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Construção e Identidade As Idéias Da UNESCO No Brasil

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O autor é responsável pela escolha e pela apresentação dos fatos contidos nesta publicaçãoe pelas opiniões aqui expressas, que não são necessariamente as da UNESCO e não comprometema Organização. As designações empregadas e a apresentação do material não implicam aexpressão de qualquer opinião que seja, por parte da UNESCO, no que diz respeito ao statuslegal de qualquer país, território, cidade ou área, ou de suas autoridades, ou no que diz respeitoà delimitação de suas fronteiras ou de seus limites.

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edições UNESCO BRASIL

ConselhoEditorialdaUNESCOJorge WertheinJuan Carlos TedescoCecilia BraslavskyAdama OuaneCélio da Cunha

Organização e Seleção: Célio da Cunha e Maria Luiza MonteiroRevisão Técnica: SuelyTeixeiraRevisão:DPE StudioAssistente Editorial: LarissaVieira LeiteDiagramação: Fernando BrandãoProjeto Gráfico: Edson Fogaça

Copyrigth©2002, UNESCO

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a CulturaRepresentação no BrasilSAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6,Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.70070-914 � Brasília � DF � BrasilTel.: (55 61) 321-3525Fax: (55 61) 322-4261E-mail: [email protected]

Werthein, JorgeConstrução e identidade: as idéias daUNESCOnoBrasil / JorgeWerthein.� Brasília : UNESCO, 2002.292p.

ISBN: 85-87853-53-8

1. Cooperação Técnica Internacional 2. Organizações Internacionais3. UNESCO�Brasil 4. Educação 5.MeioAmbiente 6. AIDS 7. Cultura8. Desenvolvimento Social 9. Comunicação I. UNESCO II. Título

CDD 337.1

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SUMÁRIO

Apresentação .....................................................................................................9

Abstract ............................................................................................................11

EDUCAÇÃO EM PERSPECTIVA:� Educação de Adultos e Democracia ...............................................15� A Universidade no Século XXI .......................................................18� Educação, Emprego e Cidadania .....................................................21� Novas Perspectivas para o Magistério ...........................................24� Educação: o Desafio da Qualidade .................................................27� Morin e a Educação do Futuro ........................................................30� Educação e Cultura do Esporte.......................................................33� Parabéns Goiás ....................................................................................37� Alfabetismos ou Analfabetismos ......................................................39� A Educação como Fator de Universalização

da Cidadania .......................................................................................42� Cidades Educadoras como Perspectiva de

Educação Permanente ........................................................................45� Por uma Concepção Multidimensional da Avaliação

em Educação .......................................................................................50� A relevância da Educação Infantil ...................................................53� Plano Nacional de Educação � PNE: uma nova

etapa da Política de Educação para Todos ....................................56� O SESI e o Sentido dos Novos Tempos........................................60� A Continuidade da Política Educacional .......................................62� A UNESCO e o Plano Nacional de Educação .............................65

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� A UNESCO e a Educação Superior no Século XXI ...................73� Educação para Todos � um Imperativo do Nosso Tempo ..........76

MEIO AMBIENTE: RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA

� Os parlamentos na Luta Contra a Desertificação .........................81� Título de Patrimônio Natural pelo Pantanal

e Título de Cidadão Mato-Grossense ............................................88� Gestão Compartilhada dos Recursos Hídricos ............................91� O Código do Desmatamento ..........................................................94� Pantaneiros, Cidadãos do Mundo ...................................................97� A água para o Desenvolvimento ................................................... 100

AIDS: ESTRATÉGIAS DE REVERSÃO� Dia Mundial de Combate à AIDS................................................ 105� Um novo perfil para a Segurança Internacional

no Século XXI ................................................................................. 109� AIDS: Fortalecendo Alianças ....................................................... 113� Resposta Nacional à AIDS ............................................................ 115� AIDS: uma Estratégia para o Cone Sul ....................................... 117� AIDS: a Importância da Educação Preventiva ........................... 119� Política para a AIDS: Avanços e Desafios ................................... 122� Vitórias do Brasil ............................................................................. 128

CULTURA E DIVERSIDADE CRIADORA:� A Rota do Escravo .......................................................................... 133� Preservar o Passado e Investir no Futuro .................................... 135� São Luís, Patrimônio de Todos ..................................................... 138� Brasília: Síntese do Brasil ............................................................... 140� Quinhentos Anos de Memória ...................................................... 143� Goiás: a Luta pelo Reconhecimento ........................................... 146� Analisar o Presente, Pensar o Futuro ........................................... 149� A UNESCO e as Cidades Patrimônio Mundial do Brasil ........ 153� A UNESCO e o Compromisso com Goiás ................................ 158

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CONSTRUINDO UMA CULTURA DE PAZ:� Tolerância e Paz ............................................................................... 163� Juventude, Violência e Educação para a Cidadania .................. 166� Cultura de Paz: a Importância do Poder Legislativo ................ 169� O programa da UNESCO por uma Cultura de Paz .................. 174� Abrindo Espaços: uma Nova Cultura Escolar ............................ 180� O Brasil e a Assembléia do Milênio ............................................ 186� Cultura da Paz ou Cultura da Violência? .................................... 190� Caubóis ou Heróis do Asfalto? .................................................... 193� A Promoção da Cultura de Paz .................................................... 196� Novos Espaços para a Paz ............................................................. 200� Violências contra a Mulher: Sentidos Múltiplos ....................... 203

DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS:� Democracia, Cidadania e Direitos Humanos ............................. 209� Uma Nova Ética para o Desenvolvimento ................................. 212� A UNESCO e a Busca de Novas Alternativas ........................... 215� Banco de Tecnologias Sociais ....................................................... 217� A UNESCO e a Responsabilidade Social no Brasil .................. 219� Os Parlamentares e o Futuro das Américas ................................. 226� A Renovada Força do Multilateralismo....................................... 230� A Juventude e a Capacitação: aprendizado para

a vida na economia do conhecimento ......................................... 233� Juventude, Violência e Cooperação Internacional

para o Desenvolvimento na América Latina ............................... 237� A UNESCO e a Geração de Tecnologias Sociais ..................... 243� Direitos Humanos e Desenvolvimento ....................................... 246

COMUNICAÇÃO, INFORMAÇÃO E LIBERDADE DE IMPRENSA:� Democracia e Liberdade de Expressão....................................... 251� As Mulheres e o Quarto Poder ..................................................... 254� Brinquedos perigosos ..................................................................... 257

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� A Sociedade da Informação e seus Desafios .............................. 260� Quem está Escrevendo o Futuro � o Papel da Mídia ............... 277� As Mulheres Fazem a Notícia ....................................................... 281� Educação para a Mídia: Responsabilidade de Todos ................ 284� Liberdade de Imprensa: o Exemplo de

Carlos Heitor Cony ....................................................................... 288

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APRESENTAÇÃO

A UNESCO, em cumprimento ao seu mandato de subsidiar aconstrução de uma cultura de paz, mediante o intercâmbio educacional,científico e cultural entre os povos, reuniu, ao longo de sua existência demais de meio século, um acervo de conhecimentos, de experiências e decompromissos fundados na ética e na eqüidade, que a credenciou comouma das organizações mais bem preparadas para enfrentar as incertezas eas desigualdades do nosso tempo.

Tradicionalmente, no entanto, esse acervo só era acessível a umaspoucas pessoas e instituições de cada um dos 186 países-membros queintegram a Organização. Aqueles que deveriam ser seus principaisdestinatários, quais sejam, os segmentos mais vivos da sociedade civil,deles permaneciam à margem, dificultando, por conseguinte, a circulaçãode idéias renovadoras e de compromissos relevantes para odesenvolvimento social.

Com vistas a reduzir essa distância e colocar as ideais da UNESCOem circulação e em debate, de forma simultaneamente a dar-lhes maiorvisibilidade e testar sua pertinência, a Organização desenhou no Brasilum modelo de atuação com base em amplas parcerias com os setorespúblico e privado e com dezenas de entidades da sociedade civil.

Essas parcerias têm possibilitado à UNESCO se fazer presente emdiversos cenários sociais do país. Mais do que isso, têm possibilitado ainternalização e incorporação de idéias, metas e compromissos discutidose aprovados por diversos segmentos dos países que integram a Organização.E quanto mais isso ocorrer tanto melhor, pois os ideais e o acervo de

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conhecimentos da UNESCO tem como elementos fundantes os princípiose diretrizes que valorizam a vida e a dignidade das pessoas.

Assim sendo, os artigos e discursos de Jorge Werthein, reunidosneste livro sob o título de Construção e Identidade: as Idéias da UNESCO noBrasil, traduzem um pouco do enorme esforço que a Organização temfeito nos últimos anos no sentido de dar seguimento aos diversoscompromissos e recomendações firmados em nível internacional com aparticipação de governantes, intelectuais e líderes da sociedade civil.

Os artigos e discursos classificados em sete áreas e setores �Educação, Meio Ambiente, AIDS, Cultura, Cultura de Paz,Desenvolvimento Social e Direitos Humanos e Comunicação e Liberdadede Imprensa dão uma idéia mais precisa da extensão e abrangência dasatividades desenvolvidas pela UNESCO Brasil. Todos eles convergempara um objetivo comum que é o ser das pessoas. Em outras palavras, osartigos e discursos de Jorge Werthein expressam a esperança daOrganização num mundo mais humano e solidário.

Defendendo a diversidade cultural e criadora, a política de educaçãopara todos, o patrimônio histórico, a educação ambiental, os direitos humanos,a liberdade de imprensa ou defendendo uma educação preventiva em setratando de AIDS, drogas e violências, os textos de Jorge Werthein apontamem direção à necessidade que todos nós sentimos de construir um novo séculosustentado pelos pilares da identidade, da justiça e da solidariedade.

Célio da CunhaAssessor da UNESCO

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ABSTRACT

This book is a collection of articles written by the UNESCORepresentative in Brazil and published in various newspapers. It is also acollection of speeches from scientific, cultural, and political events. Thesearticles and speeches encompass the efforts of the agenda to implementthe commitments and ideas in Brazil that were approved by the 186Member Countries of the Organization.

The articles and speeches are grouped into seven broad areas ofknowledge and action. These are, respectively: Education in Perspective;the Environment � Shared Responsibility; AIDS - Strategies for Reversion;Culture and Creative Diversity; Building a Culture of Peace; SocialDevelopment and Human Rights, and Communication, Information andFreedom of the Press.

All of the articles and speeches point to the fight for a commonobjective. This objective incorporates assuring education and culturefor all, stimulating scientific and technological development, guaranteeingaccess to information and knowledge, and preserving freedom of the press.This is done while keeping the primary goal of UNESCO in sight at alltimes, and that is the goal of a culture of peace.

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Educaçãoem Perspectiva

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Educação de Adultos e Democracia1

Um dos pontos altos da Declaração de Hamburgo (14 a 18 de julhode 1997) sobre educação de adultos foi o reconhecimento de que aeducação permanente não constitui apenas um direito de todas as pessoas,mas é uma das chaves para as aspirações de cidadania do século XXI. Osdesafios do próximo milênio, sobretudo os que se referem à urgentenecessidade de reduzir a miséria e a exclusão social, requerem ainstauração de um sistema permanente de educação de adultos, tanto paraerradicar o analfabetismo quanto para assegurar, ao longo da vida,condições de aquisição e renovação dos conhecimentos básicosindispensáveis.

Diante do quadro de desigualdades sociais predominantes em váriaspartes do mundo, a educação de adultos sobressai como estratégiainsubstituível de proteção aos direitos humanos e de combate à pobreza,requisito fundamental para a construção democrática.

Os países da América Latina estão empenhados na tarefa deconsolidar uma ordem democrática. Esse objetivo expressa umcompromisso entre a sociedade e os governos e obriga a realização deesforços no sentido de repensar os diferentes segmentos da vida nacional,nos termos dessa consolidação. É certo que a educação, por si só, nãoopera milagres. Todavia, ela destaca-se como mecanismo acelerador demudanças em direção a um cenário democrático, mais eqüitativo.

1 Artigo publicado nos jornais: �Folha de S.Paulo�, em 07/06/1998; �O Popular�, GO, em10/06/1998; �Diário de Pernambuco�, em 19/06/1998; �A Notícia�, SC, em 11/02/2001.

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Para que a educação de adultos cumpra essa tarefa, precisa ser repensadacom o objetivo de evitar enfoques parciais de sua amplitude e abrangência.Torna-se necessário atentar para as necessidades especiais da educação deadultos no contexto do seu trabalho, de suas representações e percepções darealidade e de suas condições de vida. Algumas ações de suplência na AméricaLatina acreditam ainda que será suficiente repetir, para os adultos, uma versãocomprimida dos conteúdos da escola destinados a crianças e adolescentes.

A educação de adultos deve seguir um caminho que leve em contaas experiências do homem adulto, que valorize e reconheça seusaprendizados tácitos. Não se trata de mudar somente a linguagem ou dedar aos conteúdos uma seqüência diferente. Trata-se, antes, de encontrarnovos estilos de ação que associem o trabalho aos problemas sociais epolíticos da vida cotidiana dos adultos.

Por outro lado, é preciso estar alerta para a predominância docritério economicista na educação, que é uma tendência geral do fenômenoda globalização. A educação de adultos não pode dissociar formação demão-de-obra de uma visão humanista das relações sociais e econômicas.Não pode dissociar competência de cidadania.

A educação de adultos, em sua vinculação com a democracia, precisahabilitar ao exercício público da participação e da solidariedade. Acompreensão da língua nacional, o aprendizado da escrita, da leitura, odomínio dos símbolos e operações matemáticas básicas e o domínio doscódigos sociais são indispensáveis para o posicionamento do indivíduoface a sua realidade. É neste sentido que ela se insere na luta pela construçãodemocrática e constitui uma das chaves para a cidadania do século XXI.

A consolidação progressiva das estruturas democráticas implica formara população para participar, plenamente, da vida política, social e cultural dopaís. Incorporando a essa participação consciente segmentos cada vez maisamplos da população, contribui-se para fortalecer a democracia e garante-seo seu aperfeiçoamento.

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A América Latina, cada vez mais próxima de universalizar o ensinofundamental para crianças, deverá seguir essa tendência, buscando, porum lado, a universalização do ensino médio e por outro, a educaçãopermanente de jovens e adultos, política fundamental para que asaspirações democráticas se concretizem. Depõe a favor desse argumentoo fato de que os adultos serão líderes e agentes de um processo educativomais amplo do que a escola e que, na medida em que eles compreendama importância e o valor da educação básica, vivenciem a questãoeducacional como uma necessidade e um problema, exigirão mais emelhores escolas para seus filhos.

Esse é o efeito reversível da educação de jovens e adultos e tambéma sua dimensão econômica como investimento.

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A Universidade no Século XXI2

A UNESCO se preocupa, há muito, com o destino da universidade.As razões são inúmeras. Entre as funções que dão vida e sentido à atuaçãomundial da Organização, destacam-se o intercâmbio, o fomento e atransferência de conhecimentos, bem como a função prospectiva, a qualbusca identif icar tendências, antecipando o futuro com êxito ecompetência.

A Conferência Geral da UNESCO, em 1993, determinou a elaboração deum instrumento de tendências, publicado em 1995, sob o título �PolíticaMundial de Desenvolvimento no Ensino Superior�. Aborda, com clareza, questõescruciais da universidade, tais como financiamento, acesso e qualidade,autonomia, avaliação, democratização de oportunidades, relevância social,mercado de trabalho, gratuidade, diversificação, relação com outros níveisde ensino, pesquisa e pós-graduação, infra-estrutura e internacionalização.

O documento deixa clara a preocupação da UNESCO com o estadode crise do ensino superior em, praticamente, todos os países. Apesar dehaver no mundo mais pessoas matriculadas em cursos superiores (eram 13milhões em 1960, são 82 milhões em 1995), a capacidade de suportepúblico está declinando. A diferença entre os países em desenvolvimentoe os desenvolvidos, no que se refere ao ensino e à pesquisa, que já eraenorme, está ficando maior.

2 Artigo publicado no jornal �Folha de S.Paulo�, em 06/11/1998.

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Para dar continuidade a esse debate e à efervescência de idéias queo acompanha, a UNESCO está promovendo nesta semana, em Paris, aConferência Internacional do Ensino Superior para o Século XXI, reunindo especialistasde todo o mundo. Seu documento final reunirá as qualidades principaispara estabelecer um novo paradigma de desenvolvimento da universidade,no próximo século.

Entre os princípios que a UNESCO defende para a universidadedo próximo milênio, destacam-se os seguintes:

1) Ser uma comunidade plenamente engajada na criação e nadisseminação do conhecimento e no avanço da ciência,participando do desenvolvimento de inovações tecnológicas.

2) Ser um local de aprendizagem fundado somente na qualidade eno conhecimento, que induza, especialmente nas mentes dosfuturos graduandos, o compromisso em perseguir o conhecimentoe um sentimento de responsabilidade para colocar o treinamentoa serviço do desenvolvimento social.

3) Ser uma comunidade na qual a cooperação com a indústria e osserviços para o progresso econômico, da região e do país, sejamativamente apoiados.

4) Ser um local onde questões e soluções importantes, em nívellocal, regional, nacional e internacional sejam identificadas,debatidas e encaminhadas, em um espírito de crítica construtiva,encorajando a participação ativa dos cidadãos nos debates sobreo progresso social, cultural e intelectual.

5) Ser um local em que governos e outras instituições públicaspossam obter informações científicas e seguras para as freqüentessolicitações de tomadas de decisão.

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6) Ser uma comunidade cujos integrantes, plenamentecomprometidos com os princípios de liberdade acadêmica, seengajem na busca da verdade e na defesa de direitos humanos,democracia, justiça, justiça social e tolerância (em suascomunidades e no mundo), participando do processo deinstrução para o genuíno exercício da cidadania e a construçãode uma cultura de paz.

Todos esses princípios estão em pauta na Conferência de Paris. Osparticipantes, dentre eles representantes do Brasil, deverão comprometer-se com medidas que ponham em prática os enunciados referentes àeducação superior contidos na Declaração dos Direitos Humanos , cujocinqüentenário será comemorado em 10 de dezembro, e na Convenção Contraa Discriminação na Educação, de 1960. A UNESCO e seus Estados-Membrosestão convencidos de que a educação é o pilar fundamental dos direitoshumanos, da democracia, do desenvolvimento sustentável e da paz. Será,portanto, a prioridade máxima do mundo no século XXI.

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Educação, Emprego e Cidadania3

A globalização traçou um novo mapa do mundo, fazendo surgirnovos pólos de dinamismo, baseados no comércio mundial, diz o RelatórioMundial da Educação da UNESCO, coordenado por Jacques Delors. Acompetitividade desenfreada tornou-se uma regra, obrigando todos ospaíses a arranjar trunfos específicos para participar do desenvolvimentodas relações econômicas, tornando ainda mais transparente a separaçãoentre os que ganham e os que perdem. Em outras palavras, para usar aexpressão de Federico Mayor, Diretor-Geral da UNESCO, entre os queglobalizam e os que são globalizados.

O elevado grau de competitividade ampliou a demanda porconhecimentos e informações. As mudanças que já se efetivaram ou asque estão em curso atingem a estrutura social, em sua totalidade, gerandoincertezas crescentes quanto ao futuro. No setor trabalho, o consagradomodelo fordista-taylorista está cedendo lugar a novos desenhos conceituaise operacionais. As tendências atuais valorizam e dão destaque à inteligênciadistribuída e à elevação contínua da qualidade; enfatizam, igualmente, odesenvolvimento de capacidades que permitam a indispensável adaptaçãoa mercados em constante mutação e oscilação.

Em decorrência, a educação passou a ocupar posição estratégicano processo de competitividade. Vários países têm procurado reformarseus sistemas de educação com o intuito de prepará-los para fazer face às

3 Artigo publicado nos jornais: �Folha de S.Paulo�, em 03/02/1999; �O povo�, CE, em 28/03/1999.

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novas demandas. No caso da educação profissional, as agências executorascomeçam a ampliar programas e a elevar os níveis de exigência em matériade escolarização para admitir candidatos a diversos tipos de cursos básicosde formação profissional. No entanto, essa solução pode deixar de ladocontingentes de trabalhadores desempregados ou vulneráveis aodesemprego. Muitas empresas, por exemplo, já estão substituindotrabalhadores de baixa escolarização por pessoas mais qualificadas,mantendo o mesmo salário. A crise do desemprego, devido ao uso intensivode tecnologias poupadoras de mão-de-obra, em ritmo ascendente e semprevisões, favorece a exclusão dos que ainda não lograram atingir níveismais elevados de escolarização.

Os novos desenhos conceituais têm procurado dar respostas aosnovos desafios, incluindo, na formação profissional, metodologias econteúdos cognitivos e sociais de acordo com os paradigmas emergentes.Todavia, não se pode perder de vista o fato de que, se fosse possívelassegurar a todos as mesmas competências, o problema da exclusãocontinuaria, devido ao crescente desemprego. De acordo com a lúcidaconclusão do Relatório Mundial da Cultura, organizado por Pérez de Cuellar,devido ao uso de tecnologias de capital e de conhecimento intensivo, oemprego para a vida toda praticamente não existe mais. Esse mesmorelatório alerta para o fato de que não basta apenas educar. É precisoempregar, convenientemente, os conhecimentos adquiridos. Trata-se deum dos maiores desafios a serem enfrentados pelas políticas públicas daatualidade.

Não há solução à vista para o problema do desemprego, comotambém não há consenso entre os estudiosos sobre como solucionar oimpasse da exclusão. No plano da política educacional, o que a UNESCOtem procurado incentivar e dar destaque, em inúmeros documentos quetratam do assunto, é a importância de estabelecer eixos norteadores quegarantam, simultaneamente, a aquisição de conhecimentos básicos aomundo de hoje e o desenvolvimento da cidadania. O binômioconhecimentos básicos/cidadania sobressai pelo fato de que os desafios e

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impasses atuais demandam soluções que não sejam impostas, masnegociadas publicamente.

Não é mais suficiente alfabetizar e oferecer um treinamentoprofissional rápido. Os socialmente engajados, para usar a expressão deJ.K. Galbraith, precisam estar atentos às mudanças que se operam no planoda progressiva internalização dos direitos de cidadania, os quais se farãopresentes, seguramente, nas agendas internacionais e nacionais do séculoXXI. O fortalecimento das pessoas pela educação cidadã, de qualidade,será sempre um caminho seguro para enfrentar a crise do desemprego.Pessoas educadas, mais do que treinadas, estarão em melhores condiçõesde repensar alternativas.

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Novas Perspectivas para o Magistério4

Em outubro de 1966, foi aprovada pela Conferência Internacionalconvocada pela UNESCO, em cooperação com a Organização Internacionaldo Trabalho � OIT, a Recomendação relativa à situação do pessoal docente.O documento, partindo do princípio de que a educação deveriadesenvolver o mais profundo respeito pelos direitos humanos, exigia queos educadores desfrutassem de uma situação justa e que a profissão docentealcançasse a credibilidade pública a que faz jus.

A Recomendação de 1966 é um documento extenso e abrangente. Seus146 artigos abordam diferentes ângulos da profissão docente. Após suaaprovação, foi constituído um Comitê Conjunto de Peritos UNESCO/OIT paraacompanhar sua aplicação pelos diversos Estados-Membro de ambas asorganizações das Nações Unidas.

Em 1998, a UNESCO editou o Relatório Mundial da Educação, dedicadoaos docentes e ao ensino em um mundo em transformação. No preâmbulodesse documento, Federico Mayor, Diretor-Geral da UNESCO,reconhece que os 57 milhões de docentes existentes no mundo devemreceber boa formação e remuneração adequada, bem como se tornanecessário dotar as escolas de condições que facilitem o desenvolvimentoefetivo do ensino e da aprendizagem.

4 Artigo publicado nos jornais: �Folha de S.Paulo�, em 30/03/1999; �Estado do Maranhão�, em13/04/1999.

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O Relatório de 1998, tomando como eixo norteador a Recomendaçãode 1966, procede ampla análise de todos os fatores envolvidos navalorização da profissão docente. Uma das preocupações manifestadaspela UNESCO nesse relatório é o fato de que muitos países continuam aadmitir professores sem o devido preparo, o que dificulta a valorizaçãoprofissional. Desde a aprovação da Recomendação de 1966 até os diasatuais, os professores e o ensino não têm sido, verdadeiramente, o eixonorteador das políticas de educação no mundo.

No Brasil, a recente divulgação do balanço do primeiro ano defuncionamento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental ede Valorização do Magistério � FUNDEF, torna oportunas algumas considerações.Desde sua proposta, em 1995, até sua promulgação e início de execução,a UNESCO o vem acompanhando com interesse devido a sua dimensãoinovadora como política social.

O que chama a atenção, no balanço do primeiro ano do FUNDEF,é seu impacto redistributivo. O valor por aluno/ano antes e depois de suaaprovação, sobretudo nas regiões mais carentes do País, não deixa dúvidasquanto a sua relevância como política pública. Em algumas situações,verificou-se um salto de R$101,00 para R$315,00 aluno/ano, provocandoefeito favorável em mais de 2.000 municípios. Além disso, o FUNDEFatuou como fator positivo na política de educação para todos.

Em decorrência, a taxa de escolarização, na faixa etária dos 7 aos14 anos, está perto dos 96%, colocando o Brasil em situação bem próximaa dos países desenvolvidos.

Em termos de repercussão sobre a remuneração do magistério, oimpacto do FUNDEF pode também ser considerado alentador. Elimina,praticamente, o quadro trágico de salários vis abaixo de R$100,00, pormês, e aumenta a remuneração média (jornada de 20 horas) para R$229,00.

O desempenho inicial do FUNDEF deve ser visto como um começopromissor. O que o diferencia de algumas tentativas postas em prática em

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outros países é o fato de se caracterizar como uma mudança estrutural,com apoio na Constituição do País. O mecanismo operacional concebidoem forma de um fundo de natureza contábil, que reúne 15% dos principaisimpostos dos Estados e Municípios, redistribuindo-os proporcionalmenteao número de alunos efetivamente matriculados nas redes estaduais emunicipais, representa um admirável avanço em direção à eqüidadeeducacional. Além disso, o FUNDEF obriga a que 60% dos recursos sejamaplicados na remuneração do magistério, em sala de aula efetivamente.

Como diz um especialista em políticas públicas � BernardoKliksberg � os países que lograram êxito na área de educação foram aquelesque conseguiram dar sustentação e continuidade às políticas implantadas.O FUNDEF permite isso. Sua concepção lógica favorece a obtenção deganhos progressivos, o que tende a facilitar sua consolidação. É claro queo valor atual, de R$315,00/ano, está aquém do mínimo desejado para umensino de qualidade. Ressalve-se, entretanto, que os déficits educacionaisque o Brasil acumulou ao longo de sua história, aliados às dificuldadeseconômicas existentes, não permitem operar um milagre repentino, mesmoporque isso não existe em educação.

A luta pela valorização do magistério continua, com a vantagem deque, doravante, passa a se dispor de um mecanismo claro e objetivo queé o gasto/aluno/ano, em torno do qual deverão ocorrer as futurasnegociações.

Uma última observação parece-me oportuna. A presença doFUNDEF, somada à determinação da Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional � LDB, de, no prazo de 10 anos, não admitir naprofissão docente pessoas sem formação superior específica, aliada àpolítica do governo de criar mecanismos que possibilitem o cumprimentodessa meta, seguramente, coloca a profissão docente no Brasil em umanova e promissora etapa de lutas.

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Educação: o Desafio da Qualidade5

Não falta muito para o Brasil situar-se no patamar dos padrõesinternacionais no que se refere à democratização de seu sistema de ensino.Os recentes relatórios de avaliação, elaborados pelo Ministério daEducação e pela UNESCO e a Organização para a Cooperação e oDesenvolvimento Econômico � OCDE, deixam isso bastante evidente.Os progressos alcançados na década de 90, em termos de aumento decobertura, na educação fundamental, média e superior, são, de fato,impressionantes.

Na educação fundamental, com 36 milhões de crianças matriculadas, oBrasil eleva a cobertura para 96%, bem próxima a dos países maisdesenvolvidos; no ensino médio, a matrícula saltou de 3,7 milhões, no começoda década de 90, para mais de 7,7 milhões neste final de século, comperspectivas concretas de chegar a 10,4 milhões em 2005; no ensino superior,o salto não foi menos significativo, passando de 1,5 milhão de alunos, em1990, para, aproximadamente, 2,3 milhões nos dias atuais, cujo aumento éassegurado pela própria expansão dos concluintes do ensino médio.

Permeando essa expansão sem precedentes, a década de 90 assinalauma das maiores conquistas da política educacional brasileira, qual seja,o fortalecimento da vontade nacional por mais educação, bem como osprogressos, no âmbito da sociedade civil, do direito à educação, querpor intermédio de uma presença maior dos pais e responsáveis pelos alunos

5 Artigo publicado na �Revista Aprender�, nº 1, mai./jul., 2000.

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nos destinos da escola, quer por meio da imprensa, a qual tem procuradodar o devido lugar à importância da educação no futuro do País. É oportunolembrar que quase 1/3 da população brasileira encontra-se envolvida comalgum tipo de educação, formal ou informal.

No entanto, se, por um lado, podem ser comemorados os resultadosalcançados em direção à democratização do sistema de ensino, por outro,o maior desafio a ser enfrentado começa a estabelecer os contornos desua magnitude: refiro-me ao problema da qualidade. O Relatório daUNESCO-OCDE, ao apontar o problema da cultura da repetência comoum dos maiores impasses da educação brasileira, coloca em debate umdos pontos nevrálgicos do novo desafio, ou seja, o da qualidade.

Inúmeras medidas já estão em curso nessa direção, em um esforçocoordenado e integrado pelas três instâncias da administração educacionalbrasileira � a União, os Estados e os Municípios. Todavia, o seuenfrentamento, com êxito, é consideravelmente mais difícil que o desafioda quantidade. Sua complexidade se amplia devido a vários fatorespresentes, entre os quais destaca-se o da diversidade sociocultural. Aqualidade do ensino demandada pelo século XXI não se refere somente àmelhoria dos processos cognitivos ou da educação para o desenvolvimentode mapas conceituais. O fator cidadania intercultural, por exemplo, passaa integrar o conceito contemporâneo de qualidade em educação. Umadas lutas do próximo milênio será pela universalização da cidadania e issodemanda uma nova pedagogia da qualidade.

Entre as tendências da educação para o século XXI, ganha força,em todo o mundo, a necessidade de formação de um cidadão solidário,capaz de circular, democraticamente, no seio de diversas culturas, embusca do que é humano e indispensável a todas as pessoas. Nessaperspectiva, a chamada competitividade em educação subordina-se aosfins maiores de solidariedade e da justiça. O Relatório Jacques Delors,publicado em português pela UNESCO, em 1996, depois de muitasdiscussões, chegou à conclusão de que pelo menos quatro eixos

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fundamentais devem nortear a educação no século XXI � aprender a aprender,aprender a fazer, aprender a conviver juntos e aprender a ser. Esses quatro pilaresdevem estar presentes na política de melhoria da qualidade da educação,pois eles abrangem o ser em sua totalidade, do cognitivo ao ético, doestético ao técnico, do imediato ao transcendente. A visão de totalidadeda pessoa integra a moderna concepção de qualidade em educação.

O Brasil, pela potencialidade e perspectivas de inúmeras experiênciasem curso, no âmbito do Governo Federal, dos Estados e Municípios e noâmbito da sociedade civil, tem condições de enfrentar o desafio que secoloca e se define como suprapartidário � da Nação � e de radicalcontinuidade devido à própria necessidade de educação permanente.

A educação, ao longo de toda a vida, ganha força e provocaráprofundas mudanças na concepção escolar.

O enfrentamento exitoso desse desafio, na medida em que possibilitara efervescência criativa da diversidade cultural brasileira, certamentecredenciará o País como um dos interlocutores dos novos tempos.

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Morin e a Educação do Futuro6

Em 1999, a convite da UNESCO, Edgar Morin aceitou o desafio deexpor suas idéias sobre a educação do futuro. O resultado foi a produçãode um avançado texto sobre os saberes necessários à educação do próximomilênio, o qual está sendo lançado no Brasil, nesta semana, com a presençadesse iminente pensador da complexidade.

Um pouco antes, em 1996, a UNESCO já havia empreendido umgrande esforço de repensar o papel da educação no contexto damundialização das atividades humanas, por intermédio da Comissão Mundialpara a Educação do Século XXI, presidida por Jacques Delors, o qual elaborouum amplo relatório propondo quatro pilares para servirem de base àeducação do próximo milênio � aprender a conhecer, aprender a fazer,aprender a viver juntos e aprender a ser.

Por sua vez, Edgar Morin, devido a sua excepcional visão integradorada totalidade, pensou os saberes na perspectiva da complexidadecontemporânea, explorando novos ângulos, muitos dos quais ignoradospela pedagogia atual, para servirem de eixos norteadores à educação dopróximo milênio

Os saberes propostos por Morin que, como ele mesmo afirma,antecedem qualquer guia ou compêndio de ensino, inserem-se na idéiade uma identidade terrena onde o destino de cada pessoa joga-se e decide-

6 Artigo publicado nos jornais: �Jornal do Brasil�, RJ, em 23/06/2000; �A Gazeta�, ES, em04/07/2000; �Diário de Cuiabá�, MT, em 06/07/2000.

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se em escala internacional, cabendo à educação a missão ética de buscare trabalhar uma solidariedade renovadora que seja capaz de dar novoalento à luta por um desenvolvimento humano sustentável.

Morin considera que há sete saberes fundamentais com os quaistoda cultura e toda sociedade deveriam trabalhar, segundo suasespecificidades. Esses saberes são, respectivamente, as CegueirasParadigmáticas, o Conhecimento Pertinente, o Ensino da CondiçãoHumana, o Ensino das Incertezas, a Identidade Terrena, o Ensino daCompreensão Humana e a Ética do Gênero Humano.

Esses saberes são indispensáveis frente à racionalidade dosparadigmas dominantes que deixam de lado questões importantes parauma visão abrangente da realidade. Para Morin, é impressionante como aeducação, que visa a transmitir conhecimentos, seja cega em relação aoconhecimento humano. Ao invés de promover o conhecimento para acompreensão da totalidade, fragmenta-o, impedindo que o todo e as partesse comuniquem numa visão de conjunto.

Por outro lado, como diz Morin, o destino planetário do gênerohumano é ignorado pela educação. A educação precisa, ao mesmo tempo,trabalhar a unidade da espécie humana, de forma integrada com a idéiade diversidade. O princípio da unidade/diversidade deve estar presenteem todas as esferas.

Para tanto, torna-se necessário educar para os obstáculos àcompreensão humana, combatendo o egocentrismo, o etnocentrismo e osociocentrismo, os quais procuram colocar em posição secundária aspectosimportantes para a vida das pessoas e das sociedades.

Em suma, os Sete Saberes assinalam uma nova etapa do pensamentoeducacional. A edição brasileira está sendo lançada com a presença deEdgar Morin no Seminário �Escola Jovem: Um novo Olhar para o Ensino Médio�,organizado pelo Ministério da Educação, por intermédio de sua Secretaria

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de Ensino Médio e Tecnológico. Essa coincidência entre a concepção deuma escola para a juventude brasileira e os Sete Saberes pode significar osurgimento de uma vontade de olhar a educação da juventude por lentesperspectivas que permitam ver, com lucidez, os contornos da educaçãopara o próximo milênio.

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Educação e Cultura do Esporte7

Quero, primeiramente, dizer que um evento científ icointernacional, organizado sobre um tema de grande atualidade comoEsporte e Inclusão Social, situa-se entre as prioridades que a UNESCOelegeu como sendo indispensáveis a sua política mundial em prol dodesenvolvimento humano sustentável, com qualidade.

Desnecessário se torna enfatizar a importância dos esportes paraa qualidade de vida das pessoas. As civilizações mais antigas, sobretudoa helênica, já percebiam isso com grande lucidez. Conforme argumentao emérito historiador da educação Paul Monroe, antigo professor daUniversidade de Columbia, �a educação grega atribuía aos esportes umvalor moral com a missão, entre outras, de desenvolver a paciência, acoragem, a tolerância, a lealdade e o reconhecimento do direito dosoutros�.

Esses objetivos, apesar dos séculos que os separam, sãoimpressionantemente atuais, o que realça ainda mais o sentido históricodos esportes olímpicos para a educação contemporânea.

A UNESCO, em sua experiência mundial de lutas para odesenvolvimento de uma cultura de paz, sempre viu e percebeu a enormepotencialidade dos esportes como estratégia ímpar, não somente para a

7 Discurso proferido no �Seminário Internacional Esporte e Inclusão Social�, realizado peloSESC, São Paulo, de 26 a 29 de junho de 2000.

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auto-realização das pessoas, como também para a aproximação das pessoase das culturas, condição indispensável para o desenvolvimento efortalecimento da compreensão internacional.

É importante sublinhar que a prioridade que a UNESCO atribui àcultura da paz está vinculada a sua política de combate à exclusão. Sobesse aspecto, a redução das desigualdades sociais constitui fatorfundamental para a instauração de uma nova ética capaz de conduzir odiálogo intercultural a um estágio superior de entendimento.

Nesse contexto, a universalização da cultura do esporte pode dar umacontribuição significativa, tanto no plano interno, correspondente àspeculiaridade de cada país e de cada cultura, quanto no externo, onde ofenômeno da globalização requer, cada vez mais, a reciprocidade deexpectativas.

Há muitos anos que a UNESCO está atenta à importância dosesportes. Foi devido a esse reconhecimento que a Conferência Geral daUNESCO, realizada em Paris, em 1978, proclamou a Carta Internacional daEducação Física e dos Desportos e aprovou os Estatutos do Comitê Intergovernamentalpara a Educação Física e os Desportos.

No Preâmbulo dessa Carta estão explicitados os seus fundamentos, entreos quais se destacam a importância dos esportes para a formação edesenvolvimento de valores humanos fundamentais, indispensáveis ao plenodesenvolvimento dos povos e a preservação e desenvolvimento das atitudesfísicas, intelectuais e morais do ser humano, em função da melhoria daqualidade de vida. O Preâmbulo da Carta destaca, ainda, o papel dos esportespara a aproximação das pessoas e das nações, para a emulação desinteressada,o cultivo da solidariedade e da fraternidade, o respeito e a compreensãorecíprocos e o reconhecimento da integridade e da dignidade humanas.

A Carta Internacional da Educação Física e dos Desportos encerra uma enormeriqueza conceitual e de finalidades. Proporciona uma visão abrangente

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sobre a importância do esporte. Gostaria, apenas, de destacar o Artigo 2que diz que a Educação Física e os Desportos constituem dimensõesessenciais da educação e da cultura. Por isso mesmo, o sistema global deeducação deve atribuir à educação física e aos esportes um lugar deimportância, necessário para estabelecer o equilíbrio entre as atividadesfísicas e os demais componentes da educação, reforçando seus vínculostendo em vista o desenvolvimento integral das pessoas.

A Carta Internacional, a partir de sua aprovação, passou a ser umdocumento referência em todo o mundo, sinalizando, de forma criativa,em direção a novas políticas para a educação física e para os esportes nosPaíses-Membros da UNESCO.

Em julho de 1999, no contexto da proclamação do Ano 2000 comoo Ano Internacional da Paz, a UNESCO, juntamente com o Comitê OlímpicoInternacional, promoveu a Conferência Mundial sobre a Educação e o Esporte por umaCultura de Paz , evento realizado em Paris, do qual tomaram parterepresentantes da comunidade esportiva e organizações governamentaise não-governamentais, de vários países. Esta Conferência teve o objetivode gerar idéias e propostas sobre a contribuição do esporte e da educaçãopara o desenvolvimento da cultura da paz. Lançou um apelo, especialmenteà UNESCO, ao Comitê Olímpico Internacional, aos líderes políticos,federações e associações esportivas nacionais e internacionais, aosdirigentes dos clubes esportivos e a todos os que praticam esportes, emtodos os níveis, para incutirr, entre os jovens, os valores, as atitudes e oscomportamentos que caracterizam e definem o significado de uma culturade paz. Recomendou, ainda, que os princípios da cultura de paz, porintermédio do esporte, possam promover o diálogo comunitário econtribuir para a prevenção dos conflitos e da violência.

Por outro lado, visando a incorporar esses princípios às políticasdos governos dos Países-Membros, a UNESCO realizou, em novembrode 1999, em Punta del Este, Uruguai, a III Conferência Internacional de Ministrosda Educação Física e Desportos, oportunidade em que foi aprovada a Declaração

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de Punta del Este , contendo recomendações importantes para odesenvolvimento do setor, inclusive no que se refere à perspectiva daeducação física e dos desportos como investimento social, no contextode novos empréstimos de organismos internacionais.

O Diretor-Geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, presente aoevento, ratificou o consenso, expresso durante a Conferência, de asseguraresporte para todos, de forma a incluir os mais diversos segmentospopulacionais. Destacou a importância do desenvolvimento dos esportesnas escolas e nas universidades, assegurando os valores éticos e moraisimplícitos nas práticas desportivas. Declarou, também, a necessidade dese fortalecer a cooperação entre o Poder Público e as organizaçõesvoluntárias da sociedade civil e enfatizou a necessidade de reduzir asdisparidades entre as nações, em relação ao esporte.

Para finalizar, não poderia deixar de mencionar que o esforço que aUNESCO Brasil hoje empreende para a redução da violência, para ocombate à AIDS e às drogas, sobretudo entre os jovens, deposita grandeesperança em uma política de esporte para todos. O desenvolvimento doesporte imbuído dos valores éticos e morais que lhes são implícitos, podeconverter-se em estratégia de grande alcance para fornecer à juventudebrasileira pontos de referência fundamentais com vistas a seu futuro.

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Parabéns, Goiás8

As avaliações que têm sido feitas sobre a educação básica brasileiraindicam, de modo geral, que a década de 90 se destaca como sendo umperíodo onde alguns dos velhos e crônicos problemas da educaçãonacional começaram a ser enfrentados com maior lucidez, tanto do pontode vista político quanto sob a dimensão pedagógica.

Por um lado, no que diz respeito à dimensão política, a educaçãobásica, inspirada nos ideais de Educação para Todos, lançados no inicioda década pela UNESCO, passou a merecer das instâncias da administraçãoeducacional � federal, estadual e municipal � como também da sociedadecivil, uma atenção significativamente maior. Por outro, o que se refere àdimensão pedagógica, um crônico problema que há muito vinha dizimandointeligências � o da repetência � passou a ser visto e enfrentado por umaótica mais real, qual seja, a da possibilidade concreta de substituir a culturado fracasso pela cultura do sucesso escolar.

A política educacional dos anos noventa deu início a uma série deexperiências inovadoras que começaram a reverter o drama secular doinsucesso escolar.

Também em relação ensino médio, onde o Brasil ostentava uma taxade matrícula das mais baixas no contexto dos países da América Latina edo Caribe, o País acordou e deu início à progressiva universalização da

8 Artigo publicado no jornal �O Popular�, GO, em 29/06/2000.

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educação da juventude, acrescentando alguns milhões de novasoportunidades aos jovens.

Permeando esse cenário inovador, o surgimento do Conselho deSecretários Estaduais de Educação � CONSED, e da União Nacional dosDirigentes Municipais de Educação � UNDIME, entidades que congregamos Secretários Estaduais e Municipais de Educação, configurou-se como pontoimportante para o debate e o avanço da política educacional. Nessa mesmadireção, menção deve ser feita ao crescente espaço que a educação passou aocupar nos principais jornais e emissoras de rádio e televisão do País. Omesmo deve ser dito em relação ao surgimento de lideranças empresariaislúcidas que passaram a perceber a relevância da educação básica.

Este impulso inovador, construído ao longo da década, continua arenovar-se e a se permitir fertilizar com o aporte de novas idéias e de novasalternativas operacionais. Ainda recentemente, visitando no Estado de Goiásas cidades de Goiânia e Goiás, pude ver de perto alguns exemplos daconstrução e reconstrução educacional que se opera no País, chamando-me a atenção, de modo especial, a Feira do Cantinho da Leitura, um originalespaço público para desenvolver a criatividade, os sonhos e a reflexãoinfanto-juvenil; o Programa Acelera Goiás, em parceria com o Instituto AyrtonSenna que procura não apenas corrigir a distorção série-idade, mas,sobretudo, resgatar a auto-estima das crianças e adolescentes; o Salário-Escola,versão goiana da política de renda mínima associada à educação e que atendea, aproximadamente, 35 mil crianças carentes; a Escola para o Século XXI,experiência desenvolvida pelo Município de Goiânia, cuja preocupaçãomaior é a de desenvolver os ideais de tolerância, paz e solidariedade; oPrograma Bolsa Universitária, que viabiliza o acesso aos estudos superiores deestudantes sem condições econômicas e o Projeto Viva e Reviva Goiás, queprocura envolver e mobilizar a comunidade estudantil de Goiás na releiturada história e na reconstrução da vivência dos que lutaram antes.

Por tudo isso, Goiás está de parabéns. E ainda mais: a políticaeducacional desse Estado começa a perceber a indissociabilidade entreeducação e cultura.

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Alfabetismos ou Analfabetismos9

O termo alfabetização está sendo substituído, gradativamente, pelanoção de alfabetismo, não só para melhor traduzir o conceito em inglês deliteracy, como para dar idéia mais ampla da ação de alfabetizar, a qualimplica avanços na compreensão e no domínio de códigos, seu manejo nasociedade e na prática social de ler e escrever.

A introdução de novas tecnologias está desmistificando a escritacomo código único e conduzindo às noções de �alfabetismos� ou�analfabetismos� � no plural � para designar a referência a múltiploscódigos e à multiplicidade de significações que pode adquirir o�alfabetismo� em diferentes culturas e com variados níveis de exigência.Na verdade, somos todos analfabetos, de um modo ou de outro, perantediferentes tipos de informação e comunicação.

A Conferência Mundial de Educação para Todos, de 1990, teve influênciamarcante na definição de �alfabetismo� ao ampliar sua abrangência deforma a incluir as necessidades básicas de aprendizagem, tanto no domínioda escrita, leitura e aritmética quanto em relação às habilidades pararesolver problemas. Tal conceito tem a vantagem de contemplar ascompetências adquiridas em sistemas não formais e nas experiênciaspessoais, em contextos cotidianos de aprendizagem.

9 Artigo publicado nos jornais: �Jornal do Brasil�, em 14/09/2000; �A Gazeta�, ES, em 19/09/2000;�A Tarde�, BA, em 20/09/2000; �Jornal do Tocantins�, em 24/09/2000; �O Popular�, GO, em26/09/2000; �Jornal Hoje em Dia�, MG, em 01/10/2000.

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Esse novo enfoque fortalece a visão ética de jovens e adultos,valoriza as aprendizagens ativas, revaloriza o aporte cultural de cada pessoae comunidade e incentiva a solidariedade e a cooperação na luta pelaerradicação do analfabetismo.

Além disso, deve ser revista a ótica da educação de jovens e adultoscomo educação compensatória, em nome de uma visão mais ampla epermanente que responda às demandas do desenvolvimento local, regionale nacional. Os conteúdos curriculares precisam ser pensados no contextoda identidade e das aspirações da comunidade. É preciso adotar estratégiaspedagógicas e metodologias orientadas para a otimização da comunicação,as quais pressupõem a formação e a capacitação específica de professores.

O analfabetismo no Brasil está em declínio. Apesar das dificuldades,muitas iniciativas estão em curso no âmbito dos Estados, dos Municípiose da sociedade civil. Nesse contexto, destaca-se o Programa AlfabetizaçãoSolidária que já atinge um universo de 1,5 milhão de pessoas, com projeçãode chegar a 2 milhões, em 2001. Além disso, desenvolve-se, nos âmbitosestadual e municipal, uma nova vontade de enfrentamento do impasse,com maior rigor e seriedade.

Por outro lado, é crescente a consciência sobre a necessidade deuma política continuada de educação de jovens e adultos, para não serepetirem os erros do passado. Não se pode perder de vista que, emtermos de política educacional para o século XXI, o desafio é tanto dequantidade quanto de qualidade. A educação para todos, ao longo davida, tornou-se uma necessidade de todos os países.

Para finalizar, além da preocupação com a qualidade, a política dejovens e adultos precisa incluir um esforço para melhorar suainstitucionalidade, sobretudo nas Secretarias Estaduais e Municipais deEducação. É importante ter, nessas instâncias, equipes bem preparadastanto sob o aspecto técnico quanto no que diz respeito à dimensão políticapara a realização de parcerias e alianças.

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Para tanto, nunca será demais insistir em políticas de parcerias ealianças entre o Poder Público e a sociedade civil. O desafio, agora, é detodos. Cabe ao Estado dar o exemplo e legitimar uma política solidária.

O século XXI herdará dos precedentes uma enorme dívida social,cujo enfrentamento demanda, por um lado, vontade e decisão política e,por outro, a participação de todos. Foi-se o tempo do �quanto pior,melhor�, usado por alguns partidos políticos insensíveis ao todo. Ointeresse coletivo deverá constituir o marco norteador, o que não implica,necessariamente, deixar de ser oposição.

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A Educação como Fator de Universalização daCidadania10

A realização da 1ª Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto,organizada pela Câmara dos Deputados do Congresso Nacional, coincidecom um momento estratégico de alvorecer de um novo século que temmobilizado a reflexão de universidades, instituições culturais e de homense mulheres, nas várias partes do mundo, em busca de novas alternativasque façam, do próximo milênio, um século de efetiva construção dacidadania.

Inúmeras reuniões e eventos de revisão e balanço do século, quechega ao seu termo, foram e continuam sendo feitas em todos oscontinentes. Vários desses eventos de reflexão e análise de tendências epossibilidades têm sido feitos sob a égide da UNESCO. Em todos eles,ao lado do reconhecimento dos inúmeros problemas que definem umcenário dramático de pobreza mundial, existe, também, a esperança deque o novo século que se aproxima possa ser palco de transformaçõesfundamentais em prol da valorização da vida e da dignificação da espéciehumana.

Todavia, essa esperança que se renova em todos nós precisa ganharcredibilidade. E isso só se consegue com realizações concretas. Comtransformações estruturais. Por isso, a UNESCO, ao apoiar desde o

10 Discurso pronunciado por ocasião da 1ª Conferência Nacional de Educação, Cultura eDesporto, realizada na Câmara dos Deputados, em 22/11/2000 Brasília, DF.

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primeiro momento a realização dessa Conferência, o fez com a enormeexpectativa de que o progressivo envolvimento do Poder Legislativo napolítica educacional venha a se converter em fator importante para asmudanças que todos nós esperamos.

O que amplia a expectativa da UNESCO é o fato de, no últimodecênio, ter ocorrido no Brasil uma extraordinária elevação da consciênciaeducacional, tanto da parte do Poder Público quanto da parte da sociedadecivil. No âmbito do Poder Público, tanto o Executivo quanto o Legislativoe também o Judiciário passaram a adotar um novo entendimento do papelestratégico da educação na construção da cidadania que esperamos parao século XXI.

No caso específico do Poder Legislativo, é oportuno lembrar que,nos últimos anos, importantes projetos no campo educacional foramaprovados e estão em plena execução, como os da Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional, o FUNDEF (Fundo de Desenvolvimento eManutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério) e a Leida Renda Mínima. Isso mostra que, sem a participação do PoderLegislativo, dificilmente a política educacional conseguirá dar novosavanços significativos.

Por outro lado, no âmbito da sociedade civil, merece ser destacadoo crescimento das Organizações Não-Governamentais na área daeducação, a crescente participação da imprensa na política educacional ea atuação do setor privado. A aprovação de projetos importantes, comoos que anteriormente eu mencionei, significa que o Poder Legislativotem procurado corresponder aos novos anseios da sociedade brasileira,em matéria de política educacional.

Essa nova consciência de educação para todos que a UNESCO temajudado a construir em todo o mundo, e, de modo particular, no Brasil,está possibilitando a reconstrução do sistema de educação básica brasileirae colocando a educação entre as principais prioridades do País.

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Estou seguro de que, quanto mais prioridade for dada à educação,tanto mais o Brasil se credenciará para se transformar em uma Naçãoexemplo de democracia e justiça social. A educação eleva a consciênciadas pessoas e as fortalece para a luta da cidadania. Por isso mesmo, elapode ser considerada, como recentemente lembrou Koichiro Matsuura,Diretor-Geral da UNESCO, o maior bem comum da humanidade.

Assim sendo, a UNESCO tem certeza de que a Conferência, quehoje se inicia, servirá, ainda mais, para fortalecer a importância do PoderLegislativo no avanço da política educacional brasileira, pois muitos dosobstáculos enfrentados pelas instâncias executivas da educação dependemde um amplo consenso político.

O Brasil está empreendendo um grande esforço para atingir a metade educação para todos. Alguns dos projetos em execução no País, comoo Bolsa-Escola, despertam o interesse e a admiração de outros países e aUNESCO o tem recomendado com freqüência, pois a renda mínimaassociada à educação revela-se, cada vez mais, uma estratégia de grandealcance em matéria de política educacional.

Por outro lado, a Conferência abordará, também, os problemas dacultura e dos esportes, o que a torna mais completa e abrangente. A rigor,uma política de educação é indissociável de uma política dos esportes ede uma política de cultura. Sob esse aspecto, é oportuno lembrar aprofunda reflexão empreendida pela UNESCO, por intermédio de umaComissão Mundial de especialistas, sobre as relações entre Cultura eDesenvolvimento, procurando mostrar a importância da interdependênciaentre fatores historicamente tratados de forma dissociada.

Para encerrar, a UNESCO manifesta a expectativa de que essaConferência seja, de fato, a primeira de uma série de conferênciasrealizadas periodicamente pela Câmara Federal, de forma a abrir um espaçoimportante e estratégico para a discussão da política educacional brasileira.

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Cidades Educadoras como Perspectiva deEducação Permanente11

Para a UNESCO, participar de um evento sobre Cidades Educadorasconstitui motivo de especial alegria, pois trata-se de um dos temas maisrelevantes para a educação do Século XXI. Sem dúvida, estamoscaminhando para uma sociedade do conhecimento. Em nenhuma outraépoca a produção de conhecimentos foi tão intensa como hoje.

De uns poucos centros produtores de conhecimento, no passado,o mundo evoluiu para uma multiplicidade impressionante de instituiçõese pessoas que se dedicam ao avanço da ciência, da cultura e da tecnologia,nas diversas áreas do saber humano. A competitividade entre as nações,antes baseada no controle de fontes de matéria-prima e em mão de obrade baixo custo, fundamenta-se, hoje, na apropriação e produção deconhecimentos. Disso decorre a importância estratégica da educação,em todos os seus níveis e modalidades. Nenhum país alcançará êxitossignificativos neste século se não conseguir organizar um sistema deeducação de qualidade para todos. Da pré-escola aos estudos universitáriose pós-graduados, sobressai a urgente necessidade de criarmos condiçõespara um ensino de qualidade.

Há, todavia, um fato que preocupa a todos. O Relatório da UNESCOsobre a Educação para o Século XXI, coordenado por Jacques Delors, já tinha

11 Discurso pronunciado no Encontro �Cidades Educadoras�, em Cuiabá, Mato Grosso, no dia02/05/2001.

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chamado a atenção para a grande diferença cognitiva entre as nações.Mais do que isso, essa diferença, ao invés de diminuir está aumentando, oque torna ainda mais urgente colocar a política educacional no topo dasprioridades de um país.

No caso da América Latina, em geral, e do Brasil, em particular,apesar dos progressos que se registraram na década de 90, sobretudo emrelação à dimensão quantitativa da política educacional, os desafios quepersistem são ainda enormes e, certamente, exigirão esforços redobrados,tanto do Poder Público quanto da sociedade civil. O Estado, sozinho, jánão tem condições de assegurar uma educação de qualidade para todos.

A aliança entre o Poder Público e a sociedade civil assume, nosdias atuais, posição decisiva para o êxito da política educacional. A rigor,se a sociedade está cobrando e exigindo, de forma crescente, educaçãode qualidade, ela deverá, cada vez mais, comprometer-se em ajudar oPoder Público a oferecer este tipo de educação.

No contexto desse raciocínio, sobressai a proposta de CidadesEducadoras. Uma sociedade do conhecimento conduz, naturalmente, a umasociedade educadora. A UNESCO, desde a década de 70, quando porintermédio do já histórico Relatório Aprender a Ser, coordenado por EdgarFaure, lançou, simultaneamente, as propostas de Educação Permanente e dasCidades Educadoras, tinha consciência das tendências futuras da educaçãoem um mundo que se globalizava, em ritmo crescente. As conquistas quevinham sendo feitas, no campo das novas tecnologias da educação,permitiam visualizar um contexto mais amplo de política educacional.Por isso mesmo, o Relatório Aprender a Ser, já mencionado, procurando nadécada de 70 antecipar-se aos fatos, dizia, com muita segurança:

�A partir de agora a educação não se define mais em relação a umconteúdo determinado que se trata de assimilar, mas concebe-se, naverdade, como um processo de ser que, através da diversidade de suasexperiências, aprende a exprimir-se, a comunicar, a interrogar o mundo e

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a tornar-se sempre mais ele próprio. A idéia de que o homem é um serinacabado e não pode realizar-se senão ao preço de uma aprendizagemconstante, tem sólidos fundamentos não só na economia e na sociologia,mas também na evidência trazida pela investigação psicológica. Sendoassim, a educação tem lugar em todas as idades da vida e na multiplicidadedas situações e das circunstâncias da existência. Retoma a verdadeiranatureza que é ser global e permanente, e ultrapassa o limite dasinstituições, dos programas e dos métodos que lhe impuseram, ao longodos séculos.�

Essa antecipação do Relatório de Edgar Faure fundamenta a idéiade Cidades Educadoras. Como diz um especialista, Edouard Lizop, �em vezde se delegar aos poderes a uma estrutura única, verticalmentehierarquizada e constituindo um corpo distinto no interior da sociedade,são todos os grupos, associações, sindicatos, coletividades locais, corposintermediários que devem encarregar-se, pela sua parte, de umaresponsabilidade educativa�.

A partir do Relatório Faure, as idéias de Educação Permanente e deCidades Educadoras foram se firmando, gradativamente, devido mesmo àcrescente importância da educação para o desenvolvimento humano auto-sustentado das nações e devido, também, ao aumento da velocidade dastransformações sociais.

Assim sendo, por todas as razões aqui expostas, a UNESCOcumprimenta a Prefeitura Municipal de Cuiabá pelo Projeto das CidadesEducadoras, o qual se situa em um contexto moderno de políticas educativase que, certamente, poderá dar uma contribuição de qualidade à educaçãocuiabana. Na medida em que toda a cidade, toda a comunidade se envolvercom a política educativa, seguramente, aumentarão as chances de êxitodo projeto educativo.

Como diz Pilar Figueras, da Universidade Autônoma de Barcelona,no âmbito da ação transformadora a ser desempenhada pelas cidades, há

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um lugar central reservado à educação. A educação, em sentido amplo,isto é, aquela que transcende os limites da escola, tem uma importantecontribuição a oferecer, pois é preciso promover a consciência sobre osdireitos e deveres da cidadania; é preciso construir uma percepção deque os problemas que nos esperam podem e devem ser solucionados coma participação de todos.

Não poderia encerrar essa fala inicial sem comentar, ainda que deforma rápida, um projeto no qual a UNESCO Brasil deposita, hoje, umagrande esperança e que foi concebido no contexto das Cidades Educadoras.Refiro-me ao Projeto de Abertura das Escolas no Final de Semana, visando a ampliaros espaços educativos para jovens. Esse projeto nasceu da constatação devárias pesquisas, feitas pela Organização, sobre os índices de violênciano Brasil, cuja incidência maior, entre os jovens, ocorria nos fins de semana.

A partir dessa constatação, surgiu a pergunta: porque não aproveitaros espaços educativos das escolas nos fins de semana para oferecer diversostipos de atividades lúdicas e culturais para crianças e jovens, de forma aoferecer alternativas de educação e entretenimento e, assim, ajudar a evitaro crime e a violência nos fins de semana?

A idéia evoluiu e propostas surgiram. Hoje, alguns Estados eMunicípios � Rio de Janeiro, Pernambuco, São Paulo, Bahia, Alagoas, RioGrande do Norte, Natal, Maceió Recife, Palmas, dentre outros � jáaderiram à idéia e estão abrindo ou projetando abrir suas escolas nos finsde semana, de forma a oferecer inúmeros tipos de atividades educativas eculturais às crianças, jovens e suas respectivas famílias.

Estou seguro de que no contexto da proposta de cidadeseducadoras, a abertura de escolas nos fins de semana pode dar umacontribuição importante, em termos de mobilização da comunidade. Todaa competência cultural, educacional, científica e tecnológica existentena comunidade pode, em tese, ser disponibilizada para a escola. Na medidaem que isso ocorrer, não apenas será possível ampliar a participação da

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comunidade na escola, como também reservar-se-á à comunidade um lugarde destaque na execução do projeto da escola.

Por outro lado, o projeto pedagógico da escola poderá serenriquecido por inúmeras atividades imprescindíveis à formação dapersonalidade de crianças e jovens. Na sociedade em que vivemos, torna-se cada vez necessário oferecer novas possibilidades de socialização àscrianças e jovens, evitando que eles se submetam, exclusivamente, aosprocessos socializadores da mídia � que, em grande parte, não só deixama desejar, como podem direcionar para vertentes pouco recomendáveis einaceitáveis � e diminuir os índices de morte de jovens nos fins de semana.

A idéia de uma educação permanente leva à idéia de escolapermanente. Isto se torna ainda mais importante nos dias atuais, pois aescola que forma cidadãos conscientes é o local mais privilegiado para aconstrução de cenários sociais mais justos e solidários.

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Por uma Concepção Multidimensional daAvaliação em Educação12

Quero, primeiramente, cumprimentar a International Association forEducational Assessment e a Fundação Cesgranrio pela organização dessaConferência cujo tema é da mais alta relevância para a educação no SéculoXXI. Quero, ainda, cumprimentar os organizadores pela excelência dosconferencistas convidados.

A proposta de discutir as tendências da avaliação educacional parao século XXI é das mais oportunas e prioritárias. A avaliação educacionalé decisiva no contexto das novas idéias que se discutem, hoje, com vistasà necessidade de formarmos mentes democráticas e solidárias face àcomplexidade dos desafios que temos a nossa frente, sobretudo os que sereferem à redução das desigualdades sociais.

Há vários anos, a UNESCO, em parceria com outras agências dasNações Unidas, vem fazendo um esforço sistematizado para examinar opapel estratégico da educação no conjunto de uma sociedade que semundializa e que se transforma, em velocidade e profundidade até entãodesconhecidas em nossa história. Um dos pontos altos desse esforço foi aconclusão, em 1996, do Relatório Mundial para a Educação no Século XXI,coordenado por Jacques Delors. Esse Relatório, já publicado no Brasilcom o título de Educação � Um Tesouro a Descobrir e prefaciado pelo Ministro

12 Discurso pronunciado por ocasião da 27a Conferência Anual da Associação Internacional deAvaliação em Educação, �27th Annual IAEA Conference�. Rio de Janeiro, 3 a 6 de maio de 2001.

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da Educação, chegou à conclusão que a educação do Século XXI deveriaassentar-se em quatro aprendizagens fundamentais � Aprender a Conhecer,a Ser, a Fazer e a Viver Juntos. Esses pilares foram pensados em função deum mundo em ritmo de mudanças profundas e das incertezas eperplexidades geradas por essas mesmas mudanças.

A construção de uma política educacional com base nesses pilaresrequer um novo desenho da avaliação educacional que não mais poderácircunscrever-se aos aspectos acadêmicos, apresentando e generalizandoresultados unidimensionais que são válidos quando se consideram apenasnecessidades imediatas do processo de globalização. A avaliação em educaçãodeve levar sempre em consideração as possibilidades de cada criança e decada adolescente, em um determinado contexto, tendo em vista um projetomais amplo de construção de um século mais justo e solidário.

Dessa forma, ao se pensar a avaliação educacional para o SéculoXXI, precisamos refletir, antes, sobre os cidadãos e cidadãs que queremosformar, considerando, concomitantemente, o ser das pessoas e asnecessidades coletivas, sem exclusão. Daí, ser fundamental para a avaliaçãoda aprendizagem, como bem argumentou uma pesquisadora da área MariaLaura Franco, o entendimento da atividade humana e da ação prática doshomens, o que pressupõe a análise do motivo e da finalidade dessa ação.As ações humanas não são atos isolados. São atos engendrados no conjuntodas relações sociais, impulsionados por motivos específicos e orientadospara uma finalidade consciente. Nessa mesma linha de raciocínio, creioser oportuno lembrar, ainda, a advertência de outro estudioso da avaliação,Elliot Eisner (The Art of Educational Evaluation) que, ao criticar abordagenstradicionais da avaliação, argumenta que elas focalizam, exclusivamente,o produto, negligenciando as condições, o contexto e as interações queconduzem aos resultados. Em termos práticos, elas fornecem muito poucoem se tratando de um novo desenho curricular.

Como já havia proclamado a Declaração Mundial para Todos erecentemente reafirmado pelo Marco de Ação de Dakar, as necessidades

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básicas de aprendizagem compreendem tanto os instrumentos essenciaisde aprendizagem quanto o conteúdo de que precisam os seres humanospara sobreviver, desenvolver plenamente suas capacidades, viver etrabalhar com dignidade, participar, plenamente, do desenvolvimento,aprimorar a qualidade de sua vida, tomar decisões com informaçõessuficientes e continuar a aprender. Precisamos, então, pensar a avaliaçãoeducacional de forma multidimensional para atender a uma necessidadede ver o todo e reduzir os riscos de uma visão parcial.

Para encerrar, quero dizer que a UNESCO tem uma enormeexpectativa nos resultados dessa Conferência com vistas a uma novaperspectiva da educação para o Século XXI, pois um enfoque maisabrangente da avaliação educacional poderá dar uma ajuda substantivapara um novo conceito de escola como agência de cidadania.

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A Relevância da Educação Infantil13

Estamos vivendo um momento histórico muito oportuno à reflexãoe à ação em prol das crianças brasileiras. Hoje, nós dispomos deinformações e argumentos muito consistentes que apontam para asoportunidades e benefícios dos investimentos na primeira infância. Aeducação e o desenvolvimento infantil vêm sendo tratados como assuntosprioritários de governos, organismos internacionais e organizações dasociedade civil, por um número crescente de países, em todo o mundo.

Já existe um certo consenso de que o desenvolvimento inicial dacriança ocorre em período de grande vulnerabilidade e oportunidade. Osprimeiros anos de vida são caracterizados por um rápido e significativodesenvolvimento físico e mental. Esses processos têm sido consideradoscomo os alicerces das capacidades cognitivas e emocionais futuras. Odesenvolvimento inicial da criança refere-se a uma combinação dodesenvolvimento físico, mental e social, durante os primeiros anos de vida.

A ciência está mostrando que o período que vai da gestação até osexto ano de vida, particularmente de zero a três anos, é o mais importantena preparação das bases das competências e habilidades em toda a vidahumana. Os extraordinários avanços da neurociência têm permitidoentender, um pouco melhor, como o cérebro se desenvolve.Particularmente, do nascimento até os três anos de idade, vive-se umperíodo crucial no qual se formarão mais de 90% das conexões cerebrais,

13 Artigo publicado nos jornais: �Folha de S.Paulo�, em 12/10/2001; �O Popular�, GO, em20/10/2001; �Jornal do Tocantins�, em 20/10/2001; �A Tarde�, BA, em 01/11/2001.

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graças à interação do bebê com os estímulos do ambiente. Antigamente,acreditava-se que a organização cerebral era determinada, basicamente,pela genética. Agora, os cientistas comprovaram que ela é altamentedependente das experiências infantis. As pesquisas estão mostrando queproteínas, gorduras e vitaminas, bem como interações com outras pessoase objetos, são nutrientes vitais para o cérebro em crescimento edesenvolvimento.

Sob o ponto de vista da educação infantil, e antes mesmo daspesquisas sobre o cérebro, a experiência educacional já havia constatadosensíveis progressos nos níveis de aprendizagem e desenvolvimento dascrianças que freqüentam a pré- Escola. Um estudo significativo, nesseaspecto, foi feito pelo Projeto Pré-Escolas, High/Scope Perry, em Michigan,que acompanhou crianças desde a época em que participaram do projetopré-escolar, com quatro anos, até os 27 anos. A avaliação demonstrouque o grupo que recebeu atendimento pré-escolar obteve, a longo prazo,níveis mais altos de instrução e renda e menores índices de prisão edelinqüência. Dados esses resultados, calcula-se que o programa tenhaeconomizado 7,16 dólares para cada um dólar investido devido às reduçõesnos gastos em educação primária e previdência social, combinadas com oaumento de produtividade ao longo do tempo.

A educação infantil vem crescendo no mundo inteiro. Cada vez mais,afirma-se como o nível inicial do processo educacional. Ou seja, a educaçãocomeça ou deve começar por ela. É o que sustenta a Declaração Mundial deEducação para Todos, de 1990, que afirma que a aprendizagem inicia-se com onascimento. Dez anos mais tarde, no Fórum Mundial de Educação, realizado emDakar, Senegal, a UNESCO insistiu na prioridade para a educação infantil:a primeira das seis metas traçadas noMarco de Ação de Dakar é sobre a �expansãoe o aprimoramento da assistência e educação da primeira infância,especialmente para as crianças mais vulneráveis e desfavorecidas�.

Em relatório recente, produzido pelo Banco Mundial, sobre oimpacto da educação pré-escolar no Brasil, é demonstrado que cada ano

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de freqüência na pré-escola aumenta em 0,4 anos a escolaridade finalmenteatingida, diminui entre 3% a 5% o nível de repetência e equivale a umaumento de renda, no futuro, da ordem de 6% (estudo realizado peloIPEA). Esse documento também informa que são as crianças pobres quemais se beneficiam do atendimento. Assim, a educação infantil � um direitoconstitucional das crianças brasileiras desde o nascimento � tambémconstitui-se em uma estratégia eficiente no combate à transmissãointergeracional da pobreza.

Em junho, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico �OCDE, lançou um estudo comparativo sobre as políticas de educação ecuidados na infância, realizado em 12 países desenvolvidos.

Esse estudo, intitulado Starting Strong, traz quatro questões básicas: aclara responsabilidade do Estado na provisão de cuidados e educação naprimeira infância; a importância da qualidade e integração dos serviços; anecessidade de profissionalizar e capacitar os recursos humanos que atuamna área e a necessidade de se trabalhar com indicadores que possibilitem aavaliação dos serviços e a realização de estudos internacionais.

É fundamental que as políticas públicas possam, gradativamente,considerar essas novas informações e evidências científicas, de modo quea educação e o desenvolvimento integral na primeira infância tornem-serealidade para todas as crianças brasileiras, assegurando-lhes um começojusto. Como nos diz o poeta Mário Quintana: �Democracia? É dar a todoso mesmo ponto de partida...�.

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Plano Nacional de Educação � PNE:uma nova etapa de Política de Educação para Todos14

Constitui uma honra para a UNESCO participar desta Conferênciaque tem por objetivo desencadear o processo de elaboração dos planosdecenais de educação, estaduais e municipais, tal como foi previsto pelalei que instituiu o Plano Nacional de Educação � PNE.

No início da década de 90, quando a UNESCO organizou e fezrealizar em Jomtien, Tailândia, com o apoio do Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento � PNUD, do Banco Mundial e do FNUAP(Fundo de População das Nações Unidas) a Conferência Mundial de Educaçãopara Todos, tinha plena consciência sobre a importância da educação comoestratégia privilegiada para acelerar o processo de universalização dacidadania. Tornava-se necessário garantir a todos uma educação básica dequalidade, pois o processo de globalização e mundialização das atividadeshumanas, que então se intensificava em ritmo sem precedentes, poderiaaumentar, ainda mais, as assimetrias do desenvolvimento.

Após a aprovação da Declaração Mundial de Educação para Todos, naConferência de Jomtien, vários países, com a cooperação da UNESCO,começaram a discutir seu conteúdo e alcance e a incorporar seus princípiose metas nas políticas públicas de educação. Aos poucos, esse movimento

14 Discurso proferido em 05/11/2001, por ocasião do �Seminário Plano Nacional de Educação�,no Auditório Petrônio Portela � Senado Federal, em Brasília, DF.

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foi se ampliando nos vários continentes e contribuindo para fortalecer ocompromisso político em relação ao direito de todas as pessoas a umaeducação libertadora.

Nesse processo, o Brasil se fez presente, inicialmente elaborandoo seu Plano Decenal de Educação para Todos e, em seguida, criando váriosmecanismos para viabilizar a política de educação para todos, entre osquais se destacam o FUNDEF � Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do EnsinoFundamental e Valorização do Magistério, a TV Escola e vários programas estaduaise municipais de bolsa-escola.

Não apenas isso. A promulgação, em dezembro de 1996, da Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional � LDB, foi também um avanço. Foinessa lei que o saudoso Senador Darcy Ribeiro introduziu, nas DisposiçõesTransitórias, um artigo, o de número 87, criando a Década de Educação eestabelecendo o prazo de um ano para a União enviar ao CongressoNacional o Projeto para o Plano Nacional de Educação � PNE, em sintoniacom a Declaração Mundial de Educação para Todos.

O Brasil foi um dos poucos países a consagrar, em diploma legal, ocompromisso de educação para todos. Dessa forma, o Plano Nacional deEducação, elaborado em seguida e amplamente discutido pela sociedadecivil e pelo Congresso Nacional, incorporou metas importantes efundamentais que poderão dar ao País uma posição privilegiada paracombater a pobreza e a desigualdade social. É certo que a educação, porsi só, não opera milagres. Todavia, ela tem o poder de fortalecer as pessoaspara a luta e converter-se em mecanismo acelerador das mudanças que setornaram imprescindíveis à construção de sociedades mais justas esolidárias. Um futuro promissor passa necessariamente por uma educaçãode qualidade para todos.

O Brasil fez, nos últimos anos, progressos importantes na educaçãobásica, porém o tempo não permite descrevê-los. No entanto, vale apena ressaltar que, hoje, há uma nova consciência em relação à importância

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e ao papel da educação. Por um lado, o Ministério da Educação assumiuuma posição firme em relação à política educacional, no que tem sido,progressivamente, acompanhado por Estados e Municípios. A gestão estásendo paulatinamente qualificada e inúmeras inovações estão em curso.O ensino fundamental caminha para a universalização e o ensino médioestá dando um grande salto. A presença do CONSED e da UNDIME,como fóruns abertos para a discussão da política educacional, deve,igualmente, ser ressaltada. Por outro lado, a sociedade civil está muitomais atenta e consciente de seus direitos.

A imprensa incorporou, na sua agenda diária, os problemas daeducação, o que é importante para assegurar a transparência pública. OCongresso Nacional tem dado seguidos exemplos de participação ativanessa luta, merecendo destaque a aprovação da Lei do FUNDEF, da LDBe do Programa de Renda Mínima associado à educação, hoje denominadoBolsa-Escola. Da mesma forma, o Poder Judiciário tem somado esforçospara ajudar a cumprir a lei e evitar desvios.

No âmbito empresarial, é crescente o número de empresas quetêm procurado dar um sentido mais social às suas ações, investindo emeducação, cultura, saúde e em vários projetos de desenvolvimento dacidadania. É certo que isto está no início, mas representa um sinal de quenovos tempos são possíveis.

A UNESCO não ignora que muitos problemas persistem e que osdesafios dos próximos anos serão ainda maiores. Entretanto, os progressosalcançados colocam o Brasil em condições de dar um novo salto. O PNEpode representar essa nova etapa. Ele pode representar um consensosuprapartidário em uma ampla coalizão heterogênea para garantir o sucessoeducacional de todos. A Conferência que se inicia hoje foi pensada eorganizada por representantes do Poder Público e da sociedade civil. Éum começo promissor. Assim, a UNESCO vê os planos nacionais taiscomo foram concebidos pelo Marco de Ação, de Dakar.

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Uma última colocação torna-se ainda oportuna. Os Estados eMunicípios começam agora a elaborar seus planos de educação. Éimportante que, além das metas de elevação dos níveis de escolaridade,todos eles possam perseguir, também, uma escola sem drogas e semviolência.

Trata-se de um tema da mais alta urgência devido a suas implicaçõesno processo de aprendizagem. Precisamos organizar e sistematizar umaação permanente de combate às drogas, à AIDS e à violência nas escolas,sem a qual a política de educação para todos poderá ficar seriamentecomprometida.

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O SESI e o Sentido dos Novos Tempos15

Foi com o lançamento do Relatório Mundial de Educação, intituladoAprender a Ser, na década de 70, coordenado por Edgar Faure, que a idéiade educação permanente começou a ganhar força nas políticas educativas.A partir de então, a UNESCO, em seu diálogo com os países, passou ainsistir na necessidade de pensar políticas de educação que contemplassemuma educação ao longo de toda a vida. Os estudos e reflexões sobre osfundamentos biológicos e sociais da trajetória de vida de uma pessoaindicavam a necessidade de constante aperfeiçoamento, tanto no planocognitivo, quanto no plano moral e ético.

Nos últimos anos, devido ao impacto da globalização e das mudançasque se seguiram em termos de reestruturação produtiva, a necessidade deeducação continuada passou a ser não somente um imperativo desobrevivência profissional, como também um direito de todas as pessoas.Além disso, a educação continuada tornou-se indispensável para assegurara inserção da população em uma sociedade caracterizada por intensaprodução de conhecimentos, em escala universal.

A UNESCO, em diversas oportunidades, tem chamado a atençãopara a importância da educação básica e continuada. Isso aconteceu, commuita ênfase, nas Conferências de Hamburgo sobre educação de adultos e na deSeul sobre o ensino técnico e profissional. A Conferência de Hamburgo ressaltoua educação continuada por toda a vida. Em sociedades baseadas no

15 Discurso pronunciado por ocasião da Sessão de Abertura do �I Telecongresso Internacionalsobre Educação de Jovens e Adultos�, realizado em Brasília, em 20/11/2001.

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conhecimento, surgindo em todo o mundo, a educação continuada dejovens e adultos tem se tornado uma necessidade, tanto nas comunidadescomo nos locais de trabalho. As novas demandas da sociedade e asexpectativas de crescimento profissional requerem, durante toda a vidado indivíduo, uma constante atualização de seus conhecimentos e de suashabilidades. Por sua vez, a Conferência de Seul enfatizou que a aprendizagemao longo da vida é uma viagem a múltiplos caminhos. Os sistemas deeducação devem ser abertos e flexíveis para dotar os indivíduos nãosomente de competências específicas, como também preparar as pessoaspara a vida e para o mundo do trabalho.

É nesse contexto que ressalto a importância da ação do ServiçoSocial da Indústria � SESI e da Confederação Nacional da Indústria na área daeducação. O SESI está sabendo compreender o sentido dos novos tempose se preparar para enfrentar os desafios que estão surgindo. O SESI estásabendo unir pensamento e ação, reflexão e prática. O Telecongresso, que seinicia hoje, é um exemplo do que acabo de dizer. Trata-se do maior eventode educação de jovens e adultos já realizado no Brasil, colocando emdebate diferentes pontos de vista oriundos das diversas Unidades daFederação e do exterior.

Na sua concepção técnico-científica, política e social, houve apreocupação de explorar tendências e linhas de pensamento diferentes.Vivemos numa época em que é preciso ouvir as pessoas e potencializar adiversidade criadora.

Estou certo de que este Telecongresso, promovido em parceria peloSESI, a UNB e a UNESCO e ainda com o apoio de várias instituições,consolida a posição do SESI como entidade que se insere, comcompetência e mérito, no contexto das idéias visando à construção desociedades mais solidárias e conscientes de seu papel na construção deuma cultura de paz.

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A Continuidade da Política Educacional16

Os países que tiveram sucesso na execução de suas políticaseducacionais foram aqueles que conseguiram assegurar sua continuidadepor vários anos, afirma, com razão, Bernardo Kliksberg, cientista social earguto analista do desenvolvimento social na América Latina. Recenteestudo sobre as desigualdades regionais no sistema educacional brasileiro,realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas em Educação � INEP, do Ministérioda Educação � MEC, confirma a opinião de Kliksberg. Uma das conclusõesdesse estudo foi constatar a tendência de ampliação da distância no quese refere a indicadores educacionais, tais como analfabetismo,atendimento escolar, taxa de transição, gastos por alunos e magistério,para citar os mais importantes, entre os Estados mais desenvolvidos doSul e Sudeste e os Estados mais pobres das regiões Norte e Nordeste.

A rigor, os desníveis regionais brasileiros só poderão ser enfrentados,com sucesso, na medida em que se conjugue, entre outros, dois fatoresfundamentais: por um lado, uma política de investimento comdiscriminação positiva para beneficiar as regiões mais carentes e, por outro,a continuidade da política educacional para consolidação da mudança ouda renovação.

É certo que, em muitos casos, torna-se mesmo necessáriointerromper um projeto ou mudança em curso devido a seus efeitosnegativos para a política educacional. Todavia, isso só poderá ser feito

16 Artigo publicado no �Jornal do Tocantins� � Tendências e Idéias, em 05/01/2002.

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após uma avaliação criteriosa e de credibilidade pública, de forma a evitardecisões arbitrárias e precipitadas.

Uma política de discriminação positiva, por exemplo, como a derenda mínima e as inúmeras experiências que se multiplicam como a Bolsa-Escola no Distrito Federal e o Salário-Escola, recentemente implementadono Estado de Goiás, só se consolida após vários anos e exige avançoscontinuados que podem perpassar várias gestões.

No caso do Programa Bolsa-Escola do Distrito Federal, a avaliação feitapela UNESCO e pelo UNICEF indicou pontos altamente positivos dessaexperiência como solução tanto para os problemas de permanência dacriança na escola quanto em relação à melhoria do desempenho do aluno.Essa inovação teve, inclusive, acolhida favorável do Banco Mundial e doBanco Interamericano de Desenvolvimento, os quais consideraram válida suaampliação no Brasil e em outros países.

Outro exemplo é o Programa de Garantia de Renda Mínima administradopelo MEC, já em pleno funcionamento, em todo o País, com amplareceptividade dos municípios.

A continuidade desses projetos inovadores de renda mínimavinculada à educação é fundamental na perspectiva de uma política deeducação de longo prazo. É por esta razão que a UNESCO os apóia eacompanha. Isso não significa, todavia, que não devam ocorrer críticas ereajustamentos. Ao contrário, toda a ação inovadora precisa estarpermanentemente submetida a avaliações e a aperfeiçoamentos paraassegurar sua eficiência.

Outros exemplos poderiam ser citados a partir de uma extensaamostra existente, hoje, no Brasil. O que importa sublinhar, no entanto, éa consciência que o gestor deve ter sobre a necessidade de darcontinuidade às ações de política educacional que forem avaliadaspositivamente. Essa consciência torna-se ainda mais urgente quando se

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lembra que as eleições, no Brasil, ocorrem a cada dois anos, não podendoa política educacional ficar submetida ao risco dessas mudanças, comotem acontecido em várias ocasiões.

Em termos de gestão das políticas públicas, sobretudo nos paísesem desenvolvimento, é preciso ter clareza que o êxito somente acontecerápor uma postura elevada de quem se candidate a uma função de relevânciapública, ou seja, a de reconhecer o mérito de um determinado tipo deintervenção social e lutar pelo seu aperfeiçoamento e continuidade. Éessa postura que deverá distinguir os homens e as mulheres que darão, nopróximo milênio, um novo sentido à gestão pública em prol dodesenvolvimento social e humano.

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A UNESCO e o Plano Nacional de Educação17

O Estado do Espírito Santo e os seus Municípios se reúnem, nesteencontro, para colocar em prática o Plano Nacional de Educação,adequando-o à sua própria realidade. Esta é uma resposta ousada a desafiosque exigem coragem, persistência e grande capacidade. Assim, os diversosplanos estaduais e municipais de educação se integram numa teia que unetodo o Brasil em torno da educação. O Espírito Santo e Municípios seintegram a ela, colocando a sua parte na construção do todo.

Esta é uma decorrência do fato de nenhum ente federativo e nenhumnível de governo poder isolar-se em si mesmo e tentar arcar, sozinho,com as tarefas da educação. Na verdade, a teia que começa no Municípioenvolve não só o Estado e o País, como também o mundo inteiro. Nesseslaços de interdependência, o Brasil participa de um processo de interaçãoem que os acontecimentos num local afetam os outros. É assim que asnações não só estabelecem pactos e convênios de natureza política,econômica e jurídica, como também reconhecem na educação uma forçapoderosa a impulsionar o desenvolvimento socioeconômico. Por issomesmo, têm firmado importantes compromissos desde a Carta das NaçõesUnidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Dois dos mais recentes e importantes foram a Declaração Mundial deEducação para Todos, firmada em Jomtien, Tailândia, em 1990 e o Marco deAção de Dakar, no ano 2000. Ambos os documentos expressam a vontade

17 Discurso pronunciado no �Encontro sobre o Plano Nacional de Educação�, em Vitória, ES,em 25/02/2002.

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e o compromisso dos Países-Membros da UNESCO com uma educaçãode qualidade para todas as pessoas.

Estes dois documentos representam um verdadeiro divisor de águas,pois os pactos anteriores eram assinados visando, em geral, à matrícula dapopulação nas escolas. Jomtien e Dakar não se contentaram com o acesso,mas destacaram a qualidade e a democratização educacionais. Oreconhecimento de que a escolaridade é muito mais do que estar na escoladeveu-se, em grande parte, ao estreitamento daquela teia do mundo tornar-se cada vez menor, em um processo multissecular. Desse modo, a Conferênciade Dakar, realizada no ano 2000, congregou os países participantes emtorno de seis objetivos, os quais não é demais recordar:

� Expandir e melhorar a educação e os cuidados das crianças nafaixa que chamamos de educação infantil, especialmente para ascrianças mais vulneráveis e em desvantagem;

� assegurar que, até 2015, todas as crianças, particularmentemeninas, crianças em circunstâncias difíceis e aquelaspertencentes a minorias étnicas, tenham acesso e concluam aeducação primária, gratuita, compulsória e de boa qualidade;

� assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovense adultos sejam atendidas por meio do acesso eqüitativo aprogramas de aprendizagem e de habilidades necessárias à vida;

� melhorar em 50% os níveis de alfabetização de adultos, até 2015,sobretudo para as mulheres, além de acesso eqüitativo àeducação básica e continuada a todos os adultos;

� eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária,até 2005 e alcançar igualdade de gêneros na educação, até 2015,com especial enfoque para assegurar às meninas pleno e eqüitativoacesso e aproveitamento na educação básica de qualidade; e

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� melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurarexcelência para todos, de modo que sejam alcançados resultadosde aprendizagem reconhecidos e mensuráveis, sobretudo naalfabetização, aritmética e competências essenciais para a vida.

Este horizonte ousado, que realça reiteradamente a qualidade, nãoé fácil de alcançar. O Brasil, porém, pelas suas realizações, encontra-semais próximo por estar trilhando caminhos difíceis, mas acertados. Estefoi um dos raros países que inscreveram na sua Lei de Diretrizes e Bases,a Lei Darcy Ribeiro, os propósitos da Declaração Mundial sobre Educação paraTodos, firmada em Jomtien. Ademais, a lei previu a elaboração de um planodecenal de educação, um plano de Estado, não só de governo, compatívelcom o longo prazo que medeia, na educação, a semeadura e a colheita.

Tal objetivo, de mais de meio século, o Plano Nacional de Educação,previsto pela Carta Magna, veio à luz no ano passado. Para isso,contribuíram, significativamente, a ponderação, a habilidade e a sabedoriado saudoso Deputado Nelson Marchezan. E esse Plano incorpora, emgrande parte, os compromissos firmados pelo Brasil e os demais países,em Dakar.

Mas o que é um plano? É um documento cheio de números, parapoucos lerem? É um conjunto de boas intenções? É um conjuntomirabolante de metas? Não. Um plano é, ao mesmo tempo, simples e,por isso, tem a grandiosidade das coisas simples. É um mapa para caminhar,motivo pelo qual é preciso saber onde chegar, por quê chegar, comochegar e que recursos são necessários para chegar. Além disso, o mapaindica os marcos do caminho para sabermos se estamos na estrada certa e,mais do que isso, estabelecer as etapas da viagem. Viagem que, sendolonga, não se faz do dia para a noite.

Soubemos que, certa vez, quando se discutia como o Brasil iachegar ao ideal da Educação para Todos, segundo a Conferência Mundial deJomtien, um pequeno Município se reuniu, pensou na educação de que

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precisava e remeteu suas reflexões ao Ministério da Educação, emBrasília, numa folha de papel para embrulhar pães. O seu rico conteúdotraduzia, com facilidade, soluções simples para problemas simples. Láestavam, claramente, o destino da caminhada, os motivos e os meiosque seriam utilizados.

Os Planos Estaduais e Municipais de Educação não constituem,portanto, peças caras, empoladas e inúteis. Ao contrário, precisam traduzira vida que se quer ter, no que se refere à dimensão educativa. Comoeducação é vida, plano é também previsão de vida.

No caso dos Municípios, embora também dos Estados, tais Planostêm íntima ligação com os objetivos de Dakar, acima enunciados. Aexpansão e a melhoria da educação infantil, além do ensino fundamentalde qualidade para todos, são compromissos brasileiros e internacionais.Ambos estão intrinsecamente ligados, uma vez que a vitória na educaçãobásica, em grande parte, depende da vitória das políticas públicas para afaixa etária de zero a seis anos. Diz a legislação que ambos sãocompetência dos Municípios, o ensino fundamental também do Estado,todavia, as normas, a começar pela Lei Maior, estatuem uma solidariedadeindissolúvel entre os níveis de governo, pelo qual União, Estado eMunicípios são, compartilhadamente, responsáveis.

É muito fácil dividir, separar áreas de atuação, transferir para outrosas inegáveis dificuldades. Difícil é unir, superar diferenças, integraresforços. Sabiamente, a Constituição Federal brasileira estabeleceu oregime de colaboração entre governos na organização dos sistemas deensino. Isso significa tecer uma teia intrincada no processo deplanejamento e sua execução, indo do local ao nacional. Por mais penosoque seja, este é um desafio para todos, mas que tem a ver, sobretudo,com os educadores.

Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos,aprender a ser constituem os quatro pilares da educação para o Século

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XXI, segundo o Relatório Delors. O planejamento e a sua tradução ematos representa uma experiência desafiadora, sobretudo, de aprender aviver juntos, a respeitar diferenças, a colocar o serviço ao cidadão acimade tudo, o que pode ganhar o nome de regime de colaboração. Palavrasbonitas podem ter grande efeito sobre os agentes da educação, como asdo professor podem ter sobre os alunos. Entretanto, lembrando Platão, oprocesso educacional é, antes de tudo, o exemplo. Mais vale uma açãoque mil palavras.

Esta é, portanto, a hora de aprender a ser, sendo; de aprender aconviver, convivendo; de educar, educando-se; de fazer o caminho,caminhando. Muito se espera, portanto, dos educadores, que encontramnesse processo ricos desafios dos quais, certamente, sairão bem maioresdo quando nele entraram.

Vivemos em um mundo muito diferente, neste Século XXI. Aotornar-se cada vez menor, fica também mais dividido. A educação é usadacom grande eficácia para separar, o que significa que ela também podeunir, com igual ou maior eficácia. Ao contrário do século que passou,muitas instituições que educavam deixaram de exercer esse papel ou oalteraram. A escola tem sido uma esperança no sentido de refletir sobrevalores e praticá-los. Essa esperança, entretanto, tem o contraponto dasdiversidades crescentes na escola, na sala de aula, na comunidade, nasociedade ao redor. A escola precisa ser um esteio, um foco a desenvolveros saberes necessários ao futuro. Para isso, é preciso aprender a convivere ensinar a conviver.

Usualmente falamos da diversidade em termos das diferenças entrea maioria dos alunos e os portadores de necessidades especiais. O espectrode diferenças, todavia, é muito maior. Quanto mais a escola se universaliza,mais diversidades passa a abrigar: de gêneros, de etnias, de culturas, declasses sociais e tantas outras. A escola de outrora, elitista, selecionavaos alunos, garantindo relativa uniformidade. Fazia a mão de acordo com aluva, não a luva de acordo com a mão. A escola de hoje acolhe os mais

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variados indivíduos e grupos, recebendo e sofrendo no seu seio problemascomo a violência, as drogas, a AIDS e, sobretudo, como raiz de tantosproblemas, a falta de consciência sobre o falso e o verdadeiro, o certo eo errado, o bom e o ruim, o respeito e o desrespeito, numa esteira dedescrença e relativismo. Apesar do trabalho sofrido do professor,repetimos, a escola passou a ser um esteio da sociedade, mais importantehoje do que antes.

O amplo leque de diferenças pede que a escola, no dizer de EdgardMorin, ensine a condição humana, a identidade terrena, a compreensão ea ética do gênero humano, entre outros saberes. O planeta é umaembarcação frágil navegando no universo, não se sabe por quanto temponem que noção de tempo. As divisões entre os homens precisam sersuperadas ou mantidas em nível tolerável para não colocar em risco estanave. Paradoxalmente, ela fica cada vez menor e mais interdependente.Desenvolve de modo admirável as tecnologias de comunicação, porém,tem dificuldades de compreensão, pois comunicar-se não leva,necessariamente, a compreender. Por isso mesmo, é urgente desenvolvera consciência da identidade terrena e da unidade do homem. É urgenteaprender que, apesar das diferenças superficiais, somos todos, afinal, sereshumanos que têm o mundo como pátria.

Essa unidade, por sua vez, repousa na diversidade. Se a variedadedas espécies não for preservada, temos hoje crescente consciência deque a biosfera perecerá. A trajetória da Terra pelo infinito poderia terminar,talvez, numa grande tragédia, da qual a vida, pelo menos comoconhecemos, não poderia mais renascer.

Por outro lado, o homem é um só, mas sobrevive graças à sua própriadiversidade, dos pontos de vista físico, biológico, psíquico, cultural, sociale histórico. Sem diversidade de opiniões e idéias, entra numa camisa deforça empobrecedora. Ao contrário, a democracia é o terreno ondevicejam diferenças e disputas. Conforme Morin, �a vitalidade e aprodutividade dos conflitos só podem se expandir em obediência às regras

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democráticas que regulam os antagonismos, substituindo as lutas físicaspelas lutas de idéias, e que determinam, por meio de debates e daseleições, o vencedor provisório das idéias em conflito, aquele que tem,em troca, a responsabilidade de prestar contas da aplicação de suas idéias�.

Por isso mesmo, a função da escola não é uniformizar e padronizar.Não é sonhar com um mundo sem conflitos, mas criar um mundo em queos atores em conflito respeitem uma ética de conduta. Esse trabalhocomeça na educação infantil, quando o professor, na sala de aula, inspiraos alunos a substituírem o braço pela palavra na solução das disputas.Cada um desses atos anônimos tem a grandiosidade das coisas simples.Esse trabalho prossegue no respeito dos educadores entre si, em tornode um projeto pedagógico compartilhado com a comunidade. E prossegue,mais adiante, no trabalho dos gestores educacionais que procuram melhorservir à escola e à sala de aula, onde se desenrola o processo educacional.

Do mesmo modo, a elaboração e a execução de planos estaduais emunicipais de educação constituem um exercício fértil de convivência,em que as diferenças não são apagadas, mas respeitadas. Em que as partesnão desaparecem, mas formam o todo interdependente. Em que osconflitos se submetem a um consenso maior: servir ao cidadão e aocontribuinte.

Por conseguinte, esta é a hora de colocar em prática o que aexpressão jurídica chama de regime de colaboração e o que a vidacotidiana denomina de cooperação. Esta é a hora de os educadoreseducarem pelo seu exemplo. Vamos ao desafio!

Quero aproveitar ainda esta oportunidade para ressaltar o trabalhoconjunto que vem sendo desenvolvido entre a UNESCO e a Comissão deEducação do Senado Federal, tão criteriosamente dirigida pelo Senador RicardoSantos. Esse trabalho visa, essencialmente, a ampliar os espaços de lutapela educação básica para todos, no sentido de dotar a política educacionalde novos mecanismos que viabilizem a aspiração maior dos compromissos

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de Jomtien e de Dakar que é o de que todas as crianças, jovens e adultostenham a oportunidade de freqüentar uma escola cidadã que seja umaporta de entrada decisiva no processo de universalização da cidadania.

Por último, não poderia deixar de expressar o meu reconhecimentoe a minha homenagem ao Secretário Stélio Dias que vem conduzindo apolítica educacional neste Estado, de forma competente e equilibrada.Stélio Dias já foi também membro da UNESCO Brasil, onde prestouserviços relevantes.

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A UNESCO e a Educação Superior no Século XXI18

A missão de construir uma cultura de paz fez da UNESCO, desdesua fundação, há mais de meio século, uma instituição singular no seio dasNações Unidas. Para cumprir esse mandato, a UNESCO sempre contou,nas universidades e instituições de educação superior e de pesquisa, comum forte ponto de apoio, de cooperação e de solidariedade. A afinidadeentre a UNESCO e as universidades deriva de princípios e metas que sãocomuns em relação ao avanço da ciência e da tecnologia e à dimensãoética do conhecimento.

Por isso, ao longo de sua história, a UNESCO procurou mantercom as universidades um relacionamento permanente, com o objetivo deampliar o intercâmbio e abrir espaços para o fortalecimento da educaçãosuperior, da cultura e da pesquisa científica e tecnológica. A plataformade ideais e metas da Organização inclui educação e conhecimento paratodos e não somente para uma parcela privilegiada da população. Oprincípio da democratização do conhecimento e de seu uso ético foiassumido pela UNESCO desde a sua origem em 1946.

Na concretização de suas metas, que são discutidas e aprovadas noconcerto das Nações que a integram, as universidades sempre se fizerampresentes na UNESCO, tanto no plano da produção de conhecimentos,debates e reflexões sobre temas relevantes de nossa época, quanto nadivulgação e popularização dos saberes. A identidade entre a UNESCO

18 Artigo publicado na Internet: www.universiabrasil.net, em 05/03/2002.

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e as universidades foi se consolidando na experiência de diversas parceriase no enfrentamento de problemas sociais e culturais, em diversas partesdo mundo. Enquanto as universidades procuravam gerar conhecimentossobre assuntos relevantes para o desenvolvimento humano, a UNESCOprocurava se especializar na política de intercâmbio, cooperação técnicae compromissos públicos internacionais assumidos pelos Países-Membrospara colocar esses conhecimentos a serviço dos países mais necessitados.

Com a intensificação do processo de globalização e mundializaçãodas atividades humanas, a partir dos anos 90, a UNESCO, percebendo oimpacto que poderia dele advir sobre as universidades e a educaçãosuperior em geral, deflagrou uma discussão mundial sobre o papel dasuniversidades e da educação superior no Século XXI. Foram realizadosinúmeros estudos, conferências regionais preparatórias e diversos outrostipos de eventos, cujas recomendações convergiram para a grandeConferência Mundial sobre o Ensino Superior, realizada em Paris, em outubro de1998, com expressiva participação de mais de 4 mil pessoas, 180 países,120 Ministros de Estado, além de reitores, pesquisadores e representantesdo setor privado e de Organizações Não-Governamentais.

O resultado final da Conferência de Paris foi a Declaração Mundialsobre a Educação Superior no Século XXI, a qual constitui, na atualidade, uma dasreferências mais importantes para as mudanças pensadas e executadas, tãonecessárias para fazer da universidade uma instituição-guia para aconstrução de cenários sociais mais justos e eqüitativos.

A Declaração de Paris destaca, entre outras recomendações, anecessidade de fomentar a cooperação Norte-Sul com vistas à criação demelhores condições para o fortalecimento das universidades dos paísesem desenvolvimento; enfatiza o compartilhamento de conhecimentosteóricos e práticos entre os países e continentes e recomenda oaproveitamento do potencial das novas tecnologias de informação ecomunicação e da formação de redes que possam favorecer a transferênciade conhecimentos.

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Assim sendo, o Projeto Portal das Universidades configura-se como umainiciativa que se insere no conjunto de compromissos concertados naConferência de Paris, sobretudo no que se refere à criação de mecanismospara estreitar a cooperação entre as universidades de diversos países.

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Educação para Todos � um Imperativo doNosso Tempo19

Com o objetivo de comemorar o 2º Aniversário do Fórum Mundial deDakar, a UNESCO instituiu a Semana de Educação para Todos, no período de22 a 26 de abril. A idéia dessa Semana nasceu da necessidade de renovar,em todo o mundo, o sentido da luta para garantir a todas as pessoas asaprendizagens indispensáveis à vida contemporânea, preconizadas peloMarco de Ação de Dakar.

A proposta de colocar a Reunião do Conselho de Secretários Estaduais deEducação � CONSED como parte da Semana de Educação para Todos tem umsentido especial. Entre os diversos fóruns de políticas públicas existentesnos vários países, seguramente o CONSED tem sido um dos mais atuantesem matéria de educação para todos. Sua contribuição à educação brasileiraé crescente e, certamente, se ampliará no futuro, dada à importância dasUnidades da Federação na política educacional brasileira.

Nesta oportunidade, é oportuno sublinhar que tanto a Conferênciade Jomtien, na Tailândia, no início de 1990, onde foi aprovada a DeclaraçãoMundial de Educação para Todos, quanto o Marco de Ação de Dakar, representam,na história da educação mundial, um verdadeiro divisor de águas, poisnão se contentaram apenas com a universalização do acesso, mas, também,com a qualidade e a democratização educacionais. Ambos oscompromissos traduzem a vontade dos Países-Membros da UNESCO comuma educação básica de qualidade para todos.

19 Discurso pronunciado por ocasião da Reunião do Conselho de Secretários Estaduais de Educação� CONSED, sobre a Semana de Educação para Todos. Brasília, DF, em 23/04/2002.

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O reconhecimento de que a escolaridade é muito mais do queestar na escola, vinculando-a à luta pela sobrevivência e dando ênfase àmelhoria das condições de vida, foi um salto sem precedentes em matériade política educacional. Os eixos norteadores de Dakar consagram essanova postura. Eqüidade, qualidade e competências essenciais à vida abremum novo horizonte pedagógico.

O Brasil, há alguns anos, entrou em sintonia com a meta de educaçãode qualidade para todos. Nas três instâncias da administração educacionalbrasileira � União, Estados e Municípios � trava-se uma luta incessantepara não deixar criança alguma sem escola. O resultado dessa políticaestá à vista e se expressa por quase 97% de crianças brasileiras inseridasno processo de escolarização obrigatória. Sobressai, agora, o desafio daqualidade, sem dúvida o mais difícil dos obstáculos.

O desafio da qualidade não será vencido do dia para a noite. Elerequer tempo, mais recursos, planejamento e políticas de longo prazo.Daí a importância do Plano Nacional de Educação e de seu desdobramentoem planos decenais dos Estados e dos Municípios. E o que é um plano? Éum mapa para se poder caminhar. Ele indica os marcos dos caminhos, osnós a serem desatados. Por isso, é necessário saber onde se pretende chegarpara, então, se estabelecer as etapas da trajetória.

O planejamento e a sua tradução em atos representa uma experiênciadesafiadora. Disso, decorre a necessidade de se conceber um plano queesteja acima de interesses políticos mais imediatos para que todas aspessoas e instituições nele se achem representadas e, devido a essacondição, se mostrem dispostas a cooperar e somar esforços e energias.O desafio educacional brasileiro exige um pacto entre Governo e asociedade civil, mediado por regras democráticas, com a consciência deque, conforme observou Edgar Morin, a vitalidade e produtividade dosconflitos só podem se expandir em obediências às regras democráticasque regulam os antagonismos. A potencialidade existente no Brasil requer

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uma política de educação que faça da escola uma instância promotora dacriatividade e do desenvolvimento humano.

Para que a esperança de uma escola de qualidade e criativa, onde oaprender a ser, a fazer, a conhecer e a viver juntos se tornem lugar-comumno cotidiano da escola, é indispensável um esforço coletivo que tenha comoreferência a luta do Brasil para se converter em uma Nação plena em matériade direitos humanos. E como indica com propriedade o Marco de Ação deDakar, a educação é um direito humano fundamental e constitui a chavepara um desenvolvimento sustentável, assim como para assegurar a paz e aestabilidade dentro de cada país e entre eles e, portanto, meio indispensávelpara alcançar a participação efetiva nas sociedades e economias do SéculoXXI, afetadas pela rápida globalização. Não se pode mais postergar esforçospara atingir as metas de educação para todos. As necessidades básicas daaprendizagem podem e devem ser alcançadas com urgência.

Em sendo assim, nesta Semana de Educação para Todos, onde em diversaspartes do mundo estão ocorrendo uma série de eventos mobilizadores daopinião pública, é oportuno insistir na tese de Dakar que, sem um progressoacelerado na direção de uma educação para todos, as metas nacionais einternacionais acordadas para a redução da pobreza não serão alcançadas eas desigualdades entre as nações e dentro de cada sociedade se ampliarão.

Por último, quero apresentar aos novos Secretários de Educação quetomaram posse recentemente os nossos cumprimentos e a certeza de que aparceria entre o CONSED e a UNESCO, em prol de uma educação dequalidade para todas as pessoas, poderá se consolidar ainda mais, de formaa ampliar a sua perspectiva no contexto de uma educação renovadora.

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Meio Ambiente:Responsabilidade Compartilhada

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Os Parlamentos na Luta Contra a Desertificação20

É com grande satisfação que a UNESCO participa desta importanteMesa-Redonda dos Parlamentares, dirigida ao fortalecimento das políticas deeducação, ciência e cultura, para a implementação da Convenção das NaçõesUnidas de Combate à Desertificação, na cidade de Recife, Estado de Pernambuco.

Este evento é, na visão da UNESCO, de grande relevância, umavez que demonstra o compromisso dos Parlamentos dos países afetadospelos efeitos da seca e da desertificação, com a solução do problematrazendo mais qualidade de vida às populações atingidas.

A participação dos Parlamentares nas discussões garante a amplitudedos resultados a serem atingidos, em um esforço conjunto com outrasinstituições governamentais e também com a sociedade civil.

O trabalho da UNESCO junto aos Parlamentos tem por objetivomaior apoiar as iniciativas nacionais de edificação da democracia, pormeio da cooperação nos processos de reforma e fortalecimentoinstitucional de diversos Parlamentos. Da mesma forma, a UNESCOoferece assistência aos países, no curso da reformulação e modernizaçãode partidos políticos, com o objetivo de atender às necessidades dospovos, em um mundo em transformação.

20 Discurso pronunciado por ocasião da cerimônia de abertura da �Mesa-Redonda dosParlamentares no contexto da III Conferência da Convenção de Combate à Desertificação�,no Centro de Convenções de Pernambuco, em Recife, em 22/11/1999.

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Em todo o mundo e em todas as suas áreas de atuação, a UNESCOprocura contar com o apoio dos Parlamentos na consecução dos seusgrandes objetivos. A importância dessa parceria tem sido objeto decrescente reconhecimento nos principais fóruns internacionais quediscutem o problema do desenvolvimento humano. O Congresso Nacional,como instância de poder legitimada pelos diversos segmentos sociais, emprocesso democrático de eleições, constitui local privilegiado para odebate e aprovação de leis que convertam em realidade compromissos eprojetos de indubitável alcance coletivo.

Atualmente, a UNESCO conta com o apoio de Grupos Parlamentaresem quase vinte Parlamentos do mundo, dentre eles o Brasil, a Costa doMarfim, a Romênia, além do Parlatino.

Respeitando as especificidades de cada país, a UNESCO, emparceria com os Governos, coopera na implementação de uma agenda dedesenvolvimento conciliada aos programas e aos interesses estratégicosdos respectivos países.

A UNESCO considera altamente relevante o desenvolvimento deum trabalho conjunto com os Parlamentos visando à promoção e aofortalecimento destas instituições, como forma de garantia da vidaconstitucional e democrática dos seus Estados Membros.

A resposta dos Parlamentos tem sido muito positiva, por meio doestabelecimento de parcerias efetivas e constantes, nas mais diversas áreasdo conhecimento.

Em maio de 1994, a UNESCO assinou um Acordo de Cooperaçãocom o Parlamento Latino Americano, desenvolvendo uma série de atividadesconjuntas, já no biênio 1996/1997.

No campo da educação, os Escritórios da UNESCO no Brasil e noChile participam com o Parlatino na implementação do �Plano de Educação

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para o Desenvolvimento e a Integração da América Latina�, sob a responsabilidade daEquipe Central de Planificação, uma equipe interinstitucional, criada entre oParlatino e a UNESCO/OREALC (Oficina Regional de Educación para AméricaLatina y el Caribe), sediada em Santiago do Chile.

Com relação à cultura, a UNESCO está associada aos Parlamentosna defesa do direito fundamental de participação na vida cultural e,especialmente, do respeito ao multiculturalismo � o direito das maisdiversas populações de expressarem suas particularidades culturais.

Para a UNESCO Brasil, em especial, a parceria que temos hojecom o Congresso Brasileiro é motivo de orgulho e se apresenta como ummodelo para os demais países da América Latina. Em julho de 1993, soba coordenação do então Deputado José Jorge, que hoje compõe o quadrodos Senadores da República, foi criado o Grupo dos Parlamentares Amigos daUNESCO, com o objetivo de promover a discussão pública de propostasque contribuam, nos campos da educação, ciência, tecnologia, cultura ecomunicação, para a redução da pobreza e valorização da dimensãohumana do desenvolvimento.

O Grupo Parlamentar, formalmente constituído no dia 3 de julho de1997, tornou o Brasil o primeiro país da América Latina a contar com umGrupo Parlamentar pela UNESCO, a exemplo do que já acontecia em paíseseuropeus, no Japão e em Israel.

Desde então, o Grupo Parlamentar dos Amigos da UNESCO tem sido umparceiro constante, desempenhando um importante papel, não só emtermos de difusão dos ideais da UNESCO, como também na formulaçãode políticas nacionais de educação, cultura, ciência e tecnologia.

A articulação permanente com os poderes constituídos, destaca-secomo condição fundamental para a viabilização da cooperação técnica,que favoreça a consecução dos objetivos de desenvolvimento humano. Éesse o pensamento que norteia a atuação da UNESCO no mundo. Estamos

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certos de que não devemos limitar o nosso trabalho ao relacionamentocom os órgãos do Poder Executivo, tanto nacional quanto municipal. AUNESCO tem buscado outras parcerias, mobilizando novos interlocutorespara ações em prol da paz, do desenvolvimento e da democracia, taiscomo: os Grupos de Parlamentares, as Organizações Não-Governamentais,jornalistas, jovens e mulheres, além de fundações de natureza privada,mantidas por organizações empresariais e voltadas para as ações sociais.

A parceria com os Parlamentos se reveste de especial importânciana consecução dos grandes objetivos acordados entre os Estados-Membros, e a importância dessa parceria tem sido objeto de crescentereconhecimento nos principais fóruns internacionais, que discutem oproblema do desenvolvimento humano. Os Parlamentos, como instânciasde poder legitimados pelos diversos segmentos sociais, em processodemocrático de eleições, constituem local privilegiado para o debate eaprovação de leis que convertam em realidade os compromissos e projetosde indubitável alcance coletivo.

É essa a importância da realização desta Mesa-Redonda ,simultaneamente à Conferência sobre Desertificação. Nessas duas semanas, estarãoreunidos aqui, em Recife, representantes do Poder Executivo dos Estados-Membros, discutindo as linhas de trabalho conjunto para o combate àdesertificação e à seca, problemas ambientais que afetam, de formaperversa, um grande contingente de pessoas, privando-as, inclusive, dedireitos humanos básicos, como o direito à alimentação.

Os resultados da Conferência, entretanto, dependem do apoio dosParlamentos para que sejam realmente efetivos. A iniciativa de realizarum Encontro como esse demonstra o compromisso dos Parlamentos, aquirepresentados, com a execução das decisões que forem tomadas.

A UNESCO sente-se gratificada em poder, por meio de suadelegação que tenho a honra de dirigir e, também, por meio de suasações em escala mundial, expressar a plenitude de seu mandato, enquanto

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Agência Especializada das Nações Unidas, mais especificamente napromoção da educação em todos os níveis, na disseminação dos princípiosde desenvolvimento sustentável e na difusão das expressões culturais ede conhecimento tradicional aplicados às populações de regiões semi-áridas, árida e sub-úmidas secas, no Brasil e no mundo.

O Secretariado da Convenção e a UNESCO vêm intensificando suacooperação, desde as negociações da Convenção, na Sede daOrganização, em Paris, local onde a mesma foi assinada, em 1994. Estacolaboração se materializou, na ocasião, pela assinatura de um Memorandode Entendimento entre a UNESCO e o Secretariado da Convenção, cujo texto foiaprovado pelo Conselho Executivo da Organização, na sua 156ª Sessão,em maio de 1998.

O Memorando contempla ações no sentido de promover a conservaçãoe o uso sustentável dos recursos naturais, nos campos da ciência, educaçãoe capacitação, cultura e comunicação. Prevê, ainda, a produção,intercâmbio e disseminação de materiais educativos sobre o problema dadesertificação.

A desertif icação é a causa e a conseqüência dos problemassocioambientais, muitos deles com tal grau de interdependência que,acreditamos, sua resolução deva ser buscada por meio da açãotransdisciplinar e com a participação de todas as forças da sociedade:Governos, Organizações Não-Governamentais, Agências internacionaise Organismos de financiamento.

Os Parlamentos � e os Parlamentares diretamente sensibilizados �dos países afetados pelos fenômenos da seca e da desertif icaçãodesempenham papel fundamental nos cenários, atuais e futuros, no tocanteà implementação das recomendações da Convenção.

É, em grande parte, por sua iniciativa e tenacidade, que os Governossão estimulados a concretizar as medidas previstas na Convenção, visando

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materializar as políticas nacionais de enfrentamento dos desafios, em ummundo que se modifica rapidamente.

No Brasil, os Poderes Públicos, em todos os níveis, têm respondidoao compromisso firmado pelo País, enquanto signatário da Convenção.

O Poder Executivo, por meio do Ministério do Meio Ambiente � com oqual temos a honra de cooperar nesse tema � tem demonstrado firmedisposição em promover a efetiva execução de um Plano Nacional de Combateà Desertificação, ao mesmo tempo em que implementa o Programa de Gestão dosRecursos Hídricos, no semi-árido nordestino � PROÁGUA, e o ProgramaNacional de Educação Ambiental � PRONEA, caracterizando um conjunto deações complementares e interdependentes.

O Poder Legislativo, por meio do Senado Federal e da Câmara dosDeputados, na esfera federal das Assembléias Legislativas nos Estados, e das Câmarasde Vereadores, nos Municípios, têm reafirmado seu compromisso de priorizarprogramas e projetos dirigidos a mitigar os sofrimentos das populaçõesdo semi-árido brasileiro, devido à seca.

Buscar soluções para os problemas ecológicos e sócio-econômicosdecorrentes da seca e da desertificação é, acima de tudo, uma atitude derespeito à dignidade humana das populações atingidas por esses fenômenos.Nesse sentido, a Conferência sobre Desertificação pode ser considerada uma açãoem direção à Cultura de Paz, cujo ano internacional será celebrado em 2000.

A Cultura de Paz é a paz em ação. É o respeito aos direitos humanosno dia-a-dia. É um poder gerado por um triângulo interativo de paz,desenvolvimento e democracia. Enquanto cultura de vida, trata-se detornar diferentes indivíduos capazes de viverem juntos, de criarem umnovo sentido de compartilhar, ouvir e zelar uns pelos outros, e de assumirresponsabilidade por sua participação em uma sociedade democrática,na luta contra a pobreza e a exclusão. Ao mesmo tempo, garantindo aigualdade política, a eqüidade social e a diversidade cultural.

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Por fim, gostaria de chamar a atenção dos senhores para umimportante aspecto desta Mesa-Redonda. Gostaria de ressaltar a importânciade sua atuação em favor da busca de alternativas para diminuir a pobreza,e melhorar as condições de vida de parte significativa da população doBrasil e de outros Estados aqui representados, mantendo a integridade e adinâmica dos processos da natureza.

Para os países em desenvolvimento, a degradação ambiental, apobreza e a fome estão de tal forma ligados que não podemos resolveresta triste equação sem o apoio das forças políticas, dos cientistas e dasociedade como um todo.

Não há dúvida de que a superação dos problemas originados peladesertificação contribuirá, em grande medida, para a redução da pobrezae da exclusão em nossos países. Para atingir esses bons resultados, éinevitável a vontade política de gerar mudanças. Espero que os trabalhosdessa Mesa Redonda sejam realmente efetivos e que possam contribuir, deforma decisiva, para a construção de uma Cultura de Paz, em seu sentidomais amplo, nas comunidades atingidas pela desertificação e a seca. Tendoisso em mente, não poderia deixar de reforçar a disposição da UNESCOem estreitar seus laços de cooperação com a sociedade em geral, visandoa efetiva implementação da Convenção.

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Título de Patrimônio Natural pelo Pantanal eTítulo de Cidadão Mato-Grossense21

Para um estrangeiro como eu, é mais que uma honra, é uma imensaalegria receber o Título de Cidadão Mato-Grossense.

Só tenho a agradecer essa comovente demonstração de apreço,sobretudo em um momento especial como este, quando o Pantanal,orgulho maior deste Estado, recebe da UNESCO sinais claros dereconhecimento por sua beleza, riqueza e cultura.

A Constituição Brasileira, no seu artigo 225, considera o Pantanalum Patrimônio Nacional.

Nada mais justo, tendo em conta os esforços das autoridades e dasOrganizações Não-Governamentais brasileiras no campo do meio ambiente,e os excepcionais atributos naturais, culturais e humanos do contextopantaneiro, reconhecer esse ecossistema como de importância mundial.

Na semana passada, em Paris, a UNESCO incluiu 21 novas áreas na seletaRede Mundial das Reservas da Biosfera, que reúne agora 391 sítios em 94 países.

Entre esses sítios, está a Reserva da Biosfera do Pantanal.

O Programa Intergovernamental � O Homem e a Biosfera � MaB (Manand Biosphere), criado no início dos anos 70, propõe a conciliação entre

21 Discurso pronunciado por ocasião da cerimônia comemorativa do recebimento do Título dePatrimônio Natural pelo Pantanal e recebimento do Título de Cidadão Mato-Grossense.Cuiabá, MT, em 2000.

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a preservação, a conservação e o desenvolvimento humano sustentável,fazendo das Reservas de Biosfera espaços concretos de pesquisa einformação científica, de educação ambiental e de convívio entre aspopulações e o seu ambiente.

Nada é mais apropriado ao Pantanal.

A sinergia histórica estabelecida entre a gente pantaneira e oambiente em que vive, mostra que não é um sonho melhorar a qualidadede vida respeitando a natureza.

A cultura pantaneira é, sem dúvida, grande responsável pelaintegridade do Pantanal.

Até o final deste mês, o Centro do Patrimônio Mundial da UNESCO �responsável pela implementação da Convenção da Proteção do Patrimônio Mundial� divulgará a relação dos novos bens inscritos e, entre eles, deverá figuraro �Complexo de Áreas Conservadas do Pantanal�, que então receberá otítulo de Patrimônio Natural da Humanidade.

O belíssimo local, que ora nos recebe, representa o coração de umconjunto composto pelo Parque Nacional do Pantanal e pelas ReservasParticulares do Patrimônio Natural : Penha, Doroche e Acurizal.

Esperamos que, a partir desse momento, se estabeleça e se consolideuma parceria entre as organizações governamentais, não-governamentais� em especial a Fundação Ecotrópica, Prêmio UNESCO 2000 de Ciênciase Meio Ambiente, agência de cooperação técnica internacional, e toda asociedade, como modelo capaz de ser difundido para o Brasil e para outrospaíses, principalmente aqueles que compartilham ecossistemas designificado biorregional.

Hoje, isso é mais importante do que nunca, uma vez que os paísesbuscam, cada vez mais, adequar suas estratégias nacionais de conservação

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e desenvolvimento sustentável aos compromissos internacionaisdecorrentes da RIO 92.

Por tudo isso, a UNESCO tem a alegria e a honra de incluir oPantanal na relação de lugares preciosos do mundo, dignos do respeito,da admiração e da proteção de todos os habitantes do planeta.

E, pelo mesmo motivo, a honra de receber o Título de CidadãoMato-Grossense reveste-se, para mim, de alegria redobrada: sinto-me maisbrasileiro do que antes e, ao mesmo tempo, mais cidadão do mundo,como o pantaneiro também deve sentir-se agora.

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Gestão Compartilhada dos Recursos Hídricos22

Ao longo da história da humanidade, a utilização desordenada e omau gerenciamento dos recursos hídricos geraram problemas de talmagnitude que, nos dias de hoje, a oferta e a qualidade da água atingemum patamar social e ambientalmente inseguro.

De 1950 a 2000, a disponibilidade de água em mil metros cúbicospor habitante, por região, diminuiu de 20,6 para 5,1 na África; de 9,6para 3,3 na Ásia; de 105 para 28,2 na América Latina; de 5,9 para 4,1 naEuropa e de 37,2 para 17,5 na América do Norte.

O desafio que enfrentamos, como indica o tema do Dia Mundial daÁgua � que se celebra hoje �, é o de colocar em marcha as medidas quefaçam, deste século, o da segurança e garantia permanente ao acesso àágua em escala mundial.

A água tem sido vista, durante muito tempo, como fonte de conflitose apresentada em termos de catástrofe, escassez e contaminação.Necessitamos implementar uma agenda política positiva voltada para umavisão mais construtiva da água como recurso essencial e compartilhado.

A UNESCO não somente considera a água uma prioridade dentrode seu Programa de Ciências, como também promove a reflexão sobre oconhecimento tradicional e a gestão dos recursos hídricos. Nossa

22 Artigo publicado no jornal �Correio Braziliense�, DF, em 02/03/2000, e no Jornal do Tocantinsem 14/07/2000.

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organização abrigou o processo de consulta, em escala mundial, queconduziu à redação do informe Visão Mundial da Água, que fomenta a buscade soluções em vários níveis, nos campos das ciências sociais e naturais,no papel da educação e da cultura, no setor da informação e difusão depráticas sustentáveis no manejo das águas.

O Programa Hidrológico Internacional (PHI), da UNESCO, criado nosanos 70, após a Década Mundial da Água (1965/1975), ingressa na sua sextafase propondo cinco temas direcionados ao atendimento das demandascontemporâneas relacionadas à água: Mudanças Globais e RecursosHídricos; Dinâmica Integrada das Águas; Perspectivas Regionais; Água eSociedade; e Conhecimento, Informação e Transferência Tecnológica.

O PHI, além de desenvolver estudos em escala mundial, tem porobjetivo fornecer subsídios técnico-científicos e mecanismos de apoio àgestão dos recursos hídricos aos países integrantes do Programa, dentreos quais o Brasil, que detém em torno de 12% da água doce disponível nomundo, porém distribuída de forma muito desigual no seu território, comgrandes problemas em relação à conservação de mananciais, custos detratamento, perdas na distribuição e desperdício de consumo.

Por outro lado, o Brasil vem consolidando sua política nacional derecursos hídricos, cuja base é a Lei nº 9.433/97 � Lei das Águas, quecriou o Sistema Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos e estabeleceu osmecanismos de cobrança e de outorga dos direitos de uso da água nopaís; a regulamentação da lei e sua aplicação fazem do Brasil referência eexemplo para países que necessitam construir suas políticas nacionais.

O processo já avançado de criação da Agência Nacional das Águas(ANA), que exercerá função reguladora e será responsável pelaimplementação da política nacional de recursos hídricos, reforça aimportância e a urgência de serem postos em prática os dispositivosprevistos na legislação.

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Um dos mecanismos mais modernos da Lei das Águas é o que criaos Comitês de Bacias Hidrográficas, em um claro movimento de descentralizaçãoda gestão. Esses comitês � alguns já estruturados � funcionarão comofóruns de bacias, formados por representantes dos vários ramos daeconomia que têm a água como insumo; por organizações sociais e pelosPoderes Públicos, em nível municipal, estadual e federal.

Os Comitês de Bacias Hidrográficas são instrumentos de extremaimportância para uma gestão compartilhada dos recursos hídricos, emescala local, nacional ou internacional. Sua constituição ampliada permitee favorece a participação comunitária, oferece uma instância colegiadapara dirimir conflitos oriundos de disputas pelo uso da água e propiciaa cooperação entre nações � comitês de bacias transfronteiriças sãouma realidade.

A UNESCO, por meio de sua representação no Brasil, e de acordosde cooperação com o governo brasileiro no âmbito do PRÓAGUA, apóia,firmemente, o fortalecimento dos Comitês de Bacias Hidrográficas,instância em que a Organização poderá expressar a amplitude de seumandato, nos campos da educação, da ciência e da cultura.

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O Código do Desmatamento23

É com preocupação que acompanhamos o noticiário recente, o qualnos informa sobre a progressiva e permanente devastação de importantesreservas ambientais do Brasil. Mas, apesar das denúncias, a ação predadoraprossegue, como se os apelos da sociedade e as medidas governamentaisfossem insuficientes para impedi-la.

Portanto, é com pesar que vimos ser aprovado, na Comissão Mista doCongresso Nacional, o Projeto de Conversão que modifica o Código FlorestalBrasileiro e permite, entre outras ações devastadoras, a ampliação da área dedesmatamento da Amazônia. Segundo o Projeto, será permitida a reduçãode 80% para 50% da faixa de reserva ambiental obrigatória na floresta. NoCerrado e na Mata Atlântica, essa faixa pode ser reduzida a menos de 20%.Dessa forma, tem-se uma espécie de código favorável ao desmatamento.

Seria a agricultura a real vocação dessas áreas? Os parlamentaresque votaram a favor do Projeto parecem crer que sim. Mas não é isso oque dizem, com autoridade no assunto, oMinistério do Meio Ambiente, o ConselhoNacional do Meio Ambiente � CONAMA, e os ambientalistas em geral.

Na opinião dos especialistas, as reservas florestais são mais lucrativasquando adequadamente exploradas, seja por meio da indústria madeireira,seja pelo extrativismo vegetal ou pela biotecnologia. São inadequadaspara o cultivo ou a criação de animais. Áreas devastadas da Amazônia,

23 Artigo publicado no jornais: �O Globo�, RJ, em 16/05/2000; �Jornal do Tocantins�, em25/05/2000; �A Tarde�, BA, em 09/06/2000.

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por exemplo, converteram-se em terrenos áridos, quando não arenosos,como os desertos. Por outro lado, a moderna tecnologia agrícola � e opróprio Governo, por intermédio da Empresa Brasileira de Pesquisa naAgricultura � EMBRAPA, pode confirmá-lo � permite um aproveitamentodas atuais áreas de cultivo, compensando possíveis �perdas� de terrenopara as reconhecidas reservas ambientais.

Caso se aprove, em Plenário, o Projeto do Código Florestal Brasileiro, daforma em que se encontra, o Brasil estará retrocedendo. Signatário decompromissos internacionais, tais como a Agenda 21 e detentor de umalegislação abrangente, avançada e moderna, o País assumiu a liderançaregional em questões de meio ambiente. É, portanto, exemplo aos vizinhos.

Um retrocesso, agora, irá de encontro a uma política empreendidapelo Governo Federal, no sentido de preparar o País para o futuro,inclusive mediante a inclusão de novos sítios naturais brasileiros na Listado Patrimônio Mundial da UNESCO. Recentemente, por exemplo, receberamo título de Patrimônio Natural da Humanidade as Reservas Florestais da MataAtlântica, na Costa do Descobrimento � nos Estados da Bahia e do EspíritoSanto � e as reservas da Mata Atlântica do Sudeste.

Os jornais de hoje noticiam que o Brasil obteve, ontem, crédito afundo perdido de US$30 milhões do Banco Mundial para um projeto quevisa preservar 10% das florestas tropicais do País.

A Organização Não Governamental World Wildlife Fund � WWF,prometeu mais US$5 milhões a esse programa. A meta é proteger 37milhões de hectares de florestas tropicais. Isso equivale a acrescentar 25mil aos 12 mil hectares que hoje são áreas protegidas na Amazônia. OGoverno, que já havia reservado US$15 milhões para o projeto,acrescentará US$18 milhões.

Vários programas vêm sendo desenvolvidos pela UNESCO, comapoio do Ministério do Meio Ambiente do Brasil, no intuito de trazer

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alternativas para o tratamento da questão ambiental no mundo e no Brasil,buscando compatibil izar o desenvolvimento sócio-econômico e apreservação da qualidade de vida e do ambiente, de forma justa eeticamente correta, para a população atual e as gerações futuras. Dentreeles, o Programa de Ciências da Terra � GEO, o Programa Hidrológico Internacional� IHP, o Programa Homem e a Biosfera � Man and Biosphere -MaB, entre outros.

Como resultado do Programa MaB, no Brasil, temos as três Reservasda Biosfera Brasileiras: a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que seestende por 14 estados da Federação, a do Cinturão Verde da Cidade deSão Paulo, que abarca os municípios da Grande São Paulo, e a Reserva doCerrado do Distrito Federal, os quais refletem o esforço da sociedade nabusca do atendimento às necessidades da comunidade e o melhorrelacionamento entre os seres humanos e o meio ambiente.

A preocupação com o futuro da humanidade pauta as ações daUNESCO em todos os seus Países-Membros, incluindo o Brasil. E o futurodo homem, como já se sabe, está intrinsecamente relacionado ao futurodos recursos naturais. O imediatismo de ações políticas, e a inconseqüênciade posições tomadas ao sabor dos interesses momentâneos não devemcomprometer o futuro de gerações inteiras.

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Pantaneiros, Cidadãos do Mundo24

A Constituição Brasileira, no seu artigo 225, parágrafo 4, considerao Pantanal Patrimônio Nacional. Nada mais justo que reconhecer esseecossistema como de importância mundial, levando em conta os esforçosdas autoridades e das Organizações Não-Governamentais brasileiras, nocampo do meio ambiente, e os excepcionais atributos naturais, culturaise humanos do contexto pantaneiro.

A sinergia histórica estabelecida entre a gente pantaneira e oambiente em que vive demonstra que não é um sonho melhorar a qualidadede vida, respeitando a natureza. A cultura pantaneira é, sem dúvida, agrande responsável pela integridade do Pantanal.

O Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO � incumbido daimplementação da Convenção da Proteção do Patrimônio Mundial � reunido em Cairns,na Austrália, entre os dias 27 de novembro e 2 de dezembro, de 2000, depoisde examinar 71 sítios propostos por 43 países, divulgou a relação dos novosbens inscritos e, entre eles, figura o �Complexo de Áreas Protegidas do Pantanal�. Obelíssimo local, que receberá o título de Patrimônio Natural da Humanidade, éformado por um conjunto composto pelo Parque Nacional do Pantanal epelas Reservas Particulares do Patrimônio Natural: Penha, Doroche e Acurizal.

As principais razões pelas quais o Pantanal merece o reconhecimentointernacional são já conhecidas: trata-se de um ecossistema único no

24 Artigo publicado nos jornais: �A Gazeta de Cuiabá�, MT, em 01/12/2000; �O Globo�, RJ, em05/12/2000.

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mundo; é o habitat de espécies animais e vegetais tão ricas e variadas quantoraras, algumas delas em extinção; é protegido nacionalmente; pertence etem influência sobre mais de um país e revela uma cultura ímpar, que é acultura do pantaneiro � sua culinária, seu vestuário, seus costumes, suasfestas, bem como suas manifestações artísticas. Todo esse complexo temsido objeto da atenção tanto do Governo Brasileiro quanto da sociedadecivil, a qual tem se organizado em defesa do ecossistema pantaneiro.

Além do reconhecimento como Patrimônio Natural da Humanidade, partesignificativa do Pantanal foi incluída, recentemente pela UNESCO, naseleta Rede Mundial das Reservas da Biosfera, que reúne agora 391 sítios, em 94países. Entre esses sítios, está a Reserva da Biosfera do Pantanal.

O Programa Intergovernamental � O Homem e a Biosfera (Man andBiosphere � MaB), criado no início dos anos 70, propõe a conciliação entrea preservação, a conservação e o desenvolvimento humano sustentável,fazendo das Reservas da Biosfera espaços concretos de pesquisa einformação científica, de educação ambiental e de convívio entre aspopulações e o seu ambiente. Nada é mais apropriado ao Pantanal.

As reservas da biosfera são escolhidas baseadas na capacidade quedemonstram de conciliar tanto a conservação da diversidade biológica,quanto o uso sustentável dos recursos naturais. Esse conceito, o qual englobauma visão de futuro, teve início com o Programa MaB da UNESCO. Hoje,tal Programa tem mostrado que pode fortalecer e apoiar políticas nacionaiscompatíveis com os compromissos internacionais decorrentes da Cúpula daTerra e da Rio 92, como, por exemplo, a Convenção sobre Diversidade Biológica.

Indicadas pelos Estados-Membros da UNESCO � entre eles o Brasil�, após um processo de consulta e coordenação com agênciasgovernamentais, comunidades locais, Organizações Não-Governamentaise iniciativa privada com atuação nas áreas envolvidas, essas reservaspermanecem totalmente sob o controle jurídico soberano de seus países� o mesmo acontecendo com os sítios do patrimônio.

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As vantagens desfrutadas, tanto pelos sítios do patrimônio quantopelas reservas da biosfera, incluem o reconhecimento oficial, por partedas Nações Unidas, dos esforços locais e nacionais para promover aconservação e o desenvolvimento sustentável: �um selo de qualidade�útil para reforçar a captação de recursos financeiros � como, por exemplo:o Projeto Pantanal, um contrato entre o Governo Brasileiro e o BancoInteramericano de Desenvolvimento para promover o desenvolvimentosustentável do Pantanal.

Espera-se que, a partir desse momento, se estabeleça e se consolideuma parceria entre as organizações governamentais, não-governamentais� em especial a Fundação Ecotrópica, Prêmio UNESCO 2000 de Ciênciase Meio Ambiente �, agência de cooperação técnica internacional, e todaa sociedade, como modelo capaz de ser difundido para o Brasil e paraoutros países, principalmente aqueles que compartilham ecossistemas designificado biorregional.

Por tudo isso, a UNESCO tem a alegria e a honra de incluir oPantanal na relação de lugares preciosos do mundo, dignos do respeito,da admiração e da proteção de todos os habitantes do planeta.

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Água para o Desenvolvimento25

Falar em água, hoje, no Brasil, tem um significado diferente. O DiaMundial da Água, 22 de março, quando foi criado por recomendação daConferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, a Rio 92,pretendia chamar a atenção da sociedade para a importância da água paraa humanidade. Hoje, avançou-se um pouco. Já sabemos disso. Agora, omomento é de tomada de decisões, de escolha das melhores alternativase de, efetivamente, definir um caminho para preservar e manter as águasdo planeta.

Já está formada uma consciência pública sobre a importância daconservação e desenvolvimento dos recursos hídricos, mesmo que aindafalte colocar em prática as recomendações da Agenda 21, muitas delasrelacionadas à água. No ano passado, a escassez desse bem precioso nosreservatórios brasileiros provocou o racionamento de energia elétrica,chamando a atenção, de forma muito intensa, sobre a problemática doacesso da população à água doce. Pessoas de todas as classes sociaistomaram consciência dos problemas trazidos pela falta de água. E houvea oportunidade de cooperar com o País.

Todos estão cientes de que as estatísticas sobre a questão não sãoexageradas, e representam uma realidade a ser enfrentada, com rapidez efirmeza, para evitar falta de água em um futuro próximo. Não é acessívelà água potável um bilhão e cem mil pessoas; para 2,5 bilhões, falta água

25 Artigo disponível na Internet através do endereço http://www.UNESCO.org.br/noticias/index.asp, em 01/07/2002.

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para fins sanitários. E mais de 5 milhões de pessoas morrem por doençasrelacionadas à água, 10 vezes mais que o número das que são mortas nasguerras no mundo, a cada ano.

Com certeza, o tema será de destaque na Rio+10, uma segundaedição da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e que acontecerá emagosto próximo, em Johannesburgo, África do Sul. E não é à toa que adiscussão deverá ser acirrada, envolvendo Chefes de Estado, OrganizaçõesNão-Governamentais e o setor privado de todo o mundo. Dois terçosdos grandes rios são compartilhados por vários países e mais de 300 delesatravessam fronteiras nacionais. Há muito o que se discutir.

No Brasil, a UNESCO vem cumprindo seu mandato apoiando ainstalação e estruturação da Agência Nacional de Águas � ANA, em suamissão de �disciplinar a utilização dos rios, de forma a evitar a poluição eo desperdício, para garantir água de boa qualidade às gerações futuras�.Inicialmente, esse trabalho está focado em dois graves problemas do País:as secas prolongadas, especialmente no Nordeste, e a poluição dos rios.

No âmbito internacional, a UNESCO definiu �Água para oDesenvolvimento� como tema para o Dia Mundial da Água deste ano. Por meiodo �Programa Hidrológico Internacional�, procura-se dar uma base científica àavaliação global de recursos hídricos e à elaboração de princípios éticose sócio-econômicos para guiar a gestão de águas e as práticas dedesenvolvimento, especialmente em regiões áridas.

A Organização está trabalhando em conjunto também com aSecretaria do Programa WWAP � Programa Mundial de Avaliação dosRecursos Hídricos, das Nações Unidas. Nele, o esforço orquestrado de23 Agências das Nações Unidas produzirá o �Informe Mundial sobre oDesenvolvimento dos Recursos Hídricos�.

O Projeto da UNESCO �Água para a Paz�, em parceria com a CruzVerde Internacional e encabeçado por Mikhail Gorbatchev, visa oferecer aos

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formuladores de decisões, especialistas em hidrologia e estudantes, ashabilidades necessárias à negociação para prevenir a erupção de conflitosinternacionais por causa da água. Pretende-se fazer do século XXI ummarco da �água da paz�, em vez de sofrer por �guerras de água�.

Em todo esse esforço conjunto para se evitar o colapso pela faltade água, vale destacar uma recomendação. A questão da água deve sertratada contemplando-se todos os interesses, em todos os aspectos. Trata-se de uma disputa na qual não pode haver vencedores nem vencidos.Todos precisam estar satisfeitos, já que esse é um bem essencial àcontinuação da vida no planeta.

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Aids:Estratégias de Reversão

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Dia Mundial de Combate à AIDS26

O dia de hoje deve ser motivo tanto para refletir sobre os rumosque a epidemia de AIDS tem tomado no mundo e no Brasil, quanto paragarantir que nossas estratégias sejam as mais adequadas para uma doençaque, além de não recuar, muda sua forma de atacar as populações doplaneta.

Conforme apresentado por Peter Piot, Diretor Executivo do ProgramaConjunto das Nações Unidas de Combate à AIDS (UNAIDS), as estatísticas maisrecentes revelam um quadro preocupante: a AIDS vem encontrandoguarida nas populações carentes. A desinformação e a dificuldade deacesso a métodos preventivos fazem com que a AIDS e a pobreza seassociem, de forma perversa. Tanto na cidade quanto no campo, a epidemiaalastra-se junto às camadas menos preparadas para combatê-la. Apauperização da doença demanda uma resposta rápida e combativa.

Os últimos dados também revelam que as mulheres têm sido vítimaspreferenciais da desinformação e do preconceito entre os sexos. Atransmissão de mãe para filho e o crescente número de crianças órfãs porcausa da doença, conformam um quadro que o Brasil não quer. Ofereceros insumos necessários para que as mulheres possam se defender do HIVé uma das metas que deve guiar os esforços da sociedade brasileira. Esta,deve estar preparada para fazer frente aos próximos anos. Quase metade

26 Discurso proferido por ocasião da comemoração do �Dia Mundial de Combate à AIDS�, noMinistério da Saúde, em Brasília, DF, em 01/12/1999.

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das pessoas que vivem com AIDS foram infectadas antes dos 25 anos.Metade vai morrer antes de chegar aos 35. Isso é preocupante para oBrasil. Este País depende de seus jovens para alavancar o processo dedesenvolvimento social que vai redimir a população das injustiças edesigualdades que marcaram sua história. A juventude deve, portanto,estar no centro de nossas preocupações e estratégias de ação. Daí, nossapreocupação com a prevenção nas escolas. As escolas devem ser o focodas nossas atividades.

Graças à eficaz ação dos Governos, tanto na esfera federal quantona estadual e na municipal, foi possível estancar e até mesmo reduzir amédia de internações dos pacientes com AIDS. A escolha pelo caminhoda prevenção intensiva e do tratamento provou ser correta e devecontinuar o Projeto do Ministério da Saúde AIDS II � modelo de excelênciano mundo. É imprescindível continuar apostando, juntos, na melhoria daqualidade de vida dos já infectados.

O grupo de agências e entidades representadas no Grupo Temático doPrograma Conjunto das Nações Unidas de Combate à AIDS (UNAIDS) definiualgumas metas que contribuirão, positivamente, para a consolidação daluta contra a AIDS no Brasil. A agenda para o próximo ano é densa ecomplexa.

Em janeiro próximo, será constituído um Grupo de Trabalho Jovem, cujoobjetivo é articular lideranças jovens e multiplicar os esforços da juventudeno combate à epidemia. Este grupo será crucial para aglutinar informaçõese para incentivar a atuação dos jovens brasileiros, somando esforços nascinco regiões do Brasil.

Nossa preocupação pelos direitos humanos e pela defesa legal dosportadores do HIV, levou-nos a propor a criação de um Grupo Parlamentarde Combate à AIDS. Este Grupo, certamente, terá um papel primordial naformulação e implementação de garantias constitucionais centrais àmelhoria da qualidade de vida dos brasileiros infectados.

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Outro movimento em direção a uma resposta ampla ao desafio daAIDS, foi o de incluir uma representação da sociedade civil no GrupoTemático composto pelo Governo brasileiro e agências internacionaisaqui sediadas. O protagonismo do movimento social brasileiro é singulare vem sendo correspondido institucionalmente, o que faz do Brasil ummodelo para outros países da região e do mundo.

Nesse sentido, parabenizamos o Ministro da Saúde por ter criadoo Conselho Empresarial de Combate à AIDS, reunindo grandes empresas que sãosensíveis ao tema e procuram vincular suas atividades à prevenção datransmissão do vírus, de forma comprometida e sistemática. A co-responsabilidade da iniciativa privada será central no desenho de qualquerestratégia que pretenda fazer com que a AIDS não seja um empecilho aodesenvolvimento econômico e social do Brasil.

Por isso, aproveito a ocasião para fazer um apelo. A AIDS não étema exclusivo de governos, de agências ou de organizações civis. É umproblema que diz respeito a toda a sociedade. Os meios de comunicaçãosão um instrumento primordial para a luta contra a desinformação e opreconceito. O Brasil está começando a conhecer sobre a doençajustamente porque a parceria com os meios de comunicação tem sidoeficiente. O trabalho que vem sendo desenvolvido pela mídia écomplementar ao esforço preventivo do Ministério da Saúde, dasSecretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

Esse esforço, no entanto, ainda pode ser multiplicado. Aspersonalidades e programas mais populares da mídia, especialmente norádio e na televisão, podem ser excelentes instrumentos deconscientização, ao veicularem, de forma constante, mensagens quechamem a atenção para a luta que está sendo travada contra esta epidemiagrave, e de sérias conseqüências para o futuro do nosso País.

A campanha de prevenção à AIDS no Brasil precisa do apoio damídia para atingir essencialmente a juventude. A força incontestável da

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mídia, especialmente a televisiva, pode potencializar o impacto das açõesatuais, com a participação efetiva dos heróis e heroínas da juventudebrasileira, transmitindo mensagens de prevenção. Com o apoio decisivoda mídia, os esforços de conscientização que vêm sendo desenvolvidospelo Ministério da Saúde, pelas Secretarias Estaduais e Municipais deSaúde, associados à contribuição dada pelo Ministério da Educação e dasSecretarias de Educação, com a inclusão dos temas sobre a sexualidadenos Parâmetros Curriculares Nacionais e às campanhas do próprioMinistério da Saúde, podemos esperar resultados ainda mais expressivos,nos próximos anos.

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Um Novo Perfil para a Segurança Internacionalno Século XXI27

O primeiro mês do ano inicia-se sob a marca da mudança. Na segundafeira passada, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas aproveitousua primeira sessão do século XXI para debater os possíveis caminhosque a sociedade internacional deverá traçar, nos próximos anos, no combatea um dos mais perversos flagelos contemporâneos : a AIDS.

Pela primeira vez, em seus 55 anos de existência, as Nações Unidasconsideram que um tema referente à saúde das populações do mundodeve integrar a agenda de segurança internacional. Estima-se que, nospróximos dez anos, a AIDS matará mais pessoas do que todas as guerrasdo século XX somadas. Hoje em dia, há aproximadamente 11 milhões decrianças e jovens órfãos pela doença. O Conselho de Segurança abriu umprecedente importante, sinalizando que esta devastadora epidemia deveser combatida com a mesma firmeza com que a comunidade mundialenfrenta conflitos armados e o terrorismo internacional.

Durante os últimos anos, o número de infectados pelo vírus da AIDSatingiu números alarmantes � 33,6 milhões, em todo o mundo. Aspopulações carentes, os jovens e as mulheres têm sido vítimas preferenciais,não somente do vírus mas também da ignorância e da discriminação.

Esse fato é preocupante para países como o Brasil que precisam deuma população comprometida com o crescimento econômico e melhoria

27 Artigo publicado nos jornais: �Correio Braziliense�, DF, em 23/01/2000; �O Popular�,GO, em29/01/2002; �Jornal do Tocantins�, em 03/03/2000.

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social para transformar o quadro histórico de desigualdades. Além de serum problema de saúde pública, a AIDS tornou-se um empecilho aodesenvolvimento dos países, impossibil itando a alavancagem docrescimento. Ao afetar as populações jovens do Brasil, a AIDS diminui aqualidade de vida de toda a população, comprometendo o futuro dasociedade brasileira.

Dessa maneira, o Sistema das Nações Unidas, no País, decidiu articular-se de forma a encontrar respostas para o desafio da AIDS. Os esforçosenvidados nessa luta devem estar em harmonia com suas característicassociais e econômicas, suas possibilidades e limites. É no âmbito do GrupoTemático Brasileiro do Programa Conjunto das Nações Unidas para a AIDS (UNAIDS)que dezessete agências internacionais, aqui representadas, e entidadesdomésticas governamentais e da sociedade civil somam seus esforços paraa consecução da tarefa de minar as causas das infecções no Brasil.

A estratégia adotada pelo Grupo Temático da UNAIDS consiste naprogressiva inclusão dos diversos grupos sociais brasileiros na formulaçãoe implementação de esforços contra a AIDS. A grande tarefa do Grupo,para o ano 2000, é articular todos os vetores sociais, de forma consistentee realista.

Nesse sentido, está sendo criado o Grupo de Trabalho Jovem, que agregalideranças juvenis no assunto, em nível nacional. Sua tarefa será a deaglutinar, disseminar e maximizar as informações referentes a práticas,técnicas preventivas e de tratamento, assim como o financiamento deprojetos. Entende-se que o protagonismo juvenil em todas as fases decombate à doença � desde a prevenção nas escolas até o tratamento e oaconselhamento em centros hospitalares � é elemento central para osucesso da empreitada.

Com o intuito de abarcar os setores sociais produtivos, criou-se oConselho Empresarial de Combate à AIDS, por iniciativa do Ministro da Saúde.O Conselho reúne grandes grupos econômicos que trabalham em prol da

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conscientização de patrões e empregados, bem como da adoção depráticas preventivas, desde a iniciação sexual até a maturidade. OConselho tem a capacidade de estabelecer uma rede de práticas bemsucedidas que, eventualmente, poderão cruzar a fronteira e incluir outrosgrupos econômicos do Mercosul.

Some-se, ainda, a orientação do Grupo de Parlamentares Contra a AIDS,ora em formação, que é a garantia da plena cidadania e a proteção dosdireitos humanos daqueles que vivem com AIDS. Composto porDeputados e Senadores, este Grupo terá a função de constituir uma pressãoformal no sistema político brasileiro. Abrirá espaços institucionais para aobtenção de elementos que contribuam, significativamente, para amelhoria das condições de vida daqueles direta ou indiretamente afetados.

É importante que os educadores possam desempenhar um papelsignificativo na modificação do comportamento dos jovens brasileiros. Suaimportância é enorme, seja incentivando o debate e combatendo os possíveisconstrangimentos de tratar da AIDS, na sala de aula ou em casa. Para isso, aUNESCO, com apoio do Grupo Temático, lançou o Prêmio UNESCO de Prevençãoàs DST/AIDS e ao Uso Indevido de Drogas, que contemplará as escolas e grupos deestudantes que tenham os melhores programas de prevenção do País.

É evidente que a estratégia do Grupo Temático é complexa e atacadiversos contextos, simultaneamente. A ação concertada com a CoordenaçãoNacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS, do Ministério da Saúde,que vem realizando um trabalho sem igual na América Latina, faz comque agências internacionais e nacionais atinjam a convergência necessáriapara levar à frente um projeto desta envergadura.

Temos um imenso trabalho pela frente e a certeza de que o nossoesforço pode ser multiplicado. A AIDS não é tema exclusivo de governos,de agências ou de organizações civis, mas sim um problema que dizrespeito a toda a sociedade. Os meios de comunicação são um instrumentoprimordial para a luta contra a desinformação e o preconceito.

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A AIDS pode assumir as características devastadoras de uma guerra.É tarefa de todos somar esforços para combatê-la, sem vergonha ou temor,mas com a consciência de que estamos tratando de uma questão desobrevivência.

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AIDS: Fortalecendo Alianças28

A realização deste evento constitui uma inflexão importante nahistória da AIDS, em nosso continente. A relevância que a cooperaçãotécnica horizontal assume para os países da América Latina e do Caribe éclara: temos tudo a ganhar a partir da troca sistemática de experiências econhecimentos.

Os próximos quatro dias servirão como um laboratório de idéiaspara avaliar o que queremos da cooperação técnica e o que podemosfazer com ela. Qual o formato que lhe daremos, no intuito de que nossirva como instrumento para equacionar os problemas e desafios impostospela AIDS?

A celebração desta reunião, no Brasil, é muito significativa, pois aresposta nacional à AIDS é uma das melhores, em todo o mundo. Suacaracterística principal, que pode ser aproveitada por todas as delegaçõesaqui presentes, é a multiplicidade de atores envolvidos. Por um lado, háuma resposta governamental decidida, sistemática e finamente articuladacom instâncias locais e com os mais diversos setores da sociedade. Poroutro, a sociedade civil organizada tem uma capacidade de resposta muitoveloz e enérgica quando se trata da AIDS. Essa conjunção serve a todosnós como modelo.

A pluralidade de elementos envolvidos no tema da AIDS no Paísreflete-se na estrutura da colaboração das Nações Unidas. Por meio de

28 Discurso por ocasião do �Fórum 2000�, Rio de Janeiro, 6 a 11 de novembro de 2000.

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um Grupo Temático no Brasil, o Programa Conjunto das Nações Unidas para a AIDS,que reúne organizações internacionais, agências governamentais eagências financiadoras e de cooperação internacionais, tais como: o BancoMundial, a Agência de Cooperação Norte-Americana e a Agência de Cooperação Alemã,dentre outras. Também é válido ressaltar que a sociedade civil foiincorporada, formalmente, à estrutura do Grupo Temático, o que lhe trazuma riqueza sem igual.

Este quadro é especialmente relevante porque oferece as bases daco-responsabilidade. Ou seja, a soma de parceiros os compromete com aestratégia nacional para a epidemia. Fortalecendo alianças, estamosaumentando o escopo da resposta, dando-lhe mais fôlego e energia. Dessamaneira, atingimos dois objetivos: podemos proporcionar uma melhoriasignificativa na vida de todos aqueles que vivem com o HIV e avançamos,de forma radical, na educação preventiva.

Contudo, a sustentabilidade da ação preventiva somente seráatingida com o apoio definitivo dos meios de comunicação. Devemossensibilizá-los para que se somem ao nosso esforço. Eles têm a capacidadede nos ajudar a lidar com populações que ainda não estão preparadas paraenfrentar a epidemia e precisam ser educadas e capacitadas para tanto. Atelevisão, o rádio e a imprensa escrita são elementos cruciais na definiçãode estratégias coerentes de combate à AIDS na América Latina.

Nos próximos quatro dias, teremos a chance de imaginar comofazer para que os indivíduos ganhem controle sobre suas vidas, para quepossam escolher. E para que dessa forma, estejam capacitados a levarvidas longas, significativas e criativas.

Ainda temos um longo caminho a percorrer e, certamente, este éum grande passo.

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Resposta Nacional à AIDS29

Este é o segundo momento do PCB (Parâmetros CurricularesBrasileiros) para apresentar a resposta nacional brasileira. Ontem, oCoordenador Nacional DST/AIDS teve a oportunidade de lhes apresentaro quadro em que se desenvolvem nossas atividades.

Hoje, eu tenho a tarefa de lhes mostrar qual é o formato queencontramos para operacionalizar as atividades do Grupo Temático daUNAIDS, no Brasil. Gostaria de chamar a atenção dos senhores para anatureza da resposta nacional à AIDS e depois dar a palavra a alguns deseus atores mais importantes.

Em um primeiro momento, cabe mencionar a multiplicidade dosatores envolvidos nesta resposta nacional. Por um lado, está o Estado,que oferece uma política pública decidida e eficaz. Por outro, há umasociedade civil organizada, com uma capacidade de resposta muito veloze enérgica. Esse é o quadro de operações no Brasil do Grupo Temático daUNAIDS, nos últimos dois anos. Isso quer dizer que a pluralidade deelementos envolvidos na resposta nacional se reflete na mesma estruturado Grupo Temático.

O Grupo conta com organismos internacionais, agências de governo,agências de cooperação, tais como, a Agência de Cooperação Norte-Americana ea Agência de Cooperação Alemã e com a presença da sociedade civil que, ao ter

29 Discurso por ocasião da �Mesa sobre a Resposta Nacional à AIDS�, Rio de Janeiro, 15 dedezembro de 2000.

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sido incorporada formalmente à estrutura do Grupo, lhe acrescenta umariqueza incomparável. Juntos, representamos 17 instituições ativas na lutacontra a AIDS. Este quadro é especialmente relevante porque instala,formalmente, as bases da co-responsabilidade. Ao acrescentar novosvetores, estamos oferecendo novas fontes de energia e aumentando aspossibilidades da resposta nacional. Esse é o tipo de sinergia queprecisamos para garantir o respeito aos direitos humanos dos cidadãosque vivem com HIV/AIDS: a mobilização dos meios de comunicação e asensibilização das estruturas educacionais. Por tudo isso, nos propusemosavançar em dois setores estratégicos: a criação do Grupo de Parlamentares paraa AIDS e a criação do Grupo de Trabalho Jovem. O primeiro conta com doisrepresentantes que falarão a seguir. O Grupo de Jovens está se reunindopela terceira vez, aqui, durante estes dois dias. Garantir a adesão doParlamento à resposta nacional é um eixo fundamental para que nossasações sejam eficazes, em um País complexo como o Brasil.

Incorporar as perspectivas e percepções juvenis à formulação depolíticas públicas significa que estamos construindo as bases para que asfuturas gerações fiquem mais preparadas para enfrentar a epidemia. Osdois eixos, o parlamentar e o juvenil, contaram, amplamente, com o apoiotécnico e, muitas vezes, financeiro da Coordenação Nacional da DST/AIDS.Ao mesmo tempo, nós tivemos a oportunidade de participar de diferentesmomentos da construção de uma resposta nacional. Esse intercâmbio deexperiências, idéias e sugestões dá uma solidez muito particular à políticapública para a AIDS no País.

O Grupo Temático no Brasil é um instrumento para o qual todos ossetores sociais atuantes possam pensar executar ações que permitam aosindivíduos ganharem controle sobre as suas vidas.

Para que possam escolher de que forma viverão sua juventude e suavida adulta. E para que, havendo escolhas conscientes, possam ter vidaslongas, significativas e criativas.

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AIDS: uma Estratégia para o Cone Sul30

Durante os últimos meses, o mundo está discutindo de que maneiraenfrentará os desafios que a AIDS nos impõe a todos, durante os próximosanos. Todas as Agências especializadas das Nações Unidas, as agênciasmulti laterais e os programas internacionais de cooperação estãotrabalhando para criar um novo quadro de ação para o combate a estaepidemia que tanto nos afeta. Esta dinâmica abre uma oportunidade únicapara os países do Cone Sul. Temos condições efetivas para ajudar a moldaro novo regime internacional para a AIDS. Utilizando nossas experiências,os perfis das epidemias, em nossos países e a nossa riqueza cultural,podemos trabalhar para que a estrutura que está nascendo nos sirva comoinstrumento de melhoria interna. São raros os momentos em que nossasnações podem desempenhar um papel ativo e propositivo na definiçãode novas regras, princípios e mecanismos de alcance global. Nossos paísesnão devem deixar passar esta oportunidade.

É por isso que o nosso encontro de hoje tem uma importânciaestratégica. Ao dar vida a um grupo de parlamentares para a AIDS, aArgentina oferece uma evidência real de que está disposta a buscar saídaspara a epidemia que incluam não somente estruturas governamentaisnacionais, mas também a sociedade civil organizada, as autoridadesprovinciais e municipais, os meios de comunicação, o setor privado, osistema educacional e os que vivem diretamente com HIV/AIDS. Estamos

30 Discurso por ocasião da �Oficina Regional em VHI e AIDS dos Países do Mercosul. Grupo deParlamentares para a AIDS�, em Buenos Aires, Argentina, de 10 e 11 de maio de 2001.

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reconhecendo que o problema da AIDS será solucionado quando todosos atores sociais se sentirem co-responsáveis nesta luta. A publicação quehoje lançamos constitui um guia de fácil acesso para que os parlamentarespossam propor e implementar legislações e políticas públicas alimentadaspela enorme quantidade de práticas bem sucedidas e princípiosinternacionalmente reconhecidos. Mais do que isso, é um insumo crucialpara que a sociedade argentina possa demandar, a seus representantes,posturas firmes para enfrentar a epidemia.

Não podemos nos limitar a somar o tema AIDS à lista interminávelde problemas que afetam nossas sociedades. Esta doença tem umaespecificidade que a faz prioridade número um em nossos países: afetadiretamente os jovens e se alimenta do silêncio e da incompreensão.

Hoje, o Sistema das Nações Unidas e o Parlamento Argentino se unem paraoferecer uma solução potencial que pode chegar a ter um impacto muitosignificativo sobre a vida de todos os argentinos.

Estão dadas as condições para que o perfil da AIDS na Argentinados próximos anos passe por mudanças importantes.

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AIDS: a Importância da Educação Preventiva31

O mundo assiste à redefinição das estratégias que guiam a respostaglobal aos desafios impostos pela AIDS. De Nova York, a Assembléia Geraldas Nações Unidas define o novo ordenamento internacional para a epidemia.Compartilhando a mesma plenária, governos, movimentos sociais,empresas, Organizações Não-Governamentais � ONG, e especialistasdefinem os rumos do debate internacional sobre o tema. A participaçãoda delegação brasileira é crucial.

O impacto da AIDS durante os últimos anos tem sido devastador.Até o final do ano 2000, mais de 36 milhões de pessoas no mundo estavamvivendo com AIDS ou com o vírus da doença. Quase 22 milhões tinhammorrido desde o surgimento da epidemia. Apenas no ano passado, 3milhões de pessoas morreram de causas relacionadas à AIDS e mais de 5milhões eram recém-infectadas.

Pela primeira vez na história, um assunto tradicionalmente tratadopelas pastas da saúde pública passou ao primeiro plano da segurançainternacional. Ao reconhecer, em 1999, que a AIDS constitui uma ameaçaà paz entre os povos, o Conselho de Segurança das Nações Unidas sugeriaque o avanço da epidemia resultaria num círculo de doença, pauperização,violência e, eventualmente, guerra. Em países como o Brasil, onde adoença não chega a constituir uma calamidade pública, o vírus HIV jáafeta mais de 500 mil pessoas.

31 Artigo publicado nos jornais: �Folha de S.Paulo�, em 4/07/2001; �Jornal do Tocantins�, em06/07/2001; �Jornal do Brasil�, RJ, em 27/06/2001.

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De forma geral, os debates em Nova York concentram-se nanecessidade de gerar recursos de grande escala para a manutenção depolíticas antiAIDS no mundo subdesenvolvido e em desenvolvimento enos mecanismos mais eficazes para conter a epidemia. Uma das propostasque geraram vívidas discussões é a da criação de um fundo internacionalpara o combate à AIDS. Mas somente discursos não serão o bastantediante de um quadro que se agrava dia-a-dia. Os países que já perderammilhares de pessoas em conseqüência da epidemia têm suas estruturaseconômicas afetadas pela perda da população economicamente ativa.

Contudo, dinheiro não basta. Em muitos países do mundo, e emcertas regiões do Brasi l , as comunidades locais não contam comconhecimentos essenciais sobre práticas e atitudes preventivas. O mesmoacontece com a juventude dos grandes centros urbanos de muitos paísesdesenvolvidos: apesar de as campanhas de informação serem bem-sucedidas, muitos indivíduos relutam em adotar a camisinha em seucotidiano, e muitos outros ainda compartilham seringas durante o consumode drogas ilegais, anabolizantes etc. A educação preventiva deve ser parteintegrante de uma política de educação para todos, podendo sercompreendida como um recurso mobilizador para a mudança de atitudes,conhecimentos e práticas, como, aliás, afirma o Diretor-Geral daUNESCO, Koichiro Matsuura: � �A principal causa da dramáticadisseminação do HIV e da AIDS é a falta de conhecimento. Uma vez queo tratamento não traz a cura completa e o que pode trazer melhora,ainda é muito dispendioso para grande parte da população mundial, aprevenção, por meio da educação, seguida de ação, é o melhor remédio.A educação preventiva deve integrar o objetivo da educação para todos.O que se perde, ao não se implementar agora uma educação preventivade fato, marcará o mundo inteiro por todo o resto deste novo século.��

É nesse quadro amplo de preocupações que a experiência brasileirade combate à AIDS ganha notoriedade internacional. Articulandoestruturas governamentais, sociedade civil e agências internacionais, aresposta brasileira à epidemia vem dando provas concretas de que é

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possível encontrar saídas criativas e eficientes. O acesso universal e gratuitoa medicamentos, por exemplo, tem contribuído para a estabilização dacurva de mortalidade pela doença no Brasil. Além disso, constitui umaprova de responsabilidade social, ao reduzir drasticamente os custos queo Estado tem com o tratamento de seus pacientes. De formacomplementar, a política preventiva vem mobilizando inúmeras entidadesem todo o País, gerando um sentimento de co-responsabilidade essencialao seu sucesso. Os desafios ainda são muitos, mas as bases estão dadas.

A flexibilidade da política brasileira para a AIDS, sua preocupaçãocom a inclusão da sociedade civil organizada na definição de caminhos ea mobilização social que essas entidades têm promovido garantiram aoBrasil a posição de interlocutor autorizado durante os debates de NovaYork. Mas a luta não terminou.

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Política para a AIDS: Avanços e Desafios32

O objetivo de minha apresentação é oferecer uma fotografia decomo o Sistema das Nações Unidas compreende o desafio da AIDS, e assiste àevolução da resposta que o Brasil encontrou para a epidemia.

Durante os últimos meses, assistimos à construção de uma novarodada de consensos internacionais sobre o alcance da AIDS no mundo.Hoje, sabemos que nos países mais afetados, a metade de cada nova geraçãovai morrer de AIDS.

Também assistimos a um evento histórico: durante a última SessãoEspecial da Assembléia Geral das Nações Unidas, em junho passado, todos os Países-Membros da ONU declararam seu compromisso para frear a epidemia.

O processo para gerar tal consenso foi árduo e demorado, porqueas circunstâncias sociais e comportamentais que alimentam a epidemianão são um assunto fácil de se entender, nem de se conversar. E, atualmente,temos uma idéia mais clara de que é possível minar a vergonha e adiscriminação associadas à AIDS, assim como temos uma noção clara dequais os mecanismos que melhor funcionam no contexto da doença.

Nessa Sessão Especial, consagraram-se alguns princípios que vão mudaro cenário da articulação internacional para a AIDS, nos primeiros anosdo novo século:

32 Discurso proferido por ocasião do �Lançamento do Prêmio Estado / UNESCO para Formandos emJornalismo�, na sede do Jornal Estado de São Paulo, em São Paulo, em 17/09/2001.

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� Decidiu-se criar um fundo global para a AIDS, que tem porobjetivo angariar recursos para apoiar as ações de prevenção etratamento no mundo sub-desenvolvido;

� O Secretário Geral das Nações Unidas, Koffi Annan, revelousua intenção de mobilizar todo o Sistema ONU para lidar comos desafios impostos pela epidemia;

� As comunidades, assim como as pessoas que vivem com HIV,foram definitivamente incorporadas à construção de respostaspara a AIDS;

� Consolidou-se a idéia de que os preços dos medicamentos anti-retrovirais devem permitir o acesso das populações carentes.Ou seja, garantir que nenhum país ou comunidade falhe emresponder à AIDS devido à falta de recursos humanos efinanceiros;

� O envolvimento internacional do setor privado, de fundações einstituições religiosas.

� A tomada de consciência de que a educação desempenha umpapel decisivo no fortalecimento de posturas preventivas entrejovens e adultos, capacitando as populações a criar uma culturade prevenção.

Como todos sabemos, esse consenso internacional, assinado eabraçado por mais de 180 países, constitui uma carta de intenções. A suaimplementação dependerá de contextos nacionais e regionais, assim comode definições políticas que excedem o alcance das Nações Unidas.

É por isso que o caso brasileiro nos chama tanto a atenção. Apesardos desafios que ainda tem pela frente, o Brasil é um dos poucos paísesdo mundo que já atravessou essas etapas e consolidou uma respostanacional coerente e bem sucedida. É um dos poucos que tem capacidade,

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hoje, de oferecer ao mundo algumas tecnologias sociais que desenvolveupara lidar com a epidemia.

Gostaria de mencionar alguns desses mecanismos porque tenhocerteza que será muito útil para os textos que vocês produzirão duranteo próximo mês.

a) Um dos sucessos brasileiros foi desenhar uma política públicacapaz de casar ações preventivas em diversos níveis (inclusivena rede escolar) e um programa maciço de tratamento universale irrestrito para toda a população.

b) No Brasil, a sociedade civil organizada foi responsável pelaconstrução de um projeto nacional de monta, por preparar técnicosaltamente qualificados, por mobilizar todos os setores sociais,reduzir os níveis de estigma e discriminação, sustentar atividadescom populações de risco crescente e providenciar apoio a todosaqueles que vivem, direta ou indiretamente, com a AIDS.

c) A política brasileira para AIDS também se distingue por ter sidocapaz de incluir as ações da sociedade civil em seus projetos definanciamento e fortalecimento. A Coordenação Nacional de AIDS,do Ministér io da Saúde, se associou às Organizações Não-Governamentais na promoção de soluções para a epidemia, oque não é freqüente em outros lugares do mundo. Medianteconvênio com a UNESCO, por exemplo, a Coordenação apóia 240entidades da sociedade civil, em todo o País.

d) A resposta nacional à AIDS, no Brasil, também foi capaz deimplementar a redução sistemática dos preços dos medicamentos,garantindo, dessa forma, o acesso ao tratamento e abordando aquestão como um assunto de direitos humanos;

e) Essa resposta também conta com um grupo articulado deDeputados e Senadores que têm por objetivo avançar projetos

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e legislação coerentes com as demandas da população, nocontexto da epidemia;

f) Também consolidou um grupo de empresários que destinamtempo e recursos para implantar projetos de prevenção e decombate à discriminação entre seus trabalhadores;

g) A camisinha é um produto conhecido de todos e, mediante seumarketing, estão caindo as barreiras para sua comercialização eutilização, principalmente entre jovens mulheres;

h) As experiências brasileiras vêm sendo compartilhadas, por meiode programas de cooperação técnica, com outros países emdesenvolvimento, na África e na América Latina e Caribe queainda estão no processo de construção de suas respectivasrespostas nacionais;

i) O Brasil conta, ainda, com o apoio técnico de um grande grupode agências internacionais do Sistema das Nações Unidas e deinstituições multilaterais de financiamento que fortalecem a suaresposta nacional à AIDS, mediante cooperação técnica eeconômica.

j) Finalmente, um dado muito significativo: a infecção pelo HIVmantém-se estável no Brasil. O Programa Nacional de AIDS foi capazde frustrar pela metade a previsão de cidadãos infectados, feitapelo Banco Mundial, ainda na década de 1990, para o Brasil do ano2000.

Mas nesse quadro geral, altamente positivo e saudado por KoffiAnnan, ainda há desafios imensos à nossa frente:

1. O primeiro deles é a marcha que a AIDS vem fazendo para ointerior do País. Cada vez mais, pequenas comunidades, compouco acesso aos serviços essenciais do Estado e das grandes

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cidades, apresentam casos de portadores do vírus HIV. Nessescontextos, nota-se bastante resistência a mensagens preventivase os jovens têm dificuldade em negociar o uso da camisinhacom seus parceiros e parceiras. Diferentemente de dez anos atrás,a AIDS se espalha entre aqueles que têm poucos anos deeducação formal, acesso restrito à informação e aos benefíciosoferecidos pelo Sistema Público de Saúde.

2. A segunda grande tendência é o significativo número de mulheresportadoras e o crescimento proporcional do relacionamentoheterossexual na transmissão do HIV. Isto impõe desafios cruciais:desmistificar o uso da camisinha, influenciar as mulheres de todasas idades para que possam demandar sexo seguro de seusparceiros, universalizar o pré-natal e evidenciar que o tratamentodurante a gravidez reduz, significativamente, o risco datransmissão de mãe para filho.

3. O terceiro ponto é a pauperização da epidemia. Isto é, cadavez mais indivíduos de baixa renda são vítimas do vírus. Se porum lado já há resposta pelo tratamento, para estas populações,ainda temos muito a fazer na disseminação do conhecimento.Penso que somente uma mobilização maciça dos meios decomunicação, da sociedade civil e do sistema de saúde poderãoconfigurar saídas concretas para tal desafio.

4. Finalmente, estamos avançando em relação ao desafio dajuventude. Em recente pesquisa da Coordenação Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde e da UNESCO, descobrimos que omedo da epidemia modificou o comportamento do jovembrasileiro. Iniciando sua vida sexual entre os 14 e 15 anos, osjovens deste País tendem a adiar a primeira relação sexual e auti l izar, cada vez mais, a camisinha. Contudo, há dadospreocupantes. Em algumas cidades, por exemplo, o uso deanabolizantes, por meio de seringas e agulhas compartilhadas, é

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um dos principais meios de transmissão do HIV. Em grande partedas escolas, a AIDS ocupa algumas poucas aulas de biologia,sem estar plenamente inserida no currículo escolar. Em muitosestabelecimentos de ensino, o tema ainda causa constrangimentode professores e pais, constituindo um tabu que apenas contribuipara o aumento do risco da população jovem do Brasil.

Como vocês podem ver, a situação da AIDS no Brasi lcontemporâneo demanda um esforço sistemático de todos os setores dasociedade. Nesse cenário, o papel da imprensa é fundamental. É por issoque criamos esta parceria com o jornal Estado de São Paulo.

Temos a convicção de que os jornalistas de amanhã devem estarpreparados para lidar com o tema da AIDS, conhecer as fontes nacionaise internacionais de informação sobre o assunto, ter uma noção geral doscaminhos da política governamental e da resposta social. Mais do queisso, acreditamos que vocês são educadores da população, principalmentedos jovens.

No caso específico da AIDS, isso é particularmente significativo.Em uma pesquisa feita recentemente com jovens, o Ministério da Saúde, oUNICEF, a Agência Nacional dos Direitos da Infância e a UNESCO encontraramum resultado preocupante: a maioria dos leitores juvenis dos principaisjornais brasileiros queixou-se da pouca cobertura dada a temas referentesà sexualidade. Também apontaram que temas como consumo de drogas,gravidez na adolescência e preconceito entre jovens são tratados demaneira superficial.

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Vitórias do Brasil33

Na 14ª Conferência Mundial sobre a Aids, encerrada sexta-feira emBarcelona, Espanha, mais uma vez o Brasil obteve destaque ao levar suaexperiência de prevenção e assistência aos portadores de HIV/Aids. Asvitórias nesse campo, constatadas logo depois da conquista dopentacampeonato mundial de futebol, também impressionam.

A consagração da Seleção Brasileira nos gramados da Coréia e doJapão não veio por acaso. É resultado de um trabalho, de um processo deconstrução. Antes da Copa do Mundo, dezenas de jogadores foramtestados, houve variações táticas experimentadas e muito, muitotreinamento. O time foi crescendo ao longo do campeonato, contagiandoaté mesmo os mais descontentes. O momento de erguer a taça só foipossível graças a esse trabalho continuado.

No campo do combate à Aids, o caminho das vitórias brasileirastambém foi percorrido ao longo dos anos. E com muito trabalho earticulação. Assim o Brasil conseguiu definir uma política públicaef ic iente, conseguiu capacitar pessoas especia lmente para odesenvolvimento e implementação do programa. A tática usada foi atacarsimultaneamente em três frentes: fazer um trabalho preventivo junto àpopulação; articular ações, fornecer apoio e financiamento a centenasde organizações da sociedade civil que trabalham na área, e aindaoferecer tratamento gratuito aos portadores de HIV. Desde 1996, quando

33 Artigo publicado no �Jornal do Brasil�, RJ, em 15/07/2002.

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foi garantido o acesso gratuito aos remédios anti-retrovirais, o que seconstatou foi uma redução significativa das taxas de mortalidade e noimpacto econômico e social da epidemia.

Em uma atualização de estudo feito há dois anos, o Unaids (ProgramaConjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids) anunciou recentementeque o número de mortes por Aids em 2000 no Brasil é um terço do númerode 1996. Nesse mesmo relatório, divulgado na semana que antecedeu aConferência de Barcelona, há outra informação nada otimista: a Aidsdeverá causar a morte de 65 milhões de pessoas até 2020, mais do que otriplo de mortes registradas nos primeiros 20 anos da epidemia. Isso se ospaíses não acelerarem suas estratégias de ação em campo e fortaleceremseu ataque a uma epidemia que parecia ter encerrado seu pico, mas quecontinua avançando. É aí que entra a experiência bem-sucedida do Brasil.

O Brasil, nesse caso, demonstra o valor fundamental do trabalhona direção certa, da concentração na medida exata e dos esforços emfavor de um grande objetivo, cujos resultados afetam toda a sociedade.E podem afetar todo o planeta se essa experiência for multiplicada pelospaíses mais atingidos pela epidemia, o que pode acontecer adaptando-a por meio de parcerias como a que está sendo feita pela Unesco, entreo Brasil e Moçambique (África), com troca de experiências que enfocamos jovens e a Aids.

Foi comovente a alegria da população na recepção oferecida aospentacampeões. A grandeza da festa refletiu a admiração do povo porquem soube demonstrar, com tanta competência, que o futebol é mesmouma especialidade deste país. Na prevenção e na assistência aos portadoresde HIV/Aids, o brasileiro pode ter o mesmo orgulho que sente em relaçãoao futebol. O que o Brasil tem feito nesse campo é comparável àsmemoráveis vitórias em Copas do Mundo. Que elas continuem, para obem da saúde do povo brasileiro e de todo o mundo, que tem hoje oBrasil como uma referência bem-sucedida.

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Cultura eDiversidade Criadora

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A Rota do Escravo34

Em setembro de 1994, portanto há quase quatro anos, a UNESCOlançou um projeto de pesquisa internacional sobre o comércio de escravosna África. A idéia era promover estudos e atividades sobre esse lamentávelepisódio de nossa história. O projeto recebeu o nome de Rota do Escravo.

A iniciativa partiu principalmente do Haiti e dos países africanos,como o Benin, onde, aliás, ocorreu a Conferência na qual a UNESCOlançou formalmente o projeto. Curiosamente, foi o mesmo Benin que,séculos antes, abrigou um dos principais centros de comércio de escravosnegros. Foi também para o Benin que retornou grande parte dos negroslibertados, muitos deles oriundos do Brasil. Não por acaso, hoje, muitasfamílias de Benin têm nomes de origem brasileira.

Informações como essa nem sempre constam dos nossos livros dehistória. O projeto Rota do Escravo vem justamente resgatar, de forma maiscrítica e sistemática, o trabalho de tantos historiadores, pesquisadores eantropólogos que buscam reavaliar o aviltante episódio histórico docomércio de escravos africanos e tentar compreender melhor os fatosque o envolveram. Assim, também é lançada luz sobre os reflexos dessesfatos na atualidade.

Portanto, seguir a rota dos escravos é mais do que se aprofundar nasraízes da escravidão. É desbravar uma nova rota que possa apontar para

34 Artigo publicado no �Jornal de Brasília�, em 19/08/1998.

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um futuro mais igualitário, onde compartilhar seja mais importante doque conquistar. Como diz Federico Mayor, Diretor-Geral da UNESCO:o essencial é enfrentar o desafio do pluralismo cultural. As diferenças deorigens étnicas devem ser bem-vindas e bem vistas em um contexto noqual a riqueza criada pelos homens e o patrimônio cultural da humanidadesejam compartilhados por todos.

No Brasil, onde a cultura africana deixou marcas tão profundas, o�Seminário Internacional Rota do Escravo�, realizado recentemente no SenadoFederal, em Brasília, foi uma oportunidade ímpar de refletir, também,sobre a riqueza da diversidade cultural. Os africanos que cruzaram oAtlântico rumo ao Novo Mundo trouxeram uma bagagem cultural essencialpara a formação da cultura brasileira.

Hoje, os reflexos da contribuição cultural africana estão em toda aparte, especialmente nas artes. É inconcebível uma arte brasileira semtraços da chamada africanidade. Isso vale sobretudo para a música. AMúsica Popular Brasileira � MPB, sem seu componente africano é órfã,assim como a dança, a expressão corporal, o teatro, a pintura, o desenho,a poesia, a literatura feita no Brasil. Refiro-me a todos os artistas quepensam, cantam, dançam, interpretam e pintam o País de todas as cores,como, por exemplo, Gilberto Gil, Artista para a Paz da UNESCO.

É nesse Brasil multicultural, complexo e intrigante, que queremosver a Rota do Escravo redescobrir facetas muitas vezes esquecidas erevalorizar relações profundas entre culturas hoje complementares.

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Preservar o Passado e Investir no Futuro35

O Ministério da Cultura e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)acabam de firmar um contrato para a implantação do Programa Monumenta,voltado para apoiar as cidades históricas brasileiras, no anseio de melhorconservar o seu patrimônio.

Chama especial atenção a sensibilidade do BID � um banco cujavocação é o financiamento de programas de desenvolvimento � aodirecionar sua atuação para a área da preservação cultural, por nela detectarpotencialidades de dinamização de uma região. A primeira experiênciado BID, nesse âmbito, deu-se em socorro ao governo equatoriano, em1987, quando um terremoto desestabilizou boa parte dos monumentosdo centro histórico de Quito.

Baseado nessa experiência, o BID, agora, potencializa sua atuaçãoem desafio de grandes proporções, tendo em vista a diversidade culturaldo Brasil e suas dimensões continentais.

A iniciativa do Monumenta, partindo do Ministério da Cultura, o qualencabeçou as negociações ao longo de três anos, demonstra sua vontade defazer retroceder o quadro de múltiplas carências dos núcleos históricos.Estados e Municípios, organizações da sociedade e a iniciativa privada,foram chamados a participar da formatação do Programa. Equipes foramconstituídas, dando início a projetos para a obtenção do financiamento.

35 Artigo publicado nos jornais: �Folha de S.Paulo� � Opinião � Tendências/ Debates, em12/12/1999 � domingo.

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O leque de consultas estendeu-se aos moradores dos núcleoshistóricos, às administrações locais, aos vários agentes públicos e privadosenvolvidos, de modo a se chegar a um programa que atendesse a todas assuas especificidades.

Trata-se de um trabalho criterioso para o qual a UNESCO foichamada a contribuir na montagem das equipes técnicas, centrais e locais,responsáveis por estudos e pesquisas, avaliações, definição deprocedimentos, manuais de projetos e fiscalização a serem seguidos.

Essa primeira etapa de negociações, apesar das dificuldades, trouxeefeitos notáveis, resultantes da interlocução entre os parceiros locais efederais. Os inventários do patrimônio, a sistematização de informações,a confecção de projetos, as análises da relação custo/benefício, dacapacidade de gestão e de aporte financeiro, lançaram novas luzes sobreos efeitos culturais, sociais e econômicos da conservação dos núcleoshistóricos � os quais, certamente, contribuirão para elevar a estima doscidadãos pelas suas cidades.

Reside aí o aspecto essencial da preservação dos bens históricosde uma nação, pois se trata de ação estratégica para a valorização da suaidentidade cultural e um legado essencial para a formação das novasgerações de brasileiros.

Coincidentemente, o Brasil comemora a nomeação pela UNESCOde mais três Patrimônios da Humanidade: Diamantina, em Minas Gerais, a Costado Descobrimento, na Bahia e a região de Lagamar, entre o Paraná e SãoPaulo. O apoio dos Ministérios da Cultura e do Meio Ambiente foideterminante, pois, além do aval político, eles impulsionaram a preparaçãodos documentos técnicos e deram condições para o cumprimento dasexigências do Comitê Internacional de Monumentos e Sítios.

A campanha desencadeada por Diamantina para a obtenção dessetítulo evidencia as potencialidades de organização de uma população em

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torno de um objetivo. O orgulho e a identidade dos cidadãos diamantinensespela cidade foram a chave dessa conquista, a qual insuflou novos ares aolocal, em busca de alternativas à atividade mineradora em declínio.

Tanto o Monumenta quanto a nova dinâmica que se apossou deDiamantina demonstram as potencial idades de um modelo dedesenvolvimento alicerçado nas raízes culturais brasileiras. A açãoconjunta do Governo Brasileiro, de organismos internacionais como aUNESCO e o BID e da sociedade civil brasileira, pode ser um motivo amais para manter viva a idéia de cultura e desenvolvimento sustentáveis.

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São Luís, Patrimônio de Todos36

O Brasil, os qual tantos acusam de ter fraca memória, conquistou,neste ano, mais um título histórico. Eram oito. Agora, mais um, incluiu ocentro histórico de São Luís do Maranhão na lista do Patrimônio Cultural daHumanidade. Os casarios coloniais, os sobrados de azulejo, as fontes, asigrejas, os lampiões (hoje elétricos), os paralelepípedos, as calçadas docentro da capital maranhense foram reconhecidos pela UNESCO comopatrimônio mundial a ser preservado para todas as gerações.

São poucos os lugares, no Brasil e no mundo, a ingressar no seletorol do Patrimônio Mundial. Atenas, Roma, Paris, Florença, Veneza,Istambul, as pirâmides do Egito, compõem a lista, assim como, no Brasil,estão os centros históricos de Olinda e Salvador; a cidade de Ouro Preto;o Plano Piloto de Brasília; o Parque Nacional da Serra da Capivara, noPiauí; o Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhasdo Campo; o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná e as ruínas jesuítico-guaranis de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul.

São Luís fez jus ao título. Há quase vinte anos, vem sendo objetode um programa regular e contínuo de revitalização de seu patrimôniohistórico-cultural. Os resultados são visíveis. Uma passagem ao centrohistórico da cidade, encanta qualquer visitante desavisado. É graças aesse esforço de recuperação e revitalização de seu centro histórico queSão Luís pôde ser indicada Patrimônio da Humanidade.

36 Artigo publicado no jornal �O Estado do Maranhão�, em 2000.

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A indicação foi, na verdade, resultado de uma soma: o esforço, porparte do Estado do Maranhão, de restauração do patrimônio, ao longode quase vinte anos e, evidentemente, a própria riqueza desse patrimônio.A população de São Luís tem razão de se orgulhar de seu centro históricoque, aliás, permanece centro comercial, institucional e administrativo dacidade. E isso pesa, favoravelmente, para a conservação dele. O centrohistórico de São Luís é a imagem da cidade e do próprio Estado doMaranhão. Preservá-lo é conservar parte da história do Brasil e do mundo.

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Brasília: Síntese do Brasil37

Para um estrangeiro que, por força da própria trajetória de vidapública e familiar, aprendeu a gostar e a admirar a cultura brasileira, recebero Título de Cidadão Honorário de Brasília representa um desses momentos rarosde alegria que nos projeta para o futuro, revigorando e fortalecendo onosso idealismo e nossa vontade de continuar a luta em torno de metasque dignificam e dão sentido à existência.

Por isso, sou grato, em primeiro lugar, ao ilustre Deputado ChicoFloresta que teve a iniciativa � que ainda me surpreende �, de apresentarao Plenário da Câmara Distrital o projeto de me conceder essa honraria.Quero agradecer, também, ao ilustre Deputado Jaques Wagner pelo gestode oferecer a Câmara dos Deputados para sediar esta homenagem.

Esta distinção, no entanto, cresce em significado na medida em quea instância que a aprovou � no caso, a Câmara Distrital do Distrito Federal� vem dando exemplos seguidos de como uma Casa Legislativa podedesempenhar um papel importante no processo de construção dacidadania. Dessa forma, eu também sou profundamente grato ao Plenárioda Câmara Distrital pela distinção que me foi concedida.

Em minha trajetória de vida, esta é a segunda vez que estou emBrasília. Na primeira, como especialista em Educação Rural e Coordenadordos Programas Sociais do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura,

37 Discurso proferido por ocasião do Recebimento do Título de Cidadão Honorário do DistritoFederal, em Brasília, em 23/08/2000.

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tive a oportunidade de conhecer a realidade social e rural brasileira e arica paisagem física do Brasil. Esta experiência me proporcionou ver deperto a enorme potencialidade do País, tanto no plano humano e cultural,quanto no científico e tecnológico.

Retornei ao Brasil em 1996, como Representante da UNESCO, umainstituição que tem por missão desenvolver a cultura da paz por intermédiodo intercâmbio e da cooperação técnica, nos campos da cultura, educação,ciência, tecnologia e comunicação. Assim, visualizei a oportunidade decolocar à disposição do Brasil o grande acervo de conhecimentos e deexperiências que a Organização acumulou, ao longo de mais de meioséculo de existência.

Com base em uma ampla política de parcerias com o Poder Público,entidades privadas e Organizações Não-Governamentais, a UNESCOampliou, consideravelmente, os programas de cooperação técnica noBrasil, de maneira a oferecer uma contribuição significativa para exprimira grande potencialidade do País, sob a forma de projetos voltados para aconstrução de cenários mais justos e eqüitativos.

Para se ter uma idéia mais precisa do dinamismo que caracteriza apolítica da UNESCO Brasil, basta dizer que nenhum outro Escritório daOrganização, no mundo, possui o mesmo volume de ações.

Em relação à UNESCO, Brasília ocupa, hoje, uma posição dedestaque. A capital do Brasil está inscrita entre os 12 sítios brasileirosreconhecidos como Patrimônio da Humanidade, sendo o único bem do séculoXX a receber tal distinção.

Brasília possui a Reserva da Biosfera do Cerrado do Distrito Federal,a qual confere significado mundial ao bioma Cerrado, recentementeindicado como um �hot spot� da diversidade biológica pela comunidadeconservacionista internacional.

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A responsabilidade de representar a UNESCO e fazer da Convençãodo Patrimônio Mundial e do Programa Intergovernamental �O Homem e a Biosfera�instrumentos de fortalecimento das políticas públicas da cultura e do meioambiente, adquirem dimensão inusitada a partir da cidadania brasilienseque ora me é conferida.

O compromisso com a conservação do patrimônio de todos nós �bens únicos e insubstituíveis � aliado à busca de um desenvolvimentohumano forjado na Cultura da Paz e na sustentabilidade econômica eambiental, mais do que simples deveres de oficio, desenham contornospessoais e afetivos na busca incessante por uma melhor qualidade de vidapara esta e para as gerações futuras.

Assim sendo, sinto-me duplamente honrado. Em primeiro lugar, porreceber esse importante título honorífico concedido pela Câmara Distritalde Brasília; em segundo lugar, por recebê-lo de uma cidade PatrimônioCultural da Humanidade.

Por último, gostaria de dizer que sendo Brasília uma síntese do Brasil,na medida em que brasileiros de todos os Estados participaram ou participamde sua formação, está em construção no Distrito Federal o desenho de umnovo Brasil, mais plural e mais democrático. A Câmara Distrital já é umaespécie de caixa de ressonância do novo cenário que se anuncia.

A UNESCO sente-se comprometida com essa perspectiva econtinuará a envidar todos os esforços possíveis para que Brasília sejauma referência não apenas no plano nacional, mas também internacional.

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Quinhentos Anos de Memória38

O Brasil tem memória, e a quer preservada. Crer nisso não é provade ingenuidade. É fruto de atenta observação. A despeito de algumassituações de descaso aos bens do patrimônio histórico brasileiro, grandeesforço vem sendo empreendido nos últimos anos, tanto pelo Governoquanto pela sociedade, no sentido de preservar a memória nacional.

Uma prova disso está no número de sítios históricos e naturaisbrasileiros inscritos na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO. Pela primeiravez, em quase 30 anos (o Comitê do Patrimônio Mundial, que concede os títulosde Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade, foi instalado em 1972), o Brasilé o País da América do Sul com o maior número de bens inscritos nessalista e vem inscrevendo novos, a cada ano. Vale lembrar que nessa relaçãode sítios do Patrimônio Mundial estão pérolas arquitetônicas dacivilização, tais como as Muralhas da China, as pirâmides do Egito ou acidade de Veneza, entre mais de 600 outros.

O Brasil conta, hoje, com onze sítios que levam o título ou dePatrimônio Cultural ou de Patrimônio Natural da Humanidade. No ano passado,mais sítios brasileiros candidataram-se ao título. Essa atitude proativa, doGoverno e da sociedade brasileira, resulta da gradativa elevação daconsciência sobre o valor de seu legado cultural.

38 Artigo publicado nos jornais: �O Globo�, RJ, em 24/10/2000; �Hoje em Dia�, MG, em 25/10/2000;�O Popular�, GO, em 15/11/2000.

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A intensa mobilização das administrações e das populações dascidades de São Luís e de Diamantina, inscritas, respectivamente, em 1998e 1999, na Lista do Patrimônio Mundial, são exemplos dessa atitude prospectivae confiante dos brasileiros em relação à própria memória. Tal mobilização,vale dizer, não se deu por encerrada mediante o recebimento do título.Prosseguiu com a celebração do resultado favorável às respectivascandidaturas dessas cidades e continua, ainda hoje, por meio de iniciativassimples, mas eficazes, como a divulgação do título em espaços públicos ena imprensa especializada em turismo, para citar somente dois exemplos.

O que semelhante comportamento reflete é sintomático: um povoé seu habitat, sua história, sua cultura. Valorizar isso é valorizar-se. Daí, ocomponente de natureza psicológica embutido na mobilização pelainscrição de um sítio na Lista do Patrimônio Mundial: pertencer a ela reforça aauto-estima. É como se as raízes de um povo fossem expostas ao mundo.Integrar a Lista é integrar-se no seleto grupo dos sítios mais prestigiadosdo planeta. É consolidar a própria história.

Não por acaso, pela primeira vez na América Latina, um Ministérioda Cultura � o brasileiro � tem êxito na implantação de um programa depreservação e valorização do patrimônio e, para isso, conta com o apoiodo Banco Interamericano de Desenvolvimento � BID, e de um organismo das NaçõesUnidas, a UNESCO. Trata-se do Programa Monumenta, cujos fundos sãocompostos de 40% do orçamento público brasi leiro e 40% definanciamento do BID, mais 20% de recursos de Estados, Municípios e dainiciativa privada. A UNESCO está envolvida no aporte de cooperaçãotécnica e gestão.

As cidades históricas do Patrimônio Mundial são prioridade noMonumenta, tais como: Olinda e Ouro Preto. São Luís e Salvador preparamos documentos técnicos para, proximamente, ingressar no Programa. Jáse integraram ao Monumenta Recife e Rio de Janeiro. Para esses sítios, dentreoutros que farão parte do Programa, estão previstos: investimentos narestauração de monumentos e melhoria dos espaços públicos históricos;

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fortalecimento da capacidade dos órgãos federais e locais de administraro próprio patrimônio; formação de artífices especializados em restauraçãoe o reforço da sensibilização dos moradores desses sítios � especialmenteos jovens. Tudo isso deverá contribuir para a revitalização de importantescentros históricos e culturais.

Resultados positivos da elevação de sítios brasileiros à condiçãode Patrimônio Mundial também foram percebidos na Costa doDescobrimento, no Sul da Bahia e Norte do Espírito Santo, inscrita, noano passado, como Patrimônio Natural da Humanidade. Investimentosde toda ordem requalificaram a área em benefício da população local edos visitantes. A Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo, integrou-se a esseesforço e adquiriu áreas ambientais litorâneas no norte do Estado doEspírito Santo e comprometeu-se a protegê-las.

Trata-se, portanto, de um movimento que engloba tanto o PoderPúblico � que encaminha à UNESCO a inscrição de um sítio e compromete-se a preservá-lo � quanto a sociedade civil e o empresariado, que semobilizam para obter o título mundial e mantê-lo. Esse movimento, cadavez mais intenso, tem contrariado a velha máxima segundo a qual o brasileironão tem memória. Ao contrário, ao completar 500 anos, o Brasil vemdemonstrando profundo interesse em revalorizar as tradições, os costumese os espaços onde a sociedade brasileira vem construindo sua história.

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Goiás: a Luta pelo Reconhecimento39

A crescente presença da UNESCO Brasil, nas áreas de educação,cultura, ciência e comunicação, tem contribuído para despertar e ampliara vontade coletiva em prol do advento de cenários sociais compatíveiscom os avanços que estão ocorrendo em outros países. No caso específicoda cultura, a firme posição da Organização no respeito à diversidadecultural e ao extraordinário patrimônio histórico produzido por essa mesmadiversidade, tem sido responsável por inúmeras iniciativas tomadas pelosPaíses-Membros com o objetivo de preservar a memória e o acervo culturalde nossos antepassados que, sublinhe-se, constituem fontes insubstituíveisda identidade e da personalidade de uma nação.

O Brasil, nos últimos anos, graças a essa vontade coletiva, conseguiuque inúmeros e importantes sítios históricos � Ouro Preto, Congonhas,São Luis, Sete Povos das Missões, Brasíl ia, Diamantina � fossemreconhecidos pela UNESCO e incluídos no Patrimônio da Humanidade.

O reconhecimento desses sítios e lugares históricos despertou aatenção do País e tem incentivado a comunidade de outros pontos ecidades históricas a lutarem pela mesma condição.

Foi essa mesma vontade coletiva que influenciou o processo depreparação do dossiê de candidatura da cidade de Goiás, impulsionandoos esforços do Governo em atender aos requisitos da UNESCO. Esseprocesso teve início há dois anos e, ao longo desse período, houve uma

39 Artigo publicado no �Jornal do Commercio� � Opinião, PE, em 4/09/2001 � Terça-feira.

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grande demanda por informações detalhadas para compor o dossiê. Apopulação organizou-se, de maneira exemplar, em forma de associação econseguiu os avanços que há muito pleiteava. Foi como se o entusiasmoda população em torno da possibilidade da inscrição de sua cidade naLista de Patrimônio Cultural da Humanidade derrubasse as barreiras e despertassepara uma série de mudanças de comportamento e melhorias urbanas.

Devemos ressaltar que Goiás é uma cidade que simboliza umimportante testemunho da ocupação e colonização do Brasil Central. Suaarquitetura de caráter forte, que resulta do uso coerente de materiais etécnicas tradicionais, constitui uma marca importante para ofortalecimento da candidatura.

Por meio da associação civil Movimento Pró-Cidade de Goiás, foramconseguidos benefícios importantes. Citando apenas alguns, temos a redeelétrica subterrânea no perímetro urbano e a iluminação pública adequada,ressaltando a atmosfera histórica da cidade e acentuando suas qualidadescênicas. A limpeza do Rio Vermelho também foi incluída entre essesbenefícios. Será feito um tratamento do sistema de esgotos quepossibilitará ao rio correr com águas limpas atravessando o centrohistórico, deitado aos pés da casa da poeta Cora Coralina.

Para isso, Goiás será o primeiro município brasileiro a implantaruma política pública de redução, reutilização e gestão de resíduos sólidosurbanos e rurais, proporcionando a coleta seletiva do lixo e a criação deum núcleo de reciclagem para o recolhimento e processamento de todosos resíduos urbanos.

Especialmente voltado para a juventude, instaurou-se um amploprograma de educação patrimonial nas escolas, o �Viva e Reviva�, ensinandoaos jovens os valores da sua cidade. Trata-se de transformar a história dacidade em conteúdo didático, sensibilizando e comprometendo osestudantes a discuti-la, a aprender, desde cedo, o cuidado e o respeitoque devemos ter por nossas cidades.

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Vários monumentos já foram restaurados, como as igrejas da BoaMorte, Santa Bárbara, Matr iz de São Francisco, a lgumas com acontr ibuição da população local . O objet ivo foi recuperar suasprincipais características, enfraquecidas e alteradas ao longo dos anos.Para atender à crescente demanda turística que Goiás vem registrando,o número de hotéis e restaurantes da cidade aumentou e cresceu a ofertada famosa doçaria, do vasilhame de barro e de tantos outros produtosdos saberes populares.

A primeira etapa vencida foi o envio do dossiê, pelo GovernoBrasileiro, com todas as informações necessárias. Depois, foi concedidoparecer favorável ao título pelo Comitê Internacional de Monumentos e Sítios �ICOMOS, órgão de consulta técnica da UNESCO. E, mais recentemente,outro parecer favorável do Bureau do Patrimônio Mundial � composto porrepresentantes de 7 Países-Membros da Convenção do Patrimônio Mundial �formado por representantes de vinte e um países � e que prepara o trabalhopara a reunião do Comitê do Patrimônio da Humanidade �, para a decisão final.

Qualquer que seja a decisão, está claro que ela será o resultado damobil ização da comunidade local, somado ao decisivo apoio doGovernador de Goiás, Senhor Marconi Perillo e do Ministro da Cultura,Senhor Francisco Weffort, assim como da Prefeitura de Goiás.

Resta aguardar a apreciação conclusiva sobre o assunto, que seráfeita na reunião do Comitê, no final de novembro próximo, em Helsinque,Finlândia. Certo é que, a partir de agora, os cidadãos dessa cidade saberãopassar para as próximas gerações o respeito e o carinho que aprenderama cultivar nessa verdadeira campanha. Essa é, sem dúvida, a melhor garantiade proteção durável e de reconhecimento do valor do patrimônio deGoiás. Mais uma vez, a população brasileira mostrou, com seu entusiasmo,a personalidade desse País.

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Analisar o Presente, Pensar o Futuro40

A realização de um Congresso Internacional sobre os Valores Universaise o Futuro da Sociedade insere-se entre os temas que a UNESCO vemprivilegiando, com o objetivo de oferecer subsídios aos Estados-Membrosda Organização e às lideranças mundiais � políticas, religiosas, econômicase culturais � sobre a necessidade planetária de construção de novos rumose de novos marcos de referência para nortear o desenvolvimento humano,no século XXI.

A análise do tempo e das circunstâncias presentes indica que algunsdos principais anseios da humanidade, idealizados e construídos ao longode séculos de lutas e de exclusão das pessoas, só foram realizados emescala muito reduzida. De fato, os ideais de liberdade, democracia,eqüidade social, cultura, saúde, educação e segurança, só existem parauns poucos países. A maioria das nações e de seus habitantes encontra-sena periferia do processo civilizatório. Procuram, como último recurso eesperança ao ensejo de um novo século, reavivar suas crenças napossibilidade de um mundo mais humano e mais justo.

Sem dúvida, a mudança de século serviu de ponto nevrálgico para orecrudescimento da utopia. E todos nós, com maior ou menor intensidade,alimentamos essa esperança. Nos últimos anos, foram incontáveis as reuniões,congressos, conferências, estudos e pesquisas, para examinar a situação atual

40 Discurso proferido no �Congresso Internacional Valores Universais e o Futuro da Sociedade�,na Associação Palas Athena, em São Paulo, SP, realizado nos dias 17 e 18 de setembro de 2001.

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das profundas mudanças que estão ocorrendo no contexto da mundializaçãoacelerada das atividades humanas. O denominador comum de todo essemovimento idealista de repensar o que foi o século XX é a necessidade deconstrução de um novo século pautado por novos valores, capazes deengendrar cenários mais justos e solidários.

Há um consenso generalizado de que é preciso mudar. Mesmo ossetores tradicionalmente mais conservadores concordam com oestabelecimento de novos pilares para orientar as polít icas dedesenvolvimento no século XXI.

Nesse movimento de reflexões e de análise prospectiva, a UNESCOse fez presente em diversos momentos, merecendo destaque, entre outros,os Relatórios Mundiais sobre Cultura e Desenvolvimento e sobre a Educação para oSéculo XXI, coordenados, respectivamente, por Javier Pérez de Cuéllare Jacques Delors, a Ciência para o Século XXI, resultado da Conferência deBudapeste; a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Sete Saberes Necessáriosà Educação do Futuro, este, elaborado por Edgar Morin.

Todos esses documentos se tornaram referências universais e sãohoje debatidos em todo o mundo. Eles advogam a necessidade de umanova ética para presidir o desenvolvimento e estabelecem princípios ediretrizes para enfrentar os desafios do tempo presente e, tendo em vista,como diz o Relatório Mundial sobre Cultura e Desenvolvimento, a adoção de novasformas de pensamento, novos modos de ação, novas modalidades deorganização social, em suma, novos estilos de vida. Em outras palavras,advogam um novo paradigma que considere a totalidade da vida humana.

Nessa mesma linha, merece destaque, também, os esforçosdesenvolvidos pela UNESCO Brasil, tanto no debate e confronto de idéiasquanto por intermédio de pesquisas sobre juventude, violência e cidadania.São exemplos desse esforço os eventos promovidos pela UNESCO e outrasentidades sobre os impasses da globalização (Governar a Globalização) e sobreos caminhos do desenvolvimento (Terceira Via), como, ainda, várias pesquisas

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sobre violência, juventude e cidadania, gerando conhecimentos os quaisconsidero importantes para as políticas públicas de desenvolvimento social.Além disso, a UNESCO Brasil tem tido uma preocupação permanente nosentido de transformar idéias em ações. O projeto de Abertura de Escolas nosFins de Semana, em curso em alguns Estados e Municípios, insere-se nessapreocupação. Visa, essencialmente, desenvolver nas escolas os valores quea UNESCO defende. Uma escola de qualidade que cultive valores universaise valorize a diversidade criadora representa um dos caminhos mais segurospara o futuro da sociedade.

Precisamos, hoje, ter a coragem de levar para a prática algumasidéias que sempre foram vistas como inviáveis e até mesmo utópicas.Inúmeras experiências que a UNESCO tem apoiado indicam que é possívelmudar. Ainda recentemente, publicou um livro � Cultivando Vidas, DesarmandoViolências � que relata e analisa os resultados de ampla pesquisa nacionalsobre experiências inovadoras com jovens em situação de risco. Esse livromostra que, com poucos recursos e uma política compartilhada, é possíveltrilhar novos caminhos para a juventude, evitando descaminhos e ajudandoo jovem a reconstruir o seu projeto de vida.

Por isso mesmo, a UNESCO considera relevante a realização de umadiscussão de alto nível sobre os Valores Universais e o Futuro da Sociedade. Há aurgente necessidade de uma nova ética para orientar o processo demundialização socioeconômica e cultural que está em curso. É ilusão pensarem soluções setoriais como se fosse possível isolar-se do resto do mundo.O que está em perigo é a própria sobrevivência da humanidade e a recentetragédia terrorista nos Estados Unidos demonstra isso, de forma insofismável.

Precisamos repensar a experiência do século XX, levando em contaa advertência de Michel Random:

�A modernidade transformou o homem em refém de umacontinuidade aparentemente inevitável: produção-consumo-morte.De fusões em mega-fusões, os sistemas econômicos dividem o

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planeta em zonas de influência e em mercados, instaurando com isso ospoderes econômicos supranacionais, nos quais existe apenas a ética da leido mais forte. Essa situação, em seu conjunto, leva ao esmagamento dosvalores qualitativos da vida, sem que nenhum poder contrário tenha,realmente, meios para resistir�.

Estou seguro de que este Congresso Internacional, pela excelênciados conferencistas, poderá dar uma contribuição importante ao debatesobre a possibilidade de novos padrões éticos em um mundo dominadopela incerteza e a insegurança.

Quero, por último, anunciar que a UNESCO Brasil , emreconhecimento à atuação cultural do Serviço Social do Comércio � SESC, emSão Paulo que, nos últimos anos, não tem medido esforços em promoverinúmeras atividades culturais relevantes, realizando eventos da mais altaimportância, foi contemplado este ano com o Prêmio UNESCO Brasil naárea cultural. Trata-se de uma justa homenagem a uma das instituiçõesbrasileiras mais dinâmicas no setor da cultura.

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A UNESCO e as Cidades PatrimônioMundial do Brasil41

É com grande alegria que dou início aos trabalhos desse primeiroEncontro de Cidades Patrimônio Mundial no Brasil. Afinal, não é todo dia quepodemos ter tanta gente importante conosco: de um lado, os Prefeitosdas cidades brasileiras mais representativas da formação cultural do país,juntamente com os Secretários de Cultura dos seus estados. De outro, osmais altos dirigentes do setor público nas áreas de cultura, meio ambiente,turismo e planejamento, além, é claro, de organismos vitais ao fomentoda atividade econômica do país que são a Caixa Econômica Federal � CEF e oServiço Brasileiro de Apoio à Empresa � SEBRAE.

Cabe à UNESCO e à sua equipe, com o apoio da nossa parceira, aAssociação Brasileira de Municípios, aquilo que nossa história de Organização,voltada para a valorização do ser humano e para a construção da paz, nosensinou de melhor: criar sinergias, buscar convergências e articularcooperações em torno de boas idéias e de bons propósitos.

No caso específico desse nosso Encontro, quais seriam essespropósitos? Para responder a essa pergunta, peço licença aos senhorespara uma pequena retrospectiva sobre a construção das idéias da UNESCOem relação à Cultura.

Nossa Organização foi criada em 1945, em meio à perplexidade dopós-guerra e elegeu a Educação, a Ciência e a Cultura como estratégia para

41 Discurso pronunciado por ocasião do �Encontro de Cidades do Patrimônio Mundial�, emBrasília, em 08/11/2001.

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at ingir um novo ideal de progresso, baseado não apenas nodesenvolvimento material, mas na construção da cidadania e do bem-estar social.

No caso da Cultura, dois aspectos foram ganhando força a cadaetapa de construção das idéias da UNESCO: o primeiro, foi de queCultura é um fator indissociável do Desenvolvimento, sem o qual os países não sãocapazes de avançar, de incorporar criticamente novas tecnologias, deproduzir conhecimento ou de criar estratégias para seu bem-estar social;o segundo é de que a Cultura é a expressão da Diversidade entre os povos �sejam nações, grupos étnicos ou mesmo classes sociais � e que o respeitoà diversidade e ao pluralismo é a essência da construção da paz mundial.

A Convenção do Patrimônio Mundial que, em 1972, fixou os conceitos edefiniu os critérios para que fossem selecionados bens culturais e naturaiscuja importância transcendesse cada País-Membro, ou seja, bensimportantes para toda a Humanidade, não é outra coisa senão umadecorrência dessas idéias que acabei de descrever.

Isto significa � senhores Prefeitos, Secretários, e DirigentesPúblicos � que cada uma dessas Cidades Patrimônio Mundial que estãoconfiadas à gestão dos senhores e à tutela da UNESCO são uminstrumento do desenvolvimento e uma peça fundamental no mosaicoda diversidade cultural.

Diante de compromisso tão sério, me cabe perguntar: seria omunicípio o único responsável por esta tarefa? A nossa opinião, ossenhores já a conhecem, ou seja, é por acreditarmos que esta é umaresponsabilidade a ser compartilhada que organizamos essa agenda dehoje.

Mesmo assim, entendo que ainda nos faltam aqui, nesta Mesa,muitos parceiros: a sociedade civil, o setor empresarial, o terceiro setor,os meios de comunicação.

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Uma das nossas intenções com esse Encontro é exatamente ajudara construir as alternativas que nos levem a ampliar, cada vez mais, essaMesa de reuniões.

Acontece que, para isso, entendo que nos falta um elementoessencial: precisamos conhecer melhor os produtores, os destinatários,enfim, aqueles a quem pertence o Patrimônio que insistimos em preservar.

Será que cada um dos moradores dessas cidades tem a dimensão dosignificado � tanto simbólico quanto econômico � do lugar onde vive?Ele sabe que a sua cidade foi reconhecida como Patrimônio da Humanidadee tem idéia do que isso significa?

Lanço aos senhores, de imediato, um desafio: que nós nosorganizemos � o conjunto das Cidades Brasileiras Patrimônio Mundial, aUNESCO, a Associação Brasileira de Municípios � ABM e os nossosparceiros dessa reunião de hoje � para fazer uma pesquisa amostral emtodas essas cidades, buscando ir ao fundo dessa questão. Devemos indagaro quanto a população dessas cidades conhece e valoriza o Patrimônio, oquanto se dispõe a contribuir para preservá-lo, o quanto o reconhececomo parte da sua existência, seja como indivíduo, seja como cidadão.

Uma pesquisa tecnicamente bem formulada nos permitirá saber tudoisso. Mostrará, de forma diferenciada, o pensamento e o comportamentodos vários extratos sociais e nos ajudará a aferir se estamos focando asnossas ações na direção correta.

Será que estamos otimizando os meios que já possuímos para inseriro tema do Patrimônio no cotidiano das comunidades? As nossas criançase jovens estariam tendo acesso, através dos currículos escolares, aoconhecimento que os permita compreender e valorizar este patrimônio?

E as tradições, o saber-fazer tradicional, estariam sendo estimuladasou adequadamente articuladas com a preservação do patrimônio material?

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Por outro lado, caberia também indagar se os gestores locais � daPrefeitura ou dos outros níveis de governo � têm considerado a valorizaçãodo patrimônio no planejamento de suas ações. Da mesma forma, se oempresariado estaria capacitado para explorar ou estaria explorandoadequadamente a riqueza que a cidade possui.

Tampouco sabemos, ao certo � porque também nos faltam pesquisase políticas mais agressivas nesse campo � se toda essa riqueza temcontribuído para minimizar os problemas sociais, criar empregos e facilitarações de inclusão social.

Sabemos do esforço do orçamento público para responder àsdemandas da área social. Será, no entanto, que estamos conseguindocanalizar adequadamente nossos esforços ou otimizar cada ação, de formaque esta se multiplique e seja reaplicada outras vezes ou em outros locais?

Vistas por esse ângulo, acredito, firmemente, que as nossas CidadesPatrimônio Mundial poderiam vir a ser um riquíssimo cardápio de boas práticase que, a partir delas, poderíamos criar um modelo de gestão culturaldirecionado para uma estratégia de desenvolvimento social.

Apesar de contarmos apenas de um dia com trabalho, pretendemosque este Encontro provoque todas essas indagações e esboce as suasprimeiras respostas.

Iremos, a partir daí, construindo uma cooperação que pretendemosseja cada vez mais articulada e mais sólida, agregando cada vez maisparceiros e novos temas.

Apesar da Representação do Brasil ainda ser pequena na grande Listado Patrimônio Mundial, temos aqui representados os mais fortes símbolos queo país produziu, nos seus 500 anos de história: da mais antiga à mais jovemcapital do Pais; dos ciclos da cana-de-açúcar e do ouro à industrialização;do esplendor do Barroco e da simplicidade da arquitetura de tradiçãopopular à sofisticação do Modernismo; da seresta e do maracatu ao afoxé.

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Nosso desafio é fazer com que esses símbolos ultrapassem geraçõese gerações e se tornem, cada vez mais, um fator de bem-estar social,indissociáveis e harmonizados com o cotidiano das comunidades onde seinserem.

Contém com o apoio da UNESCO, em todas as suas áreas!

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A UNESCO e o Compromisso com Goiás42

A antiga capital do estado de Goiás, silenciosamente preservadaentre as encostas da Serra Dourada, era um tema que, até muito poucotempo atrás, estava restrito apenas aos estudiosos da história e daarquitetura brasileiras e aos amantes da poesia de Cora Coralina. No anopassado, a campanha pela inscrição da cidade na Lista do Patrimônio daHumanidade da UNESCO fez com que o Brasil redescobrisse a Vila Boa deGoiás. O entusiasmo, a convicção e a determinação dos seus moradoresna defesa da candidatura acabaram se transformando em uma imagem que,aos olhos de todo o País, se tornou indissociável dos valores históricos earquitetônicos que a cidade preservou.

A cidade de Goiás � aí compreendida sua comunidade e sua estruturafísica setecentista � foi, na argumentação para a obtenção do título juntoao Centro do Patrimônio Mundial da UNESCO, portadora da bandeira de quenão apenas expressões artísticas excepcionais ou monumentais são condiçãopara o reconhecimento, mas que a preservação das técnicas tradicionais,da literatura e de uma reinterpretação, bastante peculiar, da ocupaçãoportuguesa na Colônia, são valores que sustentam a obtenção desse título.

Desta forma, o processo da candidatura de Goiás acabou semostrando exemplar. Em um mundo cada vez mais comandado peloindividualismo e pelo espetáculo, o que, ao final, ficou demonstrado peloreconhecimento da UNESCO, foi a importância da preservação de valores

42 Artigo publicado nos jornais: �O Popular�, GO, em 10/01/2002; �Jornal do Tocantins�, em13/01/2002.

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sólidos � tanto do sítio, quanto do ambiente social � fundados naserenidade da tradição, na simplicidade e na agregação da comunidade.

Contraditoriamente, no último dia do ano, a mídia, que tanto haviase ocupado de nos trazer boas notícias de Goiás, em 2001, nos surpreendeucom informações e imagens dramáticas da chuva que atingiu a cidade, namanhã de 31 de dezembro. O Rio Vermelho transbordou e levou consigocasas, pontes e, por pouco, o marco de Anhanguera. Felizmente, as pessoasforam preservadas, embora muitas tenham perdido suas moradias, seuspertences ou seu local de trabalho.

O significado do título de Patrimônio Mundial, que até então só haviasido objeto de justas festividades, foi expresso, imediatamente, na suavertente das responsabilidades. O título, é importante que se enfatize, éantes de tudo, um acordo de responsabilidades feito entre cada paíssignatário da Convenção do Patrimônio Mundial, de 1972 e a UNESCO, emfavor da preservação de bens que interessam a toda a humanidade.

A resposta a esse compromisso se fez logo sentir. De um lado, oGoverno: o prefeito Boadyr Veloso e o Governador Marconi Perillo, juntocom suas equipes, integralmente comprometidos com a recuperação dacidade. Da área federal, se deslocaram prontamente, para Goiás, o Institutodo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional � IPHAN � que seencarregou de levantar os danos ao patrimônio �, o Ministro da Cultura,o Ministro da Integração Nacional � que coordena a Defesa Civil � e opróprio Presidente da República que, da sacada do Palácio dos Arcos, secomprometeu com recursos para a restauração e para a solução dosproblemas sociais causados pela enchente.

Os Prefeitos das outras oito cidades brasileiras, inscritas na Lista doPatrimônio Mundial, se manifestaram à UNESCO através do Prefeito deCongonhas, Gualter Monteiro, oferecendo solidariedade e se propondoa desenvolver ações específicas de apoio à Goiás.

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O setor privado também manifestou apoio através de váriasempresas e a comunidade, com a mesma determinação que havia semobilizado para as comemorações, já compôs comissões de moradores ede pequenos empresários, acolheu muitos dos desabrigados e se organizapara a reconstrução.

A Representação da UNESCO no Brasil, por dever e por convicção,está totalmente engajada nesse processo. De um lado, ficou demonstradoque a Convenção cumpre o seu papel ao promover uma convergência tãogrande de apoios e compromissos, como esta que descrevemos aqui, oque dificilmente teria esta dimensão caso a cidade não tivesse recebido otítulo. De outro, estamos mobilizando nossos próprios recursos, humanose financeiros, assim como novas adesões para o trabalho de recuperação.Nosso compromisso será não só com a recuperação do que se perdeu,mas também com a identificação das causas e com medidas de prevençãopara que novas situações como esta não venham a ocorrer.

E quem ainda não conhece Goiás, que não se aflija! Apesar dessetriste acidente que atingiu principalmente as margens do Rio Vermelho, acidade já pode ser visitada normalmente. Os valores que motivaram suainscrição na Lista do Patrimônio Mundial continuam preservados, os serviçospúblicos e de hospedagem estão funcionando e as pessoas continuamhospitaleiras e simpáticas, ainda que muitas delas ocupadas em ajudarumas às outras e ajudar na recuperação. A Representação da UNESCOespera que a cidade receba, cada vez mais, novos visitantes que,certamente, se tornarão novos aliados na defesa da sua recuperação integrale da sua preservação sustentada.

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Construindouma Cultura de Paz

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Tolerância e Paz43

A criação da UNESCO, em 1945, ao término da Segunda GuerraMundial, pautou-se na educação para a paz, a tolerância, a solidariedadee os direitos humanos em geral. Não poderia ser diferente. A paz duradouraé premissa e requisito para o exercício de todos os direitos e deveres dohomem. A paz, em si, deve ser considerada como mais um direito dohomem e do cidadão.

Não por acaso, na abertura da 29ª Conferência Geral da UNESCO, realizadaem Paris, de 21 de outubro a 12 de novembro passado, o Diretor-Geral daOrganização, Federico Mayor, fez um apelo para que se estabelecesse umnovo contrato moral para garantir a paz no mundo. Parafraseando-o, aUNESCO tem várias tarefas, mas uma única missão: a paz.

A UNESCO sempre esteve à frente na luta por uma cultura de paze não-violência. Por sua iniciativa, o ano de 1995 foi proclamado �Ano dasNações Unidas pela Tolerância�. O principal objetivo era dar maior impulso àeducação para a tolerância, como base para a compreensão intercultural,a democracia e a paz. E, para o ano 2000, a ONU já estabeleceu o �AnoInternacional de Cultura para a Paz�.

Desde 1995, a UNESCO vem organizando eventos, programas eprojetos voltados para o desenvolvimento do respeito mútuo e dacooperação entre as nações e os povos, para incentivar os padrões de

43 Artigo publicado no jornal �Correio Braziliense�, DF, em 10/03/1997.

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conduta democráticos na vida cotidiana, para passar, como afirma FedericoMayor, �de uma cultura de guerra e violência para uma cultura de paz enão-violência.� Por isso, a UNESCO foi indicada, pela Assembléia Geral dasNações Unidas, responsável pelo prosseguimento e coordenação das açõesvoltadas para a tolerância e cultura de paz.

Um exemplo desse tipo de ação foi a vinda ao Brasil, em abril desteano, dos escritores Nadine Gordimer, Prêmio Nobel de Literatura de1991, e Mongane Wally Serote, que também estiveram em Montevidéu eBuenos Aires discutindo o tema �Tolerância: o papel dos escritores na luta por umacultura de paz�.

As trocas desiguais entre culturas têm acarretado a morte doconhecimento da cultura subordinada e, portanto, de seus grupos sociais,o que, sem dúvida, é uma agressão ostensiva aos direitos humanos. Atolerância entre os povos deve respeitar as diversidades culturais, a riquezaúnica de cada cultura.

A educação para os direitos humanos e a tolerância, adaptada paracrianças e adolescentes, do nível fundamental ao universitário, permite aformação de gerações futuras que respeitem esses direitos e sejamtolerantes quanto às diversidades e sejam capazes de resolver conflitospotenciais, de maneira pacífica. A meta deve ser sempre a harmonia entreindivíduos, grupos, povos, nações. Essa é a base da democracia e da paz.

É fundamental que a educação propicie uma formaçãoparticularmente sólida em matéria de direitos humanos e tolerância,visando a alcançar uma mudança não só de mentalidade, mas também decomportamento. Essa mudança permitirá melhor proteção dos direitoshumanos, da lei em geral, das liberdades fundamentais e do melhorexercício da justiça.

A própria Constituição da UNESCO, cujo 50º aniversário coincidiucom o �Ano Internacional pela Tolerância�, afirma que �se a guerra nasce

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na mente de homens e mulheres, é na mente de homens e mulheres quedevem ser erguidos os baluartes da paz.� Hoje em dia, o desafio é encontrarmeios de mudar, definitivamente, atitudes, valores e comportamentos afim de promover a paz, a justiça social, a segurança, a tolerância e osdireitos humanos.

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Juventude, Violência e Educação para a Cidadania44

A sociedade está perplexa. Jovens, aparentemente inofensivos, derepente apresentam-se como ameaçadores. Futuros estudantesuniversitários, de forma arriscada e irresponsável, celebram a aprovaçãono vestibular expondo a própria vida e a dos colegas. Adolescentes declasse média queimam mendigos vivos nas ruas. Alguns bebem em excesso.Outros tantos usam drogas pesadas. Há os que se armam como se vivessemem um país em guerra � o arsenal, variado, compreende desde pistolasaté cães ferozes. Os mais cruéis são capazes de metralhar, a sangue frio,colegas na escola. A sociedade pergunta: por quê?

A resposta não é fácil. Culpar o jovem, estigmatizá-lo como algozincorrigível seriam tanto uma precipitação quanto um equívoco. Afinal,o jovem não só pratica a violência como também é vítima dela. Pesquisarecente da UNESCO, intitulada �Mapa da Violência � Os Jovens do Brasil�, trazdados preocupantes a esse respeito: mais de 24 mil jovens, entre 15 e 24anos, morreram no Brasil somente no ano de 1996. As causas: acidentesde transporte, homicídios ou suicídios. Assassinados foram mais de 15mil. Por quê?

Observa-se, no �Mapa da Violência�, que fatores de diversas ordensinfluenciam o destino de milhares de jovens, mas que alguns desses fatoresparecem ter papel mais marcante: a pobreza; as crescentes dificuldadesde inserção no mundo do trabalho; os problemas da escolarização e do

44 Artigo publicado nos jornais: �Zero Hora�, RS, em 01/05/1999; �Jornal do Tocantins�, em09/05/1999; �O Estado do Maranhão�, em 16/05/1999; �O Popular�, GO, em 18/05/1999.

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preparo profissional; a falta de perspectivas; a cartelização expansivada delinqüência e da droga; os diversos conflitos e violências (raciais,étnicas, econômicas, dentre outras) no mundo; a impunidade e a perdade confiança na efetividade do sistema jurídico; os vazios e conflitos dademocracia e dos partidos políticos, os quais levam a um profundodesinteresse. O quê fazer?

Há mais de 50 anos, a UNESCO empreende uma luta sem tréguaspara garantir que seus Países-Membros executem uma política de educaçãopara todos, ao longo de toda a vida. A educação parece ser a chave paraa solução de alguns dos problemas mais graves da atualidade, dentre elesa violência. Somente pela educação, em sentido amplo, e pelo combateincansável à ignorância é que poderá haver condições de se implantar aidéia de paz e de respeito aos direitos humanos e à natureza.

Nesse aspecto, a UNESCO persegue um objetivo de longo prazo.Empreende uma luta árdua, com matizes de utopia. Essa luta começa aafigurar-se, cada vez mais, como imprescindível. Deixou de ser umaquestão secundária para entrar na ordem do dia. A educação para a paz epara os direitos humanos é uma educação voltada para a cidadania, para avalorização das diferenças, para a importância da convivência pacíficaentre povos, nações e pessoas.

No cenário atual, de intolerância e agressividade, a educaçãoapresenta-se como uma alternativa, não para operar milagres, mas paraformar cidadãos em condições de enfrentar a crise em um mundo deincertezas e perplexidades. É pela compreensão dos problemas que sepode começar a equacioná-los. Da mesma forma, é pela formação voltadapara a valorização dos direitos humanos que se criarão novas perspectivasde vida e de convivência.

Parece evidente que a educação, sem amparo de leis e medidas desegurança pública, não poderá, sozinha, sobretudo em curto prazo, darcabo dos atos de incompreensão, intolerância e vandalismo com que nos

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fartamos nos noticiários. Porém, mesmo nas ações destinadas a prevenir ecorrigir os comportamentos que desrespeitam os direitos humanos e anatureza, é preciso ter em mente essa perspectiva mais ampla da educação.Caso contrário, manteremos reformatórios que mais alimentam a violênciado que reeducam potenciais cidadãos.

O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educaçãopara o Século XXI, organizado por Jacques Delors e intitulado �Educação � UmTesouro a Descobrir�, destaca:

�A educação não pode, por si só, resolver os problemas postos pelaruptura (onde for o caso) dos laços sociais. Espera-se, no entanto,que contribua para o desenvolvimento do querer viver juntos,elemento básico da coesão social e da identidade nacional�.

É baseada, portanto, na crença de que a educação é o melhorcaminho rumo a uma sociedade mais justa e pacífica, que a UNESCOvem empreendendo esforços para compreender o que se passa e poderapontar saídas para a presente situação. Somente no Brasil, nos últimosdois anos, a Organização realizou, mediante importantes parcerias, duaspesquisas exclusivamente dedicadas à questão da juventude e da violênciae terá prontos, ainda neste ano, mais quatro estudos sobre o mesmoassunto. Um deles abordará, especialmente, a questão da violência nasescolas brasileiras.

Munida de dados, a UNESCO pretende colaborar com o Governoe com a sociedade brasileira para a elaboração de uma política específicapara a juventude, a qual possa contemplar o combate não somente àviolência atual e visível, mas também à violência latente, dos potenciaisdestrutivos que necessitam, com urgência, de redirecionamento. O jovemnão pode, tampouco merece, ser causador ou vítima da violência. Algoprecisa ser feito. Já.

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Cultura de Paz: a Importância do Poder Legislativo45

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite da AssembléiaLegislativa de São Paulo para o lançamento da mobilização pelo AnoInternacional da Cultura de Paz. A contribuição do Estado de São Paulo érealmente valiosa, demonstrando seu compromisso com essa nobre causa.

Essa sessão representa o compromisso, de seu governo e suapopulação, com a Cultura de Paz. Saibam, desde já, que a AssembléiaLegislativa conta com todo o apoio da UNESCO para o desenvolvimentode suas atividades.

A UNESCO deposita grande confiança na parceria com o PoderLegislativo, em qualquer que seja a esfera de governo. A participaçãodos membros do Legislativo nas discussões sobre temas relevantes para asociedade garante a amplitude dos resultados que podem ser atingidos,em um esforço conjunto com outras instituições governamentais e tambémcom a sociedade civil.

O trabalho da UNESCO junto ao Poder Legislativo tem porobjetivo maior apoiar as iniciativas realizadas em nossas áreas de atuação.Na verdade, o Poder Legislativo torna-se um grande parceiro da UNESCOna consecução dos seus grandes mandatos.

45 Discurso proferido por ocasião do �Lançamento da Mobilização pelo Ano Internacional daCultura de Paz�, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, em 15/05/2000.

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O Poder Legislativo, como instância de poder legitimada pelosdiversos segmentos sociais, em processo democrático de eleições, constituilocal privilegiado para o debate e aprovação de leis que convertam emrealidade compromissos e projetos de indubitável alcance coletivo.

E a resposta que recebemos do Poder Legislativo tem sido muitopositiva, com o estabelecimento de parcerias efetivas e constantes, nasmais diversas áreas do conhecimento. O Poder Legislativo desempenhaum importante papel, não só em termos de difusão dos ideais da UNESCOcomo também na formulação de políticas públicas de educação, cultura,ciência e tecnologia, comunicação e informática, áreas de competênciada Organização.

A articulação permanente com os poderes constituídos destaca-secomo condição fundamental para a viabilização da cooperação técnicaque favoreça a consecução dos objetivos de desenvolvimento humanoinerentes aos compromissos mundiais da UNESCO. É esse o pensamentoque norteia a nossa atuação no mundo, certos de que não devemos limitaro nosso trabalho ao relacionamento com os órgãos do Poder Executivo,tanto nacional quanto municipal. A UNESCO tem buscado outrasparcerias, mobilizando novos interlocutores para ações em prol da paz,do desenvolvimento e da democracia, tais como: grupos parlamentares,câmaras de vereadores, Organizações Não-Governamentais, jornalistas,jovens e mulheres, além de fundações privadas, mantidas por organizaçõesempresariais e voltadas para as ações sociais.

O ano 2000 é o Ano Internacional da Cultura de Paz. A contribuição dasautoridades e da população do Estado de São Paulo para a mobilizaçãonacional evidencia a vontade e o compromisso do Estado com a Paz.

A violência, como fenômeno que vem se acentuando no mundocontemporâneo, preocupa porque viola o direito à vida, o mais fundamentaldos direitos humanos. Consideramos, aqui, o conceito de violência emuma perspectiva mais ampla, que abarca não apenas danos físicos que

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indivíduos podem cometer contra si próprios e contra os outros, mastambém o conjunto de restrições que impedem o pleno gozo de seusdireitos essenciais.

Assim, fatores como a discriminação social e racial, a exclusãosocioeconômica e institucional, a falta de oportunidades de trabalho, afalta de acesso ao lazer e ao desenvolvimento cultural e as dificuldadesdo jovem no seu cotidiano devem ser tratadas com a mesma atenção queas sociedades dedicam, por exemplo, à própria violência física. Esta, porsua vez, resulta em um generalizado sentimento de vulnerabilidade, napercepção da própria insegurança das condições de vida, na perda daconsciência quanto ao valor da vida e na naturalização e banalização daviolência, em todos os estratos sociais.

Todavia, a multiplicidade de fatores relacionados ao fenômeno daviolência torna difícil isolar uma ou mais das suas causas, já que cada umadelas conjuga-se com várias outras na explicação de cada situação concreta.Essas dificuldades de estabelecer relações de causalidade tornam-se aindamais acentuadas quando se observa a pulverização da violência, sua banalizaçãona mídia e sua reinserção no cotidiano dos indivíduos em geral, o que ampliasua abrangência e incidência e dificulta, ainda mais, a sua compreensão.

Por esse motivo, a Assembléia Geral das Nações Unidas decidiu incumbira UNESCO de levar à frente um movimento mundial de transição de umacultura de guerra, de violência, de imposição e discriminação para umacultura de não-violência, de diálogo, de tolerância e de solidariedade.Ou seja, à construção de uma Cultura de Paz.

Porém, sabemos que um basta à violência não será imediato nemautomático. É necessário buscar respostas viáveis para que, juntos, possamosdar início à construção da paz. Sabemos que os dados da violência noBrasil são assustadores. De que forma enfrentá-los? Como a sociedadebrasileira pode responder à demanda da população por paz? Acreditamosque a possível resposta se encontre no marco da Cultura de Paz.

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Para chegar a uma resposta adequada ao Brasil, a UNESCO e seusparceiros mapearam as causas, as fontes e as raízes da violência. Para isso,desenvolvemos estudos que ajudam jovens, pais, alunos, representantespolíticos, forças policiais e governantes a identificar possíveis caminhospara a construção da paz, no País. Esses estudos já cobriram as cidades deCuritiba, Distrito Federal, Rio de Janeiro e Fortaleza, além de duaspesquisas de recorte nacional.

Em todo o Brasil, indivíduos, instituições e Estados já estãotomando parte na Campanha Mundial da Cultura de Paz. Contamos com oapoio de grande número de parceiros, dentre eles, grupos de jovens,professores, prefeitos, membros do Congresso Nacional, das ForçasArmadas e da mídia, representantes religiosos, dos povos indígenas, dosartistas e da iniciativa privada.

Nesse sentido, a ação articulada do Poder Público com a sociedadeé fundamental. No dia de hoje, tive o prazer de assinar dois Protocolosde Intenções, com as Secretarias Estaduais de Educação e da Justiça e daDefesa da Cidadania, para o desenvolvimento de ações em prol da culturade paz. A articulação de instâncias como as Secretarias de SegurançaPública, Saúde, Educação, Ação Social, Cultura, Esporte, bem como asForças Policiais, as Assembléias Legislativas, os Governos Municipais e oGoverno Estadual tem um poderoso potencial, qual seja o de viabilizaruma ampla �aliança� para a construção da paz. Isso significa que as açõesde cada uma dessas instâncias devem estar associadas às atividades dogrupo, para que a ação concertada de todos maximize as energiasinstitucionais do Poder Público paulista.

O trabalho de conscientização a respeito dos valores da Culturade Paz contribui, de forma significativa, ao incentivar a reflexão eevidenciar que a construção da paz é responsabilidade de todos. E isto éfundamental: cada um dos componentes da sociedade tem uma parcelaimportante de responsabilidade, da qual não pode abrir mão.

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A Campanha Mundial da Cultura de Paz, por outro lado, deve respeitarcada país, suas tradições, peculiaridades e diversidade, incorporando umadimensão social e de participação, como o pluralismo cultural, que é umaforça motriz para a paz e a solidariedade internacionais. A paz nãopressupõe, de forma alguma, homogeneidade.

É este o desafio da UNESCO para os próximos anos: construir umaCultura de Paz. Trabalhar em prol da educação para todos, na construçãosolidária de uma nova sociedade mais igualitária e justa, onde o respeitoaos direitos humanos e à diversidade se traduzam, concretamente, na vidade cada cidadão, onde haja espaço para a pluralidade e a vida possa servivida sem violência. A UNESCO acredita que é possível e os convida ase engajarem, todos, nesse desafio.

O Movimento Mundial pela Cultura de Paz é �uma grande aliança demovimentos existentes�, um processo que unifica todos aqueles que játrabalharam e que estão trabalhando a favor dessa transformação fundamentalde nossas sociedades. O objetivo é permitir que toda pessoa ou organizaçãocontribua para esse processo de transformação de uma cultura de violênciapara uma cultura de paz, tanto em termos de valores, atitudes ecomportamento individual, quanto em termos de estruturas institucionais.

Ao sair deste recinto, vocês encontrarão o Manifesto 2000 por umaCultura de Paz. A assinatura desse Manifesto representa o compromissosimbólico de cada um de nós com a Paz. O ato de assinatura do Manifesto2000 é o começo do compromisso individual das pessoas, e não seu fim.Não é apenas mais um abaixo-assinado, um documento que se assine semsaber ao certo o seu significado ou o fim que ele pretende. Ao assinarmoso Manifesto, é preciso ter a consciência de que estamos assumindo umcompromisso, conosco e com a humanidade, de levar a cultura de pazpara a nossa vida � em casa, no trabalho, no trânsito, na nossa comunidade.

Tenho certeza de que vocês multiplicarão esse esforço junto a seusfamiliares, amigos e colegas de trabalho. Porque a Paz está em nossas mãos.

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OPrograma da UNESCO por uma Cultura de Paz46

Cinqüenta anos depois da fundação das Nações Unidas e daUNESCO, o mundo se encontra, novamente, em posição de transformara cultura predominante de violência em cultura de paz. Hoje, o desafioconsiste em encontrar os meios de mudar, definitivamente, as atitudes, osvalores e os comportamentos a fim de promover a paz e a justiça social,a segurança e a solução não-violenta dos conflitos.

Para alcançar uma cultura de paz é necessária uma cooperação, emtodos os níveis, entre os países e uma coordenação entre as organizaçõesinternacionais que dispõem da competência e dos recursos indispensáveisque podem ajudar os indivíduos a ajudar-se a si mesmos.

Esse movimento multidimensional requer o apoio ativo e aparticipação contínua de uma rede sólida de indivíduos e de organizaçõesque atuem em prol da paz e da reconciliação.

As Organizações Não-Governamentais � ONG, desempenham umpapel de fundamental importância para tal movimento e convém, sempre,envolvê-las e chamá-las à ação, em nível nacional, regional e internacional.

Substituir a secular cultura de guerra por uma cultura de paz requerum esforço educativo prolongado para modificar as reações à adversidadee construir um desenvolvimento sustentável que possa suprimir as causasde conflito.

46 Discurso pronunciado por ocasião do Encontro do Conselho Mundial de Igrejas, �World Councilof Churches�, em parceria com o Viva Rio, no Rio de Janeiro, em 25/07/2000.

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O Programa da Cultura de Paz está voltado não apenas para a prevençãodas guerras. Podemos até imaginar que as guerras são algo distante de nossocotidiano. Mas estamos falando das guerras anônimas, travadas em contextospróximos e diferenciados. Estamos falando em prevenir e combater todotipo de violência, exploração, crueldade, desigualdade e opressão.

No campo do desenvolvimento econômico, é preciso passar daeconomia competitiva de mercado e de um modelo excludente econcentrador de renda a um desenvolvimento mútuo e sustentável, sem oqual é impossível alcançar uma paz duradoura.

Há que se revisar o padrão de se adotar modelos dedesenvolvimento de outros países para respeitar cada país, suas tradiçõese diversidades, incorporando uma dimensão humana e social e departicipação.

Participação significa democracia.

E falar em cultura de paz é falar dos valores essenciais à vidademocrática, quais sejam: Participação, Igualdade, Respeito aos DireitosHumanos, Respeito à Diversidade Cultural, Justiça, Liberdade, Tolerância,Diálogo, Reconciliação, Solidariedade, Desenvolvimento e Justiça Social.

Ao falarmos dos valores essenciais à vida democrática, estamosfalando dos valores ligados à cidadania em seu conceito mais amplo. Sercidadão é participar na produção e no usufruto dos bens que uma sociedadeproduz, é ter acesso aos direitos humanos e sociais básicos, é ter seusdireitos respeitados.

�Não pode haver paz sustentável sem desenvolvimento sustentável. Não pode haverdesenvolvimento sem educação ao longo da vida. Não pode haver desenvolvimento semdemocracia, sem uma distribuição mais eqüitativa dos recursos, sem a eliminação dasdisparidades que separam os países mais avançados daqueles menos desenvolvidos�.(Federico Mayor, antigo Diretor Geral da UNESCO).

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Como fortalecer a consciência sobre a importância e urgência datarefa vital que se faz presente, ao final desse século, de se promover umacultura da paz? Como encontrar os caminhos e meios para alterar osvalores, atitudes, crenças e comportamentos do tempo presente?

Em sua busca pela paz, a UNESCO parte do princípio de que aviolência ainda persiste, no entanto, com uma nova face. Apesar das formastradicionais de conflito e guerra terem diminuído, os orçamentos para asegurança, na maioria dos países industrializados, permanecem elevados,especialmente para o desenvolvimento de armamentos inteligentes dealta tecnologia, enquanto que os orçamentos destinados aodesenvolvimento social são constantemente reduzidos.

Nas duas últimas décadas, os conflitos intranacionais aumentaram,exacerbando as diferenças étnicas e religiosas. Em face desse inaceitávelestado dos fatos, devemos nos mobilizar em favor da paz e da não-violência, as quais devem tornar-se realidade cotidiana para todos.

Mesmo trabalhando em uma variedade de campos de atuação, amissão exclusiva da UNESCO é a construção da paz:

�O propósito da Organização é contribuir para a paz e a segurança,promovendo cooperação entre as nações por meio da educação,da ciência e da cultura, visando a favorecer o respeito universal àjustiça, ao estado de direito e aos direitos humanos e liberdadesfundamentais afirmados aos povos do mundo�. (Constituição daUNESCO).

Direitos humanos, democracia, cidadania e desenvolvimento sãointerdependentes e reforçam-se mutuamente. Em 1995, os Estados-Membros da UNESCO decidiram que a Organização deveria canalizartodos os seus esforços e energia em direção à cultura de paz.

A cultura de paz está intrinsecamente relacionada à prevenção e àresolução não-violenta dos conflitos. É uma cultura baseada na tolerância,

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na solidariedade e no compartilhamento cotidiano. Uma cultura querespeita todos os direitos individuais � o princípio do pluralismo, queassegura e sustenta a liberdade de opinião � e que se empenha em prevenirconflitos resolvendo-os em suas fontes, as quais englobam novas ameaçasnão-militares para a paz e para a segurança, tais como a exclusão, a pobrezaextrema e a degradação ambiental. A cultura de paz procura resolver osproblemas por meio do diálogo, da negociação e da mediação, de formaa tornar a guerra e a violência inviáveis.

Mas como fazer da cultura de paz uma realidade concreta eduradoura? No mundo interativo, tudo é uma questão de conscientização,mobilização, educação, prevenção e informação, em todos os níveis sociaise em todos os países. A elaboração e o estabelecimento de uma culturade paz requer profunda participação de todos. Cabe aos cidadãosorganizarem-se e assumir sua parcela de responsabilidade. Os países devemcooperar, as organizações internacionais devem coordenar suas diferentesações e as populações devem participar inteiramente do desenvolvimentode suas sociedades.

Tolerância, democracia e direitos humanos � em outras palavras, aobservância desses direitos e o respeito pelo próximo � são os valores�sagrados� para a cultura de paz.

A cultura de paz é uma iniciativa de longo prazo que deve levarem conta os contextos histórico, político, econômico, social e culturalde cada ser humano. É necessário apreendê-la, desenvolvê-la e colocá-la em prática, no dia-a-dia familiar, regional ou nacional. É um processosem fim.

O Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e Não-Violência é o instrumentoprimário desse apelo. Foi esboçado por um grupo de ganhadores do PrêmioNobel da Paz, a fim de possibilitar que um máximo de pessoas pudessefazer uma contribuição pessoal à cultura de paz.

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O Ato de Assinatura do Manifesto 2000 é apenas o começo docompromisso individual das pessoas, e não seu fim.

O Manifesto afirma que é da responsabilidade de cada ser humanotraduzir os valores, atitudes e padrões de comportamento que inspiram acultura de paz em realidades da vida diária.

O ano 2000 deve ser um novo começo para todos nós. Juntos,podemos transformar a cultura de guerra e violência em uma cultura depaz e não-violência.

Essa evolução exige a participação de cada um de nós para ofereceraos jovens e às gerações futuras, valores que os ajudem a forjar um mundomais digno e harmonioso, um mundo de justiça, solidariedade, liberdadee prosperidade.

O Movimento Mundial pela Cultura de Paz deve ser �uma grande aliançade movimentos existentes�, um processo que unifique todos aqueles quejá trabalharam e que estão trabalhando a favor desta transformaçãofundamental de nossas sociedades. O objetivo é permitir que toda pessoaou organização contribua para esse processo de transformação de umacultura de violência para uma cultura de paz, em termos de valores,atitudes e comportamento individual, bem como em termos de estruturase funcionamentos institucionais. A sociedade civil � ONG, círculoseconômicos, redes de associações e comunidades � deve agir sob oprincípio de que cada país e cada sociedade devem planejar suas estratégiasde acordo com suas características específicas.

A paz não é passividade: a humanidade deve esforçar-se por ela,promovê-la e administrá-la.

O trabalho da UNESCO, na divulgação da Cultura de Paz, éauxiliado por uma sólida linha de pesquisas sobre juventude e suasaspirações. Nestas pesquisas, procuramos apontar as preocupações da

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juventude e as causas da violência, destacando experiências bem-sucedidasde combate à violência e procurando estimular a implementação depolíticas públicas voltadas às crianças e aos jovens.

É esse o desafio que nos lançamos: construir, em nossa sociedade,uma cultura de paz. Trabalhar na educação, na construção solidária deuma nova sociedade, mais igual e justa, onde o respeito aos direitoshumanos e à diversidade se traduzam, concretamente, na vida de cadacidadão. Onde haja espaço para a pluralidade e a vida possa ser vividasem violência.

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Abrindo Espaços: uma Nova Cultura Escolar47

A violência, um problema planetário, é cada dia mais proeminenteno mundo contemporâneo. A violência é um fenômeno preocupante, poisviola o mais fundamental dos direitos humanos: o direito à vida.

A pirâmide etária da América Latina é composta por um grandepercentual de jovens que tendem a se envolver em situações criminosascom mais freqüência e, por conseqüência, a sofrer maior número de açõesviolentas do que as outras faixas etárias, confirmando que a juventudelatino-americana está mais propensa a atividades criminosas do que emoutras partes do mundo. Esses dados funcionam como um sinal para indicara necessidade de medidas preventivas para evitar o agravamento das altastaxas existentes, hoje, de violência juvenil.

A violência física cria um sentimento generalizado de vulnerabilidadee insegurança. A perda da sensibilidade quanto aos valores da vida humanae a banalização da mesma, contribuem de forma marcante para o aumentodos índices de violência entre os jovens.

Pesquisas recentes da UNESCO e de outras instituições demonstramque os índices de violência continuam altos no Brasil. Os mais afetadosestão na faixa dos 15 aos 24 anos. O pico do índice de homicídios estános jovens de 20 anos. É compreensível que a sociedade civil, os

47 Discurso pronunciado por ocasião da implantação do �Programa de Abertura das Escolasnos Fins de Semana�, em Recife, em 19/08/2000.

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governantes e o empresariado percam o sono. Não é só o presente queestá em jogo, mas também o futuro do País.

Os dados mais recentes, como indica o Mapa da Violência II � trabalhoem que a UNESCO, o Ministério da Justiça e o Instituto Ayrton Sennalançaram no último dia 16 de agosto � mostram que a violência é a principalcausa de morte entre os jovens.

Para 1998, as estimativas do IBGE estabeleciam que o País contavacom um contingente de pouco mais de 32 milhões de jovens na faixa de15 a 24 anos, os quais representavam 19,8% do total de 161,8 milhões dehabitantes.

As epidemias e doenças infecciosas, principais causas de morte entreos jovens há cinco ou seis décadas, foram sendo substituídas,progressivamente, pelas denominadas �causas externas� de mortalidade,principalmente, os acidentes de trânsito e os homicídios.

Em 1980, as �causas externas� já eram responsáveis por mais dametade (53%) do total de mortes dos jovens do País. Dezoito anos depois,em 1998, esse percentual elevou-se ainda mais quando 2/3 dos jovens(68%) morrem por causas externas e, fundamentalmente, por homicídios.

Além disso, os dados do Mapa da Violência II nos mostram que o maiornúmero de óbitos por homicídio é registrado durante os fins de semana,significativamente, aos sábados e domingos, o que indica um aumento dequase 57% em relação aos dias da semana. O mesmo ocorre nos óbitospor acidentes de trânsito. Só nos domingos, do total de mortes entrejovens, 24% são por acidentes de trânsito.

Em todas as pesquisas realizadas, os jovens reivindicam a ampliaçãode espaços de lazer, a inclusão em atividades que possam resgatar suacidadania e seu sentimento de pertencer a um grupo, uma comunidade,bem como a necessidade de criar perspectivas em relação ao futuro.

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Nesse cenário, adquire especial importância a implementação deprogramas e de políticas públicas que possam contribuir para contemplaras principais reivindicações da juventude.

Mais do que nunca, os brasileiros querem paz. Não suportam maisa violência das ruas. Estão assustados e indignados com os altos índicesde homicídio, sobretudo de jovens. Por um lado, a sociedade se organizae se mobiliza em manifestações públicas pela paz. Por outro, estudiosose governantes debruçam-se sobre o problema e angustiam-se em busca derespostas e soluções.

Hoje, está provado que as estratégias de combate à violência devemcentrar-se nos programas preventivos e na oferta de alternativas àjuventude. Não podemos mais insistir nas estratégias repressivas,simplesmente.

Programas preventivos são cruciais para nossa sociedade, não sóporque controlam a expansão da violência, mas também porque jáprovaram ser mais eficientes e de custo mais baixo do que qualquer tipode resposta de caráter repressivo.

A experiência internacional comprova que os programas de combateà violência mais eficientes possuem certas características comuns. Emprimeiro lugar, são administrados localmente. Segundo, incorporam setoresdistintos da sociedade. Terceiro, levam em consideração as necessidadese os diagnósticos específicos de cada comunidade � um programa quefunciona bem em uma comunidade não é necessariamente bem sucedidoem todas. Finalmente, a avaliação dos programas é crucial para definirquais estratégias produzem resultados e outras não.

Algo precisa ser feito o quanto antes e, ao que tudo indica, ospassos em busca de soluções já começaram a ser dados em Pernambuco.

A abertura das escolas nos finais de semana se insere nesse terreno,com a convicção de que será possível criar a oportunidade de que os

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jovens, em suas próprias comunidades, possam realizar atividades de lazer,esporte e cultura.

A participação da comunidade e seus líderes na definição dasatividades e nas propostas de utilização de vários recursos é condiçãopara o sucesso e êxito da iniciativa. É importante, também, ampliar aparticipação de setores diversos da sociedade como a Polícia, as ForçasArmadas, a indústria, o comércio e demais setores produtivos, de forma apromover articulações em torno da juventude, oferecendo, assim, novasoportunidades. A participação do Governo Estadual e das PrefeiturasMunicipais é fundamental neste processo e permitirá discutir novas formasde aproveitamento de equipamentos sociais urbanos que existem e nãotêm pleno uso, como é o caso das escolas, hoje.

Abrir as escolas nos finais de semana é uma proposta inovadora noBrasil, mas que já vem acontecendo em outros países, permitindo àjuventude exercitar seu potencial criativo e usar sua energia em atividadessaudáveis. Se deixarmos nossos jovens sem alguma atividade ou ocupação,haverá tempo para as drogas, a violência, o ócio, a falta de perspectiva,a morte.

Ao abrir as escolas nos finais de semana e pensar na utilização deoutros espaços urbanos ociosos nesse período, o Governo de Pernambucoe a UNESCO estão propondo, também, concretizar o protagonismojuvenil, permitindo aos jovens que construam seu lazer, suas propostas eque apresentem, eles próprios, alternativas concretas de utilização detais espaços. Não falamos em uma proposta pronta e pré-fabricada, nãopretendemos decidir a priori o que fazer, ou como fazer. Propomos sim,a utilização do espaço e a participação dos jovens na discussão da utilizaçãodos mesmos. Apresentamos alternativas, como, por exemplo, esportes,campeonatos de diferentes modalidades, grupos de rap, pagode, grafite,hip hop , alternativas culturais, cinema a preços populares, teatro,apresentação de grupos musicais, dentre outras.

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Mas, sabemos que não podemos prescindir de um conhecimentoespecífico do qual o jovem é portador e ele, melhor do que ninguém,poderá contribuir para a criação de propostas concretas de utilizaçãodos espaços que atendam a suas próprias demandas. Viabil izar oprotagonismo juvenil, oferecendo alternativas concretas de inclusão eacesso, é fundamental para alterar os indicadores de violência e morteentre os jovens.

A implementação de políticas públicas dirigidas à juventude é, nessecontexto, uma exigência que se impõe a todos nós. A abertura das escolasnos finais de semana e a viabilização da utilização de espaços públicospara a educação e a cultura contribuem para concretizar um antigo idealda UNESCO, ao qual se associa, veementemente, o Governo do Estadodo Pernambuco, que é o das cidades educativas, fortalecendo, assim, uma dastendências inovadoras que se espera do próximo milênio, qual seja, a daampliação da dimensão social e pública de todas as organizações eentidades existentes na sociedade.

Dentro da linha dessas experiências bem-sucedidas, o que estamosfazendo, hoje, reveste-se de especial importância. Estamos implementandoum programa de Cultura de Paz e Não-Violência. Dessa forma, o Governadorreforça a cultura de paz como uma diretriz de Governo.

A implantação do trabalho começa com a abertura das escolas nosfinais de semana, oferecendo oportunidades de educação, cultura, lazer,esportes, centradas, sobretudo, no atendimento à juventude. Esperamosque esse trabalho possa ser um exemplo para o resto do Brasil e paramuitos outros países.

O Governo do Estado, em parceria com a UNESCO, apresentauma série de propostas integradas para combater a violência priorizandoos jovens, principalmente aqueles na periferia e em situação de risco,pessoal e social. Aplaudimos a iniciativa do Senhor Governador de buscarsoluções concretas que possam reverter a situação atual.

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A sociedade civil também se movimenta no mesmo sentido. Pormeio de associações de diversos gêneros, ela vem se mobilizando tantopela prevenção da violência quanto pelo socorro às vítimas dos diversostipos de violência encontrados na nossa sociedade. Convocamos toda asociedade civi l e os meios de comunicação a assumir a sua co-responsabilidade social e somar-se no apoio a esta importante iniciativa.A luta contra a violência não é somente uma responsabilidade oficial.

Ao incentivar a educação e as artes, o Governo contribui,significativamente, para que jovens em situação de risco sejam incluídosnos benefícios da sociedade. Todos � Governo e sociedade civil � estãocientes de que investir na prevenção é o caminho mais eficiente.

A UNESCO, mais do que aplaudir a iniciativa, associa-se a ela.Dedicamos especial atenção ao trabalho conjunto com o Governo do Estadoe a sociedade civil pernambucana, comprometendo todo o nosso apoio.

Temos certeza que hoje, aqui, estamos dando o primeiro passo emdireção à construção efetiva de uma sociedade menos violenta e maisjusta, priorizando a juventude � capital social valoroso e indispensávelpara tornar possível um novo futuro.

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O Brasil e a Assembléia do Milênio48

A Assembléia do Milênio das Nações Unidas, em setembro próximo,constitui um fórum único. Será a ocasião na qual os Chefes de Estado detodo o mundo terão a oportunidade de discutir os problemas que afligemsuas sociedades e compartilhar velhos e novos desafios para o séculoXXI. Esse encontro servirá de guia para que governos e sociedades definamseus objetivos para os próximos anos, preocupados em construir ummundo mais justo e humano para todos.

No intuito de proporcionar as linhas mestras para o debate queinaugura o novo milênio, a Organização das Nações Unidas está promovendoamplas discussões no mundo todo, envolvendo não só Governos, mastambém a sociedade civil.

Nesse quadro de referência, insere-se a Campanha Mundial pela Culturade Paz, que os senhores já conhecem e a qual vêm aderindo, desde setembrode 1999.

Mais do que nunca, os brasileiros querem paz. Não suportam maisa violência das ruas. Estão assustados e indignados com os altos índicesde homicídio, sobretudo de jovens. Por um lado, a sociedade se organizae se mobiliza em manifestações públicas pela paz. Por outro, estudiosose governantes debruçam-se sobre o problema e angustiam-se em busca derespostas e soluções.

48 Discurso proferido por ocasião da �Reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da PessoaHumana�, em Brasília, em 23/08/2000.

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Hoje, está provado que as estratégias de combate à violência devemcentrar-se nos programas preventivos e na oferta de alternativas àjuventude. Não podemos mais insistir nas estratégias repressivas,simplesmente.

Programas preventivos são cruciais para nossa sociedade, não sóporque controlam a expansão da violência, mas também porque jáprovaram ser mais eficientes e de custo mais baixo do que quaisquerprogramas de encarceramento, por exemplo.

Cinqüenta anos depois da fundação das Nações Unidas e daUNESCO, o mundo se encontra, novamente, em posição de transformara cultura predominante de violência em cultura de paz. Hoje, o desafioconsiste em encontrar os meios de mudar definitivamente as atitudes,valores e os comportamentos, com a finalidade de promover a paz e ajustiça social, a segurança e a solução não-violenta dos conflitos.

Para alcançar uma cultura de paz são necessárias uma cooperação,em todos os níveis, entre os países e uma coordenação entre asorganizações internacionais que dispõem de competência e recursosindispensáveis. Estas, podem ajudar os indivíduos para que possam se ajudar.

Esse movimento multidimensional requer o apoio ativo e aparticipação contínua de uma rede sólida de indivíduos e de organizaçõesque atuem em prol da paz e da reconciliação.

As Organizações Não-Governamentais � ONG, desempenham umpapel de fundamental importância para este movimento e convém,sempre, envolvê-las e chamá-las à ação, em nível nacional, regional einternacional.

Como fortalecer a consciência sobre a importância e urgência datarefa vital que se faz presente, ao final desse século, de se promover atransição de uma cultura de guerra para uma cultura da paz? Comoencontrar os caminhos e meios para alterar os valores, atitudes, crenças e

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comportamentos do tempo presente? Mesmo trabalhando em umavariedade de campos de atuação, a missão exclusiva da UNESCO é aconstrução da paz: �O propósito da Organização é contribuir para a paze a segurança, promovendo a cooperação entre as nações por meio daeducação, da ciência e da cultura, visando a favorecer o respeito universalà justiça, ao estado de direito e aos direitos humanos e liberdadesfundamentais afirmados aos povos do mundo�.

Tolerância, democracia e direitos humanos � em outras palavras, aobservância desses direitos e o respeito pelo próximo � são os valores�sagrados� para a cultura de paz.

A cultura de paz é uma iniciativa de longo prazo que deve levarem conta os contextos histórico, político, econômico, social e culturalde cada ser humano. É necessário aprendê-la, desenvolvê-la e colocá-laem prática, no dia-a-dia familiar, regional ou nacional. É um processosem fim.

É esse o desafio que nos lançamos: construir, em nossa sociedade,uma cultura de paz. Trabalhar na educação, na construção solidária deuma nova sociedade mais igual e justa, onde o respeito aos direitos humanose à diversidade se traduzam, concretamente, na vida de cada cidadão,onde haja espaço para a pluralidade e a vida possa ser vivida sem violência.

A UNESCO, em parceria com a Comunidade Baha�i e a Comissão deEducação e de Direitos Humanos, da Câmara dos Deputados, está organizando aexposição de cartazes que refletem as idéias de vários brasileiros, ilustrese desconhecidos, sobre paz, como parte do esforço de envolver asociedade na tarefa de pensar os desafios do próximo milênio e inseridosno contexto da Assembléia Geral das Nações Unidas. O PresidenteFernando Henrique Cardoso, o Ministro José Gregory, a Dra. RuthCardoso, o Presidente da Câmara, Deputado Michel Temmer, crianças ejovens de várias escolas já deixaram seus depoimentos sobre as idéias depaz nos cartazes que serão expostos a partir da próxima semana.

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A confraternização que a Assembléia do Milênio propiciará, servirá paraque, no seio das diferenças, seja possível discutir e compartilhar os meiose instrumentos que melhor garantam os direitos da pessoa humana e osdesafios para construir um mundo socialmente mais justo.

O papel do Brasil nesse encontro é fundamental. Este é o País noqual a Campanha Mundial da Cultura de Paz sensibilizou, com mais força, apopulação, a mídia e os Poderes Públicos. É também um País que estálutando, cotidianamente, contra a cultura de violência nas cidades, nocampo, nas escolas, no esporte, em casa e no trabalho. Também é um Paíscuja fonte de criatividade tem oferecido saídas simples e sólidas paraenfrentar o desafio da violência. A contribuição do Brasil, durante aAssembléia do Milênio, deve ser aproveitada ao máximo. Por isso, convoco ossenhores a mostrar ao mundo que o Brasil clama por paz e está aprendendoa fazê-lo, com ações concretas e efetivas.

A melhor prova disso é a presença dos senhores: Governo,sociedade civil, imprensa, o sistema educacional e o Congresso Nacionalprovocando uma sinergia que reflete, de forma fiel, os desafios que oBrasil tem pela frente. A co-responsabilidade de todos os atores sociais écrucial e, sem dúvida, a melhor forma que o País tem de contribuir comos esforços da Assembléia Mundial.

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Cultura da Paz ou Cultura da Violência?49

Continua em discussão, no Congresso Nacional, o Projeto de Leido Governo que proíbe a comercialização e o porte de armas de fogo.Nas primeiras tentativas de aprovação dessa importante iniciativa, houveuma bem-organizada reação, o que obstruiu a tramitação do projeto.

A oportunidade para uma reflexão coletiva sobre esse projeto delei não poderia ser melhor. A violência no Brasil está aumentando e sebanalizando como se a vida e a dignidade humanas, nesse final de século,nada mais valessem. O momento requer um auto-exame da sociedadebrasileira, começando por perguntar se as aspirações por uma cultura depaz devem ou não se transformar em uma das metas mais importantes parao próximo milênio.

Estou seguro de que a resposta da sociedade brasileira será positiva,pois, em diversas pesquisas de opinião, o componente segurança apareceem primeiro lugar. Assim sendo, tudo indica que o Congresso Nacional,como intérprete das aspirações populares, saberá conduzir essa discussãocom serenidade e firmeza, de forma a evitar que motivações menores degrupos sem compromissos com a essência humana possam se sobreporaos interesses da maioria.

Ademais, estamos em pleno Ano Internacional da Cultura da Paz,proclamado pela Organização das Nações Unidas. Assim, se o Projeto que

49 Artigo publicado nos jornais: �Folha de S.Paulo�, em 29/09/2000; �A Tarde�, BA, em 09/10/2000;�Jornal do Tocantins�, em 22/10/2000.

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pretende promover o desarmamento da população não lograr êxito, oBrasil perderá uma excelente oportunidade para inserir-se no grupo denações que já deram esse exemplo de maturidade política, em busca deuma cultura de paz.

Por outro lado, a UNESCO colheu no Brasil, em vários Estados esegmentos sociais representativos da sociedade brasileira, mais de 13milhões de assinaturas de adesão ao Manifesto da Paz elaborado porganhadores do Prêmio Nobel da Paz. Os signatários desse Manifesto secomprometem a lutar, permanentemente, contra a rápida disseminaçãoda cultura da violência, a qual já está atingindo até mesmo uma das maisimportantes instituições da democracia, a escola, vitimando crianças eadolescentes em plena efervescência de seus idealismos.

O Manifesto da Paz estabelece para os seus signatários o compromissode respeitar a vida e a dignidade de cada pessoa, praticando a não-violênciaativa e rejeitando a violência sob todas as formas � física, sexual,psicológica, econômica e social. Esse compromisso deve estar presentena vida diária de cada pessoa, na família, no trabalho, na comunidade e noPaís, em geral. Cada cidadão deve sentir-se comprometido com o outro,desenvolvendo o que o filósofo e matemático Bertrand Russell chamoude �sensibilidade abstrata�, ou seja, a capacidade de sensibilizar-se como sofrimento e a tragédia, ainda que não aconteçam a sua volta.

Se todos esses argumentos ainda se revelarem insuficientes, querochamar a atenção para a pesquisa realizada pela UNESCO, o Ministérioda Justiça e o Instituto Ayrton Senna � Mapa da Violência II � cujo capítulodedicado ao tema demonstra que as armas de fogo são responsáveis por25,5% dos óbitos por causas externas no País e por 61,2% do total dehomicídios. A taxa nacional de 18,6 mortes por armas de fogo em 100 milé semelhante à mortalidade por acidentes de transporte. Entre os jovens,essa taxa é bem maior: 36,6 óbitos por armas de fogo em 100 mil jovens,o que significa que morrem 68% mais jovens por efeitos de armas de fogodo que por acidentes de transporte.

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Esses dados falam por si só, dispensando comentários adicionais.Eles significam que o desarmamento da população assume urgência semprecedentes, não mais podendo ser adiado em decorrência de pressõesoriundas de grupos que apenas pensam em seus interesses particulares. Oque está em jogo é o destino de crianças, jovens e adultos que, diariamente,enchem as páginas dos jornais e o noticiário da televisão com cenaschocantes que comprometem a imagem do País e o afasta dos cenários dadimensão humana e moderna da sociedade contemporânea.

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Caubóis ou Heróis do Asfalto?50

Fazer uma ultrapassagem arriscada, atravessar um sinal vermelho oudesrespeitar a faixa de pedestres são atos corriqueiros no tráfego de umagrande cidade. De tão triviais, nem sempre despertam em nós a justaindignação. Buzinamos. Bradamos. E o assunto está encerrado. Minutosdepois, vemos repetir-se, diante de nós, as mesmas infrações.

Curiosamente, o caos no trânsito das metrópoles não costuma noslevar a fazer protestos em massa ou passeatas, muito menos �carreatas�.Não temos movimentos sociais organizados pela paz no trânsito. As açõesde conscientização, geralmente, partem do Governo ou dos meios decomunicação. A maioria de nós reclama dos engarrafamentos, lamenta onúmero de acidentes, mas pouco faz para alterar a situação. Via de regra,contentamo-nos com lastimar e criticar os infratores � e não raramentesomos nós também mais um dentre eles.

O novo Código Nacional de Trânsito, mais moderno e severo, foi umpasso fundamental para que motoristas e pedestres revissem a própriaconduta e ponderassem sobre as conseqüências de um ato infracional notrânsito das ruas e estradas. Desrespeitar as leis de trânsito passou a serconsiderado crime de graves conseqüências e sujeito a rígido sistema depenalidades, inclusive com repercussão direta no bolso do infrator.

50 Artigo publicado nos jornais: �Correio Braziliense�, DF, em 19/11/2000; �A Gazeta�, MT, em22/11/2000; �Jornal do Tocantins�, em 23/11/2000; �Jornal do Commercio�, RJ, em 24/11/2000;�Jornal Hoje em Dia�, MG, em 25/11/2000; �Diário de Cuiabá�, MT, em 29/11/2000.

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As taxas de morte por acidentes de transporte, entre 1989 e 1998,tiveram uma queda de 5,5% no total da população brasileira, segundo orecém-lançado �Mapa da Violência II�, realizado pela UNESCO, Ministérioda Justiça e Instituto Ayrton Senna, baseado em dados do Ministério daSaúde (DATASUS). A queda se explica pelo fato de que, no último anoda década considerada na pesquisa, entrou em vigor a nova lei de trânsito.O decréscimo, no entanto, não nos dá, ainda, motivos paradespreocupação. Em alguns Estados, o índice de morte de jovens, entre15 e 24 anos, por acidentes de transporte, cresceu no decêniocontemplado no Mapa.

Apesar de polêmico, justamente por sua rigidez e dificuldades deaplicação, o novo Código teve o indiscutível mérito de colocar asquestões do trânsito na ordem do dia; de enfatizar o papel da educação ede dar mais visibilidade a um problema que, afinal de contas, diz respeitoà preservação da vida.

É nesse contexto que estão sendo implantados três importantesProgramas do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), os quaiscontam com a parceria da UNESCO: �Rumo à Escola�, �Educação e Segurança noTrânsito em Escolas do Ensino Médio� e �Mídia Cidadã�.O �Rumo à Escola� objetivaimplementar o tema trânsito como prática educativa cotidiana em escolasmunicipais do Ensino Fundamental, fornecendo consultoria e orientaçãoeducacionais para o desenvolvimento de atividades em sala de aula. Esseprograma terá capacidade para atender a, aproximadamente, 1.400 escolasmunicipais, em todo o País.

O programa �Educação e Segurança no Trânsito em Escolas do Ensino Médio� seráimplementado em todas as séries do Ensino Médio, atendendo às instruçõese disposições do DENATRAN, e reconhecido como curso teórico exigidopara que o interessado na obtenção da Carteira Nacional de Habilitaçãopossa se submeter ao exame teórico no DETRAN. Esse reconhecimento,além de constituir fator de motivação para as escolas e para os jovens,trará, como benefício, novos condutores dotados de uma postura mais

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adequada e consciente no trânsito. A implementação desse programaresultará não somente na qualidade da formação dos futuros motoristas mas,também, na educação dos jovens para o exercício da cidadania no espaçopúblico, seja como pedestre, passageiro, ciclista ou condutor.

O programa �Mídia Cidadã� tem como principal meta estabelecerparcerias com a imprensa para a sensibilização da sociedade. Assim, serápossível criar um ambiente favorável à implantação de uma nova culturaorientada para o trânsito, a qual prima pela cidadania, pela preservação epela qualidade de vida.

Dessa forma, cumprem-se, além de um dever cívico do Estado e dasociedade, compromissos assumidos pelo Brasi l em conferênciasinternacionais, como a Habitat 2 e a Rio 92, as quais previram a construçãode cidades sustentáveis e, para isso, ações educativas a fim de �aumentara consciência do público quanto aos efeitos que têm sobre o meioambiente os hábitos de transporte e viagem.�

O Governo demonstra disposição em honrar o seu papel, ao fazercumprir o Código Nacional de Trânsito e ao lançar programas educativos, demaneira a oferecer tanto medidas punitivas e coercitivas quanto educativase preventivas para a questão do trânsito. Mas, nenhuma dessas ações terárealmente efeito se cada cidadão não exercer o seu papel, isto é, o decobrar sempre o cumprimento da Lei, exigir os seus direitos e, sobretudo,evitar as infrações a todo custo.

Cabe a cada indivíduo a decisão de, uma vez habilitado, tornar-semais um temível �caubói do asfalto� ou um novo herói da prática diária dacidadania e do respeito à vida no trânsito, seja dentro ou fora de um veículo.

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A Promoção da Cultura de Paz51

Este encontro ocorre em uma conjuntura especialmente feliz. Omundo, em geral, e a América Latina, em particular, estão repensando osseus modelos de desenvolvimento. O saber sobre o desenvolvimento queacumulamos durante o século XX gerou um panorama social desigual,injusto e, muitas vezes, permissivo à violência. A inclusão de novascategorias e conceitos à noção de desenvolvimento é um processo quecresce em todo o mundo.

As experiências latino-americanas de desenvolvimento nos mostramque o crescimento econômico não basta para tirar milhões de pessoas dapobreza. Há exemplos claros de que certos elementos são, no mínimo, tãorelevantes quanto a afluência econômica. Dentre eles, podemos citar aparticipação ativa de redes sociais de solidariedade e ajuda mútua, acapacidade de explicitar demandas junto a governos e entidades da sociedadecivil, a garantia de uma vida saudável e longa, a possibilidade de ultrapassaros próprios limites individuais por meio da educação, e muitos outros.

É esse o contexto mundial no qual a cultura ganha uma importânciarenovada. A cultura é, de fato, um instrumento em prol do desenvolvimentohumano porque promove a atividade comunitária, a expressão pública desentimentos individuais e coletivos. Além disso, pode propiciar o encontroentre gerações e a inclusão de todas as camadas sociais.

51 Discurso proferido por ocasião da Abertura do �II Mercado Cultural Latino-Americano�, emSalvador, BA, em 05/12/2000.

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Para a América Latina, a cultura ganha mais relevância ainda. Umdos nossos maiores desafios no continente é reduzir os índices de violênciaentre os jovens. A reversão dessas estatísticas é crucial para garantir vidassignificativas às novas gerações de latino-americanos. A substituição dacultura da violência pela cultura da paz surge, portanto, como umabandeira que todos devemos empunhar.

É esse o contexto que leva a UNESCO a promover a CampanhaMundial pela Cultura de Paz e Não-Violência.

A Cultura de Paz se constitui de valores, atitudes e comportamentosque refletem o respeito à vida, à pessoa humana e à sua dignidade, aosdireitos humanos, entendidos em seu conjunto, interdependentes eindissociáveis. Viver em uma Cultura de Paz significa repudiar todas asformas de violência, especialmente a cotidiana, e promover os princípiosda liberdade, justiça, solidariedade e tolerância, bem como estimular acompreensão entre os povos e as pessoas.

Ao proclamar o ano 2000 o Ano Internacional da Cultura de Paz, o objetivoprimeiro das Nações Unidas era �mobilizar a opinião pública em níveisnacional e internacional, com o propósito de estabelecer e promover acultura de paz e o papel central que o sistema das Nações Unidas podiadesempenhar nesse sentido�.

A promoção da Cultura de Paz é um dos nossos grandes desafiospara o próximo século. Se a América Latina é o nosso palco de ação, acultura constitui-se em instrumento privilegiado para minar as bases daviolência, promover a sociabilidade e garantir aos cidadãos que tenham acapacidade de escolher de que maneira organizam sua vida.

É por isso que o II Mercado Latino-Americano traz à mesa uma agendainovadora. No nosso continente, a cultura tem a potencialidade deconstruir laços sociais fortes, promovendo a diversidade e formas nãoexcludentes de crescimento social, econômico e tecnológico.

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A UNESCO não tem dúvidas de que a grande luta do próximomilênio e o seu maior desafio será o de conceber e construir cenários decidadania no palco de um mundo multifacetado. Para isso, a cultura e ointercâmbio cultural em nossa região são fundamentais. Um dos grandesresultados do esforço de pesquisa que vimos realizando no Brasil nosmostra que a juventude percebe a cultura como meio eficaz de reduçãodos índices de violência. Esse é o resultado que encontramos em Fortaleza,Curitiba, Brasília, Rio de Janeiro, dentre outras capitais.

A cultura também é uma modalidade de expressão que pode fazercom que as sociedades latino-americanas se conheçam mais e melhor. Aintegração regional não é nova em nosso continente. Bolívar já apropugnava no século XIX. Contudo, hoje temos a oportunidade históricade fazer com que esse movimento não seja meramente comercial eeconômico. Temos a possibilidade de intercambiar conhecimentos,práticas, costumes, valores e percepções de mundo. O II Mercado Culturalé um claro reflexo disso.

Aproveitemos este evento para avaliar, conjuntamente, o quedesejamos da cultura na América Latina. Não basta reconhecer o potencialcriativo de cada comunidade ou país. É necessário criar condições degarantir a sustentabilidade das expressões culturais, por meio demecanismos que sejam ao mesmo tempo simples e capazes de alavancar odesenvolvimento das populações envolvidas.

Também devemos garantir a democratização do acesso à cultura, tendoem vista que a grande maioria da população latino-americana tem meiosescassos para asceder ao conhecimento. É possível pensar em estratégiaspara disseminar esses conhecimentos e expressões. Uma das atividades quea UNESCO vem, justamente, apoiando com força, nos últimos meses, é aabertura das escolas aos sábados. Dessa forma, a escola torna-se um espaçoprivilegiado para o esporte, a atividade cultural, o intercâmbio deconhecimentos e a construção de um sentimento de pertencimento e

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comunidade que somente melhora a situação das populações locais. Omesmo estamos fazendo com a música, especialmente o funk e o hip hop.

Por outro lado, contamos com uma população naturalmente criativae ativa na sua expressão cultural. Essa característica é única e devemosaproveitá-la e é a melhor maneira de assegurar que a cultura seja uminstrumento de promoção do desenvolvimento humano. Há diversosmecanismos que podem ser utilizados para dar vazão e visibilidade amanifestações locais riquíssimas. Este fórum é um espaço privilegiado parapensá-los. A título de ilustração, a UNESCO vem apoiando a criação deespaços para que os jovens possam fazer grafites. Esse esforço, aliado àtoda a comunidade local, muda substancialmente as possibilidades deexpressão artística das pessoas, especialmente dos jovens.

Nós, latino-americanos, temos um legado cultural verdadeiramentediverso e pujante. A cultura que fazemos na rua, na escola, em casa, noteatro e no cinema flui com uma naturalidade fascinante. O nosso melhorexemplo é a Bahia que, como sempre, nos acolhe de uma forma tão singular.

Pensemos, juntos, de que forma toda essa riqueza pode servir paramudar um quadro social que é lastimável em toda a América Latina. AUNESCO tem a convicção de que a cultura pode combater a pobreza, aignorância e a violência. Basta construir os mecanismos adequados, osquais devem ser elaborados e implementados por todos.

Portanto, os governos, as agências internacionais, os produtores, ainiciativa privada, os artistas e os cidadãos têm uma agenda densa duranteos próximos dias. Aproveitemos o II Mercado Cultural para pensar sobre isso.

Conceber a cultura como instrumento do desenvolvimento humanosignifica entendê-la como chave para a construção e a manutenção dapaz, em cada esquina da América Latina. Também significa entendê-lacomo aliada na superação dos nossos limites individuais e coletivos. Nãodeixemos de aproveitar a nossa diversidade criadora para melhorar a vidadas próximas gerações de latino-americanos.

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Novos Espaços para a Paz52

Várias pesquisas realizadas no Brasil destacam que a violência entrejovens � sejam eles vítimas ou autores � oscila durante a semana e aumentaaos fins de semana. Demonstram, também, a demanda dos jovens por lugarese condições para o exercício de atividades lúdicas, esportivas, artísticas,recreativas, enfim, espaços de sociabilidade e de manifestação decriatividade. Por fim, essas pesquisas alertam para o sentimento de exclusãodos jovens, o desencanto com os aparatos institucionais, a discriminação,a perda de referencial ético, a baixa auto-estima.

Nas pesquisas, a arte, o esporte, a educação e a cultura aparecemcomo um contraponto, como elementos estratégicos para a redefiniçãoda violência. Representam a construção de canais de expressão alternativos,um espaço a ser explorado, uma forma de incentivo aos jovens para quese afastem das ruas sem ter de negar meios de expressão e de descarga desentimentos, tais como indignação, protesto e afirmação positiva de suasidentidades.

A violência física cometida por e contra os jovens é, muitas vezes,decorrente de um processo de exclusão social e resulta em um sentimentogeneralizado de vulnerabilidade, na percepção da própria insegurançadas condições de vida, na perda da consciência quanto ao valor da vida.O risco concreto e o contato com a morte violenta criam um ambiente

52 Artigo publicado nos jornais: �O Popular�, GO, em 05/06/2001; �Folha de Londrina�, PR, em13/06/2001; �Jornal do Tocantins�, em 31/05/2001; �O Liberal�, PA, em 24/05/2001;�O Globo�, RJ, em 22/05/2001.

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de incerteza e insegurança que impedem o aprendizado e a vivência deconceitos como liberdade, solidariedade, justiça e eqüidade, fundamentaispara a construção da cidadania.

O Programa �Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz� insere-se nomarco mais amplo de atuação da UNESCO, voltado para a construção deuma cultura de paz, de educação para todos ao longo da vida, para aerradicação e o combate à pobreza e para a construção de uma nova escolapara o século XXI, em que seja escola-função e não apenas escola-endereço.

A idéia central do Programa é estimular a abertura das escolas nosfins de semana e disponibilizar espaços alternativos que possam atrairjovens. Essa estratégia resulta da observação de experiências bem-sucedidas, em vários países, onde o trabalho com jovens, nas dimensõesartísticas, culturais e esportivas, constituiu excelente forma de prevençãoà violência.

Pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento � BID, mostra que osprogramas de maior êxito são, geralmente, aqueles administrados em nívellocal e que envolvem parceiros de todos os setores da sociedade �empresas, instituições públicas, organizações comunitárias, polícias esistema judicial. Estudos do Banco Mundial sobre o combate à pobrezaevidenciam, igualmente, que qualquer projeto de desenvolvimento sociale de combate à pobreza que inclua a participação da comunidade apresentaresultados sensivelmente melhores do que os projetos implementadosbaseados em estruturas hierárquicas verticais.

Não por acaso, portanto, o Programa �Abrindo Espaços� tem três focos:o jovem, a escola e a comunidade. Prevê a abertura de espaços � sendo aescola o espaço privilegiado e prioritário, mas não o único � nos fins desemana para oferecer oportunidades de acesso à cultura, ao esporte e aolazer para jovens em situação social. Trabalhar com jovens significa,também, contemplar, de forma preventiva, as crianças. Afinal, elas poderão,igualmente, freqüentar algumas das atividades de finais de semana.

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Manter o jovem em atividades lúdico-recreativas é mantê-lo afastadodas situações de risco e perigo. Mas, além de preventivo, o Programatem uma perspectiva transformadora ao pretender modificar as relaçõesdos jovens com a escola, dos jovens com os próprios jovens e dos jovenscom as comunidades onde vivem.

Os resultados desse Programa nos Estados do Rio de Janeiro,Pernambuco, Bahia e Mato Grosso, onde já foi implantado, mostram-sepromissores. Apontam o potencial da escola, da comunidade e dospróprios jovens para transformar o ambiente em que vivem. Talvez nãooperem milagres, mas, certamente, contribuirão para a construção de umasociedade mais integrada e, portanto, menos vulnerável à violência e àinsegurança.

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Violências contra a Mulher: Sentidos Múltiplos53

No Dia Internacional da Mulher, serão muitas, espera-se, asdenúncias sobre o quadro de violências contra as mulheres, como osterríveis dados sugerindo que, no Brasil, cerca de um terço das internaçõesem unidades de emergência associam-se a casos de violência doméstica.Que, em 1993, cerca de 123.131 agressões contra mulheres foramregistradas nas Delegacias de Defesa da Mulher � DEAM, de todo o País.E que viria se ampliando a tipologia de violências contra as mulheres, noplano do privado e do público. Além dos casos de lesões corporais,estupros, maus tratos e ameaças, entre outros mais comumente registradosnas DEAM, também estão sendo noticiados casos de venda e tráfico decrianças e adolescentes, turismo sexual, exploração sexual de jovensmulheres em prostíbulos e o �pornoturismo�.

As denúncias de violências e de agressões, as estatísticas e pesquisassobre tais ocorrências e também a ampliação do número de DEAM, emboraapresentando algumas carências, devem ser fatos celebrados como recusaà banalização das violências contra as mulheres.

Discursos vêm se modelando em políticas públicas e acordosinternacionais. No Brasil, segundo a Rede Nacional Feminista de Saúde e DireitosReprodutivos, tramitaram no Congresso Nacional cerca de 44 Projetos deLei relacionados ao tema Violência e Direitos Humanos das Mulheres,somente em 2001.

53 Artigo publicado no jornal �Brazilian Times�, EUA, em 08/03/2002.

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No âmbito internacional, há a Convenção para a Eliminação de Todas asFormas de Discriminação contra as Mulheres � CEDAW, de 1979, ratificada peloBrasil em 2000 e divulgada amplamente pela UNESCO, em diversosidiomas, por meio do livro Passaporte para a Igualdade . O documentoconsidera direito de todo ser humano não somente conhecer tal cartade princípios como virem as mulheres a apresentar denúnciaindividualmente (por meio do Protocolo Facultativo da CEDAW, aprovadoem 1999), perante a Comissão para Eliminação da Discriminação contra a Mulher,no âmbito das Nações Unidas. O Protocolo, contudo, até hoje foiratificado por muito poucos países.

Ao equacionar apelos por igualdade de oportunidades e dereconhecimento socia l por direitos humanos às diferenças e àdiversidade, o movimento feminista muito contribuiu para uma culturaque beneficiasse não somente as mulheres.

A humilhação, a dor, o golpe na auto-estima de uma mulherreverberam em crianças e jovens, contribuindo para a socialização apartir de princípios de masculinidade autoritária, de subjugação dasmulheres e de adoção da agressão, esta como forma banal de comunicação.

As tênues fronteiras entre o público e o privado estão sendoquestionadas. A idéia de que violência doméstica é a que se restringeao âmbito da família também está sendo revertida. A violência contra amulher vem se abrigando em vários cantos da casa �sociedade�. Nessesentido, não é a família o locus único de violências contra as mulheres, jáque distintas instituições no mundo público são, hoje, palco de violaçõesdos direitos das mulheres a uma cultura de paz.

São múltiplos os sentidos das violências contra as mulheres. Muitose conquistou, no plano legal e de reconhecimento social da diversidadedos tipos de violências contra as mulheres, mas ainda há muito o quereivindicar nesse campo.

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Neste dia 8 de março, nossas congratulações ao Movimento dasMulheres. Na Conferência Mundial contra o Racismo, em Durban, as vozes dasmulheres � em particular das mulheres brasileiras � marcaram diferençasignificativa, ao lutar pelos direitos humanos, não apenas os seus direitos,mas o de todos.

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Desenvolvimento Social eDireitos Humanos

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Democracia, Cidadania e Direitos Humanos54

Para a UNESCO, constitui uma alegria muito grande participar dapromoção do Seminário sobre Direitos Humanos e Cidadania, não somente devidoa sua importância no contexto das modificações profundas que o mundovive atualmente, como também por ser um tema que está no topo dasprioridades da Organização.

O tema dos direitos humanos e da cidadania ocupa a mais altaprioridade na UNESCO e, também, permeia todo o conjunto de suasatividades, no campo da educação, ciência, cultura e comunicação. Enem poderia ser diferente porque a UNESCO, desde os primórdios desua criação, há mais de cinqüenta anos, iniciou uma longa trajetória rumoa uma cultura de paz e de solidariedade humana.

E quando se fala em cultura de paz e solidariedade, está implícitoque este objetivo só será alcançado na medida em que, a Declaração Universaldos Direitos Humanos, internalizar-se na mente de todas as pessoas e se torneum lugar comum na luta pela construção de cenários sociais mais justos esem nenhum tipo de discriminação.

O que me chama a atenção na formatação deste Seminário, lideradopelo Conselho Britânico, é o extenso somatório de esforços entre organizaçõesnacionais e internacionais, do Governo e da sociedade civil, o que sinaliza

54 Discurso pronunciado por ocasião do �Seminário sobre Direitos Humanos e Cidadania�, emBrasília, DF, em 08/09/1999.

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que a luta pelos direitos humanos se amplia cada vez mais em direção àmeta que todos nós queremos, ou seja, a universalização da cidadania.

Os organizadores do Seminário foram muito felizes na escolha doconteúdo e dos conferencistas, reunindo intelectuais, polít icos,governantes de tendências diferentes, condição imprescindível para adiscussão da democracia e da cidadania almejadas, pois o novo cenáriodesejado deverá ser edificado em meio a uma enorme diversidade cultural.

Não tenho dúvidas que a grande luta do próximo milênio � e o seumaior desafio � será o de conceber e construir cenários de cidadania, nopalco de um mundo multifacetado. Todavia, se tivermos a coragem dereconhecer o potencial criativo de cada cultura, certamente teremos dadoo primeiro passo importante para o estabelecimento de uma éticauniversal. Em um mundo, como afirma o Relatório Mundial da Cultura,coordenado por Pérez de Cuéllar, onde dez mil diferentes sociedadesvivem em cerca de apenas 200 Estados, a proteção e o respeito aos direitosdas minorias devem ser uma preocupação central. Todavia, estes nãopodem ser exercidos em detrimento dos direitos das maiorias. Tampoucooradores tiranos que se fazem de porta-vozes de minorias podem seraceitos como representativos de seus povos. A voz da democracia deveser muito mais ouvida do que antes, no plano internacional.

Assim sendo, democracia e cidadania constituem dimensõesindissociáveis da ética universal. �O ethos dos direitos universais do homemproclama que todos os seres humanos nascem iguais e desfrutam de direitossem a consideração de fatores como classe social, sexo, raça, comunidadeou geração. Isso implica que assegurar a todos, condições elementarespara uma vida decente deve ser a preocupação mais importante dahumanidade�.

A UNESCO tem estado permanentemente atenta à necessidade defortalecer os valores democráticos, sobretudo numa época demundialização das atividades humanas e de encontro das culturas. Foi

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nesta direção que, em julho de 1997, realizamos, em Brasília, a CúpulaRegional para o Desenvolvimento Político e os Princípios Democráticos. Desta Cúpula,resultou o Consenso de Brasília, documento sobre o tema Governar aGlobalização, o qual representa um compromisso a ser assumido dianteda nova realidade de um mundo globalizado.

Finalizando, estou seguro de que este Seminário, por seu conteúdoe pela qualidade de seus conferencistas, dará uma contribuição importanteà meta pela qual todos nós estamos empenhados, qual seja, oaperfeiçoamento da democracia e a universalização da cidadania.

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Uma Nova Ética para o Desenvolvimento55

Os 500 anos do Brasil têm suscitado inúmeros estudos e debates emtodo o País. O objetivo é repensar a experiência histórica brasileira, darum balanço dos acertos, erros e omissões, ao longo dessa trajetória, bemcomo, gerar um conjunto de idéias, alternativas e caminhos para servir desuporte aos sonhos e aspirações futuras, necessárias e próprias de cada país.

A coincidência dos 500 Anos do Brasil com a proximidade de um novomilênio, onde em todo o mundo também se discutem idéias e tendênciaspara o próximo século, fortalece ainda mais a necessidade de uma profundareflexão sobre o significado e o alcance dos primeiros cincos séculos deexistência do Brasil.

Para o estrangeiro e, em especial, para os latino-americanos, o Brasilsempre se mostrou como uma esperança, capaz de dar uma contribuiçãosem precedentes para a aspiração comum de uma América Latina unida esolidária, em decorrência da identidade cultural gerada a partir de umamesma matriz civilizatória, que foi a Península Ibérica. Essa aspiração,que também é um sonho, sempre esteve presente no povo e na mente dosmelhores intérpretes da América Latina.

Por outro lado, em várias partes do mundo, hoje, ao ensejo da viradado milênio, ocorrem intensos debates sobre o que parece ser uma afliçãoque incomoda a todos, qual seja, o futuro da globalização e da

55 Artigo publicado nos jornais: �Correio Braziliense�, DF, em 08/08/2000; �Jornal do Tocantins�,em 27/08/2000.

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mundialização das atividades humanas. Essa preocupação foi o ponto altodo Encontro de Líderes Mundiais, realizado em novembro de 1999, em Veneza,como também do Encontro sobre a Governança Progress is ta, real izadorecentemente em Berlim, na Alemanha. Há um consenso que se generaliza,de forma crescente, sobre a necessidade de se encontrar caminhosalternativos. O que é inadmissível do ponto de vista ético, conformeainda há pouco observou o Senador Lúcio Alcântara, é que estilos efórmulas econômicas em vigência prossigam ali jando expressivossegmentos sociais dos benefícios gerados pela globalização. Sob esseaspecto, tem razão o Presidente Fernando Henrique Cardoso que, tantono encontro de Florença quanto no de Berlim, reivindicou um combateao fundamentalismo de mercado, sugerindo uma nova arquitetura financeirainternacional, capaz de dar maior racionalidade aos mercados de capital.

A rigor, o desenvolvimento humano não pode permanecer submetidoàs oscilações do capital volátil. A UNESCO, há muito luta pelo adventode uma ética universal capaz de governar a globalização e possibilitar,por conseguinte, a compatibilização das necessidades sociais e humanascom a racionalidade instrumental de mercado. Todavia, adverte o RelatórioMundial da Cultura, coordenado por Pérez de Cuéllar: �assegurar a todosos seres humanos, em todo o mundo, condições que lhes permitam levaruma vida decente e uma existência rica, exige um grande investimento deenergia e amplas mudanças políticas�. É esse, portanto, o desafio que setornou urgente superar para que a própria Declaração Universal dos DireitosHumanos se converta, em um futuro próximo, em ponto de referência dasdecisões políticas e econômicas, em escala mundial.

Desse modo, os encontros de Florença e Berlim, reunindo líderesmundiais e especialistas para debater uma nova via, representam iniciativasimportantes em busca de uma nova ética do desenvolvimento. Da mesmaforma, o Encontro Ano 2000, que será realizado em Brasília, em agosto, soba égide do Instituto de Política da Universidade de Brasília, UNESCO e PNUD, oqual reunirá líderes políticos e especialistas de diversas tendências, doPaís e do exterior, configura-se como oportunidade ímpar para pensar e

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propor uma nova via que leve em conta, como bem observou o cientistapolítico Augusto de Franco, a necessidade da sinergia entre Estado,Mercado e Sociedade Civil para que o País possa entrar em um novorumo de desenvolvimento.

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A UNESCO e a Busca de Novas Alternativas56

A UNESCO, ao associar-se ao Instituto de Política e às demaisinstituições presentes nesta Mesa de Abertura para a promoção eorganização do Encontro Ano 2000, cujo objetivo é discutir o Brasil eencontrar caminhos e alternativas que conduzam a um padrão sustentávelde desenvolvimento, tem plena convicção da urgência de reformasprofundas que estabeleçam novos referenciais, tanto no plano econômicoe social, quanto no da ação política, que possibilitem o fortalecimentode uma sociedade mais justa e eqüitativa.

Os temas que compõem a agenda de discussões do Encontroprocuram direcionar a reflexão no sentido de identificar alternativas que,fugindo dos radicalismos de esquerda e de direita, possam viabilizar umEstado verdadeiramente democrático, capaz de impulsionar ummovimento modernizador compartilhado, no qual todas as pessoas venhama se sentir comprometidas com o bem estar da coletividade.

A UNESCO, há mais de meio século vem, em diferentes continentese circunstâncias, lutando em prol do desenvolvimento humano, sejacombatendo o analfabetismo, seja reconhecendo e valorizando a enormediversidade cultural entre as nações, seja, ainda, incentivando eestimulando o desenvolvimento de um pensamento e de uma posturauniversitária voltados para a redução das desigualdades sociais. Nessa luta,

56 Discurso proferido por ocasião do �Encontro Ano 2000�, em Brasília, DF, em 10/08/2000.

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cheia de obstáculos e de reveses, a UNESCO angariou uma enormeexperiência e acumulou um capital social de conhecimentos, o qualconsidero imprescindível para a universalização da cidadania. Esta,todavia, requer mudanças profundas na concepção do que sejadesenvolvimento. O desenvolvimento não pode mais ser entendido emuma direção unilateral. Ele só tem sentido na medida em que o fim visadofor o bem estar das coletividades. Sob essa ótica, o desenvolvimentohumano não pode permanecer subordinado ao econômico. Reverter essasituação constitui um dos maiores desafios do próximo milênio e umaesperança de milhões e bilhões de pessoas, em todo o mundo.

A rigor, o desenvolvimento de uma cultura de paz, que tanto desafiao idealismo de todos nós, depende de uma nova concepção dedesenvolvimento.

Assim sendo, discutir os caminhos para a conquista dasustentabilidade, um dos principais objetivos do Encontro Ano 2000, oferecea oportunidade para repensarmos, em conjunto, a experiência da trajetóriapercorrida e os enormes desafios da trajetória a percorrer. Entretanto,estou convicto que, na medida em que pensarmos a Terceira Via comouma via humana, seguramente estaremos dando um passo importante emdireção ao que a sociedade espera de todos nós.

Para encerrar, a UNESCO saúda os participantes do Encontro Ano2000, augurando que este evento dê um passo importante em termos denovas idéias para o advento de um horizonte mais promissor. Saúda osconferencistas brasileiros e do exterior que aceitaram nosso convite paraexpor e debater suas idéias, em um evento voltado para o futuro. Deseja,por último, que eventos como esse se multipliquem por todo o País epela América Latina devido a sua importância no quadro de incertezas ehesitações que estamos vivendo.

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Banco de Tecnologias Sociais57

Esta primeira década do século XXI é dedicada, pelas NaçõesUnidas, à promoção de uma Cultura de Paz e Não-Violência. A UNESCO vemtrabalhando incessantemente neste sentido, apoiando iniciativas junto apessoas e instituições que trabalham nas áreas de educação, ciência etecnologia, meio ambiente e cultura, na busca de soluções para problemasda população e no apoio à construção de realidades condizentes com asexpectativas de melhores condições de vida para a sociedade.

O Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologias Sociais vem diretamenteao encontro dos esforços empreendidos pela UNESCO.

Neste momento difícil vivido pela humanidade, os 523 projetosinscritos para concorrer ao Prêmio de Tecnologias Sociais mostram que asnecessidades existem, que temos vários obstáculos a serem transpostos,mas que, acima de tudo, existe, no povo brasileiro, a vontade, adeterminação e a capacidade de gerar soluções criativas e eficazes para aconstrução de uma sociedade melhor.

Os quinze projetos finalistas representam a excelência no esforçopara melhorar a vida das pessoas e a vontade de prover soluções adequadasàs carências vividas pelas comunidades.

57 Discurso proferido por ocasião da entrega do �Prêmio de Tecnologia Social e lançamento doBanco de Tecnologias Sociais�, na Fundação Banco do Brasil, em São Paulo, em 06/11/2001.

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Temos, no mundo, problemas de natureza semelhante, tanto empaíses desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. A parceiraconstruída entre a Fundação Banco do Brasil e a UNESCO permitirá quesoluções formuladas para problemas locais possam estar disponíveis parasanar necessidades em outros locais, no Brasil e no mundo.

Esta parceira permitirá que os 128 projetos certificados, os quaisformarão o Banco de Tecnologias Sociais, estejam disponíveis para consulta emtodo o mundo. Por serem tecnologias de sucesso, com aplicaçõesreconhecidamente coroadas de êxito, o Banco de Tecnologias Sociais será umafonte de extrema importância para investidores e também para aquelesque têm a vontade e a responsabilidade de encontrar soluções para ascarências vividas pela população.

Tal Banco conterá, também, um resumo por projeto, traduzido parao inglês e para o espanhol, o que permitirá a divulgação internacional,pela UNESCO.

Os autores dos três projetos selecionados pelo júri serão recebidosna sede da UNESCO, em Paris, para apresentação de seus trabalhos. Estes,representarão todos os outros e, ainda, todo esforço, dedicação ecompetência das pessoas de boa vontade, no Brasil, para a superação desuas dificuldades, por meio da cooperação e da solidariedade. Nestaoportunidade, estaremos divulgando a existência do Banco de TecnologiasSociais como mais uma iniciativa no âmbito do espírito da Cultura de Paz.

Gostaria, para finalizar, de dirigir um especial reconhecimento atodos os parceiros envolvidos nesta iniciativa vitoriosa e, em especial,uma homenagem à Fundação Banco do Brasil que, pelo competentetrabalho de sua Presidente e de sua equipe, possibilitou a realização desteambicioso projeto.

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A UNESCO e a Responsabilidade Social no Brasil58

Desde 1948, a UNESCO vem acompanhando a evolução das agendasinternacionais com uma missão específica: oferecer insumos concretospara a pacificação das relações internacionais. Poderia tratar-se de garantirum canal de diálogo entre Leste e Oeste, nos anos mais brutais da GuerraFria, quando esta Organização era um dos poucos fóruns em que haviadiálogo entre formas de pensamento opostas e até mesmo excludentes.Poderia consistir na promoção sistemática do debate sobre Raça eRacismo, promovendo estudos comparados na África do Sul, no Brasil enos Estados Unidos, como forma de trazer novas categorias à produçãosociológica e às políticas públicas nacionais. Poderia adotar a bandeirade promover o entendimento entre os seus 186 Países-Membros, nocontexto das descolonizações na África e Ásia, nos anos 1960 e 1970,quando esses mesmos processos geraram tensões, muitas vezes armadas.Também poderia intensificar o debate intelectual, na esteira das revoltasestudantis de 1968 e 1969, em todo o mundo ocidental. Ou poderia mesmobuscar formas de enfrentar o terrorismo internacional mediante a educaçãopluralista e a valorização das diferenças culturais, como acaba de acontecerna última Conferência Geral encerrada em Paris, na semana passada.

Esse capital intelectual e técnico, acumulado ao longo de mais de50 anos de cooperação internacional, ganha novos matizes quando se tratade fazer uma contribuição real a sociedades nacionais. Portanto, no Brasil,

58 Discurso proferido na �Reunião com o Conselho de Responsabilidade Social da FIRJAN�, noRio de Janeiro, em 13/11/2001.

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a UNESCO não poderia deixar de se sensibilizar pelo grande problemabrasi leiro traduzido nos baixíssimos indicadores sociais e suasconseqüências sobre a qualidade de vida da população.

É nesse contexto que, em meados dos anos 1990, a UNESCO decidiuconcentrar seus esforços na temática da juventude que aparece, hoje,como o grande desafio para as políticas públicas governamentais e para asescolhas realizadas pela iniciativa privada.

Podemos dizer que há três grandes áreas interligadas que vêm sendoobjeto de nossa atuação no Brasil: os altos índices de violência, causada esofrida pelos jovens; a juvenilização da AIDS e a exclusão de grandesparcelas da juventude do acesso a bens de conhecimento e cultura.

Em relação à violência juvenil, decidimos realizar um mapeamentoquantitativo que nos permitisse elaborar um diagnóstico da situação daviolência no Brasil e identificar os gargalos pelos quais escoavam a eficáciadas diversas políticas públicas de diminuição da mortalidade juvenil. Emseguida, nos dedicamos a estudar as causas desses padrões e a compreenderqual era a percepção � mediante metodologia qualitativa � dos jovens,dos professores, dos membros de gangues, dos agentes de segurança e deeducação sobre os desafios da juventude nas grandes cidades brasileiras(por exemplo, Curitiba, Distrito Federal e cidades satélites, Fortaleza eRio de Janeiro).

Aprendemos, por exemplo, que o aumento impressionante dosíndices de mortalidade, para cidadãos de 14 a 24 anos de idade, eraparticularmente acentuado durante os finais de semana � sendo que umadas grandes reivindicações desses jovens era a promoção de espaços delazer para seu divertimento e sociabilidade.

Por isso decidimos lançar o Projeto Nacional �Abrindo Espaços: Educaçãoe Cultura para a Paz� o qual consiste na abertura das escolas nos finais desemana e a disponibilidade de espaços alternativos que possam atrair os

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jovens em situação de vulnerabilidade social para atividades de cultura,esporte e lazer. O Projeto Abrindo Espaços propõe medidas capazes decolaborar para a reversão do quadro de violência e para a construção deespaços de cidadania que fortaleçam o convívio entre os indivíduos,incentivando, assim, a solidariedade, educando mediante valoreshumanistas e pela possibilidade de expressão da sensibilidade e do talentoindividual. O Projeto já existe nos estados do Rio de Janeiro, Bahia,Pernambuco e Mato Grosso, além da adesão das cidades de Palmas,Maceió, Natal, Recife, Olinda, Belo Horizonte e São Paulo.

Outros dados que chamam a nossa atenção são os resultados domapeamento da violência no trânsito, responsável pela vitimização deexpressivo contingente de jovens em todo o país. No intuito de atuarnesse campo, estabelecemos um acordo de cooperação técnica com oMinistério da Justiça e o Departamento Nacional de Trânsito �DENATRAN, mediante o qual prestamos auxílio no desenho de estratégiasconsistentes da inclusão do Trânsito como tema permanente nas escolasde ensino fundamental.

Tal cooperação possui diversos componentes, alguns dos quais valeressaltar. Primeiramente, uma nova proposta pedagógica para trabalhar otema com alunos de 7 a 14 anos que será implementada por meio denúcleos regionais e locais, responsáveis pelo acompanhamento e avaliaçãodos projetos junto às escolas participantes. Além disso, o Projeto contacom um forte componente de comunicação social, qual seja a veiculaçãode campanhas sistemáticas na mídia local e nacional.

Em relação à expansão da AIDS, cabe notar as três tendências quevem se formando no Brasil: hoje em dia, a epidemia deixou de seressencialmente masculina e atinge cada vez mais mulheres, jovens epopulações carentes. Essa realidade torna-se dramática quando se tratade jovens mulheres das camadas sociais mais pobres. A nossa atuação,neste campo, concentra-se em parcerias estratégicas pontuais. Por umlado, cooperamos tecnicamente com o Ministério da Saúde para levar o

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tema AIDS ao sistema educacional brasileiro: trabalhamos com mais de250 Organizações Não-Governamentais � ONG, produzimos materialeducativo, publicamos manuais de trabalho e avaliação de projetos comjovens, fortalecemos a visibilidade das ações preventivas que o Estadoproduz, dentre outra iniciativas.

O mesmo acontece com o Estado e o Município de São Paulo,além de acordos que estão hoje em andamento com Pernambuco eTocantins.

Por outro lado, coordenamos a criação de um Grupo de Parlamentarespara a AIDS (calcado no Grupo de Parlamentares amigos da UNESCO) cujoobjetivo é desenhar legislações inteligentes no campo da epidemia econsistentes no que diz respeito à defesa dos direitos humanos.

Participamos, também, da criação do Conselho Empresarial para a AIDS,reunindo mais de 40 empresas que desenvolvem algum tipo de trabalhopreventivo junto a seus trabalhadores. Gostaria de destacar o trabalho daNestlé e da Telepar que, com baixíssimos custos, conseguiram desenvolverprojetos interessantíssimos e de amplo alcance para funcionários efamiliares. Dessa forma, realizamos um trabalho de conscientização comalguns entes privados, cujas ações têm grande impacto público, tais comoa Rede Globo, que vem promovendo o debate sobre o tema da AIDS entreos jovens, em sua programação de telenovelas.

Criamos, ainda, um grupo de jovens lideranças que se reúnemperiodicamente para sugerir ações direcionadas a este segmento, tantopor diretores de escola quanto por Ministros de Estado, em Brasília. Estetrabalho tem um importante componente internacional porque,ultimamente, o Brasil tem estado no centro do debate sobre patentes demedicamentos essenciais ao tratamento da AIDS. Dessa forma, ajudamosMoçambique e Nigéria a adotar alguns dos elementos de sucesso quefazem parte da política brasileira de contenção à AIDS.

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Finalmente, a nossa última área temática é o problema da exclusãode grandes parcelas da juventude ao acesso a bens de conhecimento ecultura. Para se ter uma idéia da carência de acesso à cultura enfrentadapelos jovens brasileiros, basta conferir os dados do último censo do IBGE:20% dos Municípios brasileiros não dispõem de biblioteca pública; 70%não contam com um museu; 75%, aproximadamente, não têm uma casa deespetáculo ou teatro e a maioria, cerca de 80%, não têm salas de cinema;35% não dispõem de livrarias, sendo que igual proporção também nãocontam com ginásios poliesportivos.

É nesse contexto que decidimos lançar o projeto �Cultivando Vida,Desarmando Violências�. Durante a realização desses estudos, percebemos quehá, no Brasil, um verdadeiro caudal criativo de iniciativas de baixo custoe grande eficácia na inclusão do jovem brasileiro em situação de risco àsociedade e ao sistema educacional, formal e informal. Buscandoidentificar essas iniciativas e relatá-las em profundidade, estabelecemosuma parceria com a Fundação Kellogg, a Brasil Telecom e o Banco Interamericano deDesenvolvimento, o qual tornou possível o lançamento de um projeto depesquisa, sob coordenação da UNESCO.

A publicação é o resultado do estudo de experiências inovadorasde ONG que trabalham com educação, cultura, lazer, esporte e cidadania.As experiências mencionadas no livro investem na socialização de valorese hábitos voltados para uma cultura de paz e para o exercício do direitoa bens e equipamentos culturais, além da profissionalização em áreas comoinformática, comunicação, música e dança.

O trabalho continuará a ser divulgado mediante um segundo volumee resultou em um Banco de Dados sobre iniciativas bem sucedidas, disponívelpara consulta em nosso web-site: http://www.UNESCO.org. Também,nesse sentido, estamos vinculados a iniciativas sociais que, com poucosrecursos, conseguem realizar uma mobilização fundamental para a inclusãode jovens geralmente excluídos na rota do conhecimento, tais como oCDI (Centro de Documentação e Informação) que trabalha com

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informática nas favelas do Rio de Janeiro ou o Edisca, o AffroReagge e o VivaRio que resgatam crianças e jovens em situação de risco mediante a dança,a música e o esporte.

Aqui vale notar que o custo de manutenção mensal de um jovem nosistema penitenciário brasileiro é de aproximadamente R$1.700,00,enquanto que as iniciativas relatadas nesse trabalho � que têm caráterpreventivo � custam, aproximadamente, R$159,26 por jovem/mês. AsONG estudadas acreditam que o patamar ideal de recursos por jovem/mês deveria ser de R$500,00. Dados da Fundação Getúlio Vargas mostramque, este ano, o Brasil gastou 1,6% de seu PIB com os efeitos da violência(incluindo serviços médicos, segurança, justiça, presídios e previdência).

Ainda no campo da exclusão social de jovens, esta semana lançamosuma Rede de Prefeitos das Cidades Brasileiras que são Patrimônio da Humanidade,título concedido pela UNESCO, para que possam discutir políticascapazes de aproveitar essa titulação para reduzir os indicadores sociaisda juventude brasileira, dentre outras iniciativas.

Uma das atividades mais importantes que a UNESCO vemconduzindo, nos últimos anos, é a realização de avaliações de projetossociais. Alguns exemplos são a avaliação do Programa Bolsa Escola do DistritoFederal, dos projetos sociais do SESI, do Programa de Abertura das Escolas aosFinais de Semana, no Rio de Janeiro, da vertente educacional do ProgramaNacional de AIDS, do Governo Federal, dentre outros.

Para encerrar a apresentação e abrir uma rodada de perguntas erespostas, gostaria de sintetizar de que forma a UNESCO pode, com aajuda de seus parceiros, pôr em prática projetos conjuntos, aumentandoseu escopo e visibilidade.

� A UNESCO tem um portfolio de projetos e pesquisas em sua áreade experiência que soma, constantemente, parceiros da iniciativaprivada.

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� A UNESCO oferece apoio técnico para desenhar, implementare avaliar projetos sociais de envergadura, agregando experiênciainternacional de seus outros Escritórios.

A UNESCO pode ajudar na disseminação de experiências desucesso, tanto no País quanto no mundo, aproveitando o fato de que,hoje em dia, o Brasil é um País capacitado para exportar tecnologias sociaispara o resto da América Latina e Caribe, África e Ásia.

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Os Parlamentares e o Futuro das Américas59

É uma honra participar da III Assembléia Geral da Conferência Parlamentardas Américas � COPA, sobre tema tão atual e relevante que é a questão daparticipação da sociedade civil nos projetos de integração regional, osquais marcam o cenário político do continente americano nestes primeirosanos do século XXI.

As Américas têm riquezas culturais e naturais inigualáveis, mas aindaamargam índices de desigualdade trágicos. É por isso, que os projetos deintegração regional, talvez ocupem um dos lugares mais centrais da pautasobre o futuro das Américas: eles podem mobilizar recursos humanos efinanceiros para reverter a situação atual.

Nesse contexto, a participação dos parlamentares no desenho dessesprojetos não é apenas uma forma de torná-los transparentes e públicos,mas um mecanismo crucial para que se convertam em oportunidades. Bemestruturada, a integração regional é, efetivamente, um motor dodesenvolvimento social e humano para as populações.

É esse o marco referencial no qual a UNESCO se soma a estaConferência. Nós acreditamos que o desafio de criar um modelo deintegração contemporâneo passa, necessariamente, por grandes áreastemáticas às quais não podemos nos furtar.

59 Discurso pronunciado por ocasião da �Conferência Parlamentar das Américas: III AssembléiaGeral�, Rio de Janeiro, de 17 a 21 de novembro de 2001.

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Um exemplo claro é o Programa Internacional de Educação para Todos, cujassoluções concretas para os problemas do analfabetismo e dos baixos índiceseducacionais � que tanto marcam a América Latina e o Caribe � têmcontribuído, na região, para políticas públicas bem-sucedidas. Outroexemplo são as recomendações do Relatório Mundial sobre Cultura eDesenvolvimento, o qual oferece um quadro conceitual para usar a diversidadecultural das Américas em prol da melhoria das condições de vida dosmilhões de cidadãos que habitam o continente. Há inúmeras iniciativasnos âmbitos local, nacional e regional que transformam esses valores eprincípios em ações, com impactos reais.

Os exemplos mencionados servem para mostrar que a UNESCOorienta sua luta por compromissos de grande relevância para o futuro dassociedades. Nessa luta, os parlamentares ocupam uma posição privilegiadaporque, sendo interlocutores das sociedades, têm a capacidade de transitarcom facilidade por suas demandas e anseios. Mais do que isso, o políticoconhece as aspirações do povo. É esse o motivo pelo qual a UNESCOestá co-patrocinando e somando-se à realização desta COPA.

O fato deste Encontro ser no Brasil é significativo porque este éum país que pôde realizar avanços sociais significativos nos últimos anos,fazendo ampliar as oportunidades de promoção do desenvolvimento.Dentre esses avanços, creio ser oportuno destacar os Programas Bolsa-Escola e Bolsa-Alimentação que associam renda mínima à matrícula de filhosnas escolas e garantem acesso a bens alimentícios básicos; as estratégiasde contenção da epidemia da AIDS; o incentivo ao controle social deobras de impacto ambiental; a democratização do acesso à informática eao conhecimento e um número sem fim de iniciativas sociais de baixocusto e grande impacto no campo do desenvolvimento social. Assim comoo Brasil, muitos países da região têm condições de mostrar e compartilharas �tecnologias sociais� que desenvolveram para melhorar seus índices.

Nesse contexto, o recente sucesso brasileiro na reunião daOrganização Mundial do Comércio � OMC, em relação ao acesso democrático

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a medicamentos, é um exemplo importante que merece todo o nossoreconhecimento.

Apesar desses avanços, a globalização ainda é um grande desafio parao nosso continente. Ainda não conseguimos transformar esse processo emum processo de inclusão e igualdade para todos. As experiências latino-americanas e caribenhas de desenvolvimento nos mostram que o crescimentoeconômico não basta para tirar milhões de pessoas da pobreza. Há exemplosclaros de que certos fatores são, no mínimo, tão relevantes quanto a afluênciaeconômica. Dentre eles, podemos citar a participação ativa de redes sociaisde solidariedade e ajuda mútuas, a capacidade de focalizar demandas juntoa governos e entidades da sociedade civil, a garantia de uma vida saudávele longa, a possibilidade de ultrapassar os próprios limites individuais pormeio da educação, dentre outros exemplos.

O diálogo entre os parlamentares permite explorar os caminhos dacooperação nas Américas. Sabemos que a cultura é um fator indissociáveldo desenvolvimento � sem ela os países não são capazes de avançar, deincorporar criticamente novas tecnologias, de produzir conhecimentoou de criar estratégias para seu bem-estar social. Também sabemos que acultura é a expressão da diversidade entre os povos e que o nossocontinente é a síntese dessa riqueza.

É esse o contexto no qual a cultura ganha matizes de instrumentode promoção do desenvolvimento e integração regional. A cultura tem apotencialidade de construir laços sociais fortes, promovendo a diversidadee formas não excludentes de crescimento social , econômico etecnológico.

Este Encontro é importante na atual conjuntura porque, assim comotodos os parlamentos das Américas assumiram posturas claras no combateao terrorismo, é necessário que possam verbalizar sua rejeição à exclusãosocial e mostrar às populações que a cooperação multilateral é umaalternativa factível, de baixo custo e grande impacto.

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Os parlamentares podem ocupar uma posição sem igual para traduziros valores universais e os princípios gerais das Nações Unidas em políticaspráticas e concretas que possam fazer diferença na vida das pessoas.

Os parlamentares podem contribuir, de forma positiva, paraaprimorar a cooperação internacional e para tirar o máximo possível daglobalização, de uma globalização que seja solidária. Os senhores sãoafetados pelos problemas e devem ser parte da solução. Este é o fórumideal para esboçar possíveis saídas.

Além disso, vale dizer que é nos parlamentos que reside grandeparte da responsabilidade em diluir a reação negativa à globalização aqual estamos assistindo em todo o mundo. É fundamental mostrar aoscidadãos das Américas que o cenário internacional está em plenatransformação e que é possível construir um futuro melhor com as portasque agora se abrem mediante o conhecimento, as telecomunicações, asmídias e o intercâmbio de experiências.

Nenhum ordenamento regional no século XXI irá vingar se não forconstruído sobre as bases da legitimidade e da responsabilidade. Essesalicerces somente podem ser estruturados se houver participação ediálogo, não somente dos executivos nacionais, mas de toda a sociedadee, especialmente, do setor empresarial que deve assumir maiores parcelasde responsabilidade. Ao realizar a COPA, os parlamentares das Américasmostram que estão prontos para fazerem a sua parte.

Se fortalecidas em torno de um projeto comum e benéfico paratodos os seus integrantes, as Américas podem, efetivamente, fazer umacontribuição destacada à paz, à estabilidade e ao desenvolvimentointernacional.

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A Renovada Força do Multilateralismo60

Não é de hoje que os países do mundo lançam mão do princípio domultilateralismo como forma de administrar as relações internacionais. Aevolução histórica desse princípio sofreu uma inflexão após os atentadosterroristas do último 11 de setembro, trazendo à tona um debate sempreatual: como dar vida a ordenamentos internacionais estáveis, regimesmundiais em que todos os participantes sintam-se devidamente envolvidosna gestão da ordem?

O multilateralismo de hoje tem amplitude renovada: soma esforçose responsabilidades para administrar o desenvolvimento social e econômicoglobal, assim como a paz e a segurança internacionais. A III ConferênciaParlamentar das Américas, realizada de 19 a 21 de novembro, no Rio de Janeiro,teve este tom de alerta. Reafirmou que o trabalho conjunto e coordenado,entre países e sociedades, é o caminho para a discussão e a tomada deposição daqueles que representam as populações, em toda a região.

Durante uma semana, os representantes dialogaram e firmaram ocompromisso de garantir que os projetos de integração regional, em nossocontinente, avancem de maneira igualitária, auferindo responsabilidadese benefícios às populações. Os parlamentares também asseguraram queesses projetos tenham por objetivo o desenvolvimento social sustentado,minando as bases da pobreza, da violência e da exclusão social.

60 Artigo publicado nos jornais: �O Globo�, RJ, em 03/12/2001; �Jornal do Commercio�, PE, em13/12/2001; �Gazeta Mercantil�, SP, em 17/12/2001.

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Ficou claro para os participantes da Conferência que, sem boagovernança, os projetos de integração podem tornar-se presas fáceis dadescoordenação internacional e da falta de transparência financeira,monetária e comercial.

As experiências históricas do multilateralismo remontam ao séculoXIX, quando as principais potências européias, mediante uma finaengenharia diplomática denominada Concerto Europeu, conseguiram assegurarum século de paz (1815-1914). A eclosão da Primeira Guerra Mundialinaugurou o século XX e, com ele, uma corrida ao isolacionismo e aoprotecionismo sem precedentes na história moderna. Com o fim da guerra,em 1919, os países voltaram a apostar na força do multilateralismo, criandoa Liga das Nações � embrião do Sistema ONU.

A Liga fracassou em seus propósitos: suas regras excessivamenterígidas e sua falta de compromisso com a opinião e anseios dos paísesmais fracos, inclusive daqueles que haviam perdido a Guerra, levou oprojeto a pique. Estavam abertas as portas para a corrida internacionalegoísta e ilimitada que resultou na crise econômica dos Anos 30 e nosprojetos nacionais expansionistas que desembocaram na eclosão da IIGuerra Mundial.

Ao fim do conflito mundial, os países decidiram dar uma novaoportunidade ao multilateralismo, sob a égide das Nações Unidas. Destavez, a diplomacia havia aprendido que, somente um ordenamento emque todos os membros se sentissem incluídos, teria a capacidade de manter-se estável e em paz. Esta foi uma fórmula bem-sucedida: não somentemanteve-se a paz, em âmbito mundial, ao longo de quase meio século deGuerra Fria, como também se assegurou a inclusão de dezenas de novospaíses oriundos dos impérios coloniais da África e da Ásia. Assegurou-se,ainda, o tratamento multilateral do racismo e da discriminação, a presençada educação, da ciência, da cultura, do meio ambiente, da criança e damulher na pauta pública internacional, entre outros assuntos.

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Durante os últimos anos, a lista de participantes da comunidadeinternacional, assim como sua agenda, cresceu substancialmente.Organizações da sociedade civil passaram a ter voz nos principais fórunsmundiais, novas estruturas supranacionais como a União Européia e o Mercosulcomeçam a ter identidade própria, temas antes impensados passam a serobjeto do debate.

Uma das mais surpreendentes mudanças do multilateralismocontemporâneo, é o surgimento da sociedade civil como partícipe dadiplomacia. Esse processo teve início também no Rio de Janeiro, quandoaconteceu a Conferência sobre Meio Ambiente, em 1992. A série de conferênciasmundiais patrocinadas pela ONU vem fortalecendo essa tendência.

O mesmo acontece com os parlamentares. O fim da Guerra Friaintroduziu muitas incertezas às relações internacionais, o que,naturalmente, tem implicações concretas sobre a diplomacia multilateral.O mundo está experimentando mudanças dramáticas e ainda não háconsensos sobre o significado dessas mudanças. O momento em quevivemos, que é de grande elasticidade, abre uma janela de oportunidadessem igual para um continente em desenvolvimento.

Nesse contexto, os atentados terroristas de setembro são um sinalde que essa agenda deve expandir-se e que o acesso ao debate deve sercada vez mais amplo. A paz e o desenvolvimento resultam da adequaçãodas situações aos interesses de cada uma das sociedades que compõem ocenário internacional.

Ficou mais uma vez evidenciado, durante a realização da Conferênciados Parlamentares, que as Américas têm, hoje, a oportunidade de mostrar aomundo os frutos do entendimento multilateral. Sendo a maior zona depaz do planeta, este continente revela que é factível discutir, abertamente,os caminhos que todos seus integrantes devem traçar para atingir melhorescondições de vida para suas populações.

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A Juventude e a Capacitação: aprendizado para avida na economia do conhecimento61

Durante muito tempo, o consenso dominante nos organismosinternacionais, nos meios acadêmicos do primeiro mundo e, obviamente,nas equipes econômicas dos governos do países em desenvolvimento, setraduzia na expectativa de que o crescimento econômico, por si só,acabaria corrigindo as profundas e variadas desigualdades sociaisresponsáveis pelos déficits crônicos de educação, saúde e de outrosindicadores de bem-estar. Esta fórmula de política econômica utilizavauma metáfora hidráulica: a fertilização do solo por gotejamento dosbenefícios do crescimento econômico. Este modelo fracassou,flagrantemente, na América Latina.

A conjuntura atual impõe novos desafios para se pensar as políticaspara a juventude que sejam coerentes com as tendências econômicas,sociais e demográficas contemporâneas. Os jovens de 15 a 24 anos nuncaforam tão numerosos no conjunto da população. Esse fenômeno nospermite ver, de forma mais nítida, as distorções que a desigualdade gerana nossa região, fazendo com que o acesso diferenciado a bens educacionaise informativos gere um ciclo de desigualdade, exclusão e pobreza. Estefosso é aprofundado pela vigência, generalizada na América Latina, deduas políticas para a juventude, paralelas e absolutamente impermeáveisentre si: para os �incluídos�, programas educacionais, culturais,

61 Discurso por ocasião do �Seminário Liderança Juvenil no Século XXI�, painel: A Juventude e aCapacitação, Aprendizado para a Vida na Economia do Conhecimento, na Assembléia Anual deGovernadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Fortaleza, CE, em 07/03/2002.

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profissionalizantes e de diversão; para a maior parte dos jovens�excluídos�, políticas repressivas de segurança pública e justiça. Nos doissegmentos, mas especialmente no segundo, é necessário que a família, aescola, o governo, os meios de comunicação, as organizações da sociedadecivil e do setor privado adotem uma nova atitude em relação à integração,dignificação e valorização da juventude, em seu conjunto. É necessáriodestacar que essa atitude, além de ser mais inteligente, é mais racional doponto de vista econômico.

No Brasil, por exemplo, o custo de manutenção de um jovem nosistema penitenciário chega a cerca de US$700 mensais. Dados recentesda Fundação Getúlio Vargas mostram, por exemplo, que em 2001, o Brasilgastou 1,6% de seu Produto Interno Bruto com os efeitos da violência. Ovínculo desse mesmo indivíduo a organizações da sociedade civil quetrabalham com o fortalecimento do capital social juvenil, através deatividades culturais, artísticas e voluntárias, chega apenas a US$60.

Um estudo recente do BID, Fundação Kellogg e a UNESCO revelaque, neste País, a aplicação de US$200 mensais por jovem em situação derisco, através do trabalho de Organizações Não-Governamentais, seriasatisfatório para manter as experiências com alta qualidade e reproduzi-las em contextos diferentes. É em tal circunstância que a juventudeaparece, hoje, como um dos grandes desafios para as políticas públicaslatino-americanas, sejam ou não governamentais. A capacitação se coloca,portanto, em um quadro mais amplo onde a luta contra as desigualdadeseconômicas, sociais e de conhecimento é o principal vetor de trabalhode governos, sociedades e setores privados.

Eu considero que no Brasil há exemplos concretos de políticaspúblicas para jovens, estruturadas sob um forte componente definanciamento internacional e cooperação técnica com agências das NaçõesUnidas, capazes de desenhar uma resposta inovadora e, a meu ver, está nocentro do desenvolvimento internacional contemporâneo: a associaçãoentre estruturas estatais e organizações civis que, conjuntamente, formulam

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e implementam ações para jovens, de forma descentralizada. Se pensarmosneste marco conceitual, é possível conceber um programa de capacitaçãopara atender as necessidades de populações locais específicas e que nãofique limitado a reproduzir conhecimentos e fórmulas elaborados emescritórios nacionais.

Se o Governo Central souber identificar, selecionar e promoveriniciativas sociais de sucesso, no campo da capacitação � seja profissional,artística, civil, dentre outras � mediante recursos nacionais e internacionais,estará gerando uma reação em cadeia muito positiva em cenários de pobrezae desigualdade, como os que caracterizam nossa região. Um exemplo destetipo de preocupação são os trabalhos quantitativos e qualitativos que têmcomo objetivo oferecer um mapa das angústias, problemas e aspirações dajuventude, em grandes centros urbanos ou no mundo rural de hoje.

Através desse esforço, a UNESCO vem promovendo várias açõeslocais e nacionais para reduzir os índices de violência entre jovens eaumentar os de inclusão social e participação.

Outra forma concreta, desenvolvida por várias Secretarias deEducação brasileiras e pela UNESCO, é utilizar os espaços ociosos dasescolas públicas, de regiões com altos índices de violência, durante osfins de semana. Nessas ocasiões, os jovens e os organizadores se reúnempara definir as atividades que realizarão ao longo de um período e, compoucos recursos, se consegue a mobilização de toda a comunidade local.O resultado é a existência de um espaço de sociabilidade alternativoonde o jovem pratica atividades culturais, desportivas e musicais, as integraà escola e as protege como patrimônio de sua comunidade. Esse projetoincorpora uma inovação ao considerar o jovem como um participante dodebate em torno dos problemas de sua comunidade e da sociedadecontemporânea, promovendo a reflexão criativa em relação ao futuro.

É importante mencionar, ainda, a participação do setor privado queé fundamental. O setor privado é co-responsável na oferta de

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oportunidades de capacitação. O exemplo mais significativo no Brasiltalvez seja o da Confederação Nacional da Indústria, através de sua agência doServiço Social da Indústria (SESI). São responsáveis pelo maior programa decapacitação de jovens profissionais em todo o País, e o fazem de formaexemplar, junto a vários parceiros, dentre eles a Universidade de Brasília e aUNESCO. As dimensões desta atividade são bastante eloqüentes. Em2001, foram treinados um milhão, novecentos mil cidadãos.

As ações conjuntas que realizamos para estabelecer um vínculo como setor privado, neste programa educativo, têm como premissa um estudodo Banco Mundial que revela números surpreendentes: cada ano a mais deeducação na vida da população economicamente ativa gera um aumentoda ordem de 20% no Produto Interno Bruto do Brasil. A democratizaçãodas oportunidades de educação é indispensável para abrir oportunidadesde crescimento para a juventude.

A rigor, o grande problema da capacitação é a melhoria doscurrículos e dos professores. Há iniciativas importantes na área, como ada Secretaria de Educação Média e Tecnológica, do Ministério da Educação.

Para realizar um trabalho desta magnitude, as agências internacionais,financeiras ou técnicas, podem contribuir de várias maneiras. A primeira,é assegurar que o País conte com um sistema de identificação de problemase oportunidades. Ou seja, mapas quantitativos e qualitativos que permitamescolher objetivos consistentes com as necessidades locais. A segunda, éintegrar as instituições nacionais aos projetos governamentais. Essasagências estão em posições singulares para promover a aproximação deorganizações e institutos que trabalham em áreas periféricas, porém,tradicionalmente não coordenam seus esforços. A terceira, é oferecertransparência e flexibilidade administrativas para que os projetos possamavançar rapidamente mediante respostas concretas a problemas específicos.

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Juventude, Violência e Cooperação Internacionalpara o Desenvolvimento na América Latina62

Até bem pouco tempo atrás, a realização de um seminário comoeste era impensável na América Latina. O tema da violência e, maisespecificamente, o da relação entre violência e juventude, era apenasobjeto de algumas disciplinas universitárias e dos sistemas públicos desegurança. Hoje, este assunto faz parte da pauta de todos os setores denossas sociedades e, em alguns casos, os problemas relacionados àviolência são compreendidos como obstáculos à promoção dodesenvolvimento sustentado, em nossa região. Os intelectuais e asuniversidades da América Latina ainda não produziram um paradigmasuficientemente amplo para se pensar o tema da juventude e da violência,na atualidade.

Entretanto, é possível assinalar algumas características gerais quepodem ser observadas nestes países.

As formas nas quais a população jovem de um país sofre e produzviolência têm a ver com o tipo de democracia que cada sociedade soubeconstruir, ao longo dos anos. Isso significa que, pelo menos do pontode vista teórico, não parece haver uma saída única para os desafios quea juventude enfrenta. É possível, sim, pensar em princípios amplos,capazes de incluir as especificidades nacionais. A minha exposição

62 Discurso pronunciado por ocasião da �Encuentro Latino Americano de Cultura y no Violencia.Painel: Juventud y Violencia en America Latina�, na Biblioteca Nacional de la EducaciónLeandro Valle, Cidade do México, DF, em 15/03/2002.

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consistirá em um breve panorama deste assunto. Tentarei, também,indicar possíveis soluções que os países podem encontrar por meio daampla utilização da cooperação internacional com agências do Sistema deNações Unidas, fundações privadas, instituições financeiras internacionaise Organizações Não-Governamentais.

AS PERGUNTAS CENTRAIS

Considero que as duas perguntas essenciais para guiar as respostasàs nossas indagações são: quais são os desafios que as democracias daAmérica Latina impõem, hoje, a seus jovens? E quais são as alternativase mecanismos que essas democracias oferecem como saída exeqüívelpara a população jovem?

O trabalho que a UNESCO vem desenvolvendo no Brasil, onde,por uma lado, temos um forte componente de pesquisa social aplicadae, por outro, um amplo portfolio de projetos para a juventude, sugerealgumas conclusões as quais considero importantes para este debate.

OS DESAFIOS:

1. Exclusão Educacional

Há um círculo vicioso que se formou entre baixos níveiseducacionais, escassas oportunidades de emprego e aumento dos níveisde pobreza entre jovens latino-americanos. Esta cadeia que se auto-alimenta é ainda mais perversa quando vemos que muitos dos nossospaíses não contam com uma estrutura governamental capaz de ofereceroportunidades seguras para que os pais possam manter, definitivamente,suas crianças na escola.

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2. As Redes de Sociabilidade

Em ambientes de pobreza e desemprego juvenil, as redes desociabilidade e proteção de jovens são, geralmente, informais. Nessecontexto, o sentimento de pertencer a um grupo � que é tão definitivona vida de um adolescente � passa, muitas vezes, pelo tráfico de drogas.Novamente, é gerado um círculo em que a falta de perspectivas vinculaa associação de indivíduos a grupos pertencentes ao mundo da droga,contribuindo, assim, para os elevados índices de violência.

3. A resposta Repressiva do Estado

Os países da América Latina ainda não equacionaram seus sistemasde segurança pública com as tendências internacionais mais avançadas.Parece que ainda se insiste em táticas de repressão que terminamcondenando os jovens delinqüentes a cumprirem penas, sem dar-lhesgarantias de sua reinserção à vida em sociedade.

4. A Discriminação em Relação ao Jovem

A discriminação racial, social, de gênero e idade se faz presentena vida da juventude latino-americana por meio da programaçãotelevisiva, do sistema educacional, dos serviços que oferece o Estado,dentre outros.

Na nossa região, a triste realidade é que a ascendência africana ouindígena aumenta, significativamente, a exposição de um jovem a algumtipo de agressão física ou violência simbólica. Ser jovem na AméricaLatina significa estar hiper- exposto ao fenômeno do desemprego, porexemplo.

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AS SOLUÇÕES:

Mas, a experiência recente nos dá exemplos de iniciativas bemsucedidas para reverter as tendências que detalhamos anteriormente.Podem ser sintetizadas da seguinte maneira:

1. A BOLSA ESCOLA

Uma forma eficaz de assegurar a permanência de crianças e jovensde comunidades excluídas na escola é garantir a existência de um sistemade renda vinculado à freqüência e ao desempenho escolar de cada aluno.As famílias recebem um pequeno �salário� em troca do cumprimento dasobrigações escolares por parte de seus filhos. O efeito deste programano Brasil, no México e na Argentina é muito impressionante: não só onúmero de jovens vinculados à escola cresceu, exponencialmente, comoas famílias adquiriram uma capacidade de autonomia que, até aquelemomento, não tinham vivenciado.

2. ESCOLA ABERTA

Devido ao fato de que o tráfico de drogas é uma realidadeprofundamente estruturada nos países latino-americanos, trata-se de criarincentivos para que a juventude possa escolher alternativas desociabilidade menos brutais. Esta realidade é mais intensa durante os finsde semana, quando se comprova que os índices de mortalidade juvenilcrescem assustadoramente. Uma saída eficiente no Brasil, tem sido abriras escolas durante os fins de semana para a condução de atividades definidaspela comunidade juvenil. Trata-se de grupos de dança, música, esportes,teatro, entre outros, que são mobilizados por jovens para jovens. Oresultado indireto deste esforço tem sido uma mudança de mentalidadeque está ajudando a reduzir a depredação das escolas e a comunidade

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passou a participar de forma mais efetiva na escola, uma vez que é o lugarde diversão e de criação de laços sociais. O custo deste esforço ébaixíssimo e tem sido realizado pelas autoridades educacionais, osdiretores de escolas, os líderes comunitários e a UNESCO.

3. CULTIVANDO VIDAS

As políticas repressivas para a juventude não só são ineficazes comoseus custos superam, largamente, o de ações preventivas. Na AméricaLatina, há um grande número de experiências da sociedade civil que sãobem sucedidas quando se trata de romper o ciclo de violência e pobrezaque assola a juventude. Somente no Brasil, a UNESCO identificou maisde 300 iniciativas que utilizam a música, a dança, as culturas populares eo trabalho voluntário para vincular jovens em situação de risco apropósitos criativos. Falando em termos monetaristas, descobrimos queo custo mensal dessas experiências, por jovem atendido, é dez vezesmenor que o custo de manutenção de um jovem na prisão. Nem énecessário mencionar o impacto moral e intelectual que tem sobre a vidade um jovem passar alguns dias, meses ou anos no sistema penitenciáriolatino-americano.

4. A PESQUISA COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇASOCIAL

A discriminação � sob todas as formas � é um fenômeno que estáculturalmente associado à forma de vida das nossas sociedades. É possívelpromover mudanças significativas a médio prazo, mas esse tipo de esforçonão pode significar a cópia de modelos bem sucedidos do mundoindustrializado. Para isso, é fundamental ter disponíveis, em nossos países,mapas de caráter quantitativo e qualitativo que sejam indicadores dasdemandas, das angústias e das alternativas da juventude.

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No Brasil, a UNESCO tem realizado pesquisas sobre violência,drogas, sexualidade e AIDS nas escolas, nas favelas (zonas urbanas comaltos índices de violência e baixíssimos indicadores sociais), incluindopais e professores. As conclusões a que chegamos são muito significativase servem para que as autoridades públicas e o setor privado possam orientarsuas ações e suas políticas. Um dos grandes problemas da nossa região é aausência de políticas públicas sérias que possam oferecer respostasconcretas para um tema que mata nossa juventude.

Ao promover diagnósticos mediante parcerias entre organismosinternacionais e da sociedade civil, estamos produzindo conhecimentosimportantes porque ilustram a dramaticidade do problema e ajudam adefinir políticas consistentes com as necessidades nacionais. Ao mesmotempo, este tipo de pesquisa serve como orientação para que os governospossam investir recursos financeiros, domésticos e internacionais, parareverter a situação dos jovens em condições de vulnerabilidade.

Finalmente, não podemos deixar de mencionar o papel estratégicodos meios de comunicação. Em sociedades altamente mediatizadas, comoas nossas, a televisão, o rádio e a imprensa ocupam um papel fundamentalna disseminação de conhecimentos sobre o tema da violência juvenil e napublicidade de experiências de sucesso que existem, com maior ou menorintensidade, na grande maioria dos países. Os meios de comunicação têma capacidade de despertar a discussão pública sobre o tema. Eles tambémsão responsáveis para que a informação que circula pela sociedade observeos princípios dos direitos humanos e as diversas recomendaçõesinternacionais sobre o assunto. Desta maneira, governos nacionais,organismos internacionais, instituições financeiras, sociedade civil e meiosde comunicação podem somar forças para propor soluções criativas �coerentes com os contextos domésticos � ao desafio da violência juvenil.

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A UNESCO e a Geração de Tecnologias Sociais63

A partir de um determinado momento de sua história, a UNESCOsentiu a necessidade de ampliar seu horizonte de reflexões e propostas,de forma a incluir questões e desafios de ordem prática. Se, por um lado,o debate teórico em torno de grandes questões tornava-se necessário,por outro, era igualmente necessário gerar conhecimentos e tecnologiassociais que pudessem contribuir para a solução de inúmeros problemasinerentes ao cotidiano de grandes contingentes populacionais.

Foi com base nesse pressuposto que a Organização, há alguns anos,criou o Programa MOST � Management of Social Transformations. Como o próprionome indica, trata-se de uma linha de ação comprometida com inovaçõescapazes de promover mudanças e contribuir para o processo detransformações sociais.

Estamos vivendo uma época de avanços sem precedentes dosdireitos humanos. As novas tecnologias da informação e da comunicaçãoestreitam as distâncias e mudam, radicalmente, o horizonte das relaçõeshumanas e sociais. No mundo de hoje, são emitidos, em média, cincomilhões de correios eletrônicos por minuto. Só este número serve paraaquilatar a magnitude das mudanças em curso.

Uma das conseqüências desse novo cenário � que se expande e sedesenvolve nas águas incertas da globalização � é a necessidade de

63 Discurso proferido por ocasião do �Lançamento da Universidade da Previdência � UNIPREV�,em Brasília, em 09/05/2002.

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apressarmos mudanças. A falácia da paciência está chegando a seu termo.A rapidez das novas tecnologias da informação, aliada a sua crescentedimensão interativa, eleva, em ritmo incessante, a consciência públicasobre os direitos de cidadania que foram sabiamente reivindicados ehomologados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, em umdos momentos mais lúcidos das Nações Unidas.

Essas colocações têm o objetivo de mostrar que o Acordo de Cooperação,firmado entre a UNESCO e o Instituto Nacional de Seguridade Social � INSS,para desenvolver uma experiência pioneira de capacitação dos servidoresdo INSS, insere-se no quadro de mudanças que se tornaram inadiáveisem nosso tempo, qual seja, o de gerar conhecimentos e modelos deintervenção que, efetivamente, possam corresponder às expectativas dossegmentos mais pobres da população. É o caso da Previdência Social quetem pela frente um dos maiores desafios sociais do Brasil. Ela atende,hoje, bem mais de 1/3 da população brasileira, incluindo pessoas de idadeavançada, incapacitados e trabalhadores rurais. O INSS paga 20 milhõesde benefícios por mês, atingindo um universo de 68 milhões de pessoas.

Havia uma dívida histórica a ser resgatada mediante a ampliação dacobertura, eficiência e qualidade dos serviços prestados. Tornava-senecessário um novo desenho de atendimento.

Surgiu, então, a idéia da Universidade da Previdência � UNIPREV, com oobjetivo de instaurar uma comunidade permanente de aprendizagem eassegurar, a todos os servidores, condições de aprendizagem e auto-aprendizagem. A UNESCO apoiou esse projeto desde o início, com aconvicção de estar contribuindo para a solução de um problema social.

A metodologia escolhida, após cuidadosa análise de alternativas,foi a educação à distância, de forma a permitir a cada servidor programarseu processo de aprendizagem e de educação continuada. Os cursosoferecidos são orientados e desenvolvidos por cinco centros de educaçãopermanente, abrangendo as áreas cultural, social, gerencial, institucional

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e tecnológica. O programa utiliza as mais modernas tecnologias deeducação à distância como as WEB Salas e tecnologias devideoconferências pela Internet, as quais possibilitam a realização docurso em qualquer tempo e espaço, em todas as Unidades da Federação.

A utilização de modernas tecnologias de educação à distância, empaíses da vastidão territorial do Brasil, possui o mais alto alcance, sobretudona perspectiva de oferecer, a todas as pessoas, seja pelo processo formal ouinformal, condições de aperfeiçoamento continuado. As transformações quese operam, em escala mundial, e que abarcam todos os setores das atividadeshumanas, exigem educação continuada. Mais do que isso: exigem educaçãode qualidade � chave para a entrada em um novo patamar dodesenvolvimento. A educação à distância permite colocar à disposição detodos conhecimentos dos mais atualizados, bem como, permite que cadacidadão programe sua própria aprendizagem, de acordo com suas condiçõese possibilidades. Tudo indica que a proposta de Cidades Educadoras, elaboradapela UNESCO, há mais de trinta anos, comece a se tornar viável.

Por último, quero ressaltar que, se as novas tecnologias ainda geramreceios e hesitações em círculos mais conservadores, não se pode negar ofato de que elas possuem um alcance social sem precedentes. Elas podeme devem ser postas a serviço da luta pela redução da pobreza e dasdesigualdades sociais. Sob esse aspecto, a experiência da UNIPREV, pelosresultados já alcançados, indica um caminho e possui força para servir dereferência a outras iniciativas.

Recentemente, esteve no Brasil o Subdiretor Geral da UNESCOpara a área de Educação, o Professor John Daniels, que antes havia sido oReitor da Universidade Aberta da Inglaterra. Em conferência no Conselho deReitores das Universidades Brasileiras � CRUB, ele teve a oportunidade de chamara atenção para o fato de que a tecnologia, hoje, afeta todas as pessoas,sejam elas ricas ou pobres. É uma força motriz que está mudando asociedade. A política educacional precisa incorporá-la, com a maiorurgência e aproveitar sua rica potencialidade.

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Direitos Humanos e Desenvolvimento64

Nos últimos dias, todo o Brasil acompanhou o lançamento dasegunda versão do Programa Nacional de Direitos Humanos. Trata-se de um novosalto na trajetória da melhoria das políticas sociais brasileiras e sintetizao fenômeno da crescente maturidade da vida pública do País.

Primeiramente, por associar a questão dos direitos humanos aosproblemas mais amplos do desenvolvimento. Como diz o Diretor Geralda UNESCO, Koichiro Matsuura, o respeito aos direitos humanos é umacondição indispensável para a paz, a segurança, a estabilidade e ademocracia no mundo e é o objetivo maior do desenvolvimentoeconômico, político, social e cultural das sociedades.

Ao aprofundar as tendências lançadas em sua primeira versão (1996),o novo Programa foi concebido em parceria com a sociedade civilorganizada. Incorpora aos direitos civis e políticos as várias propostasrelativas aos direitos econômicos, sociais e culturais, de acordo com osresultados da Conferência Mundial de Direitos Humanos (1993).

O Programa amplifica a voz das partes interessadas na formulação,na implementação e na redefinição de políticas públicas. A criação denovos conselhos temáticos � como os conselhos nacionais do idoso e dasegurança alimentar � é outra medida que reforça uma ampla participação.

64 Artigo publicado nos jornais: �O Globo�, RJ, em 28/05/2002; �Diário de Cuiabá�, MT, em06/06/2002; �Jornal do Comércio�, PE, em 07/07/2002.

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Isso é o resultado de uma maior abertura das estruturas governamentais àparticipação social e do fortalecimento e profissionalização da sociedadecivil organizada.

Em segundo lugar, o Programa é fruto de uma análise detalhada de14 anos de políticas voltadas para a promoção dos direitos da pessoahumana: desde a Constituição de 1988 até o Plano Nacional de Direitos Humanos(1996), passando pelo inovador Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).Com um olho atento a esses marcos legais, o atual Programa incorpora aslições aprendidas a partir da difícil tarefa de mudar as históricas injustiçasque dividem a sociedade brasileira.

Além disso, o Programa reconhece que a melhoria da questão dosdireitos humanos no País não depende, exclusivamente, da atuação de umMinistério ou uma Secretaria. Antes, é o fruto de uma série complexa deações integradas que contribui para dar um novo perfil à sociedadebrasileira. A universalização do acesso à educação fundamental, a definiçãode um modelo inovador de atenção básica em saúde e as políticasredistributivas que têm por objetivo reduzir as desigualdades entre pobrese ricos (como as bolsas escola e alimentação em âmbito federal) são ocontexto prático ao qual o programa se soma. A crescente consciênciade que a intervenção isolada não opera milagres representa um avanço naformulação de políticas sociais.

Outra virtude do Programa é colocar o Brasil na linha de frente daluta pelos direitos humanos. No momento em que o fantasma da xenofobiavolta a assolar o mundo, o País opta por defender minorias, tais comopovos indígenas, ciganos, estrangeiros, migrantes e refugiados. Como todosesperamos, o Programa pode fazer do País uma referência internacionalno tema, já que o acúmulo de experiências durante os próximos anospoderá servir como exemplo para outros países. É por isso que a UNESCOsoma-se à Secretaria Nacional de Direitos Humanos e a inúmeras OrganizaçõesNão-Governamentais � ONG, na implementação dessa política.

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É fundamental notar que, ao longo dos últimos anos, o Brasildemocrático deixou para trás as posições defensivas em diretos humanospara assumir uma atitude pró-ativa na construção do regime global deproteção à pessoa humana. O caso exemplar é o da Política Nacional para aAIDS, abraçada recentemente pelo Secretário-Geral das Nações Unidas,Koffi Annan, como modelo eficaz de defesa intransigente dos direitosdo homem.

Se o Programa é uma forma inteligente de conceber a intervençãopública, isso se deve, em parte, a seu sistema periódico de avaliação.Tem-se como premissa que a implementação de normas é sempre umaoperação complexa. Esse é um aspecto positivo, na medida em que permitereajustes continuados e abre o caminho para a necessária busca de opções.

A conjunção entre profissionalismo e criatividade, por partedaqueles que desenham e implementam políticas públicas, é possível graçasao uso, cada vez maior, de dados estatísticos e qualitativos. O avanço naobtenção de interpretações coerentes sobre os desafios que o Brasilenfrenta tem sido impressionante graças à competência de instituiçõesespecializadas e de pesquisadores do mais alto gabarito.

É com base nessas informações idôneas que Governo e sociedadepoderão somar forças para reverter alguns dos grandes problemas do País,tais como a violência urbana e a pobreza. Todo programa dedesenvolvimento deveria contar com um núcleo de pesquisa e avaliaçãoisento de interesses circunstanciais.

Por tudo isso, a agenda que o Programa Nacional de Direitos Humanos trazé mais do que um marco no avanço contra todas as formas de discriminaçãono Brasil. Trata-se de um exemplo concreto de como este País avança naconstrução de bons instrumentos para alavancar o seu desenvolvimentosocial. É com programas como esse que o Brasil se qualifica como umlaboratório de idéias e ações do qual a sua sociedade, assim como todo omundo, pode aprender.

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Comunicação, Informação eLiberdade de Imprensa

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Democracia e Liberdade de Expressão65

Promover, no mundo inteiro, a livre circulação de idéias é uma dasmissões fundamentais da UNESCO. À primeira vista, pode-se ter aimpressão de que essa missão é simples. E de certa forma é, nas naçõesdemocráticas como o Brasil, onde a liberdade de expressão está previstana Constituição e costuma ser respeitada pelo Governo e pela sociedade.Mas há uma realidade mundial ainda desconhecida da maioria dosbrasileiros: prisões, perseguições e ameaças a escritores, jornalistas e meiosde comunicação, em geral. Elas acontecem em países onde a democracia,quando existe, é frágil.

Em 1997, 26 jornalistas perderam a vida e 185 foram presos noexercício da profissão. Mais de mil é a soma de tentativas, em todo oplaneta, de violação da liberdade de expressão e de imprensa contraindivíduos (97 somente na América do Sul). Contra os meios decomunicação (censura, destruição de prédios, interdições, entre outrastentativas), a soma é igualmente assustadora: 362. Os dados são da RedeInternacional para a Liberdade de Expressão � IFEX, grupo de Organizações Não-Governamentais e profissionais, comprometido com o alerta e acoordenação de ações contra ameaças à liberdade de informação. O IFEX,que tem o apoio da UNESCO, possui mais de 300 integrantes, em 92países, a maioria deles em desenvolvimento.

65 Artigo publicado no jornal �Folha de S.Paulo�, em 03/05/1999.

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Os casos mais absurdos de atentado à liberdade de imprensa ganhamas manchetes dos jornais, em países onde essa liberdade existe: doassassinato do cinegrafista Michael Senior � morto no Camboja por filmarmilitares saqueando um mercado � ao assassinato de um jornalista, norecente conflito na Iugoslávia, incluindo a prisão da jornalista nigerianaChristina Anyanwu (Prêmio UNESCO/Guillermo Cano 1998 de Liberdade de Imprensa),condenada a uma pena de 15 anos de detenção, por redigir matéria sobrea tentativa de golpe de Estado contra o governo da Nigéria, em 1995.

Mas há formas menos eloqüentes de atentado à liberdade deexpressão, as quais ficam normalmente longe das bancas de jornal.

O dia 3 de maio, em que se comemora o Dia Mundial da Liberdade deImprensa, é, paradoxalmente, um convite para reflexões e debates sobre asvárias formas de violação dessa liberdade. Trata-se daquelas que,curiosamente, sobrevivem em Estados democráticos e de direito, onde aliberdade de expressão é defendida abertamente, onde opiniões contráriasaos poderes vigentes são permitidas, mas onde ainda impera oconstrangimento diante das figuras públicas de maior prestígio e poder.

São as ações mais sutis de controle e de censura que merecemreflexão nos Estados democráticos. Ameaças veladas ou explícitas deomissão, censura a matérias e artigos que contrariam interesses políticosou empresariais, ou mesmo exposição a pressões e constrangimentosdiversos, são exemplos do que subsiste em países consideradosdemocráticos.

Não há, por certo, nesses países, leis que protejam, explicitamente,essas práticas menos truculentas de inibição da liberdade de expressão.Tampouco há manuais que as estimulem. Mas, algumas ações, mesmoque esporádicas, impedem o pleno exercício dessa liberdade. Umademocracia plena e irrestrita prevê, exatamente, o fim da censura dequalquer tipo � sutil ou agressiva, tácita ou explícita, política oueconômica, social ou individual.

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Somente em uma sociedade de cultura democrática � o que envolvetempo e boa-vontade � é possível falar em liberdade de expressão, emgeral, e liberdade de imprensa, em particular. Leis democráticas, por sisós, não garantem o livre exercício da expressão do pensamento. Éimprescindível que essas leis, cada vez mais claras e transparentes, venhamseguidas de perto por uma praxis democrática, por um exercício diário dereeducação intelectual de governantes e sociedade civil, de forma a quetodos passem a compreender as manifestações de pensamento e asdivulgações de fatos como peças fundamentais do jogo democrático.

Enquanto essas peças forem vistas como ameaças à estabilidade damaioria e aos interesses de uma minoria, nem governo nem sociedadeestarão, de fato, vivendo em um Estado democrático.

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As Mulheres e o Quarto Poder66

�Ora, pois, uma senhora à testa da redação de um jornal! Que bichode sete cabeças será?�, indagava, em 1852, o número de estréia do �Jornaldas Senhoras�, primeiro jornal feminino do Brasil. Dirigido pela argentinaJoana Paula Manso de Noronha, o periódico abordava temas como moda,literatura, belas-artes, teatro e crítica.

Quase 150 anos depois, a indagação do �Jornal das Senhoras� já foirespondida em muitos veículos de comunicação, do Brasil e do mundo,onde as mulheres jornalistas são cada vez mais numerosas. O �bicho desete cabeças�, afinal, provou ser tão capaz quanto o �bicho-homem�.

As mulheres conquistaram espaço significativo na imprensa � ochamado Quarto Poder � e, ao que tudo indica, definitivo. Estima-sehaver, atualmente, mais mulheres do que homens no meio jornalístico e atendência é que essa maciça presença feminina cresça ainda mais.

Relatório da Organização Internacional do Trabalho � OIT, divulgado emGenebra, no último dia 28, informa que o meio jornalístico tem oferecidooportunidades crescentes para as mulheres, as quais encontram-se entreos maiores beneficiários do emergente mercado de trabalho criado pelosnovos meios de comunicação.

No Reino Unido, diz o Relatório, �cada vez mais mulheres tornam-se jornalistas�. O texto cita, ainda, uma pesquisa conduzida em 1998,

66 Artigo publicado no jornal �Folha de S.Paulo�, em 07/03/2000.

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segundo a qual �mulheres com menos de 35 anos de idade, trabalhandoem jornais, ganhavam um salário médio de 32 mil libras esterlinas, enquantoseus colegas do sexo masculino ganhavam, em média, 25 mil libras desalário�.

Sobre a Espanha, o Relatório afirma que, apesar de ter havido umdeclínio de 15% na força de trabalho em jornais diários, entre 1992 e1994, �a divisão das equipes editoriais cresceu de 37% para 46%, e aproporção de mulheres nessas equipes subiu de 27% para 29,5%�.

Ainda segundo o Relatório da OIT, as mulheres, que representavammenos de 20% dos jornalistas em Portugal, durante os anos de 1980, agoracompõem mais de 30% da profissão, a qual quadruplicou na última década.

No entanto, a presença cada vez maior das mulheres no exercíciodiário do jornalismo ainda não encontra correspondência no comandodos veículos de imprensa, os quais permanecem, em sua maior parte, emmãos masculinas. Essa situação reflete, na verdade, a posição das mulheres,em geral, na sociedade contemporânea, ou seja, elas estão cada vez maispresentes e atuantes, mas continuam, na maioria dos casos, alijadas dosaltos postos de chefia.

Não por acaso, portanto, a UNESCO decidiu homenagear nesteano, no Dia Internacional da Mulher , a f igura da mulher jornalista.Recentemente, o Diretor Geral da UNESCO, Sr. Koichiro Matsuura,lançou um apelo internacional intitulado �As Mulheres Fazem a Notícia�, peloqual demonstra o desejo da UNESCO de que, no Dia Internacional daMulher, as jornalistas assumam os cargos de chefia nos jornais, revistas eemissoras de rádio e de televisão.

Considerando o grande impacto dos meios de comunicação nasociedade atual, a UNESCO acredita na importância particular de sedestacar a necessidade de eqüidade entre homens e mulheres no controledesses meios. A iniciativa, mesmo que simbólica, ao partir da mídia, terá

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grande impacto em outras esferas de poder, onde as mulheres ainda nãoconseguiram ocupar maiores espaços, sobretudo em posições de comando.

A atenção da UNESCO para com as questões relacionadas àsmulheres também é crescente. A Organização tem dado prioridade aquestões de interesse, apoiado e participado de iniciativas como a 4ªConferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim, China, em 1995; oPrograma da UNESCO �Educação para Todos� reflete, entre outros aspectos,a preocupação com a extensão da educação a mulheres e meninas; o �PrêmioUNESCO/Helena Rubinstein a Mulheres Cientistas� é uma forma simbólica deapelo à eqüidade entre os gêneros, também no campo da ciência; e, noBrasil, publicações da UNESCO, como �Gênero e Meio Ambiente� e �Engendrandoum Novo Feminismo� estimulam a reflexão sobre questões de interesse parahomens e mulheres, assim como a pesquisa, a ser lançada neste ano, sobrerelações de gênero nos assentamentos rurais da reforma agrária.

No campo da comunicação, um exemplo ilustra a atenção daUNESCO para a situação das mulheres no exercício da profissão dejornalista: há dois anos, o segundo �Prêmio Mundial UNESCO/Guillermo Canode Liberdade de Imprensa� foi concedido a uma jornalista, a nigeriana ChristinaAnyanwu, Diretora e Redatora Chefe da Revista �Sunday Magazine�,publicada em Lagos, Nigéria.

Nesse contexto, em que se celebra mais um Dia Internacional da Mulher,convém sublinhar, por fim, que as mulheres, hoje, contrapõem-se a umaherança sexista, e não aos homens, em particular. Trata-se de vencer umacultura, e não exatamente pessoas ou instituições, e essa vitória tem sidoconquistada a cada dia, a cada nova empreitada de sucesso das mulheresno mercado de trabalho e no ambiente social.

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Brinquedos Perigosos67

O uso da Internet para conferir mais transparência na administraçãopública foi o tema da palestra que Philippe Quéau, Diretor do Setor deInformação e Informática da UNESCO proferiu em Brasília. Doutor emholocausto, o inglês Shimon Samuels esteve no Brasil, onde fez palestrasem Porto Alegre e Brasília, sobre a disseminação de idéias preconceituosase racistas veiculadas pela Internet.

A preocupação com o uso adequado e pacífico da rede mundialde computadores é também da UNESCO, que trouxe Samuels e Quéauao Brasil. A Organização está alerta não somente para o mau uso daInternet como de todos os meios de comunicação de massa. O quefazer para evitar que a sociedade fique exposta a conteúdos indesejáveisveiculados por meio de uma tecnologia que alcança a todos, de formatão intensa e atraente? O que fazer para que ela seja sempre uma aliadada sociedade moderna?

A censura está fora de cogitação. Ela é incompatível com o EstadoDemocrático. Em qualquer lugar e tempo em que foi empregada,demonstrou ser uma aberração. Mas há alternativas.

A indústria de entretenimento de base eletrônica � nela incluídosprodutores e divulgadores de desenhos animados, filmes, seriados e jogos

67 Artigo publicado nos jornais: � Zero Hora�, RS, em 28/04/2000; �Correio Braziliense�, DF,em 02/05/2000; �Jornal A Tarde�, BA, em 05/05/2000; �Gazeta do Espírito Santo�, em12/05/2000; �Jornal do Tocantins�, em 12/06/2000.

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eletrônicos � tem de se conscientizar de seu papel de produtora deconteúdo cultural e assumir responsabilidade correspondente. Produtoresde bem cuidados seriados para televisão, no Brasil e no exterior, baseadosem obras literárias ou scripts de qualidade, nunca se queixam da audiênciaque conseguem obter.

Oferecer um produto de qual idade deve ser preocupação,também, dos exibidores (aí incluídas as videolocadoras), ao selecionarmaterial para aquisição. A posição dos exibidores como agentes demudança é estratégica: à medida que eles se impuserem um padrão dequalidade orientador de sua programação (ou oferta), deflagrarão umprocesso similar entre os produtores, os quais procurarão atender a umademanda mais exigente.

Uma ação do governo é, como na maioria dos países do mundo, oexame do material a ser exibido (inclusive videogames) como a indicaçãodas faixas etárias para as quais desaconselha a exibição. Nessa direção háuma ação do Governo que pode ter maior alcance: a campanha lançadapelo Ministério da Justiça pela adesão das empresas do setor a um códigode ética que elas mesmas elaborem em colaboração com o Governo. Essecódigo seria fruto de um processo de �auto-regulação�. Isso significa abusca de um compromisso dos empresários com a implantação de um�controle de qualidade� de sua programação.

Por outro lado, a opinião pública brasileira detém o condão paramovimentar as empresas de comunicação na direção desse desejadocontrole de qualidade. Afinal, os brasileiros já se acostumaram a reclamarno PROCON da qualidade de produtos e serviços que adquirem.Precisam, agora, dar um passo a mais e começar a fazer valer seus direitosquando prestigiam uma ou outra empresa ao apertar os botões do controleremoto da TV ou entrar na fila de um cinema.

A responsabilidade social dos detentores da mídia é grande, masnão isolada. É e deve ser coletiva. Governo, sociedade civil, empresários,

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todos têm de estabelecer uma parceria solidária. É imperativo que todosestejam cientes de que com mentes humanas não se brinca � e a mídiaeletrônica às vezes pode ser um brinquedo perigoso, do qual todos,igualmente, podem ser vítimas.

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A Sociedade da Informação e seus Desafios68

INTRODUÇÃO

Dificilmente alguém discordaria de que a sociedade da informaçãoé o principal traço característico do debate público sobredesenvolvimento, seja em nível local ou global, neste alvorecer do séculoXXI. Das propostas políticas oriundas dos países industrializados e dasdiscussões acadêmicas a expressão �sociedade de informação� transformou-se rapidamente em jargão nos meios de comunicação, alcançando, deforma conceitualmente imprecisa, o universo vocabular do cidadão. Uno-me a todos os que têm procurado desfazer a teia de imprecisões verbaisem relação às mudanças do mundo contemporâneo e, desta forma,contribuído para destruir mitos que impedem uma consciente participaçãonesse processo de mudança. Uma reflexão crítica que permitacompreender as presentes transformações sociais e avaliar suasimplicações, com base em critérios definidos, deverá permitir a integraçãode critérios socioculturais e éticos aos econômicos e políticos usualmenteassociados à prescrição da �sociedade da informação� e, desta forma,colocar à disposição do cidadão caminhos para uma participação ativa naconstrução de seu futuro.

O ponto de partida nesse artigo é, portanto, definir essa expressãocom o rigor possível no espaço que dispomos. Na seção 3 serão discutidasalgumas das promessas da sociedade da informação que justificam o esforço

68 Artigo publicado na Revista �Ciência da Informação�, Brasília, v. 29, n.2, p. 71-77, maio/ago. 2000.

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de todos em seu desenvolvimento. As preocupações com a direção quevem tomando o novo paradigma tecnológico da informação concluem oartigo que aponta os inúmeros desafios a enfrentar para que a novasociedade supere velhas e novas desigualdades.

A �sociedade da informação�

A expressão �sociedade da informação� passou a ser utilizada, nosúltimos anos desse século, como substituto para o conceito complexo de�sociedade pós-industrial� e como forma de transmitir o conteúdoespecífico do �novo paradigma técnico-econômico�. A realidade que osconceitos das ciências sociais procuram expressar refere-se àstransformações técnicas, organizacionais e administrativas que têm como�fator-chave� não mais os insumos baratos de energia � como na sociedadeindustrial � mas os insumos baratos de informação, propiciados pelosavanços tecnológicos na microeletrônica e telecomunicações. Estasociedade pós-industrial ou �informacional�, como prefere Castells, estáligada à expansão e reestruturação do capitalismo desde a década de 80do século que termina. As novas tecnologias e a ênfase na flexibilidade �idéia central das transformações organizacionais � têm permitido realizarcom rapidez e eficiência os processos de desregulamentação, privatizaçãoe ruptura do modelo de contrato social entre capital e trabalhocaracterísticos do capitalismo industrial.

As transformações em direção à sociedade da informação, em estágioavançado nos países industrializados, constituem uma tendência dominantemesmo para economias menos industrializadas e definem um novoparadigma, o da tecnologia da informação, que expressa a essência dapresente transformação tecnológica em suas relações com a economia e asociedade. Esse novo paradigma tem, segundo Castells (2000) as seguintescaracterísticas fundamentais:

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� A informação é sua matéria-prima: as tecnologias se desenvolvempara permitir ao homem atuar sobre a informação propriamentedita, ao contrário do passado quando o objetivo dominante erautilizar informação para agir sobre as tecnologias, criandoimplementos novos ou adaptando-os a novos usos.

� Os efeitos das novas tecnologias têm alta penetrabilidadeporque a informação é parte integrante de toda atividade humana,individual ou coletiva e, portanto, todas essas atividades tendema ser afetadas diretamente pela nova tecnologia.

� Predomínio da lógica de redes. Esta lógica, característica detodo tipo de relação complexa, pode ser, graças às novastecnologias, materialmente implementada em qualquer processo.

� Flexibilidade: a tecnologia favorece a processos reversíveis,permite modificação por reorganização de componentes e temalta capacidade de reconfiguração.

� Crescente convergência de tecnologias, principalmentemicroeletrônica, telecomunicações, optoeletrônica, computadores,mas também, e crescentemente, a biologia. O ponto central aqui éque trajetórias de desenvolvimento tecnológico, em diversas áreasdo saber, tornam-se interligadas e transformam as categorias segundoas quais pensamos todos os processos.

O foco sobre a tecnologia pode alimentar a visão ingênua dedeterminismo tecnológico, segundo o qual as transformações, em direçãoà sociedade da informação, resultam da tecnologia, seguem uma lógicatécnica e, portanto, neutra e estão fora da interferência de fatores sociaise políticos. Nada mais equivocado: processos sociais e transformaçãotecnológica resultam de uma interação complexa em que fatores sociaispreexistentes, a criatividade, o espírito empreendedor, as condições dapesquisa científica afetam o avanço tecnológico e suas aplicações sociais.Vale reproduzir um comentário de Castells:

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É provável que o fato da constituição desse paradigma ter ocorrido nos EUA e, emcerta medida, na Califórnia e nos anos 70, tenha tido grandes conseqüências para as formase a evolução das novas tecnologias da informação. Por exemplo, apesar do papel decisivo dofinanciamento militar e dos mercados nos primeiros estágios da indústria eletrônica, da décadade 40 à de 60, o grande progresso tecnológico que se deu, no início dos anos 70, pode, de certaforma, ser relacionado à cultura da liberdade, inovação individual e iniciativa empreendedoraoriunda da cultura dos campi norte-americanos da década de 60... Meio inconscientemente, arevolução da tecnologia da informação difundiu, pela cultura mais significativa de nossassociedades, o espírito libertário dos movimentos dos anos 60. (Castells, 2000, pp.25).

Além do indevido determinismo, incorre-se, muitas vezes, tambémem despropositado evolucionismo na discussão do novo paradigmatecnológico quando a �sociedade da informação� é vista como etapa dedesenvolvimento. Como muito bem alerta Agudo Guevara (2000), melhor seriareferir-se a sociedades da informação, no plural, para identificar, numa dimensão local, aquelas nasquais as novas tecnologias e outros processos sociais provocaram mudanças paradigmáticas. Aexpressão �sociedade da informação�, no singular, seria melhor utilizada, numa dimensão global (oumundial), para identificar os setores sociais, independente de sua ubicação local, que participam�como atores de processos produtivos, de comunicação, políticos e culturais que têm como instrumentofundamental as TIC (tecnologias de informação e comunicação) e se produzem � ou tendem aproduzir-se em âmbito mundial� (Agudo Guevara, 2000, pp.4).

O determinismo e o evolucionismo distorcem a análise do complexoprocesso de mudança social e al imentam uma atitude passiva,contemplativa, em relação a esse processo. Tais posturas impedem ouignoram que a sociedade, especialmente por intermédio do Estado, temdesempenhado, no decorrer da história, um papel muito ativo, tanto parapromover quanto para sufocar o desenvolvimento tecnológico e suasaplicações sociais. Isso é particularmente claro no que se refere às novastecnologias. O avanço tecnológico no novo paradigma foi, em grandeparte, o resultado da ação do Estado e é o Estado que está à frente deiniciativas que visam ao desenvolvimento da �sociedade da informação�nas nações industrializadas e em muitas daquelas que ainda estão longe deter esgotado as potencialidades do paradigma industrial.

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Adotando a sugestão de Agudo Guevara, um olhar sobre aexperiência concreta das sociedades de informação permite revelar comoa reestruturação do capitalismo e a difusão das novas tecnologias dainformação lideradas e/ou mediatizadas pelo Estado estão interagindocom as forças sociais locais e gerando um processo de transformaçãosocial. Em termos gerais, é consenso entre analistas que a realização donovo paradigma se dá em ritmo e atinge níveis díspares nas váriassociedades. Junto com o jargão da �sociedade da informação� já é lugarcomum a distinção entre países e grupos sociais �ricos� e �pobres� eminformação. As desigualdades de renda e desenvolvimento industrialentre os povos e grupos da sociedade reproduzem-se no novo paradigma.Enquanto, no mundo industrializado, a informatização de processossociais ainda tem de incorporar alguns segmentos sociais e minoriasexcluídas, na grande maioria dos países em desenvolvimento, entre elesos latino-americanos, vastos setores da população, compreendendo osmédios e pequenos produtores e comerciantes, docentes e estudantesda área rural e setores populares urbanos, adultos, jovens e crianças dasclasses populares no campo e na cidade, além daquelas populaçõesmarginal izadas, como desempregados crônicos e os �sem-teto�,engrossam a fatia dos que estão ainda longe de integrar-se no novoparadigma (Agudo Guevara 2000). Este fato fundamental constitui umdos desafios éticos para a constituição das sociedades da informação,desafio que somente a ação social consciente poderá superar, já que,certamente, não será resolvido pelo avanço tecnológico em si mesmo,nem por uma hipotética evolução natural.

AS PROMESSAS DO NOVO PARADIGMA

Por que é desejável promover a sociedade da informação?

Passadas as primeiras reações de temor diante dos efeitos daautomação dos setores produtivos, os avanços da informática e da

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telemática provocaram uma fase de fascinação quase infantil � felizmente,em grande parte já superada � particularmente nas três últimas décadas,quando a difusão da Internet nos países industrializados deu suporte aosonho de integração mundial dos povos, por meio de infovias globais.Embora o realismo de estudos e análises tenha, desde aquela época,contrabalançado o entusiasmo ingênuo, há que reconhecer como, emgrande parte, justificadas as bases e evidências que fundamentamespeculações positivas sobre a sociedade da informação.

Uti l izando as caracter íst icas do novo paradigma técnico-econômico, descrito na seção anterior, pode-se destacar justificadasexpectativas positivas sobre a sociedade da informação. Em primeirolugar, a substituição de insumos baratos de energia por informação comofator-chave do novo paradigma representa, para a sociedade, uma saídainesperada para a questão estrutural da degradação do meio ambiente.

Se a penetrabilidade das novas tecnologias pode, por um lado,elevar o temor com possíveis efeitos negativos � a serem analisados napróxima seção � e até reforçar a inevitabilidade das transformações queacarreta, por outro lado, fundamenta a concepção da sinergia capaz deconferir dinamismo ao processo de mudança desde que deflagrado,reforça a idéia da impossibilidade de integração �parcial� ao novoparadigma e dá suporte às iniciativas que visam a preparar a sociedadecomo um todo para enfrentar e tomar partido das tendências detransformações técnico-econômicas.

Porque permite implementar materialmente a lógica de redes, atecnologia permite modelar resultados imprevisíveis da criatividade queemana da interação complexa, desafio quase intransponível no padrãotecnológico anterior. Se isso dá vazão aos sonhos mais delirantes noâmbito das ciências básicas, das aplicações tecnológicas avançadas e daestratégia, não deixa também de alimentar sonhos mais prosaicos � enão menos significantes � como o de, finalmente, permitir a integração

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ensino/aprendizagem de forma colaborativa, continuada, individualizadae amplamente difundida.

A flexibilidade que caracteriza a base do novo paradigma é, talvez,o elemento que mais fortemente fundamenta as especulações positivasda sociedade da informação. É ela que incorpora, na essência doparadigma, a idéia de �aprendizagem�. A capacidade de reconfiguraçãodo sistema refere-se à maior disponibilidade para a incorporação damudança. A noção de �aprendizagem� passa a ser empregada em váriosníveis, sendo o organizacional sua aplicação de maior significado nareestruturação capitalista no novo paradigma.

Obviamente, a flexibilidade também dá fundamento às expectativasde contínua �adaptação de trabalhadores e consumidores, produtores eusuários, o que coloca o contínuo aperfeiçoamento intelectual e técnicocomo requisito da sociedade da informação.

A convergência tecnológica reforça os efeitos da sinergia decorrenteda penetrabilidade das tecnologias na sociedade da informação. Daí éfácil compreender a fascinação (e o temor) com uma utópica sociedadeinformatizada em que não apenas o desenvolvimento tecnológico parecenão ter limites nem desacelerar e, dessa forma, alterar continuamente todosos processos que afetam a vida individual e coletiva. Se a corrida espacialfrustrou a imaginação popular de viagens interplanetárias ao alcance detodos no século XXI, os avanços da telemática e da microeletrônicaprometem colocar ao alcance da mão facilidades nunca antes imaginadasem termos de bem-estar individual, lazer e acesso rápido, ilimitado eeficiente, ao rico acervo do conhecimento humano.

As características do novo paradigma justificam, para alguns analistas,a crença de que a sociedade da informação será completamente diferenteda sociedade industrial e que podemos aguardar para breve a�computopia�, bastando que compreendamos e direcionemos as forçassociais subjacentes.

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Uma formulação dessa visão idealizada é a de Masuda (1985), autordo Plano Japonês para uma Sociedade da Informação, publicado nos anos70. Nessa utopia, a tecnologia dos computadores terá como funçãofundamental substituir e amplificar o trabalho mental dos homens;permitirá a produção em massa de conteúdo cognitivo, informaçãosistematizada, tecnologia e conhecimento. A infra-estrutura pública decomputadores articulados em redes e bancos de dados substituirá oscentros de produção de bens como símbolo societário. A elevação dacapacidade educacional e técnica e de criação de novas oportunidadeseconômicas terá o papel desempenhado pela descoberta de novoscontinentes e aquisição de colônias na expansão do mercado da sociedadeindustrial. A liderança da economia será ocupada pela indústria intensivaem conhecimento. A produção de informação pelo próprio usuárioganhará grande espaço e importância na estrutura econômica. O maisrelevante sujeito de ação social será a comunidade de voluntários, não aempresa ou grupos econômicos, e a sociedade não será hierárquica, masmulticentrada, complementar e de participação voluntária. A meta socialserá a concretização do valor do tempo e não mais a criação de umasociedade de alto bem-estar. A democracia participativa substituirá osistema parlamentar e a regra da maioria e os movimentos sociais serão aforça por trás de mudanças sociais. Em seu estágio avançado, será umasociedade de criação de conhecimento. O globalismo, a harmonia entrehomem e natureza, a autodisciplina e a contribuição social serão osprincípios orientadores dessa sociedade (Masuda 1985: 620-625).

Embora o desenvolvimento nas sociedades da informação tenha logomostrado os exageros de uma tal utopia, traços semelhantes são aindaencontrados em formulações que procuram antecipar a direção dastransformações sociais em curso. É curiosa, por exemplo, a especulaçãode Tiffin e Rajansingham sobre as perspectivas que as novas tecnologiasoferecerão no campo da educação.

Os autores chamam a atenção para a sala de aula como um �sistemade comunicação que torna possível a um grupo de pessoas encontrar-se

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para falar sobre algo que desejam aprender, ver figuras e diagramas e lertextos que as ajudem a compreender. Numa sala de aula convencionalisto é tornado possível pelas paredes que dão proteção contra o barulhoe interferência externos, de forma que, aqueles que estão dentro dasala, podem ouvir e ver uns aos outros e também, no quadro-negro, aspalavras, diagramas e figuras sobre o assunto que está sendo aprendido.A questão é, pode a tecnologia da informação fornecer um sistema decomunicação alternativo que seja pelo menos tão eficiente quanto asala de aula convencional?� (Tiffin e Rajansingham, 1995, p.6). Arealidade de muitos países justifica uma resposta afirmativa: vários pontosremotos podem ser conectados graças à telemática em teleconferêncianas �salas de aula virtuais�, seja sob a forma audiográfica mais simplesou em videoconferências.

A emergência da tecnologia da realidade virtual (RV), na década de90, levou a previsões quase ficcionais da revolução no processo de educação.

A RV oferece-nos a possibilidade de uma turma encontrar-se naFloresta Amazônica ou no topo do Monte Everest; poderá permitir-nosexpandir nossa perspectiva de observação até ver o sistema solaroperando como um jogo de bolas de vidro à nossa frente, ou encolhê-la de forma a poder caminhar em meio à estrutura atômica como se elafosse uma escultura num parque; poderemos entrar na realidade virtualficcional no papel de um personagem de uma peça, ou na realidadevirtual não ficcional para acompanhar um cirurgião na exploraçãomicroscópica do corpo humano. Usaremos essa extraordinária tecnologiapara fazer avançar o modo pelo qual aprendemos, ou a utilizaremospara criar versões virtuais de salas de aula convencionais? (Tiffin eRajansingham, 1995, pp. 7 e 8).

Em sua especulação, Tiffin e Rajansingham imaginam �Shirley�, a�aprendiz autônoma� da futura sociedade da informação, vestida em suaroupa digital e com seu capacete ajustado, assistindo Laurence Olivierinterpretar Hamlet num velho filme preto e branco, uma atividade docurso �Encenação de Peças de Shakespeare�. Comparando as diferenças

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entre a encenação do filme com a teatral, ela se indaga sobre comoteria sido a encenação original. Onde era Elsinore?

�Pare�, ela diz, e o filme mantém a imagem da amurada na aberturada cena do fantasma. �Mapeie�, e la pede, e depois , �Mostre aDinamarca�. Em seguida, ordena �Busque Elsinore� e... lá está, exatamenteonde a Dinamarca e a Suécia se defrontam, separadas por uma faixa deágua. �Deve ter sido uma posição muito estratégica�, pensa e vê que onome em dinamarquês era Helsingor. Com o dedo, circula Elsinore e,então diz, �Mostre�, e lá está a vila com o terminal do barco detransporte e, numa península ao lado do porto, o castelo. Em seguida,ela circula o castelo e recebe uma planta baixa de todo o terreno eedificações. Neste ponto, entretanto, uma janela se abre num dos ladosdo plano com os seguintes dizeres: �Castelo de Helsingor, InformaçãoProprietár ia do Governo Dinamarquês. Serviços de informaçãodisponíveis. Todos os principais cartões de crédito são aceitos...� (Tiffine Rajansingham, 1995, pp.145).

Apesar das limitações impostas pela apropriação da informaçãorelevante, a especulação dos autores nos garante que Shirley consegue�entrar� no castelo e percorrer os lugares correspondentes às referênciasfeitas em Hamlet , à medida que a peça é virtualmente encenada,escolhendo ora a posição de �platéia�, ora de ator...

Sem precisar recorrer a formulações utópicas, como asrepresentadas pelas especulações de Masuda ou Tiffin e Rajansingham, areflexão sobre as potencialidades do novo paradigma permite responderà pergunta que inicia esta seção. É desejável promover a sociedade dainformação porque o novo paradigma oferece a perspectiva de avançossignificativos para a vida individual e coletiva, elevando o patamar dosconhecimentos gerados e utilizados na sociedade, oferecendo o estímulopara constante aprendizagem e mudança, facilitando a salvaguarda dadiversidade e deslocando o eixo da atividade econômica em direçãomais condizente com o respeito ao meio ambiente.

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DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DE SOCIEDADES DA INFORMAÇÃO

Exageros especulativos à parte, é preciso reconhecer que muitasdas promessas do novo paradigma tecnológico foram e estão sendoreal izadas, part icularmente, no campo das apl icações das novastecnologias à educação. Educação a distância, bibliotecas digitais,videoconferência, correio eletrônico, grupos de �bate-papo�, e tambémvoto eletrônico, banco on-line, video-on-demand, comércio eletrônico,trabalho a distância, são hoje parte integrante da vida diária na maioriados grandes centros urbanos no mundo.

A satisfação com tais avanços, no entanto, não deve impedir-nosde identificar áreas de preocupação com a direção e o ritmo da mudança.A sociedade vem observando com atenção a evolução histórica do novoparadigma da informação, e externando, em cada etapa dessedesenvolvimento, suas preocupações reais ou infundadas com asimplicações sociais das novas tecnologias. Independentemente deaceitarmos ou não a concepção da �neutralidade� ou �ambivalência� datecnologia, não se pode ignorar as questões éticas relacionadas a ela.

Os desafios da sociedade da informação são inúmeros e incluemdesde os de caráter técnico e econômico, cultural, social e legal, até osde natureza psicológica e filosófica. Alguns autores, como Leal (1996)chegam a formular os desafios éticos da sociedade da informação emtermos de uma múltipla perda: perda de qualificação, associada àautomação, e desemprego; de comunicação interpessoal e grupal,transformada pelas novas tecnologias ou mesmo destruída por elas; deprivacidade, pela invasão de nosso espaço individual e efeitos da violênciavisual e poluição acústica; de controle sobre a vida pessoal e o mundocircundante; e do sentido da identidade, associado à profunda intimidaçãopela crescente complexidade tecnológica. Já outros, como Brook e Boal(1995) dedicam-se a examinar estratégias de resistência para, como umnovo �luddismo�, lutar contra os aspectos perniciosos da tecnologia virtual

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acusada de disseminar na sociedade a utilização de um simulacro derelacionamento como substituto de interações face a face e contra a alegadausurpação, pelo capital, do direito de definir a espécie de automaçãoque desqualifica trabalhadores, amplia o controle gerencial sobre otrabalho, intensifica as atividades e corrói a solidariedade.

Algumas das preocupações acima têm sido transformadas com oavanço do novo paradigma, incluindo as ações dos movimentos sociaisem reação às implicações consideradas socialmente inaceitáveis. Odesemprego tecnológico e a desqualificação do trabalho, por exemplo,tendem a ser contrabalançados pelo próprio aprofundamento dastransformações do paradigma, o que inclui uma reestruturação sistêmicado emprego e a requalificação dos trabalhadores. Em alguns outros casos,como a perda da privacidade, a sociedade tem-se mobilizado parapromover o que Leal identif ica como o �comportamento normalresponsável�, inclusive por meio de legislação adequada para protegeros direitos do cidadão na era digital. A perda do sentimento de controlesobre a própria vida e a perda da identidade são temas que continuampreocupantes e que estão ainda por merecer estratégias eficientes deintervenção.

Uma questão ética do novo paradigma, não discutida por analistascomo Leal , Brook e Boal , diz respeito ao aprofundamento dedesigualdades sociais, desta vez, sobre o eixo do acesso à informação.O ritmo do avanço tecnológico no alvorecer do novo paradigma temsido, sob qualquer ótica, extraordinário. O ritmo de expansão da Internetno mundo levou apenas um terço do tempo que precisou o rádio paraatingir uma audiência de 50 milhões de pessoas (Quéau, 1999). A reduçãodos preços dos computadores por volume de capacidade deprocessamento facilitou grandemente essa difusão, mas não permitiu aindasuperar a relação entre nível de renda e acesso às novas tecnologias. Osdados a seguir ilustram o contraste em relação ao acesso à informaçãopelas populações de países industrializados e em desenvolvimento.

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Dispondo de uma população algumas vezes maior, os baixos níveisde renda per capita nos países em desenvolvimento refletem-se em alta taxade analfabetismo adulto, baixo acesso à educação formal avançada e àtecnologia da informação, tanto convencional quanto moderna.

O nível de agregação dos dados anteriores esconde diferençasimportantes dentro do mundo em desenvolvimento, mas mesmo para oterço mais avançado dentre eles, aplica-se a advertência de Mansell e Wehn(1998, capítulo 13) para os quais o papel das tecnologias de informação naconstrução de uma �sociedade do conhecimento� inovadora poderá sermuito relevante e contribuir para o desenvolvimento sustentado, mas seráacompanhado de muitos riscos. Nesses países, em especial os de nível médiode renda � grupo em que se enquadram muitos dos países da América Latinae Caribe � as novas tecnologias e seus usos requerem investimentos naelevação das capacidades tecnológicas locais e no desenvolvimento dasinstituições políticas, culturais, econômicas e sociais. O avanço do novoparadigma dependerá de como serão resolvidas as tensões entre as culturase modos de organização social existentes e aquelas que começam a se tornardominantes. As sociedades desses países terão de adaptar suas estruturasinstitucionais para tratar questões importantes como a proteção dapropriedade intelectual. Terão também de examinar a conveniência deestabelecer um equilíbrio entre suas metas de exportação de produtos eserviços de maior conteúdo tecnológico com a criação de oportunidadespara ampliar a adoção local das novas tecnologias. Para Mansell e Wehn,�não se pode esperar de estratégias visando a acelerar a difusão do novoparadigma que erradiquem a pobreza, em curto prazo, e há riscos de queas novas políticas e investimentos nas aplicações das tecnologias deinformação introduzam novas forças de exclusão� (pp. 258).

Na sociedade globalizada em que avança o novo paradigma, aemergência de novas forças de exclusão se dá tanto em nível local quantoglobal e requer esforços, em ambos os níveis, no sentido de superá-las.Ações fundamentais nessa direção são as que promovem o acesso universal

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Fonte: UNESCO World Communication and Information 1999-2000. Report, p. 281.

tanto à infra-estrutura quanto aos serviços de informação a preçosaccessíveis. A conexão internacional dos países em desenvolvimento eaté da Europa está extremamente concentrada em poucos pontos de acesso.Como não há a exigência de que os operadores desses pontos de acessopartilhem os custos do circuito completo (até o ponto de acessointernacional e retorno ao ponto de origem), os provedores de serviçosde Internet nos países em desenvolvimento devem, na maioria das vezes,pagar pelos custos totais das ligações nos dois sentidos, o que encarece oserviço e restringe suas possibilidades de expansão (Quéau, 1999). Novasparcerias e políticas de cooperação internacional deverão ser elaboradaspara estimular o desenvolvimento e fortalecimento de redes intra-regionais. A instalação de backbones regionais de alta capacidade, por

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exemplo, permitiria ligar cada país a uma rede global de múltipla conexãoonde ninguém dominaria a conectividade.

O acesso universal ao conteúdo e a fontes de conhecimento apontapara a necessidade de resolver vários outros desafios. Um dos maisrelevantes, como apontam Mansell e Wehn, é o reconhecimento dosdireitos de propriedade intelectual. Do ponto de vista dos países emdesenvolvimento, uma delicada negociação com os editores deveriapermitir a extensão da legislação relativa ao �uso justo� aos recursosdisponíveis na Internet. A essa negociação dever-se-ia acrescentar açõesvisando a difundir, de forma eficiente, princípios �infoéticos� em relaçãoaos direitos de propriedade intelectual, inclusive na Internet. Uma outraquestão é elevar o volume de informação de qualidade e de domíniopúblico disponível na Internet no(s) idioma(s) de expressão da populaçãode cada sociedade. Isso envolverá convencer o governo e centrosprodutores de conhecimento financiados por recursos públicos atornarem disponíveis ao público as informações produzidas.

No campo educacional dos países em desenvolvimento, decisõessobre investimentos para a incorporação da informática e da telemática,implicam também riscos e desafios. Será essencial identificar o papelque essas novas tecnologias podem desempenhar no processo dedesenvolvimento educacional e, isto posto, resolver como utilizá-lasde forma a facilitar uma efetiva aceleração do processo em direção àeducação para todos, ao longo da vida, com qualidade e garantia dediversidade. As novas tecnologias de informação e comunicação tomam-se, hoje, parte de um vasto instrumental historicamente mobilizado paraa educação e a aprendizagem. Cabe a cada sociedade decidir quecomposição do conjunto de tecnologias educacionais mobilizar paraatingir suas metas de desenvolvimento.

O fluxo de informação e da transformação dessa informação emconhecimento está no âmago do mandato da UNESCO de contribuir para apaz e segurança por meio da promoção da colaboração entre as nações. O

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benefício da participação na sociedade global da informação requer umconsenso internacional dentro deste amplo mandato. O progresso daeducação, ciência e cultura é fundamentalmente o de compartilhar informaçãoe de criar novos meios de aprendizagem e conhecimento.

Em decorrência de seu mandato, a UNESCO tem atuado de formasistemática no sentido de apoiar as iniciativas dos Estados-Membros nadefinição de políticas de integração das novas tecnologias aos seus objetivosde desenvolvimento. Na UNESCO, o Programa Geral de Informação (PGI)e o Programa Intergovernamental de Informática (PII), hoje fundidos noPrograma Informação para Todos, enfeixavam as ações desse organismointernacional em duas áreas principais, conteúdo para a sociedade dainformação e �infoestrutura� para esta sociedade em evolução, por meio dacooperação para treinamento, apoio ao estabelecimento de políticas deinformação e promoção de conexões em rede.

No espírito da Declaração Universal dos Direitos do Homem,que constitui a base dos direitos à informação na sociedade dainformação, e levando em consideração os valores e a visão delineadosanteriormente, o novo Programa Informação para Todos deverá proveruma plataforma para a discussão global sobre acesso à informação,part ic ipação de todos na sociedade da informação global e asconseqüências éticas, legais e societárias do uso das tecnologias deinformação e comunicação. Deverá prover também a estrutura paracolaboração internacional e parcerias nessas áreas e apoiar odesenvolvimento de ferramentas comuns, métodos e estratégias para aconstrução de uma sociedade de informação global e justa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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9. UNESCO. (Paris). World communication and information 1999-2000report. Paris, 1999.

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Quem está Escrevendo o Futuro � o Papel da Mídia69

É missão da UNESCO atuar em favor da liberdade de expressão,por meio de palavras ou imagens, como parte integrante de seu objetivomaior que é o de lutar pela manutenção da paz no mundo. Mas a liberdadede expressão e do livre trânsito de idéias não pode se dar em detrimentodos direitos humanos, sobretudo das crianças e jovens, a quem, afinal,pertence o futuro do mundo. Com isso em vista, a UNESCO estabeleceuum campo de ação imediata: a prevenção e o combate à violência namídia, incluindo a Internet.

Nesse contexto é que a UNESCO ajudou a criar, em 1998, o FórumBrasileiro de Ética pela Infância e Juventude na Internet, o ForÉtica, por meio deparceria estabelecida entre várias Organizações Não-Governamentais,personalidades e instituições diversas, com o objetivo de prevenir ecombater a divulgação e incitação à violência na Internet, particularmenteo abuso sexual de crianças e adolescentes.

O caráter global da Internet e a extensão internacional dadisseminação de material contendo violência sexual contra criançasrequerem uma ação integrada em nível mundial, da qual as iniciativas doForÉtica,no Brasil, constituem apenas uma parte. O compromisso do ForÉticaé, antes de mais nada, com a defesa de crianças e adolescentes contra atosde violência.

69 Discurso pronunciado por ocasião do �Seminário Quem Está Escrevendo o Futuro � O Papelda Mídia�, durante a Mesa-Redonda �As Perspectivas para o Século 21 e o Papel da Mídia naConstrução do Futuro�, Brasília, DF, em 28/06/2000.

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As soluções para o problema que nos reúne nesse Fórum parecemapontar em três direções:

A primeira, é a repressão conjugada à mobilização da sociedade e àresponsabilidade ética dos provedores.

A segunda, é mais centrada na prevenção pela conscientização depais, professores, estudantes, crianças e adolescentes e pela disseminaçãode instrumentos de filtragem, administrados por famílias e escolas.

A terceira, é o estabelecimento de linhas de emergência na própriaInternet e, principalmente, fora dela, nas escolas ou nas prefeituras, ligadasdiretamente à Polícia para registro de reclamações e denúncias e paraatendimento imediato às vítimas.

Um outro aspecto relativo à violência contra crianças e adolescentesé o impacto da mídia sobre grande parte da população. O �Estudo Mundialda UNESCO sobre Violência nos Meios de Comunicação� revela que mais de 90%das crianças têm acesso a um televisor, o que pode facilitar possíveisinfluências negativas na formação moral e cultural de crianças e jovens. Ocoordenador desse estudo, o professor alemão Jo Groebel, afirma quenão se pode negar o mal que a televisão, em alguns casos, faz à infância e,apesar de haver recolhido dados preocupantes, Groebel vê algumas saídas.Duas delas: família e escola. Muito diálogo, orientação e reflexão sobre oque se vê na mídia são essenciais. A educação para a mídia seria umadisciplina aconselhável. Mas a censura, segundo ele, não é desejável emuma sociedade democrática.

No sentido de mobilizar os setores de rádio, jornal e TV para asquestões relativas à violência contra crianças e adolescentes, a UNESCOtem tido uma atuação direta com os profissionais da mídia, sugerindo autilização desses espaços como campo de debates que despertem ointeresse pela política sadia e, também, de divulgação de iniciativasgovernamentais e não governamentais que indiquem soluções paraproblemas cotidianos.

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A imprensa, em geral, tem concedido pouco espaço às artes e àsciências, as quais configuram importantes componentes culturais, capazesde alterar todo um quadro social. É preciso que os jornalistas tenhamcada vez mais essa visão.

A UNESCO, preocupada com o conteúdo da mídia e suasconseqüências na vida de crianças e adolescentes, levou a debate públicoo tema, por meio da publicação �A Criança e a Violência na Mídia�, a qualdiscute questões sobre liberdade de expressão e acesso à informação.Demonstra, por exemplo, que a violência nos meios de comunicaçãocontribui para o desenvolvimento de uma cultura global agressiva e chamaa atenção para a necessidade de marcos de referência para a construçãode um projeto social para a juventude.

Por outro lado, na publicação �Inocência em Perigo: Abuso Sexual, PornografiaInfantil e Pedofilia na Internet�, a INTERNET figura como mais um meioempregado para o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes,na medida em que está se tornando o principal meio de intercâmbio sobrepornografia infanto-juvenil.

É preciso destacar que não são os meios os responsáveis pelas açõesde violência moral, intelectual e física contra jovens e crianças. São pessoasque utilizam mal esses meios. A violência é um produto da mente humana,desprovida de valores éticos imprescindíveis para a preservação da vida.Preocupada com a violência, a UNESCO coordenou e desenvolveupesquisas a respeito do tema no Distrito Federal, em Fortaleza, Curitiba eRio de Janeiro, com o apoio de diversos parceiros, envolvendo desdeagências governamentais, tais como a Secretaria dos Direitos Humanos doMinistérioda Justiça, organizações da sociedade civil como o Instituto Ayrton Senna,entre outras instituições internacionais, inclusive agências do sistema NaçõesUnidas, como UNAIDS, UNICEF, PNUD, UNDCP, FNUAP, entre outras.

As atividades de pesquisa desenvolvidas pela UNESCO e seusparceiros têm como finalidade conhecer melhor os problemas acima

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mencionados, a fim de mobilizar a atenção de instituições públicas,Organizações Não-Governamentais, empresas, bem como outras entidades,para a importância de esforços articulados em busca de soluções eficazescontra a violência que vem envolvendo e eliminando tantos jovens no Brasil.Esses estudos também contribuem para desencadear o debate e apresentarpropostas de resolução dos problemas que afetam crianças e adolescentes.

Mas, qualquer ação em prol da paz e dos direitos humanos pressupõeo envolvimento de todos os setores da sociedade: governos, sociedadecivil, empresariado. A violência atinge a todos, e todos devem unir-separa combatê-la. Isso deve ser feito hoje, para que não se comprometa ofuturo, ou melhor, para que haja realmente futuro.

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As Mulheres Fazem a Notícia70

Quero falar-lhes um pouco sobre a posição da UNESCO a respeitoda relação de gêneros no campo da comunicação. Nos próximos diasteremos a oportunidade de aprofundar essa questão. Espero que todosaqui presentes deixem esta Conferência com um novo ânimo e maisdispostos a encarar os desafios dessa profissão tão estimulante que é ade jornalista.

Para a UNESCO, a eqüidade de gêneros significa oferecer, amulheres e homens, a meninas e meninos, as mesmas oportunidades paraparticipar integralmente do desenvolvimento da sociedade e para atingira auto-realização. A eqüidade de gêneros, como componente essencialdos direitos humanos, é uma das chaves do desenvolvimento.

As mulheres têm sido um dos grupos prioritários da UNESCO,desde a 28ª Sessão da Conferência Geral da Organização, em novembro de 1995.Promover o livre intercâmbio de idéias e de conhecimento e o acessouniversal à informação têm sido preocupação permanente da UNESCO,desde a sua fundação.

A eqüidade de gênero nos meios de comunicação implica que osinteresses, preocupações, experiências e prioridades, tanto de homensquanto de mulheres, sejam incluídos nas coberturas feitas pela imprensa e

70 Discurso proferido por ocasião da �I Conferência Latino-Americana de Mulheres Jornalistas�,em Brasília, DF, em 03/05/01.

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que os responsáveis por essas coberturas sejam tanto homens quantomulheres. No entanto, na grande imprensa de muitos países do mundo,há poucas mulheres em posições de decisão e comando.

A UNESCO acredita que essa sub-representação feminina nos níveisde direção dos meios de comunicação é tanto um sintoma quanto umacausa da desigualdade entre os sexos e da discriminação contra as mulheres.A UNESCO também acredita que a comunicação pode ser uma forçamotora na promoção da responsabilidade feminina no desenvolvimento,em um contexto de paz e igualdade.

�As Mulheres Fazem a Notícia� é uma das iniciativas da UNESCO paraaumentar a participação das mulheres e seu acesso à expressão e às decisõesna mídia e nas novas tecnologias da informação. Também promove oequilíbrio e o retrato não estereotipado das mulheres nos meios decomunicação de massa. Esses dois objetivos fazem parte da �Plataformapara a Ação�, aprovada na 4ª Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Mulheres,realizada em Pequim, em setembro de 1995.

Os mesmos objetivos acima integram a �Plataforma para a Ação�, deToronto, por um melhor acesso das mulheres à expressão e à decisão namídia. �A Plataforma de Toronto� foi levada a cabo por grupos de cidadãos,associações de mulheres e profissionais de mídia, de várias partes domundo, que participaram do simpósio internacional da UNESCOintitulado �As Mulheres e os Meios de Comunicação � Acesso à Expressão e à Tomada deDecisões�, realizado em Toronto, no Canadá, de 28 de fevereiro a 3 de marçode 1995. Tratou-se de uma Conferência preparatória para a de Pequim.

Desde que as Plataformas, de Toronto e de Pequim, foram adotadas pelosEstados-Membros das Nações Unidas, as oportunidades para as mulheres, nocampo da comunicação, aumentaram significativamente. Houve progressostambém no combate à imagem negativa e estereotipada das mulheres, graçasa orientações profissionais, a novos códigos de comportamento, aoencorajamento de perfis mais justos das mulheres e, finalmente, ao uso de

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linguagem não sexista nos programas. No entanto, embora saibamos que emmuitos países, como o Brasil, os avanços sejam significativos, muito aindaresta a ser feito antes que se possa dizer que a igualdade de gêneros foialcançada nos meios de comunicação de todo o planeta.

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Educação para a Mídia: Responsabilidade de Todos71

Esta máxima vem sendo negada, diariamente, no mundo do show businessonde matar e morrer, das formas mais exóticas, parece render bilhões dedólares em todo o planeta. Na ficção do cinema, da TV, do videogame edas imagens da Internet, a violência explícita e gratuita é uma das maislucrativas formas de entretenimento. Brinca-se de matar. Brinca-se de morrer.Enquanto isso, no mundo real, crianças e jovens habituam-se a essabanalização da violência e, em casos extremos, imitam a ficção.

Foi assim, há poucos dias, com o menino de nove anos, morador deum bairro periférico do Distrito Federal, que esfaqueou a vizinha dois anosmais nova, três dias depois de assistir, impressionado, ao filme �BrinquedoAssassino 2�. O ato praticado pelo garoto de Brasília deixou perplexos osque conheciam e não esperavam dele tal atitude. Como de praxe, culpou-se a mídia. Mas seria ela a única responsável pelo que aconteceu?

Reações emocionadas à parte, sobre esse fato e outros semelhantes,há vários aspectos a considerar: o papel da escola, da família, da mídia(incluindo a imprensa e os produtores � autores de filmes, séries ouprogramas), do Governo e da sociedade. Todos somos igualmenteresponsáveis e vítimas do excesso de violência na realidade e na ficção.

Tome-se a responsabilidade da escola. Não existe, atualmente, uma�educação para a mídia� � ou seja, os professores, em geral, não orientam

71 Artigo publicado no jornal �A Tarde�, BA, em 7/10/2001.

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adequadamente os alunos para um melhor aproveitamento dos recursoseducativos da TV, do cinema, do vídeo, ou da Internet. Nem sempreeducam os estudantes do ponto de vista da estética e do conteúdo daprogramação oferecida. Isso ajudaria, de alguma forma, a formar umpúblico infanto-juvenil mais crítico e menos suscetível à influência, àsvezes negativa, dos meios de comunicação de massa.

Os pais, da mesma forma, confiam demasiadamente na �babáeletrônica� e deixam os filhos ver na TV tudo o que querem. Tampoucofazem em casa o papel de educadores. É preciso respeitar as recomendaçõesdo próprio Ministério da Justiça com relação à classificação dos filmes. Posturasemelhante deveria ser adotada em relação ao cinema, aos videogames eao uso da Internet. As crianças não podem escolher tudo o que desejamver e fazer. Necessitam de orientação mais adequada. Os pais não podemse furtar a esse papel.

A mídia eletrônica (incluídos provedores, sites, fabricantes devideogames, entre outros), por sua vez, não é �vilã� sozinha, emboratenha grande responsabilidade. Deveria ser mais criteriosa. Nesse sentido,a auto-regulação proposta pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos mereceser levada em consideração. Evidentemente, precisa-se considerar,também, as limitações comerciais das empresas (limitações legítimas ecompreensíveis). Mas a falta de critério não pode ser uma regra. Háenlatados que jamais deveriam deixar as �prateleiras�. São de qualidadesofrível. Por outro lado, há produções comerciais de excelente nível edetentoras de boas audiências. Mesmo os enlatados podem serselecionados, de forma que a violência não seja a única protagonista dohorário nobre. Há filmes românticos e de aventura que não chegam a serapelativos. É preciso levar em conta, igualmente, que o Brasil adquiregrande parte da produção atualmente exibida na mídia. Portanto, não éuma característica tipicamente brasileira consumir programas de baixaqualidade. Esses programas, muitas vezes, vêm do estrangeiro, onde sãoproduzidos. Seria necessário que em seus países de origem houvesse umaconscientização no sentido de se reduzir a produção em massa desses

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produtos de má qualidade. O argumento de que eles dêem lucro deveriater menos peso diante de comédias românticas ou super-produções, taiscomo Titanic ou A Lista de Schindler, por exemplo, igualmente comerciais,mas que não exploram a violência gratuita, tampouco o sexo explícito,recordes de bilheteria.

O papel do Ministério da Justiça é fundamental neste momento. Semdefender qualquer tipo de censura, a qual é inaceitável, o Governo podeser o estimulador e o mediador de uma espécie de pacto entre as empresasde comunicação para que todas disputem fatias de mercado sem apelarpara o excesso de violência. Se todas cumprirem o pacto, só terão a ganhar.

A UNESCO, tradicionalmente, defende a liberdade de expressão eé contra qualquer censura ou moralismo. Sabe, no entanto, por meio dediversas pesquisas, no Brasil e em outros países, que o excesso de violênciagratuita nos meios de comunicação contribui para o embrutecimento morale intelectual de crianças e jovens, sobretudo aqueles que vivem em ambientemais propício ao desenvolvimento de uma personalidade agressiva.

Por outro lado, se o produto ruim persiste é porque existeconsumidor para ele. Esse consumidor precisa conscientizar-se de queestá diante de um produto de segunda categoria, estética e eticamente. Aindiferença da sociedade diante de produtos de má qualidade épreocupante. Se um consumidor vai ao supermercado e leva um produtoestragado para casa, ele tem o direito de reclamar, e normalmente reclama� ou na própria loja ou no PROCOM. Mas, se recebe um produto desegunda linha, via TV ou via Internet, por exemplo, aceita-o passivamente.

Nesse sentido, a própria imprensa é responsável pela perpetuaçãodesse comportamento ao dar destaque a pseudo-heróis que empregam atruculência para vencer o adversário; ao dar espaço para futilidadeexcessiva; ou ao explorar escândalos pessoais, sem maior importância paraa vida social e política de um país. Converter a notícia em mais um aspectodo showbizz.

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Portanto, se cada ator social assumir sua parcela de responsabilidadesobre o que se veicula nos meios de comunicação, será mais fácil torná-los aliados da educação para a arte, a cultura, a ciência, o meio ambiente,os direitos humanos e, por conseguinte, a paz.

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Liberdade de Imprensa: o Exemplo deCarlos Heitor Cony72

Falar sobre liberdade de imprensa, em um local como este e parauma platéia como esta, é um privi légio e também uma grandeoportunidade. Afinal, a liberdade de imprensa é a própria essência daliberdade de expressão e o ambiente universitário não pode nunca viversem liberdade para exprimir seus conceitos, travar seus debates, aprofundaro conhecimento e buscar novas verdades.

A liberdade de imprensa é elemento fundamental das sociedadesdemocráticas. Nem sempre o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, dia 3 demaio, foi comemorado. Acredito que seja sempre bom comemorar estadata, como um simbolismo de tudo o que significa para os cidadãos alivre expressão.

É por isto tudo que estamos aqui hoje. Esse dia existe para noslembrar, sempre, que só com uma imprensa livre é possível denunciar oserros e corrigi-los. E que só com uma imprensa livre é possível tomarconhecimento de todas as idéias e informações que nos permitirão, comocidadãos, tomarmos as melhores decisões e escolhermos os caminhos quejulgarmos mais adequados.

Rui Barbosa falou, em conferência sobre A Imprensa e o Dever da Verdade,que não exagerava quem dissesse �que a imprensa é a garantia de todas asliberdades�.

72 Discurso proferido por ocasião da comemoração do �Dia Mundial da Liberdade de Imprensa�,em Brasília, DF, em 03/05/2002, no UniCEUB.

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A liberdade de expressão começa na escola. É em escolas como oUniCEUB, em Brasília, no Brasil e no resto do mundo, que os jovens buscamo conhecimento para se lançar à vida adulta e para enfrentar uma sociedadecada vez mais competitiva.

Neste processo de busca do aprendizado, neste ambiente de debate,a liberdade de expressão é fundamental. É impossível imaginar umafaculdade ou estudantes universitários sem liberdade para ensinar eaprender. Ou melhor, é até possível, pois, infelizmente, existem ou jáexistiram países onde a educação e a transmissão do conhecimento sedão sem a liberdade. E o resultado, vocês podem estar certos, é o piorpossível, pois educar sem liberdade é como limitar o oxigênio queprecisamos para respirar.

Para nós da UNESCO, que trabalhamos pela educação, pela ciênciae pela cultura em todo o mundo, a liberdade de debater, de transmitir oconhecimento, de exprimir toda a diversidade do conhecimento humanoé vital como o oxigênio. Em situações de conflito, a responsabilidadedos meios de comunicação de proporcionar uma informação independentee pluralista ganha ainda maior importância.

Eu dizia, ao iniciar estas palavras, que a liberdade de imprensa é aprópria liberdade de expressão. O melhor termômetro do grau deliberdade de uma sociedade é a sua imprensa, seus meios de comunicação.Se os meios de comunicação são totalmente livres para transmitir toda equalquer idéia ou informação, dentro do bom senso ditado pela ética epela responsabilidade, aí, sim, podemos dizer que temos uma sociedade,um país, realmente livre.

Imaginemos uma situação na qual a liberdade de qualquer um denós seja impedida, em seus níveis mais cotidianos, àqueles mais sofisticadosou complexos. Da possibil idade de reclamar de um produto quecompramos e que não atendeu às nossas expectativas, ao desejo de lutarpor mudanças estruturais em nossa sociedade. Sem meios de comunicação

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absolutamente livres, nem uma coisa nem outra seria possível. Se achamosalguma liberdade desrespeitada, sempre haverá defensores na imprensa,denúncias, protestos. É aos meios de comunicação que sempre recorremospara exercer, na plenitude, nossa liberdade. Sem imprensa livre, estácomprometido todo e qualquer exercício de liberdade, está inviabilizadaa própria democracia.

Meios de comunicação livres, desobstruídos de qualquerimpedimento político, ideológico ou econômico, permitem a circulaçãodas idéias, das informações e do conhecimento. Ou seja, é a liberdadeque mantém saudável uma sociedade, que permite a ela crescer,desenvolver-se e buscar a prosperidade, dentro do que a maioria dos seuscidadãos considera justo e correto.

Por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, reafirmamos queessa liberdade constitui um aspecto indispensável da liberdade deexpressão, noção mais vasta, direito que qualquer um adquire ao nascer eum dos fundamentos para o progresso humano.

Nossa comemoração inclui uma exposição de um dos melhoresfotógrafos do país, Ubirajara Dettmar, na galeria Luís Beltrão, aqui noUniCEUB. Esse fotógrafo apresenta cenas urbanas de Nova York, semprebuscando o ângulo certo, o momento perfeito para acionar a sua câmara.O fotojornalismo é elemento fundamental na diversidade da expressãodos meios de comunicação.

Foi, também, para comemorar o Dia 3 de maio deste ano e marcarjunto a vocês, estudantes universitários, o compromisso da UNESCOcom esta e todas as outras liberdades, que convidamos o escritor e jornalistaCarlos Heitor Cony para vir aqui ao Ceub expor suas idéias e debater.

Cony é um dos melhores escritores e jornalistas brasileiros, alémde ser integrante da seleta lista de imortais da Academia Brasileira de Letras.Alguém que faz da palavra sua ferramenta diária e para quem a liberdade

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de imprensa é o oxigênio essencial a que me referi. Atravessou momentosdifíceis neste País, quando não havia esta liberdade que hoje parece tãonatural, mas que, quando não temos, é que mais valorizamos. É olhandopara o passado que percebemos que não podemos nunca deixar de valorizara liberdade de hoje.

Carlos Heitor Cony é um humanista no sentido mais puro da palavra,daqueles que, mesmo céticos e muitas vezes decepcionados com o serhumano, não vêem outra saída a não ser acreditar neste mesmo ser humano.Humanistas como Cony só são possíveis com liberdade.

Seus livros, suas crônicas nos jornais, suas participações no rádio ena televisão, são exemplos diários do bem imenso que a liberdade deimprensa faz para todos nós. Cony critica, elogia, nos faz refletir, enfim,nos torna melhores.

Há um livro dele, talvez o mais conhecido, que é o Quase Memória.Um livro singelo e de homenagem a seu pai. Por sinal, jornalista de quem,certamente, herdou o talento e o gosto pela palavra escrita. Pois, emQuase Memória, Cony cita uma frase que seu pai repetia todas as noites, aodormir, como uma espécie de estímulo diário a si mesmo. Dizia o pai deCony: �Amanhã farei grandes coisas�.

Eu acho que é este espírito � de que podemos e devemos fazer grandescoisas � que deve nortear vocês, estudantes universitários. Os sonhos e asutopias estão aí para serem alcançados. E a liberdade, que nós hojehomenageamos na figura deste grande homem de idéias que é Carlos HeitorCony, será sempre fundamental para que vocês alcancem grandes objetivos.