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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Construção da identidade cultural e leitora em tempos de elogios à superficialidade: o consumo de novas narrativas por pré-adolescentes 1 Fulvia Zonaro 2 Universidade Anhembi-Morumbi Resumo A velocidade, a individualização e a superficialidade marcam a maioria das relações sociais da nossa época. E estamos construindo nossas identidades permeadas por estes valores líquidos nas redes sociais, principalmente naqueles que nasceram e estão se desenvolvendo dentro destas novas realidades e novas narrativas. Este estudo visa discutir a promoção do hábito de leitura e o engajamento do consumidor pré-adolescente nestes tempos híbridos; debater a identidade das crianças, ativas nas telas-tudo (publicam, opinam, interagem, criam, divulgam, consomem) e que são colocadas de forma passiva nas cadeiras escolares; analisar o fenômeno do consumo midiático de literatura e de cinema em pré-adolescentes, principalmente, no que tangencia o livro/filme “A culpa é das estrelas”, do americano John Green. Palavras-chave: cultura participativa; novas narrativas; cultura de mídias; identidade leitora; literatura infantojuvenil. 1. Introdução: juventude conectada “Assim, a cibercultura, ao instaurar uma cultura planetária de troca e da cooperação, estaria resgatando o que há de mais rico na dinâmica de qualquer cultura” (p. 3). “Por cibercultura podemos compreender a cultura contemporânea, marcada basicamente pelas redes telemáticas, pela sociabilidade on-line, pela navegação planetária pela informação” (p.5). “Uma das principais características dessa cibercultura planetária é o compartilhamento de arquivos, músicas, fotos, filmes etc., 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 3 - Comunicação, consumo e infâncias, do 5º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2 Mestranda em Comunicação Audiovisual na Universidade Anhembi-Morumbi. Pós-graduada em Docência no Ensino Superior. Graduada em Letras e Pedagogia. Professora de Língua Portuguesa e Leitura na Prefeitura de São Paulo CEU EMEF Água Azul. E-mail: [email protected].

Construção da identidade cultural e leitora em tempos de ...anais-comunicon2015.espm.br/GTs/GT3/5_GT03-ZONARO_Fulvia.pdf · culpa é das estrelas” vendeu perto de 650 mil cópias

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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

Construção da identidade cultural e leitora em tempos

de elogios à superficialidade: o consumo de novas narrativas

por pré-adolescentes1

Fulvia Zonaro2

Universidade Anhembi-Morumbi

Resumo

A velocidade, a individualização e a superficialidade marcam a maioria das relações sociais da

nossa época. E estamos construindo nossas identidades permeadas por estes valores líquidos

nas redes sociais, principalmente naqueles que nasceram e estão se desenvolvendo dentro destas

novas realidades e novas narrativas. Este estudo visa discutir a promoção do hábito de leitura e

o engajamento do consumidor pré-adolescente nestes tempos híbridos; debater a identidade das

crianças, ativas nas telas-tudo (publicam, opinam, interagem, criam, divulgam, consomem) e

que são colocadas de forma passiva nas cadeiras escolares; analisar o fenômeno do consumo

midiático de literatura e de cinema em pré-adolescentes, principalmente, no que tangencia o

livro/filme “A culpa é das estrelas”, do americano John Green.

Palavras-chave: cultura participativa; novas narrativas; cultura de mídias; identidade

leitora; literatura infantojuvenil.

1. Introdução: juventude conectada

“Assim, a cibercultura, ao instaurar uma cultura planetária de troca e da

cooperação, estaria resgatando o que há de mais rico na dinâmica de qualquer cultura”

(p. 3). “Por cibercultura podemos compreender a cultura contemporânea, marcada

basicamente pelas redes telemáticas, pela sociabilidade on-line, pela navegação

planetária pela informação” (p.5). “Uma das principais características dessa

cibercultura planetária é o compartilhamento de arquivos, músicas, fotos, filmes etc.,

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 3 - Comunicação, consumo e infâncias, do 5º Encontro de

GTs - Comunicon, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2 Mestranda em Comunicação Audiovisual na Universidade Anhembi-Morumbi. Pós-graduada em

Docência no Ensino Superior. Graduada em Letras e Pedagogia. Professora de Língua Portuguesa e

Leitura na Prefeitura de São Paulo – CEU EMEF Água Azul. E-mail: [email protected].

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construindo processos coletivos” (p. 4). “O ciberespaço é, ao mesmo tempo, forma e

conteúdo cultural, modulador de novas identidades e formas culturais” (p.6). Estas

frases foram retiradas da conferência apresentada por André Lemos no Fórum Cultural

Mundial e no Simpósio Emoção Art.Ficial, em São Paulo (julho/2004) e representam a

tese sobre a qual este artigo versa, buscando fundamentar o fenômeno ocorrido durante

o ano de 2014 com o filme/livro “A culpa é das estrelas” – Acede, do estadunidense

John Green; e como as relações entre fãs, autor, mídias sociais e indústrias de

entretenimento e informação se deram no processo de identidade juvenil e na cultura

midiática em que estamos inseridos, principalmente, no que tangencia a criação da

identidade cultural e leitora em alunos no Ensino Fundamental II, na rede pública, em

uma escola do extremo leste paulistano (Cidade Tiradentes).

Grande campeão de vendas de livros de ficção em 2014 (PublishNews), “A

culpa é das estrelas” vendeu perto de 650 mil cópias. Ainda figuram na mesma lista

outros livros do John Green: “Cidade de Papel”, em 3º lugar e “Teorema Katherine”

em 5º lugar na lista. O primeiro romance publicado por Green, “Quem é você, Alasca?”,

em 2006, ganhou o Prêmio Michael L. Printz, da American Library Association, e tem

lançamento no cinema previsto para 2016.

Os números de telespectadores da obra cinematográficas também não são

discretos: Acede fechou o ano de 2014 no topo da lista dos filmes mais assistidos no

País. São mais de 6,1 milhões de espectadores, ficando à frente de “Malévola”, “X-

Men” e “Frozen”. 3 Mesmo sendo uma narrativa “simples”, sem grandes efeitos

especiais, sofreu um processo de aceitação significativo por parte dos jovens e pré-

adolescentes que, de forma aparentemente autônoma, compartilharam, criaram,

interagiram e se apropriaram da obra literária e audiovisual.

Passaram-se dez anos desde a palestra de André Lemos. Nesta década,

percebemos imediatamente muitas alterações substanciais, tanto tecnológicas como de

3 ANCINE – Agência Nacional do Cinema. Informe de Acompanhamento do Mercado. Disponível

em: <http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/Informes/2014/ Informe_anual_preliminar_2014_

ArquivodePublicacao.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2015.

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comportamento, nas teses apresentadas por ele. Em seu texto, Lemos fala de Orkut,

extinto oficialmente em 2014. Hoje, o Facebook concorre com Tumblr, Pinterest,

Instagram. Lemos fala em “napsterização”, fenômeno de troca de arquivos entre os

usuários ponto a ponto (peer to peer), referendando um software pago de troca de

músicas. Hoje, músicas, filmes, fotos, textos podem ser “baixados” em centenas de sites

(legalmente ou não) ou mesmo enviadas do meu celular para o seu computador.

Obviamente, como alerta Pierry Lèvi, nenhuma obra ou análise poderia dar

conta de toda a diversidade e possibilidades de navegação na internet ou redes sociais.

Podemos encontrar “praticamente tudo e qualquer coisa na internet (ou, senão tudo de

fato, com certeza as referências para tudo)”, assim, qualquer estudo ou análise que tenha

por base a internet, ainda hoje, “será parcial e nenhum poderá dar a ideia da infinidade

de navegações possíveis” (Lévy, 2010, p.88). Faremos um recorte aqui como exemplo

para esta análise, mas sabendo que este sempre será parcial, uma forte característica

cultural deste tempo líquido em que o acesso ao conhecimento é muito fragmentado e

disperso, principalmente, no que diz respeito aos consumidores mais jovens que

tornaram-se caçadores e coletores de informação, possuem prazer em rastrear

as origens das personagens e pontos da trama e fazer conexões entre textos

diferentes dentro da mesma franquia. E, além disso, todas as evidências

sugerem que os computadores não anulam outros meios de comunicação, em

vez disso, os proprietários de computador consomem, em média,

significativamente mais televisão, filmes, CDs, e mídia relacionadas do que a

população em geral. (JENKINS, 2003 – on-line).

A partir deste trecho, podemos perceber que o acesso às redes sociais e as mídias

de forma ampla, de alguma forma, contribuem para este consumo de bens culturais

(Paglioto; Machado, 2012, p.702-5), como é demonstrado na fala de uma aluna de 13

anos, na escola CEU EMEF Água Azul, em junho de 2015: “Estava todo mundo falando

do livro no Facebook e no Tumblr. Mas eu quis primeiro ler o livro, porque queria

poder criticar”. Esta frase demonstra o empoderamento que as redes sociais estão dando

aos telespectadores e as mudanças em sua situação de consumidor/autor.

Existe um movimento (que ainda não parou) de convergência das diversas

plataformas para a web, como ressalta Canclini. Os bens culturais e o acesso à

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informação, diversão e conhecimento estão convertidos e sintetizados nas múltiplas

telas a que todos temos acesso, embora, sejam os jovens nativos nestas tecnologias que

parecem fazer uso cada vez mais intenso destas:

Trata-se, já sabemos, de um processo de recomposição em escala mundial. (...).

Agora, a convergência digital está articulando uma integração multimídia que

permite ver e ouvir, no celular [e em outras telas], áudio, imagens, textos

escritos e transmissão de dados, tirar fotos e fazer vídeos, guardá-los,

comunicar-se com outras pessoas e receber as novidades em um instante. Nem

os hábitos atuais dos leitores-espectadores-internautas, nem a fusão de

empresas que antes produziam em separado cada tipo de mensagem, permitem

agora conceber como ilhas isoladas os textos, as imagens e sua digitalização

(2008, p.33-4, grifo meu).

Logicamente, a cultura digital em que estamos inseridos é fruto da soma de

diversas culturas, meios e produções que se fizeram ao longo da nossa história, em um

processo cumulativo de saberes, uma cultura híbrida (como diz Costa, Lemos, Jenkins,

entre outros). E é na web que a divulgação midiática massiva cultural se propaga com

maior força entre os pré-adolescente urbanos (Lèvy, 2010, p.125). Como todos podem

emitir, ser autor ou co-autor, interferir e interagir uns com os outros e com a obra, “e é

essa liberação que, em nossa hipótese, vai marcar a cultura da rede contemporânea em

suas mais diversas manifestações”: mensagens instantâneas, jogos on-line, blogs,

vlogs, Wikipédia, troca de músicas, filmes, fotos, textos...

Jenkins marca a convergência dos fluxos de conteúdos, integrações e suportes

ao comportamento do público, à cultura de cooperação, “que vão a quase qualquer parte

em busca das experiências de entretenimento que desejam” (2009, p. 29). A conver-

gência “representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são

incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meios a conteúdos de

mídia dispersos”. Isso é a base da cultura participativa, em que o engajamento dos fãs

não só promovem, como divulgam, interferem e geram conteúdos para muito além dos

controles das corporações. “Participantes interagindo de acordo com um novo conjunto

de regras, que nenhum de nós entende por completo”. Mas não para por aí! A

“convergência ocorre dentro dos cérebros dos consumidores”, cada um construindo a

sua “própria mitologia pessoal”. “O consumo tornou-se um processo coletivo” (p.30).

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2. Livro, filme, vlog: os superpoderes das narrativas...

Carismático e falando diretamente ao público jovem, a esmagadora maioria das

entrevistas e reportagens brasileiras sobre John Green trata-o como um fenômeno mais

publicitário do que literário e a maioria nem considera o teor dos Vlogbrothers4 e muito

menos seus conteúdos. Hoje, não é mais possível dissociar o produto (livro, filme...) e

o autor, porque a perceptível indústria de entretenimento atua nas marcas e nos produtos

criados, investe em gerar/criar muitas “febres adolescentes”, caracterizando-os, muitas

vezes, como necessidade de consumo (desenfreado e banal, talvez?), principalmente

para quem procura respostas e analisa os fenômenos sociais. Nossa sociedade atual é

composta por consumos, status de posses e por sensações de pertencimento a grupos

variados pelo que eles usam, vestem, ouvem, leem.

A arte de ouvir e contar histórias é tão antiga quanto o homem. E, não importa

o meio ou o suporte, “homens e mulheres se importam com pessoas que não lhes são

próximas, que não estão mais vivas, ou que nem sequer existem” pelo simples prazer

natural da ficção, argumenta Jerônimo Teixeira, em matéria especial de capa da Revista

Veja (14/05/2014).

Segundo a matéria,

ficção é um traço definidor da humanidade, e como tal se pode afirmar que ela

tem raízes biológicas profundas. Cultivar o hábito de leitura (e, em especial, da

boa leitura) surte efeitos nítidos: desenvolve a imaginação, o vocabulário e o

conhecimento, a capacidade de associar – de usar a inteligência de forma mais

plena, enfim. Não é acaso, por exemplo, que todos os jovens de grande

promessa nos estudos e na carreira, mostrados nesta reportagem, sejam leitores

vorazes. (TEIXEIRA, 2014, p.127-8)

Ainda, a revista declara que estudos comprovam que a “ficção melhora a nossa

empatia, nossas habilidades sociais e nossa inteligência emocional”. “Empatia é um

conceito-chave para entender as razões de sermos animais que narram histórias”, além

4 Canal do YouTube criado pelos irmãos John e Hank Green que abrangem questões do dia a dia, fatos

políticos e sociais e impressões da vida, psicologia, literatura, filosofia. Em junho de 2015, o

Vlogbrothers conta com mais de 2,5 milhões de seguidores e lista mais de 6.900 vídeos postados no

canal.

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de ativar regiões do cérebro ligadas à motricidade. Por exemplo, se o personagem

caminha na história lida, a área do cérebro responsável por este movimento é acionada,

“mesmo que o leitor esteja sentado no sofá”, afirma Teixeira, baseando-se em estudos

de Véronique Boulenger – Laboratório de Dinâmica da Linguagem/França (p. 129).

Figura 4 – Capa da Revista Veja

Fonte: Revista Veja. Ed. 2373. 14/05/2014.

Fabrícia Corsi, em artigo para o V Colóquio da ALED – Associação Latino-

Americana de Estudo do Discurso (2014), alerta que decretar que um bom leitor é um

bom estudante, como faz a matéria da Veja, é um tanto quanto sensacionalista. A capa

e o texto da revista intencionam elevar o status da leitura de ficção (e obviamente, do

livro) a um patamar impossível de comprovação. Até o texto da capa decreta, por

analogia, que ler John Green é melhorar o desempenho do estudante. “É um exagero

sem qualquer condição de ser mensurada ou decretada como verdade”.

O título interno da reportagem especial ainda avança: “A voz da geração

conectada” traz para o verbo conectar “uma plurissignificação que não temos como dar

conta de entender, explicar ou mesmo teorizar de forma definitiva” (CORSI, 2014,

apud Foucault, 2009, p.55). Corsi conclui que o jovem, hoje, lê e que afirmar o contrário

é devaneio. Ele escolhe o que ler, “mas lê, até porque vive em um mundo cercado por

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textos”. A linguagem, a temática que faz parte do mundo adolescente (conflitos,

paixões malsucedidas, dramas, pesadelos, inseguranças) é o que parece fazer de John

Green um sucesso de vendas e de público, segundo as mídias pesquisadas.

Talvez as afirmações contrárias à leitura adolescente pertençam às mesmas

visões teóricas de Flusser, que argumenta que “quem prevê não vê o que se aproxima,

mas vê a direção rumo a qual o presente se afasta” (2008, p.193), como um elogio à

superficialidade destes tempos atuais.

3. Engajamento e cultura participativa

Algumas fans arts 5 e postagens do Facebook parecem demonstrar o en-

gajamento dos leitores-espectadores adolescentes com a narrativa, como declara

Haven, um dos grandes conceituadores sobre a cultura participativa na rede (Blog do

Scup. s/d). A empatia também é um grande ingrediente de engajamento, a narrativa

“simples”, de um casal adolescente que se apaixona, mas que estão doentes, cria um

laço temático e favorece o compartilhamento de centenas de imagens, telas, metáforas

(recurso estilístico bastante explorado por John Green em seus livros) e até mesmo

paródias da obra. Esta empatia e envolvimento podem ser vistos nas imagens a seguir,

montadas por um espectador anônimo e que permite a sua interpretação das imagens e

do texto da obra pelo autor/consumidor.

Outra forma de interação com as novas narrativas se dá na produção de paródias,

brincadeiras e outras formas de entretenimento que demonstram intimidade dos fãs ao

conteúdo, seja por apreciar a narrativa, seja pelo entretenimento da postagem, seja pela

sensação que “todos” estão falando sobre o assunto. Ressalta-se o uso da linguagem

coloquial e da incorreção ortográfica, mantidas como no original (Figura 3). A

possiblidade de marcações de assuntos com as hashtag (sinal gráfico de cerquilha ou

#), também demonstra a intimidade, o engajamento e a interação que o leitor tem com

a obra, a ponto de classificar o conteúdo como ele desejar.

5 Fanart ou fan art é uma obra baseada em um personagem, fantasia, item ou história que foi criada

por fãs, amadores ou pessoas não pagas por seu trabalho.

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Figura 2 – Expectativa das emoções e de empatia com o livro-filme Acede.

Acesso em: 10 jun. 2015.

Figura 3 – Paródias publicadas na rede. Autores desconhecidos.

Acesso em 11 jun. 2015.

Talvez a sensação de intimidade possa ser proveniente do uso da plataforma,

uma vez que os adolescentes aparentemente entendem o Facebook como uma

“extensão” da sua vida, meio onde eles podem se expressar “quase” livremente (ou com

controle relativo de pais).

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Seja como for, formando ou não “leitores superpoderosos”, as novas narrativas

dentro da cultura participativa atraem aos pré-adolescentes e, inegavelmente, pelos

números expressivos, John Green sabe como trabalhar as narrativas de forma a

encantar, engajar e ressignificar tanto a leitura literária, como o vlog, como a temática

e seus leitores-telespectadores.

4. Identidade e cultura em tempos de elogios à superficialidade

Se iniciei este artigo falando em cibercultura e cultura participativa, agora é o

momento de considerarmos a cultura, a identidade (mesmo que leitora) da juventude

atual. “O que está acontecendo em volta de nós e dentro de nós mesmos é fantástico e

todas as utopias antecedentes, positivas ou negativas, estão perdendo as cores perante

o que está emergindo”. Está é a advertência que Flusser faz sobre o nosso tempo. E

peço um exercício ainda maior do leitor: os pré-adolescente de 2015 (já nascidos neste

milênio) são nativos desta imersão e não sofrem dos mesmos estranhamentos que

porventura sofrem os “adultos” que se esforçam em teorizar a nossa realidade híbrida,

“à emergência do novo”. “Ele [o livro escrito pro Flusser] coincide, de certo modo,

ainda com experiências e preocupações da recente viagem para o país dos nossos filhos

e netos” (2008, p.12-3).

Flusser vai nos fazer pensar sobre a pulverização dos indivíduos, sobre o homem

saindo do centro de interesse e análise e indo para o horizonte, espalhando a sociedade,

empurrando até o mais privado a fim de ser informado, valorizado, conhecer e vivenciar

o mundo e as coisas. Chega a pregar que “a sociologia futura explicará os homens em

função dos objetos culturais (filmes, programas de TV e de computador) que os

programam”. “As imagens alimentam os homens para serem por eles realimentadas e

para engordarem sempre mais durante o processo” (p. 75-8). Para este autor, vivemos

um paradigma de retroalimentação eterno, um circuito fechado, onde “queremos e

fazemos o que as imagens querem e fazem, e as imagens querem e fazem o que nós

queremos e fazemos”. Queremos a máquina de lavar que as imagens mostram que

queremos e queremos que as imagens nos mostrem a máquina que queremos. E vai

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além: “queremos imagens novas todas as noites”, sugerindo que o “tédio começa a se

manifestar e que o próprio progresso precipitado se vai tornando tedioso” (p.83-5).

Mário Vargas Lhosa (2009) vai nos chamar a atenção para a pulverização do

termo cultura: “cultura punk, cultura da maconha, cultura da estética nazista, e coisas

do gênero”. “Tudo é cultura e nada é cultura” (p. 61-3). E encerra dizendo “fizemos da

cultura um daqueles castelos de areia, vistosos, mas frágeis, que se desmancham com a

primeira ventania” (p. 67).

De forma menos pessimista, Santaella (2008) vê a cultura de massa como a

dissolução das polaridades “entre o popular e o erudito”, de tal forma que os “trânsitos

e o hibridismo dos meios de comunicação” criaram “redes de complementaridades” a

que ela chamou de cultura das mídias (p. 52).

Esses trânsitos, na verdade, tornam-se tão fluidos que não se interrompem

dentro da esfera específica dos meios de massa, mas avançam pelas camadas

culturais outrora chamadas de eruditas e populares. Quantos livros não

explodiram em vendas, depois de terem sido adaptados para o cinema, ou para

uma novela de TV? Quantos são aqueles que assistem novamente a um

concerto pela TV porque já o viram ao vivo? (...) Enfim, as mídias tendem a se

engendrar como redes que se interligam e nas quais cada mídia particular –

livro, jornal, TV, rádio, revistas etc. – tem uma função que lhe é específica. É

a cultura como um todo que a cultura das mídias tende a colocar em

movimento, acelerando o tráfego entre suas múltiplas formas, níveis, setores,

tempos e espaços. (2008, p. 53)

Embora, Santaella tenha revisto o termo cultura das mídias, ou cultura midiática, em

seus estudos mais recentes, o fenômeno a que ela se refere é o mesmo,

independentemente do termo empregado: “a aceleração do tráfego, das trocas e das

misturas entre as múltiplas plataformas, estratos, tempos e espaços da cultura” (p. 59).

Já Pierre Lèvy se declara um otimista dos novos tempos e defende a tese que o

ciberespaço é fruto de um “movimento social” e não de uma técnica específica ou

suporte midiático. É o movimento causado por uma “juventude metropolitana

escolarizada” e suas relações de “interconexões, criação de comunidades virtuais,

inteligência coletiva” e suas aspirações (2010, p. 125). A interconexão “provoca uma

mutação na física da comunicação”. Se tudo estiver conectado, da torradeira ao

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automóvel, “todos os espaços se tornariam um canal interativo”, uma “ciberpresença

generalizada”, um “contínuo sem fronteiras”, o universal tecido “pelo contato” (p. 129).

Mais à frente, Lèvy ressalta as comunidades virtuais e suas interações de todos

os tipos: as relações virtuais não eliminam nem reduzem as relações pessoais. Mudou-

-se a forma de comunicação, de interação, mas não a necessidade e o gosto da viagem,

da troca, da presença, do beijo. As relações virtuais se dão por interesse em comum,

“sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa,

sobre processos abertos de colaboração” (p. 132) (não mais por poder, ou por

proximidade geográfica ou relações institucionais).

De certa forma, todas as teorias apresentadas estão corretas e nenhuma é capaz

de dar conta da singularidade de nosso tempo, da velocidade e da interação cultural e

construção de identidade do pré-adolescente hoje.

Voltando ao nosso objeto de estudo, Acede é um exemplo de cultura

participativa do e no espectador e da convergência a que se referem Jenkins, Flusser e

os demais autores citados. Por um lado, enquanto consumidor, o jovem espectador é

bombardeado com propagandas, frases, citações, imagens e referências, dentro e fora

das mídias sociais, por seus iguais, gerando mais e mais conteúdo, recompartilhado

infinitamente, como aponta Flusser. Por outro, como argumenta Lèvy, este é um

processo aberto e colaborativo. Se de certa forma, com nos diz Santaella, a cultura hoje

dos jovens vem das muitas misturas a que são expostos, numa grande corrente de

saberes, produtos, mídias e interações; também não podemos deixar de notar que, assim

como os castelos de areia de Lhosa, os “modismos” a que os jovens estão expostos são

efêmeros, e dançam ao véu dos interesses breves e hedonistas que o dirigem.

O aluno, em construção de sua identidade e comportamento leitor, está exposto

a estes grandes “cibernúmeros”: ouve, vê, acessa redes sociais. A tela-tudo a que se

refere Jenkins, Flusser e Chartier.

A formação do leitor que está exposto a toda esta velocidade e transformação,

tem que passar por uma “espécie de comunhão baseada no prazer, na identificação, no

interesse e na liberdade de interpretação”, mesmo que de forma breve, essa

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identificação precisa ocorrer. E, de fato, ocorre (mesmo que ainda não sejamos capazes

de conceituá-la ou entendê-la plenamente), basta olhar as vendas de Acede em 2014.

Para que o esforço em prol da leitura (e do estudo) ocorra, se justifique e se legitime

pelo leitor, a comunhão tem que ter se estabelecido de alguma forma (Azevedo, 2004).

E essa legitimação e identificação vem, em grande parte, dos conteúdos e promoções

espontâneas nas redes sociais, como demonstra a fala da aluna, citada anteriormente.

Como nos alerta Santaella, é preciso um cuidado para entender que as mídias e

as redes sociais são apenas suportes para a interação, para esta nova cultura e para a

construção da identidade (também leitora) para as misturas efetivadas pelas pessoas,

por meio dos signos, linguagens e pensamentos, colocando o indivíduo no centro da

ação, com capacidade de criar, expandir, absorver ou ignorar, características estas

atribuídas às novas narrativas. Essas “misturas entre linguagens e meios (...) funcionam

como um multiplicador de mídias. Estas produzem mensagens híbridas, como se pode

encontrar nos suplementos literários ou culturais” (2003, p. 25-6). Este ponto é

importante salientar porque o jovem, o adolescente, não é mais um mero observador ou

consumidor do que é posto por outrem. Ele é, antes de mais nada, ativo na produção,

na divulgação e na propagação das mensagens com as quais se identifique, num

processo constante de individualização e propagação. E este engajamento (necessário

à cultura participativa, da mesma forma que na cibercultura) “são criaturas humanas.

(...) Nós somos essas culturas” (p. 30), nós somos o conteúdo que o Facebook propaga

na timeline dos nossos amigos e nos “Likes” que decidimos dar àquela postagem

(logicamente que isso irá para uma base de dados e que os nossos perfis serão tratados

como tendências de consumo para que se gere mais e mais conteúdos daquilo que nos

atraem de alguma forma). Mas, seja como for, as redes sociais e as interações que

promovem são um retrato desta sociedade, neste momento histórico.

Como diz Lucy Mary R. N. Franco, em sua tese de mestrado, ver o jovem

manifestado por meio das novas narrativas, demonstra

a presença de um jovem preocupado em tecer ponto a ponto sua inserção social

na cidade, para além de si mesmo; trata-se aqui de um jovem que tem

convicções e procura constantemente ressignificar suas experiências e escolhas

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(...) Não vemos na fala dos jovens grandes intenções de revolucionar o mundo,

mas, sim, a intenção clara de intervir, nas pequenas coisas, nos detalhes, nas

relações de sociabilidade mais próximas que estabelecem, tudo isso, sem abrir

mão do prazer de fazer aquilo que gostam e acreditam (2014, p. 161)

Não se observa que os jovens deem importância às opiniões das empresas, das mídias,

da escola e até dos pais que, muitas vezes, desconhecem as possiblidades on-line do

mundo híbrido. E mesmo que, ainda, este adolescente (mas não só ele) não tenha plena

consciência de seus “caminhos” ou até dos movimentos que o conduzem pela grande

rede, eles estão criando ou desenvolvendo novas formas de conexões com o outro, a

sociedade, o mundo e a cultura instituída. “A formação de identidades como resultado

de autoafirmação e apropriação do espaço urbano”, das narrativas, culturas, formas

como se apropriam e fazem uso destes saberes, caracterizam, hoje, o que é ser jovem.

5. Há uma conclusão possível?

Não se tem aqui a pretensão de esgotar as análises ou fundamentações acerca

dos fenômenos midiáticos, culturais e formação de identidade destes tempos híbridos.

Da mesma forma, não se trata também de encontrar respostas ou indicadores que deem

conta de justificar ou pretender explicar o porquê da obra de John Green ter feito imenso

sucesso entre o público analisado.

Não há como indicar precisões, fatos concretos ou números que baseiem

qualquer concretude analítica além das vendas do livro e da grande audiência do filme.

O que se pretendeu foi mostrar que o engajamento dos jovens diante das redes

sociais e das novas narrativas podem ser utilizados como ferramentas para

minimamente compreender a cultura participativa, o consumo, a status das novas

narrativa na sociedade atual e formas de trazer o virtual para dentro da escola, fazendo

uso desta interação híbrida para aprofundar a capacidade leitora-espectadora do aluno,

a cultura emergente hoje dessas interações e a identidade leitora que se formará ao

longo da vida deste adolescente.

Os experts em educação, segundo Jenkins, “estão reconhecendo que encenar,

recitar e apropriar-se de elementos de histórias preexistentes é uma parte orgânica e

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valiosa do processo através do qual as crianças desenvolveram letramento e cultura”

(2009, p. 250). E estes são recursos valiosos para a educomunicação, uma vez que o

mundo virtual da sociedade ainda encontra muita resistência dentro das aulas e das

escolas mais conservadoras. Jenkins continua perguntando:

que diferença fará, ao longo do tempo, se uma porcentagem crescente de jovens

escritores começar a publicar e receber feedbacks sobre sua obra enquanto

ainda estão no colégio? (...) O que vai acontecer quando esses jovens escritores

compararem suas observações, se tornarem críticos, editores e mentores? (...)

Nossa compreensão do que significa ser autor – e o tipo de autoridade se deve

atribuir a autores – necessariamente muda (2009, p. 251-2).

Acredita-se que este fenômeno de apropriação das obras artísticas e literárias já

tenha se iniciado e que essas relações com a produção cultural e o autor já passaram

para outro estágio social. Resta esperarmos o tempo para saber se o fenômeno Acede

será o primeiro de muitos outros ou, como outros tantos autores, este teria sido uma

exceção à regra.

Seja qual for a resposta, os alunos que se apropriaram deste fenômeno, que

leram, que assistiram e que propagaram as metáforas de John Green, as cenas dos

filmes, a emoção e as críticas durante a leitura e as opiniões do longa metragem nas

redes sociais, foram transformadas por esta nova dinâmica narrativa e sofreram

interferências que contribuíram para a construção da sua identidade leitora.

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