construção amorosa

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/31/2019 construo amorosa

    1/15

    11Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    A construo amorosa

    Ar

    tigos/Art

    icles

  • 7/31/2019 construo amorosa

    2/15

    12 Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    Eugne Enriquez

  • 7/31/2019 construo amorosa

    3/15

    13Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    A construo amorosa

    A const ruo amorosa*

    Eugne Enriquez**

    RESUMO

    O sentimento amoroso ter desaparecido em favor da sexualidade? Apesarde certas tendncias cticas e cnicas de nossas sociedades desenvolvidas, oamor continua a se manifestar, j no tanto como um amor louco quecorre o risco de terminar brutal ou tragicamente, mas na forma de umapaixo pacientemente construda, que favorece a reciprocidade dosinvestimentos dos dois parceiros, situados em relaes simtricas, partilhandoprazer, felicidade e sofrimento e que, sem deixar de lado a sexualidade, sejacapaz de um trabalho de sublimao e de mentalizao. Assim, o amor porsi mesmo no se separa do amor pelo outro, a proximidade no exclui oconflito, o desejo no bloqueia o pensamento. Alm do mais, o amor pelooutro, quando expandido no amor sublimado pelos outros, permite que serealize o trabalho da cultura.

    Palavras-chave: Sentimento amoroso; Reciprocidade; Sublimao; Confli-to; Desejo; Pensamento.

    fcil, nas sociedades ocidentais contemporneas, apaixonar-se, aceitar, ou me-lhor, desejar a paixo primeira vista. A razo disto simples: arrisca-se pouco,ou nada. O lao rapidamente estabelecido pode ser desatado to depressa quanto

    foi atado. No tempo, que j vai longe, em que o casamento era indissolvel, nos temposmais recentes, em que, apesar da possibilidade de divrcio, a maioria dos casais ficavamunidos at a morte de um dos parceiros, em que certo grau de unio livre era tolerado,uma declarao de amor constitua verdadeiro compromisso para o melhor e para o pior(o pior sendo mais provvel) e tinha conseqncias essenciais na vida dos dois protago-nistas, no importando a forma legal ou no que os unia.

    Texto recebido em fevereiro de 2003 e aprovado para publicao em abril de 2003.*

    Traduzido do original La construction amoureuse, por Eunice Dutra Galery.** Socilogo, Doutor em Sociologia pela cole de Hautes tudes en Sciences Sociales (EHESS), professordo Laboratoire de Changement Social da Universit de Paris 7, redator-chefe da Revue Internationale dePsychosociologie. e-mail: [email protected].

  • 7/31/2019 construo amorosa

    4/15

    14 Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    Eugne Enriquez

    Em compensao, em nossa poca, em que o indivduo no digamos o sujeito rei e reclama a mais completa liberdade, reivindicando, muitas vezes com razo, todosos direitos possveis, mas parecendo tambm estar destinado ao gozo sexual, felicidadee ao riso perptuo um riso que ressoa lugubremente em todos os programas televisivos

    de variedades, que fazem do riso contnuo um sinal de sua eficincia e de seu poder; emque o indivduo vive no efmero, no instante, porque o mundo muda e tenta liquidar amemria, pois cada pessoa pode amar apaixonadamente um dia seu parceiro e deix-lono dia seguinte, amar algum e fazer amor com algumas outras pessoas, sem se preocuparmuito com isso, ou ainda dizer que ama, sem saber o que isso quer dizer, nunca se faloutanto de amor, porque nunca se amou to superficialmente e em to pouco tempo. Alis,todo mundo sabe disto agora: quanto mais se fala de alguma coisa, menos ela tende aexistir. Proclama-se o amor para exorcizar o dio ou a indiferena.

    Evidentemente, existem cticos ou cnicos que no se constrangem mais por causa

    do amor. H ouve, podemos nos lembrar, uma poca em que o termo foi banido, porqueobsoleto, na tica de um discurso psicanaltico redutor, que se tomava por desmistifica-dor, at o dia em que R. Barthes (1977) que era, com os outros grandes estruturalistas(Lacan, Lvi-Strauss, Foucault, Althusser), um dos poucos que podia escrever o que pen-sava publicou Fragmentos de um discurso amoroso, que teve efeito de uma bomba naintelligenzia parisiense da rive gauche. Eles tm outras preocupaes: exercer o poder oupraticar a sexualidade com exagero. Eles fodem seus concorrentes e trepam at perdero flego. (Espero que desculpem a crueza de minhas palavras). Esto perfeitamente em

    sintonia com nossa sociedade daperformance, na qual as pessoas so respeitadas na medidada excelncia que mostram em sua rea de atuao. Da a proliferao de livros de homense, cada vez mais, de mulheres (a paridade est sempre onde no existe) que narram suasaventuras sexuais, com uma seriedade de bom-tom e que se deixam admirar pelas mul-tides, invejosas de seus recordes. O prprio Don Juan acabar por parecer obsoleto;quanto a Casanova, que apreciava as mulheres com quem ia para a cama e que, muitasvezes, lhes assegurou futuro, este est completamente fora de moda.

    Mas, sejam verdadeiros amantes de um dia ou de alguns meses, ou simplesmente(para retomar a expresso preferida de vrios autores) pessoas que trepam como respi-

    ram, eles deixam de lado as dificuldades inerentes a toda construo amorosa, que, comoqualquer construo, exige tempo.

    Que significao dar a este termo: construo amorosa? Uma primeira definio(se definir o amor no faz-lo calar-se ou conden-lo) poderia ser: o amor autntico, oque estabelece uma simetria (ou a dessimetria mais leve possvel) nas relaes e uma re-ciprocidade dos investimentos, o que se baseia no desejo (a libido) de manter com al-gum uma relao privilegiada, mas no exclusiva a exclusividade marca da paixo eda alienao, como bem o mostrou Aulagnier (1979) , na qual um e outro sero tanto

    fonte de prazer e de felicidade quanto de sofrimento, e na qual sero mais ativos os pro-cessos de sublimao e o trabalho de mentalizao do que os processos de idealizao ede descarga afetiva. , pois, como um edifcio que passa continuamente por fases de cons-

  • 7/31/2019 construo amorosa

    5/15

    15Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    A construo amorosa

    truo, de desconstruo, de reconstruo, ou ainda, para falar como Stendhal, pela cris-talizao, pela descristalizao, pela recristalizao, das quais ainda falaremos, edifcioeminentemente frgil e semelhante a um castelo de areia suscetvel de ser destrudo pelomar, mas que, simultaneamente e ao contrrio, tambm capaz de represar as ondas e,

    como o Zuiderzee, de venc-las.A construo de tal edifcio exige uma vida inteira, ou pelo menos muitos anos, esitua os amantes no que uma caracterstica do ser humano e social, a temporalidade(ausente nos animais, at prova em contrrio, pois eles so movidos pelos instintos e seinstalam na repetio; os seres humanos, se s vezes tambm repetem, esto condenados inovao e inveno).

    AMOR, DOENAECULTURA

    Vamos proceder lentamente. Meu ponto de partida ser uma frase de Freud (1914,p. 91), que me parece essencial: Um slido egosmo nos resguarda do amor, mas, afinal,precisamos amar para no ficar doentes e corremos o risco de cair doentes quando nopodemos amar.

    Assim, se alguns falam de doena de amor e outros da contigidade do amor eda morte (alis, os antigos gregos tinham dificuldades para separar tropos de Afrodite),Freud (1914-1969) diz que o amor que nos permite ter uma vida sadia. Certamente,

    sabemos que ningum perfeitamente sadio (normal) e que ningum, mesmo o mais psi-ctico, completamente doente (patolgico). Entretanto, se concordarmos com G. Can-guilhem (1970), perceberemos que o indivduo sadio, normal, , antes de tudo e essen-cialmente, o que normativo, apto, pois, a impor suas prprias normas, a interrogar,mesmo quando as aceita, as normais sociais, o que no tem medo de se desfazer (M.de MUzan, 1977) e, portanto, capaz de enfrentar perigos, arriscando-se a morrer por isso., pois, um ser de convico (Weber, 1959), uma pessoa causa de si mesma (En-riquez, 1984), embora conhea as determinaes sociais que pesam sobre seus sentimen-tos e suas decises.

    Ento, amar um outro enfrentar um risco maior. Porque o outro pode tanto res-ponder a nosso apelo quanto rejeit-lo, ou se divertir s custas dele. (Este ponto ser re-tomado mais adiante). Ao afrontar esse perigo potencial, essa possibilidade de se tornardoente por causa do outro, o homem afasta de si a doena. Mas de que doena se trata?A doena suprema: a de ser separado do conjunto social, da espcie humana, de se voltarpara si mesmo, de s ter ateno para suas pulses e para suas fantasias, de ser incapaz deestabelecer relaes de reciprocidade com outros e, portanto, de contribuir para a tessituracontnua da ligao social.

    A doena, ento, ficar, como os animais, no estado de natureza e de no se con-ceber como um ser da cultura ou, em outras palavras, como um ser que pensa, que sublimae que age com outros na fundao sempre renovada de uma civilizao. O doente , assim,

  • 7/31/2019 construo amorosa

    6/15

    16 Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    Eugne Enriquez

    o indivduo que se isola da civilizao e que v apenas seus prazeres e seus sofrimentos,esquecendo-se de que parte integrante dos prazeres e sofrimentos de outrem.

    Todavia, em seus escritos, especialmente em Mal-estar na cultura, Freud parecedesenvolver uma idia em contradio a esta. Ele mostra que o amor excessivo, que os

    amantes podem se bastar com seu amor e que no se preocupam com o que se passa emvolta deles.

    Quando um relacionamento amoroso se encontra em seu auge, no resta lugar para qual-quer outro interesse pelo ambiente; um casal de amantes se basta a si mesmo; sequer neces-sitam do filho que tm em comum para torn-los felizes. Em nenhum outro caso Eros re-vela to claramente o mago do seu ser, o seu intuito de, de mais de um, fazer um nico;contudo, quando alcana isso da maneira proverbial, ou seja, atravs do amor de dois sereshumanos, recusa-se a ir alm. (Freud, 1930)

    Pensamento popular que a cano expressa bem: Os amorosos esto sozinhos no

    mundo. O amor seria contra a civilizao ou, pelo menos, instalaria uma falha nesta.Entretanto, a contradio pode ser resolvida. O amor provoca, incontestavelmen-

    te, uma ruptura no processo civilizador, na medida em que este quer sempre criar uni-dades cada vez maiores e tende a homogeneizar o mundo, ao desenvolver um amor essen-cialmente sublimado: amizade, camaradagem, fraternidade. Mas trata-se a do processocivilizador tal como se realiza em nossas sociedades, nas quais o desenvolvimento econ-mico e a obsesso pelo poder tm primazia sobre qualquer outro valor; sociedades, pois,de guerra poltica ou de guerra econmica. Sociedades que acentuaram as tenses into-

    lerveis (Freud, 1971), que aumentaram o autoconstrangimento (Elias, 1973) e que aca-baram ( o diagnstico de Freud, em O mal-estar na civilizao) por fazer prevalecer apulso de morte sobre a pulso de vida.

    Se, por outro lado, consideramos o processo civilizador como querendo semprecriar essas entidades cada vez maiores, mas desta vez respeitando as diferenas indi-viduais e coletivas, cada indivduo constituindo um distanciamento absoluto (Fourier,1996) para os outros, dando mais importncia troca, doao, gratuidade, ao con-vvio, corrente de amor (Eros) que atravessa a espcie humana e que faz com que todosos seres sejam irmos e irms (o que no quer dizer que seja sempre fcil viver com eles),

    cidados que tm direitos e, igualmente, deveres para com os outros e para com todo oplaneta, ento o amor um elemento central do processo cultural e civilizador, porqueindica que, se h seres que se preferem, nem por isso eles rejeitam os outros.

    Muito pelo contrrio, o amor que tm um pelo outro enriquece a espcie humanapelos sonhos que suscitam (pensemos num mundo ocidental sem Tristo e Isolda, semRomeu e Julieta, sem Laura e Petrarca, sem Dante e Beatriz, sem Jaufre Rudel e a condessade Trpoli; pois bem, esse mundo seria muito mais pobre e s citei alguns nomes, en-quanto outros se agitam sob minha pena) e pela capacidade que os amantes tm de criar

    um contgio, uma imitao, uma epidemia em volta deles, e de contribuir, por menor queseja seu poder, para criar uma civilizao do amor.Utopia, sonho insano, diro talvez os leitores. No me parece to certo. Pois me-

  • 7/31/2019 construo amorosa

    7/15

    17Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    A construo amorosa

    smo que nosso mundo esteja mais marcado por Thanatosdo que porEros, mais pelo com-bate do que pelo debate lingstico, sabemos que, se o amor jamais se manifestasse, aindaque em surdina, viveramos em um planeta entregue unicamente aos mais fortes e nin-gum se interessaria pelos excludos, pelos miserveis, pelas naes desfavorecidas; nin-

    gum daria mostras de compaixo (no sentido forte do termo), nem de respeito e con-siderao pela dignidade dos outros. Ora, contrariando os espritos fortes, essas ten-dncias existem realmente, embora minoritrias, e assinalam a participao de todos nacultura e na espcie humana.

    AMORDESI, AMORPELOOUTRO

    Acrescentamos que esse trabalho de elaborao do lao social s pode interessar aos

    indivduos que se sentem e se querem livres. G. Simmel (1988) fala a respeito disso de ma-neira admirvel:

    Somente o ser que ama um esprito realmente livre. Porque somente ele enfrenta cadafenmeno com essa capacidade ou essa progresso para acolh-lo, para apreci-lo pelo que, e sentir inteiramente todos os seus valores no se limitando por nada anterior ou pre-estabelecido. O ctico, de esprito crtico, aquele que , teoricamente, desprovido de pre-conceito, se comporta de maneira diferente. Notei, muitas vezes, que esse tipo de homem,temendo perder sua liberdade, no oferece uma acolhida realmente independente, em re-lao a tudo o que vem de fora... acolhida que necessita sempre de uma certa entrega ao

    fenmeno.

    Quais so os acompanhantes dessa liberdade que se abre para o amor? Primeira-mente, e mesmo que isso soe paradoxal, o amor de si, ou seja, certa dose de narcisismo.Se um narcisismo exacerbado s pode levar ao egosmo ou morte (Narciso se afogandoem sua imagem), um narcisismo bem dosado indispensvel. Seno, o amor por ou-trem, o investimento em um outro, sua idealizao frentica, seriam apenas indcios deum buraco na personalidade, que o outro deveria, imperativamente, preencher.

    O outro seria esse galho ao qual o amante se agarraria, porque estaria desprovido

    de balizas e de pontos de referncia. Tal amor daria a outrem o lugar de um objeto cujonico papel seria o de fornecer satisfao total e constante para a falta fundamental de con-fiana em si e at mesmo da existncia do amante. No sou nada, s tudo, e graas a tieu vivo. Se este o caso, o outro superinvestido, colocado em lugar, impossvel de assu-mir, do grande Todo, do ser insubstituvel que d sentido vida seria, na realidade,devorado (trata-se bem de uma vontade e de um ato de vampirismo ou de canibalismo).Se s existo atravs do outro, continuo a no existir e mato o outro o sentido quetalvez se possa dar ao verso de Oscar Wilde (1980) (mesmo se ele no o tiver escrito com

    essa inteno): Mata-se sempre o que se ama.Se algum aceita deixar-se devorar, pois se sente indispensvel vida do outro e su-perpoderoso (o que o coloca em uma posio narcsica perfeitamente mortfera), ele se

  • 7/31/2019 construo amorosa

    8/15

  • 7/31/2019 construo amorosa

    9/15

    19Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    A construo amorosa

    PROXIMIDADEECONFLITO

    Esse movimento em direo ao outro no dirigido para qualquer outro. No ape-nas este ltimo no deve tentar assegurar seu domnio sobre o amante, mas deve, apesar

    de suas diferenas, ser um pouco semelhante ao primeiro. Os socilogos, h muito tempo,mostraram que a escolha do cnjuge raramente era aleatria. mais freqente que os hu-manos se aproximem de pessoas do mesmo pas, da mesma cultura, regio, classe ou pa-rentesco, da mesma formao ou de uma formao complementar (ex.: mdico e en-fermeira).

    Essa vizinhana tem como funo reduzir a poro de desconhecimento e de perigoque representa, sempre imaginria e simbolicamente, o outro. Imaginariamente, porquequalquer indivduo sabe bem que o outro pode invadi-lo, quebrar seus envelopes ps-quicos (Anzieu, 1987), instalar-se nele, coloc-lo a sua merc, englob-lo e sufoc-lo si-

    lenciosamente, mesmo se o ama e, freqentemente, porque o ama. (Essa inclinao ,alis, mais forte nos homens do que nas mulheres, como tentei mostrar em Da horda aoEstado(1983). Simbolicamente, porque o outro se refere a uma lei, a normas especficas,e suscetvel de querer pr seu amante sob a gide dessa lei.

    Se o outro apresenta pontos de semelhana, a hiptese segundo a qual o acordo serpossvel, a partilha assegurada toma consistncia. No necessrio deplorar essa pouca in-ventividade ou esse pouco esprito de aventura, porque os casamentos ou as alianas defato multiculturais, multitnicas, multiclasses, etc, so extremamente difceis e pedem, de

    cada parceiro, um esforo especial e constante, uma aceitao das diferenas que poucaspessoas esto aptas a assumir.Um exemplo ser suficiente: alguns operrios ou superintendentes, tendo conse-

    guido, graas formao profissional, tornar-se engenheiros em suas empresas e conhecero prazer de uma mobilidade ascendente, no conseguem manter as mesmas relaes comseu cnjuge de origem operria. Tornando-se executivos, comeam a ter vergonha de suasmulheres, que vivem e se conduzem sempre como operrias. Podemos deplorar, no planodos princpios, essa pouca abertura a uma pessoa considerada radicalmente diferente, mas foroso reconhecer que as pessoas quaisquer (essa qualificao no pejorativa) no

    esto altura de se dedicar a um trabalho considerado titnico.O amor durvel tem tambm maiores chances de nascer entre pessoas que adotam

    as mesmas regras de vida e tm gostos partilhveis. Tristo s amar uma princesa, e Ro-meu, uma mulher de famlia to nobre quanto a sua. O amor da princesa e do limpadorde chamins uma bela lenda. Como toda lenda, raramente se inscreve na realidade. Seo outro sempre um inquietante unheimlich (estranho), ele deve ser tambm suficiente-mente heimlich (familiar) para ser escolhido. Freud bem o percebeu, ao ver sempre nooutro essa mistura de perigo e de proximidade. A maioria dos seres opta pela proximida-

    de, tentando negar ou diminuir o perigo inerente a qualquer encontro.Entretanto, a proximidade pode ser um engodo. Ela a promessa de um prazer rec-proco fcil de conquistar e de um sofrimento evitado. Ela no leva em considerao a difi-

  • 7/31/2019 construo amorosa

    10/15

    20 Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    Eugne Enriquez

    culdade de uma relao em que cada um continua irredutvel ao outro (no importa suavizinhana), com seus sentimentos, suas opinies, suas convices prprias, e na qual po-de entrar em conflito aberto ou latente com o outro e ser fonte de sofrimento.

    Se a relao simtrica, o conflito como elemento estruturante inerente a qual-

    quer relao (Kant, 1947, tinha toda razo de notar, aps Empdocles, que se o homemquer a concrdia, a natureza pede a discrdia),1 na qual o eu e o tu, caros a M. Buber(1948) no so rplicas um do outro deve acontecer necessariamente. Ele nada tem depatolgico, no pode ser considerado como disfuno. O conflito (a discrdia) a outraface do amor. Se o conflito no existisse, se a resistncia fosse definitivamente vencida, osseres se fundiriam ou se admirariam no espelho um do outro e soltariam balidos de co-mum acordo, como os cordeiros kantianos.

    Quando dois seres se amam verdadeiramente, eles so capazes (poderamos mesmodizer, eles devem) fazer-se sofrer mutuamente, cada um deles podendo apontar a falha do

    outro e aument-la, mesmo s querendo seu bem. preciso no esquecer, alm disso, queo amor no se joga com dois personagens, mas com trs.

    Como o falo que todos procuram conquistar, que se esquiva como o furo da can-o (il court, il court, le furet ele corre, corre, o furo), e que faz o papel de uma terceirainstncia desestabilizando os protagonistas da luta pelo poder, o amor igualmente umainstncia tal que atinge com suas flechas um e outro, que cada pessoa quer apanhar e en-carnar(eu te amo significa bem sou todo amor, sou todo o amor), mas que no pro-priedade de ningum (os Antigos j o tinham percebido, fazendo do Amor o personagem

    que conduz o jogo e que no conduzido por ningum). Logo, o amor , em si mesmo,fonte de sofrimento. Estar enamorado significa sofrer (naturalmente tambm, como foidito, ter prazer), viver como um ser sofredor.

    Assim Amor inconstantemente me conduz;E quando penso atingir a maior dorSem pensar me encontro livre de pesar.Depois, quando creio ser certa minha alegriaE encontrar-me no auge de minha hora desejadaEle me faz voltar a minha primeira infelicidade.2

    (Louise Labb)

    Se o conflito est presente estruturalmente na relao amorosa, se o Amor umaterceira instncia que traz, alm do prazer, o sofrimento, porque, muito simplesmente,

    1 Sem essas qualidades de insociabilidade (dos homens), fonte da resistncia que cada um deve necessaria-mente encontrar para pretenses egostas, todos os talentos ficariam para sempre estreis, no meio de umaexistncia de pastores da Arcdia, numa concrdia, numa satisfao e num amor mtuos perfeitos; os ho-mens, doces como as ovelhas que levam a pastar, no dariam maior valor existncia do que a seu rebanho

    domstico, escreve Kant.2 Ainsi amour inconstamment me meine/ et quand je pense avoir plus de douleur/ sans y penser je me treuvehors de peine/ puis quand je croy ma joye tre certaine/ et tre au haut de mon dsir heur/ il me remet emmon premier malheur.

  • 7/31/2019 construo amorosa

    11/15

    21Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    A construo amorosa

    Erosest sempre ligado a Thanatos. A pulso de morte joga seu jogo e termina sua obra:o desligamento. Nisto, ela luta contra as ligaes muito estreitas, contra a tentao da fu-so, e assim se inscreve como o signo de que a paixo, com seu desvario, e a alienao, comsua impossibilidade de se retomar, no tero lugar. Ela impede o que a Fedra de Racine

    vive no grau mais elevado:Eu o vi, enrubesci e empalideci ao v-lo;Uma confuso cresceu em minha alma desorientada;Meus olhos no mais viam, no podia falar.Senti meu corpo todo gelar e queimar.3

    SeErosdeve falar alto para criar e manter a ligao, Thanatosdeve desligar, o que causa de sofrimento, mas que permite o prazer do encontro com um ser, tambm elecausa de si mesmo, que ama o outro por ele mesmo, e no para satisfazer algum desejo

    paranico ou megalomanaco.

    EXOTA E DESCENTRADO

    Nessa relao nova, que se cria e se edifica entre dois seres, o mais surpreendente que, para que eles se aproximem, sem se confundir, necessrio que tanto um como ooutro combatam a proximidade, que havia permitido a relao, e que ambos se tornemexotas e descentrados, seno excntricos, um para o outro.

    Exota aqui empregado no sentido que lhe deu Segalen (1986) e que tive ocasiode retomar. Exota quer dizer a capacidade de perceber o novo, o diverso, o estrangeiro,naquilo que mais familiar, poder conceber de outro modo (Segalen), ver no outro, acada dia, uma nova pessoa, desconhecida, que traz a surpresa, o indito, o radicalmentediferente, uma beleza convulsiva (Breton, 1928), que canta uma cano longnqua(Schrecker),4 que faz com que nos lembremos do que nunca existiu e que deveria ter exis-tido. Colocar-se em posio de exota , como o diz Vigny (1949), Amar o que nuncase ver duas vezes. Porque o exota (o homem, por exemplo) nunca ver em sua mulher,

    que ele v todo dia, a mesma mulher, mas, pelo contrrio, um ser nascendo e renascendoa cada instante. O que no quer dizer que a memria seja alijada e que os bons e maus diassejam esquecidos ou recalcados.

    Isso no implica apenas que a memria ajuda os dois protagonistas a se colocar notempo e a construir sua obra comum, mas tambm ue ela perde seu peso de lembranasgeladas, de remorsos, de censuras repetidas, e que cada um, com tudo o que o fez ser e cres-cer, continua a se criar, a criar o outro, a inventar uma relao. As palavras que cada um

    3 Je le vis, je rougis, je plis sa vue;/ un trouble sleva dans mon me perdue/ mes yeux ne voyaient plus,je ne pouvais parler./ Je sentis tout mon corps transir et brler.

    4 O autor se refere pera Der Ferne Klang (1912), de Franz Schreker (NT).

  • 7/31/2019 construo amorosa

    12/15

    22 Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    Eugne Enriquez

    usa no so mais depreciadas (Aragon, 1942), elas conservam em seu ntimo o silncioque as fez nascer, so inocentes, abrem-se para o desejo sempre renovado.

    Descentrado nos remete idia de que tanto um quanto outro no se colocamno centro de um mundo bem conhecido e bem balizado, devem se procurar na periferia,

    nas margens, no lugar para o qual no se olha habitualmente. So difceis de encontrar,porque desnorteiam e se desnorteiam, perdem-se, no esto onde seriam esperados e ondeeles mesmos se esperavam, porque eles prprios se surpreendem com o que esto cons-truindo, por vias transversas, ou mesmo por caminhos que no levam a parte alguma.

    evidente que os amantes no podem viver, todo o tempo, nesse grau de incan-descncia. Eles tm necessidade, como qualquer indivduo, de momentos nos quais re-pousam, se reencontram, se agarram a amarras slidas, momentos nos quais se deixam le-var por alguns bons hbitos tranqilizadores. Mas, se apreciam demais tais momentos derelaxamento, nos quais sua vida no mais uma busca desenfreada, eles podero criar afei-

    o, ternura (o que j bem bom), mas vero apagar-se, progressivamente, o fogo doamor. Porque o amor, em seu sentido mais forte, olhar o outro, desej-lo, desejar suapresena, seu corpo, suas preferncias sexuais, sua palavra, como se fosse a primeira ou altima vez.

    Utilizei neste texto, vrias vezes, a palavra desejo, sem defini-la. Agora podemos vero que ela conota: este appetitus, esta aspirao a alguma coisa por ela mesma, como diziaSanto Agostinho (1998), a viver com o objeto-sujeito de sua escolha (e por quem se foiescolhido), de modo sempre renovado, aceitando todos os prazeres e todos os sofrimentos

    inerentes existncia de um outro definitivamente separado e com quem se constri umarelao aere perennius (Horcio, 1980).O desejo se cristaliza em dom de si, em dom de seu tempo, de sua presena, de sua

    sexualidade, e de contra-dom da parte do outro, de tal forma que os dois parceiros nuncacessam de dar, de receber, de retribuir (Mauss, 1950), com toda a ambigidade que exis-te nesse tipo de troca, que mistura o gasto ostensivo com a gratuidade, o consumismo coma consumao (Bataille, 1949), o erotismo sexual com o erotismo dos coraes (Ba-taille, 1957), o perigoso com o familiar, o sofrimento com o prazer.

    AMOREPENSAMENTO

    Entretanto, apenas o desejo pode no bastar. E todo o desenvolvimento precedentej o mostra. O desejo deve sempre ser acompanhado de um trabalho de mentalizao. Oque o poeta Fernando Pessoa exprime admiravelmente: O amor um pensamento.

    No amor, cada qual pensa o outro em seu discurso interior (como salientou Au-lagnier, 1990), faz uma representao dele, desenha-o, faz com que passe figurabilidade.

    Os poetas sempre souberam disso. Cantaram o outro, em sua ausncia, para torn-lo omais presente possvel. Ficaram na expectativa do momento esperado da viso e do reco-nhecimento, a expectativa como promessa de realizao.

  • 7/31/2019 construo amorosa

    13/15

    23Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    A construo amorosa

    Qual no ser o deleite/ quando to doce a sombra da espera,5 lembra-nos Scve(1984). O amante espera a cada dia, na ausncia do ser amado, que vir a seu encontroe que o far rememorar os bons momentos, vividos ou fantasiados. Se essa ausncia de-finitiva, o outro tendo morrido (a argila vermelha bebeu a branca espcie/ o dom de viver

    passou para as flores Valry, 1922),6

    esta espera tomar a forma da nostalgia, depoisdo trabalho do luto, a fim de que a sombra do objeto (no caia) sobre o eu (Freud, 1918)e de que a morte do(a) outro(a) no venha invadir tudo e impedir a vida de continuar.Deixemos os mortos enterrar seus mortos, diz o Eclesiastes. O pensamento, cantado ouno, continua seu caminho, se transfigura. Mas est sempre ali, para que o amor no sereduza ao afeto ou descarga emocional.

    E depois, se os seres continuam vivos, os pensamentos se permutam, as imagens seentrecruzam, as palavras fazem eco ou ressonncia e cada qual espera, na presena um dooutro, a palavra desejada, a que criar algo novo (se as palavras podem matar, podem tam-

    bm fazer nascer), a que est marcada pela irreversibilidade. Palavra desejada, mais ou me-nos semelhante palavra real. Se a distncia entre elas grande demais, qual no a de-cepo! Se h coincidncia, qual no a alegria! [alegria, alegria, prantos de alegria (Pas-cal, 1936)].

    Um momento de felicidade inefvel, mas sem nada definitivo. Se essa palavra toesperada, porque sempre o outro que diz a verdade sobre o amor. Cada qual esperaa palavra do outro como uma revelao, uma epifania. Se o parceiro no mais ama, pode-mos continuar a reclamar o amor. Mas ele est terminado, e bem terminado. Entretanto,

    o que suplica nunca est seguro disto. Talvez um dia ele renasa. Mas ser preciso que mui-tos novos esforos de criao sejam feitos.A conservao do amor de outrem sua reconquista contnua, e a conservao do

    amor que temos em ns, uma recriao igualmente contnua deste, escreve, com justeza,Simmel (1988). De qualquer forma, esta conquista ou esta reconquista deve ser acom-panhada de um juramento. O de respeitar o segredo do outro. No apenas cada um temdireito ao segredo (Aulagnier, 1976), mas o segredo necessrio, porque a transparn-cia mortfera. Se houvesse conhecido todas as tuas lembranas, eu te estrangularia, es-creve Rimbaud (1972).

    No podemos, nem devemos, saber tudo a respeito do outro, porque se trataria deuma intruso, de uma vontade de controle sobre seu parceiro, e o amor acabaria por su-cumbir. O segredo, em compensao, relana a imaginao, colabora com o trabalho dopensamento, d ao desejo uma nova colorao, faz emergir novos projetos, traa limites demanda excessiva, como, por exemplo, a que expressa pela Roxane do Bajazet de Ra-cine (1952): Quando fao tudo por ele, se ele no faz tudo por mim/ eu abandono o in-grato.7

    5 Quelle sera la dlectation/ quand ainsi douce est lombre de lattente.6 Largile rouge a bu la blanche espce/ le don de vivre est pass dans les fleurs.7 Quand je fais tout pour lui, sil ne fait tout pour moi/ jabandonne lingrat.

  • 7/31/2019 construo amorosa

    14/15

    24 Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    Eugne Enriquez

    RSUM

    Le sentiment amoureux a-t-il disparu au profit de la sexualit? Malgr cer-tainaines tendances sceptiques et cyniques de nos socits dveloppes, la-mour continue se manifester, moins sous la forme dun amour fou querisque daboutir une fin brutale ou tragique qui sous celle dune passionpatiemment difie; celle-ci favorise la rciprocit des investissements dedeux partenaires, placs dans des rapports symtriques qui partagent leplaisir et le bonheur comme la souffrance et qui, tout en faisant sa part lasexualit, soit capable dun travail de sublimation et de mentalisation. Ainsilamour de soi ne se spare pas de lamour de lautre, la proximit nexclut

    pas le conflit, le dsir nentrave pas la pense. De plus lamour de lautre,quand il se continue par lamour sublim des autres permet au travail de laculture de saccomplir.

    Mots-cl: Sentiment amoureux; Rciprocit; Sublimation; Conflit; Dsir;Pense.

    Ento, os amantes podem se entregar construo de seu amor, construo frgil,sempre a ser retomada, como a tela que Penlope tecia, mas impregnada pela beleza detodos os monumentos que resistem, tanto quanto podem, aos ventos desordenados da vi-da, runa que os espreita. Para exorcizar essas ameaas, o prazer sexual tem seu papel,

    o nascimento de filhos, igualmente. Mas eles no so suficientes.O prazer do pensamento, a alegria da imaginao, o desejo de partilhar, a su-blimao das pulses, o interesse pelos outros humanos, o gosto do tempo que passa e qued ritmo criao e ao engajamento, o trabalho suave da memria, continuam a ser ele-mentos indispensveis para criar um espao em que os amantes podem se encantar umcom o outro e se alegrar juntos, mesmo conhecendo os obstculos cotidianos que arriscamencontrar e a finitude qual esto sujeitos.

    Ser que o jogo vale a pena? A decepo no arrisca derrubar tal edifcio, que s sesustm pela vontade de se inscrever na durao? possvel, talvez mesmo provvel, porque

    a sociedade contempornea falseia tal empreitada. Mas apenas os que aceitaram os de-safios considerados como impossveis, sem por isso serem heris, deixaram sua marca nahistria e permitiram s novas geraes referir-se a pais amantes e amveis e a se tornaremcriativas. Deixemos, pois, os amantes entregues a sua tarefa, evitando julg-los. Eles tmbastante a fazer, sem precisar, alm do mais, prestar contas a um pblico ctico.

  • 7/31/2019 construo amorosa

    15/15

    25Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 13-25, jun. 2003

    A construo amorosa

    Referncias bibliogrficas

    AUGUSTIN, St. (430) Les confessions. Paris: Gallimard/La Pliade, 1988.

    ANZIEU, D. Les enveloppes psychique. Paris: Dunot, 1987.

    ARAGON. Les yeux dElsa. Paris: Seghers, 1942.

    AULAGNIER, P. Les destins du plaisir. Paris: PUF, 1979.

    AULAGNIER, P. Un interprte en qute de sens. Paris: Ramsay, 1986.

    BARTHES, R. Fragments dun discours amoureux. Paris: Seuil, 1977.

    BATAILLE, G. De la parte maudite. Paris: Minuit, 1949.

    BATAILLE, G. Lrotisme. Paris: Minuit, 1957.

    BRETON, A. Nadja. Paris: Gallimard, 1928.

    BUBER, M. (1923) Je et Tu. Paris: Aubier, 1948.

    CANGUILHEM, G. Le normal et le pathologique. Paris: PUF,1970.ELIAS, N. (1939) La civilisation des moeurs.

    ENRIQUEZ, Eugne. De la horde ltat. Paris: Gallimard, 1983. Trad. brasileira: Da hordaao Estado. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

    ENRIQUEZ, Micheline. Les carrefours de la haine. Paris: EPI, 1984. Trad. brasileira: Nasencruzilhadas do dio. So Paulo: Escuta, 2000.

    FREUD, S. (1914) Pour introduire le narcisisme. In: La vie sexuelle.Paris: PUF, 1969.

    FREUD, S. (1930) Malaise dans la civilisation. Paris: PUF, 1971.

    FREUD, S. (1915) Deuil et mlancolie. Paris: Gallimard, 1968.FOURIER, C. (1845) Le nouveau monde amoureux. Paris: Anthropos, 1966.

    HORACE. Odes. Paris: Gallimard/La Pliade, 1980.

    KANT, E. (1784) La philosophie de lhistoire. Paris: Aubier, 1947.

    MAUSS, M. Essai sur le don. In: Sociologie et Anthropologie. Paris: PUF, 1950.

    MUZAN, M. De lart la mort. Paris: Gallimard, 1977.

    PASCAL, B. (1662) Les penses. Paris: Gallimard/La Pliade, 1936.

    RACINE, J. (1672) Bajazet. Paris: Gallimard/La Pliade, 1952.

    RIMBAUD, A. (1872) Les illuminations. Paris: Gallimard/La Pliade, 1952.

    SCVE, M. (1544) La Delie. Paris: Gallimard, 1989.

    SEGALEN, V. (1918) Notes sur lexotisme. Paris: Livre de Poche, 1986.

    SIMMEL, G. (1916) Philosophie de lamour. Paris: Rivages, 1988.

    VALRY, P. Charmes. Paris: Gallimard, 1922.

    VIGNY, de A. (1844) La maison du berger. Paris: Gallimard/La Pliade, 1949.

    WEBER, M. (1919) Le savant et le politique. Paris: Plon, 1959.

    WILDE, O. (1905) De profundis. Paris: Stock, 1980.