Conto Cidade Sitiada (Daniel Pasini)

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  • 8/16/2019 Conto Cidade Sitiada (Daniel Pasini)

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    Era outono, mas as folhas não caíam, típico, o que os livros mostravam erasimplesmente uma imaginação distante. Tudo havia acabado, nós nãosabíamos o que fazer tanto quanto quando tudo tinha começado. Haviaresmungos de que era melhor continuar como est vamos, dava para ver asmesmas reaç!es nas pessoas, havia cheiro de descontentamento, mastamb"m havia cheiro de tinta impressa e de papel quente, de cigarro apagadoe de folhas secas.

    #azia vinte e um anos duzentos e vinte tr$s dias que a cidade estava sitiada, astr$s saídas fechadas e como ningu"m tinha necessidade de sair, não searriscavam atravessando o rio ou subindo as montanhas. % cidade erapraticamente sustent vel, só precisava de industrializados e de papel. %demanda por papel era absurda.

    &inha família era a mais rica da cidade naquela "poca e por isso monopolizavatodas as grandes formas de ganhar dinheiro. 'uando papai faleceu, dividiram opoder entre os quatro filhos. (obrou para mim o que achavam ser de menor valor) *s meios de comunicação. %chavam sem valor por que televis!es er dios não funcionavam mais, não me pergunte o por qu$.

    +assei quinze anos morando na gr fica da cidade, perto da redação do antigo ornal. 'uando tomei posse dela, havia começado a ler poesias e contos, voc$pode imaginar o que aconteceu...

    %s pessoas viviam tranquilamente, industrializados e papeis chegavam -cidade. 'uem mandava, eu não sei, mas eu pegava tudo o que podia empapeis. Trocas começaram a ser mais feitas do que vendas, menos tempo eragasto trabalhando e dormindo, as pessoas estavam mais tranquilas e comotinham pouco a fazer, liam e liam. Eu amava viver assim) ma cidade inteiralendo tudo o que eu escrevia e tudo o que eu achava interessante.

    %quela redação virou uma f brica de poesias, todos trabalhavam em casa, sóprecisavam entregar os escritos uma vez por semana e todos que quisessem,poderiam escrever. /ontos calavam a cidade, poesias faziam pessoas chorar

    nas praças e a leveza das pessoas era visível. Todos queriam ter os papeisimpressos para ler, virou um vicio, uma necessidade.

    0ada era mais importante que ler, faziam tudo lendo, comiam, bebiam,cagavam. (em ler uma atividade usual, lendo) m teatro imagin rio, ondenovas cores surgiam e reis largavam tronos por amor.

    0ada " mais saboroso do que acabar um livro, escrever uma poesia e acabar um conto. %s pessoas perceberam vivenciando um *asis de leitura.

  • 8/16/2019 Conto Cidade Sitiada (Daniel Pasini)

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    'uando abriram as saídas da cidade tudo mudou rapidamente. * estressevoltou a coabitar conosco, as televis!es ligadas o dia inteiro, ler voltou a ser perda de tempo e as pessoas agora estavam novamente presas ao quechamamos, nós da gr fica, de verdadeiro estado de sítio. 1 não dei2avamemoç!es entrar e sair.

    /omo ningu"m queria mais ler, tivemos de abandonar a gr fica, nossa fabricade poesias diminuiu de tamanho e abrang$ncia, mas nem por isso era menosimportante, nós próprios escrevíamos e líamos umas as dos outros. 0ada dissoprecisava ser contado se nos dei2assem em paz.

    Essa aqui chegou ho e pela manhã na cai2a de correio, o papel ainda estquente, não h remetente, letra grande, de forma, não est metrificada, dizassim) .