeiros, bem como ao programas de redução da violência nas comunidades5 (UNITED NATIONS, 2015 a, tradução nossa).

Nota-se o caráter multidimensional do mandato da MINUSCA, voltado prioritariamente

para as questões humanitárias e de direitos humanos associados ao conflito do país. Entretanto,

além desse mandato, foi definido um mandato adicional, relacionado ao apoio técnico e político da

MINUSCA na condução da reforma do setor de segurança da República Centro-Africana, com

especial enfoque na reestruturação das instituições policiais, penitenciárias e de justiça. O

objetivo desse mandato adicional é apoiar o processo de proteção dos civis por meio do

fortalecimento do sistema de justiça (UNITED NATIONS, 2015 a).

A situação alarmante na República Centro-Africana coloca inúmeras dificuldades para

ONU, e, atualmente, algumas forças militares relacionadas à operação passam por uma

investigação relacionada às denúncias de violações de direitos humanos, incluindo exploração

sexual de mulheres e a morte de civis (RADIO DE LAS NACIONES UNIDAS, 2015).

Missão de Apoio das Nações Unidas na Líbia (United Nations Support Mission in Libya – UNSMIL)

A UNISMIL foi estabelecida em 2011, como uma missão política especial de apoio à

transição política após os conflitos que levaram a Líbia a uma guerra civil e à morte do então

presidente Muammar Kaddafi. Inicialmente, a missão duraria apenas três meses, tempo em que

deveriam ser organizadas novas eleições e uma nova constituição. Entretanto, a transição política

pós-Kaddafi foi marcada por uma grande instabilidade em virtude da disputa de poder entre

diferentes grupos extremistas, líderes tribais e milícias. Isso fez com que o Conselho de Segurança

expandisse o mandato da missão, que tem sido renovado anualmente desde 2012 (QUERO, 2015;

UNITED NATIONS, 2015 d).

5 Do original: “a) the protection of civilians; (b) the protection of United Nations personnel, installations and equipment and ensuring the security and freedom of movement of United Nations and associated personnel; (c) support for the political process and key elements of the transition, including the restoration of State authority and its extension throughout the territory; (d) the creation of security conditions conducive to the delivery of principled humanitarian assistance and the safe, voluntary and sustainable return of internally displaced persons and refugees; (e) the promotion and protection of human rights; (f) the promotion of a national dialogue, mediation and reconciliation at all levels; and (g) support for the disarmament, demobilization and reintegration of former armed elements, with specific attention to children, and the repatriation of foreign elements, as well as community violence-reduction programmes” (UNITED NATIONS, 2015 a).

24

Atualmente, a UNISMIL tem como prioridade imediata garantir uma transição segura para

a democracia, tanto em termos de conduzir um processo de conciliação nacional entre os grupos

em disputa, quanto de organizar eleições e uma nova constituição. A situação humanitária

também é fundamental, e o mandato da missão enfoca particularmente a questão de refugiados,

deslocados internos e grupos vulneráveis, como crianças e mulheres (UNITED NATIONS, 2015 d).

Ademais, o recente mandato da UNISMIL engloba a reforma do setor de segurança,

atuando em seis principais áreas: “arquitetura da segurança nacional, gerenciamento de armas e

munição (incluindo não proliferação), desenvolvimento da política, reforma militar e da defesa,

segurança fronteiriça, desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) de membros de

grupos armados”6 (UNITED NATIONS, 2015 d, tradução nossa). Entretanto, a situação da Líbia

ainda é de crise, com a continuidade de bombardeiros em várias cidades e com um número

alarmante de mais de 434 mil refugiados (GELBERT, 2015).

REFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIAS

ALMEIDA, João Marques de. A “Talibanização” do Paquistão. In: Website do Instituto Português de

Relações Internacionais – IPRI, 2004. Disponível em:

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combates-em-benghazi-e-solucao-politica-para-crise/#.Va6t8vlVikY>. Acesso em:

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Acesso em: 21.jul.2015.

6 Do original: “national security architecture, arms and ammunition management (including non-proliferation), police development, defence/military reform, border security, and disarmament, demobilization and reintegration (DDR) of members of armed groups” (UNITED NATIONS, 2015 d).

25

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centroafricana-repatria-a-20-cascos-azules/#.Va6mGPlVikY>. Acesso em: 21.jul.2015.

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26

BREVE HISTÓRICO DO AFEGANISTÃO BREVE HISTÓRICO DO AFEGANISTÃO BREVE HISTÓRICO DO AFEGANISTÃO BREVE HISTÓRICO DO AFEGANISTÃO –––– DA FORMAÇÃO DO DA FORMAÇÃO DO DA FORMAÇÃO DO DA FORMAÇÃO DO

ESTADOESTADOESTADOESTADO----NAÇÃO ATÉ O FIM DA GUERRA FRIANAÇÃO ATÉ O FIM DA GUERRA FRIANAÇÃO ATÉ O FIM DA GUERRA FRIANAÇÃO ATÉ O FIM DA GUERRA FRIA

Antecedentes Antecedentes Antecedentes Antecedentes dadadada formação da naçãoformação da naçãoformação da naçãoformação da nação

A República Islâmica do Afeganistão é um país com uma história muito conturbada, que

passou por invasões diversas, conflitos internos entre etnias rivais e entre membros dos governos,

que foram se alternando no poder.

A composição étnica do país é uma mistura de diferentes tribos, devido ao seu histórico de

invasões, e, apesar de estarem “divididos em tribos, mas profundamente ligados por valores

ancestrais, os bravos afegãos têm se provado capazes de defender seu território e suas tradições

com uma força invencível ao longo dos séculos e até hoje. É uma terra de inconquistáveis”

(CARRANCA, 2011, p. 9).

Devido à sua posição geográfica no centro da Ásia, o Afeganistão fez parte de rotas

comerciais, como a Rota da Seda (imagem 1), e foi uma região de encontro de culturas e religiões

como o budismo, o hinduísmo e o islamismo. De Alexandre, o Grande, a Genghis Khan, o

Afeganistão foi local de passagem de diversos exércitos, devido à sua importância comercial

(BONIFÁCIO, 2014, p. 30).

Imagem 1 Imagem 1 Imagem 1 Imagem 1 –––– Rota da SedaRota da SedaRota da SedaRota da Seda

Fonte: UNITED NATIONS EDUCATIONAL SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION, 2015.

27

Como se pode notar na imagem 2, a divisão da população era feita em diversas tribos

étnicas, e cada uma tinha seu líder: “diversas tribos convivendo em um ambiente em que nenhuma

delas havia alcançado preponderância sobre as demais nos remete à competição pela

monopolização (...).” (GOMES, 2008, pp. 38-39). Essa monopolização do poder deu-se em 1709,

quando o líder da tribo Pashtun1, o dirigente tribal Ghilzay Mir Wais Khan, conseguiu assumir o

controle da atual região de Kandahar; isso foi possível pelo conflito entre os persas e os mongóis.

A tribo Pashtun conquistou o território afegão e estendeu suas conquistas para o mar da Arábia e

para o rio Amu Darya (BONIFÁCIO, 2014, p. 34).

Imagem 2 Imagem 2 Imagem 2 Imagem 2 ---- Divisão Divisão Divisão Divisão éééétnica do Afeganistãotnica do Afeganistãotnica do Afeganistãotnica do Afeganistão

Fonte: “ETHNIC...”, 2015.

O século XIX foi marcado por turbulências, devido aos diversos conflitos tribais e pela

manifestação dos interesses do império russo e britânico por essa região. Em virtude desses

interesses, tais países passaram a enviar emissários a Cabul. Nesse período, o Afeganistão foi

reunificado e era liderado por Dost Mohammad, que permaneceu no poder por mais de três

décadas e conduziu as negociações com as duas potências. Inicialmente, Dost Mohammad tinha

boas relações com a Grã-Bretanha, até que se recusou a aceitar o acordo proposto por Lord

Auckland, então governador de Calcutá, de conter o apoio russo aos persas, que avançavam sobre

a cidade de Herat. Assim, Dost Mohammad expulsou Burnes, então emissário britânico

responsável por realizar as negociações junto ao líder afegão, e iniciou negociações diretas com os

russos (ALVES, 2011, p. 207).

1Contando com mais de 45% da população, a tribo Pashtun é a mais numerosa e representativa do Afeganistão. Estão presentes nas províncias ao sudeste do Afeganistão (“ETHNIC...”, 2015).

28

Em reação a essa atitude, os britânicos decidiram invadir o Afeganistão, declarando a

Primeira Guerra Anglo-Afegã, em 1839. Apesar do sucesso inicial da invasão, que resultou na

renúncia de Dost Mohammad e na ascensão de Shuja Shah ao poder, ficou evidente que o novo

governo só sobreviveria com o apoio financeiro e militar dos britânicos: quando essa ajuda findou,

as insatisfações populares e as revoltas tribais levaram a um novo conflito, que terminou em 1842,

com a derrota e retirada das tropas britânicas, o assassinato de Shuja Shah e o retorno de Dost

Mohammad ao poder (ALVES, 2011, p. 207).

Com o desfecho da Primeira Guerra Anglo-Afegã, o império russo buscou exercer controle

em novos territórios da região da Ásia Central, inclusive no norte do território afegão. Em

consequência disso, a Grã-Bretanha iniciou, em 1878, a Segunda Guerra Anglo-Afegã, visando a

tornar o Afeganistão em um efetivo satélite britânico. A guerra terminou em 1879, com a

assinatura do Tratado de Gandamak, denominado pelos afegãos de “Tratado da Condenação”,

pois o acordo estabeleceu a completa submissão política do território ao controle britânico

(BANGASH; AMAN, 2009).

A região do Afeganistão que conhecemos hoje é fruto de fronteiras demarcadas nesse

período pela Grã-Bretanha, que, em 1983, traçou uma linha, chamada Linha Durand, que dividia as

tribos Pashtun na fronteira com o Paquistão. Essa linha foi respeitada pelos russos, que passaram

a conquistar novos territórios ao redor da região, especialmente ao norte (BONIFÁCIO, 2014, p.

36).

Imagem 3 Imagem 3 Imagem 3 Imagem 3 –––– Linha Durand e a área PashtunLinha Durand e a área PashtunLinha Durand e a área PashtunLinha Durand e a área Pashtun

Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY, 2011.

29

A independênciaA independênciaA independênciaA independência

Entre maio e agosto de 1919, ocorreu a Terceira Guerra Anglo-Afegã, na qual os britânicos

buscaram conter o exército regular afegão. Entretanto, em decorrência do fim da Primeira Guerra

Mundial, esse episódio acabou por conduzir o processo de independência do Afeganistão, apesar

da incerteza com relação às suas fronteiras, definidas pela Linha Durand. Um dos primeiros

marcos de sua independência – e autonomia em relação à sua política externa – foi a aproximação

com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), por meio do Tratado de Cooperação e

Amizade, firmado em 1921 (BONIFÁCIO, 2014, p. 36).

O líder da nação recém-independente, Amanullah Shah, tentou modernizar o Afeganistão,

mas esse processo conduziu a um período de grande instabilidade, marcado por uma guerra civil

tribal que foi vencida pela tribo Pashtun. Em 1929, a liderança dessa tribo normalizou as relações

com os britânicos e deixou de lado as relações com a URSS. Também houve uma ampliação das

relações internacionais, que estabeleceram vínculos diplomáticos com a China, os Estados Unidos

e até mesmo com a Alemanha, relações que, por pouco, quase colocaram a neutralidade do país

em xeque na Segunda Guerra Mundial (ALVES, 2011, p. 209).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, houve uma mudança no status quo da

Ásia Central conduzida pelas potências vencedoras. Especialmente os processos de

independência da Índia e do Paquistão afetaram diretamente o Afeganistão, pois passaram a

exercer um papel de influência nas fronteiras da região (BONIFÁCIO, 2014, p. 37).

A Guerra FriaA Guerra FriaA Guerra FriaA Guerra Fria

Nos primeiros anos da Guerra Fria, o Afeganistão carecia de uma profunda reestruturação

estatal, tanto em termos de infraestrutura quanto em virtude da situação política do período,

marcada pelo debate sobre a remarcação das linhas de fronteira, especialmente com o Paquistão

(RIEGER; TEIXEIRA, 2012, p. 147). Em 1953, Muhammad Daud assumiu o cargo de primeiro-

ministro, com uma posição de protagonista na liderança de uma nova geração afegã que ansiava

pela modernização do país. Buscou se aproximar dos Estados Unidos, com vistas a uma aliança

econômica e militar, bem como à mediação americana na definição das fronteiras com o

Paquistão. Entretanto, a potência ocidental exigia que o Afeganistão se unisse à Organização do

Tratado do Oriente Médio, criada em 1955, como um acordo de defesa mútua entre Turquia,

Iraque, Irã, Paquistão e Reino Unido (PHILIPP, 2015).

Essa imposição era inviável ao governo afegão, visto que o Paquistão já fazia parte desse

pacto, e, por isso, Daud viu-se obrigado a se aproximar da URSS, que forneceu a ajuda militar e

econômica para a região, de 1955 a 1978, além de dar suporte para o embate com o Paquistão. Ao

perceber o aumento dos investimentos soviéticos na região, os americanos, por sua vez,

30

aumentaram a ajuda econômica, mas não chegaram nem perto do efetivo montante que a URSS

investiu (RIEGER; TEIXEIRA, 2012, p. 148).

Durante a década de 1960, o Afeganistão passou por uma instabilidade interna marcada

pela disputa entre as facções pró-soviéticas, pró-islâmicas e pró-democráticas. A disputa resultou

em um golpe de Estado realizado por Daud, em 1973, que tentou diminuir a dependência dos

soviéticos. Com isso, a URSS se aliou, a partir de 1975, à facção pró-democrática atrelada ao

Partido Democrático Afegão, que assumiu o poder em 1978, após um golpe que culminou no

assassinato de Daud, episódio conhecido como “Revolução de Saur”. Essa revolução, juntamente

com a morte de Daud, possibilitou a instauração de uma República Democrática Soviética no

Afeganistão, o que selou a influência da URSS no país (ALVES, 2011, p. 214).

Entretanto, a instabilidade e a incapacidade do Partido Democrático levaram à entrada do

Exército Vermelho no Afeganistão, em 1979, com o objetivo de dar assistência ao governo contra a

rebelião da facção conhecida como resistência afegã, ou Mujahideen, de origem Pashtun (UNITED

NATIONS, 2009). Para os soviéticos, essa rebelião poderia levar a uma alteração profunda do

regime afegão, afetar seus interesses, e o envio das tropas foi visto como a única forma de manter

o controle sobre o país (RIEGER; TEIXEIRA, 2012, p. 224). Essa atitude dos soviéticos foi

condenada pelo Conselho de Segurança; entretanto, não foi possível chegar a uma resolução sobre

o assunto no âmbito do Conselho em virtude do veto soviético, e a questão foi então levada à

Assembleia Geral, em uma sessão de emergência. A Assembleia decidiu por uma forte

condenação da atitude soviética e pediu a retirada imediata e total das tropas estrangeiras do

Afeganistão, o que foi realizado pela UNGOMAP2 (UNITED NATIONS, 2009).

Ao contrário do esperado, a presença soviética acabou por fortalecer ainda mais as facções

rebeldes, pois o conflito culminou no engajamento americano, tornando-se um importante

episódio da disputa bipolar entre Estados Unidos e União Soviética. O governo americano, visando

a enfraquecer os soviéticos, passou a dar treinamento, apoio logístico e financiamento aos

Mujahideen: “Em 1986, pressionada por um poderoso ‘lobby’ que, a partir do Congresso, incitava

os aliados a aumentar o apoio financeiro aos guerrilheiros afegãos e defendia o fornecimento de

armamento cada vez mais sofisticado, a CIA passou a entregar armas de fabrico norte-americano

aos mujahidin” (ALVES, 2011, p. 225). O governo paquistanês, a partir de seu diretório de

inteligência, também financiou os Mujahideen. Considerando o elevado custo do conflito, o poderio

dos rebeldes equipados com armas americanas e as pressões no âmbito da ONU, a URSS decidiu

retirar as tropas do Afeganistão, processo que ocorreu entre 1988 e 1989.

O colapso da URSS afetou profundamente a situação geopolítica em torno do Afeganistão,

que retornou, em 1994, a uma situação de fragmentação geográfica, correspondente aos seus 2 Ver página 18 deste guia sobre a atuação da UNGOMAP.

31

diferentes grupos étnicos: os Usbeques ao norte; os Hazaras na região central; os Tajiques ao

nordeste de Cabul; e os Mujahideen na região de Kandahar e ao sul. Foi a partir daí que emergiu

uma facção dos Mujahideen, os Talibãs, que tomaram o controle de Kandahar em 1994,

conquistaram Cabul em 1996 e avançaram para o controle político de todo o Afeganistão, dando

novos rumos à história do país no século XXI (ALVES, 2011, p. 230).

REFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIAS

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32

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33

O AFEGANISTÃO E O AFEGANISTÃO E O AFEGANISTÃO E O AFEGANISTÃO E A “GUERRA AO TERROR”A “GUERRA AO TERROR”A “GUERRA AO TERROR”A “GUERRA AO TERROR”

O regime tO regime tO regime tO regime talibã e a aalibã e a aalibã e a aalibã e a allll----QaedaQaedaQaedaQaeda

O Talibã, movimento fundamentalista islâmico afegão, predominantemente Pashtun,

surgiu na década de 1990, período de lutas internas no Afeganistão, especialmente devido ao fim

da Guerra Fria. Facção derivada dos Mujahideen, os Talibãs – palavra que significa estudante em

pashto – eram jovens estudantes e graduados em escolas religiosas no período da ocupação

soviética. Em pouco tempo, o movimento atraiu apoio popular, já que afirmava impor a

estabilidade na região e lutar contra outros grupos rebeldes Mujahideen (ALVES, 2011, p. 234).

A influência dos Talibãs começou na província de Kandahar, em 1994, até chegar na

capital, Cabul, em 1996, quando estabeleceu-se no poder, tomando o posto do presidente

Burhanuddin Rabbani. O movimento governou o Afeganistão entre os anos de 1996 e 2001 e,

nesse período, controlava cerca de 90% do território (LAUB, 2014). O regime talibã teve sua

jurisprudência baseada no código Pashtun e em uma interpretação particular e restritiva da lei

islâmica, a sharia. O sistema legal formava um poder baseado na autoridade do rei, nesse caso, o

veterano da resistência contra a União Soviética e líder religioso Mullah Mohammed Omar, que

era reconhecido como amir al-um’minin, isto é, o “comandante dos fiéis”. Algumas práticas

controversas foram adotadas, como o espancamento público de homens e mulheres, execuções,

apedrejamentos e amputação de membros (CREWS; TARZI, 2008, pp. 107-109).

O regime inicialmente causou pouca reação internacional: apenas no ano de 1998, no

qual o Conselho de Segurança aprovou duas resoluções, mas que se referiam ao modo como o

regime tratava as mulheres. Porém, a conexão dos Talibãs com diversos grupos extremistas de

países como Paquistão, Irã, China, Rússia etc. acabou trazendo o regime para a agenda

internacional. Uma das conexões mais importantes foi realizada por Mullah Omar e Osama bin

Laden, quando este último se mudou para Kandahar, em 1997 (ALVES, 2011, p. 238; LAUB, 2014).

Bin Laden era filho de uma as famílias mais ricas da Arábia Saudita e, na década de 1980,

havia lutado ao lado dos Mujahideen, dando-lhes apoio organizacional e financeiro. Em 1988,

começou a participar da construção de uma “base” de ação coordenada entre diversos grupos

islâmicos, que lutariam para garantir a libertação dos países islâmicos contra os infiéis. Essa

proposta deu início à al-Qaeda, isto é, A Base. Entre 1991 e 1996, bin Laden saiu da Arábia

Saudita e passou a organizar a al-Qaeda a partir do território do Sudão, investindo em

negócios legais e em campos de treinamento. O nome de bin Laden e sua causa ainda eram

desconhecidos em algumas regiões da África e do Oriente Médio, porém, essa nova coalizão

entusiasmou uma nova geração e permitiu que bin Laden criasse um número expressivo de

células combatentes (WRIGHT, 2007, p. 291).

34

Durante a década de 1990, a al-Qaeda fez uma sequência de atentados, que

representavam um ataque audacioso à posição dos Estados Unidos no mundo. Os atentados

apresentavam um surpreendente nível de coordenação e de sofisticação técnica, necessário

para realizar explosões simultâneas em diferentes locais (WRIGHT, 2007, p. 305). Os

ataques documentados da al-Qaeda visavam a assassinar o maior número possível de

pessoas, e a morte em grande escala era um objetivo em si mesmo: “os ataques estariam à

altura da grandiosa e aparentemente lunática declaração de guerra de Bin Laden contra os

Estados Unidos’’ (WRIGHT, 2007, p. 300).

Conforme os ataques da al-Qaeda se tornaram mais visíveis, os Estados Unidos

pressionaram o governo do Sudão para controlar as atividades da organização. Então, bin Laden

foi do país pelo governo sudanês em 1996. Foi aí, então, que ele entrou em contato com Mullah

Omar, que lhe deu refúgio. Omar garantiu à al-Qaeda um território com a condição de o grupo

não antagonizar com os Estados Unidos (LAUB, 2014). Entretanto, bin Laden não cumpriu o

acordo, ao atacar as embaixadas americanas em Nairobi, Quênia, e em Dar es Salaam, na

Tanzânia, em 1998. Esses ataques foram recebidos como atentados de verdadeiro horror e

atrocidade, provas do que a al-Qaeda poderia fazer (WRIGHT, 2007, p. 315).

Os ataques revelaram as divergências entre o Talibã e a al-Qaeda durante a década de

1990. Enquanto Mullah Omar tinha relações estreitas com bin Laden, havia alguns grupos do

Talibã que se preocupavam com as conexões com a al-Qaeda, pois dificultavam o

reconhecimento internacional do regime talibã. Porém, Mullah Omar isolou esse grupo opositor

em 1999, garantindo seu apoio a bin Laden, que, por sua vez, tinha uma agenda própria em

relação ao projeto de pan-islamismo (VAN LINSCHOTEN; KUEHN, 2011, p. 4).

O pósO pósO pósO pós----11 de setembro: 11 de setembro: 11 de setembro: 11 de setembro: aaaa operaçãooperaçãooperaçãooperação Liberdade DuradouraLiberdade DuradouraLiberdade DuradouraLiberdade Duradoura

No dia 11 de setembro de 2001, quatro aviões de passageiros, sequestrados dentro

dos Estados Unidos, atingiram dois símbolos tradicionais do poderio econômico e militar

estadunidense: o World Trade Center e o Pentágono. Os ataques causaram milhares de

mortes, representando uma quebra na inviolabilidade do território continental dos Estados

Unidos e dando início a um novo período das relações de segurança e defesa internacionais.

A resposta do governo Bush9 aos atentados foi enquadrada na chamada “guerra ao terror”,

9 Internamente, a figura de Bush quase de imediato ganhou popularidade, uma vez que grande parte da população estadunidense apoiava uma retaliação imediata, inclusive com envio de tropas em novos esforços de guerra. Com o objetivo de combater o terrorismo, foram formalizadas pelo Congresso novas leis antiterrorismo, que previam ampliações do poder das agências federais e locais, tribunais militares de exceção, encarceramento e isolamento de suspeitos e monitoramento de atividades da população em geral. Tais medidas foram sistematizadas no chamado Ato Patriota, medida bastante polêmica, uma vez que causou o desrespeito de direitos civis e o endurecimento das

35

feita em três dimensões: ‘’a declaração imediata de guerra, a convocação de uma ampla

aliança nacional e a identificação (e punição) dos responsáveis’’ (PECEQUILO, 2005, p.

376).

Em 13 de setembro, as investigações estadunidenses centraram-se em um foco:

Osama bin Laden, líder da al-Qaeda, que estava abrigado pelo regime talibã no Afeganistão

e que foi acusado de ser o responsável pelos ataques ao World Trade Center. Inicialmente, o

Talibã condenou os ataques de 11 de setembro, e Mullah Omar negou que bin Laden fosse o

responsável por eles. Porém, o governo estadunidense declarou que o regime talibã tinha

até 19 de setembro para entregar bin Laden. Ao não cooperar, nesse mesmo dia, os Estados

Unidos enviaram aviões de guerra para bases no Oriente Médio e na Ásia Central

(“CRONOLOGIA...”, 2011).

No dia 07 de outubro, o presidente Bush deu início à operação Liberdade Duradoura,

que tinha por objetivo: “a destruição da Al Qaeda (e a prisão de seus líderes, entre eles Bin

Laden) e do regime do Talibã que o apoiava no Afeganistão; a reconstrução política e

econômica do Afeganistão pós-talibã; e, por fim, a eliminação do terrorismo em escala

mundial’’ (PECEQUILO, 2005, p. 383). Forças britânicas realizaram ataques aéreos por

cinco dias, em alvos do Talibã e da al-Qaeda. Entre outubro e novembro, foram mobilizadas

forças terrestres de diversos países, como Estados Unidos, Inglaterra, Turquia, Austrália,

Canadá, Alemanha, França e Itália. Finalmente, em 07 de dezembro, o Talibã perdeu o

controle de seu território central, Kandahar, e os Estados Unidos declararam o fim do

regime. Assim, em 20 de dezembro, a ONU autorizou a criação da ISAF, e, em 22 de

dezembro, Hamid Karzai assumiu como a autoridade interina do Afeganistão.

Posteriormente, em junho de 2002, Karzai foi eleito como presidente do país

(“OPERATION...”, 2015).

A OTAN A OTAN A OTAN A OTAN e suae suae suae suas operaçõess operaçõess operaçõess operações no Afeganistãono Afeganistãono Afeganistãono Afeganistão

A despeito do desmantelamento do regime talibã pela operação Liberdade

Duradoura, o movimento Talibã continuou ativo, então a partir de territórios do Paquistão:

“embora o regime tenha sido desmantelado durante a ocupação, Mullah Omar e muitos de

seus principais assessores escaparam para os territórios fronteiriços ao Paquistão, onde

reconstituíram a liderança central do Talibã”10 (LAUB, 2014, tradução nossa).

ações dos serviços de inteligência e segurança, além da criação do Departamento de Segurança Doméstica (Homeland Security) (PECEQUILO, 2005, pp. 376-377). 10 Do original: “Though the regime was dismantled during the occupation, Mullah Omar and many of his top aides escaped to the frontier territories of Pakistan, where they reconstituted the Taliban's central leadership” (LAUB, 2014).

36

Assim, era necessário, da perspectiva estadunidense, dar continuidade à “guerra ao

terror” no Afeganistão, o que foi feito a partir da Organização do Tratado do Atlântico Norte

(OTAN). Apesar de os membros dessa organização terem dado suporte aos Estados Unidos

na operação Liberdade Duradoura, seu envolvimento formal na questão do Afeganistão

ocorreu a partir de agosto de 2003, quando a ONU transferiu o comando da ISAF para a

OTAN. Antes de discutir o papel da OTAN especificamente no Afeganistão, serão

apresentados os conceitos estratégicos que conduziram sua atuação.

Os Conceitos Estratégicos da OTAN

A OTAN foi criada em 1949, no contexto da Guerra Fria, com o objetivo de

estabelecer um sistema de defesa coletiva, especialmente contra a União Soviética. O cerne

da OTAN como uma aliança de defesa é o artigo V de seu tratado constitutivo, que estipula

que, se um membro da OTAN for atacado, os demais prestarão assistência imediata,

tomando as ações necessárias, que podem envolver o uso da força, para restaurar e garantir

a segurança na região do Atlântico Norte (DIAS, 2012, p. 4).

Em 1991, com o fim da Guerra Fria, a OTAN reafirmou seus princípios básicos de

aliança, mas passou a entender que, no novo contexto internacional, é necessária uma

abordagem complementar aos problemas de segurança e defesa internacionais, que

mantenha uma capacidade militar ativa, suficiente para prevenir uma guerra e crises. Disso

resultou o conceito estratégico de 1991, que definiu seu papel de autodefesa em situações

de gerenciamento de crises que possam trazer instabilidades e ameaçar a paz na região

euro-atlântica (ORFY, 2011, pp. 67-69).

Em 1999, a OTAN renovou seu conceito estratégico e incluiu a possibilidade de

interferência armada da organização em favor da manutenção da estabilidade atlântica-

norte em situações que não a autodefesa. A OTAN, a partir dessa data, disponibilizou sua

capacidade militar para conduzir operações não previstas pelo artigo V do Tratado de

Washington. É o caso, por exemplo, de crises humanitárias e situações de violações de

direitos humanos, conceitos que passam a integrar de forma mais explícita o regime da

organização. Ademais, foram incluídas novas ameaças, como conflitos étnicos;

instabilidades políticas; fragilidades econômicas que pudessem levar a instáveis condições

sociais; a proliferação de armas de destruição em massa e os seus meios de ação; e o perigo

do terrorismo (ORFY, 2011, p. 70).

37

A atuação no Afeganistão

A OTAN já havia sido invocada no dia 12 de setembro de 2001, quando o artigo V do

Tratado do Atlântico Norte foi ativado. Esse artigo determina a obrigação básica de

autodefesa coletiva, ou seja, se um país da organização sofrer alguma violação territorial,

como foi o caso dos Estados Unidos, os demais membros automaticamente se articulariam

em defesa coletiva do país afetado. Assim:

Em 12 de setembro de 2001, às 21h30, a OTAN anuncia, pela primeira vez em sua história, a aplicação do princípio de segurança coletiva prevendo que o ataque contra um dos membros da aliança é considerado um ataque contra todos. Trata-se da cláusula de solidariedade militar, que a organização esposa a tese dos Estados Unidos segundo a qual os atentados terroristas perpetrados na véspera constituem “atos de guerra”. Essa decisão fundamentou a participação da organização da invasão do Afeganistão e sua atual ocupação militar (SEITENFUS, 2012, p. 331).

A atuação da OTAN no Afeganistão apenas ocorreu institucionalmente em 9 de

agosto de 2003, quando a Aliança assumiu o comando da International Security Assistance

Force (ISAF) – que havia sido criada em 2001 pela ONU – com o principal objetivo de

garantir as condições para o estabelecimento de um novo governo no Afeganistão. Isso foi

consolidado no ano de 2004, quando uma nova constituição foi aprovada em janeiro,

permitindo a realização das eleições presidenciais em outubro. Em 7 de dezembro, Hamid

Karzai assumiu como o primeiro presidente democraticamente eleito no Afeganistão. Sua

política externa foi definida de modo favorável aos interesses norte-americanos no país. No

ano seguinte, ocorreram as eleições legislativas, e a OTAN acrescentou mais 2 mil soldados

em terreno para garantir o processo eleitoral (NORTH ATLANTIC TREATY

ORGANIZATION, 2015).

O ano de 2006 foi marcado por um maior controle de todo o território afegão, uma

vez que as tropas da OTAN conseguiram avançar sobre a região sudeste do país.

Entretanto, membros do Talibã endureceram a ofensiva e, em fevereiro de 2007, realizaram

um ataque suicida na base área de Bagram, o que levou o presidente Bush a solicitar um

aumento das tropas da OTAN no país. Isso foi reforçado com a vitória do presidente

Obama, que, em fevereiro de 2009, aprovou a entrada de mais 17 mil soldados no

Afeganistão (“OPERATION...”, 2015).

Novas eleições presidenciais ocorreram em agosto de 2009, em um processo

supervisionado pela OTAN. Porém, as alegações de fraude na contagem dos votos levou à

realização de uma nova eleição, que acabou por ser cancelada quando um dos candidatos,

Abdullah Abdullah, então ministro da Relações Exteriores, abandonou as eleições. Assim,

38

Karzai ganhou novamente as eleições, como único candidato (NORTH ATLANTIC TREATY

ORGANIZATION, 2015).

Dada a instabilidade oriunda de novos ataques do Talibã, bem como o aumento no

número de civis mortos em virtude de ataques da OTAN, duas medidas importantes foram

tomadas no final do ano de 2009: em novembro, oficialmente começou o treinamento das

forças militares afegãs por parte da OTAN; em dezembro, o presidente Obama aprovou

entrada de mais 30 mil soldados, somando, no final de 2009, a presença de 100 mil

soldados americanas, além de 40 mil soldados da OTAN (“OPERATION...”, 2015).

Em janeiro de 2010, em uma conferência em Londres, deu-se início às discussões

para a retirada progressiva das tropas da OTAN, processo que foi concretizado em

novembro, na Cúpula de Lisboa, na qual os líderes da OTAN concordaram em efetivamente

iniciar o processo de transição da autoridade política para o governo do Afeganistão, até o

ano de 2014 (NORTH ATLANTIC TREATY ORGANIZATION, 2015).

A captura e morte de bin Laden no Paquistão, por meio de uma operação conduzida

pela marinha dos Estados Unidos, aconteceram em 2 maio de 2011. Isso gerou uma forte

reação do Talibã, que, no dia 07 de maio, realizou um ataque contra prédios do governo

afegão em Kandahar, visando a tomar o controle da cidade. Os ataques – os mais violentos

desde então – duraram um dia, mas foram contidos pelas tropas da OTAN. Ao longo de

2011, vários países anunciaram a retirada das tropas do Afeganistão, como os Estados

Unidos, a França, a Espanha e a Itália. Essa notícia permitiu que o Talibã realizasse novos

ataques, como o de 13 de setembro, que ocorreu próximo à embaixada americana e ao

quartel-general da ISAF (“CRONOLOGIA...”, 2011).

A consolidação do setor de segurança afegão por parte da OTAN foi realizada em

2012. O Centro de Treinamento da Polícia na cidade de Mazar-e Sharif foi entregue ao pleno

controle do governo afegão e se tornou um centro de treinamento para a polícia afegã; o

Comando do Exército Afegão para Operações Especiais foi criado. No entanto, houve vários

ataques preocupantes, realizados por parte do Talibã, como o de 14 de setembro, em que 15

membros do Talibã, vestindo uniformes do exército americano, atacaram Camp Bastion, um

complexo militar coordenado pelos Estados Unidos e Reino Unido. Apesar dos ataques, o

ano terminou com o controle de 23 das 34 províncias do Afeganistão transferido para as

forças militares nacionais (“OPERATION...”, 2015; NORTH ATLANTIC TREATY

ORGANIZATION, 2015).

O ano de 2013 foi marcado pela fase final de transição da autoridade afegã, e em

junho, as Forças de Segurança Nacionais Afegãs formalmente tomaram o controle das

operações militares no país. A retirada efetiva das tropas ocorreu ao longo de 2014, ano

39

também marcado por eleições presidenciais, em que venceu Ashraf Ghani. A saída total das

tropas ocorreu em dezembro; entretanto, com a escalada da violência, o presidente Ghani

solicitou a permanência das tropas, o que foi garantido tanto por um acordo bilateral entre

Estados Unidos e Afeganistão, quanto pela adoção, por parte do Conselho de Segurança, de

uma nova missão da OTAN no Afeganistão, batizada de Apoio Resoluto (“OPERATION...”,

2015; NORTH ATLANTIC TREATY ORGANIZATION, 2015).

Em 01 de janeiro de 2015, efetivamente as forças afegãs assumiram a segurança e

defesa nacional do Afeganistão. Entretanto, com a missão Apoio Resoluto, 13 mil soldados

da OTAN permaneceram do país, com o objetivo de fortalecer o setor de segurança afegão,

por meio de treinamento e assistência às forças armadas e policiais do país, de modo a dar

uma resposta mais efetiva às movimentações do Talibã (“FORÇAS...”, 2015).

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WRIGHT, Lawrence. O vulto das torres: A Al-Qaeda e o caminho até o 11/9. São Paulo:

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41

A ATUAL SITUAÇÃO DO AFEGANISTÃOA ATUAL SITUAÇÃO DO AFEGANISTÃOA ATUAL SITUAÇÃO DO AFEGANISTÃOA ATUAL SITUAÇÃO DO AFEGANISTÃO

A situação políticaA situação políticaA situação políticaA situação política

Em 2014, ocorreram as últimas eleições para presidência no Afeganistão. Ao fim do

primeiro turno, nenhum candidato obteve mais que a metade dos votos. Dessa forma, os

dois que mais receberam votos, Abdullah Abdullah e Ashraf Ghani Ahmadzai, foram para a

disputa do segundo turno, organizada pela Comissão de Eleição Independente do

Afeganistão (IEC, em inglês), no dia 14 de junho (UNITED NATIONS ASSISTANCE MISSION

IN AFGHANISTAN, 2015 a).

Porém, ocorreram fortes denúncias de fraude nas eleições, o que levou à atuação da

ONU para resolver a questão. No dia 12 de julho, foi feito um acordo entre os dois

candidatos, os quais se comprometeram com a realização de novas eleições para a

presidência, que ocorreu com cerca de 8 milhões de votos válidos (UNITED NATIONS

ASSISTANCE MISSION IN AFGHANISTAN, 2015 a). Essa disputa ainda contou com

observadores externos e internos. No dia 21 de setembro, Ashraf Ghani Ahmadzai foi

considerado democraticamente eleito, com 55% dos votos. Seu governo apresenta forte

oposição ao Estado Islâmico e à al-Qaeda e recebe grande apoio dos Estados Unidos. O

presidente afegão crê que os ideais extremistas prejudicam o seu país e confia em um futuro

melhor sem esses grupos (“AFGHAN...”, 2015).

Atualmente, cerca de 9,8 mil soldados norte-americanos estão presentes no

território afegão (“CINCO...”, 2014). A previsão é que metade desse número deixe o país no

fim de 2015 e que as tropas sejam retiradas por completo em 2016. Por outro lado, após um

encontro com o presidente Barack Obama, Ashraf Ghani admitiu que os conflitos internos

ao país continuam intensos e que o Estado Islâmico (EI) vem ganhando forças no país e, por

isso, solicitou que fosse adiada a retirada das tropas estadunidenses no Afeganistão. Dessa

forma, o apoio militar dos Estados Unidos é crucial para os afegãos no momento. De

qualquer modo, mesmo desacelerando o ritmo da retirada dos soldados, Obama garantiu a

total remoção das tropas até o fim de 2016, insistindo em transitar a atuação dos Estados

Unidos no país para atividades não combatentes (“EUA...”, 2015).

A situação econômicaA situação econômicaA situação econômicaA situação econômica

Um grande obstáculo herdado pelo governo eleito foi a precária condição econômica

do Afeganistão. O país tem um déficit de cerca de 20% de suas despesas totais, ao passo

que é dependente de doações estrangeiras. Assim, as autoridades buscam um aumento

desse tipo de suporte para resolver o problema do déficit, sendo necessários

42

aproximadamente US$ 7 bilhões anuais para sustentar as ações governamentais (SIEFF;

PARTLOW, 2014). Ademais, o crescimento econômico no ano de 2014 foi de apenas 1,7%,

com queda expressiva em relação ao desempenho do ano anterior, de 3,4%. Dentre os

motivos dessa desaceleração, estão a queda de 50% na produção industrial e de serviços; a

estagnação da produção agrícola; e a diminuição do consumo privado (ASIAN

DEVELOPMENT BANK, 2015).

O atual governo ainda tem que lidar com a questão do narcotráfico, que não apenas

é um problema de segurança, mas também tem crescido em virtude da grave situação

econômica do país. Como observa-se no gráfico 1, a produção de ópio de papoula vem

crescendo a cada ano (17%, em 2014), e estima-se que gere um lucro de aproximadamente

US$ 3 bilhões. Quase 90% da produção se encontram no Sul e no Oeste do território afegão,

onde estão as províncias mais perigosas do país. Uma provável causa do aumento da

produção de ópio se deve ao aumento da distribuição e à diminuição dos preços dessa

substância. Ademais, a inovação feita em laboratórios afegãos, que transformam o ópio em

heroína, aumentou as receitas provenientes do narcotráfico (MIR, 2014; UNITED NATIONS

OFFICE ON DRUGS AND CRIME, 2014, p. 6).

Gráfico 1 Gráfico 1 Gráfico 1 Gráfico 1 –––– Produção de ópio no Afeganistão, 1994Produção de ópio no Afeganistão, 1994Produção de ópio no Afeganistão, 1994Produção de ópio no Afeganistão, 1994----2014 2014 2014 2014 (em hectares)(em hectares)(em hectares)(em hectares)

Fonte: UNITED NATIONS ON DRUGS AND CRIME, 2014, p. 12.

Como os britânicos fracassaram ao buscar combater o narcotráfico no Afeganistão

entre 2001 e 2003, tendo investido US$ 160 milhões de dólares, desde 2004, os EUA

assumiram essa tarefa e aumentaram o financiamento em mais de dez vezes (MIR, 2014).

43

Aproximadamente 7.348 hectares de produção da papoula foram erradicados em 2013, mas

esse número caiu para 2.692 hectares no ano seguinte (UNITED NATIONS OFFICE ON

DRUGS AND CRIME, 2014, p. 7). O controle dessas plantações pelo Talibã dificulta a

erradicação da produção de ópio, uma vez que é uma indústria que envolve bilhões de

dólares, financiando não apenas as atividades do Talibã como também é uma das causas da

grande corrupção presente no país (MIR, 2014).

A situação social: a crise humanitáriaA situação social: a crise humanitáriaA situação social: a crise humanitáriaA situação social: a crise humanitária

A situação social do Afeganistão é de instabilidade e de violência. Combates

militares contra grupos extremistas e conflitos civis marcam a condição vivida no país. Os

conflitos militares envolvem principalmente os combates entre a Força Internacional da

OTAN no Afeganistão (ISAF), que encerrou suas ações no país no final de 2014, e o Exército

Nacional Afegão (ANA), por um lado, contra o Talibã, por outro.

Gráfico 2 Gráfico 2 Gráfico 2 Gráfico 2 ––––Mortes e ferimentos de civis no AfeganistãoMortes e ferimentos de civis no AfeganistãoMortes e ferimentos de civis no AfeganistãoMortes e ferimentos de civis no Afeganistão,,,, de janeiro de janeiro de janeiro de janeiro aaaa marçomarçomarçomarço,,,, entre entre entre entre

2009 e 20152009 e 20152009 e 20152009 e 2015

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS ASSISTANCE MISSION IN

AFGHANISTAN, 2015 c.

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Mortes Ferimentos

44

Os confrontos ocorridos entre as forças armadas e os insurgentes no Afeganistão,

no primeiro trimestre de 2015, somados ao uso de minas explosivas e ataques, resultaram

em 1155 civis feridos e 655 mortos, o que significa um aumento de 8% em relação ao mesmo

período no ano anterior. Somente os combates foram responsáveis por 136 mortos e 386

feridos (“VÍTIMAS...”, 2015). Além disso, mais de 3450 soldados, sendo eles principalmente

representantes dos EUA ou da OTAN, morreram em operação no Afeganistão desde sua

entrada 2001 (“CINCO...”, 2014). Como pode-se notar no gráfico 2, desde 2009, é

progressivo o aumento de mortes e feridos no país.

As minas terrestres são um grande obstáculo na vida dos afegãos. Elas estão

presentes no país desde a chegada dos soviéticos, em 1979, que tornaram o Afeganistão no

país com mais minas terrestres escondidas do mundo (GEORGE, 2002). Todo mês, entre 30

e 60 pessoas são mortas por esses instrumentos de guerra, e entre as vítimas, de 60 a 70%

são crianças, devido à maior exposição que elas têm e por terem menos discernimento em

relação aos territórios onde as minas terrestres possivelmente estão escondidas. Além

disso, entre 50 e 60% dos deficientes físicos no país estão nessa situação devido às minas.

Por fim, existe, no país, grande preconceito com pessoas mutiladas, que encontram maiores

dificuldades de conseguir emprego e de ingressar em uma universidade (HASRAT-NAZIMI,

2013).

Existem movimentos que buscam retirar as minas explosivas, como o Centro das

Nações Unidas de Coordenação das Ações sobre Minas Terrestres no Afeganistão

(MACCA) e a Campanha Internacional pelo Banimento das Minas Terrestres (ICBL), que

aglutinam mais de 1200 ONGs. A ICBL foi responsável por pressionar o governo afegão a

assinar o Tratado de Ottawa, de 1977, o qual “proíbe o uso, a estocagem, a venda e a

transferência de minas terrestres” (GEORGE, 2002). Por outro lado, a busca pela retirada

das minas terrestres é dificultada pelo Talibã, que protagoniza casos de atentados a

removedores do artefato explosivo (“TALIBAN...”, 2014).

A UNAMA também tem sido essencial para garantir o apoio humanitário ao povo do

Afeganistão. A missão buscou suporte em diferentes programas e agências das Nações

Unidas e em empresas, visando a diminuir os custos da missão; também promoveu acordos

internacionais envolvendo militares, atores sociais e comunidades, para garantir a prestação

de serviços comuns, com foco na área médica e de emergência. Ademais, a proteção da

mulher recebe grande destaque na missão, que busca a integração feminina na esfera

pública, monitora e relata violências contra as mulheres e se esforça, sobretudo, para

garantir a paz dentro do país (UNITED NATIONS ASSISTANCE MISSION IN

AFGHANISTAN, 2015 a).

45

A Conferência de Londres, ocorrida no Afeganistão, em dezembro de 2014, que

envolveu o Reino Unido, Irlanda do Norte e outras organizações, é de extrema importância

para o atual desenvolvimento do Afeganistão, pois garantiu o suporte para o que foi

chamado de a “Década da Transformação” para o país. Dentre as propostas, estão planos

de reformas para atender os direitos humanos, combater a corrupção e diminuir a

dependência externa do Afeganistão. As melhorias têm sido refletidas no retorno dos

refugiados para o país. Apesar de, em 2014, ter havido 156.193 afegãos refugiados devido ao

conflito, em janeiro de 2015, houve o retorno de 22.309 afegãos (GENERAL ASSEMBLY;

SECURITY COUNCIL, 2015, p. 11).

Novos desafios: a ascensão do Estado IslâmicoNovos desafios: a ascensão do Estado IslâmicoNovos desafios: a ascensão do Estado IslâmicoNovos desafios: a ascensão do Estado Islâmico

O Estado Islâmico (EI) tem sido uma das maiores preocupações ocidentais

atualmente. O EI é considerado o mais extremista dos grupos jihadistas, devido à grande

violência e à propaganda violenta utilizadas pela organização. Abu Bakr al-Baghdadi, líder do

EI, declara-se sucessor de Maomé. Ele pertencia à al-Qaeda no Iraque, que cresceu quando

Saddam Hussein foi morto, pois o novo governo, xiita, começou a perseguir os sunitas, o que

fez com que muitos começassem a apoiar o EI. A radicalização desse grupo se deu,

sobretudo, ao apoio norte-americano ao governo xiita (“O ESTADO...”, 2015).

O Estado Islâmico tem ganhado forças principalmente no Iraque e na Síria e tem

como meta principal expandir-se territorialmente com a criação de um estado teocrático

islâmico, unificando os Estados localizados no leste do mar Mediterrâneo (KUENFER;

RIFFEL, 2014). Um dos principais fatores que possibilitaram o crescimento dessa

organização radical foi o financiamento por grupos da Arábia Saudita. A vasta transferência

de dinheiro gerou um grupo forte, com cerca de 1 milhão de combatentes, e que pôde

superar os militares do Iraque, que estavam em maior número (“O ESTADO…”, 2015).

No Afeganistão, além de o EI recrutar novos membros, em janeiro de 2015, membros

do Talibã liderados pelo ex-comandante Mullah Abdul Rauf se declararam fiéis a Abu Bakr

al-Baghdadi, deixando, portanto, de seguir o Talibã (LOYN, 2015). Logo, o receio das

retiradas das tropas norte-americanas, tanto para o governo dos EUA quanto para o do

Afeganistão, está ligado ao crescimento do EI, simbolizado pela troca das bandeiras brancas

do Talibã para as bandeiras pretas do EI. O grupo extremista é visto com rejeição por boa

parte da população afegã, que teme um aumento dos conflitos. O EI também tem causado

grande instabilidade no país, principalmente pelo fato de aumentar os combates existentes

internamente, inclusive contra o Talibã, o qual não tem força suficiente para responder à

altura. Somado a isso, alguns membros do EI pregaram regras que devem ser seguidas pelos

46

afegãos e alertam as pessoas sobre possíveis ataques futuros (SHALIZI, 2015). Dessa

forma, a situação atual é de mudanças nos combates internos ao Afeganistão, com o

crescimento de homens-bomba, trazendo maior instabilidade e incerteza.

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