200
CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE Maria Luísa Lobo 2013/2014 Page 1 19 de Setembro Aula 1 e 2 Apresentação. Início da matéria sobre o contrato de compra e venda. PROF. PEDRO EIRÓ AULA DE MESTRADO O contrato de compra e venda é um contrato oneroso, uma vez que existe, através de um nexo de equivalência, uma equivalência entre os sacríficios e os benefícios para ambas as partes. As obrigações são independentes (art. 428.º CC), mas não tem de ser equivalentes. O preço é composto por um cariz subjectivo que é dado pelo vendedor e por um cariz objectivo que é dado pelo mercado. Se de acordo com o mercado um determinado bem encontra-se avaliado em um milhão de euros e o vendedor decide vendê-lo por dez euros, ainda assim estamos face a um contrato de compra e venda? É necessário analisar o animus das partes a fim de apurar se estamos face a uma doação ou não. Nestes casos, estamos face a um negócio misto (compra e venda e doação). Ao contrário do que se encontrava consagrado no Código de Seabra que procedia à referência a ‘’coisa’’ como sendo objecto do contrato de compra e venda, actuamente o art. 874º CC consagra (e bem!) que o que se compra e vende são direitos, que podem incidir ou não sobre uma coisa. São os direitos que são objecto do contrato de compra e venda, tendo estes como caracteristica o facto de serem patrimoniais, ou seja, susceptiveis de avaliação pecuniária. O art. 874º CC refere que se ‘’transmite a propriedade de uma coisa’’, sendo que neste caso está a fazer referência ao direito de propriedade, que como se sabe é o direito real máxime. CONTRATOS CIVIS PROFESSOR PEDRO EIRÓ FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA MESTRADO FORENSE 2013/2014 COMPRA & VENDA

Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 1

19 de Setembro – Aula 1 e 2

Apresentação. Início da matéria sobre o contrato de compra e venda.

PROF. PEDRO EIRÓ – AULA DE MESTRADO

O contrato de compra e venda é um contrato oneroso, uma vez que existe, através de um

nexo de equivalência, uma equivalência entre os sacríficios e os benefícios para ambas

as partes. As obrigações são independentes (art. 428.º CC), mas não tem de ser

equivalentes. O preço é composto por um cariz subjectivo que é dado pelo vendedor e

por um cariz objectivo que é dado pelo mercado.

Se de acordo com o mercado um determinado bem encontra-se avaliado em um milhão

de euros e o vendedor decide vendê-lo por dez euros, ainda assim estamos face a um

contrato de compra e venda? É necessário analisar o animus das partes a fim de apurar

se estamos face a uma doação ou não. Nestes casos, estamos face a um negócio misto

(compra e venda e doação).

Ao contrário do que se encontrava consagrado no Código de Seabra que procedia à

referência a ‘’coisa’’ como sendo objecto do contrato de compra e venda, actuamente o

art. 874º CC consagra (e bem!) que o que se compra e vende são direitos, que podem

incidir ou não sobre uma coisa. São os direitos que são objecto do contrato de compra e

venda, tendo estes como caracteristica o facto de serem patrimoniais, ou seja,

susceptiveis de avaliação pecuniária. O art. 874º CC refere que se ‘’transmite a

propriedade de uma coisa’’, sendo que neste caso está a fazer referência ao direito de

propriedade, que como se sabe é o direito real máxime.

CONTRATOS CIVIS – PROFESSOR PEDRO EIRÓ

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

MESTRADO FORENSE

2013/2014

COMPRA & VENDA

Page 2: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 2

Nem sempre o contrato de compra e venda implica a entrega da coisa, sendo esta a

razão pelo qual o art. 874.º CC não se refere a tal como efeito essencial da compra e

venda. Tal sucede nos casos em que se encontre em causa a transmissão da posição

contratual, o direito à imagem, o direito real de usufruto, títulos de crédito, direitos de

autor, etc.

O art. 939.º CC consagra que se deve aplicar o regime da compra e venda a outros

contratos onerosos, nomeadamente ao escambo ou troca e ainda nos casos de hipoteca e

penhor.

Nos termos do art. 879.º CC consagram-se os efeitos essenciais da compra e venda. Ao

contrário da entrega da coisa que pode nem sempre ocorrer (como já se verificou), o

preço pode não ter de ser pago após a celebração do contrato, uma vez que já foi pago

anteriormente, mas terá sempre de se verificar. A al. a) do art. 879.º CC refere-se ao

efeito translativo do contrato de compra e venda, mas é necessário conjugar este art.

com o art. 408º e 409º e atender às ‘’excepções’’ de reserva de propriedade (art. 409.º) e

às do n.º 2 do art. 408.º: a causa do efeito translativo assenta na celebração válida e

eficaz do contrato, pelo que mesmos nos casos referidos como ‘’excepções’’ trata-se

apenas de uma questão de tempo e não de causalidade.

Quando não se encontra em causa um direito real, e consequentemente não existe

qualquer coisa, existe à mesma um contrato real quoad effectum?

Segundo o PROF. PEDRO EIRÓ é necessário proceder à uma interpretação ampla do

que se entende por contrato real quoad effectum. Deste modo, entende-se por contrato

real quoad effectum aquele que produz o efeito transaltivo do direito, isto é, em que se

transmite a titularidade do direito.

Page 3: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 3

Sinalagmas entre os Efeitos Essenciais da Compra e Venda:

Entre o efeito translativo (al. a)) e a obrigação de pagamento do preço (al. c))

existe um sinalagma genético que se traduz no facto de a obrigação de

pagamento do preço só nascer no momento em que se transmite a propriedade

do direito.

Entre a obrigação de entrega da coisa (al. b)) e a obrigação de pagamento do

preço (al. c)) existe um sinalagma funcional com expressão no art. 428.º CC:

enquanto não se entregar a coisa (quando ela exista!), o comprador pode se

recusar a pagar o preço.

A obrigação de entrega da coisa (quando exista!) encontra os seus termos de

funcionamento regulados no art. 885.º CC, tendo para o efeito um regime diferente do

regime geral aplicável ao cumprimento e não cumprimento das obrigações, devendo-se

tal ao art. 428.º CC.

SISTEMA DO TÍTULO

– PORTUGAL (CIVIL)

SISTEMA DO MODO –

ALEMANHA

SISTEMA DO TÍTULO

E DO MODO –

BRASIL & PORTUGAL

(COMERCIAL)

A eficácia real opera por

efeito do contrato, ou seja,

basta a celebração válida e

eficaz do contrato de

compra e venda. É apenas

necessário o título

aquisitivo. Tratam-se de

negócios causais em que o

registo não é aquisitivo,

salvo nos casos de

aquisição tabular.

No caso de se tratar de um

bem móvel é necessário

que ocorra a traditio; no

caso de se tratar de um

bem imóvel é necessário

proceder ao regime.

Além da celebração válida

e eficaz do contrato é

necessário que ocorra a

traditio (bem móvel) ou o

registo (bem imóvel). No

caso de estarmos face a

acções nominativas é

necessário proceder ao seu

endosso; no caso de se

estarmos face a acções ao

portador é necessário

proceder à sua traditio.

Page 4: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 4

Ao contrário do que o PROF. MENEZES LEITÃO afirma ao dizer que não existem

vendas obrigatórias em Portugal, o PROF. PEDRO EIRÓ discorda, afirmando a sua

existência no caso dos valores mobiliários.

Note-se que o não cumprimento da obrigação de pagar o preço não perturba o efeito

translativo: os direitos reais tem se se encontrar establizados porque implicam com

todos, nomeadamente com terceiros; por sua vez, os direitos de crédito apenas têm

influência entre as partes. Trata-se de uma protecção da comunidade jurídica.

A solução estabelecida no art. 884.º CC, contrariamente ao que sucede no art. 753.º,

887.º, 888.º. 902.º e 992.º, não passa pela redução proporcional: sempre que se reduz o

valor da coisa a transmitir, regra geral, reduz-se proporcionalmene; contudo, na compra

e venda no que toca a avaliação de um bem parte-se do princípio que para o comprador,

em rigor, receber metade da coisa não tem necessariamente de ter um valor

proporcional.

PROF. PEDRO EIRÓ – AULAS DE LICENCIATURA

Existe contrato de compra e venda sempre que se transmite um direito (patrimonial)

mediante o pagamento de um preço (elemento essencial da compra e venda)

O Preço é uma avaliação subjectiva, mas o mercado dá a este o seu cariz objectivo.

▲ Se eu transmito o meu Código Civil por 20 euros à Maria, sabendo que o mesmo

vale 30 euros, só por ela ser minha amiga não se está face a um contrato de compra e

venda mas sim uma doação existe uma liberalidade, só vendo por 20euros porque ela

é minha amiga. Contudo se o transmitir porque preciso mesmo do dinheiro e a Maria

não dá 30euros neste caso já existe uma compra e venda.

O Objecto da Compra e Venda é um Direito Subjectivo.

▲ O Paradigma da Compra e Venda é transmitirem-se direitos de propriedade.

Nos termos do art. 879º al. b), um dos efeitos essenciais da compra e venda é a

obrigação de entregar a coisa contudo tal pode não acontecer ex: direito de crédito.

Nos termos do art. 874º, o que se vende são direitos subjectivos (não coisas)

mediante um preço!

Page 5: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 5

Nos termos do art. 874º, o objecto imediato da compra e venda é sempre um direito que

pode incidir ou não sobre coisas.

Qual é o regime do escambo ou troca?

Aplica-se o regime da compra e venda, devido ao art. 939º (atenção ao art. 892º). Nos

termos do art. 939º, as regras da compra e venda aplicam-se:

A contratos onde se alienam bens (troca)

A contratos com encargos (hipoteca e penhor)

Interpretação do art. 904º: ‘’à venda de coisa alheia como sendo própria’’ – pode

compreender uma de duas situações

Bens futuros (art. 408º/2)

Venda nula nos termos do art. 280º por impossibilidade legal do objecto

▲ nas regras do penhor é difícil encontrar a solução do penhor de bem alheio.

▲ da conjugação do art. 874º com o art. 939º resultam dois artigos importantes

relativos à compra e venda.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – o9. 10. 2003 (Documento 1)

Nos termos do art. 792º estabelece-se o risco.

Na Compra e Venda quando foi transferido o risco?

O Contrato de Compra e Venda é um contrato real quoad effectum e obrigacional quoad

effectum.

Nos termos do art. 879º estabelecem-se os efeitos essenciais da compra e venda, sendo

que na al. b) estabelece-se como efeito essencial a entrega da coisa vendida. Contudo tal

pode não acontecer (não existe essa obrigação para o vendedor), como por exemplo nos

casos de cessão de créditos ou da posição contratual não são direitos reais.

Situações de Compra e Venda de Direitos Reais em que não há a entrega da coisa:

Casos em que o comprador era o arrendatário – já é possuidor

Page 6: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 6

Situações de compra e venda de um direito real de propriedade em que a coisa

não está em poder do vendedor, não nascendo deste modo a obrigação para o

vendedor de entrega da coisa.

Pelo princípio da autonomia privada a coisa pode não ser entregue por acordo

das partes, ou seja estas podem combinar que não há a obrigação de o vendedor

de entregar a coisa porque o comprador a vai buscar.

Situações de compra e venda de um direito real de propriedade em que a coisa

está em poder do vendedor e combina-se que o vendedor nunca irá entregar a

coisa ao comprador. Exemplo: quadro da Mona Lisa na posse do vendedor e o

comprador aceita que esta fica em exposição no Museu do Louvre.

Prof. Pedro Eiró: a compra e venda não aceita a referida situação. Não é

uma compra e venda mas sim um negócio atípico, ao abrigo do Princípio

da Autonomia Privada, com lacunas e aplicação das regras da compra e

venda.

A situação referida no exemplo é lícita? Não se sabe se é legalmente

admissível. A compra e venda implica sempre que a natureza do direito

permita a entrega da coisa ao comprador.

Nos termos do art. 879º al. c) consagra-se como um dos efeitos essenciais da compra e

venda o pagamento do preço, sendo que este efeito só não se verifica quando o preço já

foi pago anteriormente. É uma situação diferente da constante na al. b) do mesmo

artigo, uma vez que esta pode mesmo não se verificar. Por sua vez, o preço tem de

existir sempre, podendo é já ter sido pago antes.

Nos termos do art. 874º consagra-se que a compra e venda é o contrato pelo qual se

transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito (art. 879º al. a) – a transmissão

da propriedade da coisa ou da titularidade do direito), mediante um preço (art. 879º al.

c) – a obrigação de pagar o preço) faz todo o sentido que o artigo 874º que consagra a

noção de compra e venda não se refira à obrigação de entrega coisa uma vez que esta

pode mesmo não existir como já foi referido.

Page 7: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 7

Ou seja, na compra e venda existe o efeito translativo e o preço tem de ser pago sendo

estes os elementos que fazem parte da noção de compra e venda consagrada no art.

874º.

O que é um contrato real quoad effectum?

É um contrato que produz efeitos reais.

Transmitindo-se, por compra e venda, um direito que não é real, o contrato de compra

e venda é real quoad effectum?

A única coisa que resulta do contrato de compra e venda é a transmissão da titularidade

do direito (art. 879º al. a)) que efeito é este?

Na opinião do Prof. Menezes Leitão não existem, no direito português, vendas

obrigatórias, ou seja não existe na compra e venda apenas a criação de obrigações.

Quer na legislação quer na doutrina muitas vezes trata-se a parte pelo todo: se o objecto

da compra e venda é um direito real a compra e venda é real quoad effectum, não

existindo venda obrigatória (≠ venda real).

Na opinião do Prof. Pedro Eiró, quando o Prof. Menezes Leitão refere o facto se não se

admitir a venda obrigatória ele está apenas a referir-se às situações em que o objecto da

compra e venda é um direito real. Quando o objecto da compra e venda não é um direito

real pode ocorrer a venda obrigatória.

E se quisermos abranger todas as compras e vendas, mesmo sem direitos reais?

Efeito real quoad effectum: só quando o objecto da compra e venda são direitos

reais. Quando o objecto da compra e venda não é um direito real não existe o

efeito real quoad effectum.

A eficácia real em sentido amplo corresponde à transmissão da titularidade do

direito em causa (art. 879º al. a). Direito que passa de uma esfera jurídica para

outra.

Page 8: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 8

O Efeito real corresponde a uma transmissão da titularidade do direito, eficácia externa

das obrigações torna todos os outros obrigados passivamente de não perturbar o

exercício daquele direito.

O art. 879º al. a) encontra-se relacionado com o art. 408º.

Quando no Acórdão se diz ‘’A compra e venda tem (…) natureza real quoad effectum,

operando-se neste sentido a transmissão da propriedade, em regra, por mero efeito do

contrato (…) conquanto do mesmo tipo de negócio resultem também os efeitos

obrigacionais da entrega da coisa e do pagamento do preço (…) não ficando todavia, a

verificação do efeito real dependente do cumprimento destas obrigações’’ significa

que o efeito translativo (real ou não) não depende, em regra, do cumprimento de

qualquer dos efeitos obrigacionais.

O art. 408º/2 não é uma excepção face ao nº1 do mesmo artigo: quando está em causa o

direito real máximo de propriedade o efeito translativo ocorre por mero efeito do

contrato.

Em que momento?

Mesmos nos casos do artigo 408º/2 (existe uma diferença temporal) o momento não

deixa de ser o momento da celebração do contrato. Os contratos de compra e venda são

reais quoad effectum, ocorrendo o efeito translativo por mero efeito da celebração do

contrato.

▲ Obrigação de Entrega da Coisa: segue as regras gerais da compra e venda quanto ao

lugar e tempo. Obrigação de Pagamento do Preço: é diferente.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 18. 09. 2003 (Documento 2)

A Compra e Venda é um contrato consensual quoad constitutionem, ou seja o critério é

o da constituição do contrato.

Para o contrato estar constituído/celebrado basta o acordo das partes ou exige-se a

traditio?

Segundo o Acórdão basta o acordo das partes, uma vez que a não entrega material da

coisa não implica com a celebração do contrato.

Page 9: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 9

A compra e venda não é um contrato real quoad constitutionem devido ao facto de a

entrega da coisa não ser efeito essencial (art. 879º al. b)). Podemos ter um contrato de

compra e venda celebrado ainda que sem a entrega da coisa.

Ao contrário do que sucede no direito alemão em que é necessário a entrega da coisa, o

ordenamento jurídico português consagra uma modalidade diferente.

O Efeito translativo no direito português ocorre por mero efeito do contrato, contudo

esse efeito pode não ser imediato à celebração do contrato (art. 408º/2).

O Efeito real produz-se pela celebração do contrato. O momento da produção de efeitos

é em regra o momento da celebração mas há a excepção constante do art. 408º/2.

Depois de analisar os vários sistemas estudar a venda de ação (Acórdão do Supremo

Tribunal de Justiça – 13. 05. 2008 (Documento 3))

Nos termos do art. 879º al. a) consagra-se o efeito translativo do direito.

Sistema de Transmissão do Direito Real

Sistema de Título: basta a celebração valida e eficaz do contrato

Sistema de Modo: basta a entrega da coisa

Sistema de Título e Modo: é necessário

Contrato de compra e venda (título)

Realização de formalidades essenciais (modo)

Traditio (bens móveis)

Registo (bens imóveis)

É diferente dos contratos reais quod constitutionem

O contrato já se encontra celebrado

No Direito Alemão vigora o Sistema de Modo. Os contratos são contratos promessa em

vez de verdadeiros contratos de compra e venda? Trata-se de uma compra e venda

meramente obrigacional, não tendo valor real uma vez que não existe efeito translativo

(art. 879º al. a). O vendedor tem a obrigação de transmitir a propriedade, uma vez que

Page 10: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 10

ele não é transmitida pela celebração do contrato. No sistema de modo existe um registo

constitutivo.

No sistema de título, para ocorrer a celebração do contrato é necessário apenas o acordo

das partes para a sua celebração contrato consensual.

O Prof. Carvalho Fernandes defende a teoria dos efeitos prático jurídicos.

O Comprador quer adquirir a titularidade/propriedade do bem, sendo que neste caso o

efeito jurídico assenta na consciência de se estar a vincular juridicamente a este.

No sistema de título os contratos quanto à constituição são meramente consensuais. Não

se exige a entrega da coisa porque o efeito real se produza.

O Sistema de Título encontra-se relacionado com o Princípio da Consensualidade, ou

seja consiste no facto de a manifestação da vontade assentar apenas no consenso entre

as partes.

É necessário distinguir entre contratos causais e abstratos:

Contratos Consensuais: existe uma justa causa de aquisição

Contratos Abstratos: Exemplo: cheque enquanto ordem de pagamento não é

discutida.

É o melhor para o direito comercial uma vez que cumpre melhor o Princípio da

Celeridade. Ou seja, existe no Direito Comercial sendo: (1) menor a exigência

de forma; (2) princípio da abstração; (3) internacionalização

Nota: título de crédito letras e livranças não são um negócio

Um Negócio Abstrato não é um negócio sem causa (todos os negócios têm uma

causa) – há negócios em que a causa interfere para efeitos mas na abstração em

regra não se pode identificar a causa.

Nos negócios causais, a causa tem de ser explicada para que o efeito se produza.

Page 11: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 11

No Sistema de Modo, em regra, só depois do registo é que ocorre a produção de efeitos

reais.

No Sistema de Título, existe o Princípio da Causalidade e da Publicidade Declarativa.

No Direito Comercial as coisas funcionam de um modo diferente Acórdão do

Supremo Tribunal de Justiça – 13. 05. 2008 (Documento 3).

O Referido Acórdão defende que na compra e venda de ações só o contrato não

transfere a titularidade de ações. Consagra-se assim um sistema de título e de modo,

sendo que este último, ou seja o modo, apoia-se no título válido (não é bem um negócio

abstrato).

A Compra e Venda de Ações encontra-se consagrada no Código dos Valores

Mobiliários. Vigora, como já se referiu, um sistema de título e de modo, sendo de ter

atenção que o modo não é forma do contrato.

▲ é incorrecto dizer ‘’no sistema jurídico português vigora o sistema de título’’

No Direito Civil Português vigora o Sistema de Título

No Direito Comercial Português vigora o Sistema de Título e de Modo

Nos termos do art. 879º al. a) o contrato de compra e venda produz o efeito translativo,

salvo exista reserva de propriedade sendo que neste caso mais tarde irá ocorrer o efeito

translativo a menos que a condição não se verifique.

Havendo um contrato designado de compra e venda mas sem efeito translativo é de

desconfiar uma vez que a implica a não obrigação de entrega da coisa.

Nos termos do art. 880º, em relação a coisa futura que nunca chegue a ser presente:

O efeito translativo não ocorre nem existe a obrigação de entrega da coisa nem

do pagamento do preço

Existe um caracter aleatório de obrigação de pagar o preço.

Page 12: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 12

Nos termos do art. 880º, não se esta face a um contrato de compra e venda (‘’Na

venda’’ – não se fala em compra e venda – ‘’Se as partes atribuírem ao contrato’’).

Tratam-se de realidades em que o direito incide sobre uma coisa.

Efeitos Obrigacionais – art. 879º al. b) c)

Nos termos do art. 879º al. b) há casos em que pode não se verificar a entrega da coisa

(já visto nas aulas anteriores, por exemplo direitos de crédito). Além de tal o art. 874º

não se refere à entrega da coisa.

Nos termos do art. 882º consagra-se o conteúdo da obrigação de entrega.

As partes quando celebram o contrato de compra e venda podem limitar o conteúdo do

mesmo. Tal resposta implica com a compra e venda de coisas defeituosas, ou seja

implica com o equilíbrio contratual.

Formas de o vendedor violar a obrigação de entrega:

Não cumpre de todo o contrato

Entrega realidade diferente da que foi combinado entregar aparentemente

cumpriu a obrigação mas cumpriu mal.

Problema: quando não há coincidência temporal entre a celebração do contrato e a sua

entrega.

Nos termos do art. 882º, não se trata diretamente do problema do risco, estando contudo

assente que contempla situações em que o tempo da venda coincide com o momento da

celebração do contrato. Exceção: coisas futuras ou indeterminadas.

Nos termos do art. 882º/1, quanto às coisas específicas qual é o momento:

Momento da celebração do contrato? Não é

Momento da transmissão do direito. Prof. Raul Ventura indica que nestes casos

ocorre quando uma coisa futura passa a presente, e uma coisa indeterminada a

determinada ocorrendo então a produção do efeito translativo consagrado no art.

408º/2.

Momento da Entrega

Page 13: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 13

A doutrina entende que não pode ser no momento da entrega, tem de ser num momento

anterior. Ou seja, é no momento da transmissão do direito.

Nas situações sem coincidência temporal, presume-se a responsabilidade do vendedor,

nos termos do art. 799º, existindo ainda o dever instrumento da compra e venda, dever

de custódia.

Nos termos do art. 882º/2:

Partes integrantes

Interesse exclusivo que abrange as partes componentes

Não abrange as partes acessórias

Frutos pendentes no momento da celebração

Os frutos percebidos entre o momento da celebração e o momento da entrega ou do

cumprimento da obrigação de entrega são necessários de entregar tal como acontece

quanto aos frutos pendentes?

Os Frutos percebidos podem compreender frutos naturais ou civis (rendas).

Existe ou não a obrigação de entrega dos frutos percebidos? O comprador já é titular do

direito no momento da celebração do contrato, pelo que os frutos percebidos devem ser

entregues – tal resulta não da obrigação de entrega da coisa, mas sim dos direitos do

proprietário.

Nos termos do art. 882º, não se encontram abrangidos:

Parte integrante da coisa após a venda

Frutos produzidos pela coisa depois da celebração do contrato (Prof. Pedro

Albuquerque)

Nestes dois casos não existe a obrigação de entrega da coisa, pois eles já são do

comprador que é o proprietário desde a celebração do contrato.

Page 14: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 14

Documentos

O legislador quer que o comprador possa exercer e beneficiar do conteúdo do direito

adquirido. Interessa o resultado da obrigação.

Os documentos, nos termos do art. 882º/3, respeitam à relação entre a coisa e o direito.

Tal abrange o documento essencial para a própria entrega da coisa? Neste caso não se

aplica o art. 882º/2, mas sim o nº1.

Os documentos probatórios do contrato consubstanciam um dever acessório de entrega

resultante da boa fé.

Embalagem

Exemplo: botija de gás embalagem necessária para a entrega do bem mas não é

objeto do contrato, cabendo por isso ao comprador a sua posterior devolução.

Com o cumprimento do objeto de entrega opera-se a transmissão da posse para o

comprador. Nos termos do art. 1264º e se não ocorrer a entrega da coisa?

A posse transmite-se por:

Via da entrega da coisa

Constituto possessório: se por qualquer motivo o vendedor não entregar a coisa

ele é detentor e o comprador possuidor.

Reações do comprador quanto ao incumprimento da entrega – dois tipos de ações:

Arroga-se da sua situação de proprietário – reação ao direito real de propriedade,

agindo contra o vendedor ou terceiro o que permite que o contrato de compra e

venda se mantenha intacto

Ação de incumprimento de uma obrigação

Efeitos Obrigacionais – art. 879º al. c)

Esta obrigação pode não existir como efeito, por exemplo nas situações em que o preço

já se encontra pago antes da celebração do contrato.

Page 15: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 15

Esta al. c) difere da al. b). Na al. b) a entrega da coisa pode mesmo nunca existir

(direitos de crédito), enquanto na al. c), o preço tem de ser sempre pago pode é ter sido

antes da celebração do contrato.

Em relação ao pagamento do preço, a primeira questão assenta em saber que obrigação

é esta em termos de classificações das obrigações: não tem sido admitida a possibilidade

do preço não ser uma quantia pecuniária, pelo que é regulado nos termos do art. 550º e

ss – o preço é em dinheiro.

Nos termos do art. 1544º do Código de Seabra estabelecia-se ‘’a pagar por ela certo

preço em dinheiro’’ – no actual Código Vigente esta ideia não é tão clara, uma vez que

não fala que o preço tem de ser pago em dinheiro.

Tal não significa que o comprador não possa satisfazer tal prestação pecuniária através

do outro modo, sendo valido o acordo celebrado entre o comprador e o vendedor depois

da celebração do contrato em que se acorda que em vez de se pagar uma determinada

quantia pecuniária se acorda a entrega de outro bem utilizando neste caso, por exemplo,

a figura da dação em cumprimento.

O que não podem é aquando da celebração do contrato dizer-se que se transmite o

direito mas acorda-se a entrega do bem.

Existem três efeitos essenciais da compra venda previstos no art. 879º: como se

relacionam entre si?

Nos termos do art. 885º, o legislador ao contrário do que fez com a obrigação de entrega

da coisa (é regulada pelas regras gerais das obrigações), a obrigação de pagamento do

preço prevista no art. 885º constitui uma excepção ao regime gera do cumprimento

consagrado no art. 774º (domicilio do credor).

Se as partes não tiverem estipulado que a entrega da coisa se fazia no domicílio do

credor, ou os usos não o estipularem, aplica-se o regime do art. 885º, que consagra que

o preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa. Tal relaciona-se com

a excepção de não cumprimento. Entre o pagamento do preço e a entrega da coisa

(quando ela existir) existe um sinalagma.

Page 16: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 16

Em que termos a transmissão da titularidade do direito (art. 879º al. a)) se encontra

relacionada com os efeitos essenciais do art. 879º al. b) e c), ou seja em que termos é o

primeiro fundamento dos segundos?

Num contrato com reserva de propriedade existe a obrigação de entrega da coisa? Sim,

podebasta as partes combinarem. Uma coisa é a reserva da propriedade, outra são as

obrigações (al. b) e c)) pelo que se pode aplicar o regime geral consagrado no art. 428º,

ou seja a excepção de não cumprimento (não se tem de entregar em coisa enquanto não

se pagar o preço)? Pode ser, mas não está absolutamente certo.

Ponto assente é que o art. 879º al. a) é fundamento da al. b) e c) mas onde está a base

legal de tal consagrada?

Uma coisa é saber quando nasce a obrigação e outra coisa é decidir-se quando a

obrigação que já nasceu tem de ser cumprida. Tratam-se de dois problemas diferentes.

Aplicando a excepção de não cumprimento, pressuposto é a existência da obrigação.

Contudo, o que se verifica na situação em análise a forma como a compra e vendaesta

programada os efeitos da al. b) e c) só serem constituídos quando se verificar o efeito

translativo previsto na al. a).

O efeito translativo se já ocorreu à partida já nasceu a obrigação de pagar o preço. A

base legal de tal encontra-se no art. 874º (transmissão do direito e pagamento do preço).

Inelutavelmente o contrato de compra e venda assenta na transmissão de um direito e

consagra a obrigação de pagar o preço: uma é consequência da outra.

Nos termos do art. 879º, a al. a) faz a nascer as obrigações, enquanto que as al. b) e c)

são relativas ao cumprimento das obrigações, podendo ocorrer a excepção de não

cumprimento.

Segundo o Prof. Menezes Leitão no art. 879º existem dois sinalagmas:

Al. a) e al. c): existe um sinalagma genético, ou seja a al. a) faz nascer a

obrigação.

Al. b) e c): existe um sinalagma funcional, não se relaciona com a criação da

obrigação, mas sim com a execução das obrigações. Funciona de modo a

Page 17: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 17

ninguém ser obrigado a cumprir uma restrição a que está obrigado enquanto não

for cumprida a obrigação para com ele.

Nota: existindo uma situação de cláusula de reserva de propriedade, não ocorrendo a

transmissão da propriedade enquanto não se pagar o preço, mas não estando o devedor

obrigado a pagar o preço enquanto não ocorrer o efeito translativo como se resolve a

situação?

A verdade é que nas situações de reserva de propriedade combina-se o momento do

efeito translativo do direito que coincide com o pagamento do preço.

Quanto à compra e venda, sem reserva de propriedade, o que se retira da noção e da

técnica jurídica utilizada pelo legislador no art. 879º?

A obrigação quer de entrega da coisa quer de pagamento do preço só surge na esfera

jurídica do comprador e do devedor com o efeito translativo do direito. Ou seja, não se

discute a excepção de não cumprimento antes da obrigação nascer, o que significa que o

comprador não tem de pagar o preço antes de adquirir o direito não se trata de

excepção de não cumprimento, mas sim de ainda não ter nascido a obrigação na sua

esfera jurídica.

Nascendo a obrigação, o comprador tem duas hipóteses:

A coisa já foi entregue? Tem de pagar o preço

A coisa ainda não foi entregue? Pode invocar a excepção de não cumprimento

Porque é que o vendedor tem a obrigação de entregar a coisa? Porque vendeu, ou seja a

compra e venda é a fonte desta obrigação.

O efeito transmissivo também faz nascer do vendedor a obrigação de entrega da coisa

(quando ela existe), sendo que se o preço ainda não foi pago ele poderá invocar a

excepção de não cumprimento consagrada no art. 428º.

Entrega da coisa: tem de estar completa (imagine-se a complexidade de uma máquina –

não basta entregar, é necessário montar; entrega por fases – só está completa na última

fase).

O art. 886º tem a seguinte importância:

Page 18: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 18

Dá uma prevalência ao efeito real ou transmissivo face aos efeitos obrigacionais

– reforça-se a ideia de que o efeito transmissivo, se for um efeito real puro e

duro, prevalece sobre os efeitos obrigacionais. mesmo não sendo cumprida a

obrigação de pagar o preço, o efeito transmissivo ou real mantém-se. Razões:

Estabilidade das situações jurídicas reais prevalece sobre as anomalias

nas situações obrigacionais razão principal segundo o Prof. Pedro Eiró

Prof. Calvão e Silva: com esta regra, acaba-se por se proteger os

mutuantes dos compradores.

Nos termos do art. 883º, quanto à determinação do preço, este pode não estar fixado. É

necessário ainda ter em consideração o art. 400º quanto à fixação da obrigação por parte

de terceiro.

Nos termos do art. 883º, o pressuposto é o preço não estar fixado por entidade publica

nem as partes nada o estipularem, pelo que segundo este artigo existem três regras:

Preço que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato

(prevalece sob o critério seguinte)

Preço do mercado ou da bolsa no momento do contrato

Recurso a juízos de equidade

Regra para a compra e venda civil (art. 456º do Código Comercial - não

se refere a equidade)

Nos termos do art. 883º/2, se as partes se repercutirem ao justo preço aplica-se o

disposto no nº1.

Nos termos do art. 400º é necessário saber como o mesmo se compatibiliza com o art.

280º, podendo ter problemas ao nível da determinabilidade.

Em sede de compra e venda, a doutrina tem entendido não quadra com a compra e

venda uma cláusula tipo ‘’pago-te o que o vendedor/terceiro disser’’. Um contrato como

uma cláusula deste género será uma compra e venda? Parece que não, é um contrato

atípico. Mas tal cláusula compatibiliza-se com o art. 280º?

Page 19: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 19

Em termos de compra e venda, o art. 400º acaba como critério último da equidade,

sendo a equidade a justiça do caso concreto. Na compra e venda só se colocava em

causa a equidade se não existisse nenhum critério que fizesse que não se conseguisse

aplicar a equidade.

Na compra e venda tal suceder, não é impossível, mas é muito difícil uma vez que existe

sempre um indicio que vai permitir um terceiro raciocinar o pagamento do preço em

termos de equidade, sendo tal indicio a aquisição do direito. Olha-se para o direito

transmitido e equaciona-se o preço.

Ou seja, o art. 400º na compra e venda tem sempre a contrapartida da aquisição do

direito o que permitira a aplicação do critério da equidade sem problemas do art. 280º.

A remissão para o art. 400º é pacifica e aplica-se sem problema, não havendo nenhuma

situação que justifique a aplicação da nulidade do art. 280º.

Interpretação do art. 400º/2:

Tem se entendido que tal se aplica a qualquer perturbação ou incorrecção no

processo de determinação do preço. Tem-se dado um âmbito genérico. Tanto se

aplica se o terceiro não determinou o preço ou se o terceiro determinou de

acordo com uma má aplicação dos critérios fixados pelas partes. Nestes casos,

aplica-se em primeiro lugar, os critérios fixados pelas partes e na falta destes dos

critérios estabelecidos no art. 883º.

Excepção: art. 466º do Código Comercial consagra-se que as partes

colocam a determinação do preço ao arbítrio de um terceiro. Deixa de ser

um poder discricionário e passa a ser um poder arbitrário. Sendo assim, o

tribunal não tem hipótese de verificar a utilização do critério.

Nos termos do art. 884º, consagra-se uma possibilidade de redução do preço. Coloca-se

a questão de saber como se determina o preço da parte reduzida.

Partes podem prever essa hipótese e aplica-se tal

E se tal previsão não tiver sido descriminada? Nos termos do art. 884º/2, a

determinação é feita por meio de avaliação. Tal é muito curioso se compararmos

Page 20: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 20

com outros preceitos que tratam de situações em que existe redução do objecto,

como por exemplo:

art. 791º (impossibilidade parcial do cumprimento da obrigação) que

consagra um critério de proporcionalidade;

art. 887º e 888º que consagra que uma venda assente em todas as arvores

assentes num pomar e determina-se o preço X por arvore sendo tudo

proporcional;

art. 902º que se refere dentro da venda de bens alheios (modalidade

especial da compra e venda) em que se chega à conclusão que uma parte

do objecto é alheia consagrando-se um critério de proporcionalidade;

art. 992º (contrato de sociedade), que nos termos do nº1 os sócios

participam nos lucros e perdas da sociedade segundo a proporção das

respectivas entradas aplicando-se então mais uma vez um critério

proporcional.

Interpretação do art. 884º/2:

Tem se defendido que ao remeter-se para o meio de avaliação que foi afastado o critério

da proporcionalidade. Razão: se o comprador recebe metade daquilo que foi objecto da

compra e venda, as utilidades que retira de metade do objecto podem ser ou não metade

daquilo que o objecto é. É um critério mais fiel à realidade. Mas porque é que é a

excepção e não a regra?

Relaciona-se com a natureza da compra e venda, nomeadamente com o facto de

o mesmo ser oneroso. Tem de existir um equilíbrio entre as duas prestações

(equivalência). A ideia é que o comprador e o vendedor depois do contrato

achem que o conteúdo das suas esferas jurídicas se mantem ou aumentem. O

caracter oneroso, segundo o Prof. Pedro Eiró, representa que o comprador tem

de entender depois da compra e venda, que a sua esfera jurídica ficou

Page 21: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 21

equivalente em termos patrimoniais. Se não o achar é porque não se celebrou

uma compra e venda.

A parte que merce maior protecção é a do comprador, uma vez que o vendedor

tem o domínio da coisa, do direito transmitido. Deste modo, as modalidades de

compra e venda são regimes protectores mais do comprador do que o vendedor.

Regimes mais intensos quanto maior for o desequilíbrio entre as prestações.

Exemplo: compra e venda de coisa defeituosa uma vez que se quebra a

equivalência objectiva entre as prestações; venda de bens alheios, sendo o

comprador um bocadinho mais protegido do que o vendedor, embora o vendedor

também possa desconhecer que o bem não é seu é mais natural o comprador não

tenha conhecimento nenhum sobre a situação.

Nos termos do art. 878º, consagra as despesas do contrato.

Regra: as despesas do contrato e outras acessórias ficam a cargo do comprador.

Despesas inerentes à celebração do contrato, e não de guarda ou de

embalagem da coisa uma vez que tais são da responsabilidade do

vendedor.

Acessórias como o transporte do notário para um sitio qualquer (pagar o

táxi cabe ao comprador)

Despesas provocadas pelo contrato, mas não inerentes ao mesmo, ou se combina

de maneira diferente ou correm por conta do vendedor.

Classificação do Contrato de Compra e Venda

1. Contrato Típico e Nominado

2. Contrato Oneroso

Equivalência entre os sacrifícios e benefícios sempre presente, nomeadamente no preço,

sendo este o valor (justo) da coisa. Sendo que justo é aquele que o comprador acha que

Page 22: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 22

merece a aquisição daquele direito, e que o valor pelo que o vendedor naquele caso está

disposto a perder aquele direito – cada contrato tem a justiça interna.

Teorias das Vontades fizeram surgir a celebre frase ‘’quem diz contratual diz justo’’ –

ideia de justiça interna do contrato, estando as partes em condições de exercer a

autonomia privada.

E quanto aos valores de mercado? Se toda a comunidade achar que vale 1milhão, se o A

vender a B por € 1 o que prevalece? Qual a influencia dos valores de mercado? Sendo

um preço de favor não se esta face a uma compra e venda mas sim a uma doação.

Segundo o Prof. Pedro Eiró, é necessário avaliar o animus do comprador e do vendedor.

Chegando à conclusão que as partes acharam que o preço era justo então estamos face a

uma compra e venda.

O valor do mercado pode indiciar preços de favor. Se existir um valor muito longe do

preço de mercado pode-se chegar à conclusão que o preço é de favor não se esta face a

uma compra e venda. Mas se as partes entenderam que quiseram fazer daquele preço em

termos de equivalência estamos face a uma compra e venda.

3. Sinalagmático

Existem dois sinalagmas: genético e funcional.

É necessário ter atenção ao regime particular do art. 886º e do art. 880º/2.

4. Consensual e não formal

Existe a excepção do art. 875º.

5. Consensual e não real quanto à constituição

Referido à cerca do efeito real. O único ponto a merecer alguma dúvida é saber se as

partes podem acordar numa compra e venda que o vendedor que tem a posse da coisa

não entregue nunca a coisa ao comprador. Prof Pedro Eiró tem as maiores das dúvidas

que tal seja uma compra e venda e que seja legal.

Page 23: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 23

6. Contrato Real Quoad Effectum

É necessário atender a duas questões:

É possível adoptar a linguagem de direitos reais a direitos não reais? O art, 79º

al. a) suporta tal.

Situações do art. 408º/2 e do art. 409º não excepcionam a eficácia real de um

contrato, uma vez que apenas regulam o momento em que o efeito se produz e

não a causa.

7. Comutativo ou Aleatório

Em regra, é comutativo. Contudo, existem duas situações consagradas no art. 880º/2 no

art. 881º:

Nos termos do art. 880º, consagra-se a compra e venda de bens futuros. Ambos

os números tem duas realidades substancialmente distintas:

Nº1: se o bem futuro nunca se tornar presente não existe nenhum efeito

da compra e venda que se produza. O chamado comprador não adquire o

direito, o vendedor não tem de lhe entregar a coisa e o comprador não

tem de pagar o preço. Então que contrato é este? Prof. Raul Ventura: isto

que se chama de compra e venda de bem futuro é um contrato de

formação – está se a formar um contrato de compra e venda se o bem se

tornar presente nascendo todos os efeitos do art. 879º.

Nº2: o legislador opta por dizer ‘’se as partes atribuírem ao contrato’’

(não diz que é um contrato de compra e venda). Ou seja, se este contrato

que as partes celebram e de que nasce a obrigação de pagar o preço

discute-se se é um contrato de compra e venda. Prof. Raúl Ventura: diz

que não se trata de uma compra e venda se não existir a transmissão do

direito, sendo este o grande efeito da compra e venda. O resto da

doutrina diz que é uma compra e venda sob condição, o problema é a

condição incidir sobre o elemento essencial da compra e venda ou seja o

Page 24: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 24

da transmissão do direito. Mas para a doutrina que entende que é uma

compra e venda estamos face a uma que possui um caracter aleatório.

Nos termos do art. 881º existe uma presunção de aleatoriedade. Imagine-se o

caso de o vendedor dizer que vende x direito pelo preço x mas não sabe se é

titular do direito – é um caso de titularidade incerta. De seguida, no momento de

celebração do contrato há que verificar se o vendedor era titular do direito. Se

sim, então tudo bem sim; se não, o direito não é transmitido mas o preço é

devido. Prof. Raúl Ventura: não é uma compra e venda, mas sim um contrato

atípico. Para a doutrina que ache que é um contrato de compra e venda estamos

face a um exemplo de compra e venda aleatória.

PROFESSOR MENEZES LEITÃO

1. Noção e Aspectos Gerais

Contrato de Compra e Venda no Código Civil: art. 874º a 939º (Livro II – Direito das

Obrigações).

Contrato de Compra e Venda no Código Comercial: art. 463º a 476º

Nos termos do art. 874º, compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a

propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.

A compra e venda consiste essencialmente na transmissão de um direito contra o

pagamento de uma quantia pecuniária, constituindo economicamente a troca de

uma mercadoria por dinheiro.

Embora o CC refira como exemplo paradigmático de transmissão de um direito a

transferência da propriedade, a compra e venda não se restringe apenas a esta situação

(transferência da propriedade) podendo abranger:

A transmissão de qualquer outro direito real (exemplo: trespasse de usufruto

(art. 1444º) quando realizado a título oneroso constitui uma compra e venda)

Page 25: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 25

E inclusivamente de direitos que não sejam reais. Exemplo:

direitos sobre valores mobiliários,

direitos de propriedade industrial,

direitos de propriedade intelectual (direitos de autor),

direitos de crédito,

Cessão de créditos (art. 577º e ss) quando feita onerosamente é

qualificada como compra e venda

direitos potestativos, ou situações jurídicas complexas, como a posição

contratual ou as universalidades de direito.

O trespasse de estabelecimento comercial ou industrial (art.

1112º/1 al. a)) constitui juridicamente uma compra e venda.

Alienação da herança ou de quinhão hereditário (art. 2124º e ss)

quando realizada a título oneroso constitui uma compra e venda.

O que não constitui compra e venda:

Assunção de dívida efectuada onerosamente, uma vez que a lei considera esta

como um contrato translativo de direitos, mas não de obrigações.

A transmissão de outras situações que não possam ser consideradas como

direitos subjectivos do alienante, estando-se nesse caso perante tipos contratuais

diferentes. Exemplo: não constituirão compra e venda, ainda que por vezes

sejam denominadas como tal na pratica situações como:

A venda de Informações

A venda de segredos

A venda de produtos financeiros

E a impropriamente designada ‘’venda de jogadores de futebol’’?

Page 26: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 26

A ‘’venda de jogadores de futebol’’ constitui uma cessão da posição contratual a título

oneroso, pelo que poderá enquanto tal ser qualificada como compra e venda.

Em relação à simples posse, uma vez que esta não constitui um direito

subjectivo não poderá ser objecto de compra e venda uma vez que a sua

transmissão não corresponde à transmissão de um direito.

▲ sendo um contrato translativo e direitos, a compra e venda pressupõe ainda a

existência de uma contrapartida pecuniária para essa transmissão.

Se não existir qualquer contrapartida, o contrato é qualificável como doação (art.

940º).

Se a contrapartida não consistir numa quantia pecuniária o contrato já não

constitui uma compra e venda mas antes um contrato de escambo ou troca.

Contrato de Escambo ou de Troca: inicialmente era previsto no art.

1592º do CC de 1867, mandando o art. 1594º aplicar-lhe as regras da

compra e venda, excepto na parte relativa ao preço.

Actualmente o contrato de escambo ou de troca deixou de estar previsto

no CC, embora continuem a ser-lhe aplicáveis as regras da compra e

venda por força do art. 939º.

O contrato de escambo ou de troca continua a ser previsto pelo art. 480º

do Código Comercial.

2. Características Qualificativas do Contrato de Compra e Venda

2.1.A Compra e Venda como Contrato Nominado e Típico

Compra e Venda enquanto contrato nominado: a lei reconhece o contrato de compra e

venda como categoria jurídica.

Page 27: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 27

Compra e Venda enquanto contrato típico: a lei estabelece para o contrato de compra e

venda um regime, quer no âmbito do Direito Civil (art. 874º), quer no âmbito do Direito

Comercial (art. 463º e ss). Encontra-se ainda um regime especial para a venda de bens

de consumo (Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril alterado pelo Decreto Lei 84/2008, de

21 de Maio).

2.2.A Compra e Venda como contrato primordialmente não formal

A compra e venda é, regra geral, um contrato não formal (art. 219º) ainda que a lei por

vezes o sujeite a forma especial (exemplo: compra e venda de bens imóveis (art. 875º)).

2.3.A Compra e Venda como contrato consensual

Compra e Venda enquanto contrato consensual (≠ real quoad constitutionem): a lei

prevê expressamente a existência de uma obrigação de entrega por parte do vendedor

(art. 879º b)) o que significa que não associa a constituição do contrato à entrega da

coisa, admitindo a sua vigência antes de a coisa ser entregue. Efectivamente é o acordo

das partes que determina a formação do contrato, não dependendo esta nem da entrega

da coisa, nem do pagamento do preço respectivo.

Ao abrigo da autonomia privada as partes podem estipular a compra e venda como

contrato real quoad constitutionem, designadamente dependendo da traditio reio ou da

traditio pretii?

A Doutrina Italiana tem entendido tendencionalmente que sim, considerando não serem

propriamente contratos consensuais as vendas através de aparelhos automáticos ou as

vendas em estabelecimento self servisse. Efectivamente da mesma forma que as partes

podem estipular uma forma convencional não exigida por lei para a celebração do

contrato (art. 223º) parece admissível que possam igualmente fazer depender a sua

constituição da existência da tradição da coisa ou do preço.

Prof. Menezes Leitão: duvida que os exemplos referidos representem coisa diferente

que a normal celebração do contrato consensual através de declaração tácita. Não parece

existir nenhum contrato real quoad constitutionem na compra e venda com pré

pagamento, uma vez que a celebração do contrato de realiza com a solicitação do

produto, havendo apenas a imposição de que o preço seja pago antes da sua entrega.

Page 28: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 28

2.4.A Compra e Venda como contrato obrigacional e real quoad effectum

A Compra e Venda é:

Em primeiro lugar, um contrato obrigacional uma vez que determina a

constituição de duas obrigações:

A obrigação de entregar a coisa (art. 879º b))

A obrigação de pagar o preço (art. 879º c))

Por outro lado, um contrato real quoad effectum uma vez que produz a

transmissão de direitos reais (art. 879º a))

2.5.A Compra e Venda como Contrato Oneroso

Compra e Venda enquanto contrato oneroso: no contrato e compra e venda existe uma

contrapartida pecuniária em relação à transmissão dos bens, importando assim

sacrifícios económicos para ambas as partes.

No entanto, a compra e venda não exige que ocorra necessariamente uma equivalência

de valores entre o direito transmitido e o preço respectivo, não deixando por isso de se

aplicar as regras da compra e venda se o comprador consegue descontos significativos

em virtude das boas relações que possui com o vendedor.

▲ Se a intenção das partes é atribuir efectivamente um enriquecimento ao alienante

(aquisições de baixo valor por elevado preço em leilões com fins sociais) ou ao

adquirente (alienação de bens por preço simbólico ou muito inferior ao valor de

mercado, com fins de liberalidade) a situação já não corresponde a uma verdadeira

compra e venda mas antes a um contrato misto (indirecto) de venda e doação.

2.6.A Compra e Venda como contrato sinalagmático

Sendo oneroso, o contrato de compra e venda é também um contrato sinalagmático:

uma vez que as obrigações do vendedor e do comprador constituem-se tendo

cada uma a sua causa na outra (sinalagma genético),

Page 29: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 29

o que determina que permaneçam ligadas durante a fase de execução do

contrato, não podendo uma ser realizada se a outra o não for (sinalagma

funcional)

Deste modo, aplicam-se à compra e venda as regras relativas ao sinalagma contratual

com a excepção:

do não cumprimento (art. 428º e ss),

a caducidade do contrato por impossibilidade de uma das prestações (art.

795º/1)

a resolução por incumprimento (art. 801º/2) (nota: atenção ao regime especial

do art. 886º)

2.7.A Compra e Venda como contrato normalmente comutativo, sendo por

vezes aleatório

Compra e Venda enquanto, normalmente, um contrato comutativo: ambas as atribuições

patrimoniais se apresentam como certas, não se verificando incerteza nem quanto à sua

existência nem quando ao seu conteúdo.

Compra e Venda enquanto, em certos casos, um contrato aleatório:

venda de bens futuros, frutos pendentes e partes componentes e integrantes, a

que as partes atribuem esse caracter (art. 880º/2)

venda de bens de existência ou titularidade incerta (art. 881º)

venda de herança ou de quinhão hereditário (art. 2124º e ss)

a venda de herança ou de quinhão hereditário sem especificação dos bens

constitui nitidamente um contrato aleatório, já que o vendedor não

responde pelos bens existentes na herança, mas apenas pela sua

qualidade de herdeiro (art. 2127º) e o comprador sucede integralmente

nos encargos da herança (art. 2128º).

Page 30: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 30

venda de expectativas.

2.8. A Compra e Venda como contrato de execução instantânea

Compra e Venda enquanto contrato de execução instantânea: quer em relação à

obrigação de entrega, quer em relação à obrigação de pagamento do preço, o seu

conteúdo e extensão não é delimitado em função do tempo. Essa situação ocorre mesmo

na venda a prestações dado que apesar do seu fraccionamento em diversos períodos de

tempo, este, apenas determina a forma de realização da prestação, não influenciando o

seu conteúdo e extensão.

▲ São contratos de execução continuada os contratos de fornecimento, como o

fornecimento de gás ou de electricidade: a sua natureza específica justifica, porem, que

não os configuremos como verdadeiras compras e vendas, parecendo antes tratar-se de

contratos atípicos, ainda que afins da compra e venda.

3. Forma do Contrato de Compra e Venda

Nos termos do art. 219º, a compra e venda é um contrato essencialmente consensual,

uma vez que regra geral não é estabelecida nenhuma forma especial para o

contrato de compra e venda.

Contudo, como cada regra tem a sua excepção, esta regra referente à forma do contrato

de compra e venda é objecto de múltiplas excepções (excepção mais importante

referente à compra e venda de imóveis).

Nos termos do art. 875º, determina-se que, sem prejuízo do disposto em lei especial, o

contrato de compra e venda de imóveis só é válido quando for celebrado por

escritura pública ou documento particular autenticadoesta regra é extensiva a

todos os actos que importem reconhecimento, constituição, modificação, divisão ou

extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão

sobre coisas imóveis e aos actos de alienação, repúdio e renúncia de herança ou legado,

de que façam parte coisas imóveis.

Page 31: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 31

Esta regra sofre duas excepções constantes de lei especial, em que a compra e venda de

imóveis pode ser celebrada por simples documento particular:

Situação de compra e venda com mútuo, com ou sem hipoteca, referente a

prédio urbano destinado a habitação, ou fracção autónoma para o mesmo fim

desde que o mutuante seja uma instituição de crédito autorizada a conceder

crédito à habitação (art. 1º e 2º/1 do DL 255/93, de 15 de Julho)

Procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis, constante

do DL 263-A/2007, de 23 de Julho e da Portaria 794-B/2007, de 23 de Julho,

que abrange a compra e venda (art. 2º al. a) do DL 263-A/2007)

Nos termos do art. 8º/3 DL 263-A/2007, os negócios jurídicos celebrados

nos termos deste DL encontram-se dispensados de formalização por

escritura publica quando esta seja obrigatória nos termos gerais. Neste

caso os interessados iniciam o procedimento formulando o seu pedido

junto do serviço do registo competente, manifestando a sua opção por

um dos meios do contrato (art. 6º), sendo o serviço de registo que

procede à elaboração dos documentos que titulam os negócios de acordo

com o modelo previamente escolhido pelos interessados (art. 8º/1 al. b))

Contrato de compra e venda de direito real de habitação periódica: deve ser celebrado

por declaração das partes no certificado predial, com reconhecimento presencial da

assinatura do alienante (art. 12º do DL 275/93, de 5 de Agosto, na redacção do DL

180/99, de 22 de Maio).

Transmissão de certos direitos: por vezes, exige-se mesmo escritura pública. Exemplo:

transmissão total e definitiva do direito de autor (art. 44º CDADC).

Quando tem por objecto certos bens móveis, a compra e venda é por vezes sujeita a

forma escrita. Exemplo:

Alienação de herança ou quinhão hereditário, quando não abranja bens sujeitos a

alienação por escritura publica ou documento particular autenticado

Page 32: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 32

Estabelecimento comercial

Quotas de sociedades

Alienação de direitos sobre bens industriais

Direitos emergentes de patentes

Modelos de utilidade

Registos de modelos

Desenhos industriais

Registo de marcas

Contrato de compra e venda de navios: exige-se o reconhecimento presencial da

assinatura dos outorgantes no documento escrito pelo qual se procede à venda

▲ é exigida a redução a escrito do contrato de compra e venda em diversas situações,

por razoes de protecção do consumidor (exemplo: venda a domicilio).

Fora dos casos indicados, a compra e venda não necessita de revestir forma especial.

Devido a tal, a compra e venda de bens móveis sujeitos a registo (caso dos automóveis)

não esta sujeita a qualquer forma especial.

↳ nem era necessário o legislador dizer, uma vez que se sabe que os bens móveis

sujeitos a registo não perdem a natureza de móveis, mas o art. 205º/2 consagra

expressamente que às coisas móveis sujeitas a registo é aplicável o disposto o regime

das coisas móveis em tudo o que não seja especialmente regulado.

▲ Sempre que a Compra e Venda seja sujeita a forma, a omissão desta acarretará a

nulidade do negócio jurídico (art. 220º). Em certos casos a compra e venda vai para

além da forma especial e pode obrigar à realização de certas formalidades. (exemplo:

nos actos que envolvem a transmissão da propriedade de prédios urbanos e fracções

autónomas, é necessário que se faça prova da correspondente autorização de utilização

perante a entidade que celebra a escritura ou autêntica o documento).

Page 33: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 33

Nos actos de transmissão de imóveis é obrigatória a referencia ao respectivo alvará, com

indicação do numero e data da emissão ou da sua isenção, sendo que no caso e prédios

submetidos ao regime de propriedade horizontal deve ser especificado se a autorização

de utilização se refere ao prédio ou à fracção autónoma a transmitir. A apresentação

deste documento é dispensada se a existência dessa autorização tiver sido anotada no

registo predial e o prédio não tiver sofrido alterações. A omissão desta formalidade não

acarreta a nulidade do contrato, mas constitui contra ordenação, podendo determinar a

aplicação de coimas ou outras sanções acessórias.

Outra formalidade é a exigida pelo princípio da legitimação, instituído no art. 9º/1 do

Código do Registo Predial que estabelece que os factos de que resulte a transmissão de

direitos ou a constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os

bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou

contra a qual se constitui o encargo. São apenas exceptuados:

A partilha, a expropriação, a venda executiva, a penhora, o arresto, a declaração

de insolvência e outras providencias que afectem a livre disposição dos imóveis.

Aos actos de transmissão ou oneração por quem tenha adquirido no mesmo dia

os bens transmitidos ou onerados

Casos de urgência devidamente justificada por perigo de vida dos outorgantes

(art. 9º/2 Código do Registo Predial).

Tratando-se de prédio situado em área onde não tenha vigorado o registo obrigatório, o

primeiro acto de transmissão posterior a 1 de Outubro de 1984 pode ser titulado sem a

exigência prevista no nº1 se for exibido documento comprovativo, ou feita justificação

simultânea, do direito da pessoa de quem se adquire (art. 9º/3 Código do Registo

Predial).

A Sanção para essa omissão não é a nulidade do negócio, uma vez que se coloca apenas

um problema de legitimação formal e não de legitimação substantiva. Apenas o agente

que a outorgar esta sujeito a sanções.

Page 34: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 34

4. Efeitos Essenciais

4.1.Generalidades

Nos termos do art. 879º estabelece-se:

‘’A Compra e Venda tem como efeitos essenciais:’’

a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito

b) A obrigação de entregar a coisa

c) A obrigação de pagar o preço.

Interpretação (segundo o Prof. Menezes Leitão) do art. 879º: a compra e venda é um

contrato pelo qual se transmite uma coisa ou um direito contra o recebimento de uma

quantia em dinheiro (preço). O resultado final do negócio constituirá:

Na aquisição por parte do comprador do direito de propriedade sobre o bem

vendido, à qual acrescerá como efeito subordinado a aquisição da posse,

Na aquisição por parte do vendedor do direito e propriedade sobre determinadas

espécies monetárias.

A compra e venda só se encontra definitivamente executada quando se verificarem estas

duas alterações na situação jurídica patrimonial dos contraentes.

Contudo, o art. 874º vem estabelecer dois processos técnicos distintos para a obtenção

desse mesmo resultado:

Em relação à aquisição da posse da coisa vendida, a lei socorre-se do

instrumento da constituição de obrigações, quer por parte do comprador, quer

por parte do vendedor, apenas considerando definitiva a aquisição apos o

cumprimento das mesmas.

Em relação à aquisição da propriedade sobre o bem vendido, esse processo deixa

de ser utilizado, dispensando a lei, pelo menos na venda de coisa específica, o

cumprimento da obrigação, considerando a aquisição da propriedade como uma

Page 35: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 35

simples consequência automática da celebração do contrato (art. 879º a) e

408º/1).

Em suma, não há assim no âmbito da compra e venda o surgimento de uma obrigação

de dare em sentido técnico, verificando-se o efeito translativo automaticamente com a

perfeição o acordo contratual.

Deste modo, é necessário distinguir no contrato de compra e venda entre os seguintes

efeitos:

Um efeito real: a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do

direito

Dois efeitos obrigacionais: constituição das obrigações de entregar a coisa e de

pagar o preço.

4.2.O Efeito Real

4.2.1. A Adopção dos Princípios da Consensualidade e da Causalidade

no Direito Português

Um dos efeitos essenciais da compra e venda é a transmissão da propriedade da coisa ou

da titularidade do direito (é essencial à compra e venda a alienação de um direito, ou

seja uma aquisição derivada do mesmo – se as partes convencionarem a aquisição

originária de um direito pelo adquirente não se está perante uma compra e venda.

Contudo, não é obstáculo a que a compra e venda abranja hipóteses de aquisição

derivada constitutiva como a constituição de direitos reais menores).

Para a constituição ou transmissão do direito real basta, normalmente, o acordo das

partes, pelo que a celebração do contrato de compra e venda acarreta logo a

transferência da propriedade (art. 879º a) e art. 408º/1).

A transferência ou a constituição do direito real é consequentemente imediata ou

instantânea: logo no momento da celebração do contrato, o adquirente torna-se titular do

direito objecto desse mesmo contrato.

Page 36: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 36

Princípio da Consensualidade: ao contrário do que se sucede com os efeitos

obrigacionais, que exigem o posterior cumprimento das respectivas obrigações, o efeito

real verifica-se automaticamente no momento da formação do contrato, sendo por isso a

propriedade transmitida apenas com base no simples consenso, das partes, verificado

nesse momento.

Este princípio tem origem remota numa progressiva espiritualização da traditio

(entrega da coisa) verificada já no Direito Romano – neste direito, a

transferência da propriedade não dependia da celebração do contrato de compra

e venda uma vez que este tinha efeitos meramente obrigacionais, mas antes da

celebração de um segundo negócio posterior como a mancipatio, a in iure cessio,

mas principalmente a traditio.

Este segundo negócio implicava um acto real ou material, correspondente à

entrega física do bem pelo tradens. Posteriormente admitiu-se que em lugar de

ser real ou material, a traditio pudesse ser apenas simbólica (entrega das chaves,

entrega dos documentos ou do titulo da propriedade) ou mesmo ficta (traditio

brevi manu e do constituto possessório).

Esta evolução abriu caminho a que no antigo Direito Francês se admitisse a

estipulação, nos contratos de compra e venda, de clausulas instituindo a traditio

ficta ou traditio feinte, com a clausula de dessaisinesaisine, ou e constituto e

precário, pela qual o vendedor declarava logo no momento da celebração do

contrato que abdicava já da propriedade e da posse a favor do comprador,

ficando apenas como possuidor precário da coisa até à sua entrega.

Posteriormente considerou-se mesmo que se deveria presumir a estipulação

dessa traditio feinte, mesmo sem qualquer declaração das partes, o que implicou

considerar-se o modus adquirendi como compreendido no próprio titulus. Esta

evolução levou a que se passasse a atribuir à traditio valor meramente teórico,

dado que na prática passava a ser a vontade das partes o factor determinante para

a transmissão do direito real.

Page 37: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 37

Posteriormente, a escola do jusnaturalismo racionalista (Grotus Puffendorf)

encarregou-se de teorizar dogmaticamente esta nova concepção, consagrando o

princípio de que a vontade das partes, manifestada através do contrato, é só por

si suficiente para produzir o efeito real CC Francês de 1804 recolheu o

princípio da consensualidade, vindo este a ser reconhecido por outros códigos,

por ele influenciados (código italiano e código de Seabra – actual 408º/1).

Contudo, não é, no entanto, o sistema do título único vigente no Direito Comparado,

tendo que se efectuar a contraposição com outros sistemas existentes:

Sistema do título e modo (vigente na Áustria e na Espanha): para que o efeito

real se produza, é necessária a presença simultânea de um titulos et modus

adquirendi, ou seja, não basta que exista uma justa causa ou fundamento

jurídico de aquisição (como o contrato de compra e venda), sendo ainda

necessária a realização de um segundo acto de transmissão (como a traditio ou o

registo).

Sistema de transmissão causal de direitos reais, dado que embora o

negócio causal e transmissão sejam dois negócios distintos, a validade da

transmissão depende do negocio causal. Deste modo o titulo so por si é

insuficiente para produzir o efeito real exigindo necessariamente um

modo. Mas também o modo de aquisição só por si é insuficiente,

pressupondo igualmente um titulo. Por isso a realização da traditio so

permite transmitir o direito real se tiver sido precedida de um negocio

jurídico que fundamente essa transmissão (compra e venda ter sido

celebrado apenas), o negocio terá valor meramente obrigacional, sem

produzir efeitos reais.

▲ nos direitos que utilizam o sistema de título vigora, pelo contrario, o

principio da consensualidade, segundo o qual a constituição ou transferência dos

direitos reais depende apenas da existência de um titulo de aquisição, ou seja, de um

acto pelo qual se revela a vontade de adquirir e transmitir em virtude de uma causa

reconhecida pelo direito. Este título é só por si suficiente para produzir o efeito real,

pelo que a transmissão da propriedade se verifica logo com a celebração do contrato de

Page 38: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 38

compra e venda, não sendo qualquer acto posterior e entrega ou outra formalidade,

como o registo por exemplo.

Sistema de Modo: a produção do efeito real depende apenas do modus

adquirendi, não sendo necessário um titulo de aquisição.

Sistema do Código Civil Alemão: o contrato de compra e venda tem

valor meramente obrigacional, não produzindo qualquer efeito real. No

direito alemão, para que o comprador passe a ser proprietário do bem

vendido é necessário:

se o referido bem for uma coisa móvel, um segundo acordo de

transmissão (acordo abstracto translativo) seguido da traditio ou

da entrega da coisa;

se o bem vendido for uma coisa imóvel, exige-se também um

novo acordo de transmissão – igualmente um acordo abstracto

translativo – e ainda a inscrição nos registos da propriedade.

▲ há quem diga que neste sistema é seguido o princípio da

separação, segundo o qual a celebração do contrato de alienação

não coincide com a disposição.

O Princípio da Consensualidade tem grandes vantagens, em virtude da forma simples

como se procede à transmissão dos direitos reais, fundando-se apenas na vontade das

partes (em vez de a fazer depender de posteriores formalidades).

Ligado ao Princípio da Consensualidade está o Princípio da Causalidade, segundo o

qual a existência de uma justa causa de aquisição é sempre necessária para que o direito

real se constitua ou transmita.

Page 39: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 39

Vigora o Princípio da Causalidade no sistema do titulo, em virtude de a transmissão

do direito real depender exclusivamente do negócio transmissivo, e no sistema do titulo

e modo, dada a conexão causal entre o titulo e o modo. Diferentemente, o sistema de

modo regula-se pelo princípio oposto (Princípio da Abstracção) segundo o qual os

vícios do negocio causal não podem afectar a transferência da propriedade.

Efectivamente, no sistema do modo uma vez transferida a propriedade, a sua

recuperação so pode ser obtida através de uma acção de enriquecimento sem causa.

Nos termos do art. 408º/1, a transferência dos direitos reais sobre coisa determinada dá

se por mero efeito do contrato, o que naturalmente implica consagrar em pleno o

sistema do título, sujeitando-se assim a transmissão da propriedade aos referidos

princípios da consensualidade e da causalidade.

Em Portugal, deste modo, consagra-se a concretização do contrato de compra e venda

no âmbito da venda real. Ou seja, o adquirente apos a celebração do contrato adquire

imediatamente a propriedade da coisa vendida que pode imediatamente opor erga

omnes, no caso dos bens não sujeitos a registo, ficando, no caso dos bens sujeitos a

registo essa oponibilidade a terceiros dependente do cumprimento do ónus registral.

4.2.2. Apreciação da Possibilidade que existirem excepções em relação

a esses princípios

Nos termos do art. 408º/1, ao consagrar o sistema do título refere simultaneamente a

possibilidade de existência de excepções a esse sistema ‘’previstas na lei’’.

(Questão) a lei admite a possibilidade de transferência da propriedade não estar sujeita

a princípios da consensualidade e da causalidade?

(Se) Resposta Afirmativa: concluía-se que ao lado da venda real, o nosso direito

reconheceria também o outro tipo de venda, existente nos sistemas do título e

modo e do modo venda obrigatória.

Venda Obrigatória: modelo original do contrato no âmbito do direito

romano e hoje existe no direito alemão, austríaco, espanhol e brasileiro,

sendo também discutida a sua admissibilidade no direito italiano.

Caracteriza-se essencialmente pelo facto de o contrato de compra e

Page 40: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 40

venda nunca produzir efeitos reais, apenas tendo por função a

constituição de obrigações, resultando assim a transferência da

propriedade de um segundo acto, que o vendedor se obriga a praticar, o

qual produz os efeitos reais. Exemplo: pela compra e venda a

propriedade não é transferida. Apenas o vendedor obriga-se a transferi-la

e o comprador a pagar o preço. O vendedor pratica então um segundo

acto a transferir a propriedade que, no caso das coisas móveis, se

concretiza com a tradição e, no caso das coisas imóveis, com o registo.

‘’excepções previstas na lei’’ (art. 408º/1): deixa em aberto a possibilidade de se

reconhecer hipóteses de venda obrigatória, designadamente nos casos em que a

transferência da propriedade venha a ser temporalmente dissociada da celebração do

contrato.

No nosso direito ocorrem dois tipos de situações em que se verifica uma dissociação

entre a celebração do contrato e a transmissão da propriedade:

Quando a lei procede a uma separação, mesmo que meramente cronológica,

entre o momento em que se verifica a conclusão do contrato e o momento em

que ocorre o fenómeno translativo.

Apesar da transferência da propriedade ser sempre resultante do contrato

é manifesto que por vezes essa transmissão sucede em momento

posterior ao da sua celebração (art. 408º/2 – refere expressamente alguns

dos momentos em que a transmissão se verifica).

Casos de:

Venda de coisas indeterminadas (coisas genéricas ou em

alternativa): a transmissão da propriedade dá-se no momento em

que ocorre a determinação da coisa com conhecimento de ambas

as partes (art. 408º/2), salvo se se tratar de coisa genérica em que

a transferência da propriedade dá-se no momento da concentração

da obrigação (art. 540º e 541º)

Page 41: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 41

Venda de bens futuros, frutos naturais ou partes componentes ou

integrantes de uma coisa

Venda de bens futuros (art. 880º) a transferência da

propriedade ocorre no momento em que a coisa é

adquirida pelo alienante.

Venda de frutos naturais ou de partes componentes ou

integrantes de uma coisa a transferência da propriedade

verifica-se no momento da colheita ou separação (art.

880)

Venda com reserva de propriedade: a aquisição integral da

propriedade apenas ocorre no momento do pagamento do preço

ou do evento em relação ao qual as partes determinaram essa

verificação (art. 409º).

Nota: não se inclui a venda sob condição suspensiva ou a termo

inicial em que é no momento da verificação da condição ou do

vencimento do termo que se verifica a transferência da

propriedade. Efectivamente nestes casos não é apenas a

transferência da propriedade que é diferida para esse momento

mas todos os efeitos do negócio jurídico.

Quando o fenómeno translativo não se pode verificar por um impedimento

originário (venda de coisa alheia).

Venda de coisa alheia (art. 892º e ss) em que o fenómeno translativo não

se poe verificar em virtude de o vendedor não ser efectivamente o

proprietário do bem vendido. Ocorre uma dissociação entre a

transmissão da propriedade e o contrato de compra e venda, ainda que

essa dissociação seja resultante de um valor negativo atribuído por lei ao

Page 42: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 42

negócio jurídico (art. 892º) que só pode ser sanado através da aquisição

da propriedade (art. 895º) que constitui precisamente uma obrigação para

o vendedor (art. 897º).

Em todos os referidos casos o fenómeno translativo é transferido para momento

posterior, mas não fica dependente do cumprimento de uma obrigação de transferir

(dare) em sentido técnico.

Ainda que possam surgir obrigações associadas a essa transmissão, não são elas que

produzem o efeito translativo, mas antes este vem a ocorrer automaticamente em

consequência da verificação de um facto posterior. Esse facto concretiza em definitivo

uma atribuição patrimonial que já tinha sido provisoriamente estabelecida com a

celebração do contrato, entre o alienante e o adquirente.

Deste modo, mesmo nas hipóteses em que a venda possui uma eficácia translativa não

imediata ou dependente da eventual verificação de certos actos ou factos a verdade é

que o contrato integra sempre um esquema negocial translativo, situação distinta da

venda obrigatória presente no direito romano e no actual direito alemão. Deste modo,

pode afirmar-se a inexistência no Direito Português da figura da venda obrigatória.

4.2.3. A publicidade da transmissão da propriedade

A Compra e Venda corresponde a um facto aquisitivo de direitos reais.

Consequentemente, se estes direitos reais respeitarem a bens imoveis ou a moveis

sujeitos a registo, a compra e venda terá que ser registada (art. 2º a) do Código do

Registo Predial e art. 11º/1 a) do Código de Registo e Bens Móveis) sob pena de não ser

oponível a terceiros nem prevalecer contra uma eventual aquisição tabular,

desencadeada por uma segunda alienação do mesmo bem.

A imposição do registo resulta do facto de que sendo o direito real um direito absoluto

com eficácia erga omnes, é conveniente e útil que todos os parceiros interessados

possam conhecer a sua existência. Daí o princípio da publicidade que esta na base da

sujeição a registo.

Page 43: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 43

No sistema de modo, a cognoscibilidade do direito real é mesmo o interesse

fundamental para salvaguarda da segurança e celeridade do comercio jurídico,

vigorando uma situação de publicidade constitutiva: é o próprio registo que determina

a transmissão da propriedade.

No sistema de título (Portugal) atende-se aos interesses das partes, sacrificando-se o

interesse da segurança do comercio jurídico ao interesse da regularidade na constituição

do direito real.

Quanto à necessidade de publicidade adequada da transmissão do direito para defesa

dos interesses de terceiro e de segurança jurídica, tal publicidade será normalmente

declarativa e não constitutiva, sendo apenas uma condição de eficácia relativamente a

terceiros do direito real validamente constituído por mero efeito do contrato (art.

408º/1).

Deste modo, no nosso sistema, o registo tem valor meramente declarativo. A

publicidade apenas será constitutiva na hipótese de aquisição tabular, caso em que a

segunda venda que primeiro foi registada prevalece sobre a primeira.

Ao contrario do que sucede normalmente nos países que consagram o sistema de titulo,

não se institui em Portugal o principio da posse vale titulo, que permitiria fazer

funcionar também uma hipótese de publicidade constitutiva em relação às coisas moveis

não registáveis, baseada na traditio do bem. Tal implica ter o nosso sistema optado por

uma aplicação quase irrestrita dos princípios da consensualidade e da causalidade

fazendo assim prevalecer o interesse do proprietário em detrimento da proteção de

terceiro de boa fé.

4.2.4. O risco no contrato de compra e venda

O facto de a transferência da propriedade ocorrer logo no momento da celebração do

contrato atribui um importante beneficio ao comprador, uma vez que, tornando-se ele

logo proprietário da coisa vendida e não apenas credor do vendedor relativamente à sua

entrega, deixa de estar sujeito ao concurso de credores no património do vendedor em

relação a essa coisa (art. 604º/1), uma vez que tendo sobre ela a propriedade, que é

direito pleno e exclusivo (art. 1305º/1) tem também a melhor das garantias.

Page 44: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 44

Contudo, se o comprador adquire esse beneficio é justo que suporte também os riscos

inerentes e que, portanto, seja igualmente ele a suportar o prejuízo caso a coisa se

deteriore ou pereça apos a transmissão da propriedade.

Associada à transferência da propriedade encontra-se a transferência do risco, nos

termos do art. 796º/1: a partir do momento em que é celebrado o contrato de compra e

venda, mesmo que ainda não tenham sido cumpridas as obrigações resultantes do

contrato, o risco fica a cargo do comprador (art. 796º/1).

Exepção: tal situação não ocorrerá se a coisa tiver continuado em poder do

alienante, em consequência de termo estabelecido a seu favor, caso em que a

transferência do risco so se verifica com o vencimento do termo ou a entrega da

coisa, salvo a hipótese de o vendedor entrar em mora, o que produz a inversão

do risco (art. 796º/2)

Na hipótese de ter sido aposta uma condição ao contrato:

Se a condição for resolutiva, o risco corre por contra do adquirente se a

coisa lhe tiver sido entregue

Se a condição for suspensiva, o risco corre por contra do alienante

durante a pendencia da condição (art. 796º/3).

4.3.Os Efeitos Obrigacionais

4.3.1. O Dever de Entregar a Coisa

Em relação ao vendedor, a obrigação que surge através do contrato de compra e venda

reconduz-se essencialmente ao dever de entregar a coisa.

Além de (1) se efectuar a transmissão da propriedade por mero efeito do contrato, é (2)

atribuído ao comprador um direito de credito à entrega da coisa pelo vendedor, o qual

concorre com a ação de reivindicação (art. 1311º) que pode exercer enquanto

proprietário da coisa.

Page 45: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 45

O Cumprimento da obrigação de entrega corresponde a um acto material, a tradição

física ou simbólica do bem, que permite ao comprador:

A sua apreensão física móveis

Aquisição do gozo sobre ele imóveis

Devido ao cumprimento da obrigação de entrega, verifica-se a atribuição da posse da

coisa entregue ao comprador (art. 1263º al. b) a qual pode ocorrer previamente com a

verificação do constituto possessório (art. 1263º al. c) e 1264º).

▲ Prof. Romano Martinez: é duvidoso se quando após a venda o vendedor não procede

à entrega imediata do bem, se deve presumir a verificação do constituto possessório,

permanecendo o vendedor como detentor, ou se deve antes presumir a manutenção da

posse no vendedor. Face à concepção objectivista de posse (art. 1251º) parece que

sempre que o vendedor exerça o poder de facto correspondente terá posse, apenas

passando à situação de detentor se for convencionado que passará a possuir em nome do

comprador (art. 1253º al. c))

No caso de a coisa vendida já estar na posse do comprador, ou de a venda respeitar a

direitos sobre coisas incorpóreas, nem sequer a entrega se torna necessária, o que

demonstra que sendo esta obrigação um efeito legalmente obrigatório do contrato não

constitui um elemento essencial do contrato de compra e venda.

Em relação ao objecto da obrigação de entrega tal corresponde em primeiro lugar à

coisa comprada. Contudo é necessário distinguir:

Venda de coisa específica: o vendedor apenas pode cumprir entregando ao

comprador a coisa que foi objecto da venda, não a podendo substituir, mesmo

que essa substituição não acarretasse prejuízo para o comprador.

Art. 882º/1: a coisa (específica) deve ser entregue no estado em que se

encontrava ao tempo da venda, fazendo assim recair sobre o vendedor

um dever especifico relativamente à custódia da coisa, dever que ele

deve executar com a diligência de um bom pai de família, nos termos

gerais (art. 799º/2 e art. 487º/2).

Page 46: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 46

Caso a coisa se venha a deteriorar, adquirindo vícios ou perdendo

qualidades, entre o momento da venda e o da entrega, presume-se existir

responsabilidade pelo vendedor por incumprimento dessa obrigação (art.

918º), respondendo ele por esse incumprimento a menos que demonstre

que a deterioração não precede de culpa sua (art. 799º/1).

Venda de coisa genérica: o vendedor pode cumprir o contrato, entregando ao

comprador qualquer coisa dentro do género.

Aplica-se o disposto no art. 539º e ss, bem como as regras relativas à

determinação da prestação constantes no art. 400º.

O vendedor terá que entregar as coisas correspondentes à qualidade e

qualidade convencionada no contrato de compra e venda e devera

escolher coisas de qualidade média, a menos que tenha sido

convencionado o contrario. O desrespeito destas regras determinara a

aplicação do regime do incumprimento das obrigações nos termos do art.

918º.

Nos termos do art. 882º/2, a obrigação de entrega abrange, salvo estipulação em

contrario, alem da própria coisa comprada, as suas partes integrantes, os frutos

pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito.

Deste modo, não é licito ao vendedor, apos a venda, proceder à separação de coisas

moveis que se encontrem ligadas materialmente ao prédio vendido com caracter de

permanência ou proceder à colheita de frutos pendentes ou ainda conservar quaisquer

documentos relativos à coisa ou direito. Excetua-se a hipótese de tal ter sido

convencionado ou no caso dos documentos estes contiverem outras matérias de

interesse para o vendedor, caso em que ele poderá entregar apenas publica forma da

parte respeitantes à coisa ou direto que foi objecto a venda u fotocopia de igual valor.

▲ Em Itália tem sido questionada se a obrigação de entrega das partes integrantes

deveria (1) limitar-se às existentes ao tempo da venda, ou (2) abranger ainda as que

tenham sido acrescentadas posteriormente a esse momento. A doutrina tem se inclinado

para a primeira posição.

Page 47: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 47

▲ Na doutrina italiana em relação aos documentos tem-se vindo a estabelecer a

seguinte distinção:

Documentos necessários para o exercício do direito alienado: o vendedor deve

não apenas entregar os que estão na sua posse mas ainda esforçar-se para os

obter para o comprador

Documentos probatórios da transferência: designadamente para efeitos de

registo, em que se considerar que a sua entrega deve ocorrer por força do

principio da boa fé

Documentos demonstrativos da titularidade originária do direito: vendedor deve

apenas entregar os que estão na sua posse.

Caso particular – documentos que obrigatoriamente devem acompanhar o uso da

coisa (livrete do automóvel e o titulo de registo de propriedade): considera-se

não apenas imperativa a sua entrega, mas também o seu incumprimento deve

determinar a resolução do contrato.

A obrigação de entrega pode ainda incluir outros objectos como por exemplo a

embalagem necessária ao acondicionamento do bem vendido, designadamente quando

se trate de bens sujeitos a risco ou deterioração ou perecimento com o transporte.

Em instrumentos internacionais, como por exemplo o art. 35º da Convenção de Viena

sobre a venda internacional de mercadorias (ainda não ratificada por Portugal) encontra-

se revista a inclusão da embalagem no âmbito da obrigação de entrega.

Em Portugal, tal inclusão deverá considerar-se estabelecida ou não consoante os usos

relativos a esses bens.

Solução mais frequente: bem já ser vendido dentro da embalagem (ex: venda de

um computador) ou esta ser fornecida acessoriamente (ex: entrega de sacos de

plástico na compra de mercadorias), podendo o comprador nestes casos

legitimamente exigir a sua entrega e decidir o posterior destino da embalagem.

Page 48: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 48

Noutros casos, a embalagem é necessária para a entrega do bem, mas não é

objecto do contrato, cabendo por isso ao comprador a sua posterior devolução

(ex: venda de gás em botijas).

Noutros casos, a embalagem pode ser objecto do contrato, mas o vendedor

acordar com o comprador a sua posterior reaquisição (exemplo: garrafas de

vidro).

A obrigação de entrega por parte do vendedor é sujeita as regras gerais quanto ao tempo

(art. 777º e ss) e lugar do cumprimento (art. 772º e ss).

Quanto ao tempo do cumprimento:

Se as partes não convencionarem prazo certo para a sua realização, o comprador

pode exigir a todo o tempo a entrega da coisa, assim como o vendedor pode a

todo o tempo proceder a essa entregar (art. 777º/1). O vendedor ficará nesse

caso constituído em mora com a interpelação do comprador (art. 805º/1).

Tendo sido convencionado prazo certo ou este resultar da lei, como acontece

com a venda comercial, o vendedor terá que entregar a coisa até ao fim desse

prazo sem o que incorrerá em mora (art. 805º/2 al. a)) podendo no entanto optar

pela antecipação do cumprimento, uma vez que o prazo se presume estipulado

em seu beneficio.

A obrigação de entrega da coisa vendida está sujeita ao prazo ordinário de prescrição de

vinte anos, nos termos do art. 309º.

Quanto ao Lugar do cumprimento: caso não haja qualquer estipulação das partes é

necessário distinguir consoante se trate de:

Coisas Móveis

Caso se trate de coisas determinadas, coisas genéricas a ser escolhidas de

um conjunto determinado, ou coisas a ser produzidas em certo lugar, nos

termos do art. 773º determina-se que a coisa deve ser entregue no lugar

em que se encontrava ao tempo da conclusão do negocio.

Page 49: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 49

Nos restantes casos, a coisa deverá ser entregue no domicilio do

vendedor, nos termos do art. 772º.

Coisas Imóveis: naturalmente que a entrega física apenas poderá ocorrer no

lugar onde o imóvel se encontra devendo porém aplicar-se o critério supletivo

geral do domicilio do devedor (art. 772º) caso as partes determinem que essa

entrega será realizada apenas simbolicamente. O regime legal supletivo

caracteriza assim a entrega do vendedor essencialmente como uma obrigação de

colocação.

Em caso de não cumprimento da obrigação de entrega por parte do vendedor pode o

comprador, nos termos gerais, intentar contra o vendedor uma ação de cumprimento

(art. 817º e ss) que tratando-se de coisa determinada pode incluir a execução especifica

da obrigação (art. 827º).

O vendedor está igualmente sujeito a ter que indemnizar o comprador, pelos danos que

lhe causar o incumprimento da obrigação (art. 798º e ss) ou a mora no cumprimento

(art. 804º e ss). O comprador pode ainda se assim o entender resolver o contrato nos

termos do art. 801º/2.

4.3.2. Outros Deveres do Vendedor

Deveres específicos que extravasam a obrigação de entrega impostos ao vendedor:

Obrigação de emitir factura

O vendedor estará naturalmente sujeito aos deveres acessórios impostos pelo

princípio da boa fé (art. 762º/2 CC), os quais podem abranger deveres de

informação e de conselho ou de assistência pós venda.

caso de celebração de um negócio jurídico de consumo, ou seja, um

contrato entre um profissional e um consumidor, pelo qual se transmitem

bens ou direitos destinados a uso não profissional.

Page 50: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 50

4.3.3. O Dever de Pagar o Preço

Obrigação de pagar o preço, ou seja a previsão da entrega de uma quantia em dinheiro

ao vendedor como contrapartida da entrega da coisa por parte deste.

A obrigação de pagamento do preço corresponde a uma obrigação pecuniária sujeita

naturalmente ao regime do art. 550º e ss. A assunção desta obrigação no contrato de

compra e venda faz nascer na esfera do vendedor um direito de credito sobre o

comprador, ficando o vendedor apenas proprietário das espécies monetárias

correspondentes aquando do cumprimento da obrigação, através da realização da datio

pecuniae.

De acordo com as regras gerais sobre o objecto negocial (art. 280º/1) não é necessário

no contrato de compra e venda que o preço se encontre determinado no momento da

celebração do contrato, bastando que seja determinável.

A determinação do preço no momento do contrato pode resultar:

Da sua imposição por autoridade publica (preço de império)

Da sua fixação pelas partes

Hipóteses de determinabilidade ocorrerão:

Quando as partes fixem uma forma de o preço ser determinado

Essa forma pode consistir em deixar a determinação do preço a cargo de

uma das partes ou a terceiro, caso em que o art. 400º/1 estabelece que a

determinação não pode ser arbitrária, devendo ser feita segundo juízos de

equidade se outros critérios não tiverem sido estabelecidos. Nesse caso,

se a determinação não puder ser feita no tempo devido sê-lo-á pelo

tribunal, com base nos mesmos juízos.

Quando a lei supletivamente indique essa forma

Nos termos do art. 883º estabelece-se para:

Page 51: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 51

As hipóteses em que as partes nada dizem sobre o preço – nº1

Caso de se referirem ao justo preço – nº2

▲ a norma do art. 883º é assim simultaneamente supletiva e interpretativa, uma vez que

se aplica não apenas como critério supletivo, quando as partes nada refiram sobre a

determinação do preço, mas também como critério interpretativo, quando as partes

façam referencia à expressão ‘’preço justo’’.

Ou seja, nos termos do art. 883º são indicados como critérios supletivos

sucessivamente:

1. O preço que o vendedor normalmente praticar á data da conclusão do contrato.

2. O preço do mercado ou da bolsa no momento do contrato e no lugar em que o

comprador deve cumprir.

O Primeiro Critério (1) prevalece sobre o Segundo Critério (2) pelo que se se tratar de

bens que o vendedor aliena regularmente é o preço por ele habitualmente praticado que

se considera como preço contratual, independentemente do preço do bem no mercado

ou bolsa ser diferente daquele.

Apenas no caso de não se tratar de bens que o vendedor aliena regularmente valerá

como preço supletivo o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que

o comprador deve cumprir.

Caso nenhum desses critérios se possa aplicar ao preço será determinada pelo tribunal

segundo juízos de equidade, nos termos do art. 883º/1, in fine.

A Obrigação de pagamento do preço é sujeita a regras específicas quanto ao tempo e

lugar do cumprimento.

Tempo do Cumprimento: a menos que as partes estipulem em sentido

contrário, nos termos do art. 885º/1, o preço deve ser pago no momento da

entrega da coisa vendida.

Esta norma pressupõe naturalmente que a transmissão da propriedade já

se tenha verificado ou coincida com a entrega, uma vez que o preço

aparece como contrapartida dessa aquisição da propriedade. Deste modo

Page 52: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 52

se a entrega da coisa ocorrer antecipadamente a essa transmissão

naturalmente que não obrigará o comprador a pagar o preço.

A imposição do pagamento do preço no momento da entrega pressupõe

que nesse momento a obrigação do vendedor seja integralmente

cumprida. Deste modo, se a entrega for feita por fases, a prestação do

preço apenas deve ser efectuada aquando da realização da última entrega,

salvo se as partes convencionarem o preço em função da quantidade das

coisas vendidas, caso em que o vendedor terá legitimidade para exigir o

pagamento à medida em que for realizando as sucessivas entregas.

Lugar do Cumprimento da obrigação de pagamento do preço:

Se as partes nada tiverem estipulado, nos termos do art. 885º/1, o preço

deve ser pago no lugar da entrega da coisa vendida, o que impõe em

virtude de a lei fazer coincidir o cumprimento da obrigação de entrega

com o pagamento do preço (venda a ponto ou a contado).

Se as partes tiverem estipulado ou por força dos usos o pagamento do

preço não coincidir com o cumprimento da obrigação de entrega (venda

a crédito ou com espera de preço) o mesmo deverá ser pago no domicilio

que o credor tiver ao tempo do cumprimento nos termos do art. 885º/2.

Tal esta de acordo com a regra geral relativa às obrigações pecuniárias

previstas no art. 774º.

Segundo o Prof. Vaz Serra será aplicável igualmente nesta sede o

disposto no art. 775º o Prof. Menezes Leitão discorda: se está

em causa o domicilio do credor ao tempo do cumprimento não

terá relevância o facto de o credor mudar de domicilio apos a

constituição da obrigação.

Page 53: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 53

Nos termos do art. 309º, a obrigação de pagamento do preço é sujeita à prescrição

ordinária de vinte anos. Contudo, tratando-se de crédito de comerciantes pelos objectos

vendidos a quem não seja comerciante e não os destine ao seu comercio existe uma

prescrição presuntiva de dois anos, nos termos do art. 317º al. b).

A obrigação de pagamento do preço encontra-se colocada em nexo de reciprocidade

com a entrega da coisa, pelo que constituindo a compra e venda um contrato

sinalagmático, o não cumprimento da obrigação de pagamento do preço poderia dar

lugar à resolução do contrato por incumprimento nos termos do art. 801º/2.

Contudo, o art. 886º vem restringir consideravelmente essa faculdade quando refere que

‘’transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o

vendedor não pode, salvo convenção em contrario, resolver o contrato por falta do

pagamento do preço’’ no caso de ter sido definitivamente efectuada a atribuição

patrimonial do vendedor – através da transferência da propriedade e entrega do bem –

ele não poderá, em princípio, fazer reverter essa atribuição patrimonial por meio da

resolução por incumprimento, e reclamar por essa via a restituição do bem.

Deste modo, as suas ações contra o comprador ficam assim restringidas à ação de

cumprimento para cobrança do preço (art. 817º) e respetivos juros moratórios (art.

806º/1). Este regime explica-se em virtude de não ser muito conveniente por tornar

indefina a situação jurídica dos bens, admitir que a transmissão da propriedade pudesse

ser facilmente revertida, sempre que o adquirente faltasse ao pagamento do preço.

Situações em que a resolução do contrato por incumprimento da obrigação do

comprador é possível:

Haver convenção em contrário

Tal situação é admissível face à natureza supletiva do art. 886º. Da mesma forma que é

possível convencionar fundamentos contratuais para atribuição do direito de resolver o

contrato (art. 432º/1) e inclusivamente estipular uma modalidade de venda em que se

reconheça incondicionalmente ao vendedor essa faculdade num certo lapso de tempo

(art. 927º/1) nada impede as partes de estipular igualmente que o incumprimento da

obrigação de pagar o preço por parte do comprador constitua fundamento da resolução.

Nesse caso, em virtude da existência dessa clausula resolutiva expressa, serão

Page 54: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 54

derrogadas as restrições do art. 886º, sendo assim admissível a resolução por

incumprimento.

Ainda não ter sido entregue a coisa (mesmo que já tenha ocorrido a

transmissão da propriedade)

Apesar de já se ter transmitido a propriedade para o comprador, o contrato ainda não se

encontra totalmente executado, podendo até o vendedor recusar a entrega da coisa,

enquanto o comprador não satisfazer a obrigação da pagar o preço (art. 428º).

Consequentemente nada obsta à aplicação da resolução do contrato, em caso de se

verificar o incumprimento da obrigação de pagamento do preço, até porque tal se

apresenta preferível a prolongar artificialmente a suspensão da execução do contrato até

à cobertura coerciva do preço.

Ainda não ter ocorrido a transmissão da propriedade (mesmo que a coisa já

tenha sido entregue)

Nesta situação o bem já pode ter sido entregue ao comprador mas o vendedor, em

ordem a garantir a sua propriedade como forma de se assegurar contra o incumprimento

da outra parte reserva para si essa propriedade ate ocorrer esse cumprimento (art. 409º).

Nessa hipótese, e uma vez que o vendedor conserva a propriedade com fins de garantia,

poderá naturalmente em caso de incumprimento, proceder à resolução do contrato e

exigir a restituição do bem.

4.3.4. Outros Deveres do Comprador

Nos termos do art. 878º, as despesas do contrato e outras acessórias ficam a cargo do

comprador.

Despesas com o contrato: recaem sobre o comprador os encargos com a celebração do

contrato, abrangendo tanto:

Despesas emolumentares relativas à celebração do contrato em documento

autentico ou autenticado

Despesas relativas ao registo da transmissão

Page 55: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 55

Despesas acessórias

Encargos fiscais relativos à transmissão

Não se encontram abrangidas no âmbito do art. 878º as despesas relativas a actos de

execução do contrato:

Cumprimento das obrigações do vendedor e do comprador que deverão ficar a

cargo do respectivo devedor.

Deste modo, correm por conta do:

Vendedor as despesas relativas à guarda, embalagem, transporte e entrega da

coisa vendida

Comprador as despesas necessárias para o pagamento do preço.

26 de Setembro – Aula 3 e 4

ART. 876.º - VENDA DE COISA OU DIREITO LITIGIOSO

O art. 876.º CC remete para o art. 579.º do que se conclui, com base no n.º 3 desta

última norma, que quando falamos em direito litigioso estamos a falar da situação em

que alguém em causa a existência do direito.

O risco corre por por conta do comprador, uma vez que se visa proteger o vendedor o

que não é uma situação habitual. Tal deve-se ao facto de os fins especulativos

pertenceram ao comprador.

Quanto às consequências da violação do disposto no art. 876.º existem duas

consequências que resultam da conjugação do art. 876.º/2 e 3 e do art. 580.º:

i. Nulidade Atípica: a sua atipicidade deve-se ao facto de só uma das partes (neste

caso, o vendedor) a poder invocar. Se não se encontrasse consagrada esta

solução, muito possívelmente recorrer-se-ia à válvula de escape do nosso

sistema jurídico, ou seja, ao abuso de direito o que seria um enorme sarilho para

o vendedor que teria de provar que tal existiu.

Page 56: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 56

ii. Indemnização: esta indemnização é pelo interesse contratual negativo,

entendendo-se, à partida, que quando a ideia é atacar a validade do negócio, com

efeitos retroactivos, não faria sentido que fosse pelo interesse contratual

positivo.

E o dano indemnizável, qual é? Lucro Cessante? Dano Emergente? Ambos?

Depende. Falamos em Lucro Cessante quando o vendedor para proceder à

venda em causa ao comprador teve de prescindir de vender a outra pessoa por

um preço superior; falamos em dano emergente quando, estando em causa uma

coisa que tem de ser entregue, o vendedor teve de proceder a certos

comportamentos cuidadosos como o de guardar, conservar, entregar e/ou

transportar a coisa.

Deste modo, nos termos do art. 876.º/2 estamos face a uma obrigação de indemnização

pelo interesse contratual negativo (está em causa pedir uma indemnização pela

realização de um contrato nulo) em que o dano indemnizável é pelo lucro cessante e/ou

dano emergente consoante os casos.

Nos termos do art. 876.º procede-se a uma clara limitação da autonomia privada: o

legislador não gosta que as pessoas vendam algo a alguém que pode conduzir a um

litigio cominado com a nulidade.

Quanto o art. 579.º/1 afirma que ‘’se o processo decorrer na área em que exercem

habitualmente a sua actividade ou profissão’’ coloca-se a questão de saber o que se

entende por área. Quando o artigo fala em área está a falar no seu sentido literal, isto é,

onde o juiz efectivamente exerca a sua actividade. Se estiver em causa um juíz do STJ

então a área em questão respeita a qualquer parte de Portugal, uma vez que o STJ tem

jurisdição sobre todo o país.

Para finalizar, note-se que quanto o art. 579.º no n.º2 afirma que ‘’a cessão é efectuada

por interposta pessoa, quando é feita (…)’’ estamos face a uma presunção inilídivel de

Page 57: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 57

interposta pessoa: presume-se inilidivelmente que é interposta pessoa quem preencher

os requisitos na norma consagrados.

ART. 877.º - VENDA A FILHOS OU NETOS

Quanto um pai vende a um filho um apartamento por um preço baíxissimo estamos face

a um contrato misto de compra e venda e doação.

Numa doação com encargos, quando o danatário não cumpre é necessário atender ao

art. 966.º (resolução da doação), mas tal tem de se encontrar expressamente consagrado

no contrato, uma vez que, caso não esteja, a doação com encargos não é sinalagmática.

Entre a obrigação de pagar o preço e a obrigação de entrega da coisa existe um nexo

sinalagmática. Note-se que o art. 886.º amolga a condição resolutiva tácita.

Numa compra e venda verdadeira não se prejudicam herdeiros porque estamos face a

um contrato oneroso quanto aos efeitos do contrato, isto é, os sacríficios e os benefícios

para ambas as partes são equivalentes. Tal não incomoda os herdeiros porque o

património mantém-se igual, ao contrário do que acontece nas doações em que estas são

chamadas à colação.

A ratio do art. 877.º assenta em evitar que se realizem doações sob a capa de uma

compra e venda. É que o regime, em termos sucessórios, é diferente caso estejamos face

a um contrato de compra e venda ou a uma doação.

A violação do disposto no art. 877.º conduz a que a venda seja anulável: existe um

receio por parte do legislador que se pratiquem negócios simulados. O legislador não

tem nada contra as vendas de pais/avós a filhos/netos.

Poder-se-ia perguntar porque nestas situações existiu a necessidade por parte do

legislador para consagrar um regime especifico que assenta na anulabilidade do negócio

e não se decidiu pela aplicação do regime geral da simulação. A resposta assenta no

facto de hoje em dia já não se poder dizer que existiam verdadeiros vínculos de

sanguinidade, sendo que estes vínculos permitiam não se ter tantas cautelas quando se

fazia uma simulação. Além disso a prova de uma simulação é algo de uma enorme

dificuldade.

Page 58: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 58

Para evitar que se façam simulações, isto é doações sob a capa de compras e vendas, o

legislador, não tendo nada contra as compras e vendas entre pais/avos a filhos/neto,

decidiu que a melhor solução seria optar pelo consentimento.

O ART. 877.º ABRANGE A FIGURA DA INTERPOSTA PESSOA?

Ao contrário do que sucede no art. 876.º, o art. 877.º não fala nas vendas que são

realizadas por interposta pessoa.

Poder-se-ia dizer que a resposta a tal questão tem de ser negativa porque o art. 876.º é

uma norma excepcional e tendo por base o art. 11.º CC uma norma excepcional não

pode ser interpretada analogicamente. Contudo, aqui está se a aplicar analogicamente o

art. 579.º/2 e não o art. 876.º, pelo que não se está a proceder a uma interpretação

analogica de uma norma excepcional o que é proibido pelo nosso CC.

A DOUTRINA, no geral, considera que o art. 877.º abrange a figura da interposta

pessoa:

PROF. MENEZES LEITÃO e PROF. ANTUNES VARELA: a figura da

interposta pessoa deve ser aplicada no art. 877.º.

PROF. ROMANO MARTINEZ: estariamos face a uma situação de fraude à lei

se a figura da interposta pessoa não for aplicada ao art. 877.º

Mas porquê? FUNDAMENTOS DA (NÃO) APLICAÇÃO DA FIGURA DA

INTERPOSTA PESSOA NOS CASOS DO ART. 877.º:

PROF. GALVÃO TELLES: não se deve aplicar a figura da interposta pessoa

nos casos do art. 877.º. Não existe razão que justique a aplicação da interposta

no art. 877.º, uma vez que existe uma diferença substancial entre a norma do art.

876.º e a norma do art. 877.º: enquanto a primeira constitui uma norma de fundo,

a segunda constitui uma norma instrumental ou preventiva. O legislador não

gosta de vendas a pessoas que possam intervir no processo, mas não gosta nem

desgosta das vendas entre pais/avos a filhos/netos (é lhe indiferente); ele só quer

prevenir eventuais simulações. Não se está face a uma situação de lacuna.

Page 59: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 59

Ninguém aderiu a esta posição. Segundo o PROF. PEDRO EIRÓ esta

posição é sustentável pela ratio da norma.

PROF. RAÚL VENTURA/ANTUNES VARELA/MENEZES LEITÃO:

considera que se deve aplicar a figura da interposta pessoa nos casos do art.

877.º. O CC de 1867 referia-se a tal possibilidade, sendo que quando ocorreu a

transposição e se regulou a matéria da compra e venda, o legislador de 66

organizou a matéria de forma diferente e houve um esquecimento quanto à

aplicação desta figura ao regime em análise, tal como se encontrava previsto no

CC de 1867. Concorda-se que o art. 877.º consubstância uma norma de natureza

preventiva, ao contrário do que sucede com o art. 876.º que consubstância numa

norma de fundo, mas tendo por base a sua ratio leges não é todo incompativel tal

com a aplicação da figura da interposta pessoa. Há uma verdadeira lacuna que

deve ser intergrada nos termos do art. 10.º CC, procedendo-se à aplicação

analógica do art. 579.º.

Por fim, note-se quequando se pede que que os herdeiros ofereçam o seu consentimento

à alienação o que está verdadeiramente em causa é uma renúncia a um bem futuro, ou

seja trata-se de eles saberem que nunca vão herdar aquele bem.

Acórdão do STJ 14-05-1992

A proibição dos pais ou avós venderem aos filhos e netas sem o consentimento dos

outros filhos ou netos é uma regra que vem das ordenações filipinas e que constitui

especialidade do nosso direito que apenas passou para o ordenamento jurídico

brasileiro. O objectivo da proibição do art. 877.º assenta em evitar a prática de vendas

simuladas, sempre dificeis de provar, em prejuizo das legitimas dos descendentes.

D. Ferreira considerava que a natureza excepcional e restritiva do art. 1565.º do Código

de Seabra não abrangia descendentes por afinidida, como noras e genros.

O acórdão em análise considera que o art. 877.º:

Se aplica no caso de casamento das ‘’noras e genros’’ compradores ter sido

celebrado segundo o regime de comunhão geral de bens ou comunhão de bens

adquiridos;

Page 60: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 60

Não se aplica quanto às vendas feitas a enteado, pelo pradrastro com filhos, sem

o consentimento destes.

O art. 877.º tem uma natureza restritiva e excepcional o que exige inequivocamente a

existência de laços de parentescto entre o vendedor e o comprador ou pelo menos,

extensivamente, de outra ordem, mas com o seu cônjuge, sendo o casamento segundo o

regime de comunhão geral ou comunhão de bens adquiridos.

Deste modo, o acórdão conclui que a proibição de pais/avós a filhos/netos abrange:

Vendas a Filhos/Netos

Vendas feitas ao cônjuge do seu filho/neto casados em regime de comunhão

geral ou comunhão de bens adquiridos.

CASO PRÁTICO

Page 61: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 61

A pretende vender um imóvel a J, cônjuge de I, descendente de A. B e F já são

falecidos. Quem tem de dar consentimento para que a venda de A a J seja válida?

Com base no que foi referido no acórdão analisado, estamos face a uma situação que se

enquadra no âmbito de aplicação do art. 877.º, pelo que para ocorre a válida alienação

do imóvel por parte de A a J é necessário po consentimento, desde que I e J se

encontrem casados segundo o regime de comunhão geral ou comunhão de bens

adquiridos.

Quanto às pessoas que têm de dar o seu consentimento temos que:

Enquanto filhos de A têm de dar o seu consentimento: C e D (enquanto filhos de

A) e E e L (enquanto representantes de F, filho de B, filho de A, ambos já

falecidos) e N (nos termos do art. 1682.º-A quando esteja em causa a alienação

ou oneração de um imóvel tal carece do consentimento de ambos os cônjuges,

salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens. É necessário o

consentimento de N ao consentimento de L).

Enquanto irmão de I, H – QUERELA DOUTRINAL

PROF. VAZ SERRA: não é necessário que H dê o seu consentimento,

uma vez que a cabeça de estirpe já deu (D);

PROF. PEDRO EIRÓ, ANTUNES VARELA E MENEZES LEITÃO:

quem concorre directamente nas sucessões naturais é o H, pelo que faz

todo o sentido que ele tenha de dar o seu consentimento; visa não

beneficiar o I em relação ao J; C não concorre com I.

PROFESSOR MENEZES LEITÃO

PROIBIÇÕES DE VENDA: consubstância situações em que é vedada, por razões

atinentes às relações das partes entre si ou com o objecto negocial, a celebração do

contrato entre elas, admitindo-se, porém, a sua realização entre outros sujeitos.

I – VENDA DE COISA OU DIREITO LITIGIOSO

Page 62: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 62

Nos termos do art. 876.º/1 CC ‘’não podem ser compradores de coisa ou direito

litigioso, quer directamente, quer por interpoista pessoa, aqueles a quem a lei não

permite que seja feita a cessão de créditos ou direitos litigiosos, conforme se dispõe no

capítulo respectivo’’. Deste modo, através do art. 876.º CC procede-se a uma remissão

para a proibição de cessão de créditos e direitos litigiosos, prevista nos arts. 579.º e ss

CC.

COISAS OU DIREITOS LITIGIOSOS (art. 579.º/3): quando tiverem sido contestados

em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado.

O que significa contestação do direito? – DIVERGÊNCIA DOUTRINAL

PROF. BAPTISTA LOPES:para que o direito seja considerado contestado é

necessário que haja processo pendente, que verse sobre a coisa ou direito

vendido; que o reú tenha contestado a acção baseada no direito alienado, o que

não se verifica, por exemplo, se há confissão do réu ou a acção seguir à revelia

deste; e que a contestação tenha atacado a substância do direito.

PROF. RAÚL VENTURA: o direito é considerado litigioso a partir da

propositura da acçãoo, interpretando a palavra ‘’contestado’’ no sentido de

discutido ou submetido a juízo e ‘’qualquer interessado’’qualquer das pessoas

interessadas no direito, incluindo o seu titular, que assumirá na acção as vestes

de autor (e não o réu ou alguém legítimo para intervir no processo em oposição à

pretensão do autor).

O PROF. MENEZES LEITÃO concorda com esta posição:

efectivamente, a contestação do direito surge com a acção judicial, não

fazendo sentido que na sua pendência se permitisse a juízes, funcionários

da justiça ou mandatários, apenas por ainda não ter havido contestação.

Numa solução que já vem do antigo direito, nos termos do art. 579.º/1, a lei dispõe que

‘’a cessão de créditos ou outros direitos litigiosos feita, directamente ou por interposta

pessoa, a juízes ou magistrados judiciais é nula, se o processo decorrer na área em que

Page 63: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 63

exercem habitualmente a sua actividade ou profissão; é igualmente nula a cessão

desses créditos ou direitos feita a peritos ou outros auxiliares de justiça que tenham

intervenção no respectivo processo’’, disposição que é extensiva à venda de coisas. Nos

termos do art. 597.º/2 a lei proíbe igualmente a realização deste negócio por interposta

pessoa, considerando como tal tanto o cônjuge do inibido, como a pessoa de que este

seja herdeiro presumido e qualquer terceiro que tenha acordado com o inibido a

posterior transmissão da coisa ou do direito cedido.

Fora destes dois casos, a venda de coisas ou direitos litigiosos é plenamente admitida,

devendo processarse a substituição processual do vendedor pelo comprador. A

substituição opera através da habilitação (antigo art. 376.º CPC, actual art. 356.º CPC),

mas para evitar que a transmissão prejudique o decurso do projecto, a lei determina que,

até à substituição, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, produzindo a

sentença efeitos em relação ao adquirente, mesmo que este não intervenha no processo.

RAZÃO DESTA PROIBIÇÃO: receio de que as entidade referidas (juízes, magistrados

judiciais, peritos ou outros auxiliares de justiça) possam actuar com fins especulativos,

levando os titulares a vender-lhes os bens por baixo preço, a pretexto da sua influência

no processo. Tal justifica o facto de em certas situações se fazer cessar a proibição:

Nos termos do art.º 581.º CC dispõe-se que a proibição da cessão dos créditos ou

direitos litigiosos não tem lugar nos casos de:

a) De a cessão ser feita ao titular de um direito de preferência ou de remição

relativo ao direito cedido;

b) De a cessão se realizar para defesa de bens possuidos pelo cessionário (ex:

alienação ao arrendatário de um prédio em risco de execução)

Page 64: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 64

c) De a cessão se fizer ao credor em cumprimento do que lhe é devido (ex:

alienação em cumprimento de contrato promessa celebrado antes de o bem

passar a litiogioso).

Quanto às consequências de, não obstante a venda ser proibida, esta vir a ser realizada,

nos termos conjugados do art.º 580.º/1 e art. 876.º/2:

i. A venda é nula;

ii. Sujeita-se o comprador, nos termos gerais, à obrigação de reparar os danos

causados.

A nulidade, nos termos conjugados do art. 580.º/2 e art.º 876.º/3, não pode ser invocada

pelo comprador, uma vez que se tal fosse permitido o comprador celebraria um negócio

que poderia sempre declarar nulo se a operação especulativa não lhe ocorresse de

feição.

A nulidade em causa é estabelecida primordialmente no interesse do vendedor, que foi

sujeito à especulação do comprador ao vender em consequência do seu caracter litgioso

um bem por valor muito inferior ao seu valor real. Daí que seja atribuido ao vendedor,

além da invalidade do contrato, um direito à indemnização por todos os danos que a

atitude especulativa do comprador lhe causou. Esta indemnização, tendo por base a

celebração de uma compra e venda nula é, no entando, limitada ao interesse contratual

negativo (dano negativo: coloca-se na situação em que se estaria se não tivesse confiado

na celebração válida e eficaz do contrato), não abrangendo consequentemente o

interesse contratual positivo (dano positivo: coloca-se na situação em que se estaria se o

contrato tivesse sido válida e eficazmente celebrado).

PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ART. 876.º CC

As regras aplicáveis, quer quanto à noção de coisa ou direito litigioso, quer quanto à

indicação das pessoas a quem tais coisas ou direitos não podem ser transmitidos, quer

quanto às excepções admitidas são as dos art. 579.º e 581.º.

SANÇÃO DA NULIDADE: deve-se ao facto de na base da proibição legal se encontrar

uma razão de ordem pública. O comprador fica ainda obrigado, nos termos ferais, a

Page 65: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 65

reparar os danos causados (art. 483.º e ss; art. 562.º e ss e art. 580.º), danos que se

medem pelo interesse contratual negativo.´

Como se encontra expresso no art. 579.º/2, a nulidade verifica-se, sendo a venda feita a

interposta pessoa, mesmo que não haja retransmissão para o verdadeiro comprador.

Basta a prova da interposição ou da presunção da sua existência.

O regime da nulidade encontra-se regulado nos art. 286.º e 289.º e seguintes. De

especial, o princípio de que o comprador não pode invocar a nulidade (art. 580.º/2), uma

vez que embora interessado na venda, entendeu-se que não tinha interesse atendível na

declaração de nulidade – o que de alguma forma agrava a sanção a que a lei pretendeu

sujeitá-lo com a nulidade do acto.

Não foram incluídos nesta norma alguns dos casos referidos no art. 849.º do Projecto

(1.º Revisão Ministerial) e no art. 2.º do Anteprojecto de Galvão Telles (compra feita

por aquele que vende bens alheios, quanto a esses mesmos bens, por exemplo).

II – VENDA A FILHOS OU NETOS

Nos termos do art. 877.º/1 dispõe-se que ‘’os pais e avós não podem vender a filhos ou

netos se os outros filhos ou netos não consentirem na venda; o consentimento dos

descendentes, quando não possa ser pretado ou seja recusado, é susceptível de

suprimento judicial’’.

Não obstante a proibição em análise, a venda vier a ser realizada será anulável, podendo

ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento dentro do prazo de

1 ano, a contar do conhecimento da celebração do contrato ou do termo de incapacidade

no caso de serem incapazes, segundo dispõe o art. 877.º/2.

ORIGEM DA PROIBIÇÃO: esta proibição de venda a descendentes tem fundas raízes

históricas no nosso Direito, uma vez que se encontra, quer nas Ordenações Filipinas,

quer no Código Civil de 1867.

RAZÃO DA PROIBIÇÃO: evitar que, sob a capa da compra e venda, se efectuassem

doações simuladas a favor de algum dos descendentes com o fim de evitar a sua

imputação nas respectivas quotas legitimárias, assim se prejudicando os restantes.

Page 66: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 66

É um facto que os restantes descendentes sempre poderiam reagir através da competente

acção de simulação (art. 240.º), mas as dificuldades de prova dos seus pressupostos

levaram o legislador a optar pela solução mais expedita de exigir o consentimento dos

descendentes, sem o que a venda poderia ser anulável.

O consentimento não está sujeito a forma especial (art. 219.º), mesmo que essa forma

venha a ser exigida para o contrato de compra e venda e pode inclusivamente ser

prestado tacitamente nos termos gerais (art. 217.º).

Esse consentimento pode, no entanto, ser objecto de suprimento pelo tribunal quando

seja recusado por algum descendentes ou quando não possa ser por ele prestado (ex:

descendente em causa ser incapaz, estar ausente ou estar impedido por outra causa).

Note-se que a proibição do art. 877.º apenas abrange a venda por pais a filhos e a venda

por avós a netos, ficando de fora a venda por bisavós a bisnetos nem a venda por filhos

ou netos a pais e avós, em que a questão da simulação não se colocará.

No caso de a venda ser realizada a filhos é de exigir o consentimento dos restantes

filhos, mas não dos netos, salvo se eles forem descendentes de um filho falecido, caso

em que serão chamados a dar o consentimento em substituição deste.

Se a venda for realizada a netos é de exigir o consentimento tanto dos filhos que

encabeçam a estirpe como dos netos que sejam irmãos do comprador.

Note-se que apesar de a lei não o referir expressamente, parece dever ser igualmente

abrangida pela disposição em análise a venda feita a descendentes através de interposta

pessoa.

Não parece que a proibição da venda a filhos ou netos se deva estender à troca, apesar

da remissão do art. 939.º, uma vez que em relação a ela não se colocam normalmente os

problemas de simulação, que estâo na base dessa proibição. Contudo, a lei é expressa no

sentido de que a proibição não abrange a dação em cumprimento feita pelo ascendente,

nos termos do art. 877.º/3.

Page 67: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 67

RATIO DO ART. 877.º/3: o legislador seguiu a posição da doutrina do PROF. CUNHA

GONÇAVES que sustentava que a semelhança entre a dação em pagamento e a venda é

mais aparente que real e em questão de incapacidade não se pode argumentar com

analogia. O PROF. MENEZES LEITÃO defende, contudo, que a solução é questionável

uma vez que as diferenças teóricas entre a dação em cumprimento e a venda não ilidem

o facto de a mesma possibilidade de simulação de doações se verificar nos dois

contratos.

PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ART. 877.º

A disposição em análise não têm paralelo na generalidade das legislações estrangeiras, a

não ser na brasileira. A sua fonte remota ao art. 1565.º do Código de 1867, que por sua

vez se inspira nas Ordenações Filipinas.

Não se faz referência à hipoteca, uma vez que ela se encontra abrangida pela disposição

genéridica do art. 939.º, e substituiu-se a intervenção dio conselho de família pelo

suprimento judicial. O suprimento pode ser obtido em dois casos:

i. Quando não for possível prestar consentimento (ex: incapacidade, ausência,

impedimento de facto ou qualquer outra causa impeditiva).

ii. Quando o consentimento tiver sido recusado.

RATIO DA PROIBIÇÃO: visa-se evitar uma simulação, dificil de provar, em prejuizo

das legitimas dos descendentes. Os pais doariam bens aos filhos, sob a forma de venda,

para estes nao imputarem nas suas quotas legitimárias os valores recebidos e assim

prejudicarem os outros herdeiros.

CASOS ‘’NORMAIS’’ DE

SIMULAÇÃO

VENDA SIMULADA FEITA A

DESCENDENTES

o contraente interessado na futura

destruição do negócio guarda em regra

consigo provas do vício do acto

O ascendente procurará, pelo contrário,

destruir todos os indicios de simulação.

Page 68: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 68

Limita-se a proibição aos pais e avós por ser dentro destes limites (e já não entre

bisavós e bisnetos) que a simulação é mais de recear. Facilmente compreende-se a razão

por que se não estende a proibição à venda realizada por filhos a pais ou por netos a

avós

Nos termos do art. 877.º/1 consagram-se duas hipóteses:

i. OS PAIS VENDEREM AOS FILHOS: nestes casos é necessário o

consentimento dos outros filhos, mas não, em princípio, o consentimento dos

netos. Os pais são os cabeça de estirpe e as pessoas imediatemente interessadas

em evitar diminuições simuladas das legítimas. Somente se algum filho tiver

falecido, é que passa tal filho, para este efeito, a ser representado pelos seus

descendentes.

ii. OS AVÓS VENDEREM AOS NETOS: sendo feita a venda a um neto, e

existem filhos que representam outras estirpes, são as cabeças dessas estirpes, e,

portanto, os filhos que devem dar o seu consentimento, e não os netos, filhos

desses filhos. O que parece de exigir, conjuntamente, é o consentimento dos

irmãos do comprador.

A sanção resultante da falta do consentimento ou do respectivo suprimento judicial é a

da anulabilidade, a que são aplicáveis as disposições dos art. 285.º e ss, com as

modificações constantes no art. 877.º/2

Quanto ao ÓNUS DA PROVA DO CONSENTIMENTO DOS OUTROS FILHOS OU

NETOS – QUERELA DOUTRINAL

PROF. BAPTISTA LOPES: cabe ao vendedor;

PROF. MÁRIO BRITO: cabe ao comprador;

ANTUNES VARELA E RAÚL VENTURA: tratando-se de uma acção de

anulação, é evidente que cabe aos autores o ónus de alegação da prova dos

factos constitutivos do seu direito (potestativo) de anulação.

Page 69: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 69

Note-se que a dação em cumprimento referida no art. 877.º/3 supoe a existencia de uma

divida do pai ou avô ao filho ou ao neto, o que basta para afastar a possível simulação

do acto.

Quanto ao ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA PROBIÇÃO DO ART. 877.º, este aplica-se

tanto:

às vendas de natureza cível, como às vendas de indole comercial,

designadamente à cessão onerosa de posições sociais em determinadas

sociedades comerciais, feita pelo pai a um ou mais filhos sem o consentimento

de um outro.

À venda directamente feita por pais ou avós a filhos ou netos, como a efectuada

por interposta pessoa, visto nenhuma razão séria haver para distinguir entre uma

e outra. Não há, todavida, razão para considerar como interposta pessoa a

sociedade comercial, constituída pelo pai e alguns dos filhos, a quem aquele

tenha vendido alguns bens seus com o consentimento de outros filhos, sem

prejuízo da prova directa da simulação alegada pelo requerente da nulidade.

Traduzindo-se a anulação da venda prevista no art. 877.º na imposição de um

verdadeiro ónus que recai sobre o pai ou o avô vendedor, esse ónus só pode referir-se a

quem, na altura da venda, já tenha sido reconhecido como filho.

Por fim, a adjudicação de bens na acção da divisão da coisa comum não integra a figura

da compra e venda para o efeito do disposto no art. 877.º.

3 de Outubro – Aula 5 e 6

ART. 880.º - BENS FUTUROS, FRUTOS PENDENTES E PARTES

COMPONENTES OU INTEGRANTES

Tal como na venda de bem alheio, na venda de bem futuro o vendendor está a vender

um bem alheio. A diferença entre estes dois institutos assenta no tratamento que se dá

ao direito.

Na venda de bem futuro, trata-se o direito como sendo futuro, isto é, a nenhuma das

partes ‘’passa pela cabeça’’ que aquele contrato produza a transmissão directa do bem.

Page 70: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 70

O contrário sucede na venda de bem alheio, em que se trata o bem como sendo presente

e próprio.

O contrato promessa de compra e venda de coisa/bem alheio considera-se válido: o

problema da venda de bem alheio não é entre as partes, mas trata-se sim da repercussão

dos efeitos desse contrato na esfera jurídica do titular do direito que está a ser

transmitido. Existe um conflito entre os dois titulares do direito. Coloca-se a questão de

saber como tal se conjuga com o efeito translativo da compra venda presente no artigo

879.º al. a). Este problema não existe na venda de bem futuro porque o comprado trata o

direito como sendo futuro.

Não se aplica ao contrato promessa o regime da venda de bem alheio, apesar de o artigo

410.º (‘’à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis

as disposições legais relativas ao contrato prometido’’ – o n.º1 procede a uma

equiparação entre o regime aplicável ao contrato promessa e ao contrato definitivo). O

contrato promessa de venda de bem alheio tem uma eficácia meramente obrigacional,

sendo discutível a situação em que a tal é atribuída eficácia real.

EFICÁCIA REAL DO CONTRATO

PROMESSA

EFICÁCIA REAL DA COMPRA E

VENDA

Em ambos existe um direito real a ser transmitido

Direito real de aquisição: não cria nem

transmite nenhum direito real de gozo. O

promitente que beneficia da natureza real

vê nascer na sua esfera jurídica ex nove

um direito real de aquisição.

Direito real de propriedade

Imaginemos uma situação em que está em causa a compra e venda de uma determinada

fraccção pertencente a ‘’C’’: se ‘’A’’ diz que a fraccção é de ‘’C’’ mas que a vai

adquirir estamos face à venda de um bem futuro; se ‘’A’’ diz que a fraccção é sua

estamos face a uma venda de um bem alheio.

Page 71: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 71

Nos termos do artigo 880.º/2 existe uma presunção de interpretação. O artigo 237.º

apenas se aplica se após toda a actividade interpretativa o interprete chegar à conclusão

acerca do qual dos dois sentidos é o mais adequado. Existindo uma presunção é esta a

aplicável.

‘’Aprendendo Latim’’: rei é o plural de rex (coisa); speratae corresponde a coisa

esperada; emptio rei speratae significa compra da coisa esperada.

ARTIGO 880.º/1 ARTIGO 880.º/2

Emptio Rei Speratae – Venda da Coisa

Esperada (existe uma esperança

fundamentada; uma ‘’expectativa

jurídica’’; o comprador não compra uma

esperança: ele compra uma coisa que lhe é

esperada)

Emptio Spes – Venda de Esperança (o

comprador paga pela espança; ele já

comprou; a esperança é o objecto; não é

uma coisa futura)

Há quem entenda e defenda que mesmo nos casos do artigo 880.º/1 existe uma incerteza

que se traduz no facto de saber se o bem futuro se torna presente, o que tem de certo

modo o seu grau de aleatoriedade.

Note-se que a terminoligia utilizada no artigo 880.º/1 é de bem (e não de coisa). Um

bem pode assentar em direitos futuros (que não incidem sobre uma coisa futura;

exemplo: venda de um crédito futuro) ou em coisas futuras (exemplo: transmite-se um

direito sobre uma coisa futura).

Page 72: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 72

Deste modo, atendendo ao exposto, o artigo 880.º/1 pode comportar as seguintes

realidades:

DIREITOS FUTUROS

COISAS FUTURAS LATO SENSU

COISAS FUTURAS STRICTO SENSU

Coisas que se enquadram no âmbito de aplicação do artigo 211.º

Coisas que toda a gente considera como futuras: aquelas que não

existem (não se percebem a omissão do artigo 211.º quanto a tal)

COISAS NÃO AUTONOMIZÁVEIS (exemplos: frutos pendentes),

mas que serão DESTACADAS (o celebre exemplo do painel de ajulejos

em que tal é constituído pela parte integrante mas que será destacada o

que consubstância uma coisa futura ver acórdão da cortiça). Note-se

que a autonomização pode ser jurídica ou física (exemplo: no caso da

cortiça de um sobreiro, este mantém-se no local).

Note-se que não é essencial para que estejamos face a um contrato de compra e venda

que o efeito translativo se produza imediatamente a seguir à celebração do contrato: o

efeito translativo é um efeito essencial, mas poderá ocorrer mais tarde (artigo 408.º/2 e

artigo 409.º). Mesmo que o direito não se transmita no momento do contrato o que

interessa é que venha a existir.

O PROF. ROMANO MARTINEZ considera que a venda de bem futuro consagrada no

artigo 880.º/1 consubstância um negócio sob condição (leia-se evento futuro e incerto)

suspensiva, ou seja um facto complexo de produção sucessiva que já se começou a

produzo. A verificação da condição suspensiva torna o negócio eficaz. Condições

implicam com a eficácia do negócio (não com a sua validade). Quando a condição se

O DIREITO

TRANSMITE-SE

QUANDO O

VENDEDOR O

TRANSMITE

PARA O

COMPRADOR

O DIREITO

TRANSMITE.SE

QUANDO A

COISA SE

TORNA

AUTÓNOMA –

ARTIGO 408.º/2

Page 73: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 73

verificar o vendedor adquire o direito e automaticamente transmite-se o direito para o

comprador.

O PROF. PEDRO EIRÓ discorda da posição anterior, defendendo, para o efeito, que

quer a condiçã quer o termo são cláusulas acessórias do contrato, e não essenciais.

Sendo cláusulas acessórias não definem os tipos negociais. O negócio atípico por

definição não tem definição pelo que a condição poderia ser essencial. A existência do

direito a transmitir define o tipo de compra e venda. Como poderá existir uma condição

suspensiva sobre um contrato de compra e venda que incida sobre um dos elementos

essenciais da compra venda (existência do direito ou da coisa)? Deste modo, isto não

pode ser uma cláusula acessória. No minimo é uma condição altamente imprópria: não

pode incidir sobre os elementos essenciais da compra e venda. O defensor da teoria

agora criticada designa como condição uma realidade técnico jurídica que não

consubstância uma condição. Note-se que o negócio tem de ser classificado no

momento em que é celebrado.

O PROF. MENEZES LEITÃO, numa das passagens do seu manual, refere-se ‘’E

também (…) efeito futuro e incerto’’, ou seja, é verdade que uma condição

normalmente é um facto futuro e incerto, ou seja um facto circunstancial que se verifica

ou não, e não é uma obrigação. Contudo, tal não é um argumento decisivo: condição

potestativa, isto é, a verificação ou não do facto depende da vontade das partes ou de

terceiro.

Ponto assente é o de que não se pode falar em condição sob algo que incide sobre um

dos elementos essenciais de um contrato típico.

O PROF. MENEZES LEITÃO considera que esta situação se poderá enquadrar na

modalidade especial de venda obrigatória: defende que no direito civil não parece

admissivel vendas que só criem efeitos obrigacionais, isto é, compra e vendas que criam

apenas meras obrigações (exemplo: tornar o bem presente).

Por sua vez, o PROF. PEDRO EIRÓ E O PROF. RAUL VENTURA defendem que tal

consubstância um contrato em formação, isto é, há um negócio que se encontra

incompleto e ficará completo quando o bem futuro se tornar presente e só nesta

situação.

Page 74: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 74

Note-se que nenhuma das posições referidas funcionará para as situações consagradas

no artigo 880.º/2. Neste âmbito, o PROF. MENEZES LEITÃO defende que estamos

face a uma compra e venda que tem como objecto uma esperança. O PROF. PEDRO

EIRÓ admite ficar perplexo com tal posição, questionando como é que uma esperança

pode ser objecto de uma compra e venda.

Contudo, a verdade é a de que enquanto nos termos do artigo 880.º/1 podemos chegar à

conclusão de que não existe a verificação, pelo menos imediata, de nenhum dos efeitos

da compra e venda consagrados no artigo 879.º, nos termos do artigo 880.º/2 existe

lugar, pelo menos, ao pagamento do preço (‘’acaba por ser mais compra e venda do que

o n.º1’’).

Deste modo, volta-se à questão base e que ao primeiro contacto deixa uma enorme

preplexidade: como é que uma compra e venda pode ter como objecto uma esperança?

Tanto o PROF. ANTUNES VARELA como o PROF. MENEZES LEITÃO fogem de

certo modo à resposta, afirmando apenas que numa primeira fase existe uma esperança

que, numa segunda fase, se transforma/torna num bem/coisa. Segundo o PROF. RAÚL

VENTURA ao contrário do que sucede no n.º1 do artigo 880.º, no n.º2 estamos face a

um contrato completo porque há já um efeito produzido: obrigação de pagar o preço.

Coloca-se então a questão de saber face a que contrato é que estamos. Não estamos face

a um contrato de compra e venda uma vez que não basta a verificação da obrigação de

entrega daquilo que as partes designaram como preço: o efeito translativo é muito

importante, tem de existir um direito transmitido. Há um contrato definitivo, mas que

tem uma natureza jurídica diferente do contrato de compra e venda.

Note-se ainda, a fim de reforçar a tese que o n.º2 do artigo 880.º não se consubstância

um contrato de compra e venda, a própria letra da norma em análise refere-se apenas e

só a ‘’contrato’’.

Page 75: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 75

Para finalizar, coloca-se a questão de saber se adquirindo o vendedor o bem futuro,

tornando-se este presente, se o suposto comprador não o adquirir a indemnização faz-se

de acordo com qual interesse?

PROF. RAUL VENTURA E PROF. ROMANO MARTINEZ: interesse

contratual negativo

PROF. MENEZES LEITÃO e PROF. PEDRO ALBUQUERQUE: interesse

contratual positivo, uma vez que o contrato é válido, isto é, estamos face a uma

obrigação emergente de um contrato válido.

PROFESSOR MENEZES LEITÃO

I – VENDA DE BENS FUTUROS, DE FRUTOS PENDENTES E DE PARTES

COMPONENTES OU INTEGRANTES DE UMA COISA

SITUAÇÕES EM QUE EXISTE VENDA DE BENS FUTUROS:

i. Quando o vendedor aliena bens que não existem ao tempo da declaração

negocial (ex: venda de uma fracção autónoma de um edifício ainda por

construir);

ii. Quando o vendedor aliena bens que não estão em seu poder (ex: venda dos

peixes que vier a pescar nesse dia no lago);

iii. Quando o vendedor aliena bens a que ele não tem direito (ex: um agricultor

vende os cereais que lhe virão a ser fornecidos por outro agricultor).

Venda de frutos pendentes, partes componentes ou integrantes de uma coisa estas

entidades podem ser incluídas num conceito amplo de coisa futura, que abranja também

as coisas ainda não autónomas de outras coisas, mas que destas irão ser separadas.

A autonomização no âmbito do art. 880.º CC, por um lado, da venda de bens futuros e,

por outro lado, da venda de frutos pendentes, partes componentes ou integrantes de uma

coisa, justifica-se em virtude do art. 408.º/2 que estabelece a transferência da

propriedade em momentos diferentes:

Page 76: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 76

VENDA DE BENS FUTUROS a transferência da propriedade ocorre no

momento da aquisição pelo alienante;

VENDA DE FRUTOS PENDENTES, PARTES COMPONENTES OU

INTEGRANTES a transferência da propriedade ocorre apenas no momento

da colheira ou separação.

PROF. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES: o conceito de coisa futura do

art. 211.º encontra-se incompleto, uma vez que nele se incluem ainda as

coisas inexistentes e as coisas ainda não autónomas. De notar que as

partes integrantes ou componentes referidas no art. 880.º são apenas que

irão ser separadas do prédio por negócio próprio, pelo que a aquisição de

elevadores para futura incorporação no prédio não cabe manifestamente

nesta disposição.

Contrariamente ao que sucede na venda de coisa alheia (art. 892.º), nenhuma das partes

ignora que a coisa não pertence ao alienante, ainda que haja necessariamente a

expectativa de ela vir a integrar, no futuro, o seu património. É sempre essencial à

compra e venda a existência de uma aquisição derivada do direito a partir do vendedor,

pelo que não se poderá aplicar o art. 880.º sempre que as partes convencionem que a

transferência da propriedade se realizará a título originário ou directamente da esfera de

um terceiro para o comprador.

Nesse caso, a transferência da propriedade não ocorre imediatamente, pelo que a lei faz

surgir, a cargo do vendedor, uma obrigação de ‘’exercer as diligências necessárias para

que o comprador adquira os bens vendidos, segundo o que foi estipulado ou resultar das

circunstâncias do contrato’’. Deste modo, o vendedor estará obrigado a adquirir o bem

vendido, após o que a transferência da propriedade se processará automaticamente para

o comprador, em virtude da anterior celebração do contrato de compra e venda (art.

408.º/2).

Page 77: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 77

Se deixar de cumprir essa obrigação responderá perante o comprador por

incumprimento (art. 798.º).

INDEMNIZAÇÃO POR QUAL INTERESSE CONTRATUAL? – DIVERGÊNCIA

DOUTRINAL

PROF. MENEZES LEITÃO: estando em causa uma obrigação emergente de um

contrato validamente celebrado, essa indemnização será pelo interesse contratual

positivo.

PROF. RAU VENTURA: defende que estamos face a uma indemnização pelo

interesse contratual negativo, uma vez que considera a venda de bens futuros

como um contrato incompleto, antes de se verificar a transferência da

propriedade.

Contudo, se se tornar impossível proceder a essa aquisição total ou parcialmente, por

facto que não seja imputável ao vendedor, o resultado será a extinção da obrigação ou o

cumprimento parcial, casos em que, respectivamente, o vendedor perderá o direito à

contraprestação (art. 795.º/1), ou verá esta ser proporcialmente reduzida (art. 793.º/1).

Deste modo, o risco é atribuido ao vendedor, uma vez que não se está perante uma

hipotese de aplicação do art. 796.º, em virtude de a propriedade não ter sido transmitida

para o comprador.

Nos termos do art. 880.º/2, a venda de bens futuros poderá ser clausulada como contrato

aleatório, caso em que o objecto da venda é a mera esperança de aquisição das coisas

(ex: alguém vender a futura produção de laranjas do seu pomar, independentemente de

esta ocorrer ou não). Nesse caso, uma vez que o objecto do negócio é a própria

esperança, o comprador está obrigado a pagar o preço, ainda que a transmissão dos bens

não chegue a verificar-se (ex: a colheita se vir a perder por poluição ou condições

climatéricas irregulares).

VENDA DE BENS FUTUROS ≠ VENDA DE ESPERANÇAS

Page 78: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 78

A diferença entre estas vendas reside no facto de na venda de esperanças existir uma

atribuição ao comprador do risco de não se verificar a transmissão da propriedade

clausulada no contrato. Uma vez que essa atribuição envolve uma derrogação às regras

normais de distribuição do risco, tem-se entendido que deve ser expressamente

clausulada. Assim, se na venda de bens futuros as partes nada estipularem sobre o

regime do risco, o contrato será qualificado como rei speratae e não como emptio spes

(venda de esperanças).

Nos termos do art. 880.º/2, a venda de esperanças é um contrato aleatório, uma vez que

o comprador tem sempre que pagar o preço, mas não tem a certeza de existir qualquer

correspectivo patrimonial nesse contrato, uma vez que corre porsua conta e risco a

verificação ou não da transmissão da propriedade. A doutrina no geral considera que o

caracter aleatório não obsta à qualificação como compra e venda, uma vez que, esta por

vezes revesta essas caracteristicas. Contudo, segundo o PROF. RAUL VENTURA o

elemento aleatório impede a qualificação do contrato como compra e venda.

NATUREZA DA VENDA DE BENS FUTUROS – DIVERGÊNCIA DOUTRINAL

DOUTRINA DEFENDIDA PELO PROF. RAUL VENTURA: negócio

incompleto ou em via de formação, na medida em que o consenso das partes

seria insuficiente para produzir a transmissão da propriedade, enquanto faltasse a

coisa, apenas se concluindo o negócio com a aquisição pelo vendedor.

DOUTRINA DEFENDIDA PELO PROF. ROMANO MARTINEZ: negócio sob

a condição suspensiva de os bens passarem para a disponibilidade do venedor.

POSIÇÃO DOMINANTE NA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

ITALIANA: modalidade especial de venda obrigatória, uma vez que o vendedor

se obriga, com caracter definitivo, a realizar o que for necessário para que se

possa verificar a aquisição da propriedade pelo comprador.

OPINIÃO DO PROF. MENEZES LEITÃO QUANTO A ESTAS POSIÇÕES

Page 79: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 79

QUANTO ÀS DUAS PRIMEIRAS: considera que as duas primeiras posições

são de todo incorrectas: apenas se amplicam à emptio rei sperate, sendo

insusceptivel de traduzir a natureza da emptio spei, há que se nesta o comprador

deve sempre pagar o preço, haja ou não transmissão dos bens, não se pode falar

em negócio incompleto, nem em negócio sujeito a condição. Contudo, estas

qualificações não se podem considerar correctas em relação à emptio rei

speratae: esta não é um negócio incompleto, uma vez que o consenso relativo ao

contrato encontra-se integralmente formado, sendo com base nele que se vai

verificar a futura produção do efeito real, sem necessidade de outras declarações.

E também não é um negócio sob condição, uma vez que a aquisição da

propriedade pelo vendedor corresponde a uma obrigação por este assumida, não

se verificando assim a subordinação dos efeitos do negócio a um efeito futuro e

incerto.

QUANTO À ULTIMA: a venda de bens futuros não constitui uma modalide

especifica de venda obrigatória, no sentido em que esta figura é entendida no

âmbito do Direito alemão, na medida em que, conforme se referiu, a celebração

do contrato já integra o esquema negocial translativo, que não fica dependente

de uma segunda atribuição patrimonial a realizar pelo vendedor. É, no entanto,

manifesto que aqui surge uma obrigação para o vendedor, de cujo cumprimento

vai depender a realização do efeito da transmissão previsto no contrato. Esta

caracterização é comum tanto à emptio rei speratae como em relação à emptio

spes, apenas se diferenciando porque nesta última o comprador assume ainda o

risco da não verificação do efeito translativo. Deste modo, e com a ressalva

inciial, esta é a qualificação mais adequada segundo o autor.

PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ART. 880.º

COISA FUTURA ≠ COISA ALHEIA

Mas a coisa alheia pode ser considerada como futura pelos contraentes – art. 893.º.

Page 80: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 80

COISAS FUTURAS: são aquelas que não estão no poder do disponente ou a que este

não tem direito ao tempo da declaração negocial. Podem ser coisas inexistentes (ex:

venda de coisa que o vendedor construirá ou fabricará; frutos futuros), mas também

podem as coisas existir e pertencer a terceiros, sendo que, neste caso, para que a coisa

seja havida como futura é necessário que o contrato se realize na perspectiva/suposição

de que ela vem a entrar no património do alienante – emptio rei speratae. Faltando esse

pressuposto negocial, e pertencendo a coisa alienada a terceiro, a VENDA É DE COISA

ALHEIA e não de coisa futura.

EXEMPLOS

VENDA DE COISA FUTURA EXISTENTE NO PATRIMÓNIO DE

TERCEIRO: venda, por um comerciante, de mercadoriais ainda pertencentes ao

fornecedor;

VENDA DE COISA EXISTENTE IN RERUM NATURA, MAS NÃO

PERTENCENTE A TERCEIRO: caçador que vende a caça antes de a ocupar;

pescador que vende o peixe antes o pescar.

NÃO É VENDA DE COISA FUTURA A ALIENAÇÃO DE CRÉDITO

SUJEITO A CONDIÇÃO SUSPENSIVA OU DERIVADO DE UM

CONTRATO ALEATÓRIO: revenda de um bilhete de lotaria feita pelo

primeiro adquirente.

Nos termos do art. 880.º/1 procede-se a uma equiparação entre a venda de bens futuros

e a venda de frutos pendentes ou de partes componentes ou integrantes de uma coisa.

Tal relaciona-se com o efeito de determinação do momento em que se verifica a

transferência da propriedade nos termos do art. 408.º/2.

Nos termos do art. 880.º/1 lança-se sobre o vendedor a obrigação de realizar as

diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, prevendo os

casos em que, para a consumação do negócio, com o ingresso da coisa vendida no

património do vendedor, seja necessária uma actividade deste:

Se o vendedor vendeu coisa alheia como futura deve procurar adquiri-la;

Page 81: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 81

Se o vendedor vendeu uma res nullis, deve procurar ocupá-la;

Se o vendedor vendeu uma parte componente, uma parte integrante ou frutos

pendentes, deve separá-las ou colhê-los;

Se não o fizer, torna-se impossível o cumprimento da obrigação de entrega, e, conforme

haja ou não cupla da sua parte, aplicarar-se-ão as regras do não cumprimento culposto

(art. 798.º e ss) ou do não cumprimento não imputável ao devedor (art. 7990.º)

A forma como há-de proceder o vendedor pode ser convencionada ou pode resultar das

circunstâncias do contrato (art. 880.º/1 in fine).

Quanto aos frutos pendentes, os contraentes podem convencionar que as tarefas

necessárias à produção (mas já não as respeitantes à colheita) fiquem a cargo do

vendedor ou vice-versa, por exemplo.

IMPOSSIBILIDADE NÃO CULPOSA DO CUMPRIMENTO

REGRA: da impossibilidade não culposa do cumprimento (ex: coisa futura não

chegou a ser construída ou fabricada; os frutos pendentes não chegaram a criar-

se ou a amadurecer) resulta, em princípio, a extinção da obrigação, ficando a

outra parte desonerada e, se já tiver realizado a sua prestação, com direito de

pedir a sua restituição (art. 795.º). O contrato torna-se definitivamente

incompleto.

EXCEPÇÃO:é necessário atender ao n.º 2 do art. 880.º que admite que as partes

atribuam ao contrato caracter aleatório (emptio speti). Ou seja, por vontade dos

contraentes, não há direito à restituição do que houver sido prestador pelo

comprador; e, se este não pagou o preço, é obrigado a fazê-lo, não obstante a

impossibilidade do cumprimento por parte do venedor e a não verificação da

transferência da propriedade ou do direito. O objecto da compra e venda

consiste, numa primeira fase da relação contratual, na chance ou spes que o

comprador adquire; e numa segunda fase, pode consistir na coisa futura

entretanto surgida. Estes casos têm hoje uma aplicação prática bastante reduzida.

Page 82: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 82

IMPOSSIBILIDADE CULPOSA DO CUMPRIMENTO

REGRA:o vendedor terá que indemnizar o comprador dos danos que ele haja sofrido.

Se, pelo contrário o contrato se vier a completar, a venda produzirá os seus efeitos, não

ex tunc, mas ex nunc.

24 de Outubro – Aula 7 e 8

ART. 881.º - BENS DE EXISTÊNCIA OU TITULARIDADE INCERTA

Nos termos do artigo 881.º encontra-se consagrada uma presunção de aleatoriedade.

Contudo, a grande questão assenta em saber em que momento é devido o preço. Para

responder à questão colocada é necessário saber se o direito incide ou não sobre uma

coisa.

O ‘’tema’’ do preço desdobra-se em duas grandes vertentes: (1) constituição da

obrigação, e (2) vencimento da obrigação. A obrigação já está constituida, mas vence-se

no momento em que ocorre a entrega da coisa, nos termos do artigo 885.º.

Num contrato aleatória, o nascimento da obrigação de pagar o preço não depende da

transmissão do direito aquisitivo. A obrigação de pagar o preço nasce como

contrapartida da aquisição do direito transmitido - isto traduz o caracter oneroso. Nos

termos do artigo 881.º, o nascimento da obrigação de pagar o preço não depende da

aquisição do direito. É um risco que nasce no momento da constituição da obrigação.

Deste modo, se o direito ..

INCIDE SOBRE UMA COISA: é necessário conjugar o artigo 881.º com o

artigo 885.º. O efeito imediato traduz-se na obrigação de pagar o preço. Mas

quando é que o comprador tem de a cumprir? Para determinar o momento em

que ocorre o vencimento do preço é necessário analisar a situação de incerteza,

que termina quando:

Se chega à conclusão que a coisa não existe: o vencimento do preço

ocorre neste momento, pelo que é necessário pagar logo, neste momento,

o preço.

Page 83: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 83

Se chega à conclusão de que a coisa existe: atendendo ao artigo 885.º, o

pagamento do preço terá de ocorrer quando a coisa for entregue. Poder-

se-ia colocar a questão de saber qual o sentido desta diferenciação de

regimes aplicáveis, ou seja, porque não pagar o preço logo no momento

em que se chega à conclusão que a coisa existe. A resposta é simples: se

o comprador procedesse ao pagamento logo nesse momento não poderia,

se necessário, fazer funcionar a excepção de não cumprimento

consagrada no artigo 428.º.

NÃO INCIDE SOBRE UMA COISA: neste caso, coloca-se a questão de saber

se constituida a obrigação desde quando é que se terá de a cumprir. O artigo

885.º não tem aqui âmbito de aplicação, uma vez que não estamos face a uma

coisa. Ou seja, é necessário pagar o preço logo. Não existindo prazo ter-se-á de

pagar o preço no momento em que for interpelado pelo vendedor.

CASO PRÁTICO

Imagine-se que no dia 1 de Março é celebrado, quanto a bens de existência ou

titularidade incerta, o contrato consagrado no artigo 881.º, com caracter de

aleatoriedade. No dia 5 de Março o comprador fica a saber que o direito existe. No

dia 7 de Março o comprador informa o vendedor de que o direito existe - Fim da

situação de incerteza para ambas as partes. Coloca-se a questão de saber desde

quando é que o comprador se tornou titular/proprietário do direito?

O efeito translativo é consequência da celebração do contrato (real quoad effectum), nos

termos do artigo 879.º al. a). O comprador e o vendedor colocam em causa se o direito

que está a ser transmitido existe na esfera jurídica do vendedor no momento da

celebração do contrato. A resposta encontra-se consagrada no já mencionado artigo

879.º al. a): automaticamente ocorre a transmissão para o comprador, mas este ainda

não o sabe. O comprador apenas descobriu no dia 5 de Março que era titular do direito

desde dia 1 de Março (‘’os recém nascidos também são titulares de direitos, mas não o

sabem’’). Mas, nestes casos por conta de quem corre o risco?

Page 84: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 84

E se, dia 5 de Março, o comprador descobre que no dia 1 de Março o direito não

existia na esfera jurídica do vendedor, tendo só passado a integrar tal no dia 2 de

Março?

Neste caso, não ocorreu a transmissão do direito, uma vez que no dia 1 de Março o

vendedor não era titular do direito. Não existe transmissão do direito, pelo que terão de

celebrar um novo contrato. PERGUNTA DE EXAME!

Por fim, sendo o contrato comutativo e existindo a titularidade do direito desde dia 1 de

Março, o preço só terá de ser pago depois de o comprador ser interpelado, sendo de

salientar que seria de má fé cobrar juros de mora desde dia 1 de Março.

ART. 887.º a ART. 891.º - VENDA DE COISAS SUJEITAS A CONTAGEM,

PESAGEM OU MEDIÇÃO

Em primeiro lugar é necessário proceder à definição do objecto. No âmbito de aplicação

deste tipo de vendas encontram-se inseridas as coisas determinadas (≠ coisas genéricas),

específicas e presentes. A este regime não se aplica o regime do erro, o que tem como

utilidade afastar o erro como causa de invalidade do contrato. Aquilo que resulta da

contagem, pesagem ou medição impõe-se.

Quanto à influência do preço:

REGRA: é a modalidade consagrada no artigo 887.º, o que significa que a

mudança do objecto corresponde uma mudança do preço;

EXCEPÇÃO: é a modalidade consagrada no artigo 888.º, o que significa que

com a mudança do objecto não se muda automaticamente o preço, depende da

situação concreta (n.º2 do artigo 888.º).

O acórdão estudado referente a esta matéria e que se pronúncia sobre a (não) aplicação

do erro neste regime acaba por concluir que nas situações que se enquadram no âmbito

de aplicação deste regime de venda não se pode invocar erro nem cumprimento

defeituoso.

Page 85: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 85

Quanto ao risco, no contrato promessa, por exemplo, de mercadorias, define-se o

objecto, mas com a transmissão da propriedade aplica-se o regime do artigo 796.º,

adquirindo o comprador a propriedade no momento da celebração do contrato. Não está

em causa uma venda de coisa genérica: nestes casos, só quando a coisa se tornar

específica é que a transmissão da propriedade ocorre, nos termos do artigo 408.º/2.

CASO PRÁTICO

Por acordo, ‘’A’’ vende a ‘’B’’ 30 cadeiras que se encontram num armazém, a um

preço de 40euros/cada, o que no total satisfaz o preço de 1200euros. ‘’B’’ possui

uma empresa de eventos, dizendo a ‘’A’’ que queria as cadeiras para um

importante almoço em que estariam, certamente, presentes mais de 20 pessoas. O

contrato foi submetido ao regime do artigo 887.º. Na ida ao armazém, após a

contagem das cadeiras existentes no mesmo, verifica-se que só existiam 20

cadeiras.

Neste caso, atendendo ao regime consagrado no artigo 887.º seria ‘’devido o preço

proporcional ao número’’ de cadeiras. Contudo, para ‘’B’’, as 20 cadeiras não têm

qualquer utilidade, pois, de facto, e tal como acordado, seriam necessárias mais de 20

cadeiras. Coloca-se então a questão de saber é possível compatibilizar com o regime do

artigo 887.º o regime do erro. Ora, as partes não querem afastar e todo e qualquer erro.

As partes podem delimitar o erro que querem afastar. Neste caso, as partes delimitaram

que seria de 30 cadeiras.

Deste modo, qual será o regime a aplicar: o constante no artigo 251.º ou o constante no

artigo 252.º/2?

ARTIGO 251.º ARTIGO 252.º/2

É necessário provar duas coisas:

(1) Congnoscibilidade da Essencialidade

(2) Essencialidade do Erro

É necessário provar:

(1) Que o Erro é sobre a Base do Negócio

(2) Que o Erro é Bilateral

Page 86: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 86

No caso seria mais simples provar que o erro incide no âmbito de aplicação do artigo

252.º/2.

E se, chegando ao armazém, existissem 40 cadeiras?

Perante tal situação, ‘’B’’ poderia fazer uma de duas coisas:

Aplicando o regime consagrado no artigo 887.º, que estabelece a regra do preço

proporcional ao número, neste caso, de cadeiras, pagaria o valor das 40 cadeiras,

isto é, 1600 euros, ou

Resolveria o contrato nos termos do artigo 891.º, uma vez que ‘’o preço devido

por aplicação do artigo 887.º excede o proporcional à quantidade desclarada em

mais de um vigésimo deste’’ (o preço correspondente a 30 cadeiras seria de

1200 euros, pelo que um vigésimo deste valor, isto é 5%, corresponde a 60

euros; tendo ‘’B’’ de pagar por 40 cadeiras 1600 euros verifica-se que este

requisito se encontra verificado).

Imagine-se que, em vez de submeter o presente contrato ao regime do artigo 887.º,

as partes submeteram o contrato ao regime do artigo 888.º. Tendo as partes

acordado e consagrado no contrato que o objecto da compra e venda seriam no

mínimo 30 cadeiras, chegando ao armazém existem apenas 20 cadeiras.

Neste caso, já não poderemos recorrer ao critério da proporcionalidade do preço ao

número consagrado no artigo 887.º, que se fosse aplicável corresponderia a ‘’B’’ ter de

pagar o montante de 880 euros (20cadeiras X 40 euros), em vez de 1200 euros

(30cadeiras X 40 euros).

Aplicando o critério do artigo 888.º, existindo 20 cadeiras e se a quantidade efectiva não

diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, ‘’B’’ terá de pagar o preço

correspondente a 30 cadeiras.

Page 87: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 87

Cálculos:

29 – 20 = 9 (só este número de cadeiras será descontado ao preço)

9 X 40 = 360

1200 – 360 = 840

A ‘’banda’’ (leia-se imagem) não serve apenas para verificar se mexeu no preço, mas

também como se mexe.

QUERELA DOUTRINAL:

PROF. ANTUNES VARELA: desconta apenas o valor das 9 cadeiras.

PROF. LUÍS MENEZES LEITÃO: desconta o valor das 10 cadeiras.

PROF. PEDRO EIRÓ: segue a posição do PROF. ANTUNES VARELA, uma

vez que a posição do segundo autor é igual à consagrada no artigo 888.º.

Nos termos do artigo 889.º consagra-se o mecanismo da compensação, sendo que esta

apenas se faz pelo menor número da diferença. A grande problemática que este artigo

levanta é a de saber o que se entende por coisas homogéneas QUERELA

DOUTRINAL:

PROF. RAÚL VENTURA: entende por coisas homogeneas as coisas que forem

da mesma natureza, idênticas e com o mesmo valor.

PROF. ANTUNES VARELA e PROF. LUÍS MENEZES LEITÃO: o artigo

889.º aplica-se a coisas do mesmo genero, mas não da mesma espécie, pelo que

não tem o mesmo preço.

Page 88: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 88

Note-se ainda que o PROF. ANTUNES VARELA defende a aplicação do artigo 888.º/2

a questões do preço, procedendo para tal a uma aplicação analógica.

PROFESSOR MENEZES LEITÃO

I – VENDA DE BENS DE EXISTÊNCIA OU TITULARIDADE INCERTA

Em princípio, apenas poderão ser objecto de venda de coisas que existem e pertencem

ao vendedor, uma vez que se a venda disser respeito a coisas inexistentes o contrato é

nulo por impossibilidade física ou legal do objecto (artigo 280.º/1), nulidade que

também se verifica se as coisas não pertencerem ao vendedor (artigo 892.º).

Contudo, se se venderem bens de existência ou titularidade incerta e no contrato se fizer

menção dessa incerta, o contrato é válido, nos termos do artigo 881.º. Essa incerta

constitui um estado subjectivo, que tem que se verificar em relação a ambas as partes.

Exemplo: alguém vende um tesouro que se supõe estar enterrado em determinado

terreno, mencionando a incerteza da existência do referido tesouro.

Existe uma presunção legal de que as partes quiseram celebrar um contrato aleatório,

pelo que será devido o preço ainda que os bens não existam ou não pertençam ao

vendedor, nos termos do artigo 881.º. As partes podem elidir essa presunção, recusando

ao contrato natureza aleatóri, caso em que o preço só será devido no caso de os bens

existirem e pertencerem ao vendedor.

VENDA DE BENS DE EXISTÊNCIA OU TITULARIDADE INCERTA

VENDA DE BENS FUTUROS

A venda de bens de existência ou titularidade incerta não toma por base a expectativa de

uma futura aquisição ou autonomização da coisa no património do vendedor, mas antes

a incerteza de uma situação presente, relativa à existência ou à titularidade do bem

objecto de venda.

VENDA DE BENS DE EXISTÊNCIA OU TITULARIDADE INCERTA

Page 89: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 89

VENDA DE BENS ALHEIOS NULA

Na venda de bens de existência ou titularidade incerta, o vendedor não celebra o

contrato na qualidade de proprietário da coisa, excluindo assim qualquer garantia

relativamente a essa situação. Por esse motivo, não existe na venda de bens de

existência ou titularidade incerta nenhuma obrigação de o vendedor praticar os actos

necessários para que o comprador adquira os bens vendidos (artigo 880.º e 897.º), nem

sequer qualquer obrigação de esclarecer a situação de incerteza existente no momento

da celebração do contrato. O vendedor ficará apenas constituído, como é regra geral, no

dever de entregar a coisa, se e quando se comprar que esta existe e/ou lhe pertence.

Se, como a lei presume, a venda de bens de existência ou titularidade incerta tiver sido

celebrada como contrato aleatório, o preço é devido pelo comprador, ainda que os bens

não existam ou não pertençam ao vendedor. Mas quando é que é devido esse preço? Na

opinião do PROF. MENEZES LEITÃO, o preço é devido logo no momento da

celebração do contrato e não apenas no momento em que se conhece a efectiva situação

dos bens: desde a celebração do contrato, o comprador constitui-se nessa obrigação, a

qual em relação a ele não fica dependente da resolução de qualquer incerteza.

Se as partes recusarem ao contrato natureza aleatória, a obrigação de pagar o preço fica

dependente do cumprimento da obrigação de entrega como é regra geral (artigo

885.º/1). Assim, o comprador apenas ficará definitivamente constituído na obrigação de

pagar o preço após a resolução da situação de incerteza em relação à coisa, podendo nos

termos gerais recusar o cumprimento da obrigação, enquanto o vendedor não lhe

efectuar a sua entrega (excepção de não cumprimento – artigo 428.º).

PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ART. 881.º

Estabelece-se neste preceito a presunção de que, fazendo o contrato menção da

incerteza acerca da existência ou titularidade dos bens vendidos, as partes lhe quiseram

atribuir natureza aleatória. É uma presunção que conduz à aplicação do regime prescrito

no artigo 880.º/2, ou seja, à obrigatoriedade do pagamento do preço por parte do

Page 90: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 90

comprador, não obstante este não adquirir o direito comprado. Trata-se de uma mera

presunção que pode ser afastada pelas partes, não sendo necessária uma recusa expressa.

Ou seja, basta que a menção de incerteza seja feita em termos que as partes não

quiseram atribuir ao contrato caracter aleatório.

II – VENDA DE COISAS SUJEITAS A CONTAGEM, PESAGEM E MEDIÇÃO

A venda de coisas sujeitas a contagem , pesagem e meição consiste numa venda de

coisas determinadas, dado que a obrigação só está determinada quanto ao género e

qualidade (artigo 539.º). Não se aplica este regime se as parte se limitam a comprar

20kg de maças ou acordam no fornecimento de tantos kilowatts de electricidade. Já

será, no entanto, aplicavel o regime do artigo 887.º e seguintes se as partes acordam na

venda de um determinado saco de mças, que indicam conter 20kg, ma vez que nessa

caso há se estará perante uma venda de coisas específicas, ainda que sujeita a pesagem,

sendo a essa situação que se refere esta modalidade específica de venda.

Note-se ainda, que nos termos do artigo 427.º CCom dispõem-se que as coisas não

vendidas ou a esmo ou por partida inteira, mas por conta, peso ou medida, são a risco do

vendedor até que sejam contadas, pesadas ou medidas, salvo se a contagem, pesagem ou

medição se não faz por culpa do comprador. Ou seja, nesta norma estabelece-se um

regime diferente de risco da venda a conta, peso ou medida em relação à venda a esmo

ou por partida inteira (artigo 472.º Ccom: ‘’haver-se-á por feita a venda a esmo ou

partida inteira quando as coisas forem vendidas por um só preço determinado, sem

atenção à conta, peso ou medida dos objectos, ou quando se atender a qualquer destes

elementos unicamente para determinar a quantia do preço’’ e ‘’em relação à venda por

conta, peso ou medida, quando a fazenda se entrega, sem se contar, pesar ou medir, a

tradição para o comprador supre a conta, o peso ou a medida’’). O regime do risco aqui

estabelecido corre contra o vendedor, o que faz supor que esta disposição se refere a

vendas genéricas, sujeitas a essa regra (artigo 541.º), e não à venda de coisas

determinadas, sujeitas a contagem, pesagem ou medição, que é a situação referida nos

artigos 887.º e seguintes. Deste modo, conclui-se pela inexistência de regime específico

no âmbito do Direito Comercial para esta situação, valendo, por isso, também aqui o

regime civil (artigo 3.º CCom) – posição do PROF. MENEZES LEITÃO, ROMANO

MARTINEZ E RAUL VENTURA.

Page 91: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 91

Ao contrário do que sucede na venda de coisas genéricas, em que a indicação da

quantidade se torna necessária à própria perfeição do contrato, no âmbito da venda de

coisas específicas não é necessária a indicação no contrato de qualquer quantidade, uma

vez que a simples individualização da coisa já é, só por si, suficiente para determinar o

objecto da venda. Pode, porém, acontecer que as partes resolvam também no âmbito da

venda de coisas determinadas, acrescentar no contrato a referência à quantidade da

venda, quer para efeitos de melhor descrição do bem vendido, quer para efeitos de

determinação do seu preço (esta situação ocorre especialmente na venda de bens

imóveis, nomeadamente na de terrenos, em que é usual referir a área correspondente ao

objecto da venda: por este motivo, os artigos 1537.º e seguintes do Código Italiano,

onde se encontra o regime correspondente aos artigos 887.º e seguintes do nosso

Código, apenas se referem a bens imóveis; esta situação pode ainda ocorrer, por

exemplo, na venda de um conjunto de cordas, indicando-se a quantidade de metros do

mesmo).

Essa referência das partes à quantidade dos bens vendidos vai implicar uma futura

operação de contagem, pesagem ou medição, a qual coloca o problema de

eventualmente se verificar uma discrepância entre a referência contratual e o resultado

da operação de contagem, pesagem ou medição. Uma vez que s eestá perante coisas

determinadas e não de coisas genéricas, a venda considera-se concluída antes da

operação de contagem, pesagem ou medição, logo com a celebração do contrato,

adquirindo assim o comprador imediatamente a propriedade dos bens vendidos (artigo

408.º/1), suportando consequentemente o risco pela sua perda ou deterioração (artigo

796.º/1), pelo que a discrepância apenas pode ter reflexos para efeitos de apuramento do

preço devido.

Os efeitos dessa discreância são diferentes consoante o preço da venda tenha sido:

ESTABELECIDO EM FUNÇÃO DE UM TANTO POR CADA UNIDADE

VENDIDA (VENDA AD MENSURAM OU POR MEDIDA): o artigo 887.º

determina que, independentemente da quantidade referida no contrato, o que o

comprador deve é o preço proporcional ao número, peso ou medida real das

coisas vendidas.

Page 92: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 92

ESTABELECIDO PARA O CONJUNTO DE COISAS VENDIDAS (VENDA

AD CORPUS OU A CORPO): o artigo 888.º determina que o comprador deve o

preço declarado, mesmo que a indicação da quantidade referida no contrato não

tenha correspondência com a realidade, a menos que a divergência entre a

quantidade real e a declarada seja superior a um vigésimo desta, caso em que o

preço não sofrerá redução ou aumento proporcional (na totalidade e não apenas

na parte que excede um vigésimo).

PROF. RAUL VENTURA: pode acontecer a ocorrência simultânea das duas situações,

como na hipótese de alguém declarar vender um prédio, que mede 1 há por 100.000

euros à razão de 1.000 euros m2. Neste caso, só pela interpretação do negócio poderá

concluir-se que as partes tiverem em consideração um preço global, que explicariam

pela indicação do preço unitário ou antes um preço unitário que multiplicaram para

obter o preço global, sendo essa interpretação que permitirá descobrir o regime

aplicável.

O remédio que a lei prevê para essa discrepância entre a quantidade de coisas vendidas

e a que é declarada no contrato éa correcção do preço estabelecido, correcção essa que

se verifica sempre que a venda por medida (artigo 887.º), mas que só ocorre se a

discrepância for superior a 5% na venda a corpo (artigo 888.º).

RATIO DA DISCREPÂNCIA: na venda a corpo, o facto de as partes não terem

indicado um preço unitário, mas um preço global leva a supor que a sua vontade se

formou essencialmente em relação a esse preço global, sendo incidental a referência à

quantidade, peso ou medida das coisas vendidas; pelo contrário, na venda por medida,

o facto de as partes fazerem referência directa ao preço unitário leva a supor que a

vontade das partes é fazer o preço corresponder à efectiva quantidade, peso ou medida

das coisas entregues.

O direito ao recebimento da diferença de preço pode ser, no entanto, excluído se ocorrer

compensação entre faltas e excessos e na medida em que essa compensação se verificar,

nos termos do artigo 889.º que dispõe ‘’quando se vender por um só preço uma

pluralidade de coisas determinadas e homogéneas, com indicação do preço e medida de

cada uma delas, e se declarar quantidade inferior à real quanto a alguma ou algumas e

superior a outra ou outras, far-se-á compensação entre as faltas e os excessos até ao

Page 93: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 93

limite da sua concorrência’’. Quando o conjunto de coisas vendidas abrange mais do

que uma categoria e a discrepância na referência se caracterizar por faltar parte de uma

das categorias e haver excesso quanto às outras, as faltas e os excessos compensam-se.

Exemplo (PROF. BAPTISTA LOPES): vende-se uma adega de vinho, contendo 50

pipas de vinho tinto e 50 de vinho branco, quando no fim se verifica que a adega há

antes 40 pipas de vinho tinto e 60 pipas de vinho branco. Neste caso, não tem o

vendedor que corrigir a discrepância, uma vez que o excesso de uma das categorias

compensa a falta da outra. Na medida em que se opera a compensação, naturalmente

que deixam as partes de poder exigir a diferença de preço, ainda que a discrepância da

quantidade de uma ou ambas ultrapasse um vigésimop em relação à declarada,

conforme referido no artigo 888.º/2 – QUERELA DOUTRINAL

PROF. ANTUNES VARELA: pode haver neste caso aplicação da diferença de

preço proporcional, no caso de ‘’efectuado o encontro, se alegar e provar que a

diferença entre o preço global fixado e o preço que resultaria dos preços

unitários que os contraentes tiveram ou deveriam ter em vista excede um

vigésimo daquele, deve permitir-se, por analogia com o caso versado no preceito

anterior, o aumento ou redução proporcional do preço’’. O professor invoca em

abono desta solução a proximidade com o artigo 1540.º CC italiano, que a

consagra expressamente e que ‘’atender apenas, em casos deste tipo, à diferença

e ao excesso de quantidade das coisas, sem considerar a sua diferença de valor,

seria consagrar uma verdadeira fonte de injustiças que não esteve no pensamento

da lei’’;

PROF. BAPTISTA LOPES: considera intencional a não adopção da solução do

CC italiano, e que não se justifica adoptar neste caso a solução do artigo 888.º/2,

uma vez que a vontade das partes se forma sobre o preço global e não há

prejuízo, uma vez que o se perde numa das categorias ganha-se na outra.

PROF. LUÍS MENEZES LEITÃO: concorda com a posição anterior,

uma vez que na sua opinião, efectiavamente a norma do artigo 889.º

pretende restringir a aplicação do artigo 888.º/2, precisamente na medida

da compensação entre as duas categorias. Esta norma só se aplicará

Page 94: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 94

assim se, depois de efectuada a compensação subsistir uma diferença de

um vigésimo entre a quantidade declarada e a efectivamente vendida.

O direito ao recebimento da diferença de preço tem que ser exigido num prazo

relativamente curto, já que a lei determina a sua caducidade dentro de 6 meses ou 1 ano

a contar da entrega da coisa, consoante esta seja móvel ou imóvel, salvo se a diferença

só se tornar exigível em momento posterior à sua entrega, dado que nesse caso o prazo

contar-se-á a partir desse momento (artigo 890.º/1). No entando, se a venda for de

coisas que hajam de ser transportadas de um lugar para outro, o prazo reportado à data

da entrega só começa a correr no dia em que o comprador as receber.

Nos termos do artigo 891.º prevê-se ainda que tanto na venda a medida como na venda

a corpo, o comprador possa resolver o contrato, sempre que seja obrigado a pagar ao

vendedor uma diferença de preço superior a um vigésimo do preço declarado, direito

que só não surge se tiver ocorrido dolo do comprador, ou seja se o comprador não tiver

efectuado sugestão ou artificio com intenção ou consciência de manter em erro o

vendedor ou não tiver dissimulado o erro deste (artigo 253.º). Este direito caduca no

entanto, no prazo de 3 meses a contar da data em que o vendedor exigir esse esxcesso.

A resolução aqui prevista está naturalmente sujeita às regras gerais dos artigos 432.º e

seguintes.

O regime dos artigos 887.º e seguintes não excluir a aplicação do regime do erro, caso

se verifiquem os seus pressupostos. Assim, se for essencial para o declarante que a coisa

vendida tenha a quantidade declarada e a outra parte conhecia ou não podia ignorar essa

essencialidade, cabe à parte a anulação do contrato nos termos gerais (artigo 251.º e

247.º).

Page 95: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 95

ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ART. 887.º a 891.º

i. ARTIGO 887.º

A hipotese prevista é a da venda ter por objecto coisas determinadas e fixar-se o preço

por unidade (venda por medida). É, quanto aos imóveis a chamada venda mensuram

(por oposição à venda ad corpus).

O conflito por surgir, se forem indicadas quantidades diferentes das que constituem o

objecto do contrato, e surge principalmente quando se indica um preço global que não

coincide com o produto da quantidade, peso ou medida real pelo preço fixado por cada

unidade.

Exemplo1: vende-se o vinho duma adega a 200.00€ a pipa, mas indica-se a existência

de 20 pipas quando, na realidade existem apenas 19. O preço devido é o correspondente

a estas 19 pipas e não às 20 indicadas. Sendo o preço global 40 000.00€, o preço será

corrigido para 38 000.00€.

Em consequência da aplicação deste critério pode o comprador ser lesado, se a

existência, na realidade, for muito superior à indicada no contrato, pois este acaba por

comprar mais do que pretendia e julgava ter adquirido. Para obviar a este inconveniente,

o artigo 891.º atribui-lhe o direito de resolução, se o preço devido, por aplicação do

artigo 887.º, exceder o proporcional à quantidade declarada em mais de um vigésimo

deste, e o vendedor exigir esse excesso.

A hipotese tratada no artigo 887.º não é a de o vendedor ter entregue coisa

quantitativamente diferente da que constitiu objecto do contrato: nesse caso, haverá

cumprimento defeituoso do contrato sujeito a outras regras. Do que se trata é de o

objecto do contrato, que foi inteiramente entregue, não se ajustar à indicação, ao juízo

ou cálculo que sobre ele fizeram ambas as partes ou uma delas. E foi para este tipo de

casos que se adoptou, em princípio, o regime próprio do erro de cálculo, rectificando o

preço global em função da quantidade real e do preço de cálculo fixado pelos

interessados e evitando deste modo a anulação de contratos em que o erro sofrido pelos

contraentes não é, por via de regra, essencial.

Page 96: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 96

ii. ARTIGO 888.º

O caso previsto correpondente na venda de imóveis (especialmente de prédios rústicos)

à venda ad corpus, difere do estabelecido no artigo 887.º. Não se fixa agora o prçeo por

unidade, mas sim um preço global, embora se indique o número, peso ou medida da

coisa vendida,

Exemplo: aliena-se uma vasilha de vinho por 200.00€, com a indicação de que essa

vasilha contém 500 litros ou vende-se uma adega de vinho por 100 000.00€, com a

declaração que nela existem 50 pipas. Em qualquer das hipóteses, o preço devido é o

global, embora a medida indicada não corresponda à realidade.

De facto, de as partes não terem indicado o preço unitário extrai-se a conclusão de que

elas formaram a sua vontade sobre o prçeo e a coisa globalmente consideradas, sendo

apenas incidental a referência à quantidade, peso ou medida das coisas vendidas.

Nos termos do seu n.º2, atenua-se as consequências da aplicação do critério adoptado,

atribuindo, quer ao vendedor, quer ao comprador, se a quantidade efectiva diferir da

declarada em mais de um vigésimo desta, o direito a um aumento ou redução

proporcional do preço. No primeiro caso será o da vasilha conter mais de 525 litros ou

menos de 475; no segundo caso o na adega existirem mais de 52 pipas e meia ou menos

de 47 e meia. Para que haja direito ao aumento ou à redução do preço é necessário,

porém, que se tenha indicado ou declarado o número, peso ou medida das coisas

vendias.

Além destes direitos, o artigo 891.º confere ao comprador o direito de resolver o

contrato, se o preço devido exceder o proporcional à quantidade declarada em mais de

um vigésimo e o vendedor exigir esse excesso.

Exemplo: o vendedor aliena um prédio que diz ter 100 m2, por 1000. Verifica-se

posteriormente que o prédio vendido tem apenas 90 m2. A redução do preço pode ser

pedida nos termos do n.º2 deste artigo, assim como poderá ser pedida a resolução do

contrato pelo comprador, nos termos do artigo 891.º, se se verificar, por hipótese, que o

prédio media 115 m2 e o vendedor viesse exigir o excesso do preço.

Page 97: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 97

No caso de existir, efectivamente, diferença entre a quantidade efectiva e a declarada

em mais de um vigésimo desta (seja para mais ou para menos), cabe naturalmente

perguntar se o aumento ou redução do preço previstos na lei se detsinam nesse caso a

cobrir toda a diferença entre a quantidade declarada e quantidade real ou apenas a

diferença que exceda o vigésimo tolerado na disposição. Na opinião do PROFESSOR

ANTUNES VARELA, parece que a solução mais razoável ou harmónica com a ratio

legis é a segunda, considerando a diferença até ao vigésimo da quantidade declarada

como uma espécie de carência imposta supletivamente às partes pela lei.

Note-se que a disposição do n.º2 da norma em análise não reveste caracter imperativo,

visto não assentar em razões de interesse público, sem prejuízo do disposto no artigo

282.º.

iii. ARTIGO 889.º

Interessa no âmbito deste artigo a circunstância de o objecto da compra e venda ser

constituído por uma pluralidade de coisas determinadas e homogenas, com a fixação de

um preço único. É preciso que se trate de um so contrato e não de duas vendas distintas.

Exemplo: vende-se por 10 000.00€ o milho e o centeio existentes num celeiro e declara-

se que há nele 100 arrobas de milho e outras 100 de centeio. Se pela pesagem se

verificar que há de milho 85 e de centeio 112, haverá que compensar a falta do milho

com o excesso de centeio até ao limite da sua concorrência. Não se poderá, portanto,

considerando aplicável ao milho o disposto no n.º 2 do artigo anterior reduzir o preço

deste. E também não haverá, no caso mencionado, aumento ou redução do preço global,

dado o disposto no n.º1 daquele mesmo artigo.

Far-se-á antes a compensação entre a vantagem proveniente do excesso e o prejuízo

derivado da falta. Contudo, se efectuado o encontro, se alegar e provar que a diferença

entre o preço global fixado e o preço que resultaria dos preços unitários que os

contraentes tiveram ou deveriam ter em vista excede um vigésimo daquele, deve

permitir-se, por analogia com o caso versado no artigo anterior, o aumento ou redução

proporcional do preço.

Atender apenas, em casos deste tipo, à diferença o ao excesso da quantidade das coisas,

sem considerar a sua diferença de valor, seria consagrar uma verdadeira fonte de

Page 98: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 98

injustiças, que não esteve no pensamento da lei. Parte-se obviamente neste raciocinio da

ideia de que, não obstante a fixação de um só preço (global), os contraentes tiveram em

mente ou deviam ter tido o prçeo unitário de cada coisa e de que as coisas homogénas a

que a lei se refere são as coisas do mesmo género (parcelas do mesmo ou de diferentes

prédios rústicos, andares do mesmo ou de diferentes edificios, cereais ou materiais de

construção existentes no mesmo ou em diferentes armazens do mesmo dono, etc.), mas

não necessariamente da mesma espécie (≠ PROF. RAUL VENTURA)

iv. ARTIGO 890.º

O artigo 887.º e o artigo 888.º/2 consagram os casos de direito ao recebimento da

diferença de preço: estabelece-se para eles o regime da caducidade, e não o da

prescrição contra o que se propunha no Anteprojecto de Galvão Telles.

Consequentemente não existe suspensão nem interrupção dos respectivos prazos (artigo

328.º).

Os prazos de caducidade são de 6 meses ou de um ano, consoante a coisa for móvel ou

imóvel. Estes prazos contam-se, em princípio, a partir da entrega da coisa vendida; mas

se o direito à diferença só se tornar exigivel depois da entrega, só a partir deste

momento se começaram a contar. É o que se verifica quando se fizer a contagem,

pesagem ou medição, não no momento da entrega, mas em momento posterior, ou se

convencionar um prazo para o cumprimento da obrigação. Os prazos são curtos de

modo a evitar que se protele por muito tempo a situação de incerteza sobre os termos do

contrato.

O n.º2 do artigo 890.º prevê ainda um outro caso em que o prazo de caducidade de 6

meses só começa a correr num momento posterior à entrega: devendo a coisa ou coisas

vendidas ser transportadas de um lugar para outro, é havido como momento da entrega

o do recebimento da mercadoria. Tem perfeita justificação o aparente desvio de critérios

entre este n.º2 do artigo 890.º e o artigo 790.º, relativo ao problema do risco. É que a

contagem do prazo para o exercício do direito de exigir a diferença do preço só se

compreende a partir do momento em que o comprador recebe as coisas e pode, assim,

aperceber-se do erro havido.

Page 99: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 99

v. ARTIGO 891.º

O direito de resolução é conferido exclusivamente ao comprador. O vendedor, no caso

do artigo 887.º, apenas npode exigir ao comprador o preço proporcional ao número,

peso ou medida real das coisas vendidas, haja diferença ou excesso, e, no caso do n.º2

do artigo 888.º, apenas pode exigir o aumento proporcional do preço. A resolução é,

portanto, conferida em atenção aos encargos imprevistos que o comprador assumiu, em

consequência de um erro. Pode o comprador não estar preparado para suportar um

encargo superior ao montante previsto, não sendo razoável impor-lho para além de certo

limite. Tanto mais quanto é certo que, na generalidade dos casos de que trata esta

secção, a responsabilidade do erro é do vendedor e não do comprador.

Não importa que o erro seja culposo. Só se o comprador tiver procedido com dolo, ou

seja, com intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o outro contraente

(artigo 253.º) é que o n.º1 lhe coarcta tal direito.

O direito à resolução, quer se trate da hipotese prevista no n.º2 do artigo 888.º, quer da

contemplada no artigo 887.º, só é conferido ao comprador se houver um aumento do

preço superior a uma vigésima parte do preço declarado e o vendedor exigir esse

excesso.

O direito de resolução está sujeito a caducidade (artigo 328.º e seguintes) e não a

prescrição, tal como o direito à diferença do preço referido no artigo anterior. O prazo

de caducidade é de 3 meses, mas só começa a contar-se quando o vendedor exigir o

excesso por escrito.

Page 100: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 100

31 de Outubro – Aula 9 e 10

ART. 892.º a 904.º - VENDA DE BENS ALHEIOS

Quando se fala em venda de coisa alheia tal designa uma situação em que se procede à

alienação de um direito de outrem como sendo próprio (conjugação do artigo 892.º com

o artigo 904.º). A lei, para estas situações, determina a nulidade.

Esta venda pressupõe que um dos sujeitos esteja de boa fé, ou seja, que não saiba que o

bem é alheio ao vendedor. Segundo o PROF. MENEZES CORDEIRO é necessário que

seja uma boa fé subjecticva, ou seja, de acordo com uma interpretação sistemática,

estejamos face a uma boa fé ética e não psicológica, ou seja, o comprador deve

desconhecer sem culpa.

Contudo, existe também a possibilidade de o comprador poder estar convencido de que

o bem pertence ao vendedor e, por sua vez, o vendedor poder estar convencido de que o

bem lhe pertence. Nestas situações, porque é que o contrato é nulo?

É necessário confrontar o regime da venda de bem alheio com o regime consagrado no

artigo 280.º. Por um lado, procede-se à concretização do artigo 280.º e, por outro lado,

existe uma impossibilidade legal do objecto.

E se se celebrasse um contrato de compra e venda de bem alheio em que nem o

vendedor nem o comprador estão de boa fé? Coloca-se a questão de saber se nestas

situações, em que nenhuma das partes se encontra de boa fé, faz sentido aplicar o

regime consagrado no artigo 892.º e ss. A resposta é negativa, uma vez que o regime

expressamente consagrado no artigo 892.º a 904.º visa proteger aquele que se encontra

de boa fé. Nestes casos, existem duas hipóteses:

A primeira hipotese corresponde a solução mais fundamentada que se traduz em

o contrato ser nulo por impossibilidade legal do objecto, nos termos do artigo

280.º;

A segunda hipotese traduz uma certa predisposição para salvar o contrato,

considerando-o como uma venda de bem futuro.

Page 101: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 101

Outra questão que importa desde já esclarecer assenta em saber se se deve considerar

válida uma venda de coisa genérica alheia. Não se vê razão para não o ser, na medida

em que com o contrato de compra e venda de coisa genérica não se transmite a

titularidade da coisa: tal só ocorre quando a coisa se torna específica, nos termos do

artigo 408.º/2. O regime consagrado no artigo 892.º e ss implica uma venda de coisa

alheia especifica, determinada e presente.

Quanto ao contrato promessa de compra e venda de bem alheio é necessário fazer um

breve raciocinio antes:

i. O bem alheio foi tratado como sendo presente ou futuro (neste último caso, ver

regime do artigo 880.º);

ii. O promitente vendedor promete vender um direito alheio como sendo seu

iii. Válido se afastar a execução específica? Em princípio, o contrato promessa sde

bem alheio sujeito a execução específica é nulo.

PROF. PEDRO EIRÓ: no direito privado existe a autonomia privada, ou seja não se

pode presseguir todo e qualquer contrato. O contrato promessa de venda de bem alheio

pode ser válido, sendo que se não estiver sujeito à execução específica e o contrato

definitivo não poder ser celebrado aplica-se o regime do incumprimento. Não se (pode)

aplica o regime da execução específica porque a sentença estaria a substituir uma

declaração negocial nula, desclaração essa do vendedor que não é o titular do direito

(venda de bem alheio). Ao contrato promessa de venda de bem alheio deve ser desde

logo aplicado o regime do artigo 892.º e ss, uma vez que existe uma obrigação de

convalidação que assegura desde logo a realização do contrato.

Page 102: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 102

O regime da venda de bens alheios pode aplicar-se às seguintes situações?

1. Actuação de um representante sem poderes (artigo 268.º), sendo que

posteriormente é negada a ratificação? Existe uma venda de bem alheio

efectivamente, mas aplica-se o seu regime?

2. No âmbito da gestão de negócios, um gestor vende um bem do dono da

gestão, sendo que este último não a aprova.

3. No âmbito do mandato, o mandatário, em cumprimento do mandato, vende

um bem do mandante e este não cumpre o disposto no artigo 1180.º a

1182.º.

Quanto ao Mandato e à Gestão de Negócios, o regime da venda de bem alheio é

aplicável desde que se trate, por um lado, de um mandato sem representação e, por outro

lado, de uma gestão não representativa: em ambas as situações o bem é tratado como

próprio

Quanto à Representação sem Poderes, sendo uma representação, o representante

representa-se a representar o outro. O representado age através do representante.

Aplica-se o artigo 268.º, uma vez que o direito alheio, por definição, não é tratado como

bem do representante. Note-se que esta solução não é comumente aceite na doutrina:

QUERELA DOUTRINAL

PROF. ROMANO MARTINEZ: aplica-se à representação sem poderes o regime

da venda de bem alheio presente no artigo 892.º.

PROF. PEDRO EIRÓ: aplica-se à representação sem poderes o regime presente

no artigo 268.º

PROF. MENEZES LEITÃO: não se aplica o regime da venda de bem alheio

presente no artigo 892.º, uma vez que o direito não é tratado pelo representante

como um bem próprio.

Page 103: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 103

Acórdão STJ 18-06-2009: existe uma venda de bem alheio. O artigo 892.º e ss consagra

uma panópila de actuações. Após a venda do bem alheio, o comprador adquire a

propriedade por outro meio que a compra e venda (há situações no direito em que as

soluções não são justas: visa-se uma tutela da aparência da titularidade do direito,

devido a razões que não se prendem com a justiça, mas sim com a segurança).

Situações, no nosso ordenamento jurídico, que representam uma manifestão da tutela da

aprência da titularidade do direito: artigo 291.º, 293.º, aquisição tabular, etc. Ou seja,

existem situações específicas, como é o caso do artigo 291.º, que visam proteger o

adquirente, não se aplicando nestes casos o regime do artigo 892.º e ss.

O regime constante no artigo 892.º, não abrange casos em que embora o alienante não

fosse titular do direito alienado, o adquirente é protegido devido à aplicação de alguns

institutos, embora exista, efectivamente, uma venda de bem alheio.

Tal é semelhante à situação em que um pai aliena um bem do filho. Vendendo um bem

alheio não se aplica o regime do artigo 892.º e ss, mas sim as regras da responsabilidade

parental. Nesta situação é necessário em primeiro lugar atender ao artigo 1892.º e

verificar se existe ou não autorização para a venda daquele bem. Em caso negativo é

necessário atender ao regime do artigo 1893.º. Note-se que o artigo 1892.º levanta dois

problemas:

1. PROBLEMA DE LEGITIMIDADE: Verificar se a pessoa que actuou não tinha

legimidade para actuar

2. PROBLEMA DE PREENCHIMENTO DE REQUISITOS: O ‘’pai’’, em

concreto, preencheu ou não os requisitos específicos para a legitimidade, isto é,

(1) autorização do tribunal e (2) autorização do outro cônjuge/’’pai/mãe’’ do

filho.

Quanto à situação do verdadeiro proprietário, o acto de compra e venda de bem alheio

face ao verdadeiro proprietário é uma rex eteralis, ou seja é uma venda entre

outras/alheia, o que equivale a dizer que ‘’o proprietário não tem nada a ver com isso’’.

A consequência imediata do negócio de venda de bem alheio para o proprietário é a

ineficácia.

Page 104: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 104

Coloca-se a questão de saber qual seria a melhor protecção para o verdadeiro

proprietário: a nulidade ou a ineficácia? A resposta assenta na ineficácia, uma vez que

se a consequência fosse a nulidade, aquele poderia perder o seu direito devido à

protecção de terceiros presente no artigo 291.º.

O que é que o verdadeiro proprietário, após ter conhecimento da venda de um bem de

que ele é titular, pode fazer?

Acção de reivindicação da coisa a terceiro, quando aquele (terceiro) esteja na

posse da coisa;

Acção de defesa da posse;

Pode dispor do bem que foi vendido, uma vez que ele é o verdadeiro proprietário

e aquela venda é lhe ineficaz;

Acção de declaração de ineficácia daquele negócio com reconhecimento da

propriedade (neste caso, a causa de pedir é a venda de bem alheio ineficaz).

Uma questão que se tem colocado na doutrina é a de saber se para instaurar uma acção

de declaração de nulidade, o verdadeiro proprietário pode ser considerado, nos termos

do artigo 286.º, como interessado.

Entende-se por interessado a pessoa em cuja esfere jurídica o acto produz efeitos, pelo

que se é interessado no destino acto. Contudo, o acto ineficaz não produz efeitos

directos ou indirectos para o verdadeiro proprietário. É indiferente se o acto se mantém

na esfera jurídica ou se é destruído. O titular do direito tem alguma vantagem adicional

em invocar a nulidade face à ineficácia? QUERELA DOUTRINAL

PROF. PEDRO EIRÓ, RAUL VENTURA E ROMANO MARTINEZ: o

verdadeiro proprietário tem legitimidade para instaurar uma acção de nulidade.

Na petição inicial de declaração de ineficácia da existência do direito de

propriedade invoca a venda de bem alheio que é ineficaz face a ele. A ineficácia

face ao proprietário resulta da nulidade da venda de bem alheio. O negócio é

ineficaz porque é nulo. A ineficácia depende da nulidade, sendo esta (nulidade)

Page 105: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 105

prioritária face aquela (ineficácia). Além disso, seria sem grande sentido conferir

legitimidade ao proprietário para pedir declaração de ineficácia e não de

nulidade.

PROF. ANTUNES VARELA E MENEZES LEITÃO: o verdadeiro proprietário

não tem legitimidade, uma vez que não é interessado no âmbito do artigo 286.º.

O verdadeiro proprietário tem legitimidade para pedir a declaração de ineficácia,

logo não tem legitimidade para requerer a declaração de nulidade, sendo que se

pedir a declaração de nulidade o tribunal terá de lhe dar a declaração de

ineficácia (o PROF. ANTUNES VARELA no âmbito desta matéria é muito

formalista).

NOTA: no Acórdão (16) a tese interpretativa do artigo 286.º aí concebida (na página

10) seria motivo de chumbo numa oral com o PROF. PEDRO EIRÓ‼

O legislador civil decidiu culminar para a venda de bem alheio esta nulidade atípica, na

opinião do PROF. GALVÃO TELLES, devido a fundamentalmente três motivos (para

mais desenvolvimento ver: BMJ 83-GALVÃO TELLES):

1. Sendo nulo é mais nítido ao olhos dos leigos/não juristas;

2. Existe uma diminuição do perigo de aparências enganosas, isto é, o vendedor

comporta-se como proprietário e os terceiros acreditam;

3. Não se estimulam desonestos e desaventureiros a tentativas de intromissão na

esfera alheia.

No Direito Romano e, mais recentemente, no Direito Alemão e no Direito Comercial,

não é seguido a solução da nulidade na venda de bem alheio. A verdade é que no Direito

Alemão da compra e venda resultam apenas efeitos obrigacionais, enquanto que no

Direito Civil Português a compra e venda possui uma eficácia real que se traduz no seu

efeito translativo. Existindo um conflito de titulares do direito é bom colocar ordem na

casa. O legislador português preocupa-se com a estabilidade das coisas. Por fim, no

Direito Comercial o que interessa é a circulação dos bens.

Page 106: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 106

Na venda de bem alheio estamos face a uma nulidade de consumo interno, isto é, uma

nulidade que está virada para o comprador e vendedor, uma vez que para o verdadeiro

proprietário o negócio é ineficaz. Tal impede que se produzam os seguintes efeitos:

Impede o efeito translativo automático, protegendo o verdadeiro proprietário;

Quanto ao conteúdo da relação jurídica, mais concretamente os direitos e

deveres (o resto é a paisagem). Obrigação complexa: que tipo de deveres

existem? Deveres principais, acessórios, etc: a relação jurídica complexa não se

limita a um direito e aum dever (artigo 397.º). Deste modo, segundo FRADA, o

facto de ser nulo impede a produção dos deveres principais do contrato;

A nulidade não impede todos os efeitos, apenas os principais: impede a criação

do dever de entregar a coisa e/ou de pagar o preço.

Note-se que a inoponibilidade do contrato não o torna válido: existe uma paralisação

dos efeitos. É inoponível a nulidade. Aquele que se faz valer da inoponibilidade diz que

para ele é válido.

O artigo 892.º levanta dois problemas:

REFERÊNCIA AO CONCEITO DE BOA FÉ: estamos face a uma boa fé

subjectiva e, na opinião do PROF. MENEZES CORDEIRO, ética: não basta ser

psicológica, tem de ser ética, ou seja, existe uma ignorância não culposa que a

coisa não pertence ao vendedor.

REFERÊNCIA AO CONCEITO DE DOLO: Existem duas possíveis

interpretações:

a) DOLO ENQUANTO CAUSA DO ERRO (PROF. PEDRO EIRÓ):

entende-se o dolo como causa do erro. É preciso que (1) o comprador

não saiba que o direito não pertence ao vendedor e que (2) não o tenha

convencido de tal – o PROF. ANTUNES VARELA é bastante exigente

neste campo, entendendo que se devem verificar estes dois requisitos.

Não basta, tal como expressamente consagra o artigo 253.º que apenas e

só alguém cause o erro em outrem. Existe uma maior protecção do

comprador.

Page 107: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 107

b) DOLO ENQUANTO MÁ FÉ (PROF. MENEZES CORDEIRO E

CÓDIGO DE SEABRA – ARTIGO 1565.º): reminescência do Código

de Seabra, sendo que a má fé assenta em o comprador saber que o bem

não pertence ao vendedor).

Sem esquecer o facto de o verdadeiro proprietário gozar de um regime especial, quem

tem legitimidade para arguir a nulidade da venda de bem alheio nos termos do artigo

286.º? Já se sabe que o legislador criou nesta matéria uma nulidade atípica, mas quão

atípica?

Qualquer interessado tem legitimidade para arguir a nulidade da compra e venda

de bem alheio (exemplo: credor do comprador)

A arguição da nulidade é tanto mais forte quanto a sua extensão a terceiros: subversão

do artigo 892.º. O legislador quis logo delimitar a figura da legitimidade ao falar em

oponibilidade? Quando se estuda as nulidades atípicas quem dá a medida? Tudo o que

não for afastado do regime especial é aplicado o regime geral.

INTERESSES DAS PARTES vs INTERESSES DE TERCEIROS

QUAIS DEVEM PREVALECER? – QUERELA DOUTRINAL

PROF. ANTUNES VARELA, MENEZES CORDEIRO, GALVÃO TELLES,

CARNDEIRO DE FRADA E ROMANO MARTINEZ: os terceiros interessados

podem arguir a nulidade. O artigo 892.º não proíbe/restringe legitimidade a

terceiros, pelo que se aplica a regra geral;

PROF. MENEZES LEITÃO: os terceiros interessados não podem arguir a

nulidade.

PROF. PEDRO EIRÓ: se o legislador não quisesse que terceiros invocassem a

nulidade dizia-o ou então estabelecia uma anulabilidade atípica.

Page 108: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 108

O Tribunal tem o dever de declarar oficiosamente a nulidade

Imagine-se que o comprador de boa fé exige ao vendedor a entrega da coisa. Ou vice-

versa: comprador culposo vs vendedor de boa fé. Vai-se para tribunal. O tribunal acaba

por perceber que estamos face a um caso de nulidade resultante de uma venda de bem

alheio, sem ninguém a invocar.

O tribunal não pode obrigar o vendedor a entregar a coisa ao comprador porque a coisa

não é dele. Deste modo, deve-se concluir que o tribunal pode conhecer oficiosamente a

nulidade, embora o PROF. MENEZES CORDEIRO discorde desta solução. Na opinião

do PROF. PEDRO EIRÓ quem defende que ele não pode conhecer oficiosamente a

nulidade está a fizer para o tribunal emitir uma sentença que não pode ser cumprida, ou

seja uma sentença contrária à realidade. Deste modo,

PROF. ANTUNES VARELA, RAÚL VENTURA, GALVÃO TELLES E

CARNEIRO DE FRADA: defensores que o tribunal pode conhecer

oficiosamente da nulidade da venda de bem alheio;

PROF. MENEZES LEITÃO, MENEZES CORDEIRO E ROMANO

MARTINEZ: defensores da tese oposta.

NOTA: o Acórdão (17-A) é um bom acórdão quanto à doutrina, mas tem o lapso de não

conter a doutrina do PROF. RAÚL VENTURA. Note-se ainda que o acórdão em causa

defende a tese contrária à que é comumente defendida na doutrina ou seja que (1) os

terceiros interessados não podem arguir a nulidade e que (2) o tribunal não pode

conhecer oficiosamente a nulidade da venda de bem alheio.

Se o comprador danificar a coisa com culpa aplica-se qual regime?

PROF. MENEZES CORDEIRO E CARNEIRO DE FRADA: artigo 1269.º;

PROF. ANTUNES VARELA, MENEZES LEITÃO E EIRÓ: artigo 894.º, uma

vez que estando o comprador convencido que é o titular não tem nenhum ónus

de guarda ou dever especial de cuidado.

Page 109: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 109

Os artigos 895.º a 897.º representam a maior virtualidade deste regime. Existe a

concretização do princípio do favor negotti, que assenta numa obrigação de

convalidação: torna o negócio intocável por equilibrio. A obrigação de convalidação

aplica-se porque é possível repor o contrato em termos equilibrados pelas partes. O

artigo 897.º torna a obrigação de convalidação uma obrigação de meios. Note-se que

nos termos do artigo 896.º a alinea d) é a base do regime, sendo as três alienas

anteriores apenas concretização daquela. A obrigação de convalidação aqui presente é

equivalente ao disposto no artigo 880.º/1: o vendedor tem a obrigação de tornar o bem

presente.

A transmissão do direito, tal como ocorre na venda de bens futuros, ocorre ex nunc.

Quanto à indemnização presente no artigo 898.º e ss, além de ser necessário ler com

especial atenção as referidas normas, passa-se a enunciar breves caracteristicas das

mesmas:

Nos termos do artigo 898.º, existe uma concretização do regime geral do artigo

562.º e ss. Faz referência ao interesse contratual negativo e positivo, conforme o

caso. Exige que um dos contraentes seja doloso.

Nos termos do artigo 899.º, existe uma obrigação do vendedor indemnizar o

comprador de boa fé. É ao vendedor que cabe a garantia da sua legitimidade. A

indemnização é limitada. Trata-se de uma obrigação de indemnização de

responsabilidade obrigacional/contratual. Note-se que este artigo pressupoe dois

tipos de responsabilidade:

Objectiva: limitação do dano indemnizável;

Subjectiva: presunção de culpa nos termos do artigo 799.º, ou seja para

ao vendedor ser apenas aplicada a responsabilidade objectiva é

necessário que afaste esta presunção.

Page 110: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 110

Nos termos do artigo 900.º, existe uma obrigação de convalidação na parte final

do n.º1 e na parte final do n.º2. Tal visa evitar uma sobreposição de

indemnizações.

Nos termos do artigo 901.º (muito curioso!), o verdadeiro titular do direito já

entra aqui, mas mais uma vez existe uma protecção do comprador de boa fé. Da

conjugação do artigo 1273.º com o artigo 1279.º, quanto às benfeitorias, estas

são indemnizáveis ao possuidor de boa fé. Contudo, o legislador decidiu chamar

o vendedor e responsabilizá-lo face ao comprador. QUERELA DOUTRINAL:

PROF. ANTUNES VARELA: o vendedor é estranho a esta relação. Esta

relação é entre o comprador e o verdadeiro proprietário. Deste modo, o

que o artigo 901.º faz é o vendedor fazer de garante de uma obrigação à

qual só o proprietário da coisa está adstrito. Se o vendedor cumprir a

obrigação fica subrogado nos direitos do credor ao devedor principal.

PROF. MENEZES LEITÃO: existem dois co-devedores, sendo que

vendedor cumpre pelo que tem direito de regresso sobre o verdadeiro

proprietário.

Nos termos do artigo 902.º, é necessário não confundir com o regime do artigo

1408.º/2, uma vez que a este último regime não aplica a primeira norma.

Segundo o PROF. PEDRO EIRÓ o artigo 1408.º/2 visa aplicar efectivamente o

regime da venda de bem alheio, excepto o artigo 902.º. O artigo 902.º não se

aplica à compropriedade! O artigo 902.º aplica-se, por exemplo, numa situação

em que esteja em causa a venda de um edifício pertencente a X com um

logradouro pertencente a Y. Ou seja, numa situação em que X vende tanto o

edificio como o logradouro reduz-se o contrato parcialmente, vendendo-se

apenas o edificio do qual X é proprietario.

Page 111: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 111

PROFESSOR LUÍS MENEZES LEITÃO

I - GENERALIDADES

Existe venda de bem alheios, sempre que o vendedor não tenha legitimidade para

realizar a venda, como sucede no caso de a coisa não lhe pertencer ou de o direito que

possui sobre ela não lhe permitir a sua alienação.

O regime da venda de bem alheio consagrada no artigo 892.º e seguintes baseia-se em

certa medda na antiga garantia contra a evicção, oriunda no Direito Romano e ainda

instituída nos artigos 1926.º e seguintes do CC Francês, 1483.º CC italiano e artigo

898.º e seguintes do CC de 1867. De acordo com esa configuração, o vendedor, em

consequência do contrato de compra e venda, garantiria ao comprador a posse pacífica

da coisa vendida, respondendo objectivamente se esta viesse a ser perturbada por uma

pretensão de natureza real apresentada por terceiro. O nosso legislador quis abolir

especificamente esta garantia, por entender que, uma vez instituída a nulidade da venda

de bens alheios (artigo 892.º), não se justificava responsabilizar autonomamente o

vendedor pelo facto de o comprador ser privado do gozo da coisa por terceiro, que a ela

tinha direito, através da imposição de uma garantia contra a evicção. No entando, pese

embora essa intenção, a verdade é que o regime da venda de bens alheios não deixa de

assentar no pressuposto de que a celebração do contrato de compra e venda garante ao

comprador a propriedade da coisa vendida, como se demonstra pelo facto de este

responder objectivamente pelos danos causados ao comprador de boa fé pela venda de

bens alheios (artigo 899.º), bem como em virtude do facto de a lei admitir a estipulação

de cláusulas de não garantia (artigo 903.º/2).

II – PRESSUPOSTOS DA VENDA DE BENS ALHEIOS

1. VENDA COMO PRÓPRIA DE UMA COISA ALHEIA ESPECÍFICA E

PRESENTE, FORA DO ÂMBITO DAS RELAÇÕES COMERCIAIS

Nos termos do artigo 892.º, o legislador considerou nula a venda de bens alheios,

sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar. Note-se que esta solução

não é absoluta, sendo que a nulidade não ocorre:

Page 112: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 112

Se a venda tiver por objecto coisa futura, uma vez que nesse caso o artigo 893.º

manda aplicar antes o regime da venda de bens futuros, onde se considera válida

a obrigação assumida pelo vendedor (artigo 880.º);

Se está em causa uma venda de coisa genérica que não pertença ao vendedor,

sendo que não poderá naturalmente ser considerada nula, dado que para a sua

estipulação não é necessária a qualidade de proprietário do vendedor, ao tempo

da estipulação do contrato (artigo 539.º e seguinte);

Na compra e venda comercial, sendo que neste âmbito a lei considera

perfeitamente lícita a venda do que for propriedade de outrem (artigo 467.º/2

CCom).

Em todos estes casos recai, sobre o vendedor, a obrigação de aquisição e entrega ao

comprador das coisas que se comprometeu a vender, não sendo consequentemente

aplicável o regime da venda de bens alheios.

Nos termos do artigo 904.º, o regime da venda de bens alheios também não se aplica se

o vendedor não procede à venda da coisa como própria, mas a venda como alheia,

mesmo que não tenha legitimidade para o fazer. Exemplo: se alguém vende um prédio

em nome e outrem, sem poderes para o fazer (artigo 268.º), ou abusa dos seus poderes

de representação, no caso em que a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso

(artigo 269.º), o contrato é ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário se este não o

ratificar e nunca produz efeitos em relação ao representante, por este não ser parte do

negócio.

Deste modo, o regime da venda de bens alheios, instituído no artigo 892.º e seguintes,

apenas se poderá aplicar se for vendida como própria uma coisa alheia específica e

presente, fora o do âmbito das relações comerciais. Em todos os outros casos, não

poderá ser aplicado o regime da venda de bens alheios.

Page 113: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 113

É controvertida a questão de saber se o vendedor após a celebração da venda tornar a

vender a coisa a outrem, que regista primeito a sua aquisição. Nesse caso, uma vez que

o segundo adquirente acaba por se tornar proprietário da coisa, é manifesto que em

relação a ele não se pode sustentar a aplicação do regime da venda de bens alheios. No

entanto, a situação do primeito adquirente também não se enquadra no regime da venda

de bens alheios, uma vez que o bem pertence ao vendedor no momento em que foi

vendido – QUERELA DOUTRINAL

ALGUMA DOUTRINA (RUBINO): existe neste caso uma especifica

responsabilidade aquiliana do vendedor em relação ao primeiro contraente;

OUTRA DOUTRINA (BIANCA): é necessário aplicar o reime da garantia pela

evicção;

PARA OUTRA DOUTRINA (GORLA): a situação deverá ser qualificada como

uma responsabilidade contratual do vendedor por incumprimento da sua

obrigação de conservar a aquisição do primeiro comprador.

No entendimento do PROFESSOR MENEZES LEITÃO, a situação enquadrar-se-ia no

âmbito da garantia contra a evicção e dado que foi intenção do legislador substituir essa

garantia pelo regime da venda de bens alheios, parece que não será forçado defender a

aplicação analógica deste regime.

2. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE PARA A VENDA

O vendedor tem de carecer de legitimidade para efectuar a alienação em causa. Em

princípio, essa legitimidade apenas é atribuida ao proprietário, mas a lei por vezes

estende-a a outras entidades, como o credor pignoratício (credor cujo direito se encontra

garantido por um penhor), mediante prévia autorização judicial ou o Estado, no caso da

venda em execução dos bens do executado.

Sendo a venda celebrada por um representante do proprietario, nos limites dos poderes

que lhe competem, é o proprietario considerado como o verdadeiro sujeito do negócio

(artigo 258.º), pelo que naturalmente não se aplicará o regime em análise. Igualmente se

se vender uma coisa alheia no âmbito de uma representação sem poderes (artigo 268.º),

Page 114: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 114

designadamente na gestão de negócios representativa (artigo 464.º a 471.º), não haverá

aplicação deste regime, cabendo ao comprador a possibilidade de revogar ou rejeitar o

negócio, enquanto o proprietário não o ratificar, salvo se no momento da celebração

conhecia a falta de poderes do represnetante (artigo 268.º/4).

Existirá a aplicação do regime da venda de bens alheios quando for vendida como

própria coisa alheia, ainda que no interesse do seu eitular, como sucede no mandato sem

representação para alienar (artigo 1180.º e seguintes) e na gestão de negócios não

representantiva (artigo 471.º), a menos que o titular do direito venha posteriormente a

regularizar a situação através da assunção das obrigações do vendedor ou da

transmissão para este do bem vendido (artigo 1182.º). Seguindo o entendimento do

PROFESSOR ROMANO MARTINEZ, o PROFESSOR MENEZES LEITÃO considera

que efectivamente, se o gestor de negócios ou o mandatário vendem a coisa como

própria, e uma vez que o comprador é estranho à sua relação com o proprietário, há que

aplicar o regime da venda de bens alheios, a menos que a situação venha ser

regularizada ao abrigo do artigo 1182.º

Mesmo faltando a legitimidade do vendedor, a lei em certos casos, por razões de tutela

da aparência ven considerar válida a alienação. Exemplo: venda de bens da herança

efectuada por herdeiro aparente a terceiro de boa fé (artigo 2076.º/2); venda d ebem

sujeito a registo efectuada a terceiro de boa fé por vendedor que adquiriu esse bem com

base em negócio nulo ou anulável (artigo 291.º); venda de bem sujeito a registo

efectuada pelo titular do registo a seu favor a comprador de boa fé, que procede ao

registo da sua aquisição nestas situações, naturalmente que a falta de legitimidade do

vendedor não impede a consideração como válido do negócio e daó que não se verifique

a aplicação da venda de bens alheios.

III – EFEITOS DA VENDA DE BENS ALHEIOS

1. NULIDADE DA VENDA E OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO

O nosso legislador consagrou, por influência do direito francês, a solução da nulidade

da venda de bens alheios, tendo como fundamento que, sendo a venda um contrato

translativo da propriedade, a sua celebração por um não proprietário deveria acarretar a

nulidade do negócio.

Page 115: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 115

Contudo, esta solução de nulidade neste regime tem pouco em comum com o regime

geral da nulidade.

Na venda de bens alheios intitui-se uma categoria de nulidade sujeita a um regime

especial, que se afasta das regras gerais, não apenas quanto à legitimidade para a sua

arguição (artigo 286.º), mas também quanto ao regime da obrigação de restituição

(artigo 289.º).

LEGITIMIDADE PARA ARGUIR A NULIDADE: é proibida a sua invocação

pela parte que estiver de má fé contra a outra de boa fé, sendo mesmo vedada em

qualquer caso ao vendedor a sua invocação sempre que o comprador esteja de

boa fé (artigo 892.º in fine)*. Relativamente a terceiros, não parece que eles

possam invocar a nulidade, uma vez que a sua instituição é claramente

estabelecida no interesse apenas das partes. Mesmo o verdadeiro proprietário

não terá legitimidade para invocar a nulidade, já que em relação a ele o contrato

será sempre ineficaz (artigo 406.º/2), pelo que ele será sempre admitido a

exercer a reivindicação (artigo 1311.º com excepção dos casos em que

ocorrer uma aquisição tabular ou a usucapião em benefício do comprador ou

quando a lei considere eficaz a alienação perante o verdadeiro proprietário), sem

ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu na

venda. Também não parece que esta nulidade possa ser oficiosamente declarada

pelo tribunal, uma vez que tal redundaria numa forma de elidir as proibições da

sua invocação.

RATIO:* Se as suas partes procederam maliciosamente, sabendo ambas

que a res pertencia a terceiro, mas agindo como se assim não fosse,

nenhuma merece protecção, e qualquer delas pode obter a declaração

judicial da nulidade do contrato, com a consequente restituição do preço

pago, porque esse é o interesse da ordem jurídica. Se o comprador actuou

de boa fé, convicto de que o proprietário era o vendedor, então não

poderá este opor-lhe a nulidade, sem que importe que na sua parte tenha

havido boa fé também: o vendedor, ainda que haja ceelbrado o contrato

na ignorância do vício, deve racionalmente mantê-lo e sujeitar-se às suas

consequências. A acção de nulidade só será negada ao comprador e

Page 116: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 116

concedida ao vendor na hipotese menos provável de má fé do primeiro e

boa fé do segundo.

OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO: nos termos do artigo 894.º consagra-se um

regime bastante afastado d aobrigação de restituição por invalidade do negócio e

próximo da restituição por enriquecimento sem causa (artigo 479.º e 480.º), na

medida em que faz variar o conteúdo da obrigação de restituição, consoante

exista ou não boa fé do obrigado. Efectivamente, se o comprador estiver de má

fé, parece que por argumento a contrario do artigo 894.º/1, não poderá pedir a

restituição do preço da venda, mas apenas o enriquecimento do vendedor. Caso

o comprador esteja de boa fé, pode pedir a restituição do preço ‘’ainda que os

bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuido de valor por

qualquer outra causa’’.

A restrição da parte final do n.º1 é de dificil compreensão em sede de invalidade, uma

vez que, no ambito dos artigos 289.º e 290.º, uma situação deste tipo não impede o

comprador de exigir a restituição do preço, obrigando-o apenas a restituir

simultaneamente o valor correspondente à coisa recebida. O artigo 894.º só se

compreende por isso se se entender que, ao contrário do que resulta do artigo 289.º,

neste caso a restituição do comprador de boa fe fica exclusída ou limitada em virtude do

perecimento ou deterioração da coisa recebida. Trata-se da aplicação do limite do

enriquecimento (artigo 479.º/2) a esta restituição, o que é confirmado pelo artigo 894.º/2

ao se prever que, caso ocorra proveito para o comprador em virtude da perda ou

diminuição de valor dos bens, esse proveito deve ser abatido na restituição ou

indemnização a pagar pelo vendedor. A lei determina assim, para a parte que está de

boa fé, apenas a restituição do enriquecimento, obrigando a restituir o obtido à custa de

outrem para a parte de má fé, o que leva a concluir que o artigo 894.º determina uma

restituição por enriquecimento sem causa, que em tudo se harmoniza com os artigos

479.º e 480.º.

Page 117: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 117

TESE DO PROF. MENEZES CORDEIRO, CARNEIRO DE FRADA E MOTA

PINTO: considera aplicável o artigo 1269.º no ambito da venda de bens alheios,

restrigindo em consequencia a aplicação do artigo 894.º/1 se o comprador de boa fé

danificar com culpa os bens PROFESSOR MENEZES LEITÃO seguindo a posição

do PROFESSOR ANTUNES VARELA: quando aplica esta disposição, mesmo à perda

ou deterioração culposa dos bens por parte do comprador, por considerar que o

comprador tem neste caso uma protecção superior à que resultaria da sua simples

condição de possuidor de boa fé, e que não deve responder por tais eventos,m porque,

julgando que a coisa ou o direito lhe pertence, se não pode exigir dele os cuidados que

em regra se devem ter na guarda e preservaçãoo de coisa alheia. Efectivamente, ao

contrário do que sucede na posse (artigo 1269.º), no ambito do enriquecimento sem

causa o devedor de boa fé não responde pela perda ou deterioração culposa do objecto a

restituir, mas apenas pelo seu enriquecimento (artigo 479.º/2), só se lhe aplicando

aquela responsabilidade em caso de má fé (artigo 480.º). sendo assim, a solução legal é

distina da aplicação do regime da posse, não podendo aceitar-se uma interpretação

restritiva do artigo 494.º, baseada nesse regime.

2. EVENTUAL CONVALIDAÇÃO DO CONTRATO

A nulidade da venda de bens alheios pode ser sanada se se verificar a posterior

aquisição da propriedade pelo alienante – artigo 895.º. Sendo a coisa vendida como

própria o contrato só não produz o efeito translativo que o deveria caracterizar (artigo

879.º a)) em virtude de se verificar o impedimento originário de a coisa vendida não

pertencer ao vendedor. Desaparecido esse impedimento, não há motivo para deixar de

atribuir ao contrato os efeitos que estes originariamente deveria produzir. O artigo 895.º

determina a convalidação do contrato, com a consequente verificação da transferência

da propriedade.

Nos termos do artigo 896.º consagram-se algumas restrições à possibilidade de

convalidação da venda de bens alheios (situaçõe em que não ocorre a convalidação do

contrato)

Pedido judicial de declaração de nulidade do contrato, formulado por um dos

contraentes contra o outro; no entanto e conforme resulta do artigo 896.º/2 e do

artigo 892.º a invocação da nulidade não pode ser efetuada pelo vendedor contra

Page 118: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 118

o comprador de boa fé, nem pelo comprador doloso contra o vendedor de boa fé,

pelo que se o pedido judicial corresponder a alguma destas situações, a

convalidação do contrato não será impedida;

Restituição do preço ou pagamento de indemnização, no todo ou em parte, com

aceitação do credor;

Transacção entre os contraentes, na qual se reconheça a nulidade do contrato;

Declaração escrita, feita por um dos estipulantes ou outro, de que não quer o

contrato deixe de ser declarado nulo; no entanto e nos termos do artigo 896.º/2 e

892.º, essa declaração será irrelevante e não impedirá a convalidação do contrato

se vier a ser oposta pelo vendedor ao comprador de boa fé ou pelo comprador

doloso de voa fé.

Em suma, na venda de bens alheios estamos face a uma nulidade provisória, que pode

ser sanada mediante a aquisição da propriedade, salvo os casos do artigo 896.º.

Verificando-se a sanação da invalidade, o contrato produz imediatamente o seu efeito

translativo, ficando assim o comprador investido na titularidade do bem.

3. OBRIGAÇÃO DE CONVALIDAÇÃO

Em caso de boa fé do comprador, o vendedor é obrigado a sanar a ulidade da venda,

adquirindo a propriedade da coisa o direito vendido – artigo 897.º Quando o comprador

está de boa fé tem direito a que o efeito translativo, que não resultou automaticamente

da celeração do contrato, venha a ser postriormente produzido, adquirindo um direito de

crédito sobre o vendedor a que este proceda à aquisição do bem, o que determina a

convalidação do contrato e a consequente transmissão da propriedade para o comprador

– artigo 895.º. O cumprimento desta obrigação dependerá da concordância do titular do

direito, dado que, se este não puder ou não quiser proceder à alienação do bem, nada

poderá o vendedor fazer. A obrigação do vendedor só é cumprida se for ele proprio a

adquirir o bem. Se o vendedor proporcionar ao comprador a aquisição da propriedade

por outra via, a situação corresponderá antes a uma dação em cumprimento. Nos casos

em que o vendedor esteja obrigado á convalidação do contrato, o comprador poderá

solicitar judicialmente a declaração de nulidade do contrato apenas a título subsidiário.

Page 119: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 119

4. INDEMNIZAÇÃO

a) INDEMNIZAÇÃO POR QUALQUER DAS PARTES EM CASO

DE DOLO

Encontra-se consagrada no artigo 898.º, sendo que a expressão dolo encontra-se aqui

utilizada no mesmo sentido do que o referido no artigo 253.º e tambem designada ma fe,

nao pressupondo, por isso apenas o ilicito intencional, mas tambem o praticado com

negligencia consciente.

Esta aqui em causa a dissimulação do caracter alheio atraves do emprego desugestões

ou artificios com o fim de enganar ou manter em erro a outra parte. Estando esta de boa

fé, adquire por isso o direito a ser indemnizada pelos danos causados variando a

indemnização consoante a nulidade da venda de bens alheios tenha sido sanada ou nao:

Nulidade sanada: a indemnização toma por base os danos causados por o

contrato não ser ab initio valido, abrangendo assim o interesse contratual

positivo;

Nulidade não sanada: a indemnização limita-se aos danos que não ocorreriam se

o contrato não tivesse sido celebrado, ou seja ao interesse contratual negativo –

solução tipica da culpa in contrahendo (artigo 227.º). Sendo nulo o contrato não

se justifica qualquer interesse de cumprimento no ambito da indemnização.

Se não existir dolo de qualquer das partes, por ambas se encontrarem em erro sobre o

caracter alheio da coisa, naturalmente que nenhuma delas poderá ser responsabilizada

nos termos do artigo 898.º, mesmo que tenha actuado com culpa. Se a culpa pela

celebração da venda de bens alheios for do comprador, ele não será sujeito a qualquer

especie de responsabilidade. Se for do vendedor, a situaçao é enquadrada no ambito do

artigo 899.º.

Page 120: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 120

b) INDEMNIZAÇÃO PELO VENDEDOR AO COMPRADOR DE

BOA FÉ, COM FUNDAMENTO NA GARANTIA DA SUA

LEGITIMIDADE

Encontra-se consagrado no artigo 899.º, sendo que aqui se estabelece, em relação ao

vendedor, uma responsabilidade objectiva pelos danos causados ao comprador, a qual

não atribui uma reparação integral. O vendedor responde sempre objectivamente pelos

danos emergentes, mas não pelos lucros cessantes sofridos pelo comprador em virtude

da sua falta de legitimidade, desde que não tenham resultado despesas volumptuárias.

Em relação a estas, bem como aos lucros cessantes, a sua indemnização depende do

facto d eo vendedor ter actuado com dolo ou negligência. Quanto à questão de saber a

quem deve competir o ónus da prova da culpa do vendedor, parece que, estando em

causa o incumprimento de uma garantia, o vendedor deve-se presumir culpado nos

termos do artigo 799.º, pelo que a limitação da sua responsabilidade aos danos

emergentes não resultantes de despesas volumptuárias dependerá de ele ter elidido a

presunção que sobre ele recaia.

c) INDEMNIZAÇÃO PELO VENDEDOR AO COMPRADOR DE

BOA FÉ POR INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE

CONVALIDAR O CONTRATO

Em caso de boa fé do comprador, o vendedor é obrigado a sanar a nulidade da venda,

adquirindo a propriedade da coisa ou o direito vendido. Sendo esta uma obrigação como

qualquer outra (artigo 397.º), naturalmente que o vendedor estará sujeito, nos termos

gerais à responsabilidade obrigacional, em caso de incumprimento (artigo 798.º e ss),

impossibilidade culposa (artigo 801.º e ss) ou mora no cumprimento (artigo 804.º e ss).

Esta indemnização abrange naturalmente o interesse contratual positivo.

Nada impede o comprador de boa fe de exigir indemnização ao vendedor com este

fundamento o qual é cumulável com os fundamentos anteriormente referidos – artigo

900.º/1. Esta cumulação é excluida em relação à indemnização por lucros cessantes

resultantes de dolo do vendedor (artigo 898.º), admitindo-se ai apenas um concurso

alternativo de pretensões – artigo 900.º/2.

Page 121: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 121

5. GARANTIA DA RESTITUIÇÃO DAS BENFEITORIAS

Quanto às benfeitorias é necessário atender ao artigo 1273.º/1 e 2. Adquirindo o

comprador, na venda de bens alheios, a posse titulada do bem, terá direito assim,

independnetemente da sua boa ou má fé, a exigir do proprietário a restituição das

benfeitorias, necessárias ou úteis, que tenha feito na coisa, podendo ter inclusivamente

direito de retenção da coisa (artigo 754.º), salvo se estiver de má fé (artigo 756.º b)).

O direito do comprador ao reembolso das benfeitorias ocorre no âmbito das relações

proprietario possuidor, as quais o vendedor seria, em principio, estranho. O artigo 901.º

atribui ao comprador de boa fe a possibilidade de exigir, não apenas ao proprietario,

mas tambem ao vendedor, o seu direito ao reembolso das beifeitorias. Deste modo, o

vendedor tem que satisfazer o comprador, quando lhe for exigido, o reembolso das

benfeitorias que ele fez na coisa podendo posteriormente exercer contra o proprietario o

direito de regresso em relação a tudo o que houver pago, dado que é o proprietario que

adquire o beneficio correspondente as benfeitorias.

6. CASOS ESPECIAIS

a) VENDA DE BENS PARCIALMENTE ALHEIOS

Neste caso é necessário atender ao artigo 902.º que admite a possibilidade de o contrato

valer na parte restante por aplicação do artigo 292.º, determinado que nesse caso

aplicar-se-ão as disposições antecedentes quanto à parte nula e reduzir-se

proporcionalmente o preço estipulado.

Page 122: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 122

Esta situação de venda de bens parcialmente alheios pode suceder nas seguintes

situações:

i. O vendedor aliena toda uma coisa, quando é apenas dono de uma parte material

da mesma. Exemplo: vendedor inclui na venda do seu edificio o logradouro

pertencente a um vizinho; vendedor abrange na venda de uma biblioteca alguns

livros pertencentes a terceiro verificou-se parte do efeito translativo que se

encontrava estipulado no contrato, o que constitui uma hipotese de invalidade

parcial, havendo que aplicar o artigo 292.º que determina que o negócio só será

totalmente nulo se s epuder concluir que ele não teria sido celebrado sem a parte

viciada (neste caso, seria aplicável o regime da venda de bens alheios). Caso se

admita a redução do negócio haverá que proceder a uma limitação da aplicação

desse regime à parte viciada, mantendo-se vigente o negócio quanto à parte

váçida, com uma redução do preço respectivo, redução essa que s eopera através

de uma diminuição da quantia devida na exacta medida em que não se verificou

o efeito translativo.

ii. O vendedor aliena toda a coisa, quando é dono apenas de uma quota abstracta da

mesma (compropriedade) – não se aplica o artigo 902.º, uma vez que o artigo

1408.º/2 considera neste caso integralmente aplicável o regime da venda de

coisa alheia.

b) VENDA DE COISA INDIVISA POR APENAS UM DOS SEUS

TITULARES

Exemplo: um dos co-titulares vende uma parte especificada ou a totalidade da coisa,

sem consentimento dos restantes. A lei exige a unanimidade dos co-titulares para os

actos de disposição sobre uma coisa indevisa, apenas permitindo a disposição isolada da

própria quota é manifesto que existirá falta de legitimidade (artigo 892.º), sempre que

um acto de disposição sobre a totalidade ou parte da coisa indivisa seja praticado sem o

consentimento dos restantes titulares. Deste modo o artigo 1408.º/2 consagra a

aplicação do regime da venda de bens alheios, existindo a consequente nulidade integral

do negócio (artigo 894.º), salvo se o vendedor vier a adquirir as quotas dos restantes

consortes (artigo 895.º).

Page 123: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 123

7. RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS AO REGIME DA VENDA DE BENS

ALHEIOS

Nos termos do artigo 902.º consagra-se a possibilidade de as partes, ao abrigo da

autonomia privada, estabelecerem um regime diferente de garantia contra a falta de

legitimidade do vendedor. Excepção: situação de o contraente a quem a convenção

aproveitaria houver actuado com dolo e de boa fé o outro estipulante, uma vez que nesse

caso não se esta´ra perante um efectivo exercício da autonomia privada. Haverá limites

à estipulação das partes já que, se a responsabilidade do vendedor por facto próprio for

totalmente excluída, tal constituirá uma cláusula de exclusão da responsabilidade,

proibida pelo artigo 809.º.

Uma das formas de derrogar a aplicação do regime da venda de bens alheios consiste na

cláusula em que o vendedor declara que não garante a sua legitimidade e não responde

ela evicção. Neste caso é de atender ao artigo 903.º, sendo consequentemente, essa

cláusula apenas se traduz numa exclusão da responsabilidade pelos danos, mas não

exonera o vendedor da obrigação de restituir integralmente o preço recebido, a

compensar com um eventual enriquecimento do comprador.

PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ARTIGO 892.º a

904.º

(Ver páginas 183 a 196)

12 de Novembro – Aula 11

ARTIGO 905.º a 912.º CC - VENDA DE BENS ONERADOS

Nos termos do artigo 905.º CC, entende-se por venda de bens onerados quando o

exercício normal da compra e venda tiver sido perturbado por um vício no direito, sendo

que o comprador, no momento em que celebra o contrato, não o conhece.

Se o comprador conhecer o conteúdo do direito tal como ele é e mesmo assim aceita

(com ónus ou limitação) não pode depois vir pedir a anulabilidade do contrato. O

contrato assegura por si só a justiça interna: o que é contratual é justo.

Page 124: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 124

No Acórdão da Relação de 22-04-2004, o Tribunal considerou que como o ónus se

encontrava registado não se justificava a aplicação do artigo 905.º CC.

Os ónus ou limitações que não excedam os limites normais inerentes ao direito da

mesma categoria não caem no âmbito de incidência e aplicação do artigo 905.º CC. O

artigo 905.º CC serve apenas para proteger o comprador que estava em erro sobre uma

circunstância daquele contrato e que consequentemente o tornou desiquilibrado. Quando

se refere na norma em análise ''excedam os limites normais inerentes aos direitos da

mesma categoria'' tal é uma manifestação lógica da aplicação desta norma.

Contudo, ambas as partes podem pedir a anulabilidade do contrato, se estiverem em

erro, nos termos do artigo 287.º CC com fundamento no artigo 251.ºCC. Não se pode

proteger o comprador de um limite que à partida abrangeria todos os compradores. Se a

limitação do direito resulta de uma norma geral e abstracta não faz sentido desproteger o

vendedor aplicando o regime do artigo 905.º CC.

Existindo um contrato promessa e desconhecendo-o o comprador, tal desiquilibra o

contrato para ele? Se o contrato promessa tiver apenas eficácia obrigacional, tal não

afecta em nada a posição do comprador, sendo apenas um problema entre o promitente

vendedor e o promitente comprador, salvo se aplicarmos a doutrina do terceiro

cúmplice. Se mesmo assim o comprador não gostar desta situação poderá tentar anular o

contrato, mas não pode aplicar o artigo 905.º CC.

Existindo a venda de um bem, sendo que esse bem está arrendado, o arrendamento

comprime a vertente de gozo que faz parte do direito de propriedade que o comprador

adquire, nos termos do artigo 1057.º CC. O arrendamento já seria o caso de uma

limitação que não é geral e abstracto para os direitos do comprador, pelo que se poderá

aplicar o regime consagrado no artigo 905.º e seguintes CC. O mesmo sucede caso

exista uma hipoteca.

Page 125: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 125

Deste modo, para a aplicação do artigo 905.ºe seguintes CC é necessária uma

compressão do direito, que não seja expectável ao comprador, sendo-lhe

oponível/eficaz. Só quando o afectar é que o comprador se encontra afectado,

nomeadamente no preço que pagou.

A pessoa quando compra o direito não o compra sem mais: a pessoa quer as faculdades,

os poderes, as vantagens que esse direito acarreta. Nos casos do artigo 905.º e seguintes

CC, o comprador comprou o direito mas com limitações (não decorrentes de normas

gerais e abstractas) que não são aceitáveis.

Existindo uma escritura pública, começa-se por consagrar que o bem ou direito é

vendido livre de ónus ou encargos. Mas esquecendo-se de se dizer isto, não há problema

porque é suposto que se vendam os bens livres de ónus ou encargos, porque quando se

está a comprar um direito está-se a comprá-lo com todas as faculdades que é suposto ter.

No acórdão que foi analisado, na escritura pública diz se que o bem é vendido livre de

ónus ou encargos, mas depois este é invocado. O Tribunal considerou tal uma enorme

confusão. O ónus encontrava-se registado, mas como não se percebe o conteúdo da

limitação o tribunal considerou que tal não era suficiente. Segundo o PROF. ANTUNES

VARELA, o facto de estar registado não preclude a aplicação destas normas, ou seja,

não basta estar registado. O que é o registo e o que é este tipo de venda? Não basta o

bem estar registado para impedir a aplicação do artigo 905.º e seguintes CC? A verdade

é que a secção do artigo 905.º e seguintes destina-se a proteger o comprador; o registo

por sua vez visa proteger terceiros. Existe alguma disfunção nesta relação. Deste modo,

não basta o ónus ou limitação estar registado para impedir a aplicação desta secção.

Note-se que não é requisito de relevância do erro, o erro ser indesculpável. Mas como é

que se reage a um erro indesculpável? O errante/comprador violou deveres de

diligência, logo se quiser anular o contrato poderá ter que indemnizar o vendedor

(responsabilidade civil), sendo que em casos limites poderemos ainda estar face a um

caso de abuso de direito.

Page 126: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 126

O artigo 905.º CC prevê a anulabilidade como consequência, sendo que é um regime

especial: prevê-se algumas especialidades que se verificam em basicamente dois

aspectos:

convalescência (artigo 906.º e 907.º)

Como é que se distingue da Confirmação (artigo 288.º CC)?

O que está em causa na aplicação no artigo 906.º e 907.º é que a pessoa estava

em erro sobre a limitação do bem, mas sendo extinto o ónus não existe qualquer

vício. Sendo extinto o ónus que justificação o comprador tem para não manter o

contrato? Se ele entretanto pediu a anulação pode se justificar já não querer a

convalescência, mas em situações normais não existirá razão para tal. A

convalescência é o poder de manter o negócio sem o vício, mas o negócio é o

mesmo.

redução do preço (artigo 911º)

Como se distingue da redução (artigo 292.º CC)?

A redução do artigo 292.º é a invalidada parcial do contrato; no artigo 911.º o

negócio mantém-se com todas as cláusulas, mas existe uma redução do preço de

modo a adaptar-se às limitações que o direito possui. O ónus da prova que

resulta do artigo 292.º favorece a redução do negócio por invalidada. Quem quer

impedir a redução é que terá de demonstrar que não teria celebrado o negócio

sem a parte viciada que agora está a ser expurgada. No artigo 911.º, o comprador

pode adoptar entre anular com fundamento no erro ou reduzir o preço. Do lado

do vendedor, perante um pedido de anulação pode tentar defender-se com a

redução, sendo que se conseguir provar que o comprador teria igualmente

Page 127: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 127

adquirido os bens por preço inferior, o comprador não tem qualquer argumento.

Parece que o vendedor pode excepcionar com a reduçao face a um pedido de

anulação. E se o comprador quiser apenas reduzir o preço para um milhão

(quando havia pago 2milhões), concordando com tal o tribunal, mas o vendedor

diz que por esse preço não vende e fica demonstrado que ele nunca teria vendido

se fosse por um milhão. QUERELA DOUTRINAL:

PROF. NUNO PINTO DE OLIVEIRA: não é admissível obrigar o

vendedor a vender nestas situações porque está em causa um aspecto

fundamental da autonomia privada que é a liberdade de não contratar. é

uma opinião minoritária.

Grande parte da doutrina: o vendedor está ‘’frito’’; o tribunal deverá

obrigar a redução do preço; o bem está vendido (isto funciona mesmo

que o vendedor estivesse de boa fé)

PROF. PEDRO EIRÓ: critério da protecção do comprador justifica esta

brutalidade face ao vendedor?

Quanto à obrigação de indemnizar, tal é muito semelhante à venda de bens alheios, com

algumas diferenças (artigo 909.º - não exclude despesas voluptuárias).

NOTA:Acórdão do STJ (19) - " só disparates". Acórdão (23) e (25) a - muitos bons

acórdãos!

PROFESSOR MENEZES LEITÃO

I – PRESSUPOSTOS DA VENDA DE BENS ONERADOS

A venda de bens onerados encontra-se consagrada no artigo 905.º, sendo que o

caracteriza é o facto de existir um ónus ou limitações no direito transmitido. Esse ónus

ou limitações constituem vícios do direito, afectando assim a situação jurídica e não as

qualidades fácticas da coisa. Contudo, para poderem determinar a aplicação do regime

da venda de bens onerados, esses ónus ou limitações têm que exceder os limites normais

Page 128: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 128

inerentes aos direitos da mesma categoria. Deste modo, não é qualquer ónus ou

limitação existente que permite a aplicação deste regime, mas apenas aqueles que

normalmente não se verificam aquando da transmissão deste tipo de direitos. Exemplos:

Direitos reais de gozo (usufruto, uso e habitação, servidões prediais, etc) ou de

garantia sobre a coisa vendida (consignação de rendimentos, penhor, hipoteca,

privilégios ou retenção);

Locação a outrem ou objecto de apreensão judicial (penhora, arresto,

arrolamento, etc.)

Bem objecto de expropriação por utilidade pública;

Restrições impostas aos bens por razões ambientais, artísticas, históricas,

servidões militares;

A coisa vendida infringir direitos intelectuais de outrem (direitos de autor ou a

propriedade industrial)

Existência de irregularidades jurídicas no bem vendido, que impeçam o gozo ou

a disposição deste pelo comprador, desde que a situação não seja por lei sujeita a

considerações especiais.

Não se aplicará às restrições derivadas das relações de vizinhança, às servidões legais

ou às restrições à edificabilidades impostas por planos directores por constituirem

limites normais aos direitos da mesma categoria!

A lei não contemplou a hipotese de o vendedor assegurar ao comprador a existência de

especiais vantagens jurídicas em relação à coisa, que excedam o normal nos direitos da

mesma categoria, mas que depois se verifica não existirem (exemplo: servidões activas

sobre o prédio vizinho, beneficios fiscais ou edificabilidade com certas caracteristicas):

DOUTRINA ITALIANA: aplicabilidade do regime da venda de bens onerados

por analogia;

Page 129: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 129

ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS:

PROFESSOR ANTUNES VARELA: Regima da venda de coisas

defeituosas;

PROFESSOR CARNEIRO DE FRADA: aplicação do regime geral do

incumprimento com as matizes impostas pela proximidade com a venda

de bens onerados;

PROFESSOR MENEZES LEITÃO: aplicação analógica do regime da

venda de bens onerados.

II – EFEITOS DA VENDA DE BENS ONERADOS

i. ANULABILIDADE DO CONTRATO POR ERRO OU DOLO

A lei estabelece para a venda de bens onerados um desvalor menos grave do que na

venda de bens alheios, não considerando o contrato nulo, mas apenas anulável.

Efectivamente o contrato é anulável, por erro ou dolo, desde que se verifiquem no caso

concreto os requisitos legais da anulabilidade:

Em caso de erro exige-se a essencialidade e a cognoscibilidade dessa

essencialidade do erro para o declaratário (artigo 251.º e 247.º).

Em caso de solo basta que o dolo tenha sido determinante da vontade do

declarante (artigo 254.º/1), salvo se provier de terceiro, caso em que se exige

igualmente que o destinatário conhecesse ou devesse conhecer a situação (artigo

254.º/2).

ii. EVENTUAL CONVALESCÊNCIA DO CONTRATO

Esta anulabilidade é objecto de uma regulação especial, uma vez que o artigo 906.º/1

admite que esta fique sanada se vierem a desaparecer por qualquer modo os ónus ou

limitações a que o direito estava sujeito. Existe um desvio do artigo 906.º/1 ao artigo

Page 130: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 130

288.º. A posterior extinção do ónus ou limitação retira ao comprador o interesse em

solicitar a anulação do negócio, pelo que estabelece automaticamente a sua

convalescência, em caso de ocorrer a extinção dos vícios do direito.

A solução é um tanto ou quanto artificial, na medida em que depende de a posição do

comprador não ter sido por alguma forma afectada em consequência dos vícios do

direito. A lei dispoe que a anulabilidade persiste se a existência dos onus ou limitações

já houver causado prejuízo ao comprador ou se este já tiver pedido em juízo a anulação

da compra e venda (artigo 906.º/2). Se o comprador solicitar em juizo a anulação da

compra e venda a anulabilidade subsiste, apesar da extinção dos onus ou limitações.

Parece, contudo, que, por analogia com o artigo 897.º/2, essa anulação do contrato pode

ser pedida a titulo subsidiário para a hipotese de o vendedor não realizar a expurgação

no prazo a que seja obrigado (artigo 907.º/1).

iii. OBRIGAÇÃO DE FAZER CONVALESCER O CONTRATO E DE

CANCELAMENTO DOS REGISTOS

A lei estabelece para o vendedor a obrigação de sanar a anulabilidade do contrato,

mediante a expurgação dos ónus ou limitações existentes (artigo 907.º/1). Pode assim o

comprador requerer em lugar da anulação do contrato a expurgação dos ónus ou

limitações. A obrigação de efectuar a expurgação depende naturalmente da existência de

erro do comprador relativamente à existência de ónus ou limitações, já que, se o

comprador tivesse conhecimento da existência desses ónus ou limitações, tal significaria

que o bem foi vendido nessas condições, tendo o seu preço sido fixado tomando em

consideração a desvalorização que os ónus ou limitações implicam.

Constituindo a expurgação uma obrigação do vendedor, cabe ao comprador exigir-lhe o

seu cumprimento, não lhe sendo permitido substituir-se ao vendedor nesse acto para

efeitos de exigir-lhe o posterior reembolso do que tivesse despendido. Nada impede,

porem, o comprador de proceder à expurgação à sua propria custa, se assim entender.

Page 131: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 131

iv. INDEMNIZAÇÃO

a) INDEMNIZAÇÃO EM CASO DE DOLO

Encontra-se prevista nos termos do artigo 908.º, sendo que a expressão ‘’dolo’’ nele

inserido possui o mesmo sentido daquele que consta no artigo 253.º e também

designada má fé, não pressupondo, por isso, apenas o ilicito intencional, mas também o

praticado com negligência consciente.

Está aqui em causa a dissimulação pelo vendedor dos ónus ou limitações existentes na

coisa através do emprego de sugestões ou meios artificiosos com o fim de enganar ou

manter em erro o comprador. Sendo anulado o contrato com esse fundamento, este

adquire o direito a ser indemnizado pelos danos causados, sendo a indemnização

limitada aos danos que não ocorreriam se o contrato não tivesse sido celebrado, ou seja,

ao interesse contratual negativo, o que mais uma vez constitui uma solução tipica da

culpa in contrahendo (artigo 227.º). Esta indemnização permite abranger tanto danos

emergentes como lucros cessantes, incluindo designadamente os prejuizos causados

pela privação do capital correspondente ao pagamento do preço, o facto de não ter

podido aplicar esse capital numa operação mais vantajosa, as despesas judiciais com a

acção de anulação, etc.

b) INDEMNIZAÇÃO EM CASO DE SIMPLES ERRO

Encontra-se consagrado no artigo 909.º, sendo o fundamento desta responsabilização o

pressuposto de o vendedor, no momento em que procede à venda do bem, dever

garantir, independentemente de culpa sua, que o bem vendido se encontra livre de ónus

ou encargos, respondendo pelos danos causados se tal não se verificar. O vendedor

responde sempre objectivamente pelos danos emergentes, mas não pelos lucros

cessantes, sofridos pelo comprador em virtude da aquisição do bem sujeito a ónus ou

limitações. Admite-se, ao contrário do que se estabeleceu no artigo 899.º, neste caso que

os danos emergentes abranjam a realização de despesas volumpturárias.

c) INDEMNIZAÇÃO POR INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO

DE FAZER CONVALESCER O CONTRATO

Page 132: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 132

Sendo a obrigação de expurgação dos ónus ou limitações existentes uma obrigação

como qualquer outra (artigo 297.º), naturalmente que o vendedor estará sujeitos, nos

termos gerais, à responsabilidade obrigacional, em caso de incumprimento (artigo 798.º

e seguintes), impossibilidade culposa (artigo 801.º e seguintes) ou mora no

cumprimento (artigo 804.º e seguintes).

Nada impede, por isso, o comprador de exigir indemnização ao vendedor também com

este fundamento, o qual é cumulável com os fundamentos anteriormente referidos. O

artigo 910.º/1 admite efectivamente um conrcuso de pretensões neste âmbito. Esta

cumulação vem a ser excluída em relação à indemnização por lucros cessantes

resultantes de dolo do vendedor, nos termos do artigo 908.º, admitindo-se ai apenas um

concurso alternativo de pretensões dado que o artigo 900.º/2 estabelece que ‘’no caso

previsto no artigo 908.º, o comprador escolherá entre a indemnização dos lucros

cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e a dos lucros cessantes

pelo facto de não ser sanada a anulabilidade’’.

v. REDUÇÃO DO PREÇO

Tal encontra-se expressamente consagrado no artigo 911.º/1, ou seja a redução do preço

aparece assim como uma alternativa à anulação do contrato em consequência do erro ou

do dolo, estabelecida no artigo 905.º, alternativa essa que é imposta ao comprador

sempre que se possa comprovar que os ónus ou limitações não influiram na sua decisão

de adquirir o bem, mas apenas no preço que ele pagaria. Cabe assim ao vendedor,

confrontado com uma acção de anulação e pretendendo a subsistência do contrato, o

ónus de prova de que o comprador teria igualmente adquirido os bens por preço inferior.

Nada impede, porem, o comprador de solicitar imediatamente a redução do preço, caso

esteja apenas interessado nesta e não na anulação do contrato, podendo também efectuá-

la a título subsidiário para a hipotese de não proceder ao pedido de anulação do

contrato.

Nos termos do n.º2 do artigo 911.º, uma vez que a redução do preço aparece em

alternativa à anulação do contrato, exclui esta (artigo 905.º), bem como a obrigação de

fazer convalescer o contrato (artigo 907.º) e a indemnização pelo não cumprimento

dessa obrigação (artigo 910.º).

Page 133: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 133

Caberá assim apenas ao comprador, além da própria redução do preço, a indemnização,

que terá conteúdo variável, consoante exista dolo do vendedor (artigo 908.º) ou simples

erro (artigo 909.º).

vi. RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS A ESTE REGIME

À semelhança do que sucede na venda de bens alheios, o artigo 912.º estabelece a

possibilidade de as partes, ao abrigo da sua autonomia privada, estabelecerem um

regime diferente de garantia contra a existência de ónus ou encargos no direito

transmitido, regime esse que pode naturalmente passar pelo aumento ou pela

diminuição dos termos legais dessa garantia, instituidos nos n.º1 e 3 do artigo 907.º

(obrigação de expurgação dos ónus ou limitações e de proceder ao cancelamento dos

registos), no artigo 909.º (indemnização em caso de simples erro) e no n.º1 do artigo

910.º (responsabilidade pelo não cumprimento da obrigação de fazer convaslescer o

contrato). Exceptuam-se, porém, a situação de o contraente a quem a convenção

aproveitaria houver actuado com dolo e de boa fé ou outro estipulante, uma vez que

nesse caso não estará perante um efectivo exercício da autonomia privada.

PROF. ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ARTIGO 905.º a

912.º

Ver páginas 196 a 204

21 de Novembro – Aula 12 e 13

VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS – ARTIGO 913.º a 922.º

Exemplo: A dirige-se a um relojoaria e quando entra, estando ao telefone, aponta para

um determinado objecto e, consequentemente, a empregada, que também se encontrava

ao telefone, pegando no objecto, diz-lhe o seu preço. A entrega duas notas de 50€ e,

após o pagamento, a empregada embrulha o objecto e entrega-o a A. Quando A chega a

casa e vai ter com a sua namorada diz-lhe ‘’olha o relógio que comprei querida’’.

Quando decide acertar as horas do relógio, o mesmo acende uma luz e a ‘’tocar a

música que passava na rádio oxigènio, cidade fm, etc.’’. Ao fim de um tempo, percebe

que o dito relógio apenas dava música e não horas. A namorada de A encontra-se

furiosa com a sua compra. Quid iuris?

Page 134: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 134

Acórdão da ‘’mota’’: resolveu-se com base em erro qualificado por dolo, mas tudo o

resto, na opinião do PROF. PEDRO EIRÓ, é uma enorme trapalhada.

Qual é a consequência da venda de coisas defeituosas? Reparação, substituição,

redução adequada do preço (e ''resolução'' - decreto lei da venda de bens de consumo).

Existe uma enorme QUERELA DOUTRINAL quanto à questão de saber se quando se

lê no artigo 905.º e 913.º ‘’anulação’’ se deve ler ‘’resolução’’. Qual é a justificação

para ser anulação ou resolução?

Quando estamos face a um caso de ANULAÇÃO tal significa que existiu um

problema até à formação do contrato, ou seja, existiu um erro na formação do

contrato que conduz à sua anulação. O vício já existe quando o contrato é

celebrado: é um vício genérico. O problema está na formação do contrato,

nascendo com este uma invalidade. Exemplo: o erro, sendo um vício genérico,

conduz à anulação do contrato.

A RESOLUÇÃO consubstância uma forma de dissolução do contrato, tendo de

estar expressamente prevista na lei ou no contrato. A resolução tem o seu campo

de actuação mais frequente em casos de incumprimento do contrato. Em

principio há o direito a extinguir um contrato devido a um incumprimento do

mesmo. Qual é o dever que o vendedor esta a violar que, nessas hipóteses que

estamos a falar, pode ter sido incumprido e que conduz à resolução? Qual é a

obrigação do vendedor que esta eventualmente ser incumprida e que justifica a

resolução? A obrigação de entrega, que pode ser violada de duas maneiras (1)

nao entrega nada, sendo que aqui não há cumprimento defeituoso, simplesmente

há incumprimeto; ou (2) entregou o que nao devia e estamos face a um caso de

cumprimento defeituoso.

Page 135: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 135

Deste modo, a primeira coisa a fazer é saber se o problema esta na formação (só se

pode falar em erro) ou na celebração (não se pode falar em erro).

Quando A se dirige há relojoaria pode dizer que:

‘’não foi isto que eu comprei’’ e neste caso estamos face a um problema que

se centra na entrega do objecto e que conduz a resolução;

‘’não era isto que eu queria’’ e neste caso estamos face a um problema na

formação do contrato que conduz a anulação.

Qual é o fundamento para podermos avaliar se existe um bom cumprimento na

obrigação de entrega ou se o problema esta na formação? Como se sabe se o

vendedor esta a cumprir bem a obrigação que nele impede de entregar a coisa

comprada e vendida?

Acórdão da relação de Coimbra (25-A): o que foi objecto do contrato? não será

fundamental para analisar o bom/mau cumprimento da entrega saber o que é que o

vendedor deveria entregar? Qual foi o objecto da compra e venda. A primeira

questão a saber é o que é que o vendedor se obrigou a entregar.

Existem duas situações de compra e venda em que, independentemente do caso

concreto, as características que o comprador pretende, fazem parte do conteúdo

vinculativo do contrato, sendo que se tais não existirem existe um problema de

incumprimento ou incumprimento defeituoso:

VENDA DE BENS GENÉRICOS: o género tem de ser definido de acordo

com as características.

VENDA DE COISA FUTURA OU COISA INDETERMINADA: a ratio

desta norma assenta em que? O contrato está celebrado mas existe o

problema de saber quando se transmite a propriedade (artigo 408.º/2); a ideia

do artigo 918.º é a de saber se estamos a vender uma coisa futura ou incerta

como é que ela se define se ainda nao existe? É necessário definir a coisa

com base nas suas características. Se nos chegar um bem que nao preenche

essas catracteristicas estamos face a um problema. O artigo 918.º

Page 136: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 136

compreende situações em que o vicio se verifica na obrigação de entrega

existindo um problema de incumprimento e nao de erro: tal é pacifico na

doutrina. A doutina não se entende é quanto à questão de saber se existindo

um problema que caia no âmbito de aplicação do artigo 918.º se pode aplicar

outros remédios que não a anulação, ou seja (1) a reparação, (2) a

substituição ou (3) a redução adequada do preço – QUERELA

DOUTRINAL:

PROF. ANTUNES VARELA & PROF. PEDRO EIRÓ: sim, uma

vez que a vantagem da aplicação do artigo 913.º e seguintes é a de

não se ficar pela anulação, permitindo a reparação, substituição ou a

redução adequada do preço, mantendo-se deste modo o negócio

(manifestação do princípio do favor negotti). Não se pede a anulação

do artigo 918.º porque o problema nao esta na formação, podendo-se

pedir uma das três coisas referidas anteriormente.

PROF. MENEZES LEITÃO: não, uma vez que o artigo 918.º visa

que às situações que se enquadram no seu âmbito de aplicação não se

aplique o regime do artigo 913.º e seguintes.

Em suma…

Em primeiro lugar é necessário saber o que é que as partes combinaram e o que é que o

vendedor tinha que entregar. Trata-se de uma questão de interpretação do do contrato.

Estando tal definido, é necessário apurar se se encontra a ser entregue o que foi

combinado. O problema que o PROF. ROMANO MARTINEZ colocou na sua tese de

doutoramento assentou no seguinte: o referido professor defende que quando se esta a

comprar e a vender coisas especificas as características normais daquele objecto

definem no em qualquer contrato. De acordo com a posição do referido professor, se

formos comprar uma coisa especifica, como um relógio, encontra-se assegurada uma

serie de caracteristicas, mesmo que nos nao as digamos. É um problema de resolução.

Parte da doutrina relevante, nomeadamente o PROF. CALVÃO DA SILVA, considera

Page 137: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 137

que ate se admite tal, uma vez que quem compra o relógio quer algo que indique as

horas, não sendo necessário dizê-lo. Em termos teóricos ate é aceitável, mas não foi

assiim que o Código Civil construiu a figura, porque, quer o artigo 905.º quer o artigo

913.º, são expressos a dizer que o negocio é anulavel por erro. Não se consegue aplicar

o regime do artigo 913.º e seguintes se não tiver existido erro do compradro: ele tem de

estar convenciodo de uma coisa que nao é a realidade, mas o erro não tem de ser

relevante. esta concepção parte de uma ideia tradicionalmente defendida, que assentava

em as coisas especificas definirem-se pelas suas características espacio temporais, ou

seja não são as qualidades, salvo se as partes combinarem o contrário. Existindo um

problema quando ao defeito da coisa e defenindo-se o objecto com base na configuração

espacio temporal, o problema encontra-se na formação e não na entrega do objecto.

As características que acabam por não se verificar podem ter um de três tratamentos:

1. A característica não pertence à coisa específica presente, que é só definida com

base nos elementos espacio temporais. O PROF ROMANO MARTINEZ

considera que está hipotese não existe. Sendo um caso de erro tal conduz à

anulação.

2. A característica define o objecto da compra e venda. Existe um incumprimento

da obrigação de entrega.

3. A caracteristica foi assegurada pelo vendedor. Aplicação do regime do artigo

921.º.

A única justificação possível para o facto de no diploma da venda de bens de consumo o

legislador ter adoptado como solução a resolução é tal ter tido ‘’mãozinha’’ do PROF.

ROMANO MARTINEZ: atente-se ao artigo 2.º alinea d) do Decreto-Lei n.º 67/2003,

que traduz, sem qualquer dúvida, a tese do referido professor, mas anexando a tal um

certo malaborismo que assenta em tal tratar-se de uma presunção.

Deste modo, existem dois regimes:

Page 138: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 138

1. O regime típico do erro que conduz à anulação do contrato;

2. O regime do incumprimento ou cumprimento defeituoso, que conduz a uma

acção creditória de cumprimento;

3. O regime da venda de coisas defeituosas, que conduz à reparação, substituição,

redução adequada do preço e anulação.

O regime da venda de coisa defeituosa, assente no artigo 913.º e seguintes é aplicado

sempre que:

1. Vício desvaloriza a coisa vendida;

2. Vício impede a realização do fim a que é destinada a coisa vendida;

3. Coisa vendida não possui as qualidades asseguradas pelo vendedor (neste caso,

o vendedor tem de se responsabilizar pela coisa, não bastando o dolo bonus

(exemplo: não se pode aplicar este regime com o fundamento de que a casa que

se comprou é fria no inverno e quente no verão, mesmo que o vendedor tenha

dito o contrário);

4. Coisa vendida não possui as qualidades necessárias asseguradas para a

realização do fim a que é destinada (neste caso, o defeito tem de perturbar o

exerício económico da coisa).

Tem de existir erro, mas não é necessário que este seja relevante!

Coloca-se ainda a questão de saber se existe alguma ordem necessária quanto à

reparação, substituição, redução adequada do preço e anulação – QUERELA

DOUTRINAL

PROF. ROMANO MARTINEZ: sim;

PROF. PEDRO EÍRO: não, o comprador pode pedir o que quiser, mas existe o

limite do abuso de direito (exercício em desiquilibrio).

Nos termos do artigo 914.º fala-se da reparação ou substituição da coisa. Enquanto neste

artigo fala-se em ‘’exigir’’ tal é muito diferente do que se encontra consagrado no artigo

907.º (‘’obrigado a sanar’’). Existe a dúvida quando este artigo se refere ‘’mas esta

Page 139: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 139

obrigação’’, ou seja qual obrigação? Há uma que é evidente que é a substituição, sendo

que a dúvida coloca-se a saber se a obrigação de reparação também não existe nesta

parte final da norma – QUERELA DOUTRINAL E JURISPRUDENCIAL

PROF. PEDRO EIRÓ: a parte final do artigo 914.º só abrange a obrigação de

substituição;

OUTRA DOUTRINA: é alternativo, ou seja abrange quer a obrigação de

substituição quer a obrigação de reparação.

Nos termos do artigo 916.º e 917.º consagram-se dois prazos de caducidade. Estes

artigos, nomeadamente o último, referem-se à acção de anulação. É pacífica na

doutrina que os prazos previstos no artigo 917.º, para a acção de anulação, também se

aplicam por interpretação extensiva às acções que visam outros direitos. Comparando

com o artigo 921.º/4, que é uma norma que protege especialmente o comprador, os

prazos para interpretar acções ficaram substancialmente mais amplos que os da última.

Faz-se uma interpretação sistemática, que não possui qualquer problema de maioir.

No ACÓRDÃO (25-A) coloca-se uma questão que se relaciona com o modo de

exercício dos direitos. O referido acórdão explica – muito bem! – que o direito a anular

tem de ser reconhecido judicialmente (tem de se intentar uma acção), enquanto que os

outros direitos podem ser exercidos sem recurso a tribunal.

Note-se que embora se aplique os prazos do artigo 917.º para o exercício de direitos, tal

não se aplica quando se visa intentar uma acção judicial, estando tal pensado para um

caso de anulação.

O artigo 921.º é uma norma muito especial neste regime, uma vez que visa uma garantia

objectiva de certas situações, que se traduz numa protecção acrescida do comprador. No

Acórdão (das motas!) regula-se o ónus da prova do defeito: aplicando o artigo 921.º, o

comprador apenas tem que alegar e provar a existência do defeito, sendo que o que faz é

presumir. Tem de ser o vendedor, se se quiser eximir de responsabilidade, que tem de

demonstrar que (1) o defeito surgiu após a celebração do contrato, (2)

Page 140: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 140

consequentemente após a entrega da coisa e (3) por má utilização do contrato:

verdadeira prova diabólica!

PROFESSOR MENEZES LEITÃO

I – GENERALIDADES

Há que proceder às seguinte distinção:

Se a venda é realizadam sendo a propriedade da coisa transmitida ao comprador,

e esra já é defeituosa ao tempo da celebração do contrato: situação de erro do

comprador ao adquirir a coisa com defeitos, sendo o contrato aanulável por erro

nos termos gerais (artigo 913.º e 905.º),

Se o defeito na coisa ocorre após a celebração do contrato e esta é entregue

nessas condições: situação de cumprimento defeituoso, se o defeito é imputável

ao vendedor (artigo 918.º) ou de risco, em princípio a cargo do vendedor

(796.º/1). É tambem considerada como incumprimento da obrigação de entrega

as situações de entrega da coisa defeituosa, nos casos em que a venda respeita a

coisa futura ou a coisa indeterminada de certo género (artigo 918.º).

efectivamente, uma vez que a coisa ainda não existe ou não está determinada no

momento da celebração do contrato de compra e venda, não pode haver erro do

comprador, ocorrendo antes uma situação de cumprumento defeituoso se for

entregue uma coisa com defeito.

Exemplos:

Comprador escolhe numa orivesaria um anel de brilhantes e posteriormente nele

descobre um risco, tem que demonstrar um erro seu para anular o negócio e tem

apenas direito à restituição do preço e a uma indemnização pelos danos

emergentes com base no interesse contratual negativo (artigo 909.º e 915.º);

Page 141: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 141

Comprador limita-se a encomendar um anel de brilhantes à ourivesaria e o

venddor entrega um anel riscado, considera-se existir incumprimento defeituoso

do vendedor (artigo 918.º) e a indemnização abrange o interesse contratual

positivo.

II – PRESSUPOSTOS

É necessário atender ao artigo 913.º enconcontrando-se nele inseridas as seguintes

situações:

Vícios que desvalorizem a coisa;

Vícios que impelam a realização do fim a que é destinada;

Falta de qualidades asseguradas pelo vendedor;

Falta de qualidades necessárias à realização daquele fim.

Os pressupostos da aplicação do regime da venda de bens defeituosos são:

Ocorrencia de um defeito – a lei faz incluir assim neste ambito, quer os vicios da

coisa, quer a falta de qualidades asseguradas ou necesssárias. Parece que poderá

sustentar-se que a expressão vicios, tendo um conteudo pejorativo, abrangera as

caracteristicas da coisa que levam a que esta seja valorada negativamente,

enquanto que a falta de qualidades, embora não implicando a valoração negativa

da coisa, a coloca em desconformidade com o contrato;

Existência de determinadas repercussões desse defeito no âmbito do programa

contratual – para que os defeitos da coisa possam desencadear a aplicação do

regime da venda de coisas defeituosas torna-se necessários que eles se

repectutam no programa contratual, originando uma de três situações:

Desvalorização da coisa (refere-se às vícios) enquadra-se numa

concepção objectiva de defeito, resultando do facto de o vício implicar

Page 142: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 142

que a coisa valha menos do que sucederia s enão o tivesse. Recusa-se a

aplicação deste regime quando a desvalorização seja insignificante.

Não correspondência com o que foi assegurado pelo vendedor (refere-se

à falta de qualidades) ocorre sempre que o vendedor tenha certificado

(expressa ou tacitamente) ao comprador a existência de certas qualidades

na coisa e esta certificação não corresponda à realidade, estando-se assim

também face a uma concepção objectiva de defeito.

Inadptidão para o fim a que é destinada (abrange as duas situações

referidas) corresponde a uma concepção subjectiva do defeito,

estando em causa as utilidades específicas que o comprador +pretende

que lhe sejam proporcionadas pela coisa. Esta indicação do fim tem de

ser aceite pelo vendedor, ainda que tal possa ocorrer tacitamente, sob

pena de, caso contrário entender-se que a coisa se destinaà função normal

das coisas da mesma natureza.

III – EFEITOS

1. ANULAÇÃO DO CONTRATO POR ERRO OU DOLO

Aplicação do artigo 905.º por remissão do artigo 913.º. o comprador que tiver adquirido

a coisa com defeito pode solicitar a anulação do contrato, por erro ou dolo, desde que se

verifiquem no caso concreto os requisitos legais da anulabilidade.

Em caso de erro: exige-se a essencialidade e a cognoscibilidade dessa

essencialidade do erro para o declaratário;

Em caso de dolo: basta que o dolo tenha sido determinante da vontade do

declarante, salvo se provier de terceiro, caso em que se exige igualmente que o

destinatário conhecesse ou devesse conhecer a situação.

Page 143: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 143

2. REPARAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DA COISA

Encontra-se consagrada no artigo 914.º: obrigação de reparar os defeitos da coisa ou de

a substituir no caso de ser necessário, e esta tiver natureza fungível.

Ratio: farantia edilicia prestada pelo vendedor, no ambito da qual resulta que ele garante

tacitamente a inexistencia de defeitos no bem vendido, tendo assim que o reparar ou

substituir, salvo se naturalmente o vendedor tiver conhecimento do vicio ou da falta de

qualidades da coisa. Atendendo ao artigo 914.º in fine, o regime da garantia edilica nao

assenta numa responsabilidade objectiva do vendedor, mas apenas numa presunção de

culpa relativamente à venda da coisa com defeitos, que pode ser elidida mediante a

demonstração de que o vendedor se encontrava numa situação de desconhecimento não

culposo dos defeitos da coisa.

3. INDEMNIZAÇÃO

a) INDEMNIZAÇÃO EM CASO DE DOLO

Encontra-se consagrada no artigo 908.º por força da remissão do artigo 913.º in fine,

sendo que a expressão dolo encontra-se aqui utilizada no mesmo sentido do que o

referido no artigo 253.º e abrangendo a negligência consciente

Esta aqui em causa a dissimulação do caracter alheio atraves do emprego de sugestões

ou artificios no sentido de dissimular ao comprador os defeitos existentes na coisa – o

comprador adquire o direito à indemnização pelos danos causados, sendo o contrato

anulado.

Embora abranga danos emergentes e lucros cessantes, esta limitada aos danos que não

teriam ocorrido se o contrato não tivesse sido celebrado – interesse contratual negativo.

b) INDEMNIZAÇÃO EM CASO DE SIMPLES ERRO

Remissão do artigo 913.º para o artigo 909.º. abrange os danos emergentes (Incluindo as

despesas volumptuárias) mas não os lucros cessantes, resultantes da aquisição da coisa

com defeito.

Page 144: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 144

O artigo 915.º vem restringir as condições em que pode ser exigida essa indemnização:

ela tambem nao é devida nos casos em que o vendedor ignorava sem culpa o vicio ou a

falta de qualidades de que a coisa padece. Assim, em sede de venda de coisas

defeituosas, ja nao ha uma responsabilidade integralmente objectiva do vendedor pelos

danos causados ao comprador em resultado dos defeitos da coisa.

c) INDEMNIZAÇÃO POR INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO

DE REPARAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DA COISA

Nos termos do artigo 907.º, por remissão do artigo 913.º, o comprador pode pedir uma

indemnização ao vendedor pelo incumprimento da obrigação de reparação ou de

substituição da coisa oou por mora nesse cumprimento. O artigo 910.º/1 admite um

concurso de pretensões neste âmbito, sendo esta excluida, em relação à indemnização

por lucros cessantes resultantes de dolo do vendedor (artigo 908.º).

4. REDUÇÃO DO PREÇO

Aplicação do artigo 911.º/1 por remissão do artigo 913.º: esta acção constitui uma

alternativa à anulação do contrato em consequência do erro ou do dolo (artigo 905.º),

alternativa essa imposta ao comprador sempre que s epossa comprovar que os vícios ou

falta de qualidades de que a coisa padece não influiriam na sua decisão de adquirir o

bem, mas apenas no preço que estaria disposto a pagar por ele.

5. FORMA E PRAZOS DE EXERCÍCIO DO DIREITO

É necessário atender ao artigo 916.º: o comprador deve denunciar ao vendedor o vício

ou a falta de qualidades da coisa, excepto se este tiver actuado com dolo. Há, assim a

imposição ao comprador de um ónus de denúncia dos defeitos da coisa ao vendedor,

com o qual se visa permitir-lhe adqurir conhecimento dos defeitos da coisa vendida, que

poderia ignorar. Esse onus é apenas excluido em caso de dolo do vendedor, o que se

compreende uma vez que ele, atraves de sugestões ou artificios, dissiminou os defeitos

na coisa vendida, nada justifica que pudesse existir uma prebia denuncia desses efeitos.

Cabera ao comprador a prova de ter cumprido o onus da denuncia ou de que se verificou

o dolo por parte do vendedor..

Page 145: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 145

Os prazos para denuncia dos defeitos variam consoante se trate de bens moveis ou

imoveis:

Bens moveis: prazo de 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro de 6

meses apos a entrega da coisa – artigo 916.º/2;

Bens imoveis – prazo de 1 ano depois de conhecido o defeito e de 5 anos apos a

entrega da coisa – artigo 916.º/3

Estes prazos aplicam-se cumulativamente pelo que, se não for observado qualquer

deles, caducarão os direitos conferidos ao comprador que pressupoem a denuncia dos

defeitos. É no entanto de referir que, enquanto o prazo a contar da descoberta dos

defeitos vale independentemente para cada defeito e que portanto se ppode renovar

sempre que forem descobertos novos defeitos, o prazo a contar da entrega da coisa vale

para a generalidade dos defeitos da coisa. Para que esse prazo se inicie é necessária a

entrega material da coisa, uma vez que em caso de entrega simbolica ou formal o

comprador não ficará em condições de se aperceber dos defeitos da coisa.

Em caso de incumprimento destes prazos caducam todos os direitos conferidos ao

comprador em caso de simples erro, ou seja a anulação do contrato com esse

fundamento, a redução do preço, a reparação ou substituição e a indemnização em caso

de simples erro ou por incumprim ento da obrigação de reparação.

6. CLÁUSULAS DE EXCLUSÃO DA GARANTIA

Podem ser admitidas estipulações contrárias à garantia, a não ser que o vendedor tenha

procedido com dolo e as cláusulas contrárias aquelas normas visem beneficiá-lo – artigo

912.º.

Page 146: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 146

7. O REGIME DOS DEFEITOS SUPERVENIENTES E DOS DEFEITOS NA

VENDA DE COISA FUTURA OU NA VENDA DE COISA GENÉRICA

Nos termos do artigo 918.º, sempre que os defeitos da coisa não correspondam a vícios

da coisa específica comprada, já existentes no momento da venda, não é aplicável o

regime do artigo 913.º e seguintes. Deste modo, haverá que distinguir se os vicios na

coisa entregue são imputáveis ao vendedor ou não, devendo-se presumir a primeira

situação por força do artigo 799.º. sendo o vicio imputavel ao vendedor,e ste responde

pelos danos causados ao comprador (artigo 798.º e ss) podendo eele consequentemente

exigir a indemnização correspondente aos prejuizos resultantes da sua celebração (artigo

801.º). Demonstrando-se que os vicios não são imputaveis ao vendedor, existe uma

questa de risco pela perda ou deterioração da coisa, a qual corre por conta do comprador

nos casos de defeito superveniente e por conta do vendedor no caso de venda de coisa

futura ou de coisa genérica – artigo 408.º/2 e 540.º

8. GARANTIA DO BOM FUNCIONAMENTO

É necessário atender ao artigo 921.º que preve a denominada garantia de bom

funcionamento. Se da convenção das partes ou dos usos resulta uma garantia de bom

funcionamento, cabe ao vendedor reparar a coisa ou substitui-la quando a subjectituiçao

seja necessaria e a coisa tenha natureza fungivel independentemente de culpa sua ou de

erro do comprador. A garantia vigora pelo prazo estipulado no contrato ou imposto

pelos usos, sendo que na ausencia de tais estipulações aplica-se o prazo de 6 meses,

contados da entreda da coisa ou da sua efectiva recepção pelo comprador (coisas

objecto de transporte). Nestes casos, o defeito de funcionamento deve ser denunciado ao

vendedor, dentro do prazo de garantia e, salvo estipulação em contrario, ate 30 dias

depois de conhecido, caducando a acçao logo que finde o tempo para a denuncia sem o

comprador a ter efectuado ou passados 6 meses sobre a data em que a denucia for

efectuada.

Dado que se refere apenas ao vendedor, o artigo 921.º não abrange os casos em que a

garantia é prestada pelo fabricante, situação que é qualificada normalmente de

‘’promessa pública’’ ou de ‘’contrato unilateral de garantia’’.

Page 147: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 147

Por sua vez, o comprador tem direito à reparação ou substituição da coisa,

independentemente de culpa do vendedor ou de erro do comprador, mas não à

anulabilidade do contrato ou redução do preço, nem à indemnização. Naturalmente que

nenhuma destas soluçõies ficará excluida, caso se verifiquem os respectivos

pressupostos, mas em relação à indemnização tem se colocado na doutrina italiana a

quetsão de saber se o ressarcimento dos danos causados pelo deficiente funcionamento

da coisa pode ser solictyado sem ser demonstrada a culpa do vendedor. Apesar de

alguma doutrina se pronunciar em sentido contrário, a maioria da doutrina responde

afirmativamente, considerando que o artigo 921.º consagra uma responsabilidade

especial do vendedor de natureza objectiva, que tem por base a assunção pelo vendedor

do risco relativo a dfeitos de funcionamento da coisa.

PROFESSOR ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ARTIGO

913.º A 922.º

Ver página 204 a 218.

VENDA A CONTENTO – ARTIGO 923.º E 924.º

Há quem trate esta modalidade de venda como sendo uma venda sujeita a condição, mas

tecnicamente/teoricamente tal consubstância uma termilogia errada, uma vez que não

existe uma condição verdadeiramente.

Quer o artigo 923.º, quer o artigo 924.º, ambos (1) consubstânciam uma venda a

contento, (2) ambos significam que a venda se faz por etapas e (3) ambos traduzem uma

manifestação do Princípio do Favor Negotti. Contudo, são diferentes!

1. ANÁLISE DO ARTIGO 923.º

Existe uma proposta de venda (não é um contrato de compra e venda!). As partes

combinarem celebrar um contrato nesta modalidade. O acordo entre as parte não é um

contrato de compra e venda: nao há transmissão do direito, não há obrigação de entregar

a coisa a titulo de vendedor e comprador e não há obrigação de pagar o preço. Do

acordo nascem uma proposta e consequentemente vários efeitos. O efeito do n.º 2 e 3 do

artigo 923.º nasce do acordo das partes.

Page 148: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 148

Nos termos do artigo 923.º/2, existe a consagração do valor do silêncio que em regra

não existe, nos termos do artigo 218.º. Aqui o valor do silêncio vale como aceitação.

Existe o prazo de aceitação, uma vez que não existe nenhuma proposta sem prazo. Não

é civilmente admissivel a existência de propostas sem prazo, uma vez que, caso

contrário, o proponente ficaria numa situação de sujeição eternamente, ou seja a

situação de (não) aceitação pela outra parte quanto à celebração do contrato. As

situações de sujeição, no direito privado, são muito fracas, porque ficam sujeitas a um

direito potestativo, sendo que seria inaceitável que o direito civil permitisse que estas

situações não fossem limitadas à partida, devido á protecção do sujeito que não pode

ficar nestas situações eternamente. O artigo 228.º delimita ao segundo quando o

proponente tem de aceitar. Coloca-se então a questão de saber a razão pela qual o artigo

923.º modificou a regra do artigo 228.º? Visa-se proteger o negócio que já se iniciou (já

existe um acordo entre as partes!).

Segundo o PROF. MENEZES LEITÃO, do artigo 923.º a 926.º, existe uma venda por

etapas, sendo a primeira um acordo entre as partes:

Existe um acordo (ao contrário do que sucede no artigo 228.º);

Do acordo nasce uma proposta, sendo portanto esta um dos efeitos daquele;

Nasce a obrigação de entrega para consulta;

Nasce o direito potestativo a aceitar (valor declarativo do silêncio ou aceitação

expressa).

Após tudo o que foi mencionado é que existe uma compra e venda. Existindo,

apenas, uma proposta de venda tal não se enquadra no âmbito de aplicação do artigo

923.º, uma vez que este artigo pressupoe um prévio acordo que é o que justifica a

proposta de venda. No artigo 923.º, aquele que será o comprador só se tornará o

verdadeiro proprietário da coisa no momento em que passar o prazo de aceitação

(caso não aceite antes!).

Page 149: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 149

Existindo o acordo, mas o vendedor não cumprir o n.º3 do artigo 923.º (‘’a coisa

deve ser facultada ao comprador para exame’’), existe responsabilidade civil por

violação do acordo/contrato (▲ não é um contrato de compra e venda, mas é um

contrato (=acordo entre duas partes!).

ANÁLISE DO ARTIGO 924.º

Nestes casos, existe um contrato de compra e venda com direito à resolução. Esta norma

não parece uma condição, pois na verdade existe um poder arbitrário do comprador:

resolve o contrato se a coisa não lhe agradar. Ora, agradar ou não agradar é algo que

externamente é incontrolável. Não é sindicável. Existe uuma declaração de resolução

não fundada em incumprimento de coisa nenhuma, sendo que teoricamente poder-se-ia

discutir se tal consubstância uma resolução ou uma revogação unilateral (sim, existem

revogações unilaterais – artigo 406.º, por exemplo!). O legislador estabeleceu a

resolução com o intuito de aplicar o regime do artigo 432.º e seguintes (ao contrário do

que sucede no instituto da revogação, o regime da resolução é acompanhado de eficácia

retroactiva).

Em termos de risco, existe uma possível dificuldade que se traduz na seguinte

QUERELA DOUTRINAL:

PROF. ROMANO MARTINEZ: aplica o artigo 796.º/3;

PROF. PEDRO EIRÓ: aplica o artigo 796.º/1.

VENDA SUJEITA A PROVA – ARTIGO 925.º

A linguagem do artigo 925.º/1 é muito semelhante à do artigo 913.º: no fundo, o que

interessa é verificar se o bem vendido tem as caracteristicas objectivas que foram

acertadas entre as partes. A grande diferença com a venda de coisas defeituosas é a de

que as próprias partes sujeitaram a prova. É uma compra e venda feita por etapas: existe

a celebração do contrato do contrato, de seguida faz-se a prova e depois logo se vê.

No artigo 925.º já se encontram em causa caracteristicas objectivas, não existindo nada

de discricionariedade nem de arbitragem. São circunstâncias que são são susceptíveis de

serem jurisdicionalmente questionáveis/sindiciáveis.

Page 150: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 150

Representa um caso de compra e venda celebrada sob condição, compra e venda esta

celebrada deste o primeiro momento, mas que se encontra instável. É necessário fazer

prova para ficar estabelizada. Pode ser uma condição suspensiva ou resolutiva

(influencia o regime do risco), como a própria norma o indica. Contudo, é uma

verdadeira condição, com eficácia retroactiva,

Nos termos do artigo 925.º/3, o legislador força a celebração do negócio, através da

estipulação do valor do silêncio.: as partes já entraram no processo tendente à

celebração do negócio, já passaram a primeira etapa.

Nos termos do artigo 926.º, consagra-se queem caso de dúvida sobre a modalidade de

venda que as partes escolherem, de entre as previstas estudadas naquela seccção,

presume-se que tenham adoptado o regime do artigo 923.º.

PROFESSOR MENEZES LEITÃO

I – GENERALIDADES

Nos termos do disposto no artigo 923.º consagram-se os casos específicos de vendas por

etapas: venda a contento e venda sujeita a prova em ambas as situações,

normalmente relativas a bens móveis, verifica-se a subordinação do contrato a uma

aprovação da coisa vendida por parte do comprador, da qual vai depender a sua efectiva

vigência. DIFERENÇAS:

VENDA A CONTENTO: o comprador reserva a faculdade de contratar ou de

resolver o contrato, consoante a apreciação subjectiva (gosto pessoal) que vier a

fazer do bem vendido;

Page 151: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 151

VENDA SUJEITA A PROVA: encontra-se em causa uma avaliação objectiva

do comprador em relação às qualidades da coisa, em conformidade com um teste

a que esta será sujeita.

II – A PRIMEIRA MODALIDADE DE VENDA A CONTENTO

A primeira modalidade de venda a contento implica a estipulação de que a coisa

vendida terá que agradar ao comprador, correspodendo à tradicional cláusula ad gustum

(artigo 923.º). Este tipo de cláusula constitui uma reserva relativa à aceitação do

contrato de compra e venda, o que significa que, em virtude dessa cláusula, o acordo das

partes vem a ser qualificado como uma mera proposta de venda, ficando o vendedor

vinculado sem que o comprador o venha a estar. Deste modo, segundo o PROFESSOR

ANTUNES VARELA esta primeira modalide constitui um pacto de opção, na medida

que, enquanto uma das partes se encontra já vinculada, a outra tem a faculdade

discricionária de o aceitar ou não. A lei admite posteriormente a celebração do contrato

através do silêncio do comprador (artigo 218.º), uma vez que dispõe que a proposta se

considera aceita se o comprador não se pronunciar dentro do prazo de aceitação, nos

termos do artigo 228.º.

A coisa deve ser facultada ao comprador para exame (artigo 923.º/3), pelo que parece

que o prazo de aceitação não se poderá iniciar antes de a coisa ter sido entregue. A

entrega da coisa para exame constitui uma obrigação autónoma do vendedor, que o

comprador pode judicialmente exigir.

Caso o comprador durante o prazo estabelecido se pronuncie no sentido da rejeição do

contrato, a venda considerar-se-á como não celebrada. Uma vez que se trata de uma

questão de apreciação subjectiva ou gosto pessoal, o vendedor não necessita de indicar

qualquer motivo para proceder à rejeição do contrato.

Uma vez que a lei qualifica a situação como uma mera proposta de venda, naturalmente

que todos os efeitos do contrato (transmissão da propriedade, atribuição do risco ao

comprador, etc) só se verificarão com o decurso do prazo estabelecido, que confirmará a

Page 152: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 152

sua intenção de adquirir nos termos do artigo 218.º, sendo até lá o comprador

considerado mero detentor precário.

III – A SEGUNDA MODALIDADE DE VENDA A CONTENTO

A segunda modalide de venda a contento corresponde à concessão de um direito de

resolução unilateral do contrato se a coisa não agradar ao comprador, o qual segue as

regras gerais, sendo portanto aplicáveis os artigos 432.º e seguintes. Não se trata da uma

condição resolutiva, uma vez que as partes não subordinam a resolução do negócio a um

acontecimento futuro e incerto, antes atribuem ao comprador o direito de resolver

unilateralmente o contrato se a coisa não lhe agradar.

Uma vez que a concessão ao comprador d eum direito de resolução unilateral não

impede que a propriedade se transmita (artigo 408.º/1), parece que correrá por sua conta

o risco da perda ou deterioração da coisa, verificada durante essse prazo (artigo 796.º/1).

Efectivamente, caso a coisa venha-se a perder ou a deteriorar, o comprador deixará de a

poder restituir ao vendedor, pelo que perde o direito de resolver o contrato (artigo

432.º/2).

IV – A VENDA SUJEITA A PROVA

O contrato não se tornará definitivo sem que o comprador averigue, atraves de um

prévio uso da coisa, que ela é idonea para o fim a que é destinada e tem as qualidades

asseguradas pelo vendedor.

O artigo 925.º qualifica a situação da venda sujeita a prova como uma venda

subordinada a condição (suspensiva ou resolutiva), consistindo a condição no facto de a

coisa vendida ser idónea para o fim a que é destinada e ter as qualidades asseguradas

pelo vendedor.

A qualificação como venda sujeita a condição não é isenta de controvérsia:

Page 153: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 153

DOUTRINA FRANCESA: apesar da expressa qualificação legal da vente à

l’essai como venda sujeita a condição suspensiva, já se tem sustentado que a

situação é semelhante à da venda a contento, devendo por isso a venda sujeita a

prova ser antes qualificada como promessa unilateral de venda;

DOUTRINA ITALIANA: enquanto alguns autores aceitam a solução legal,

outros rejitam a qualificação da situação como verdadeira condição própria,

sustentando tratar-se antes de uma condição imprópra;

OUTROS: negam mesmo essa qualificação como condição, sustentando estar-se

antes perante uma categoria especifica de venda, cujos efeitos finais ficam

dependentes da verificação positiva de uma qualidade da coisa que a torna

adequada à sua utilização pelo alienante posição do PROFESSOR

MENEZES LEITÃO, justificando tal com o facto de os requisitos específicos da

venda sujeita a prova referidos nos artigos 925.º não se distinguem dos

requisitos gerais de conformidade da coisa, a que se refere o artigo 913.º. Há

apenas a acrescentar neste caso um especifico teste de conformidade, sem o qual

não se considera estar definitivamente concluído o contrato.

PROFESSOR ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ARTIGO

923.º A 926.º

ARTIGO 923.º

O que caracteriza a venda a contento é a faculdade discricionária, que tem o comprador,

de aceitar ou não a venda. Aceita-a, sela lhe agradar; rejeita-a, no caso contrário. O

comprador reserva-se inteira liberdade de dizer a última palavra: ficará ou não

vinculado conforme lhe aprouver. É soberano n a sua decisão, sendo que a ele cabe

resolver, discricionariamente, se o objecto possui ou não as qualidades necessárias, se

serve ou não aos seus fins.

Page 154: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 154

Nos termos do n.º1 considera-se a compra e venda feita com a reserva de a coisa agradar

ao comprador como uma proposta de venda. Não existe propriamente uma venda, mas

sim uma proposta de venda, porque o comprador ou melhor o destinatário dessa

proposta, não se vincula: falta a sua manifestação de vontade, que consitirá na futura

exteriorazão do seu juízo sobre a rex. Se o comprador disser e quando disser ao vender

que esta lhe convém, com isso adere à oferta e o contrato forma-se, como resultado do

encontro da proprosta e da aceitação.

A venda a contesto pode incidir sobre coisas imóveis, uma vez que não há nada na lei

que contrarie esta solução, embora na prática ela deva ser muitissimo pouco frequente

quanto aos imóveis.

Considerando a venda a contento, nesta primeira modalidade, como uma proposta de

venda, o vendedor fica vinculado à proporsta nos termos do n.º1 do artigo 228.º,

devendo a aceitação ou rejeição ser feita dentro dos prazos aí mencioinados.

Excepcionalmente, considera-se aceite a proposta se, tendo sido a coisa entregue ao

comprador, este não se pronunciar dentro dos prazos de aceitação. É um dos casos em

que o silêncio vale, popr força da lei, como uma declração negocial.

Embora ainda se esteja na fase de formação do contrato, enquanto o comprador e não

aceita e a aceitação não chega ao conhecimento do vendedor, há desde logo uma

obrigação contratual cujo cumprimento pode ser judicialmente exigido: a de a coisa ser

facultada ao comprador para exame.

A rejeição da compra, não estando sujeita a forma especial, pode ser feita por qualquer

dos meios de declaração previstos no artigo 217.º, inclusivamente por declaração tácita.

Tal como a lei o diz, a venda a contento, na sua primeira modalidade, constitui um caso

típico de opção: do contrato resulta a vinculação definitiva de uma das partes (no caso:

o vendedor), enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitar ou declinar, conforme

mais lhe convier.

Page 155: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 155

ARTIGO 924.º

Esta segunda modalidade de venda a contento distingue-se da primeira no facto de o

negócio completar-se com a adesão do comprador, mas ete fica com o direito, se a coisa

não lhe agradar, de resolver unilateralmente o contrato com as consequências previstas

nos artigos 432.º e seguintes. Considera-se portanto celebrado o contrato e não apenas

feita uma proposta negocial. Fica no entanto ao arbitrio do comprador (sem que, contra

ele, se possa invocar alguma circunstância de natureza objectiva), resolver o negócio,

restituindo a coisa e recebendo o preço, se este tiver sido entregue.

Quanto aos prazos para o exercicio do direito de resolução, nos termos do n.º3, é

necessário atender, sucessivamente, ao que for estabelecido pelo contrato, pelos usos,

ou pelo vendedor, devendo este último ser um prazo razoável.

ARTIGO 925.º

Ao contrário da venda a contento, em que não são relevantes para a sua perfeição ou

resolução circunstâncias de natureza objectiva, mas somente a vontade do comprador,

na venda sujeita a prova são circunstancias objectivas, suceptiveis de apreciação

jurisdicional que condicionam o valor jurídico do acto.

Por acordo das partes a eficiência do contrato fica condicionada à objectiva idoneidade

da coisa para a satisfação do fim ou fins a que se destina e à existência, nela, das

qualidades asseguradas pelo vendedor. Melhor: fica condicionada ao resultado de um

exame a fazer, destinado a averiguar a aptidão do objecto. O valor da compra e venda

depende das conclusões a que conduzir esse exame, fiscalizável jurisidiconalmente. O

tribunal pode, aqui, censurar o veredicto do comprador e dasaprovar a rejeiçãoi que ela

tenha feito do objecto vendido. O acordo das partes envolve no período de formação ou

aperfeiçoamento do contrato, uma averiguação que em regra se faz nos preparativos ou

preliminares do negócio ou após a sua execução.

Tal como na venda a contento, nada obsta a que a venda sujeita a prova incida sobre

bens imóveis. E tanto pode ter por objecto coisas determinadas, como coisas genéricas

(desde que pertençam a um género limitado).

Page 156: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 156

Nesta modalidade de venda considera-se o negócio como feito sob condição suspensiva,

ou se isso for convencionado sob condição resolutiva. Pode, portanto, o negócio revestir

duas modalidades, embora sempre sob condição. A determinação da modalidade que as

partes quiseram adoptar tem o maior interesse para a fixação do regime do contrato,

designadamente no que se refere ao risco pelo perecimento da coisa.

O facto que condiciona os efeitos da venda é a prova, a qual deve ser feita dentro do

prazo e segundo a modalidade (n.º2). No n.º3 estabelece-se uma presunção favorável à

eficiácia do contrato, no caso de não ser comunicado ao vendedor o resultado da prova

antes de expirar o prazo fixado para a realização desta.

A natureza da prova depende da natureza da coisa vendida: pode consistir em exames,

inspecções, análises, experiências de funcionamento, etc. Se a prova se torna impossível

por facto imputável ao comprador (que alienou, consumiu ou transformou a coisa) a

compra torna-se pura e simples desde o momento em que a impossibilidade se

verificou.

ARTIGO 926.º

RATIO: dada a enorme dificuldade de saber, muitas vezes, qual das modalidades aí

reguladas se ajusta melhor às intenções dos contraentres, julgou-se de toda a

conveniência formular a este respeito uma presunção, declarando que, em caso de

dúvida, se considera escolhida a primeira modalidade de venda a contento (proposta de

venda) por ser aquela que verosimilmente melhor realiza os desejos e os interesses das

partes no maior número de casos.

VENDA A RETRO – ARTIGO 927.º a 933.º

Poder-se-ia discutir se quando o artigo 927.º se refere a resolver estamos face ao

instituto da resolução verdadeiramente, contudo tal é uma discussão meramente teórica.

Page 157: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 157

No CC de 1867 não se permitia a venda a retro. A venda a retro distingue-se do

financiamento, na medida em que consubstância uma hipótese de se arranjar

financiamento, quando os bancos não estão a emprestar.

Exemplo: A encontra-se numa situação economicamente complicada, pelo que decide

vender a sua casa a B. Quando A se encontrar novamente numa situação económica

adequada devolve o dinheiro a B e este devolve-lhe a casa.

O instituto da venda a retro pode conduzir a dois problemas:

1. É um instituto semelhante ao pacto comissório: permite ao credor ficar com o

objecto da garantia, o que é proibido em todas as garantias reais. Este instituto

permite a ultrapassem do pacto comissório, na medida em que

2. É um instituto que supostamente poderia conduzir ou potenciar a usura.

Contudo, o CC com a norma do artigo 928.º/2 protegeu tal possibilidade (não na

primeira fase, mas sim na altura do exercício da resolução ‘’é igualmente nula,

quanto ao excesso, a cláusula que declare o vendedor obrigado a restituir, em

caso de resolução, preço superior ao fixado na venda’’).

A norma do artigo 930.º é diferente do artigo 436.º, na medida que permite que a

realização da escritura pública possa não ter a intervenção do comprador.

Coloca-se a questão de saber se o artigo 932.º é compatível com o artigo 435.º. Segundo

o PROF PEDRO EIRÓ E PROF. ANTUNES VARELA é necessário apurar se exisiu ou

não registo da cláusula a retro:

SIM: é oponível a terceiros, por aplicação do artigo 932.º;

NÃO: apenas poderá ser oponível a terceiros, desde que se verifiquem os

requisitos constantes no artigo 435.º.

Page 158: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 158

PROFESSOR MENEZES LEITÃO

A venda a retro consiste numa modalidade de venda em que a transmissão da

propriedade não se apresenta como definitiva, na medida em que o vendedor se reserva

a possibilidade de revaer o direito alienado, mediante a restituição do preço e o

reembolso das despesas feitas com a venda.

Na perspectiva das atribuições patrimoniais das partes, o contrato apresenta-se como

uma operação de financiamento na qual o pagamento do preço substitui a concessão de

um empréstimo pelo comprador ao vendedor e o exercício do direito de resolução por

este substitui o reembolso desse mesmo empréstimo, reembolso que se apresentou como

garantido, através da prévia atribuição da propriedade do comprador.

Em lugar da estipulação de uma garantia, que não permite a imediata aquisição da

propriedade em caso de incumprimento pelo devedor, as partes poderiam sempre

estipular uma venda a retro, transmitindo a propriedade para o credor, apenas a podendo

recuperar o devedor com o pagamento do crédito. Por esse motivo, o CC de 1867 veio

abolir a venda a retro. Sem qualquer necessidade, o CC actual veio reinstituir este

contrato, o que fez, no entanto, em termos tais que o tornaram sem qualquer relevância

prática. Efectivamente, para evitar a sua utilização com fins de garantia, o CC proibiu a

atribuiçao ao comprador de qualquer benefício como contrapartida da resolução,

tornando assim muito dificil que algum comprador aceite celebrar uma aquisição com

uma clausula a retro.

Apesar da previsão expressa da venda a retro pode questionar-se a sua admissibilidade,

em face da proibição do pacto comissório, quando não haja qualquer intenção de

transferir a propriedade contra o pagamento de um preço a receber, mas apenas a de

constituir uma garantia de pagamento de um crédito a favor do comprador (exemplo: a

obrigação de pagamento do preço ser declarada compensada com um crédito já

existente do comprador sobre o vendedor). Neste caso, estar-se-á perante uma

verdadeira alienação fiduciária em garantia, que é dificilmente compativel com a

proibição do pacto comissório.

Page 159: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 159

A cláusula a retro constitui uma estipulação do contrato de compra e venda, sendo por

isso sujeita à forma exigida para esse contrato.

Nos termos do disposto no artigo 927.º, o que caracteriza a venda a retro é o facto de ser

atribuida ao vendedor uma posição jurídica especifica que lhe permita resolver o

contrato e recuperar o bem. Contudo, existem limites legais quanto à estipulação do

prazo para a resolução, uma vez que o artigo 929.º determina que a resolução só pode

ser exercida no prazo de dois anos ou de cinco anos a contar da venda, consoante se

trate, respectivamente, de coisas móveis ou imóveis (artigo 929.º/1), prazo esse que se

considera reduzido a esses limites se for estipulado no âmbito superior (artigo 929.º/2).

A referencia legal à venda deve ser interpretada como abrangendo a celebração do

contrato, salvo se a transmissão da propriedade for diferida para momento posterior,

uma vez que nesse caso parece que o prazo apenas se pode iniciar a partir do momento

em que ocorre a transferência da propriedade.

A lei não foge aqui ao sistema da resolução por declaração (artigo 436.º), tendo essa

declaração natureza negocial, ainda que exija uma forma especial para a sua emissão,

que é a notificação judicial.

Nos termos do artigo 931.º determina-se que, salvo estipulação das partes em contrário,

a resolução se considerará sem efeito se, dentro do prazo de 15 dias após a notificação,

o vendedor não fizer ao comprador oferta real das importâncias liquidas que haja de

pagar-lhe a titulo de reembolso do preço e das despesas com o contrato e outras

acessórias. O reembolso do preço e das despesas com o contrato e outras acessórias vem

a constituir um ónus e não uma obrigação para o vendedor, uma vez que a sua omissão

leva apenas à ineficácia da resolução e não à responsabilidade por incumprimento.

Note-se que só se encontram em causa as despesas que o artigo 878.º faz recair sobre o

comprador e não as beifeitorias necessárias e úteis realizadas na coisa, não tendo o

vendedor que fazer também oferta real destas para efeito da resolução da venda a retro.

A lei determina que a cláusula a retro é oponivel a terceiros, desde que a venda tenha

por objecto coisa simóveis ou coisas móveis sujeito a registo e tenha sido registada –

artigo 932.º. Nos restantes casos terá eficácia meramente obrigacional.

Page 160: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 160

Coloca-se a questão de saber como se exerce a cláusula a retro, no caso de o bem já ter

sido alienado a terceiro. Parece que, apesar de já ter ocorrido essa alienação, em caso de

resolução, é ao comprador que esta deve ser notificada, bem como é a ele que lhe deve

ser feita a oferta real do preço e despesas, devendo depois o vendedor opor ao

adquirente o seu direito e tendo este direito de reclamar do comprador o reembolso do

que lhe tiver pago.

Efectuada a resolução da venda a retro, a propriedade retorna à esfera jurídica do

vendedor. Contudo, a resolução processa-se sem eficácia retroactiva, pelo que a

propriedade é apenas adquirida ex nunc e consequentemente, os frutos que a coisa

produziu entre o momento da venda e o da resolução pertencem ao comprador. Sendo a

cláusula a retro oponivel a terceiros, os bens regressarão livres de quaisquer ónus ou

encargos com que o comprador tenha onerado os bens.

NATUREZA JURÍDICA:

GORLA, BARBERO E BARASSI: situação de propriedade temporária

revogável ou resolúvel;

LARENZ, RAI, GABRIELLI E CARPINO: transmissão da propriedade

associada a uma opção de compra ou a uma promessa unilateral de venda;

PROFESSOR MENEZES LEITÃO: direito de resolução do contrato pelo

vendedor (artigo 927.º), sendo que efectivamente o regime da venda a retro

harmoniza-se integralmente com o disposto nos artigos 432.º e seguintes,

podendo por isso, ser a cláusula a retro ser configurada como uma convenção

atributiva de um direito de resolução do contrato, a exercer ad nutum pelo

vendedor.

Page 161: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 161

PROFESSOR ANTUNES VARELA – CÓDIGO CIVIL ANOTADO – ARTIGO

227,º A 933.º

ARTIGO 227.º

A venda a retro ou a remir foi abolida pelo CC de 1867, uma vez que se entendeu que a

venda a retro encobria, na generalidade dos casos, um contrato de usura, em que a

possibilida de rescisão funcionava como garantia do cumprimento da obrigação

excessiva assumida pelo vendedor. Segundo o PROFESSOR GALVÃO TELLES, ‘’diz-

se que em muitos casos equivalerá praticamente a um empréstimo pignoratício ou

hipotecário com pacto comissório, em que o preço funcionará como capital mutuado, a

coisa vendida como objecto da garantia, e a transmissão da propriedade como cláusula

comissória, que em caso de não restituição do capital, pelo resgate, permitirá ao

mutuante (comprador) reter como seu o objecto, sem avaliação’’. Contudo, segundo o

mesmo autor, a venda a retro pode servir interesses sérios e legítimos, como o daquele

que, precisando de dinheiro, não queira todavia recorrer ao crédito, para não sentir o

peso de encargos, e não queira também despojar-se definitivamente dos bens,

conservando a esperança e o direito de os recuperar.

O exercício do direito de resolução tem como consequência a aplicação do disposto nos

artigos 432.º e seguintes, em tudo o que não estiver especialmente regulado nesta

secção. Os efeitos são, portanto, os da anulação ou declaração de nulidade do acto

(artigo 433.º). Nos termos do artigo 289.º/1, o comprador deve restituir a coisa

comprada e o vendedor deve restituir o preço. Durante a pendência do negócio, o

comprador é havido como possuidor de boa fé, sendo-lhe aplicáveis as disposições dos

artigos 1269.º e seguintes (artigo 289.º/3).

Se o vendedor não estiver em condições de restituir o preço, por circunstâncias não

imputáveis ao comprador, não pode resolver o contrato (artigo 432.º/2).

ARTIGO 928.º

Page 162: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 162

Proibem-se duas cláusulas:

i. A que atribui ao comprador, no caso de resolução, o direito a uma quantia em

dinheiro ou a outra vantagem, como contrapartida;

ii. A que obriga o vendedor a entregar um peço superior ao fixado para a venda.

Pretende-se evitar que a venda a remir encubra um negócio usurário, no qual o

comprador se aproveitasse da situação de necessidade em que eventualmente se

encontre o vendedor. Por isso, nada se opõe, dada a ratio da norma, a que se fixe para o

vendedor a obrigação de restituir um preço inferior ao recebido. Será hipotese rara, dada

a tendência da moeda para a sua desvalorização, e que por isso só se concebe quando a

desvalorização provavél da coisa exceda a da moeda. Com a restituição do preço, o

vendedor é responsável também pelo pagamento das despesas com o contrato e outras

acessórias. É uma obrigação contratual e não legal.

A nulidade das referidas cláusulas não afecta a validade da venda a remiri ou das

demais cláusulas do contrato (N.º1). No caso de se ter estipulado a restituição dum

preço superior, a nulidade diz respeito apenas ao excesso (n.º2).

ARTIGO 929.º

É a incerteza, quanto à sorte do contrato, que justifica o estabelecimento destes limites

de tempo para o exercício do direito de resolução; é ainda a conveniência de evitar que a

eficiácia real da cláusula, que perjudica a livre circulação dos bens, se protele por muito

tempo.

Os prazos fixados na lei são improrrogáveis (n.º2) e contam-se a partir da venda (n.º1 e

2). Se houver promessa de vensa, esta é, por irrelevante para esse efeito. Trata-se do de

prazos de caducidade e não de prescrição (artigo 298.º/2). Encontram-se sujeitos ao

regime dos artigos 328.º e seguintes.

Page 163: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 163

A fixação dum prazo pela lei afasta a possibilidade, conferida em termos gerais pelo

artigo 436.º/2, de a outra parte fixar um prazo razável para o exercício do direito.

Nada impede que, dentro dos prazos (resolutivos) legais estabelecidos, as partes fixem

um prazo (suspensivo) inicial, de modo a que a resolução do contrato não possa ser

exercida senão passado certo período (a fim de o comprador se assegurar do uso da

coisa durante um período mínimo).

ARTIGO 930.º

Não é admitida como forma de resolução a simples declaração à outra parte. A

disposição genérica do artigo 436.º/1 é afastada.

Feita a notificação judicial, sempre que se trate de venda de coisa imóvel, é necessária a

realização de uma escritura pública. Como se trata de um negócio unilateral (resolução)

e não de um novo contrato, como o que exigiria o pacto obrigacional ou o contrato

promessa de retrovenda, não é necessária a intervenção do comprador.

ARTIGO 931.º

As despesas com o contrato e outras acessórias são aquelas que o artigo 878.º coloca a

cargo do comprador. Embora o vendedor não tenha recebido tais importâncais, é justo

que as pague ele e não o comprador, uma vez que a resolução do negócio ocorre no

exclsuvio e por iniciativa do primeiro.

A obrigação do vendedor fazer a oferta real do preço e demais despesas ao comprador,

dentro dos quinze dias subsequentes à notificação não é imperativa. A caducidade só se

verifica no silêncio do contrato. Pode convencionar-se um prazo de caducidade superior

ou inferior a este. As partes tambem podem concordar, nao obstante o silencio do

contrato, na dilação do prazo legal, pois não há principios de ordem pública a

slavaguardar. Como regra supletiva fica a da necessidade da oferta real dos reembolsos

a que haja lugar, sob pena de caducidade do direito.

Page 164: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 164

As obrigações de restituição impostas aos contraentes pelo fim do resgate da coisa não

funcionam como obrigações sinalagmáticas, mas como obrigações subordinadas ou

sucessivas; a restituição da coiusa segue-se ao reembolso do preço e demais

importâncias.

Nem o comprador deve neste caso restituir os frutos entretanto percebidos da coisa nem

o vendedor os juros do preço.

A oferta real pode realizar-se pelas mais variadas formas, desde que não se reduza a

uma simples promessa d epagamento futuro e coloque, pelo contrário, o compreador em

condições de receber imediatamente as somas que lhe são devidas.

A oferta refere-se apenas às importâncias liquidas, ou seja, aquelas cujo montante seja

ou deva ser o conhecido do vendedor, visto não se compreender que ele devesse

oferecer desde logo o pagamento de despesas cujo volume desconheça sem culpa.

Quanto a estas importâncias iliquidas, não compreendidas na oferta real, o comprador

não goza, quando ao seu pagamento, da garantia dada pela propriedade da coisa, mas

gozará quanto a algumas delas do direito de retenção da coisa.

ARTIGO 932.º

O artigo 932.º tem de ser conjugado com o artigo 435,º. Na medida em que ambos são

aplicaveis na venda retro. Em princípio, a resolução dos contratos, ainda que

expressamente convencionada, como neste caso, não prejudica os direitos adquiridos

por terceiro. Se a coisa for alienada ou sobre ela se constituir um direito real não pode a

cláusula a retro afectar os direitos do subadquirente ou do titular do novo direito real.

A excepção a esta regra é o artigo 932.º: desde que a venda tenha por objecto coisas

imóveis ou coisas móveis sujeitas a registo, e tenha sifo registada a cláusula a retro, esta

é já oponivel a terceiros.

Page 165: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 165

ARTIGO 933.º

Não importa, para aplicação da doutrina desta norma, que a coisa seja vendida na sua

totalidade, que todos os consortes tenham alienado o seu direito. Se, por exemplo, a

coisa pertence a 3 pessoas e 2 delas vendem a sua quota, em conjunto, com a cláusula a

retro, a resolução, por força deste artigo, só poderá fazer-se com a intervenção dos dois

alienantes.

Esta disposição só é aplicável se a venda é feita em conjunto. Se um dos consortes

aliena a sua quota com a cláusula a retro e, por outro contrato, outro consorte aliena

também a sua, com a mesma cláusula, cada um dos alienantes pode resolver o seu

contrato sem intervenção do outro. Os negócios mantém entre si, independência, pois

não se vende coisa ou direito comum, mas sim quotas que pertencem exclusivamente

aos alienantes.

Durante o periodo em que se mantém a possibilidade de resolução, devem naturalmente

ser acautelados os interesses dos alienantes quanto ao seu eventual regresso à situação

de titulares da coisa ou do direito comum. Assim, se for requerida divisão da coisa

comum, quer pelo comprador, quer pelos restantes comproprietários, devem os

alienantes ser chamados a intervir na acção, para que nela possam defender os interesses

ligados à eventual resolução do contrato e ao seu consequente regresso à titularidade da

coisa ou do direito. Esta solução vale mesmo para o caso da alienação separada ou

independente de quotas.

Page 166: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 166

25 de Novembro – Aula 14

Exemplo: A arrenda a B o imóvel o proprietário do imóvel podem ser ambos (apenas

uma perspectiva de ler a frase!).

Diz-se ‘’dar de arrendamento’’ e ‘’tomar de arrendamento’’.

Nos termos do artigo 1022.º consagra-se a obrigação de proporcionar a outrem o gozo

de uma coisa, o que é diferente do que sucede na compra e venda em que existe a

transmissão da propriedade. No regime da locação está em causa um gozo temporário,

mediante uma retribuição. Um gozo temporário sem retribuição consubstância um

contrato de comodato. A retribuição na locação designa-se como aluguer, nos termos do

artigo 1038.º al. a).

A fonte da locação, e nomeadamente do arrendamento, em regra resulta da celebração

de um contrato, mas existem duas excepções:

1. Artigo 1793.º CC, em que, existindo problemas no âmbito do divórcio, o

tribuinal atribuir a casa de morada de família a um dos ex-conjuges;

2. Lei 7/2011 (Lei da União de Facto), em que, no artigo 4.º, se regulam os

aspectos relacionados com a casa de morada de família.

Nos termos do artigo 1038.º al. i) consagra-se como obrigação do locatário restrituir a

coisa locada findo o contrato de locação. Tal demonstra que o não se pode locar uma

coisa fungível ou consumível (‘’a coisa locada’’). O PROF. ROMANO MARTINEZ é

contra esta afirmação.

ARRENDAMENTO URBANO

Page 167: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 167

Ou seja,

Nos termos do art. 1022º, existem três elementos que definem o arrendamento típico:

Obrigação de proporcionar a outrem o gozo de uma coisa

O gozo ser temporário

Existência de uma retribuição

Sem retribuição, mas com a presença dos outros dois elementos, não se

está face a uma locação mas sim a um comodato.

A fonte da locação é o contrato, excepto nas situações de dissolução da união de facto e

na casa de morada de família (art. 1793º).

Pode ser locada uma coisa fungível (art. 207º) ou consumível (art. 208º)?

Nos termos do art. 1038º al. i) existe a obrigação por parte do locatário de restituir a

coisa locada findo o contrato. Note-se que este artigo diz ‘’a coisa locada’’, pelo que

não poderá ser outra do mesmo género – terá de devolver a mesma coisa.

Modalidades do Contrato de Locação

1. Arrendamento vs Aluguer – art. 1023º

Critério: depende do objecto do contrato de locação

Arrendamento: bens imóveis

Aluguer: bens móveis

Modalidades de Arrendamento

Arrendamento de Prédio Urbano vs Arrendamento de Prédio Rústico critério do

objecto

Arrendamento de Prédio Urbano Habitacional e Não Habitacional/ Prédio Rústico Rural

e Florestalcritério do fim

Arrendamento de Prédio Urbano

Page 168: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 168

Fins Habitacionais

Fins não Habitacionais

Arrendamento de Prédio Rústico

Rural: se o prédio se destinar à exploração agrícola ou pecuária

Florestal: se o prédio se destinar à exploração silvicultura

Arrendamento Misto (art. 1066º)

Tem como objecto um prédio em parte rústico e outra parte urbano

Enquadramento Legislativo

▲ Aluguer não tem um regime específico no CC, tendo sim legislação especial

Quanto ao Arrendamento – diplomas essenciais

Código Civil de 1966

As primeiras seis secçõesmantém-se iguais; a secção VII tratava do arrendamento rural;

a secção VIII tinha como epigrafe o arrendamento de prédios urbanos e outros rústicos

8 subsecções, sendo que as cinco primeiras encontrava-se centrada no arrendamento

urbano e as três últimos tratava das disposições gerais.

Decreto-lei 201/75, de 15 de Abril

Em 1975, surgiu o decreto Lei 201/75, de 15 de Abril. Nesta altura, o ambiente era

revolucionário, sendo que tudo terminou com o 25 de Novembro de 1975. Este decreto-

lei regulou o arrendamento rural, sendo o primeiro decreto lei a fazê-lo. Regulou-o

porque os problemas do arrendamento rural foram um dos grandes motivos da

revolução, sendo que esta foi composta essencialmente por três:uma dos primeiros

motivos relacionava-se com as guerras ultramarinas, uma segunda relacionada com a

democratização e a terceira foi a reforma agrária (o sul vivia momentos muito difíceis -

Page 169: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 169

mais desenvolvimentos: ouvir músicas do Sérgio Godinho). O tema reforma agrária era

um dos grandes temas. É um diploma que tem certas curiosidades: retirou a matéria do

CC (a secção sétima do CC de 1966 desapareceu); no CC essa secção sétima tinha certa

de dezanove artigos, mas o decreto lei têm quarenta e oito artigos; actualmente o

arrendamento rural que tem por base o diploma de 1988 tem quarenta artigos. Portanto,

para que o interessa em matéria de locação é este o primeiro golpe que retira a matéria

do arrendamento rural do CC.

Historicamente, a Revolução de 75, teve a preocupação com a matéria rural. Regulou o

arrendamento rural e retirou-o no CC.

Actualmente o arrendamento rural a lei mais recente é de 88 e foi alterada em 99, ou

seja continua a ser um diploma com cerca de 40 artigos e a estar fora do CC

Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro de 1990 (RAU)

Em 1990 o clima política era muito mais calmo. Os nossos avós com grande

naturalidade viveram sempre na mesma casa (''casa dos avós): até 74 não existia

inflação, embora o país fosse muito pobre, existia uma classe que adquiria a riqueza por

via do trabalho, sendo que com as poupanças que tinha do trabalho investia em imóveis

com os seguintes objectivos: obter rendimento e com este rendimento fazer face à sua

velhice (não existia segurança social). Nesta altura, o mercado dos imóveis era um

mercado estável (se o inquilino pagasse as rendas o senhoria ficava muito contente).

Deste modo, existiam arrendamentos que duravam eternidades, havendo uma

estabilidade locatícia: os contratos eram vinculíssimos (apesar de os arrendamentos

poder durar a vida das pessoas tinham prazo: desde que o inquino cumprisse as suas

rendas, o contrato renova-se automaticamente, sem o senhorio poder fazer nada, uma

vez que só poderia colocar termo se existisse um incumprimento por parte do inquilino

ou em caso de necessidade de fazer obras), não existiam aumentos de rendas, etc.

Em 75 foi tudo nacionalizado (ao contrário do que sucede actualmente em que é tudo

reprivatizado). Em 74, o regime do arrendamento não foi modificado, mas as rendas

ficaram paralisadas, sendo que cada menos esta diminuía para o senhorio.

Page 170: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 170

Nos anos 80, politicamente a situação estava estável. No domínio do ''Cavasquistão''', a

sociedade ficou convencida de outra coisa: apareceu o celebre anúncio que ''quem casa

quer casa'', sendo que quase ninguém da geração do PROFESSOR EIRÓ arrendava

casa, porque preferiram estar a ''pagar a renda'' ao banco e no fim a casa ficava deles. É

evidente que o ambiente económico da altura proporcionava tal. Além disso, na época

do professor não existia qualquer problema em arranjar trabalho, pelo que existindo

dinheiro não havia qualquer problema em comprar casa através de empréstimo do

banco. O emprego era estável e localizado pelo que tudo indicava para a aquisição de

imóvel, através de financiamento dos bancos, que financiavam sem qualquer entrave.

Contudo, as pessoas começaram a reparar que as casas estavam todas a cair: desde 74

ninguém fez obra nos imóveis, pois só interessava propriedade horizontal e novas

construções.

O regime do arrendamento urbano que surgiu em 90, foi encomendado pelo

PROFESSOR DR. CAVACO SILVA, sendo que este diploma colocou o PROF.

ANTUNES VARELA enlouquecido. A feitura deste regime foi encomendado ao PROF.

MENEZES CORDEIRO, que embora quisesse ter ido mais além, politicamente não

teve condições para tal.

O preâmbulo deste diploma foi realizado pelo PROF. MENEZES CORDEIRO,

encontrando-se ''muitíssimo bem feito'', uma vez que estabelece a relação existente entre

o enquadramento social da época e o arrendamento urbano.Umas das coisas que se

retira do preâmbulo é a necessidade de dinamizar o arrendamento habitacional, que se

encontrava paralisado. Este diploma retirou a matéria do arrendamento urbano do CC.

Este RAU, em certa medida, não consegui resolver todos os problemas que vinham do

arrendamento, não conseguido todos os objectivos a que se tinha pressupostos.

Page 171: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 171

Quanto aos arrendamentos novos, no RAU, entre algumas novidades, existiu uma de

caracter bastante inovador: criou-se os contratos de duração limitada. Os contratos de

duração limitada para habitação, desde que celebrados pelo menos durante 5 anos,

permitia ao senhorio, após os cinco anos, colocar termo ao contrato, sem qualquer

justificação. Foi a primeira brecha no vinculísmo.

Em suma…

O Arrendamento Urbano tem problemas gravíssimos a partir de 75, misturando-se o

congelamento da renda com a inflação. Antes ninguém se procurou em actualizar as

rendas porque não se pensava na inflação. Depois da Revolução, os senhorios recebiam

rendas miseráveis devido à inflação, não tendo hipótese nenhuma de ter rendimentos

com os prédios.

O RAU foi um documento encomendado ao Prof. Menezes Cordeiro e que proveio do

Ministério das Obras Públicas.

Trata-se de um documento que engloba todo o regime do arrendamento urbano, tanto ao

nível substantivo como processual. A ideia era construir algo semelhante a um Código.

Retirou o arrendamento urbano do CC. A matéria do arrendamento urbano, sendo uma

matéria muito sensível, teria de ser alterada varias vezes pelo que não faria sentido estar

se a incluir no CC para depois se estar a alterar este.

Grande novidade: antes do RAU o arrendamento renova-se automaticamente e

vitaliciamente para o senhorio, a menos que existisse incumprimento. O RAU em 90

criou os contratos de locação limitada por 5anos. As partes chegavam ao fim dos 5anos

e o senhorio se quisesse poderia por termo ao contrato. Não era uma situação totalmente

equilibrada, havendo mais arrendatários do que senhorios, podendo os arrendatários

terminar os contratos a qualquer altura.

Arrendamentos Temporários e Rendas Actualizadas (quoeficientes novos todos os anos)

Não consegui, na constatação de todos, dinamizar o mercado de arrendamento.

Page 172: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 172

Decreto-Lei 257/95, de 30 de Setembro

Permitiu que os arrendamentos comerciais também pudessem ser celebrados por prazo

de duração limitado (o que o RAU não permitia)

Cinco anos depois, o legislador, achando tão boa a ideia dos arrendamentos de duração

limitada, decidiu extendê-la aos arrendamentos não habitacionais, ou seja aos

arrendamentos para comércio ou indústria, dando também um toquezinho no que toca à

alteração das rendas (através de acordo entre as partes), etc.

Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro (Lei que institui o NRAU)

Mais uma vez a histórica política influenciou a matéria do arrendamento. 2004, foi o

ano em que o Governo do Dr. Durão Barosso foi substituído pelo Governo relâmpago

do Dr. Santana Lopes. Quando chegou ao governo, o Dr. Santana Lopes não perdeu as

características que o definiam: loucura e coragem. Encomendou ao PROF. MENEZES

CORDEIRO o projecto de 2004. Este projecto tinha quatro diplomas: alteração

legislativa; arrendamentos novos; normas transitórias; e arrendamentos antigos. Esse

diploma chamava-se RNAU (Regime dos Novos Arrendamentos Urbanos).

É muito curioso ver-se o ataque político que o Governo do Dr. Santana Lopes sofreu

devido ao regime do arrendamento urbano, nomeadamente quando aos arrendamentos

antigos (antes de 90). A negociação entre senhorios e arrendatários quanto ao regime

das rendas, que tanto foi atacado em 2004 é o que actualmente está em vigor. Entretanto

o Governo do Dr. Santana Lopes desapareceu devido ao Dr. Jorge Sampaio e vem o

Governo de Socrates.

Page 173: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 173

O partido socialista ganha as eleições com maioria absoluta e quando chega ao governo,

o ''louco do josé socrates'' decide cumprir o programa eleitoral, dizendo que tinham 100

dias para renovar a legislação do arrendamento. Não querendo o programa do PROF.

MENEZES CORDEIRO, colocou-se a questão de saber quem iria fazer tal. Saiu a fava

ao Dr. Eduardo Cabrita. Porquê?? Porque é que foi um secretário de estado adjunto a

quem coube isto? Quanto se sabe, este deputado foi um dos intervenientes contra ao

projecto do PROF. MENEZES CORDEIRO. Recorreu a uma docente óptima da FDL,

Paula Almeida Lourenço Surge a Lei 6/2006.

Ou seja…

O Governo permitiu ao Prof. Menezes Cordeio que preparasse diplomas sobre esta

matéria. Ele realizou tal, estavam quatro diplomas prontos para entrar em vigor mas

houve uma curiosidade interessante: havia um diploma principal com a epígrafe RNAU.

Ele pensou em estabelecer uma nova regulação para os novos arrendamentos urbanos

(regime dos novos arrendamentos urbanos). Tinha ainda um diploma transitório para

resolver a situação dos chamados arrendamentos urbanos antigos. Ao resolver a situação

dos arrendamentos antigos iria provocar uma convulsão. O Governo do Dr. Santana

Lopes e entrou em vigor o Governo do ‘’Eng.’’ José Sócrates. Este governo na

campanha eleitoral apresentou 90 medidas para 90dias, sendo que um dessas medidas

era a reformulação do arrendamento urbano. Ganhando as eleições chegou-se à seguinte

conclusão quanto a esta medida: ou incumpre-se o programa eleitoral ou cumpre-se. Ele

tentou cumprir o programa eleitoral mas tal foi desastroso conduzindo a uma reforma do

arrendamento urbano num prazo muito curto. O Grande autor do regime de 2006 foi o

Dr. Cabrita Neve (grande critico daquilo que o Prof. Menezes Cordeiro defendia).

Contudo, devido à Prof. Paula Pereira da Silva esta programou a reforma de 2006 e

evitou certas consequências que poderiam conduzir ainda a um resultado mais gravoso.

Surge a Lei 6º/2007 – inúmeros problemas técnico formais (devido à falta de tempo)

sendo publicada numa segunda-feira de carnaval tem três tipos:

Page 174: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 174

Novo Regime do Arrendamento Urbano: publica-se um regime que

se aplica a todos os arrendamentos urbanos, o que inclui os antigos e

novos arrendamentos urbanos.

Artigo 1º (não se insere nem no capítulo I nem no Capítulo II

anomalia)

Capítulo I – alterações legislativas, nomeadamente as

relativas ao CC (altera-se este regressando ao CC a matéria do

arrendamento urbano). Quando o legislador analisa ao CC

este passa a contemplar 8 secções, sendo a 7º secção relativa

ao arrendamento urbano.

Capítulo II – Disposições Gerais, sendo que se refere a

matéria especifica do arrendamento urbano (matéria das

comunicações, despejo, determinação da renda)

Normas Transitórias: Posteriormente perceberam que havia um

problema de inserir todos no mesmo ‘’saco’’ programando, então,

normas transitórias. Existem dois capítulos: está em causa

arrendamentos antigos (leia-se até à entrada em vigor desta lei) e

arrendamentos celebrados depois da entrada em vigor. Nos

arrendamentos urbanos distingue os mais dos menos antigos

utilizando os diplomas anteriores. Para ele legislador, o mercado que

separa os arrendamentos antigos dos mais antigos.

Capítulo I – celebrados quando o RAU estava em vigor

Capítulo II – Regime Transitório para os arrendamentos

antigos para os mais antigos, ou seja aqueles celebrados até a

entrada em vigor do RAU e antes do DL 265/95. Neste

capítulo tentou resolver-se o problema das rendas dos

arrendamentos antigos. Não foi muito eficaz uma vez que

Page 175: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 175

todo este esquema implicava a avaliação dos imóveis pelas

finanças (aumento do IMI, etc), pelo que os senhorios

ponderam o seguinte: os arrendatários, ao fim de alguns anos

começam a pagar mais, mas ele próprio também iriam pagar

mais ao fisco. Existia uma tentativa de resolução dos

arrendamentos antigos que não foi conseguida.

Normas Finais

O NRAU introduziu uma dicotomia que assentava em duas

alternativas: ou o arrendamento urbano é para fins habitacionais ou

então é para outros fins (não habitacionais). Esta lei, em ralação aos

arrendamentos activos, tem como elementos distintivos básicos o

RAU e o DL de 95, ou seja separa a regulação dos arrendamentos

urbanos consoante estejam ou não celebrados em 90 e os

arrendamentos não habitacionais consoante tenham sido ou não

celebrados antes da entrada em vigor do DL 95. Embora tenha

querido substituir o regime em vigor, nomeadamente no art. 60º)

(RAU – em vigor desde 90). Nomeadamente o art. 59º/3 produz a

maior perplexidade face aos juristas (norma sobre as normas

supletivas), faz que para a resolução de problemas de arrendamentos

antigos o RAU terá que à partira ser considerado.

Quanto ao CC, em relação às seis primeiras secções da locação só

alterou 6 ‘’pequenas coisas’’, tendo-se continuado a ter basicamente

o mesmo regime que existia desde de 1966. Contudo, esta lei aditou a

secção 7º tendo sido criadas uma série de regras que acabam no art.

1113º e recomeça no art. 1121º. Sabe-se agora que nesta altura se

pensou em fazer regressar ao CC o regime do arrendamento rural

(ainda bem que tal não aconteceu por um lado uma vez que seria

impossível em seis artigos (1114º a 1120º) ter-se o regime do

arrendamento rural). Quanto à secção 7º: a lei 6/2006 que constitui

um novo avanço na quebra do vinculísmo (contratos de arrendamento

Page 176: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 176

urbano obrigatórios para o senhorio que só poderia terminar com eles

em caso de incumprimento do arrendatário, sendo que em 95’ tal foi

um pouco quebrado com os contratos de 5anos que eram bons para o

senhorio mas também maus uma vez que os arrendatários, desde que

realizassem um aviso prévio de 90 dias, poderia denunciar ou revogar

o contrato.

Existe um aumento da autonomia nova quanto aos contratos de

arrendamentos novos para fins não habitacionais (após 2006): as

partes poderiam combinar o que quisessem; quanto aos

arrendamentos para fins habitacionais continuou cheio de medo da

desprotecção do arrendatário (justifica-se no mercado?) fazendo-se

uma grande distinção nos arrendamentos para fins habitacionais (que

também era para os não habitacionais mas nós não nos devemos

preocupar porque se remete para a autonomia privada)

Contratos com Duração Limitada/determinada: 5anos (não

podem ser celebrados por menos de 5anos salvo certas

situações)

Contratos com Duração Ilimitada/indeterminada: o contrato

começava a funcionar sem prazo mas se o senhorio quisesse

denuncia-lo teria de fazê-lo com um aviso prévio de 5anos.

Mais vale celebrar o contrato com duração determinada de

5anos do que assim.

Page 177: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 177

Lei 31/2012, de 14 de Agosto que entrou em vigor em 12 de Novembro

(imposição da TROIKA)

Art. 1º (objecto da lei): dinamizar o mercado do arrendamento urbano,

através de três meios

Maior autonomia privada quanto à duração do contrato

Nos contratos antigos, que continuam a ser a maior preocupação,

existem dois meios

Reforçar a negociação entre as partes (ideia do Prof.

Menezes Cordeiro)

Facilitar a transição rápida para o novo regime

Relaciona-se com o funcionamento dos tribunais, que é um

desastre diga-se, consagrando o procedimento especial de despejo

(visa uma recolocação célere do locado no mercado de

arrendamento)

Prof. Pedro Eiró: estamos face a uma óptima lei embora não

resolve o problema constante do art. 1083º quanto à resolução e

não se saiba se o Balcão Nacional do Arrendamento irá

funcionar. Teoricamente esta lei é muito boa mas é necessário ver

na prática tal funciona.

Art. 2º (alterações ao CC): alterou-se 21 artigos do CC, três deles nas

primeiras seis secções (secção 4º - alterações relativas à extinção do

contrato por resolução (art. 1048º) e por caducidade (art. 1054º e 1055º))

e dezoito alterações na secção 7º (sete alterações nas subsecções

aplicáveis a todos os arrendamentos urbanos, dez alterações na secção do

arrendamento para fins habitacionais e uma alteração para os

Page 178: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 178

arrendamentos sem fins habitacionais). O Prof. Pedro Eiró concorda com

todas as alterações

Art. 3º (alterações ao CPC): nomeadamente quanto ao despejo e ao

deferimento da desocupação de imóveis.

Art. 4º (alterações à Lei 6/2006): existem vinte e três alterações em

vários sítios, nomeadamente nas normas transitórias dos arrendamentos

antigos. Alterações profundíssimas verificaram-se quanto esquema do

aumento de rendas, ou seja o senhorio, actualmente, escreve uma carta ao

locatário a dizer que este tem uma renda de 100 e propõe uma renda de

2000; o arrendatário tem 30 dias para responder podendo (1) aceitar, (2)

renunciar ao contrato; (3) contrapropor; senhorio tem três dias para

pensar (1) aceita a contraproposta; (2) não aceitar a contraproposta e se

quiser extinguir o contrato terá de indemnizar o locatário sendo tal

correspondente a cinco anos entre a média da renda antiga e a renda que

se pretendia. Problema: é necessário que o locatário entregue o imóvel

para receber uma indemnização. Mas se não for para fins habitacionais é

necessário arranjar-se um novo arrendamento e a empresa muda-se para

outro lado. O que sucede se o senhorio não quiser pagar a indemnização?

É que se trata de uma indemnização gravíssima, porque por exemplo em

2004 era só de 1ano de rendas. Se o senhorio disser que não tem dinheiro

para a indemnização a renda será requalificada depois de uma analise do

locado pelas finanças. O arrendamento fica sujeito a um prazo de 2anos e

depois logo se vê (acabam-se os arrendamentos antigos)

Art. 5º - aditamento à Lei 6/2006. Matéria de processo civil de despejo.

Art. 15º-A a 15º/5 foram introduzidos

Art. 6º - sistematização da Lei 6/2006

Art. 7º (prazos) – muitos prazos foram reduzidos e existe o problema

quanto aos prazos que estão a correr

Page 179: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 179

Art. 8º - remete para diploma próprio que respeita à tributação das rendas

(…)

Art. 11º - contém uma disposição transitória.

Art. 13º - contém uma norma revogatório quanto a alguns preceitos da

Lei de 2006, CC e CPC

Art. 14º - mandou republicar não só o capítulo todo da locação, como

alguns títulos da Lei 2006 estudar esta matéria pela republicação, não

é preciso estar a ver todas as normas de outros diplomas

Art. 15º - entrada em vigor (12 de Novembro de 2012)

Em suma…

A lei 6/2006 manteve inalteradas as seis primeiras secções da locação, no CC. Existiram

oito alterações, mas apenas de pormenor ou de ortografia. A alteração está na secção

sétima (que anteriormente não existia no CC).

A ideia é liberalizar o mercado de arrendamento, aproximar a posição de senhorio e

locatário. O legislador, nos arrendamentos não habitacionais, levou esta ideia muito para

a frente (artigo 1108.º e seguintes): o que o legislador disse ''as partes que se entendam'',

mas não foi ao limite tendo ainda tido algumas hesitações quanto ao prazo do termo.

Deste modo, no arrendamento para fins não habitacionais vigorava o Princípio da

Autonomia da Privada.

Quanto aos arrendamentos para fins habitacionais, o legislador criou os contratos de

duração limitada e os contratos de duração ilimitada, querendo dar cabo do vinculísmo,

querendo não só nos contratos de duração limitada impedir a renovação ao fim do

prazo, existindo ainda a criação de uma cláusula de denúncia livre.

Page 180: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 180

O professor não sabe de onde surgiu o prazo de 5 anos, prazo tão mencionado no

NRAU: os contratos de duração limitada não podiam ser celebrados por mais de cinco

anos; os contratos de duração ilimitada podiam ser denunciados pelo senhorio, mas só

se o fizessem com um aviso prévio de 5 anos (norma mais sem sentido do NRAU).

A Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, colocou cobro a muitos dos problemas causados

pelo NRAU (2006), problemas esses que se deveram sobretudo, não a incompetência

técnica, mas sim a falta de tempo. Esta lei tem de ser analisada com o objectivo do seu

surgimento: foi forçada pela Troika. O objectivo encontra-se consagrado no artigo 1.º: a

ratio legis é dinamizar o mercado do arrendamento urbano (o professor Eiró acha isto

uma boa ideia desde há 20 anos):

maior autonomia privada quanto à duração do contrat

nos arrendamentos mais antigos existem duas soluções: (1) reforçar a

negociação entre as partes e (2) facilitar a transição rápida para o novo regime

acabar com o vinculísmo

A idade superior a 65 anos e uma incapacidade de ou superior a 60%, impede o

objectivo da lei em facilitar a transição rápida para o novo regime, uma vez que o

contrato daquela pessoa nunca irá ficar sujeito ao novo regime. Contudo, existe a

questão de saber como é que fica a situação da renda (artigo 36.º): cabe ao arrendatário

provar que não tem rendimentos para suportar a actualização da renda. Contudo, isto só

vale durante cinco anos, sendo que após esse prazo embora o senhorio não possa a

expulsar de casa, entra-se novamente na negociação da renda, sendo que aqui o

legislador já não permite a invocação da insuficiência económica. Quem vê as suas

rendas a serem actualizadas brutalmente, são aqueles arrendatários que quando

receberam a primeira carta do senhorio a ignoraram.

Este regime é um pouco duro: o arrendatário que invoca insuficiência económica, tem

de demonstrar ao senhorio, todos os anos, que a referida situação se mantém, pelo que

não pode o senhorio actualizar a renda, sendo que se não lhe entregar esse documento

das finanças perde este '''direito''. O arrendatário que não tinha insuficiência económica

no inicio, e não se pode opor, mas que agora tem está ''frito'' porque não pode fazer

Page 181: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 181

nada. O PROF. PEDRO EIRÓ concorda com isto, na medida em que não é o senhorio

que tem que cuidar destas pessoas, sendo que quem tem de cuidar de tais é o Estado,

sob pena de existir um enorme sarilho.

Esta nova lei cria ainda o procedimento especial de despejo, visando-se uma célere

recolocação do locado no mercado do arrendamento). É um misto de acção de

condenação com acção executiva.

No total, esta lei alterou 21 artigos no CC: dezoito alterações na secção sétima (neste

caso, só uma foi no arrendamento para fins não habitacionais) e três alterações na

secção quatro.

5 e 14 de Dezembro – Aula 15 a 18

CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Analisando as regras gerais da locação (primeiras seis secções) não existe qualquer

regra sobre a celebração.

Quanto ao arrendamento urbano já existe normas sobre tal.

Forma (art. 1069º - alterado pela lei de 2012): desde sempre que o arrendamento

urbano foi um contrato formal (escritura pública para certos arrendamentos, a

partir de 90º houve uma confusão com a escritura pública e optou-se pela forma

escrita; RAU exigia forma escrita mas no art. 7º permitia-se que a ausência de

forma, que daria a nulidade, fosse ultrapassada através do recebido de venda; em

2006 estipulou no art. 1069º uma regra ‘’idiota’’ que assentava no contrato

celebrado ate 6meses não obedecia a qualquer forma sendo que a partir de

6meses exigia-se forma escrita problemas: (1) em 2006 criou-se os contratos

de duração indeterminada sendo que estes não sabendo o tempo que vai durar

deve obedecer a forma escrita ou não, sendo que toda a doutrina que se

pronunciou sobre isto, uma vez que tinha de ser denunciado com pré aviso de

5anos, tinha de observar a forma escrita; (2) nos termos do art. 1095º/3

consagrava os contratos especiais (a pessoa quer ter uma segunda casa de ferias,

Page 182: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 182

quer ir fazer uma pós graduação em local X, etc.) pelo que estes podiam ser

celebrados pelo prazo que se quisesse desde que o fim especial seja exarado no

contrato, ora bem coloca-se o problema de imaginar um fim especial de 5meses

– pelo art. 1095º tinha de ser exarado mas se não é necessário forma escrita

porque não dura mais de 6meseses o que se faz?). A nova lei consagra a forma

escrita do contrato de arrendamento: ou é por escrito ou é nulo (não se pode

combater tal com o recibo de venda agora). Ou seja:

RAU: arrendatário podia demonstrar a existência da celebração do

contrato de arrendamento pela forma escrita, através de recibo de venda -

forma de ultrapassar o vício de forma que iria gerar a nulidade.

NRAU: o artigo 1069.º consagrava que os arrendamentos celebrados por

prazos inferiores a 6 meses não necessitam de adoptar forma escrita.

Maior disparate de sempre: os contratos de duração indeterminada

deviam adoptar forma escrita ou não? Não se sabia o tempo que o

contrato ia durar por definição. A doutrina, neste caso, entendia que

como se nestes casos só se podiam denunciar com um pré aviso de cinco

seria melhor adoptar a forma escrita. A celebração de um contrato de

arrendamento para férias por dois meses atendendo ao artigo 1095.º/3

previa-se que o limite mínimo (5anos) não se aplicasse às situações nele

consagrados (...) para fins especiais NELE EXARADOS. Mesmo sendo

por dois meses, a verdade é que tinha de se adotar a forma escrita porque

tinha de se exarar o fim no contrato.

Lei do Arrendamento Urbano 2012: o artigo 1069.º desapareceu e volta-

se às origens e os contratos terem de ser celebrados por escrito! Manteve-

se, como já sucedia desde 2006, a impossibilidade de afastar a nulidade

do contrato com apresentação do recibo de renda.

Conteúdo (art. 1070º remete para diploma especial DL 160/2006, de 8 de

Agosto que era suposto ter sido adoptado antes da entrada em vigor da Lei de

2012)

Page 183: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 183

Fim do Arrendamento Urbano (art. 1067º)

Fim Habitacional

Fim Não Habitacional (especificar – comercial, industrial, etc.)

Prazo (regra geral – art. 1025º e 1026º): o prazo da locação em geral tem os

limites consagrados nos referidos nas normas. Não se pode celebrar uma

locação, qualquer que ela seja, superior a 30anos (art. 2025º). Nos termos do art.

2006º consagra-se que uma regra supletiva. Quanto aos prazos do arrendamento

(para habitação) existem regras específicas:

Art. 1094º: contrato celebrado por tempo determinado ou indeterminada

(novidade de 2006)

Nº3: não se sabe qual foi a intenção das partes pelo que se

presume que era celebrado por tempo indeterminado Lei de

2012 – considera-se celebrado por um prazo certo de 2anos

Art. 1095º: consagrava que só se podia celebrar arrendamentos para

habitação por prazo certo com um mínimo de 5anos e um limite máximo

de 30 anos. Este regime foi alterado pela Lei de 2012 e desapareceu o

limite mínimo (novidade enorme e óptima). Deste modo ocorreu a

revogação do nº3 (ver problema desta norma na página anterior)

O art. 1110º/2 consagrava uma norma supletiva sendo que com a Lei de 2012 o

prazo de 10anos passou a ser 5anos. Desde 2006 que os arrendamentos para fins

não habitacionais apenas têm o prazo máximo de 30anos.

Page 184: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 184

EFEITOS DO CONTRATO – OBRIGAÇÕES DO LOCADOR E DO

LOCATÁRIO

1. OBRIGAÇÕES DO LOCADOR (art. 1031º e ss) – Corolário da Noção de

Locação

▲ Como esta matéria não foi alterada desde 1966 pode-se estudar tal, além do Manual

do Prof. Menezes Leitão, pelo Código Civil Anotado

Nos termos do art. 1031º estabelecem-se duas obrigações do locador (desenvolvidas até

ao art. 1307º)

a) Entregar ao locatário a coisa locada

Legislador, ao contrário do que fez na compra e venda e na doação, não

concretizou esta obrigação (terá de ser no caso concreta analisar qual o objecto).

Entre a Locação, a Compra e Venda e a Doação existe a diferença que justifica

as diferenças de regime: o locatário não adquire nenhum direito real, apenas

adquire um direito pessoa de gozo

Nos termos do art. 1302º a) e o art. 1033º al. a) e b) conclui-se que o locador não

se encontra obrigado a uma custódia da coisa vendida, uma vez que os efeitos da

locação são substancialmente distintos do da compra e venda. O locador é

responsável pelos vícios da coisa.

Pode ser simbólica (relaciona-se com o artigo 1263.º), sendo que a entrega pode

ser directa (pelo próprio locador ou por pelo senhorio) ou indirecta (por

terceiro).

O legislador diz claramente que tem de ser entregue, mas não concretizou nem o

como nem o quando.

Page 185: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 185

b) Assegurar-lhe o gozo da coisa para fins a que a coisa se destina

Por Exemplo, no comodato não existe esta obrigação uma vez que se está

face a um contrato gratuito ao que sucede na locação.

Embora seja uma obrigação de conteúdo positivo (é curioso comprarar

com o artigo 1033.º/1 in fine – correspectivo do comodato; enquanto o

comodato é um contrato gratuito em que o comodante não está a receber

nenhuma contrapartida, na locação existe o correspectivo de pagar o

preço), o seu cumprimento, normalmente basta-se com a abstenção do

locador (actuação negativa de não perturbar o gozo). Com a locação a

posse é transmitida, ficando a ser detentor da coisa o locatário. Ou seja

para assegurar o gozo basta que o locador não perturbe tal gozo (art.

1037º/2 –o locatário é que se defende contra perturbações da sua

detenção feitas por terceiros)

Prof. Romano Martinez: conclui pela existência, para o locador, de três deveres

principais:

Entregar a coisa locada sem vícios de direito (art. 1034º) nem defeitos (art.

1032º) que obstem à realização cabal do fim a que destina.

Abster de actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa (art. 1037º)

Realizar as reparações necessárias e pagar as despesas imprescindíveis à boa

conservação da coisa (art. 1036º)

Análise do corpo do art. 1032º

Vício que não lhe permitia realizar cabalmente o fim a que é destinada

(exemplo: aluguer de um motor que não funciona, arrendamento de um prédio

inabitável)

Page 186: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 186

Carecer de Qualidades Necessários ao Fim contratual (exemplo: exposição de

selos ou de fotografias em que se alugam selos de determinados coleccionares e

estes (selos) não apresentam os requisitos necessários para a exposição)

Carecer de Qualidades Asseguradas pelo Locador(exemplo: aluguer de um

motor ou veículo em que se garante uma determinada potência de tal e esse não

a atinge)

O interesse do art. 1032º assenta em consagrar as situações em que o contrato se

considera como não cumprido. Note-se que na compra e venda quando é vendida uma

coisa do defeito considera-se que tal deriva de erro. Por seu lado, na locação resolveu-se

estabelecer que se entrega ao locatário uma coisa para ele gozar e tal tem defeitos

conduz a um incumprimento do contrato.

Análise das alíneas do art. 1032º:

a) Se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar

que o desconhecia sem culpa dupla presunção contra o locador

Presume-se que o locador conhecia o defeito

Presume-se a culpa do locador

Ora, se o locador provar que não conhecia sem culpa o defeito o contrato considera-se

cumprido. Contudo, o Prof. Antunes Varelaafirma que não se encontra verificado a

obrigação do art. 1031º al. b), continuando o locador a entregar ao locatário uma coisa

que não serve para o fim do contrato de locação. Deste modo o locador não poderá pedir

uma indemnização nos termos do art. 1032º al. a) mas poderá pedir uma indemnização

por violação do art. 1031º al. b). Esta posição não é defendida pelo Prof. Menezes

Leitão nem pelo Prof. Pedro Eiró: se o legislador diz que ele prova o desconhecimento e

mesmo assim fosse obrigado a indemizar isso consubstânciava um caso de

responsabilidade objectiva, sendo que tal não parece estar no âmbito da norma. O

locador não fica obrigado a indemnizar o arrendatário, mas este, se quiser, pode pedir

uma redução da renda no caso, de por exemplo, uma divisão da casa ter-se tornado

impossível.

Page 187: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 187

b) Se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador

É raro porque normalmente depois da entrega não há forma de provocar

o defeito.

Embora esta matéria se encontre localizada no cumprimento da obrigação, nos termos

do art. 1035º consagra-se que tal não preclude a possibilidade de o locatário anular o

contrato com fundamento em erro (pensava que não tinha defeito e afinal tem), podendo

optar em vez da indemnização, pela extinção do contrato. Tal situação, a doutrina,

considera que não se aplica nos casos do art. 1032º al. b) (não há erro).

Em relação, ao art. 1302º, importa ainda salientar, que o art. 1040º e 1050º permitem

que o locatário reduza a renda ou resolva o contrato. Ou seja, o art, 1032º refere-se a

problemas de responsabilidade civil mantendo o contrato. Nos termos do art. 1050º

pode-se pedir a resolução existindo ainda a opção de reduzir a renda nos termos do art.

1040º.

Nos termos do art. 1033º, exclui-se a responsabilidade do locador (se se tiver chegado à

conclusão que este era responsável) em certas situações. Note-se que nos termos da

alinea a) quando se fala em ‘’quando celebrou o contrato ou recebeu a coisa’’ a ideia é

de que o locatário conhecia o defeito depois de celebrar o contrato, sendo que se ele

achar que o defeito consubstanciava um defeito do contrato então não o teria recebido;

se ele recebeu então é porque aceitou o incumprimento defeituoso.

Nos termos do art. 1034º consagram-se os vícios do direito, sendo necessário atender ao

nº2 uma vez que existe uma falta de cumprimento, esta regra tem uma redacção um

pouco ambígua mas pretende afastar a relevância de circunstancias de menor relevância

(exemplo: no arrendamento o locador diz que aquela casa é fresca no verão e quente no

inverno, mas depois chega-se à conclusão que é exactamente o contrário não existe

nenhum vício de direito relevante). No fundo utiliza-se a doutrina do art. 203º/3 (dolus

bónus). Ou seja, diferentemente do que sucedeu na compra e venda, aqui o legislador

diz que a consequência é o incumprimento. Para o legislador a locação de bem alheio é

válida, uma vez que não existe um conflito de direitos entre duas pessoas jurídicas que

se arrogam titulares do mesmo direito. O locatário não adquire um direito real, e muito

menos um direito de propriedade.

Page 188: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 188

Nos termos do art. 1036º e 1307º não existe qualquer problema teórica, a não ser o nº2

do art. 1307º.

Obrigação de Pagamento da Renda e Aluguer. Consequência da Mora do Locatário

Tempo e Lugar do Pagamento: art. 1039º (domicilio do locatário). O nº2 consagra uma

presunção contrária à do art. 779º, ou seja existe uma presunção de mora do credor. Ou

seja, a regra é a de que é no domicilio do credor, sendo que uma das funções

importantes do porteiro ou da porteira era receber as rendas.

Mora do Locatário: art. 1041º

Nos termos do art. 1041º/2 é necessário saber se cessa a indemnização do nº1 ou o

direito a qualquer indemnização. Este artigo pretende-se com a questão de saber se

existe ou não lugar a pagamento de juros de mora. Segundo o Professor PEDRO EIRÓ,

olhando para o artigo em análise, acha que o que não é devido é a obrigação agravada

dos 50% ou o direito à resolução. Contudo, não se conhece nenhuma jurisprudência que

aplique juros de mora nesse tempo (nem ninguém intenta acções neste momento).

Segundo o Professor Menezes Leitão esta norma extingue tudo. Segundo o Professor

Romano Martinez há lugar ao pagamento de juros de mora, mas no arrendamento

urbano existe uma norma consuetudinária que afasta o pagamento a juros de mora

(QUAL?? Não existe!).

A Doutrina e a Jurisprudência tem entendido que a pratica não é cobrar juros de mora

durante esses oito dias. Esta norma também se aplica ao arrendamento urbano e a

verdade é que o senhorio não tem impulso processual para propor uma acção para obter

juros de mora.

Segundo o Prof. Menezes Leitão não existem quaisquer juros de mora.

Na pratica é uma questão sem relevância quase nenhum mas mesmo assim não deixa de

ser controversa.

Imagine-se que o locatário não pagou o aluguer no prazo combinado. Passados 10 dias

ainda não pagou. Além de poder pedir a indemnização consagrada no art. 1041º/1 o

locador pretende acabar com o contrato. Em que termos poderá fazê-lo?

Page 189: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 189

Primeiro é necessário transformar a mora em incumprimento definitivo para se poder

resolver o contrato (art. 801º/2).

Nos termos do art. 1047º a resolução poderá ser:

Judicial: cessa o direito à resolução se o locatário pagar as rendas

vincendas e a indemnização consagrada no art. 1041º/1

Extrajudicial: por aplicação do art. 1048º/4 remete-se para o art. 1084º/3

e 4 passando o prazo a ser de três meses.

Note-se que o art. 1048º/3 consagra ainda a aplicação dos números anteriores à falta de

pagamento de encargos e despesas que corram por conta do locatário.

Nos termos do art. 1048º/1 consagra-se que ‘’O Direito à Resolução do contrato por

falta de pagamento da renda ou aluguer caduca’’, mas não é correcto dizer caduca uma

vez que o direito foi exercido. Trata-se no fundo do direito à resolução deixar de

produzir efeitos. Existindo uma resolução judicial, o locatário pode impedir a resolução

pagando nos termos do artigo 1041.º/1.

Iremos agora analisar o Arrendamento Urbano

O art. 1075º/1 consagra uma disposição nova (o art. 19º do RAU consagrava que o

quantitativo da renda deveria ser fixado em escudos). Nos termos da norma ‘’A renda

corresponde a uma prestação pecuniária periódica’’ pelo que a sua relevância prática

assenta que pode ser estipulado que a renda seja paga em moeda que não seja a usada no

país (em vez de ser em euros pode ser em libras).

Nos termos do art. 1077º, grande novidade de 2006, consagra-se a actualização das

rendas. A partir de 90 os contratos celebrados ao abrigo do RAU já tinham uma

actualização da renda anual, acompanhando os quoeficientes a inflação. Em 2006 as

partes podem combinar o que quiser (princípio da autonomia privada) havendo ainda

um regime supletivo que é o das actualizações anuais.

Page 190: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 190

Quando é que se vence a renda?

Nos termos do artigo 1039.º/1 vence-se no último dia da vigência do contrato ou do

período a que respeita.

Celebrando hoje um contrato de arrendamento urbano, para habitação por exemplo, que

montantes da renda se arrisca a que o senhorio exija? Nos termos do art. 1075º/2

consagra-se quando é que o senhorio poderá exigir a renda. E a caução? Esta não é uma

renda, mas sim uma garantia, que visa que as despesas com a água, electricidade, etc

sejam cumpridas uma vez o cumprimento de tais só é exigido passados dois meses. Ou

seja, de facto a caução não funciona como deve ser mas é para caucionar que quando a

locação se extingue há despesas que o locatário devia pagar mas se não paga o senhorio

pode socorrer-se da caução para fazer face a tais.

A ideia da caução, que agora os senhorios não exigem normalmente, o arrendatário

quando celebra um arrendamento urbano para habitação, terá de pagar nesse momento a

renda desse mês mais renda do mês seguinte mais caução. Muitas vezes utiliza-se a

caução para antecipar uma renda que se viria a vencer depois.

Actualmente o art. 1075º/2 está a ser, muitas vezes, afastado pela vontade das partes. O

Prof Pedro Eiró considera que esta norma serve para proteger o senhorio de uma

possível cessação do contrato de arrendamento de modo inesperado.

Resolução por Incumprimento (Arrendamento Urbano para Habitação)

É sempre necessário ter em consideração o prazo de 8 dias consagrado no art. 1041º/2.

Ou resolve-se ou pede-se a indemnização, sendo que se optarmos pela primeira via

pede-se a renda mais os juros de mora.

Existe uma ideia generalizada na sociedade de que a renda poderá ser paga até ao dia 8

de cada mês, embora o contrato diga dia 1. Ideia completamente errada devido às

seguintes razões

A verdade é que a renda se vence no dia 1 de cada mês, sendo que a partir desse

dia estão em mora.

Page 191: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 191

A contagem do prazo da mora faz com que se contem 8 dias com inicio no dia 2

de cada mês, sendo que o arrendatário ‘’poderá’’ pagar até à meia noite de dia 9

e não de dia 8.

E se passados esses 8 dias o arrendatário ainda não tiver pago a renda?

Nos termos do art. 1083º/1 fala-se em termos gerais pelo que será necessário apurar ate

que ponto as regras gerais são afastadas. Note-se que o Prof. Pedro Eiró não entende o

interesse, a relevância prática, da norma em análise. Tal deriva do facto do facto de o

regime especifico desta norma encontrar-se nos nº2 e ss.

Análise do art. 1083º nº2 e ss: aplicando o nº3 e 4 não é necessário transformar a mora

em incumprimento definitivo nos termos do art. 808º.

A resposta à questão poderá de ser de dois tipos:

Actua-se no momento, transformando a mora em incumprimento definitivo e

resolve-se com fundamento em alguma das al. do nº2 do art. 1083º (aplicando

sempre primeiro o nº1), sendo que tal norma consubstancia uma enumeração

exemplificativa. Esta norma é um desastre uma vez que consagrou uma

linguagem de Direito de Trabalho sendo que há comportamentos numa empresa

que justificam a extinção do contrato de trabalho mas há comportamentos no

seio do arrendamento que não justifica tal extinção. O legislador aproveitou o

projecto do Prof. Menezes Cordeiro sendo que em vez de incumprimento

referia-se a justa causa. Ou seja, se o arrendatário tiver umqa renda para cumprir

e já foi interpelado dever-se-á proceder à transformação da mora em

incumprimento definitvivo (visa dar utilidadade ao n.º1). Basta invocar o n.º1 ou

é necessário provar o corpo do n.º2. ou seja isto é aquele incumprimento que

torna inexigivel a manutenção do contrato de locação? O n.º2 refere-se às

situações de incumprimento agravado ou qualificado, não sendo por isso

qualquer incumprimento. O PROFESSOR PEDRO EIRÓ não entende a

utilidade do n.º1.

Page 192: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 192

Poder-se-á ainda aplicar o nº3 e 4, em que se analisa se o arrendatário fica dois

meses sem pagar a renda. Questão: a partir de quando se contam os dois meses,

ou seja a partir de dia 1 ou de dia 9? Se a renda é combinada para ser paga a dia

1, no dia 2 já existe mora (o Prof. Pedro Eiró concorda que neste caso até

deveria existir juros de mora) .Passado os dois meses resolve-se

extrajudicialmente. Contudo, como tal não é um contrato normal existe ainda o

nº3 do art. 1084: prazo de 1mês.

Nos termos do artigo 1084.º/2 estamos face a uma resolução extra judicial, sendo que se

o arrendatário não sair é necessário atender aos artigos 15.º e seguintes – procedimento

especial de despejo (‘’já não se vai para os tribuanis, vai-se para os balcões, sendo que

se isto funcionar é uma maravilha!’’). Nos termos do n.º3 e do n.º4 da mesma norma o

arrendatário pode opor-se, mas só se colocar fim à mora no prazo de 1 mes, apenas

podendo usar esta faculdade uma vez, antigamente este prazo eram de 3 meses, podendo

ele utilizar esta faculdade as vezes que quisesse.

Note-se que o art. 1084º ainda consagra como inovação em 2012 o nº4. Ou seja o

legislador neste momento entende que o atraso de 2 meses de uma renda demonstra

inilidívelmente que é inexigível ao senhorio manter ocontrato. Note-se que o senhorio

ainda tem a possibilidade de propor uma acção executiva segundo a Lei 2006 no seu art.

15º.

Note-se que o arrendatário merece protecção. Os interesses em causa, no arrendamento

urbano para habitação, para o senhorio é de cariz financeira, para o arrendatário é de

natureza de habitar a casa. Estes dois interesses substancialmente diferentes merecem

tratamento diferente havendo uma tendência para proteger a posição do arrendatário. O

que se discute desde 90’ é saber qual a medida da diferença, sendo que nos três

diplomas que desde ai existiram (90, 2006 e 2012) é de diminuir a protecção do

arrendatário uma vez que o senhorio, actualmente, encontra-se numa posição frágil. Que

os interesses são diferentes isso é verdade tal como também é que o arrendatário merece

uma protecção superior à do senhorio mas a medida da diferença é que se questiona.

Page 193: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 193

Analisemos agora outras obrigações

Obrigação de Restituição da Coisa Locada (art. 1043º a 1046º)

Mais do que a obrigação de restituição da coisa locada o legislador regula o dever de

custodia e de manutenção da coisa pelo arrendatário.

No fundo, o que esta em causa nos artigos em análise é a concretização não só da al. i)

do art. 1038º mas também da al. d).

Nos termos do art. 1043º/1 encontra-se presente a regra que o locatário é obrigado a

manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu. Depois o legislador ressalva as

deteriorações inerentes a uma prudente utilização. Mas mais importante é o nº2 que

consagra uma presunção ilidível de que a coisa se encontra em bom estado de

manutenção quando foi entregue ao locatário (se não está é bom que s eo diga no

contrato). Nesta situação o legislador desresponsabiliza o locatário de deteriorações

provenientes da utilização, não sendo responsável pelas deteriorações decorrentes de

causa natural ou do decurso do tempo.

Afirma-se que o art. 1043º não pretende regular os problemas do risco inerentes ao

direito de propriedade. Aqui regula-se deteriorações provenientes da utilização pelo

locatário.

Quanto ao art. 1044º é necessário atender que este segue o art. 1043º e irá

responsabilizar o locatário quando este não tiver conseguido ‘’safar-se’’ com esta

norma, por exemplo quando as deteriorações não se devem à utilização prudente

Comparar o art. 1044º com o 1269º em termos de ónus da prova: o art. 1044º

agrava a situação de ónus da prova do locatário comparando com o possuidor de

boa fé. Enquanto que no art. 1269º o possuidor só responde quando se deva a

causa culposa da sua parte, nos termos do art. 1044º terá de afastar a presunção

de a deterioração lhe ser por causa que lhe é imputável. Este agravamento em

ónus de prova relaciona-se com a ideia de que o locatário é um detentor em

nome de outrem. O locatário para afastar a responsabilidade tem de demonstrar

que a causa de deterioração não lhe é imputável.

Page 194: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 194

PROF. ANTUNES VARELA: Imputável significa apenas que tal foi por

causa devida a ele ou a terceiro, mas não se exige culpa. Se o locatário

não conseguir afastar a presunção que a deterioração se deveu a causa

que lhe é imputável a ele ou a terceiro, culposa ou não, então ele será

responsável.

PROF. PEREIRA COELHO: Considera que quando se diz imputável,

para além de ser uma utilização imprudente, terá de ser culposa; não se

justifica uma responsabilidade objectiva – PROFESSOR PEDRO EIRÓ

CONCORDA.

PROF. PINTO FURTADO: Reforça a posição do PROF. PEREIRA

COELHO, afirmando que seria injusta um responsabilidade objectiva -

razões

Agravando a responsabilidade do art. 1044º ajudava a que a

utilização por parte do locatário fosse prudente

Compara com a situação do comodatário e do depositário em que

não existe duvida que nestes casos existe uma responsabilidade

por culpa

Note-se que o art. 1045º regula-se situações em que já se venceu a obrigação de

restituição da coisa locada, uma vez que no arrendamento urbano é normal é que o

momento em que deve restituir a coisa local não coincida com o momento de extinção

do contrato, havendo um mês para o locatário entregar a coisa. É uma situação anómala,

uma vez que não existe coincidência entre a cessação do contrato de locação (que

justificava a obrigação de cuidar da coisa) com a entrega da coisa. Deste modo, o art.

1045º regula o período de tempo que se verifica entre a extinção e a restituição. A

consequência da mora na obrigação da restituição da coisa encontra-se consagrada no

nº2, sendo tais montantes (nº1 e nº2) pagos a título de indemnização. No arrendamento

tal situação é normal (artufi 1081.º a 1087.º): mantém-se o pagamento no mesmo

Page 195: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 195

montante da contrapartida, mas passa a ser uma indemnização pela utilização lícita da

coisa (e não renda – o contrato já cessou).

É controverso saber se a norma do art. 1045º/2 é imperativa, ou seja saber se num

contrato de arrendamento não é possível estabelecer-se uma cláusula penal se não se

restituir o bem depois de dever te lo feito?É possível aos contraentes combinarem quais

as consequências mais ou menos gravosas (em princípio, se forem menos nenhum

tribunal as ira questionar)?

PROF. MENEZES LEITÃO: não é uma norma imperativa, consagrando o

mínimo. Se se quiser poder-se-á estabelecer uma cláusula penal

JURISPRUDÊNCIA: é uma norma imperativa, sendo que o arrendatário tem

esta penalidade e acabou-se.

PROFESSOR PEDRO EIRÓ: em certas situações tal não é muito justo.

Nas situações de arrendamento urbano em que o contrato caduca por morte do

arrendatário, a pessoa que com ele vivia entende que pode continuar lá e o senhorio

entenda uma acção de reivindicação. Nesse tempo em que não se decide a questão nos

tribunais essa pessoa está lá a pagar o que e a título de que?

A tendência seria de aplicar o art. 1045º/2, mas como não esta em causa uma relação

locaticia (entre o ocupante e o senhorio nunca foi celebrado nenhum contrato de

locação) há quem entenda que não se pode aplicar a norma em análise.

ARTIGO 1072º (ALTERADO PELA NOVA LEI)

O locatário tem o poder de utilizar o bem locado (óbvio), só que do art. 1072º resulta o

dever de ele o utilizar pelo que não o cumprir poderá resultar um ‘’grande sarilho’’.

Se o locatário não utilizar o bem locado, nos termos do art. 1083º, poderá ver o contrato

ser resolvido. Normalmente esta situação ocorre mais nos prédios antigos do que nos

novos.

Page 196: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 196

Exemplo: arrendatário não habitacional – existe um problema no quadro electrico que

impede as máquinas próprias daquele comércio funcionar e el resolve abandonar o

local. Ele nunca mais lá volta. Ao fim de dois anos leva com uma acção de resolução

por não utilizar o local se o arrendatário não quisesse pagar as rendas podia não o

fazer invocando a excepção de não cumprimento enquanto o problema não estivesse

resolvido . O arrendatário deveria ter prevenido o senhorio desta situação.

Cada uma das decisões jurisprudências (colocadas no sítio da disciplina) enquadra

juridicamente esta situação:

Acórdão 2 – abuso de direito ‘’jurisprudência ignorante’’ que acha que tudo é

igual ao venire contra factum proprium. O senhorio deveria ter obras e não as

fez caso o arrendatário o tivesse prevenido e agora está a usar tal para um acto

ilícito.

Acórdão 3 – alarga o sinalagma (esta tese pode ser importante para o art. 1083º,

uma vez que a utilidade do nº1 deste artigo supostamente é dizer que se aplica

no arrendamento urbano o art. 808º)

Acórdão 4 – caso de força maior (embora eles mencionem o PROF. ANTUNES

VARELA a verdade é que o caso em que este aplica a noção de força maior

nada se relaciona com o caso do acórdão).

Acórdão 5 –acórdão negativista que nega qualquer das soluções anteriores

excepção de não cumprimento: quer para não pagar quer para não usar.

PROFESSOR PEDRO EIRÓ não concorda: o sinalagma do arrendamento liga

as duas obrigações principais (pagar a contrapartida vs utilização da coisa

locada). Teoricamente não é muito correcto estar-se a estender o sinalagma

PROF. PEDRO EIRÓ: Existe um dever de utilizar da coisa por parte do locatário mas

este não o pode fazer pelo que se aplica o art. 792º (Impossibilidade Objectiva

Temporária- não culposa e não imputável ao devedor). Não há consequências pelo

incumprimento do arrendatário. Este, se por um lado tem o direito de usar a coisa

Page 197: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 197

locada, pelo artigo 1072.º tem um lado passivo de poder dever em usar a coisa (não é

um poder funcional).

TÍTULO EXECUTIVO

Nos termos do artigo 14.º-A, quanto ao título executivo, consagra-se o direito a receber

o pagamento da renda que não foi paga, as rendas vincendas (que entretantanto se

venceram) e uma indemnização de 50%.

O problema processual é o de que existe uma opção que o senhorio tem de fazer,

podendo uma acção de condenação abranger tudo isto.

Existindo titulo executivo é necessário intentar uma acção de condenação? O senhorio,

nesse caso, escolhe o tipo de acção que quiser, podendo intentar uma acção executiva?

Segundo o PROFESSOR PEDRO EIRÓ: tem muitas dúvidas se na acção executiva

que se pode pedir aquilo que consta do contrato e da interpelação, tendo bastante

dúvidas se pode recair sobre os fiadores (eles não são objecto da interpelação).

As rendas que entretanto se venceram ou que se vencem no decurso da execução

encontram-se abrangidas pelo título de execução? O PROFESSOR PEDRO EIRÓ acha

que não. O referido professor considera ainda que o título executivo dá para os fiadores,

embora eles não seja objecto da interpelação, sendo contudo necessário pedir a

condenação quanto a estes. O senhorio pode intentar duas acções: uma que possui

aquilo que consta do título executivo e outra das rendas vincendas (se não constar do

título executivo).

CLASSIFICAÇÕES DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Oneroso (se fosse gratuito era comodato);

cumutativo (embora possa ser aleatório);

sinalagmático (proporcionar o gozo da coisa e pagar a retribuição);

formal quanto ao arrendamento urbano e arrendamento rural; outras locações

(sem regimes especiais) não é formal;

não é real quanto à constuição

Page 198: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 198

contrato de administração ou de disposição

Até 6 anos é um acto de administração ordinária; mais de 6 anos é um acto de

administração extraordinária.

A locação é um contrato real quanto aos efeitos, isto é classifique-se o direito do

arrendatário em utilizar a coisa como sendo um direito real ou meramente obrigacional

quanto aos efeitos?

PROFESSOR OLIVEIRA ASCENSÃO (só porque ainda não escreveu mais

sobre o assunto): direito real;

DOUTRINA MAIORITARIA: contrato meramente obrigacional

O argumento de que o arredamento é um direito real quoad effectum e retira a

conclusão de que o arrendatário é possuidor de um direito real, logo o contrato produziu

um efeito real vê o seu argumento ser ultrapassado. O arrendatário é um mero detentor

(artigo 1053.º alínea c)).

Segundo o PROFESSOR MENEZES CORDEIRO, o locatário possui em nome de

outrem se tivermos como referência o direito de propriedade; se tivermos como

referência não o direito de propriedade, mas o direito de utilizar o direito locado é

possuidor em nome alheio.

TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL DO LOCATÁRIO

Nos termos do artigo 1057.º, a venda não perturva a locação (emptio non follit

locatum). Esta norma possui várias ‘’indicações’’:

aplica-se a transmissão inter vivos e mortis causa;

obrigação do locador proporcionar o gozo (só pode fazer aquele que o teria não

fosse o contrato de locação) conduz a que no fundo a posição do locador so se

possa transmitir com a transmissão do direito com base no qual foi celebrado o

contrato de locação.

Para os defensores da eficácia real da locação: no fundo o direito do locatário é oponível

erga omnes,embora exista algum aspecto de sequela (manifestação parecda com a

Page 199: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 199

sequela dos direitos reais). o direito é oponível ao locador porque foi este que mudou de

pessoa. a doutrina olha e ve que o que passa è uma cessão de posição contratual

obrigatória por lei (para além deste caso, existe ainda cessão imposta por lei na

transmissão de estabelecimento estável).

Actualmente é mais ou menos pacífica que a posição do arrendatário é um direito de

credito e não um dieito real.

Quanto ao direito de preferência do arrendatário, coloca-se a questão de saber porque é

que o arrendatário haveria de se tornar proprietário.

Existindo dois arrendatários a quem se deve dar preferência:

PROFESSOR OLIVEIRA ASCENSÃO: os arrendatários não teriam direito de

preferência, uma vez que considera que tal direito não lhes deve ser atribuído;

PROFESSOR PEDRO ROMANO MARTINEZ E JURISPRUDÊNCIA: os

arrendatários devem ter direito de preferência; nos casos em que os edifícios

não se encontram construídos em propriedade horizontal e se tem de vender

tudo, ou seja a coisa em si, o legislador quer que os arrendatários tenham direito

de preferência na medida em que esta é a situação mais comum de existirem

preferentes.

Se formos pelas regras do pacto de preferência existe uma norma aplicável que em geral

correspondia ao antigo artigo 419.º RAU e que regula a pluralidade de preferentes. o

problema da lei 6/2006 assenta em se ter esquecido do artigo 419.º RAU.

Neste momento, teoricamente, nem o PROFESSOR PEDRO EIRÓ sabe o que dizer!

Em suma, para ‘’arrumar a matéria’’:

TRANSMISSÕES ENTRE VIVOS (atenção aos arrendamentos não

habitacionais): artigo 1059.º (remete para o artigo 424.º); artigo 1038.º al. f);

artigo 1049.º e artigo 1105.º (rendimentos de casa de morada de família);

arrendamentos não habitacionais – artigo 1112.º (permite a transmissão no

arrendamento no âmbito do trespasse), sendo que o senhorio tem direito de

Page 200: Contratos Civis Mestrado Forense.pdf

CONTRATOS CIVIS MESTRADO FORENSE

Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 200

preferência em caso de trespasse (esse direito de preferência não é imperativo

podendo ser afastado por convenção);

TRANSMISSÃO POR MORTE: artigo 1106.º; em termos do regime geral da

locação artigo 1051.º al. d) e artigo 1059.º. a regra é a da instransmissibilidade;

restrições no artigo 1106.º e 1107.º

artigo 1106.º: natureza imperativa (as pessoas nele protegidas tem direito

a transmissão do arrendamento; pode se clausular a transmissibilidade

para outras pessoas aí não abrangidas mas não se pode impedir para

estas); transmitente (quem transmite) e qualquer arrendatário (não apenas

o primitivo arrendatário) – no RAU só se falava no promitivo proibindo-

se os restantes; actualmente acabou-se o vinculismo.