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1
CONTRIBUIÇÃO DE GRUPOS DE APOIO NO FORTALECIMENTO DA
ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
CONTRIBUTION OF SUPPORT GROUPS IN FORTIFING PRIMARY HEALTH
CARE
Marina Siebert; Denise Bueno
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Farmácia
Departamento de Produção e Controle de Medicamentos
Avenida Ipiranga 2752, CEP 90.610-000. Porto Alegre, Rio Grande do Sul -
Brasil.
Endereço para correspondência:
Denise Bueno, Profª. Drª.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Farmácia
Avenida Ipiranga, 2752
Porto Alegre, RS – Brasil
CEP: 90.610-000
Telefone: (51) 3316-5305
Fax: (51) 3316-5437
e-mail: [email protected]
Contrib. Grupos de Apoio no Fortal. APS
2
RESUMO
Contribuição de Grupos de Apoio no Fortalecimento da Atenção Primária
à Saúde
Objetivo: Descrever o funcionamento de grupos de apoio de uma Unidade
Básica de Saúde de Porto Alegre – Rio Grande do Sul, bem como, a
contribuição dos mesmos no fortalecimento da Atenção Primária à Saúde.
Metodologia: A metodologia empregada foi de observação participante.
Resultados: Observou-se o funcionamento dos grupos de apoio: do
Tabagismo, da Dor nas Costas, de Gestantes e Vida Saudável. Aspectos de
coordenação de cada um, a duração e a freqüência dos encontros, além do
local onde eram realizados, foram alguns dos parâmetros observados.
Conclusão: Os grupos de apoio contribuem para o fortalecimento da APS. A
interdisciplinaridade deve sofrer mudanças a fim de integrar outros profissionais
na equipe de saúde do Programa de Saúde da Família, como por exemplo, o
farmacêutico.
Descritores: funcionamento, grupos de apoio, Unidade Básica de Saúde,
fortalecimento, Atenção Primária à Saúde.
3
ABSTRACT
Contribution of Support Groups in Fortifing Primary Health Care
Objective: The study purpose was to describe the functioning of support
groups of one Basic Health Unit Porto Alegre – Rio Grande do Sul, as well as,
the contribution of the same ones in fortifing Primary Health Care.
Methods: The participant comment methodology was used in the study.
Results: It was observed the functioning of support groups: Tobaccoism, Pain
in the Coasts, Pregnant Women and Healthful Life. Aspects of coordenation of
each one of these groups, the duration and the frequency of the meeting,
beyond the place where they were realized, these had been some observed
parameters.
Conclusion: The support groups contribute in fortifing Primary Health Care,
although the interdisciplinarity had to suffer changes in order to integrate others
professionals in the health team of the Program Health of the Family, as for
example, the pharmacist.
Keywords: functioning, support groups, Basic Health Unit, fortifing, Primary
Health Care.
4
INTRODUÇÃO
Atualmente, o sistema de saúde no Brasil possui uma conformação que
tem influências que remontam ao início do século passado. A saúde pública
brasileira do último século pode ser dividida em grandes períodos, cada um
deles com significados econômicos e políticos diferentes.8
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado como resultado da luta do
Movimento da Reforma Sanitária, que incorpora na Constituição de 1988 vários
princípios e diretrizes da VIII Conferência Nacional de Saúde.9
As ações e serviços de saúde que integram o SUS obedecem alguns
princípios estabelecidos pela Constituição, dentre eles o acesso universal e
eqüitativo às ações e serviços de saúde, com regionalização e hierarquização;
descentralização dos serviços de saúde, com direção única em cada esfera de
governo; e atendimento integral, de modo a reunir a assistência curativa com a
prevenção e a promoção à saúde. A participação da comunidade é legítima e
se estabelece por meio das Conferências e dos Conselhos de Saúde, nos
quais a comunidade, por meio de seus representantes, pode opinar, definir,
acompanhar a execução e fiscalizar as ações de saúde nas três esferas de
governo: federal, estadual e municipal.4
A partir da preocupação da expansão prático-conceitual das políticas de
saúde em todo o mundo e, objetivando definir novas estratégias assistenciais
baseadas no conceito de saúde proposto pela Organização Mundial da Saúde
(OMS), ocorreu, no ano de 1978, a Conferência Internacional Sobre os
Cuidados Primários em Saúde. Nessa conferência foram estabelecidos alguns
parâmetros básicos da Atenção Primária à Saúde como uma estratégia de
5
assistência baseando-se no conceito de saúde da OMS. Além disso, esse
encontro tornou-se o marco na tentativa de se promover a saúde envolvendo
outros setores da sociedade.9
Em relação ao conceito de saúde, a OMS vem discutindo, há algumas
décadas, a sua redefinição. Na verdade, o que se discute é a mudança de
enfoque da conceituação de saúde. A saúde deixa de ter a interpretação de
ausência de doença, e começa a equivaler ao completo bem-estar físico,
mental e social do indivíduo.9
Atenção Primária à Saúde (APS) é entendida como uma forma de
organização dos serviços de saúde, uma estratégia para integrar todos os
aspectos desses serviços, a partir de uma perspectiva da população. A APS é
o contato preferencial dos usuários com o sistema de saúde e o local
responsável pela organização do cuidado à saúde do paciente e da população
ao longo do tempo.13 É preciso deixar claro que as ações e políticas de saúde
baseadas na APS apresentam como diferencial fundamental, o enfoque na
promoção à saúde e não mais somente na prevenção. Então, caracteriza-se
como uma prática preventiva e de promoção física, social e psicológica da
saúde de forma mais ampla possível e com menores custos.9
A APS orienta-se pelos princípios da universalidade, acessibilidade (ao
sistema), continuidade, integralidade, responsabilização, humanização, vínculo,
eqüidade e participação social. A atenção primária deve considerar o sujeito
em sua singularidade, complexidade, integralidade e inserção sócio-cultural,
bem como, buscar a promoção de sua saúde, a prevenção e tratamento de
doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam estar
comprometendo suas possibilidades de viver de modo saudável.3
6
A atenção primária é aquele nível de um sistema de serviço de saúde
que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e
problemas, fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a
enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições,
exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a atenção fornecida
em algum outro lugar ou por terceiros. Assim, é definida como um conjunto de
funções que, combinadas, são exclusivas da atenção primária. A atenção
primária também compartilha características com outros níveis dos sistemas de
saúde: responsabilidade pelo acesso, qualidade e custos; atenção à
prevenção, bem como ao tratamento e à reabilitação; e trabalho em equipe.12
Nos dias de hoje, o Programa de Saúde da Família (PSF) é a estratégia
principal de APS no Brasil e torna-se também uma alavanca para a
reformulação do modelo assistencial. O PSF foi efetivamente implantado em
1994 e tornou-se um instrumento de reestruturação e reorganização do SUS.1
Apresenta-se como uma estratégia assistencial em que a família e o seu meio
social são o foco de ação.9
O PSF tem como alguns de seus princípios básicos: a família como foco
de abordagem, território definido, adscrição de clientela, trabalho em equipe
interdisciplinar, co-responsabilização, integralidade, resolutividade,
intersetorialidade e estímulo à participação social. Esse programa permite a
implementação dos princípios e diretrizes da APS, devendo se constituir como
ponto fundamental para a organização da rede de atenção.3
Cada profissional da equipe de saúde – médico, enfermeiro, odontólogo,
psicólogo, nutricionista, entre outros – tem seu núcleo de competência. Porém,
para que se consiga um atendimento integral efetivo, além da presença dos
7
profissionais da equipe, espera-se que estes sejam capazes de trabalhar em
grupo, aliando os conhecimentos específicos no trabalho interdisciplinar. O que
se espera é que os profissionais trabalhem numa relação de
complementaridade e interdisciplinaridade e, ao mesmo tempo, de autonomia
relativa com um saber próprio.15
Um bom exemplo de aplicação prática do PSF são os grupos de apoio
aos pacientes existentes nas Unidades Básicas de Saúde. Um dos objetivos de
tais grupos baseia-se na correlação dos fatos que interferem em determinada
doença com situações vividas pelo paciente, buscando a expressão de
sentimentos, por meio de um clima acolhedor de tais manifestações,
proporcionando a troca de vivências. Esse tipo de grupo acaba tendo um efeito
terapêutico, visto que os usuários estão reunidos em torno de um problema
comum e acolhidos por uma equipe que os apóia.11
O objeto de estudo deste trabalho foram os grupos de apoio existentes
na Unidade Básica de Saúde (UBS) HCPA-Santa Cecília, visando descrever o
funcionamento dos mesmos, bem como, a contribuição desses no
fortalecimento da Atenção Primária à Saúde.
A Unidade, localizada no município de Porto Alegre, conta com duas
equipes de PSF, uma Farmácia e oferece serviços de acolhimento,
atendimento odontológico, atendimento nutricional, pediatria, ginecologia e
clínica geral. A UBS Santa Cecília integra o serviço prestado à comunidade
pelo HCPA, na sua condição de instituição universitária com fins de execução
de assistência primária à saúde, atividades de ensino e de pesquisa. Essa
Unidade é administrada por sistema de co-gestão entre os parceiros, segundo
princípios do SUS. Como unidade de atenção primária à saúde, está
8
estruturada para acesso direto da população, com continuidade e integralidade.
Os medicamentos disponibilizados na UBS são provenientes da Secretaria
Municipal de Saúde de Porto Alegre a partir da relação municipal de
medicamentos (REMUNE).
9
METODOLOGIA
O estudo foi desenvolvido segundo a metodologia qualitativa utilizando a
ferramenta de observação participante como instrumento de coleta de dados. O
local escolhido para a coleta dos dados foi a UBS HCPA-Santa Cecília, sendo
que a mesma aconteceu no período de setembro a novembro de 2006.
Foram selecionados como objetos de estudo os grupos de apoio: Grupo
do Tabagismo, Grupo da Dor nas Costas, Grupo de Gestantes e o Grupo Vida
Saudável, os quais estão resumidos no quadro abaixo.
Quadro 1. Descrição dos grupos observados.
Grupo Profissionais
responsáveis Público-alvo
Tabagismo Médico Usuários interessados em parar de
fumar
Dor nas Costas Médico residente
Usuários com queixas de dor, mas
não necessariamente com lesão
na coluna; risco de lesão, em
alguma parte do corpo, devido à
execução de movimentos
repetitivos do trabalho, ou mesmo
do dia-a-dia
Gestantes Médico
Enfermeira Gestantes a partir do sexto mês
Vida Saudável Acadêmicas do
curso de Nutrição
Usuários da unidade hipertensos
e/ou diabéticos
10
Os quatro grupos observados neste trabalho foram realizados nas
dependências da UBS HCPA-Santa Cecília, na sala destinada a este fim e a
porta era mantida fechada. Cada encontro teve duração de cerca de uma hora
e eram previamente agendados.
Os grupos foram assistidos sempre pelo mesmo observador e não
houve interferência do mesmo sobre a dinâmica dos grupos. O observador
registrou os dados coletados em seu diário de campo.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Saúde do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
11
RESULTADOS
1. Grupo do Tabagismo:
O Grupo do Tabagismo realizou quatro encontros, sendo que cada um
deles abordou um assunto diferente dentro do tema principal trabalhado pelo
grupo. A observação do mesmo foi feita durante o terceiro e o quarto encontro.
O grupo foi conduzido por um médico, o qual possuía sempre, um
planejamento das atividades a serem realizadas a cada encontro. O
profissional fez uso de uma linguagem acessível e clara, e contou com apoio
de material didático (em cada reunião do grupo, um novo livro informativo foi
entregue aos usuários). A metodologia empregada neste grupo é a
preconizada pelo Instituto Nacional do Câncer (INCa), que treina os
profissionais e inclusive fornece as cartilhas utilizadas. Embora o profissional
possuísse uma programação do que seria feito no encontro, mostrou-se aberto
a perguntas, deixando espaço para que os participantes falassem, expusessem
dúvidas e vivências e, dessa forma, incentivou a participação dos mesmos. Foi
possível perceber que houve empatia entre os participantes, bem como, entre
eles e o coordenador do grupo. A cada novo encontro, o médico relembrou o
assunto da reunião anterior e somente a seguir, expôs para os usuários a
abordagem e os objetivos do encontro do dia.
No último encontro do Grupo do Tabagismo, além do profissional repetir
os objetivos gerais do grupo (discutir o porquê das pessoas fumarem, dar dicas
sobre como parar de fumar, compartilhar vivências e dificuldades, etc), os
usuários expuseram sua opinião a respeito do grupo. Todos eles, afirmaram ter
se beneficiado participando do grupo. Embora não tivessem conseguido parar
12
de fumar, a maioria conseguiu diminuir o número de cigarros/dia. Os
participantes mostraram interesse em continuar a freqüentar o grupo, surgindo,
então, a idéia de um grupo de manutenção.
2. Grupo da Dor nas Costas
O Grupo da Dor nas Costas realizou quatro encontros e um médico
residente responde pela coordenação. A observação foi feita durante todos os
quatro encontros do grupo.
No primeiro encontro, o médico explicou o objetivo do grupo (aprender
um pouco sobre a dor nas costas, a fazer os exercícios tanto de alongamento
como de fortalecimento, a fim de melhorar a dor) e expôs sucintamente os
assuntos a serem abordados em cada uma das reuniões do grupo. As
atividades a serem realizadas no decorrer do grupo estavam previamente
planejadas.
Durante os encontros, o profissional usou uma linguagem acessível e de
fácil entendimento, distribuiu material de apoio aos participantes do grupo
(livros de exercícios, com fotos ilustrativas), mostrou um vídeo relacionado ao
tema, fez uso de colchões, de aparelho de som e de retroprojetor. Este grupo
mostrou ter um caráter bastante dinâmico, visto que, os usuários faziam os
exercícios junto com o médico durante os encontros. O profissional
caracterizou-se por ser atencioso e paciente com os participantes, estando
bastante atento durante a realização dos exercícios. Pode-se perceber que
houve empatia entre os participantes, assim como, entre eles e o médico.
No último encontro, os pacientes relataram opiniões sobre o grupo,
sendo que, todos, sem exceção, disseram ter melhorado bastante a dor (não
13
só da coluna, mas também de outras partes do corpo) devido à realização dos
exercícios e também por causa de algumas mudanças de hábitos aprendidas
ao longo do grupo.
3. Grupo de Gestantes
O terceiro grupo observado foi o Grupo de Gestantes, o qual foi
coordenado por um médico e uma enfermeira. Esse grupo foi dividido em seis
encontros, porém, os dados foram coletados somente nos três primeiros.
No decorrer da primeira reunião do grupo, a enfermeira explicou quais
eram os objetivos gerais do grupo (saber quais os cuidados com o bebê,
aprender sobre a amamentação, sobre anticoncepção, etc). O médico explicou
brevemente o que acontece a cada semana da gestação. Ele fez uso de
material ilustrativo para facilitar o entendimento das gestantes.
Durante o segundo encontro do grupo, houve a participação de uma
odontóloga e de sua auxiliar de consultório, bem como, de uma discente do
curso de nutrição (a qual já havia estado presente no primeiro encontro). A
dentista abordou dúvidas freqüentes de algumas gestantes, bastante comum
em seu consultório. Após, abriu espaço para perguntas e para o
esclarecimento de dúvidas. Depois, a acadêmica de nutrição falou algumas
dicas de alimentação para as participantes e também esclareceu algumas
dúvidas. A terceira reunião do grupo teve como enfoque o parto e, as usuárias
fizeram uma visita ao hospital, com o objetivo de conhecer as etapas pelas
quais irão passar no dia do parto.
Em relação aos coordenadores do Grupo de Gestantes, tanto a
enfermeira como o médico, mostraram-se atenciosos e dedicados às usuárias.
14
Eles possuíam um planejamento prévio de suas atividades, fizeram uso de
material de apoio (para ilustração), falaram com clareza e de modo bem
acessível. Este grupo contou com a participação de um parceiro de uma das
gestantes. Pode-se notar que houve empatia entre os participantes do grupo, e
também, entre eles e os coordenadores. As usuárias pareciam bastante
entusiasmadas com o andamento do grupo, sendo que, uma delas já o
freqüentava pela segunda vez.
4. Grupo Vida Saudável
O quarto grupo observado foi o Grupo Vida Saudável, a observação foi
realizada no decorrer do segundo e do terceiro encontro do grupo. Este grupo
teve dez encontros. Quatro discentes do sexto semestre do curso de Nutrição
formaram a equipe executora do grupo, sendo que, uma delas era responsável
pela coordenação do mesmo. Antes de iniciar cada encontro, as acadêmicas
pesaram e verificaram a pressão arterial dos integrantes do grupo. Os
participantes foram selecionados entre os usuários cadastrados no programa
HIPERDIA da UBS, de acordo com critérios de inclusão adotados pela equipe
responsável por esta dinâmica.
Os assuntos abordados nos encontros resultavam de sugestões vindas
dos próprios participantes. Assim, a equipe do grupo planejava as atividades do
encontro seguinte de acordo com o tema escolhido a cada encontro.
Percebeu-se empatia entre os usuários, assim como, entre eles e a
equipe de profissionais que conduzia o grupo. A equipe fez uso de técnicas de
dinâmica de grupo durantes os encontros, como por exemplo: atividade com
balões.
15
DISCUSSÃO
A metodologia utilizada neste estudo se justifica na busca do
entendimento de como funcionam os grupos de apoio destinados aos usuários
da Unidade Básica de Saúde (UBS) HCPA-Santa Cecília, e a observação
participante visa avaliar como os mesmos estão contribuindo no fortalecimento
da APS.
A observação participante dos grupos em estudo fez com que o
observador participasse da vida diária das pessoas em estudo, tanto
abertamente no papel de pesquisador, como assumindo papéis disfarçados,
observando fatos que acontecem, escutando o que é dito e questionando as
pessoas ao longo de um período de tempo.14
O foco de interesse deste estudo foi amplo e dele fez parte à obtenção
dos dados descritivos de funcionamento dos grupos, mediante o contato direto
do pesquisador com a situação a qual foi seu objeto de estudo. Buscou-se o
entendimento dos fenômenos segundo as perspectivas dos participantes dos
grupos e, a partir daí, seguiu-se à interpretação dos mesmos.
A técnica escolhida como instrumento de coleta dos dados foi a
observação participante, sendo a justificativa, o pressuposto de que muitos
elementos podem não ser apreendidos por meio da fala ou da escrita. A
observação participante pode ser entendida como um processo pelo qual se
mantém a presença do observador na situação objeto de estudo, a fim de
realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face
com os observados e, ao participar da vida dos mesmos no seu ambiente
natural, ele realiza a coleta os dados. Assim, o observador é parte do contexto
16
sob observação, ao mesmo tempo está modificando e sendo modificado por
este contexto. É necessário levar em consideração os efeitos do mesmo no
próprio evento, tendo sempre em mente, que muitas ações podem ter sido
geradas pela presença do observador. A técnica empregada permite o registro
do comportamento não-verbal e o recebimento de informações não esperadas
porque não seguem, necessariamente, um roteiro fechado.16
Saúde é considerada uma área eminentemente interdisciplinar e a
integralidade é uma diretriz importante para a consolidação do novo modelo de
atenção à saúde, baseado no PSF.17
O PSF espera uma abordagem integral dos usuários do sistema, então,
a equipe multiprofissional e o trabalho interdisciplinar tornam-se necessidade
fundamental. Cada profissional da equipe de saúde com seus conhecimentos
específicos deve ser capaz de trabalhar em equipe, para um efetivo
atendimento integral.15 Cumprir este princípio da integralidade significa, dentre
outras coisas, assegurar aos indivíduos uma atenção integral à saúde nos
diferentes níveis de complexidade; associar atenção curativa e preventiva; e,
sobretudo, compreender a totalidade dos indivíduos e coletividades a partir de
suas singularidades.7
Após realizar a observação dos grupos de apoio da UBS HCPA-Santa
Cecília, algumas considerações podem ser destacadas:
Os grupos de apoio, os quais foram objetos de estudo neste trabalho, se
caracterizam por serem grupos operativos, com função terapêutica. Assim, o
foco de trabalho desses grupos está centrado em objetivos específicos, que
podem esclarecer as dificuldades individuais dos seus usuários, romper com
estereótipos e possibilitar a identificação de obstáculos que impedem o
17
desenvolvimento desses indivíduos, auxiliando-os a encontrar condições
próprias de resolver ou se enfrentar com seus problemas.5
O Grupo do Tabagismo, o Grupo da Dor nas Costas e o Grupo de
Gestantes tiveram um planejamento prévio de atividades, a serem
desenvolvidas nos respectivos encontros, representando um roteiro pré-
estruturado. O Grupo Vida Saudável fez uso da dinâmica de grupo aberto.
Nesse tipo de grupo se discute questões sobre a saúde em geral dos usuários,
sendo que alguns temas são abordados com base em demandas geradas
pelos próprios integrantes do grupo ou advém da necessidade sentida pela
equipe coordenadora do grupo.10
O tamanho dos grupos variou de 2 a 10 usuários no decorrer das
observações e coleta dos dados. O tamanho ideal de grupo é de 7 a 8
membros, e não mais do que 10. Em um grupo com mais de 10 participantes,
haverá uma interação ampla e produtiva, mas alguns desses serão deixados
de fora. Grupos de 6 a 8 usuários oferecem a maior oportunidade para o
intercâmbio verbal entre os mesmos.18
O simples fato dos profissionais de saúde acolherem os usuários com
cordialidade e de não utilizarem uma linguagem científica, de difícil
entendimento, foi bastante positivo. Isso porque os usuários se sentiram
estimulados a participar e, conseqüentemente, tiveram maior aproveitamento
dos grupos. Outra consideração importante neste aspecto foi a não utilização
de perguntas fechadas e induzidas na maior parte do tempo, deixando os
participantes bem à vontade para fazerem perguntas e interagirem com o
restante do grupo.
18
Os coordenadores do Grupo do Tabagismo e do Grupo da Dor nas
Costas utilizaram material de apoio, o qual foi entregue aos usuários no
decorrer dos grupos. Em relação ao Grupo da Dor nas Costas, isso fez com
que os participantes pudessem continuar a fazer os exercícios em casa, pois
as técnicas contidas no livro ilustrativo eram as mesmas executadas durante os
encontros do grupo. O Grupo do Tabagismo possibilitou benefício aos usuários,
visto que o livro informativo entregue aos participantes, continha sempre o
assunto abordado durante o encontro, sendo uma maneira de dar suporte aos
mesmos enquanto estivessem longe do grupo.
O Grupo de Gestantes utilizou um material didático ilustrativo, a fim de
facilitar o entendimento de seus participantes. Contudo, não houve entrega de
material a cada encontro, no segundo encontro do grupo, a odontóloga e a
acadêmica de nutrição entregaram às usuárias texto informativo a respeito da
abordagem feita pelas mesmas naquela ocasião. Dessa forma, os grupos
ofereceram informações aos usuários por meio de material educativo ou por
meio de aconselhamento.18
Os grupos observados se reuniam uma vez por semana e possuíam um
número pré-determinado de encontros. Caso fossem de longa duração, as
sessões deveriam ser duas vezes por semana, quando possível, visto que
aumentaria significativamente a intensidade e a produtividade do grupo.18
Os encontros dos grupos tiveram duração entre 60 e 90 minutos,
estando, dessa forma, de acordo com o tempo de duração sugerido na
literatura, que seria entre 60 e 120 minutos. Isso porque de 20 a 30 minutos
são necessários para a elaboração dos principais temas da sessão.18
19
O local em que os grupos foram realizados, foi de tamanho adequado,
possuía assentos confortáveis, proporcionou privacidade e liberdade, e não
houve intervenções. Foi feito um posicionamento das cadeiras em forma de
círculo e todos os participantes dos grupos foram capazes de enxergar uns aos
outros. Além disso, houve impacto positivo o fato de a porta da sala manter-se
fechada durante os encontros. Isso porque o barulho externo não dificultou a
escuta das informações e também não desviou a atenção dos usuários do
grupo, sendo que houve contribuição para estimular à participação e à troca de
experiências entre os mesmos.
Pôde-se perceber que os coordenadores dos grupos apresentaram
atributos desejáveis e, para certas situações imprescindíveis, dentre eles
destacando-se: coerência, ética, respeito, paciência, comunicação, empatia,
etc.19
A partir das observações feitas, pôde-se verificar que os grupos são
importantes para APS devido ao fortalecimento da interdisciplinaridade dentro
da equipe de saúde. Contudo, o PSF (o qual é a principal estratégia de APS)
ainda carece de alguns profissionais integrando a equipe multiprofissional,
dentre esses, o farmacêutico.
O farmacêutico tem várias possibilidades de atuação no PSF, dentre as
quais pode-se destacar dois eixos principais: as primeiras, voltadas
diretamente ao usuário do sistema de saúde e, as direcionadas aos outros
profissionais da equipe de trabalho. No primeiro grupo, as intervenções são
muitas: desde a atividade de dispensação orientada de medicamentos,
primordial para a garantia de adesão aos tratamentos, passando por atividades
educativas, individuais ou em grupos, importantes para a prevenção de
20
doenças, promoção e recuperação da saúde; além, é claro, da atenção
farmacêutica, possibilitando um efetivo acompanhamento farmacoterapêutico.
E nas ações voltadas aos outros profissionais da equipe, destaca-se o suporte
informativo em relação aos medicamentos, auxiliando na terapêutica e
contribuindo para um tratamento medicamentoso eficaz.15
Uma segunda diretriz que merece destaque no contexto do PSF é o
trabalho em equipe. É uma forma eficiente de estruturação, organização e de
aproveitamento das atividades humanas. Possibilita uma visão mais global e
coletiva do trabalho, reforça o compartilhamento de tarefas e a necessidade de
cooperação para alcançar objetivos comuns. O trabalho em equipe pressupõe
uma relação recíproca de comunicação e interação. A importância do diálogo
em busca de consenso entre os profissionais traduz-se em qualidade na
atenção integral às necessidades de saúde da clientela. Caso não haja
interação entre os profissionais das equipes de saúde do PSF, corre-se o risco
de repetir a prática fragmentada, desumana e centrada no enfoque biológico
individual.2 Hoje, a real integração dos diversos profissionais de saúde serve
como instrumento de medida sobre a qualidade real dos serviços prestados na
APS.15
21
CONCLUSÃO
O presente trabalho desenvolvido na UBS HCPA-Santa Cecília,
possibilitou constatar que as atividades desenvolvidas pelos grupos de apoio
estão, de fato, contribuindo para o fortalecimento da APS.
O número de usuários, em média, por grupo não foi de acordo com o
que consta na literatura.18 Entretanto, os grupos foram realizados em local
apropriado, houve utilização de material de apoio para educação e
aconselhamento de seus participantes, houveram encontros com periodicidade
de uma vez por semana, sendo a duração dos mesmos de cerca de 60
minutos.
Os coordenadores dos grupos agiram com cordialidade, empatia,
coerência, paciência, respeito, e foram comunicativos, utilizando uma
linguagem de fácil entendimento aos usuários. Dessa forma, facilmente pôde-
se perceber que os usuários se sentiram estimulados à participação nos
grupos.
Os grupos de apoio estão contribuindo para o fortalecimento da
interdisciplinaridade na equipe de saúde, sendo esse princípio bastante
importante na APS. Contudo, algumas mudanças no PSF são necessárias a
fim de que outros profissionais, como por exemplo, o farmacêutico, possa
integrar esta equipe multiprofissional. Caso isso venha a acontecer, os usuários
dos grupos poderão ser beneficiados pela participação do farmacêutico nos
grupos, garantindo, assim, uma maior educação em relação aos
medicamentos, quanto ao seu uso, efeitos adversos, etc.
22
Um segundo princípio merece destaque na APS, que é o trabalho em
equipe, buscando a integralidade da atenção à saúde. Os profissionais de
saúde precisam trabalhar em conjunto, se comunicando e interagindo mais,
buscando superar o que representa o maior desafio nas práticas em saúde
hoje: a integralidade. Contudo, não a integralidade como questão institucional
ou política, mas como desafio cultural, a fim de romper com formas
cristalizadas de se entenderem e realizarem ações técnicas e que conformam
padrões de intervenção médica ou em saúde já tornados tradição.
A importância deste tipo de estudo fundamenta-se no conhecimento do
processo de maturidade e consolidação da APS em todos os níveis de
atendimento. A avaliação dos aspectos relacionados ao atendimento das
expectativas e necessidades dos usuários e da forma de trabalho
interdisciplinar, da capacitação e da educação permanente dos profissionais,
pode instrumentalizar o sistema com ferramentas relevantes para a análise da
qualidade da atenção à saúde, a qual se objetiva alcançar.
23
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