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CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DA PARAÍBA - CEDDHC RELATÓRIO DA VISITA AO CENTRO EDUCACIONAL DO ADOLESCENTE (CEA) - JOÃO PESSOA (PB), REALIZADO EM 03 DE OUTUBRO DE 2011 CONSELHEIROS: Duciran Van Marsen Farena - (Conselheiro Presidente CEDDHC-PB) Pe. João Bosco do Nascimento - Conselheiro Vice-presidente Guiany Campos Coutinho - Conselheira Valdênia Paulino Lanfranchi - Conselheira O Centro Educacional do Adolescente de João Pessoa está situado no Bairro de Mangabeira, com acesso por uma rua de terra. Está vinculado à Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (FUNDAC), por sua vez órgão da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Humano do Estado da Paraíba. A aparência externa das instalações é boa. Há muito lixo acumulado ao ar livre na rua de acesso ao CEA. A visita do Conselho ao CEA foi motivada pelas inúmeras denúncias apresentadas ao Con- selho. A visita iniciou-se às 9h00 com término às 11h00. O roteiro da visita incluiu: a) Entrevista com a diretora adjunta senhora Ana Luíza; b) Visita ao consultório dentário e à enfermaria; c) Visita à escola: três salas de aula e direção; d) Conversas com os adolescentes de algumas alas. 1. ENTREVISTA COM A DIRETORA ADJUNTA Quando os Conselheiros foram apresentados à senhora Ana Luíza Félix, esta estava comendo uma maçã. Continuou comendo a maçã até que terminasse, durante a conversa. Segundo a Diretora Adjunta, o Diretor do CEA, senhor Rildo Roberto Silva Lima estava em férias, motivo pelo qual não se encontrava na Unidade. Dos adolescentes - A diretora adjunta informou que o equipamento tem capacidade para 69 ado- lescentes, mas na data da visita abrigava 129 adolescentes. Destes, há uma média de 40 adolescentes cumprindo medida de internação provisória (prazo de até 45 dias que corresponde ao tempo de espera para a aplicação da medida sócio-educativa); os demais estão entre os que cumprem medida de internação e os que cumprem medida de internação-sanção, ou seja, aqueles adolescentes que descumpriram a medida em meio aberto e retornam à medida de internação por três meses como punição. A diretora adjunta não soube precisar quantos adolescentes cumprem medida sócio-edu- cativa de internação e de internação-sanção.

CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS … · A visita do Conselho ao CEA foi motivada pelas inúmeras denúncias apresentadas ao Con-selho. A visita iniciou-se às 9h00 com término

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CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS

DO HOMEM E DO CIDADÃO DA PARAÍBA - CEDDHC

RELATÓRIO DA VISITA AO CENTRO EDUCACIONAL DO ADOLESCENTE (CEA) - JOÃO PESSOA (PB), REALIZADO EM

03 DE OUTUBRO DE 2011

CONSELHEIROS:

Duciran Van Marsen Farena - (Conselheiro Presidente CEDDHC-PB)Pe. João Bosco do Nascimento - Conselheiro Vice-presidenteGuiany Campos Coutinho - ConselheiraValdênia Paulino Lanfranchi - Conselheira

O Centro Educacional do Adolescente de João Pessoa está situado no Bairro de Mangabeira, com acesso por uma rua de terra. Está vinculado à Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (FUNDAC), por sua vez órgão da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Humano do Estado da Paraíba. A aparência externa das instalações é boa. Há muito lixo acumulado ao ar livre na rua de acesso ao CEA. A visita do Conselho ao CEA foi motivada pelas inúmeras denúncias apresentadas ao Con-selho. A visita iniciou-se às 9h00 com término às 11h00. O roteiro da visita incluiu:

a) Entrevista com a diretora adjunta senhora Ana Luíza;b) Visita ao consultório dentário e à enfermaria;c) Visita à escola: três salas de aula e direção;d) Conversas com os adolescentes de algumas alas.

1. ENTREVISTA COM A DIRETORA ADJUNTA

Quando os Conselheiros foram apresentados à senhora Ana Luíza Félix, esta estava comendo uma maçã. Continuou comendo a maçã até que terminasse, durante a conversa. Segundo a Diretora Adjunta, o Diretor do CEA, senhor Rildo Roberto Silva Lima estava em férias, motivo pelo qual não se encontrava na Unidade.

Dos adolescentes - A diretora adjunta informou que o equipamento tem capacidade para 69 ado-lescentes, mas na data da visita abrigava 129 adolescentes. Destes, há uma média de 40 adolescentes cumprindo medida de internação provisória (prazo de até 45 dias que corresponde ao tempo de espera para a aplicação da medida sócio-educativa); os demais estão entre os que cumprem medida de internação e os que cumprem medida de internação-sanção, ou seja, aqueles adolescentes que descumpriram a medida em meio aberto e retornam à medida de internação por três meses como punição. A diretora adjunta não soube precisar quantos adolescentes cumprem medida sócio-edu-cativa de internação e de internação-sanção.

2. DO QUADRO DE PESSOAL

A direção é composta pelo Diretor que tem formação em pedagogia e pela Diretora Adjunta que está em formação (5º período do curso de direito). A equipe técnica é assim formada:

a) Assistentes sociais: 06 –três efetivas e três provisórias (carga horária de seis horas diárias).b) Psicólogas: 05 – carga horária de seis horas diárias.c) Psicodiagnóstico: 01 – carga horária de seis horas diárias.d) Dentista: 01 – trabalha todos os dias da semana. Não foi informada a carga horária.e) Médica: 01 – atende na Unidade três sextas-feiras por mês. Não soube precisar carga horária.f) Fisioterapeuta: 01– está à disposição da Unidade duas vezes por semana.g) Defensoria Pública: 03– segundo informação, as defensoras, de forma alternada, vão à Unidade todos os dias.

Capacidade do CEA é de 69 pessoas mas na data da visita eram 129 adolescentes

h) Agentes de segurança: 48 agen-tes. No período diurno a previsão é de 32 agentes e para o período noturno a previsão é de 16 agen-tes. Os agentes são contratados por uma empresa terceirizada. A função é vigiar. Alguns agentes estão há vários anos nessa função, mesmo tendo trabalhado para di-ferentes empresas de segurança contratadas pelo Estado. Os agen-tes afirmaram ter recebido cursos de capacitação para trabalharem na unidade, cursos proporciona-dos pela empresa contratada do Estado. CEA tem 48 agentes de segurança, contratos por empresa terceirizada

A Unidade não tem educadores.

O acesso de visitas ao Centro é feito, no caso do sexo feminino, mediante revista íntima, como é pa-drão no sistema carcerário paraibano. As visitas são despidas e há exame e toque nas mulheres.

3. DA FUNCIONALIDADE INTERNA

Plano Individual de Atendimento (PIA) – Os conselheiros solicitaram exemplos de PIA da Unidade. Foi apresentado um modelo em branco, que, segundo informação, é iniciado e nem sem-pre completado. À instância do Conselho foi apresentada uma pasta de atendimento de um ado-lescente que já teve mais de uma passagem pela Unidade. Nesta pasta, o PIA era da semiliberdade e estava em branco, sem preenchimento. Na pasta não havia nenhum estudo multidisciplinar com proposta de acompanhamento. Chamou a atenção de que as apreensões do menor eram sempre acompanhadas de acusações de desacato e resistência. Há registro que em uma das apreensões o menor teria chegado muito machucado à Unidade. Não há notícia de realização de exame de corpo delito.

Regimento de Disciplina – A Unidade conta com um Regimento Interno que contempla o regimento de disciplina. O Regimento está datado de 2004 com as páginas fora de ordem e com conteúdo precário. A informação é que está sendo construído um novo regimento juntamente com o Plano Político Pedagógico. A Diretora Adjunta informou que a direção é responsável pelo proces-so disciplinar porque o conselho disciplinar não está funcionando.

Sistema de Informação para Infância e Adolescência(SIPIA) – Dos 129 adolescentes cer-ca de 35 estão cadastrados no SIPIA, mas a alimentação de dados é deficitária em razão do tempo exigido. Segundo a Diretora Adjunta não há profissionais para alimentá-lo. A informação é de que estão trabalhando para melhorar o processo de alimentação do SIPIA.

4. DAS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS

A única atividade pedagógica é da escola que é de responsabilidade da Secretaria do Estado da Educação. Sobre o funcionamento da escola, foi respondido que os adolescentes com medida de inter-nação provisória não frequentam aulas, mas têm uma atividade semanal de sensibilização. Os adolescentes com medida sócio-educativa de internação e internação sanção frequenta-riam as aulas todos os dias. Visitando as três salas de aula existentes, verificamos que a média de adolescentes que frequentam a escola não alcança 40%. Outra verificação é que os adolescentes vão à escola situada dentro da Unidade, uma ou no máximo duas vezes por semana por 1h30 por dia. Dos dois dias, um dia se ministra aula e o outro é apresentado um filme de escolha da escola. Os adolescentes que cumprem medida de internação provisória, com os quais conversamos, relataram que não existe a atividade mencionada pela Diretora Adjunta, ou seja, a reunião semanal de sensibilização. Segundo informações dos professores as aulas estão previstas para iniciar às 7h30, mas os adolescentes são apresentados sempre com atraso de 30 minutos à uma hora, tempo que vem des-contado do período de aula. A Diretora da escola, senhora Graça Lira informou que estão concluindo o novo plano pe-dagógico e apresentará a grade curricular junto com ele. A diretora manifestou preocupação com o fato da direção do CEA suspender aulas tendo como justificativa a dificuldade de juntar adoles-centes envolvidos em facções criminosas. Segunda a Diretora da Escola e da Coordenadora Peda-gógico é preciso fazer um trabalho para que os adolescentes frequentem espaços comuns dentro da Unidade com vistas a romper esta cultura. A direção da escola não está de acordo com a suspensão de aulas pela Direção do CEA como forma de castigo disciplinar. Não há atividades esportivas ou culturais, nem oferta de atividades profissionalizantes. O banho de sol é realizado duas vezes por semana. Revista íntima – Na mesma modalidade das penitenciárias. As visitas são despidas e há exame e toque nas mulheres.

5. DA ESTRUTURA

O aspecto interno das alas, alojamentos e corredores é lastimável. As paredes estão sujas, com vazamentos e umidade. Os nomes poéticos dados às alas “Harmonia”, “Paz” “Felicidade” soam como cinismo na terrível realidade e devem produzir um efeito psicológico inteiramente con-trário ao desejado. Um banheiro coletivo utilizado pelos adolescentes, com privadas do tipo turco, estava com-pletamente emporcalhado e semi destruído. A situação dramática de deterioração da estrutura, com panos dependurados por todos os lados, vazamentos e fiações expostas coloca em sérias dúvidas a segurança dos adolescentes ali internados. Foram visitadas algumas alas e realizadas conversas com adolescentes. A Ala Harmonia (sic!) tem aproximadamente 04 x 06 metros e tem 10 adolescentes que dor-mem em colchonetes de espumas no chão. Na ala não há banheiro ou torneira. Não há ventilação. Os adolescentes fazem as necessidades fisiológicas em garrafas de plástico. A garrafa que armaze-na a água para beber está em péssimas condições. A garrafa fica do lado de fora da ala e não tem tampa. Os adolescentes reclamaram que quando pedem para ir ao banheiro, os vigias demoram em atender. A única distração são dois aparelhos de TV embutidos na parede imediatamente oposta às celas, sintonizados em desenhos animados. Os adolescentes queixaram-se da sujeira e da falta de colchões. Foram exibidos alguns colchões rasgados e sujos.

Garrafas que armazenam água para beber Ala Felicidade

Banheiro coletivo Deterioração da estrutura

6. OUTRAS OBSERVAÇÕES

Os adolescentes passam o tempo todo confinados, sem nenhuma atividade pedagógica, cul-tural ou profissionalizante. Reclamam da falta de atendimento pelas técnicas. Vários adolescentes relataram que chegam a ficar três meses sem atendimento psicológico.

Chamou-nos atenção o estado de sonolência dos adolescentes. Perguntado aos adolescentes se haviam passado a noite em claro, responderam que não, mas que por falta de atividades dor-miam.

A Diretora Adjunta, sem formação acadêmica específica, demonstrou pouco preparo para um cargo de direção de uma Unidade de alta complexidade, muitas vezes não podendo proporcio-nar informações básicas sobre seu funcionamento.

A pasta de atendimento de um dos adolescentes que foi apresentada demonstra que não há estudo de caso para planejar o acompanhamento do adolescente.

Nota-se pouca interatividade no planejamento das atividades da Unidade com a escola. Se-gundo informação da Diretora Adjunta, as atividades comuns são de datas comemorativas.

Enfermaria – O que chamam de enfermaria é uma cela com aproximadamente 09 metros quadrados para 07 adolescentes em beliches. Esta cela serve para os adolescentes doentes e para os adolescentes que precisam de “seguro”.

Ao lado da sala de odontologia há dois banheiros. Um deles está interditado há mais de seis meses.

Alimentação – A alimentação é terceirizada. Há muitas queixas com relação à alimentação, especialmente quanto à frequência do café da manhã, merendas e janta. O almoço no dia visitado foi examinado e pareceu de qualidade aceitável.

Estrutura precária do CEA Panos dependurados por todos os lados

7. CONCLUSÕES

Verifica-se no CEA de João Pessoa total desrespeito ao Estatuto da Cri-ança e do Adolescente, art. 94 e 124 da Lei 8069/90; às regras da Organiza-ção das Nações Unidas - ONU para a proteção de jovens privados de liberdade, 1990; e ao art. 40 da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil pelo Decreto n. 99.710 de 21.11.90.

Adolescentes do CEA

7. RECOMENDAÇÕES

1 – Encaminhar equipe de inspeção do Corpo de Bombeiros para que realize inspeção das ins-talações e elabore parecer sobre a segurança das instalações, no prazo de 15 (quinze) dias. O parecer deverá também ser encaminhado ao CEDDHC-PB;

2 – Encaminhar, no prazo de 30 (trinta) dias equipe de engenharia para levantamento das con-dições e projeto de reformas e adaptações que se fizerem necessárias quanto às condições de segurança, habitabilidade, higiene e salubridade das instalações, e, inclusive, para que sejam instalados banheiros em todas as alas e reformados os existentes e instaladas torneiras com água corrente em todas as celas;

3 – Realizar, no prazo de 90 (noventa) dias, todas as reformas conforme o projeto referido no item anterior;

4 – Enquanto não realizadas as reformas, abster-se de encaminhar novos jovens infratores à unidade até que concluídas todas as reformas previstas no item anterior, de sorte a assegurar condições mínimas de segurança, habitabilidade e salubridade aos internos;

5 – Orientar, fornecendo a infraestrutura necessária, os servidores do CEA para que preencham corretamente os Planos Individuais de Atendimento; realizem os estudos multidisciplinares e assegu-rem o seu cumprimento, por meio do devido acompanhamento psicológico dos adolescentes; enfim, alimentem corretamente os dados do SIPIA - Sistema de Informação para Infância e Adolescência;

6 – Assegurar, no prazo de 30(trinta) dias, a frequência de todos os adolescentes ali custodiados às aulas, bem como elaborar um projeto pedagógico para a Unidade;

7 – Assegurar, no prazo de 60 (sessenta) dias, o oferecimento de atividades pedagógicas extra-classe, culturais e/ou profissionalizantes, para os adolescentes ali custodiados;

8 – Contratar, no prazo de 90 (noventa) dias, educadores sociais para acompanhamento dos adolescentes, ficando os atuais agentes de segurança restritos às suas funções próprias;

9 – Responder, no prazo de 30 (trinta) dias, informando o Conselho a respeito das providências tomadas para cumprimento desta recomendação.

Encaminhe-se para conhecimento e cumprimento, ao Exmo. Sr. Governador do Estado da Paraí-ba, Ricardo Coutinho, e à Exma Sra. Secretária Estadual de Desenvolvimento Humano, Maria Aparecida Ramos de Meneses.

Copia deste à Promotoria da Infância e da Juventude do Ministério Público Estadual da Paraíba., para ciência e providências.

João Pessoa, 20 de outubro de 2011

DUCIRAN VAN MARSEN FARENAPROCURADOR DA REPÚBLICA - PRESIDENTE DO CEDDHC-PB