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CONSTRUÇÃO CONCEITUAL E PRODUÇÃO DE SENTIDO: UMA RELAÇÃO DE COEXISTÊNCIA NO ESPAÇO-TEMPO DAS APRENDIZAGENS 1 Camila Camargo Prates 2 PPGEdu/UFRGS [email protected] Margarete Axt 3 LELIC/UFRGS [email protected] Resumo Neste trabalho, objetiva-se analisar processos de construção de conceitos, em meio aos fluxos do sentido, em mapas conceituais e memoriais de conceitos em AVAs, para compreender como se comportam as construções conceituais, a partir de leituras teóricas de autores de referência, seguidas de conversações na rede. O estudo problematiza processos de investigação do virtual, da criação e da autoria em diferentes campos empíricos implicando seus respectivos saberes instituídos, bem como produção de modos de subjetivação emergentes. Inscreve-se no plano das aprendizagens, subjetivação, criação estética, produção de sentido e autoria. O recorte apresentado versa sobre análise dos mapeamentos das construções conceituais e suas constelações, a partir de enunciados em relação, na perspectiva das singularidades conectadas e dos coletivos em interação nas redes virtuais de convivência, de uma disciplina de um curso de Especialização em Informática na Educação, que se valeu de memoriais de conceitos e mapas conceituais como métodos avaliativos. A metodologia de composição do corpus e da própria análise segue orientações da pragmática enunciativa, em especial M. Bakhtin. Investigam-se os métodos avaliativos no transcurso da disciplina. Os resultados fornecem subsídios, da ótica de estudos em linguagem, no âmbito da EaD e presencial, para desenvolvimento de modos avaliativos individuais e coletivos. Palavras-chave: Avaliação da aprendizagem. Construção conceitual. Educação a distância. Produção de sentido. Mapas conceituais. 1 Este estudo liga-se ao Projeto Interinstitucional PROVIA, o qual integra o Laboratório de Estudos em Linguagem, Interação e Cognição (LELIC/UFRGS), que busca mapear efeitos do emprego de tecnologias digitais em distintos campos empíricos e contextos, delineando a emergência, nestas circunstâncias, de modos particulares de subjetivação, no plano da produção de sentido e da autoria, das aprendizagens e da construção do conhecimento. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação na Linha de Estudos em Arte, Linguagem e Tecnologia. Pesquisadora LELIC. Bolsista CAPES. 3 Docente nos Programas PPGIE/UFRGS e PPGEdu/UFRGS. Coordenadora do LELIC/UFRGS. Pesquisadora do CNPq.

CONSTRUÇÃO CONCEITUAL E PRODUÇÃO DE SENTIDO: UMA … · do cotidiano, num processo que a dialetizava, ora nesta seqüência, ora na inversa. Era preciso, portanto, Era preciso,

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CONSTRUÇÃO CONCEITUAL E PRODUÇÃO DE SENTIDO:

UMA RELAÇÃO DE COEXISTÊNCIA NO ESPAÇO-TEMPO DAS

APRENDIZAGENS1

Camila Camargo Prates2

PPGEdu/UFRGS [email protected]

Margarete Axt3 LELIC/UFRGS

[email protected]

Resumo Neste trabalho, objetiva-se analisar processos de construção de conceitos, em meio aos fluxos do sentido, em mapas conceituais e memoriais de conceitos em AVAs, para compreender como se comportam as construções conceituais, a partir de leituras teóricas de autores de referência, seguidas de conversações na rede. O estudo problematiza processos de investigação do virtual, da criação e da autoria em diferentes campos empíricos implicando seus respectivos saberes instituídos, bem como produção de modos de subjetivação emergentes. Inscreve-se no plano das aprendizagens, subjetivação, criação estética, produção de sentido e autoria. O recorte apresentado versa sobre análise dos mapeamentos das construções conceituais e suas constelações, a partir de enunciados em relação, na perspectiva das singularidades conectadas e dos coletivos em interação nas redes virtuais de convivência, de uma disciplina de um curso de Especialização em Informática na Educação, que se valeu de memoriais de conceitos e mapas conceituais como métodos avaliativos. A metodologia de composição do corpus e da própria análise segue orientações da pragmática enunciativa, em especial M. Bakhtin. Investigam-se os métodos avaliativos no transcurso da disciplina. Os resultados fornecem subsídios, da ótica de estudos em linguagem, no âmbito da EaD e presencial, para desenvolvimento de modos avaliativos individuais e coletivos.

Palavras-chave: Avaliação da aprendizagem. Construção conceitual.

Educação a distância. Produção de sentido. Mapas conceituais.

1 Este estudo liga-se ao Projeto Interinstitucional PROVIA, o qual integra o Laboratório de Estudos em

Linguagem, Interação e Cognição (LELIC/UFRGS), que busca mapear efeitos do emprego de tecnologias

digitais em distintos campos empíricos e contextos, delineando a emergência, nestas circunstâncias, de

modos particulares de subjetivação, no plano da produção de sentido e da autoria, das aprendizagens e da

construção do conhecimento. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação na Linha de Estudos em Arte, Linguagem e

Tecnologia. Pesquisadora LELIC. Bolsista CAPES. 3 Docente nos Programas PPGIE/UFRGS e PPGEdu/UFRGS. Coordenadora do LELIC/UFRGS.

Pesquisadora do CNPq.

2

1 Singularidades conectadas e coletivos em interação

A partir de uma disciplina em Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA),

estudamos processos de interação, colaboração e cooperação entre alunos e

professores, alunos e alunos, professores e professores, alunos e ambiente,

professores e ambiente. Acompanhamos percursos individuais neste espaço

coletivo para, a partir da verificação das construções conceituais no ambiente,

reconhecer métodos avaliativos empregados nos processos de ensino-

aprendizagem ocorridos neste contexto específico.

A referida disciplina foi realizada a distância na plataforma virtual

TelEduc4, plataforma esta com diversos recursos como chat (ambiente

síncrono para discussão), fórum (ambiente assíncrono), portfólio para

postagens de trabalhos e correio para postagens rápidas, utilizados para

mediar a interação do processo de ensino-aprendizagem da disciplina. Fez-se

uso também do Equitext5 e do Forchat6.

Dentre as proposições da disciplina, o memorial de conceitos aparece

como um organizador das aprendizagens de cada aluno. Na sua construção,

cada aluno analisou conceitos trabalhados ao longo da disciplina para

(re)pensar suas compreensões a respeito das temáticas abordadas. Outra

proposição da disciplina foi a construção de mapas conceituais, nos quais cada

aluno incluiu conceitos que considerou mais significativos ao longo das aulas,

criando uma rede pessoal de interligações conceituais. Mapas e memoriais

foram paralelamente elaborados pelos alunos e entregues ao grupo de

formadores em diversas etapas previstas no plano da disciplina, ou seja, foram

feitas mais de uma versão de cada material.

4 O TelEduc é um ambiente de ensino a distância pelo qual se pode realizar cursos através da internet.

Está sendo desenvolvido conjuntamente pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) e pelo

Instituto de Computação (IC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a partir de uma

metodologia de formação de professores construída com base na análise das várias experiências

presenciais realizadas por estes profissionais. O Nied acompanha progressivamente o desenvolvimento do

ambiente desde 1998. Servidor: teleduc.cinted.ufrgs.br. Versão 3.3.8. Pagina na Web:

http://teleduc.cinted.ufrgs.br/pagina_inicial/index.php. 5 Ferramenta utilizada para construção de narrativas coletivas, acessível em: http://equitext.pgie.ufrgs.br.

6 Ferramenta de comunicação síncrona e assíncrona desenvolvida no Laboratório de Estudos em

Linguagem, Interação e Cognição da Faculdade de Educação - UFRGS. O Forchat funde, num mesmo

espaço, simultaneamente, as funções de Chat, Fórum e Mural. Sua estrutura visa impulsionar e

potencializar os processos de produção de autoria, envolvendo a emergência de novos sentidos, bem

como uma construção conceitual, continuamente realimentada a partir de novas contribuições, tornando

visíveis novas e sutis diferenciações, novas e mais ricas composições. Acessível em:

http://www.lelic.ufrgs.br/forchat/index.htm.

3

Sob a metodologia da interação dialógica (AXT et al., 2006) - em que a

linguagem é entendida como meio instável de se estabelecer comunicação e

através da qual não se acredita haver um sentido único para a apreensão dos

conhecimentos -, a interação se dá pelos diálogos e não mais centrada nos

sujeitos. Tanto a metodologia da disciplina, quanto nossa metodologia de

pesquisa, seguem apreciações sobre dialogismo (M. Bakhtin) e apontamentos

sobre interações dialógicas na EaD (M. Axt), compreendendo que diálogo e

relações com o outro possuem papel fundamental para os sujeitos sociais, já

que os mesmos não existiriam fora dessas relações e desses diálogos. Ou

seja, tanto a metodologia de composição do corpus quanto da própria análise

seguem orientações da pragmática enunciativa de Bakhtin.

Respondibilidade e responsabilidade também são conceitos

bakhtinianos em que a disciplina pautou-se, observados, por exemplo, na

didática dos formadores, que tentam evitar atitudes impositivas - que poderiam

dificultar os processos de produção de sentido estabelecidos pelos alunos. Os

formadores, nesta metodologia, passam a fazer parte da constituição das

produções dos alunos, auxiliando-os na criação, sem dar-lhes respostas

prontas. Sendo assim, mesmo lendo os mesmos textos e discutindo os

mesmos conceitos, cada aluno construiu um mapa conceitual diferenciado. O

que em algum outro contexto poderia ser considerado errôneo, nesta disciplina

foi visto como diferente, pois se consideraram a historicidade, os sentidos

produzidos em cada um e seus variados pontos de vista.

Do mesmo modo, nós pesquisadores também produzimos sentidos nas

análises, implicando nossa subjetividade na tentativa de estabelecer diálogo

entre nossas vivências (e compreensões da metodologia), e os mapas

conceituais desenvolvidos pelos alunos. Neste caso, assim como nos

momentos de avaliação dos materiais dos alunos pelos formadores, o que se

considerou foi alguma progressão do aluno por ele mesmo: o que este aluno

(re)significou durante a disciplina e como se avaliou esta produção. Esse foi

nosso foco de análise.

4

Para a realização do trabalho analítico, baseamo-nos na metodologia da

análise contrastiva (BURNHAM, 2002)7 entre: (1) uma proposta adaptada de

mapas conceituais8 e (2) memoriais de conceitos de dois alunos da referida

disciplina, a fim de tornar evidentes os deslizamentos de sentido relativos às

construções conceituais de indivíduos (aleatórios) que participaram de um

mesmo contexto, porém, que obtiveram compreensões distintas a partir de

leituras teóricas de autores de referência, seguidas de conversações na rede.

Na ocasião da realização dos trabalhos, estes alunos puderam retomar seus

processos de aprendizagem, uma vez que puderam refletir sobre suas

construções conceituais ao longo da disciplina, repensando mais de uma

versão de seus mapas conceituais. E, por este motivo, também tratamos aqui

dos métodos avaliativos da disciplina, já que, conforme metodologia de

trabalho exposta acima, o método avaliativo poderia colocar em xeque uma

proposta como esta.

2 Avaliação da aprendizagem em EaD

O mito de que avaliar em EaD possa ser tão complicado que seria

impossível fazê-lo de “forma correta” é recorrente entre autores de pesquisa

deste tipo de processo. Entre professores universitários, muitos buscam

7 Trata-se de metodologia de análise de processos de tradução do conhecimento científico - conhecimento

privado a uma comunidade específica - já submetido a uma primeira tradução como conhecimento

escolar, para acesso a um público de não-cientistas: estudantes de nível médio. Partindo das contribuições

de Glaser e de Glaser & Strauss, o estudo levanta discussões críticas tanto em termos dos referenciais que

apresenta e das construções descritas, quanto para a retomada de uma questão maior: a das linguagens,

estruturas e processos metodológicos para tornar a disseminação do conhecimento na sociedade da

informação mais do que discurso retórico, na tentativa de transformação da sociedade da informação

numa sociedade da aprendizagem. Ocorre que não havia um processo de tradução direta do conhecimento

científico para o conhecimento escolar, nas situações observadas e a mediação implicou, então, em uma

tradução "de segunda mão": de conhecimento "escolar" de nível universitário ou básico a conhecimento

do cotidiano, num processo que a dialetizava, ora nesta seqüência, ora na inversa. Era preciso, portanto,

compreender como se dava o fluxo informação-tradução-conhecimento, nesse processo. Na leitura dos

mapas e memoriais de conceitos, nossa pesquisa utilizou semelhante processo de investigação, baseado na

análise da mediação produção-avaliação-conhecimento produzido, na relação alunos-formadores. Fonte:

http://www.dgz.org.br/jun02/Art_03.htm. 8 A expressão mapas conceituais foi inspirada na proposta de J. D. Novak, embora, nesta pesquisa,

cumpra uma função um pouco diferente. Enquanto, na proposta de Novak, vinculada a uma abordagem

piagetiana, compreendem-se os mapas como uma representação visual do conhecimento e preocupa-se

com as relações lógicas, semânticas, inclusive hierárquicas entre um dado grupo de conceitos, nesta

pesquisa, compreendem-se os mapas como constelações conceituais, vinculados a uma abordagem

bakhtiniana. Entende-se que os conceitos se ligam pelas relações de sentido e não se instituem sozinhos

ou isoladamente, um conceito se estabelece sempre na relação com outros conceitos, na corrente ou no

fluxo dialógico do pensamento e da comunicação marcada por um contexto específico.

5

justificativa no argumento de que “ninguém pode avaliar, senão ele próprio, o

trabalho de um profissional especializado em determinado campo do

conhecimento e com tantos anos de experiência” (ROMÃO, 2008, p. 47).

Porém, há que se pensar na avaliação do seu próprio desempenho,

conjuntamente como a avaliação dos alunos.

Na disciplina aqui analisada, com base na teoria bakhtiniana, a avaliação

esteve pautada, entre outros conceitos, no de excedente de visão, em que o

autor aborda que:

Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento (BAKHTIN, 2003, p. 23).

Ou seja, nesta tentativa de colocar-se no lugar do outro, a avaliação

ocorreria não apenas pelo conhecimento adquirido pelos alunos, mas também

em outros aspectos reflexivos e emocionais. Os alunos foram um a um

avaliados com base no seu próprio desenvolvimento ao longo da disciplina.

Sem relativismo absoluto, oportunizou-se o diálogo na colocação de variados

pontos de vista, questionando-se motivos para determinados entendimentos e

seus desdobramentos na relação com a teoria da disciplina - uso de termos e

conceitos previamente acordados como tópicos avaliativos, com coerência de

hipóteses e organização de ideias como critérios - em construção conjunta do

conhecimento, colocando o professor no papel de mediador:

[...] o processo de avaliação mediadora tem por intenção, justamente, promover melhores oportunidades de desenvolvimento aos alunos e de reflexão crítica da ação pedagógica, a partir de desafios intelectuais permanentes e de relações afetivas equilibradas (HOFFMANN, 2005, p. 23).

Tanto o procedimento avaliativo mediador dos formadores, quanto

nossas análises dos dispositivos metodológicos da disciplina, procuraram

colocar em evidência os modos de conhecer e aprender destes alunos no

ambiente telemático - neste caso, TelEduc, Forchat e Equitext -, apontando

como as tecnologias não são apenas meios - ferramentas para conhecer e

6

aprender -, mas são constitutivas do mecanismo do viver e da produção de

sentido destes alunos.

3 Mapeamentos das construções conceituais e suas constelações

Neste trabalho que chamamos de “mapeamento”, analisamos,

primeiramente, as construções conceituais e produções de sentido do aluno A9,

apresentadas através de mapas conceituais propostos na disciplina e

confeccionados por ele mesmo. Foram entregues duas versões de mapas,

conforme apresentaremos a seguir (item 3.1). Na segunda parte, que

denominamos “contraste entre produções singulares” (item 3.2), analisamos as

produções do aluno A em contraste com as do aluno B, não para compará-los

e definir qual aprendeu mais ou algo do gênero, mas pelo contrário, para

evidenciar que as avaliações não aconteceram na relação aluno-classe, e sim

do aluno por ele mesmo, já que sua subjetividade o fez construir um objeto

diferente do de outro colega e que isto foi aceito igualmente pelo professor.

3.1 Aluno A e Aluno A - Contraste entre produções individuais

Ao longo da escrita de seu memorial - e da disciplina como um todo -, as

indagações de ‘A’ (que ele mesmo chama de “arestas” da sua aprendizagem),

giram em torno da “existência ou não da relação dialógica no diálogo consigo

mesmo, no diálogo interior ‘monológico’, no silêncio”. O aluno diz que

discutiram o assunto na disciplina, mas que ele entende que para que a relação

dialógica exista de fato: “é preciso falar, é preciso verbalizar, é preciso

pronunciar o enunciado é preciso a presença de um ‘outro’. No silêncio, no

discurso consigo mesmo, sem produção verbal, não pode existir relação

dialógica”.

Estas foram algumas considerações do aluno A, que podem ser

visualizadas através do mapa que ora apresentamos:

9 No decorrer do artigo, vamos nos referir às produções do “aluno A” para a análise do desenvolvimento

em questão e “aluno B” para a análise contrastiva que virá a seguir, preservando seus anonimatos. Outros

alunos ou formadores que forem citados receberão uma letra como referência.

7

Aluno A e seus deslizamentos: Mapa conceitual I (Início da disciplina)

Passados alguns encontros, a questão do silêncio persiste para ‘A’, que

cria suas “saídas”, dizendo que “a responsabilidade e a respondibilidade não

acontecem no silêncio e também não acontecem sem a presença de um outro”

e diz que pensa assim mesmo conhecendo os trabalhos de Orlandi e Axt, que

dizem que o silêncio pode significar algo para alguém:

[...] No meu entender, a responsabilidade contém, ou possibilita, ou pressupõe a resposta do outro, o ser é construído em conjunto com o outro. [...]

Percebemos que, até este momento, ‘A’ encontra dificuldades em

compreender a questão do silêncio e do monológico. Mais adiante, o aluno A

retifica uma intervenção sua no fórum em que, após intervenção do formador

C, ele repensa o que havia escrito:

[...] quando o autor escreve o faz para um leitor virtual (imaginário), como para um amigo ou um adversário, e estará ou não sujeito a todo tipo de crítica e polêmica que o entendimento, a compreensão de sua obra poderá desencadear. Entretanto o leitor real, quase sempre, não está preparado para mergulhar fundo na viagem do autor e, mesmo que estivesse, ele estaria deslocado, por muitos motivos: por não pertencer a mesma época; por ser de culturas diferentes; regiões diferentes; ou terem visões diferentes sobre o mesmo assunto. [...]

O aluno A diz entender que são múltiplas as interpretações possíveis

quando se analisa um texto. Diz acreditar que não haja uma interpretação

correta e que cada pessoa busca no texto aquilo que lhe é útil em função de

seus próprios propósitos. Com isto, apresenta uma nova proposta de mapa:

8

Aluno A e seus deslizamentos: Mapa conceitual II (Avaliação final da disciplina)

Como expusemos anteriormente, conforme memorial do aluno A, para

que a relação dialógica exista “é preciso falar, é preciso verbalizar [...], no

discurso consigo mesmo sem produção verbal, não pode existir relação

dialógica”. A partir daí, inferimos uma relação possível - dentre tantas outras

relações possíveis - com os conceitos de singularidade e ouvinte/leitor:

Aluno A e seus deslizamentos: Mapa conceitual II (Ligações não-feitas)

9

Assim, como a proposta da disciplina foi de construir conhecimentos em

relação com os demais sujeitos envolvidos, podemos inferir que, o memorial do

aluno A, traz questões pontuais e discussões importantes. Os conceitos que o

aluno emprega no texto trazem hipóteses e argumentos consistentes. Há

momentos em que ele “pensa melhor” e resignifica esses conceitos. Estes

momentos, do nosso ponto de vista, podem ser considerados momentos de

aprendizagem.

3.2 Aluno A e aluno B - Contraste entre produções singulares

Os dois alunos analisados participaram de uma mesma disciplina, ou

seja, supõe-se que tenham realizado as mesmas leituras sugeridas pelos

professores, porém, obtiveram mapas conceituais bastante distintos.

O aluno A inicia com a palavra Bakhtin, de onde traz os conceitos de

autor, texto e relações dialógicas. Diz que as relações dialógicas são

relações de sentido que existem entre o enunciado e a realidade, que elas

pressupõem uma língua, mas não existem no sistema da língua. As relações

dialógicas, segundo o mapa, se estabelecem por si só, no simples fato de

ouvir, a palavra tem duas faces: precede de alguém e se dirige a alguém.

Sobre o autor, o aluno diz que é um criador, que depende de outros autores e

que responde ao meio social. O seu discurso é polifônico. Primeiro o autor

absorve, interioriza o discurso social e depois exterioriza através da língua

na interação social. Sobre o texto, o mapa mostra que pode ser visto sobre

dois pólos: no sistema da língua, que é reproduzível e independente do autor e

na teoria do texto, que é único, irreproduzível e inseparável do autor. No

primeiro pólo exprime elementos intralinguísticos e é desprovida de

propriedades dialógicas. No segundo pólo exprime elementos

extralinguísticos e pressupõe relações dialógicas. Relações estas que podem

ser visualizadas através do mapa apresentado anteriormente (no item 3.1 deste

texto).

10

Já o aluno B10 utilizou Comunidades Virtuais de Aprendizagem (CVA)

como fio condutor na construção de seu mapa, que entendemos ser assunto de

seu interesse, pois sua formação acadêmica é na área da educação. Os

conceitos que o aluno B utilizou no mapa foram: texto, relações dialógicas,

alteridade, autoria coletiva, diálogo, coletivo, individual, vozes, ação

colaborativa e ferramentas de interação, sendo que destes, os conceitos

mais utilizados, ou sobre os quais ele fez mais questionamentos ao longo da

disciplina, foram: alteridade, autor e texto. Eis o mapa apresentado por ele:

Aluno B e seus deslizamentos: Mapa conceitual II (Avaliação final da disciplina)

O mapa de ‘A’ mostra uma imagem de pensamento - ordenada e lógica

a seu modo - assim como a imagem de pensamento de ‘B’ parece-nos também

ordenada e lógica a seu modo. O aluno B usa conceitos que não foram

utilizados pelo aluno A, tais como: comunidade virtual de aprendizagem, ação

colaborativa, autoria coletiva, comunicação virtual, tecnologias digitais e texto

puro. O aluno B trata da autoria coletiva com o uso das tecnologias; já o aluno

10

Outras análises acerca das construções conceituais produzidas pelo aluno B encontram-se em: Posições

(efêmeras) de autoria e produção de sentido: estudos em um memorial de conceitos. Vide referência

completa ao final deste documento.

11

A trata da teoria de Bakhtin, estabelecendo ligações e conclusões sobre os

conceitos que esteve em dúvida ao longo da disciplina.

Nestas análises, apesar de os mapas conceituais apontarem, por vezes,

os mesmos conceitos - os dois alunos citam relações dialógicas e texto nos

seus mapas, por exemplo - cada aluno os relacionou com seu campo de

conhecimento. Desta forma, as posições enunciativas tomaram vieses

diferentes ao passo que potencializaram as construções conceituais do

coletivo.

Considerações

Nota-se que cada aluno desenvolveu uma trajetória de aprendizagem

única e relativa às suas áreas de interesse. A metodologia da interação

dialógica permitiu que as discussões fossem conduzidas dialogicamente,

propiciando a negociação de ideias. Assim os formadores geriam as

discussões: convidando os alunos para o diálogo, a fim de fazê-los pensar os

conceitos dentro de diferentes perspectivas, campos e áreas do conhecimento.

É neste âmbito que as ferramentas tornam-se interdependentes da

metodologia já que, através delas, podem-se oferecer condições favoráveis

para a negociação de ideias/sentidos, a cooperação, o respeito às

individualidades, os tempos e limites de cada um.

Nossa intenção, nestas análises, não foi de comparar os alunos em seus

desenvolvimentos singulares, mas sim de compreender, através dos processos

de mediação empregados, o processo de construção conceitual ocorrido no

coletivo da disciplina, que envolvia e permitia a busca de diferentes fontes de

informação e diversas formas de organizar o conhecimento, tanto a partir dos

referenciais científicos - textos acadêmicos, quanto daqueles do conhecimento

comum, a depender das circunstâncias da situação em foco (BURNHAM,

2002).

Espera-se que esses resultados forneçam subsídios, da ótica de estudos

em linguagem, no âmbito da EaD e presencial, para desenvolvimento de

modos avaliativos individuais e coletivos.

12

Referências

AXT, Margarete et al. Interação dialógica: uma proposta teórico-metodológica

em ambientes virtuais de aprendizagem. RENOTE: revista novas tecnologias

na educação. Porto Alegre, v.4, n.1, [10 p.], julho. 2006.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes,

2003.

BURNHAM, Teresinha Fróes. Análise Contrastiva: memória da construção de

uma metodologia para investigar a tradução de conhecimento científico em

conhecimento público. DataGramaZero: Revista de Ciência da Informação.

v.3, n.3, jun/02.

HOFFMANN, Jussara. O jogo do contrário em avaliação. Porto Alegre:

Mediação, 2005.

ROMÃO, José Eustáquio. Avaliação dialógica: desafios e perspectivas. São

Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2008.

ROQUE, Bianca. PRATES, Camila. AXT, Margarete. Posições (efêmeras) de

autoria e produção de sentido: estudos em um memorial de conceitos. In:

Seminário Internacional Linguagem, Interação e Aprendizagem e VII Seminário

Nacional Linguagem, Discurso e Ensino, 2010, Porto Alegre. Anais... Porto

Alegre: 2010, UniRitter, Curso de Letras/PPGLetras. Disponível em:

<http://www.uniritter.edu.br/eventos/linguagem/anais_artigos/ARTIGOS/C/Cami

la%20Prates%20Bianca%20Roque.pdf>. Acesso em: 13 mai. 2012.