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·Desenvolvimento pstcotóqlço e educacao I

COOL;MARCHESI;PALACIOS_Desenvolvimento Psicológico e Educação(b)

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·Desenvolvimentopstcotóqlçoe educacao

I

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Desenvolvi mentopsicológicoe educação

2.Psicologia da

educação escolar2ª edição

CésarCOLL ~Álvaro MARCHESV ,,\BL/Or~.'(i,Jesús PALACIOS\~ DR.JALMARBowol& colaboradores '1>Ó}D-1

DlJMEsp N,/

~111. '?'"~~o

Tradução:

Fátima Murad

Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição:

Maria da Graça Souza HomPedagoga. Doutora em Educação pela

Universidade Pederal do Rio Grande do Sul

2004

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Sumário

Apresentação vii

PRIMEIRA PARTEPsicologia, educação e psicologia da educação

1. Concepções e tendências atuais em psicologia da educação 19César ColI

SEGUNDA PARTE

A explicação dos processos educacionais a partir de uma perspectiva psicológica

2. Aprendizagem e desenvolvimento: a concepçãogenético-cognitiva da aprendizagem 45César Coll e Eduardo Martí

3. A aprendizagem significativa e a teoria da assimilação 60Elena Martín e Isabel Solé

4. Representação e processos cognitivos: esquemas e modelos mentais 81María José Rodrigo e Nieves Correa

5. Desenvolvimento, educação e educação escolar:a teoria sociocultural do desenvolvimento e da aprendizagem 94Rosario Cubero e Alfonso Luque

6. Construtivismo e educação: a concepção construtivistado ensino e da aprendizagem 107César Coll

TERCEIRA PARTE

Fatores e processos psicológicos envolvidos na aprendizagem escolar

7. Inteligência, inteligências e capacidade de aprendizagem 131César Coll e Javier Onrubia

8. O uso estratégico do conhecimento 145Juan Ignacio Pozo, Carles Monereo e Montserrat Castelló

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9. :::=~S:.J de estratégias de aprendizagem no contexto escolar 161= '."es i'.'1onereo,Juan Ignacio Pozo e Montserrat Castelló

10.. Orientação motivacional e estratégias motivadoras na aprendizagem escolar 177Jesús Alonso Tapia e Ignacio Montero

11. A aprendizagem escolar do ponto de vista do aluno: os enfoques de aprendizagem 193Maria Luisa PérezCabani

12. Afetos, emoções, atribuições e expectativas: o sentido da aprendizagem escolar 209Mariana Miras

13. Diferenças individuais e atenção à diversidade na aprendizagem escolar 223-r: César Coll e Mariana Miras

QUARTA PARTE

A dinâmica dos processos de ensino e de aprendizagem: a sala de aula como contexto

14. Ensinar e aprender no contexto da sala de aula 241César Cal! e Isabel Solé

15. Linguagem, atividade e discurso na sala de aula 261César Coll

16. Interação educacional e aprendizagem escolar: a interação entre alunos 280Rosa Colomina e Javier Onrubia

17. Interatividade, mecanismos de influência educacionale construção do conhecimento na sala de aula 294Rosa Colomina, Javier Onrubia e MaJosé Rochera

QUINTA PARTE

A psicologia do ensino e a aprendizagem dos conteúdos escolares

18. O ensino e a aprendizagem da alfabetização: uma perspectiva psicológica 311Isabel Solé eAna Teberosky

19. O ensino e a aprendizagem da matemática: uma perspectiva psicológica 327Javier Onrubia, MaJosé Rochera e ElenaBarberà

20. O ensino e a aprendizagem da geografia, da históriae das ciências sociais: uma perspectiva psicológica 342TeresaMauri e Enric Valls

21. O ensino e a aprendizagem das ciências físico-naturais:uma perspectiva psicológica 355Mercê Garcia-Milà

22, .ú avaliação da aprendizagem escolar: dimensões psicológicas,::?jagógicas e sociais 370~~S:.-:2;!. ElenaMartín e Javier Onrubia

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SUMÁRIO 15

SEXTA PARTEOs contextos da sala de aula e a aprendizagem escolar

23. As instituições escolares como fonte de influência educacional 389ElenaMartín e TeresaMauri

24. Ambiente familiar e educação escolar:'O.\\\\"\",,,,~ã<:::> ~" ~<:::>\""c:.,,\\~.\\<:::>'s ,,~\J.c:.ô.c:.\<:::>"\\ô.\'S t,,\:)~

?\\ar lacasa

25. A educação escolar diante das novas tecnologiasda informação e da comunicação 420César Col! e Eduardo Martí

Referências bibliográficas 439índice onomástico 460índice analítico 468

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TERCEIRA PARTEFatores e Processos Psicológicos

Envolvidos na Aprendizagem Escolar

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7 Inteligência, inteligências ecapacidade de aprendizagemCÉSAR COLL E JAVIER ONRUBIA

INTRODUÇÃO

o recurso à "inteligência" ou à "capaci-dade intelectual" que tem supostamente umaluno é, sem dúvida, um dos argumentos quese utiliza mais freqüentemente para justificarou explicar seu rendimento escolar. A freqüên-cia e a contundência com que habitualmentese emprega tal argumento reflete o grau emque pais e professores (e também os própriosalunos) compartilham a idéia de uma relaçãolinear e direta entre inteligência, capacidadede aprendizagem e rendimento escolar.A ques-tão das relações entre inteligência, capacidadede aprendizagem e rendimento escolar, porém,está muito longe de ser resolvida e de ter umaresposta clara e empiricamente fundamenta-da: o que dizer, por exemplo, das pessoas compontuações baixas em seus testes de inteligên-cia e qualificações escolares que se tornaram,apesar disso, cientistas de renome, protagonis-tas de contribuições fundamentais às suas res-pectivas disciplinas?; ou dos alunos que apre-sentam perfis de rendimento muito diferenci-ados entre umas áreas curriculares e outras?;ou dos que, com um rendimento escolar muitobaixo na maioria dos conteúdos, mostram, emcompensação, capacidades que.lhes permitemenfrentar e resolver com êxito as situações eos problemas de sua vida cotidiana além daescola?

Sem dúvida, um dos elementos-chave queestá em jogo na resposta a essas perguntas, e àquestão geral a que remetem, não é senão aprópria caracterização do conceito de "inteli-gência" ou de "capacidade intelectual". Comopano de fundo da convicção tradicional, de uma

relação direta entre inteligência, capacidade deaprendizagem e rendimento escolar encontra-se, de fato, uma certa maneira de entender oque é a inteligência, em que consiste e comose manifesta. O objetivo deste capítulo é, pre-cisamente, revisar as principais contribuiçõesque, a partir do conhecimento psicoeduca-cional, foram feitas na tentativa de compreen-der as relações entre inteligência, capacidadede aprendizagem e rendimento escolar. Nestarecapitulação, adotaremos como eixo as mu-danças que se produziram na maneira de en-tender a "inteligência", dando especial aten-ção às perspectivas e às teorias sobre a inteli-gência desenvolvidas nas últimas décadas, quemodificaram e ampliaram substancialmente avisão tradicional desta.

Por isso, organizaremos o capítulo emdois grandes itens. No primeiro, descrevere-mos as linhas mestras do que podemos qualifi-car como aproximações "clássicas" da caracte-rização da inteligência: a perspectiva diferen-cial-psicom étrica e a perspectiva do pr:xessa-mento de informação. Como indica sua deno-minação, a perspectiva diferencial-psiccraetricasobre a inteligência, predominante ate os anos1960 e com ampla difusão até nosscs dias.centra-se particularmente no estudo das dife-renças individuais no âmbito intelectual e nabusca de instrumentos para a medida de taisdiferenças, e está na base dos tradicionais tes-tes de inteligência. Por sua '.-e2. a aproximaçãoda inteligência da perspectiva de processarnen-to de informação. o paradigma dominante empsicologia desde a década de 1970 (ver o Ca-pítulo 4 deste volume), centra-se na análise dasdiversas capacidades e dos muitos processos

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132 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

envolvidos na resolução inteligente de proble-mas e de tarefas em diversos domínios; tal pers-pectiva originou notáveis avanços em nossacompreensão da inteligência, assim como a pro-postas e critérios educacionais úteis para apoiara aprendizagem das diversas capacidades en-volvidas no comportamento inteligente.

No segundo item, apresentaremos algu-mas das teorias mais recentes que têm comotraço distintivo a substituição do conceito deinteligência como uma capacidade única pelode uma série de capacidades ou "inteligências"distintas, que remetem a diferentes aspectose formas de atividade inteligente; à margemdas diferenças que apresentam entre si, essasteorias não-unitárias da inteligência compar-tilham a tentativa de dar conta do comporta-mento inteligente em contextos cotidianos,não necessariamente escolares nem acadêmi-cos, e para além da limitada gama de tarefasempregadas tipicamente nos testes tradicio-nais de inteligência.

Em seu conjunto, a passagem por essesdois itens nos levará, a partir de diversas con-cepções consideradas, a partir de uma visãoessencialmente direta, unidirecional e estáti-cas das relações entre inteligência, capacidadede aprendizagem e rendimento escolar, a umaconcepção mais complexa, bidirecional e di-nâmica dessas relações: uma concepção queenfatiza a multiplicidade de capacidades, deestruturas e de processos envolvidos no com-portamento inteligente, que assinala o carátersocial, contextual e cultural da atividade inte-ligente, e que destaca a possibilidade de incidir,por meio do ensino, na melhoria e na otimi-zação das capacidades intelectuais e de apren-dizagem de todos os alunos.

COMPETÊNCIA COGNITIVA,CAPACIDADE DE APRENDIZAGEME RENDIMENTO ESCOLAR NASAPROXIMAÇÕES CLÁSSICASDA INTELIGÊNCIA

A perspectiva diferencial-psicométrica

Como mencionamos, a perspectiva dife-rencial-psicométrica da inteligência centra-se:'.J estudo das diferenças individuais no âmbi-

to intelectual e na busca de instrumentos paraa medida de tais diferenças. Três pontos bási-cos podem ser destacados como fundamentodessa aproximação (Andrés Pueyo, 1996):

1. A convicção de que a natureza dainteligência pode ser analisada peloestudo das diferenças individuais norendimento demonstrado na reali-zação de determinadas tarefas cog-nitivas.

2. A utilização de diversas técnicasmatemáticas baseadas na correla-ção, como a análise fatorial, paraobter informação acerca da estrutu-ra das capacidades intelectuais.

3. A adoção de uma aproximação es-sencialmente pragmática e empírica,que parte da coleta de dados a par-tir da aplicação de diversos instru-mentos de medida do rendimentointelectual para, depois, desenvolverformulações ou modelos teóricos. Adescrição de instrumentos de medi-da que permitam a quantificação dasdiferenças de rendimento entre pes-soas é, portanto, essencial para essaperspectiva.

Aperspectiva sobre a inteligência remon-ta a finais do século XIXe princípios do séculoXXe, desde suas origens, apresenta estreitasrelações com as questões educacionais. O tra-balho pioneiro de Binet é um bom exemplo dis-so. Em 1904, o ministério francês de InstruçãoPública encarrega Binet da elaboração de uminstrumento capaz de distinguir os alunos men-talmente atrasados, que não podem aprovei-tar o ensino escolar,daqueles cujas dificuldadesescolares se devem a outros fatores. O resulta-do é a Escala Métrica da Inteligência, publicadapor Binet e Simon em 1905, que será objetode diversas revisões e versões posteriores, tan-to na Europa como nos Estados Unidos.

O trabalho de Binet é de enorme impor-tância na história da perspectiva diferencial-psicométrica sobre a inteligência. Em primei-ro lugar, mostra que é possível medir direta-mente traços psicológicos complexos (raciocí-nio verbal, raciocínio quantitativo, etc.) e quesão esses traços complexos que dão conta dasdiferenças individuais no âmbito intelectual.

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Em segundo lugar, aponta uma caracterizaçãoda inteligência como conjunto de faculdades.capacidades ou habilidades que inicialmentepodem ser estudadas em separado, a fim de.posteriormente, compreender sua síntese. :\ ocaso da escala de Binet-Simon, tal síntese ado-ta a forma de "idade mental" (EM), a idademédia a que corresponde a pontuação obtidapela criança na escala (uma criança que resol-ve o teste no mesmo nível que uma criançamédia de sete anos teria uma idade mental desete anos). Alguns anos mais tarde, em 1912,Stern introduz a noção de "quociente intelec-tual" (QI), como resultado da fórmula "(idademental/idade cronológica) x 100", que rapi-damente será adotada como unidade-padrãode comparação do rendimento intelectual e,em última análise, de medida de inteligência.Em terceiro lugar, os procedimentos de medi-da elaborados por Binet serão mantidos em suaessência, em que pese a multiplicidade de refi-namentos e de adaptações posteriores, como abase de todos os testes padronizados de inteli-gência: criar um conjunto de itens que darãolugar a uma ampla variedade de rendimentoentre crianças do mesmo nível de idade; sele-cionar itens que formam uma sequência demenor a maior dificuldade, de maneira que,quanto maior for a criança, mais provável seráque supere um certo item; assegurar a corres-pondência entre o rendimento no teste e o ren-dimento escolar. Por último, os interesses e osobjetivos aplicados do trabalho de Binet per-manecerão em boa parte nos testes de inteli-gência posteriores: obter uma medida que pre-veja o êxito escolar e, de maneira mais geral,oferecer medidas e pontuações que podem serusadas para a tomada de decisões relaciona-das com a orientação e com o futuro acadêmi-co e profissional das pessoas.

Ao longo do desenvolvimento, a perspec-tiva diferencial-psicométrica sobre a inteligên-cia deu diversas respostas à questão sobre aestrutura das capacidades intelectuais. As duasprincipais alternativas formuladas encontram-se já nos trabalhos clássicos de Spearman eThurstone. Spearman (1927), a partir da evi-dência de uma correlação positiva entre as pon-tuações obtidas em diversos testes de habili-dades intelectual, propôs a idéia de que taiscorrelações se devem à existência de um fatorgeral (g) comum a todos os testes de inteli-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 133

gência e presente em todas as tarefas intelec-tuais. que atua junto com um rator específico:5:;' próprio de cada teste indi-jiual .. \ pro-posta :'ef:::-ça a :Ce:a c e ~'Je ::;5 :estes de inte-lige:1c:a prcporc.cr.a;a. ::.:=:' :::lei_ je 5'.12.pon-tuacão. uma :r"d::'a "1:-:'::3:-:3 '" 2"::s::;~'J:a dacapacidade i::Ee;e::U3.~ :'aô ::-=" =::5 _aLdotal idéia se vincula 3 ·..:..::r..a::=-.:e::_2..:: :::-.2.::'stada origem das diferen cas ::-.:.i-::.·..::::õ e:: 'J::13visão estática da in::eli5"e::::::-.=: '::::;::::.:::: :3deste volume), o resu.tado '" a :~:-:':i'::::;::=, .:12inteligência e dos testes de T.te::;e::l::2. ~'Jepredominaram durante muito teo::.: J e:1::'e csprofissionais da psicologia e da e:':.::a:ã:: ena sociedade em geral: a de que se t: inteli-gente quando se obtém uma pontuacàc dIZ:.

nos testes de inteligência, e se obtem C:IT.apontuação alta nos testes porque se é inteli-gente. Assim, o que em princípio era uma me-dida de inteligência (o QI) se transforma emsua essência, e os instrumentos de previsão dorendimento escolar (os testes) transformam-se em instrumentos de explicação desse rendi-mento: um aluno obtém um determinado ren-dimento escolar, bom ou mau, porque tem umdeterminado QI, alto ou baixo.

Por sua vez, Thurstone (1938), apoian-do-se no desenvolvimento de diversas técni-cas de análise fatorial, identificou um conjun-to de sete aptidões primárias que constituiriama inteligência (numérica, espacial, compreen-são verbal, fluidez verbal, velocidade percep-tiva, memória e raciocínio dedutivo), de ma-neira que qualquer fator geral deve ser enten-dido como "de segunda ordem", isto é, existin-do apenas em virtude das correlações entre asaptidões primárias. Essa caracterização mul-tifatorial da inteligência encontra-se na origemda elaboração de baterias de aptidões especí.i-cas dirigidas à mediação das diferentes apti-dões que formam a inteligência e motivou su-cessivos e diversos modelos fatoriais da inteli-gência.

As propostas mais recentes ca perspec-tiva diferencial-psicométrica integram. emcerta medida, as duas alternativas assinala-das mediante os chamados "m cd elos hierár-quicos da inteligência". De acerco com taismodelos, as aptidões intelectuais formariamuma hierarquia com um fator geral ~g) no ní-vel mais alto, um grupo mais ou menos am-plo de fatores principais no segundo nível, e

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:-ê.toresespecíficos no(s) nível(eis) mais bai-~:oCs) da hierarquia. Assim,por exemplo, omo-:ielo de Cattell (1971, 1987) coloca no segun-10 nível da hierarquia, abaixo de (g), dois fa-tores: a inteligência fluida (GF) e a inteligên-cia cristalizada (Gc). A inteligência fluida tema ver com a capacidade da pessoa para pensare raciocinar em termos de relações abstratas emuitas vezes novas, como nos testes de racio-cínio indutivo baseados em problemas de sériesou de analogias. A inteligência cristalizada re-laciona-se com a carga cultural, com o conhe-cimento e com as habilidades aprendidos, comoos que medem os testes de vocabulário, de in-formação geral ou de compreensão leitora. Porsua vez, o modelo de Carroll (1993a) repre-senta a estrutura da inteligência em três estra-tos hierárquicos: no primeiro encontra-se (g);no segundo, oito habilidades amplas (inteligên-cia fluida, inteligência cristalizada, capacida-de ampla de memória, percepção visual am-pla, percepção auditiva ampla, capacidadeampla de recordação, velocidade mental, ve-locidade de resposta); e em terceiro, um am-plo conjunto de habilidades específicas vincu-ladas a fatores do segundo estrato que resul-tam da experiência em tarefas particulares. Acaracterização hierárquica da inteligência écoerente com a elaboração de testes ou desubtestes que meçam aptidões intelectuais es-pecíficas da pessoa e cujas pontuações possam,ao mesmo tempo, combinar-se em um índiceglobal de inteligência geral.

Em síntese, é possível afirmar que a apro-ximação diferencial-psicométrica permitiu es-tabelecer alguns fatos específicos em torno dainteligência e sua relação com a aprendizagemescolar e, ao mesmo tempo, mostrou limita-ções importantes quanto à sua capacidade paraproporcionar uma análise explicativa e deta-lhada desses fatos. Assim, um primeiro fatobem-estabelecido é a existência de correlaçõesaltas entre as pontuações dos testes elabora-dos a partir dessa tradição e do rendimentoescolar, ou seja, a capacidade de previsão dostestes com relação ao rendimento escolar. Asrazões de tal valor de previsão, porém, são es-sencialmente desconhecidas. Um segundo fatorelaciona-se com os fatores subjacentes às cor-rslaçôes entre testes de inteligência: tanto acaracterização hierárquica das aptidões inte-

lectuais como alguns dos principais fatores pre-sentes nessa estrutura hierárquica (por exem-plo, a inteligência fluida ou a inteligência cris-talizada) são apoiados, atualmente, por umaampla evidência empírica; contudo, a com-preensão do que são essas aptidões e quais sãoas estratégias, os conhecimentos e os proces-sosnelas envolvidos, da perspectiva diferen-cial-psicométrica,é extremamente limitada. Emúltima análise, a perspectiva diferencial-psi-cométrica da inteligência aparentemente nãopode explicar, para além da rotulação dos fa-tores que apareçam na análise fatorial, o fun-cionamento da inteligência, nem tampouco osprocessos cognitivos que sustentam a condutainteligente.

Tais limitações são cruciais do ponto devista educacional e explicam a crescente insa-tisfação com relação aos testes tradicionais deinteligência que, nas últimas décadas, se difun-diram tanto entre os especialistas e os profis-sionais da educação quanto, em um sentidomais geral, no conjunto da sociedade. Por umlado, as pontuações dos testes talvez permi-tam selecionar as pessoas que possam benefi-ciar-se em maior medida de um certo tipo deensino e, inclusive, possam proporcionar algu-ma pista sobre os tratamentos e os materiaiseducacionais supostamente mais adequadospara diferentes alunos, mas não informam so-bre aquilo que é mais decisivo de uma pers-pectiva educacional, ou seja, como potencia-lizar e otimizar as capacidades intelectuais ede aprendizagem dos diferentes alunos; por ou-tro, ganha cada vez mais força a idéia de queos testes tradicionais de inteligência apresen-tam vieses notáveis que atuam em prejuízo dedeterminadas minorias culturais e de algunsgrupos sociais, e de que primam certos tiposde comportamento inteligente (o que podería-mos chamar de "inteligência acadêmica") en-quanto ignoram outros (como a "inteligênciaprática" ou a "inteligência social"). Além dis-so, as finalidades essencialmente previsivas,classificatórias e seletivas dos testes dificilmen-te se encaixam com as aspirações sociais e edu-cacionais em favor da igualdade de oportuni-dades e da prevenção e da compensação dedesigualdades sociais que atualmente se assu-mem como princípios e objetivos básicos daeducação escolar.

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A perspectiva do processamentohumano da informação

o programa de trabalho da perspectivado processamento humano da informação so-bre a inteligência enfrenta diretamente algu-mas das questões que, de acordo com o queacabamos de indicar, ficam pendentes de res-posta na aproximação diferencial-psicométricadas aptidões intelectuais. Em particular, pro-cura-se identificar e compreender dessa pers-pectiva os processos cognitivos de seleção, deorganização e de processamento da informa-ção envolvidos no comportamento inteligen-te, desenvolvendo modelos detalhados do fun-cionamento intelectual diante de determina-das tarefas. A elaboração de modelos proces-suais das tarefas habitualmente utilizadas paraavaliar a inteligência passa a constituir, assim,o principal objetivo desse enfoque, enquantoque a análise das diferenças interindividuaisse torna uma preocupação secundária.

Um dos procedimentos que responde maisdiretamente a tal objetivo é a chamada "análi-se componencial". Em essência, a análisecomponencial visa a identificar experimental-:nente, mediante estudos de laboratório ou pro-gramas informáticos de simulação apoiados naanálise cognitiva de tarefas, os "componentes"ou as unidades elementares de processamentoda informação envolvidos na resolução de ta-refas que aparecem habitualmente nos testesde inteligência, como também na maneiracomo tais componentes intervêm na realiza-ção da tarefa (em que ordem se aplicam, sobque regras se combinam, que modalidade deprocessamento utilizam, etc.).

Utilizando esse método, Sternberg (1980,1982) identifica cinco tipos de componentesde acordo com sua função na realização dastarefas: metacomponentes, componentes deexecução, componentes de aquisição, compo-nentes de retenção e componentes de transfe-rência. Os metacomponentes são processos decontrole utilizados para planejar as execuçõese a tomada de decisões; suas funções são iden-tificar o tipo de problema a resolver, selecio-nar os componentes de ordem inferior paracombiná-los adequadamente, selecionar umaou mais representações da informação sobreas quais estes operam, guiar o processo para a

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 135

solução final e decidir o tempo a empregar e onível de exigência e de qualidade na execu-ção; por tudo isso, sua importância no proces-so é absolutamente fundamental. Os compo-nentes de execução são os responsáveis dire-tos pela realização dos planos e das decisõesditados pelos metacomponentes. Os compo-nentes de aquisição são aqueles envolvidos naaprendizagem de novas informações. Os com-ponentes de retenção ocupam-se da recupera-ção de informação previamente apreendida.Por último, os componentes de transferênciasão os encarregados de passar ou de transferira informação de um contexto situacional a ou-tro. Os diferentes componentes devem atuarde maneira coordenada para a realização datarefa; nessa coordenação, os metacompo-nentes desempenham um papel essencial, porserem os únicos que podem não só ativar dire-tamente, como também receber retroalimen-tação dos outros.

Outra estratégia empregada de maneirahabitual pelos autores do processamento dainformação cujos resultados mostraram-se re-levantes para o estudo da inteligência é o es-tudo da maneira como os que têm experiên-cia em um determinado campo ou domínioresolvem as tarefas de tal domínio. Os estu-dos que seguiram essa estratégia mostram deforma consistente que uma das diferenças bá-sicas entre experientes e novatos é que aque-les dispõem de uma base de conhecimento es-pecífico mais ampla e, sobretudo, mais bem-organizada e de mais fácil acesso (Chi, Glasere Farr, 1988; Ericson, 1996). As diferenças en-tre uns e outros, portanto, não apenas têm aver com o fato de que os experientes sabemmais, como também de que dispõerr:. é.e me-lhores estratégias para armazenar e recupe-rar a informação: além de dispor c:.e mais co-nhecimento. os experientes podem ter acessoa ele facilmente e processá-l c é.e diversas ma-neiras. enquanto nos novatos J corihecimen-to existente muitas vezes fica inerte e nãochega a ser utilit ac c na r esoiuçàc das tare-fas. De acerco com tais resultados, parece cla-ra a necessidade de incorporar a caracteriza-çàc e a analise da intelig ericia a estrutura deconhecimentos da pessoa, assim corno as es-tratégias de organização, acesso e recupera-ção da informação.

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Tomados em conjunto, os trabalhos rea-lizados na perspectiva do processamento de in-formação desenham uma imagem da inteligên-cia com três tipos de elementos básicos (Bruer,1995): o conhecimento específico, as estraté-gias gerais de aprendizagem e de resolução deproblemas e as capacidades metacognitivas.Essa caracterização assume a importância naatuação inteligente tanto do conhecimento es-pecífico,vinculado a domínios concretos, comodas estratégias gerais, aplicáveis a uma amplavariedade de domínios distintos. De fato, assu-me-se que a possibilidade de dispor de umaampla variedade de estratégias de aquisição,armazenamento e recuperação da informaçãoe de empregá-las adequadamente é um dos tra-ços distintivos dos "principiantes inteligentes",ou seja, dos novatos em uma matéria específi-ca que aprendem mais rápido e mais eficiente-mente que outros. Ao mesmo tempo, a carac-terização ressalta também a importância dascapacidades metacognitivas, de controle e desupervisão consciente do uso das diferentesestratégias e de planejamento, acompanhamen-to e avaliação das próprias ações (ver os Capí-tulos 8 e 9 deste volume), outro traço típicodos principiantes inteligentes.

Com essa idéia global da inteligênciacomo fundo, a perspectiva do processamentode informação traz algumas respostas às ques-tões pendentes sobre o funcionamento intelec-tual e sobre as relações entre inteligência, ca-pacidade de aprendizagem e rendimento es-colar que assinalávamos ao avaliar os aportesda aproximação diferencial-psicométrica. Emprimeiro lugar, tal perspectiva permitiu formu-lar algumas hipóteses sobre os processos sub-jacentes aos fatores e às aptidões intelectuaismais consistentemente identificados a partir dapesquisa diferencial-psicométrica, e sobre ovalor previsivo dos testes clássicos de inteligên-cia com relação ao rendimento escolar.De fato,os testes que melhor prevêem o rendimentoescolar são aqueles cujas tarefas põem emjogoessencialmente os mesmos tipos de componen-tes envolvidos na aprendizagem escolar. Issoexplica, por exemplo, o fato de que os testesde vocabulário estejam entre os que melhorprevêem o rendimento escolar; esses testesi:nfatizam os componentes de aquisição, de:-~tenção e de transferência, assim como os::::.~tacomponentesque controlam esse tipo de

componentes, e o rendimento escolar depen-de, em grande medida, da aquisição de conhe-cimentos. Em geral, os testes saturados em in-teligência cristalizada enfatizam os componen-tes de aquisição, de retenção e de transferên-cia e, por isso, constituem bons previsores dorendimento acadêmico (Stenberg, 1985).

Em segundo lugar, a perspectiva do pro-cessamento da informação também ofereceaportes relevantes no que tange à elaboraçãode instrumentos capazes de proporcionar in-formações diagnosticas para a seleção das in-tervenções educacionais ótimas em cada caso.Por um lado, a análise cognitiva dos itens dostestes de inteligência em termos de conheci-mento especifico e das estratégias de proces-samento requeridos para sua resolução podecontribuir substancialmente para melhorar autilidade diagnóstica dos testes. Por outro, apesquisa cognitiva sugere a necessidade de queos instrumentos de diagnóstico que se utilizema serviço do ensino sejam capazes de avaliar ede medir uma série de aspectos cruciais para aaprendizagem escolar pouco considerados nostestes tradicionais, como os conhecimentos ouas idéias prévios dos alunos em relação a do-mínios específicos, as estratégias de aprendi-zagem de que dispõem ou suas capacidadesmetacognitivas (Wittrock, 1998). Além disso,as formulações da perspectiva do processamen-to de informação sobre a inteligência abrem aporta para o que alguns autores chamaram de"avaliação cognitiva dinâmica" da inteligência(por exemplo, Feurstein, Rand e Hoffman,1979; Campione e Brown, 1987). Esse tipo deavaliação, fortemente vinculado à perspectivasociocultural de inspiração vygotskiana sobrea aprendizagem e o desenvolvimento humano(ver o Capítulo 5 deste volume), supõe, de fato,uma reformulação radical dos objetivos e daspremissas da avaliação tradicional da inteligên-cia: nelajá não se trata de prever o rendimen-to futuro e de determinar o nível de aptidãoda pessoa pela mediação de suas execuções in-dependentes, mas o que se pretende é eviden-ciar o potencial de aprendizagem da pessoa,utilizando, para isso, uma avaliação interativa.

Em terceiro lugar, a perspectiva do pro-cessamento de informação sobre a inteligên-cia permitiu avanços substanciais no que assi-nalamos em um momento anterior como o as-pecto mais crucial da pesquisa sobre as capaci-

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dades intelectuais de uma perspectiva educa-cional: a busca de procedimentos que permi-tam modificar e otimizar tais capacidades. Porum lado, em um amplo número de trabalhoselaboraram-se modelos de ensino dirigidos apromover processos de mudança conceitual nosalunos, isto é, processos que permitam amelhoria da base de conhecimentos científi-cos dos alunos sobre diversos domínios na li-nha das características dessa base de conheci-mentos que apresentam os experientes nessesdomínios (por exemplo, Nussbaum e Novick,1982; Driver, 1986; Pozo, 1994). Por outrolado, um amplo conjunto de pesquisadorescentrou seus esforços no desenvolvimento deprogramas e de procedimentos para o ensinode estratégias gerais e específicas de aprendi-zagem, como também de capacidades cogniti-vas metacognitivas (ver Martín, 1999, parauma revisão geral de programas para "ensinara pensar" e os Capítulos 8 e 9 deste volume).

Os diversos avanços mencionados su-põem uma caracterização claramente dinâmi-ca da inteligência que contrasta fortementecom as concepções desta em termos de umacapacidade ou de um conjunto de capacidadeestáticas. Tal concepção supõe igualmente umaforma distinta de entender as relações entreaprendizagem e inteligência, que já não sãoconcebidas de forma unidirecional (a inteligên-cia como condicionante causal da aprendiza-gem e do rendimento escolar), mas antes emtermos bidirecionais: a inteligência tem umpapel na aprendizagem, mas também a apren-dizagem desempenha um papel decisivo no de-senvolvimento e melhoria da inteligência, eesta pode ser otimizada graças a determina-das formas de intervenção educacional.

As mudanças na maneira de entender ainteligência levaram alguns autores do proces-samento de informação a expor a necessidadede incorporar ao estudo das capacidades inte-lectuais aspectos que vão além dos tradicional-mente considerados por essa mesma aproxi-mação. Em particular, esses autores apontama necessidade de considerar a inteligência re-lacionada com ambientes do mundo real, rele-vantes para a vida cotidiana de tais ambientesde forma organizada e planejada por parte dapessoa. A proposta mais representativa dessasnovas formulações é a "teoria triárquica da in-teligência", apresentada por Stemberg (1985).

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A teoria retoma e amplia seus trabalhos ante-riores sobre os componentes da inteligência,concedendo-as em uma teoria mais ampla. Ateoria triárquica parte da premissa de que paraentender a inteligência é necessario compreen-der sua relação com três aspectos: J mundoexterno ao indivíduo, o mundo interno ao in-divíduo e sua experiência, que medeia as rela-ções entre osmundos externo e interno. ,-\5 tressubteorias que conformam a teoria dedicam-se à compreensão de tais relações.

Assim,asubteoria contextual ocupa-se dasrelações entre inteligência e mundo externo etrata de responder às perguntas sobre como ainteração com omundo afeta a inteligência daspessoas e como esta afeta a interação das pes-soas com o mundo. De acordo com essasubteoria, a inteligência é sempre voltada a as-segurar a adaptação dos indivíduos aos am-bientes do mundo real que são relevantes paraele. Isso implica que o comportamento inteli-gente é ao menos parcialmente determinadopelas características desse ambiente: a inteli-gência relevante em um tipo de sociedade oude cultura pode não sê-lo em outro, e vice-ver-sa. Para essa subteoria, a atuação inteligenteem relação aomeio pode implicar tanto a adap-tação aos ambientes existentes como a modifi-cação desses ambientes para tomá-los maisajustados às próprias habilidades, aos seus in-teresses ou aos seus valores, ou a seleção denovos ambientes que cumpram melhor essascondições. Por sua vez, a subteoria cornno-nenciol ocupa-se das relações entre inteligên-cia e mundo interno e procura responder àquestão sobre o que ocorre na cabeça das pes-soas quando atuam de forma inteligente Pararesponder à questão, a subteoria retcraa a dis-tinção entre metacomponentes. ::o:r..pc:1entesde aquisição e componentes de execução e sus-tenta que uma boa solução de ;:;:-[,::e:nasexi-ge sempre o concurso e a inter-relaçâo dessestrês tipos de componentes L::' ur.irn o. asubteoria experiencicl ocupa-se c.a relação dainteligência com sua e:.-:per:e:1c:ae trata deexplicar como a experiência cas pessoas afetasua inteligência e vice-versa. De acordo comessa subteoria. a inteligência manifesta-se tantona capacidade de enfrentar tarefas e situaçõesnovas como na automatização da atuação emface de tarefas conhecidas, e sua medida re-quer tarefas que exijam uma dessas capacida-

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des (ou ambas). o grau de experiência da pes-soa em relação à tarefa é, portanto, uma variá-vel crucial para a avaliação de sua atuação.

A teoria triárquica, de fato, ultrapassa oâmbito tradicional do estudo da inteligênciatanto da perspectiva diferencial-psicométricaquanto do processamento da informação. Emúltima análise, essa teoria aponta para umaconcepção mais ampla e plural da inteligênciaque supre a centração, comum a ambas as pers-pectivas, no que podemos chamar de "inteli-gência acadêmica ou escolar" e explore em pro-fundidade a diversidade de capacidades quepodem estar envolvidas no comportamento in-teligente. Esse tipo de concepção é precisamen-te o que subjaz às teorias não-unitárias da in-teligência, de que trataremos a seguir.

AS EXPLICAÇÕES NÃO-UNITÁRIASDA INTELIGÊNCIA

A teoria das inteligências múltiplas

A teoria das inteligências múltiplas, de-senvolvida por Gardner e seus colaboradoresno transcurso das últimas décadas do séculoXX (por exemplo, Gardner, 1983, 1993,1995,1999a, 1999b), parte de uma critica fron-tal à concepção unitária e unidimensional dainteligência que subjaz aos testes psicométricostradicionais, assim como à restrição, típica dasaproximações clássicas do estudo da inteligên-cia e muito arraigada no conjunto do pensa-mento ocidental, do conceito de inteligência aum conjunto específico de habilidades, de ap-tidões ou capacidades de caráter essencialmen-te lógico-matemático. Diante dessa visão "uni-forme", que, segundo Gardner, tem sua cor-respondência em uma concepção uniformiza-da da escola, do curriculo e da medida do êxi-to escolar, a teoria formula uma concepção es-sencialmente pluralista da mente que reconhe-ce muitas facetas distintas na cognição e quep:,stula a existência de diferentes tipos de po-tenciais cognitivos nas pessoas.

De acordo com tal visão pluralista, a teo-::2. das exigênciasmúltiplas sustenta que a com-:::erenciacognitiva dos seres humanos é mais':'::::=iuadamentedescrita em termos de um con-"':::':: :ie habilidades, de talentos ou de capaci-':';:::': mentais, chamados de "inteligências".

Cada uma dessas inteligências é definida como"um potencial biopsicológicopara processar in-formação que se pode ativar em um contextocultural concreto para resolver problemas oucriar produtos que têm valor para uma cultu-ra" (Gardner, 1999b). A expressão "inteligên-cias múltiplas" pretende ressaltar que há umnúmero elevado (e não-estabelecido a prioritde tais capacidades e que sua caracterizaçãodeve considerar e poder dar conta das habili-dades muito diversas que as pessoas desenvol-vem e que são relevantes para seu modo devida nos ambientes reais em que atuam. Aomesmo tempo, tal expressão quer assinalar queessas diversas capacidades são tão fundamen-tais como as detectadas pelos testes tradicio-nais de inteligência e pelas medidas de QI(Gardner, 1995).

Para identificar essas inteligências, a teo-ria se apóia em um conjunto amplo de infor-mações empíricas procedentes de diferentesfontes: conhecimento acerca do desenvolvi-mento normal e do desenvolvimento em indi-víduos superdotados, informação acerca da de-terioração das capacidades cognitivas em con-dições de lesão cerebral; estudos de popula-ções excepcionais, incluindo crianças-prodígio,idiot savants e autistas; dados acerca da evolu-ção filogenética da cognição; estudos sobre acognição em diferentes culturas; estudospsicométricos, incluindo análises de correla-ções entre testes; estudos psicológicos sobre aaprendizagem e a transferência. O exame detais informações realiza-se de acordo com umconjunto de critérios que uma determinada fa-culdade deve cumprir para ser consideradacomo uma inteligência. Dois desses critériosprocedem das ciências biológicas: a possibili-dade de que a capacidade possa isolar-se emcaso de dano cerebral e a existência de umahistória evolutiva (filogenética) plausível paraela. Outros dois procedem da análise lógica: aexistência de uma ou mais operações identi-ficáveis que desempenhem uma função essen-cial ou central na capacidade e na possibilida-de de codificação da capacidade em um siste-ma de símbolos. Outros dois procedem da psi-cologia evolutiva: um desenvolvimento bemdiferenciado e um conjunto definível de atua-ções que indiquem um estado final para a ca-pacidade e a existência de idiot savants, prodí-gios e outras pessoas excepcionais quanto à

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capacidade de que se trate. Os dois últimoscritérios procedem da pesquisa psicológica tra-dicional: o respaldo da psicologia experimen-tal e o apoio de dados psicométricos.

Partindo da aplicação de tais critérios, aversão clássica da teoria (Gardner, 1983) iden-tifica sete inteligências distintas: musical,cinético-corporal, lógico-matemática, lingüísti-ca, espacial, interpessoal e intrapessoal. Maisrecentemente, Gardner acrescentou à lista umaoitava inteligência, a que chamou de "natura-lista" (Gardner, 1999b). Essas inteligências sãodescritas, a seguir, de forma muito sumária:

inteligência musical: pode ser descritaem termos globais como a capacidadepara resolver problemas ou gerar pro-dutos utilizando o som e o silêncio; aoperação nuclear que a caracteriza éa sensibilidade para entonar bem, e osistema simbólico em que se codificaé a notação musical; compositores,músicos e bailarinos mostrariam, en-tre outros e tipicamente, em elevadograu, tal inteligência,inteligência cinético-corporol: é a capa-cidade para resolver problemas ougerar produtos utilizando o corpo oupartes dele; a operação nuclear que acaracteriza é o controle voluntário domovimento corporal, e o sistema sim-bólico em que se codifica, a linguagemcorporal; tipicamente, bailarinos, atle-tas, cirurgiões e artesàos, entre outros,a apresentariam em grau elevado;inteligência lógico-matemática: é a ca-pacidade para resolver problemas ougerar produtos utilizando a lógica e amatemática; a operação nuclear quea caracteriza é o raciocínio dedutivo eindutivo e codifica-se simbolicamen-te na notação lógica e na notação ma-temática; cientistas e acadêmicos, en-tre outros, a apresentariam em grauelevado;inteligência lingüística: constitui a ca-pacidade para resolver problemas ougerar produtos utilizando a linguagemverbal; a operação nuclear dessa inte-ligência é a sensibilidade aos traçosfonológicos e se codifica simbolica-mente na linguagem verbal; tipica-

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mente, seria apresentada em grau ele-vado, entre outros. ?or poetas e ro-mancistas:inteligência esoaci :': r2:::-2t-2 2. capaci-dade de resolver :;:=-:::==:',E C1.:.;e:'aTprodutos utilizanc c z.: é. 2:: 5 2 r epre-sentações espaciais: ó'c3 ::;:2:2.,2.: :1'-1-clear é a representacà : ::s;-2.:i2 e S2

codifica em representacc e s ~2:r::::;ra-ficas ou mapas; m arince.rcs. -2::;e-nheiros, pintores, escultores e explc-radores, entre outros, a apresentariamtipicamente em grau elevado:inteligência interpessoal: é a capacida-de para entender as outras pessoas (oque as motiva, o que pensam, comose sentem, quais são suas intenções.como relacionar-se com elas, etc.); aoperação nuclear dessa inteligência éa sensibilidade aos estados de ânimoe aos pensamentos dos outros; essa in-teligência manifesta-se habitualmen-te mediante sistemas simbólicos pró-prios de outras inteligências, como alinguagem corporal e gestual e a lin-guagem verbal; entre as pessoas queapresentariam essa inteligência tipica-mente e em grau elevado estariam pro-fessores, líderes religiosos e políticos,terapeutas, vendedores e médicos.inteligência intrapessoal: é a capacida-de para reconhecer e classificar as es-pécies e organismos, animais e plan-tas, do ambiente, como também paracuidar deles, domesticá-los e interagircom eles; sua operação nuclear é o re-conhecimento de certas espécies pró-ximas e o estabelecimento de relaçõesentre umas espécies e outras: os dife-rentes sistemas lingüísticos e taxonó-micos para classificar plantas e animaiscodificariam simbolicamente esta inte-ligência, que seria apresentada em grauelevado, tipicamente e entre outros. porbotânicos ou entomologistas.

A teoria afirma que todas as pessoas têmessas inteligências em algum grau: todos osmembros da espécie humana. pelo fato de se-rem humanos, nascem com todas essas capa-cidades. Ao mesmo tempo, a teoria postula quetodas as pessoas são diferentes no grau em que

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:;:;ossuem essas inteligências e em sua combi-nação: não há duas pessoas que tenham exa-tarriente as mesmas e em iguais condições. Umaafirmação básica da teoria, a esse respeito, éque as diferentes inteligências são independen-tes entre si em um grau significativo. Isso querdizer que o fato de uma pessoa se destacar emuma área não supõe necessariamente que devadestacar-se em outras, e que o mesmo ocorrecom as deficiências; na prática, as pessoas po-dem destacar-se, ou render abaixo do normal,em duas ou três inteligências. A independên-cia das inteligências contrasta de forma radi-cal não só com as correlações habitualmenteobservadas entre as pontuações das pessoas emdiferentes testes de inteligência, como tambémcom a evidência empírica que apóia a existên-cia de um fator (g). A esse respeito, a teoriaafirma que as correlações se explicam porqueas tarefas dos testes medem no geral e de fatoum mesmo tipo de habilidade: a habilidadepara responder rapidamente a questões de tipológico-matemático e lingüístico. Portanto, nãonega a existência de (g), mas questiona suaimportância explicativa fora do âmbito relati-vamente estreito do tipo de tarefas que servemde referência e ressalta a distorção que signifi-ca adotá-lo como medida global de inteligên-cia, visto que qualquer papel cultural com al-gum grau de complexidade requer uma com-binação de inteligências.

A teoria das inteligências múltiplas gerouum notável interesse no âmbito educacional.De fato, Gardner participou no desenvolvimen-to de diversos programas educacionais que seapóiam, de diferentes maneiras, nas afirmaçõesda teoria (ver Gardner, 1995, para uma apre-sentação de alguns desses programas) e dedi-cou uma atenção considerável em suas obras àreflexão sobre as implicações educacionais dasinteligências múltiplas (por exemplo, Gardner,1993, 1995, 1999a, 1999b). Pelo menos duasidéias básicas estruturam essas implicações. Aprimeira é a recusa frontal ao que chama de"ensino uniforme" e a aposta em um ensino"centrado no indivíduo", que assuma como eixoas diferenças individuais entre os alunos. A se-g-unda é a necessidade de situar a compreen-sàc como objetivo fundamental da educação e':12 levar em conta as diferentes inteligências.: ~'S alunos para promover uma compreensão,,::1 profundidade dos conteúdos escolares.

A recusa do ensino uniforme e a apostaem um ensino centrado no indivíduo são con-seqüência direta das afirmações da teoria sobrea diversidade dos perfis de inteligência das pes-soas. Para Gardner, o ensino uniforme, baseadona crença de que todas as pessoas devem estu-dar as mesmas matérias com os mesmos méto-dos e serem avaliadas da mesma maneira, apóia-se no pressuposto de que todas as pessoas sãoidênticas. Contudo, tal pressuposto é falso: nãohá duas pessoas idênticas, pois cada uma asso-cia suas inteligências de maneiras distintas e comconfigurações distintas; nem todos temos asmesmas motivações e os mesmos interesses,nem aprendemos da mesma maneira. A alter-nativa é um ensino que leve a sério e assumacomo eixo as diferenças individuais, desenvol-vendo, na medida do possível, práticas que seadaptem a essa diversidade. Para Gardner, oensino centrado no indivíduo não é necessaria-mente incompatível com a existência de umcurrículo obrigatório comum, mas requer queos diversos alunos possam estudar os conteú-dos e serem avaliados de maneiras distintas.

Nesse sentido, o ingrediente essencial deuma escola centrada no indivíduo é a existên-cia de um sistema de avaliação das capacidadese das tendências individuais que permita com-preender, com a maior sensibilidade possível,as diversas habilidades e os interesses dos alu-nos. Obviamente, tal avaliação não pode apoiar-se nos instrumentos e nas práticas tradicional-mente empregados para esse efeito, mas requerum enfoque radicalmente distinto. A obtençãode informação de maneira contínua e no cursodo trabalho habitual; o uso de instrumentos queobservem diretamente as diversas inteligênciase não sejam desviados em favor de alguma de-las; a validade ecológica das observações reali-zadas e o uso de múltiplas medidas; a sensibili-dade para as diferenças individuais, os níveisevolutivos e as diversas formas de habilidade; autilização de materiais intrinsecamente motiva-dores e interessantes e o uso dos resultados daavaliação em benefício do aluno e como ajudapara ele são alguns dos traços que podem defi-nir o novo enfoque da avaliação (Gardner,1995). Ao mesmo tempo, Gardner ressalta quea importância atribuída à avaliação nesseenfoque não deve de modo nenhum levar àrotulação prematura e/ou a uma determinaçãoprecoce do futuro acadêmico ou profissional dos

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alunos; trata-se, em contrapartida, de descobrirque tipos de experiências educacionais podembeneficiar em maior medida os diferentes alu-nos, apoiar e aproveitar seus pontos fortes epoder atender e compensar os pontos fracos queforam detectados.

O objetivo último a que deve servir umensino desse tipo é, para Gardner, "proporcio-nar a base para potencializar a compreensãode nossos diversos mundos: o mundo físico, omundo biológico, o mundo dos seres huma-nos, o mundo dos artefatos e o mundo pessoal":Gardner, 1996b). A compreensão supõe quese aplique o conhecimento aprendido de formaapropriada a uma nova situação em que esseconhecimento é relevante e implica, portanto,a funcionalidade do aprendido, no duplo sen-tido de sua utilização em diversos contextos e",'ariadas situações, e de integração da infor-:nação em contextos conceituais mais amplos.

A partir dessa formulação, Gardner pro-?õe que o ensino da compreensão passe porajudar os alunos a conhecer e empregar as for-::las de pensamento de determinadas discipli-nas, como a ciência, a arte e as disciplinas:-:umanísticas, permitindo-lhes explorar em::-::ofundidade alguns exemplos de como pensa:: atua um cientista, um artista ou um hu-zianista. A questão, contudo, não é fazer dos.::.:unos especialistas em miniatura em uma de-.erminada matéria, mas conseguir que utilizem:;:':5 formas de pensamento para compreender:::'.1 próprio mundo por meio da obtenção de: :::mpreensões básicas sobre a verdade, a bele--::c:.e a bondade (sobretudo o que em um deter-=:nado contexto cultural é considerado ver-':2.deiro - ou falso, belo - ou desagradável - e'::-':::m- ou mau) (Gardner, 1999a). A proposta':'2 centrar a ação educacional em um númeroz.ais ou menos pequeno de exemplos dessas:::Tl1as de pensamento é, para Gardner, uma: :nseqüência do fato de que a compreensão é'::.:'ícil e requer quantidades consideráveis de::::npo e de trabalho. Dessa perspectiva, tratar':::::incluir "tudo" no currículo dos alunos é con-::.:.--aproducente.

Levar em consideração as inteligências=·':ltiplas dos alunos é, nesse contexto, um2::c::iO para chegar à compreensão. Tal consi-.:""ação implica considerações de tipo diverso.é~;umas são de caráter evolutivo: as inteligên-:::os se manifestam de diferentes formas nos

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diferentes níveis evolutivos, e isso deve ser le-vado era conta para oferecer, a cada momen-:0. 'J tip ; :ie apoios mais adequados. Por exem-plc. n:::s ~:llir::lei::05a.105 da escolaridade, os alu-nos se ber.efic.aràc d::õ'.10 contexto rico e di-verso. corr; materiais 2 ::õc;:.:.ipa::nentosque lhespermitam indagar e e:·:? e:':r:;:enta; suas diferen-tes capacidades e ':1a:iL::3.c:.es: r:::s:eriormen-te, de um ensino orientad::: 2. aqu.s.çào dos di-ferentes sistemas notacronais e 2. ::::Õ}2.2àDdes-ses sistemas com conhecirnentcs e 2.::,.--:c.adespráticas; na adolescência e mais trc:.E:..::c ajusteentre inteligência e carreira profissional. Ou-tras considerações têm a ver com a uti.izaçàodas inteligências múltiplas para melhorar acompreensão. A esse respeito, Gardner assina-la a importância de oferecer múltiplas "ias deacesso (narrativas, numéricas, lógicas, existen-ciais, estéticas, práticas, interpessoais) aos con-teúdos a trabalhar, múltiplas analogias e me-táforas sobre eles e múltiplas representaçõesdas suas idéias essenciais. Um terceiro grupode considerações tem a ver com a avaliação.Nesse ponto, Gardner aposta em uma avalia-ção contínua, que promova a auto-regulaçãodo aluno e que esteja baseada na atuação, istoé, no comportamento do aluno diante de si-tuações reais nas quais tenha de pôr em jogo etomar funcional o conhecimento aprendido, re-solvendo algum tipo de problema ou elaboran-do algum tipo de produto. As provas baseadasna atuação, a avaliação por itens, os projetosou as demonstrações em público são alguns dosinstrumentos em que se pode concentrar essetipo de avaliação (Gardner, 1995).

A inteligência bem-sucedida

O criador da teoria triárquica. Srernberg,posteriormente ampliou ainda mais sua carac-terização da inteligência mediante c. r.ocào de"inteligência bem-sucedida". A. inteligênciabem-sucedida, de acordo corn S:ernberg(1997), é a realmente importante na vida, aque se emprega para alcançar objetivos impor-tantes e a que apresentam aqueles que tive-ram êxito, seja segundo seus padrões pessoais,seja segundo os dos demais. Essa inteligênciatem pouco a ver com a que é medida pelos tes-tes tradicionais e pelas pontuações de QI. Deacordo com Sternberg, tais testes remetem

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unicamente a uma parte pequena e não muitoimportante - ainda que supervalorizada esco-lar e academicamente - de um espectro inte-lectual muito mais amplo e complexo, e me-dem essencialmente a "inteligência inerte", istoé, potencialidades que não levam necessaria-mente a um movimento ou a uma ação dirigida,que não têm por que saber usar para produzirmudanças reais na vida, para simesmo ou paraos demais. Segundo Sternberg, a noção de quehá um fator geral de inteligência que se podemedir com o QI é falsa e se baseia no fato deque todos os testes de inteligência tradicionalmedem essencialmente o mesmo leque redu-zido de habilidades.

Para Sternberg, a inteligência bem-suce-dida implica três aspectos: um aspecto analíti-co, um aspecto criativo e um aspecto prático.Oprimeiro é usado para resolver problemas, osegundo para decidir que problemas resolvere o terceiro para pôr em prática as soluções.Os testes convencionais de inteligência medemunicamente o aspecto analítico da inteligên-cia, e nem sequer por completo. Esses três as-pectos são considerados relativamente inde-pendentes entre si, e de fato se conceituam,cada um deles, como uma inteligência especí-fica.Comisso, Sternberg assinala o caráter múl-tiplo, não-unitário, da inteligência.

A inteligência analítica é a capacidadepara analisar a avaliar idéias, resolver proble-mas e tomar decisões. Os testes tradicionaisde inteligência medem habilidades analíticas,mas apenas parcialmente: a parte dessas habi-lidades mais pertinente ao rendimento esco-lar.Ainteligência analítica, portanto, não equi-vale à inteligência acadêmica medida por es-ses testes, ainda que possa incluí-la. Global-mente, a inteligência analítica supõe capaci-dades de reconhecimento de problemas, de suadefinição correta, de planejamento e de for-mulação de estratégias para sua resolução, derepresentação da informação, de designaçãode recursos para resolver os problemas e decontrole e avaliação das decisões tomadas cor-rigindo erros à medida que são descobertos.Tambémimplica poder pensar heuristicamentepara resolver problemas, saber superar situa-coes de bloqueio e analisar os problemas demaneira flexível reconhecendo os limites da ra-=:Jr.alidade e as armadilhas em que pode cair: proprio pensamento.

A inteligência criativa, por sua vez, é acapacidade para ir além do dado e engendrarnovas e interessantes idéias, para descobrir no-vos e bons problemas. A inteligência criativaestá relacionada com o pensamento sintético,com a capacidade de perceber conexões queoutras pessoas não vêem. As pessoas criativascom inteligência bem-sucedida questionam ospressupostos geralmente aceitos, permitem-secometer erros, assumem riscos sensatos, bus-cam tarefas que permitam a criatividade, defi-nem e redefinem ativamente os problemas,concedem-se tempo para pensar criativamen-te, toleram a ambigüidade, compreendem osobstáculos que supõe a criatividade, estão dis-postas a sair das casinhas que elas próprias eos outros construíram e reconhecem a impor-tância de adaptar-se ao meio social.

A inteligência prática, finalmente, é a ca-pacidade para traduzir a teoria na prática eas teorias abstratas em realizações práticas; éa que habilita as pessoas a solucionarem pro-blemas no mundo real. Diante dos problemasacadêmicos tradicionais, as situações da vidareal colocam-se muitas vezes como problemasmaldefinidos (que é necessário não apenas re-solver,mas também formular), comportam im-portantes conseqüências pessoais e não têmuma única resposta correta. A pessoa com in-teligência prática caracteriza-se por adquirire usar com facilidade um tipo particular deconhecimento, o conhecimento tácito: um co-nhecimento orientado para a açáo, que reme-te a usos particulares em situações particula-res e que permite adaptar-se a um determi-nado meio, compreender como funciona efazê-lo funcionar em benefício próprio. Aspessoas com inteligência prática buscam ati-vamente o conhecimento tácito implícito emuitas vezes oculto em um meio determina-do e o utilizam para selecionar o meio, adap-tar-se a ele e amoldá-lo.

Sternberg afirma que a inteligência bem-sucedida é mais efetiva quando equilibra o as-pecto analítico, o criativo e o prático: é maisimportante saber como e quando usar os as-pectos da inteligência bem-sucedida do quesimplesmente tê-los. Aspessoas com inteligên-cia bem-sucedida não apenas têm habilidades,mas também refletem sobre quando e comousar essas habilidades de maneira efetiva. As-sim, a inteligência não é essencialmente uma

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questão de quantidade, mas de equilíbrio. Aspessoas com inteligência bem-sucedida assu-mem seus pontos fortes e fracos e buscam amaneira de explorar ao máximo os primeiros ecorrigir ou reparar os segundos.

Em um trabalho recente, Stemberg (1998)propôs um conjunto de princípios básicos paratranspor à prática educacional sua teoria so-ore a inteligência bem-sucedida. Esses princí-?ios incorporam, por sua vez, idéias prove-nientes da teoria triárquica da inteligência.Stemberg assinala que muitos desses princí-pios podem ter sido propostos previamente poroutros autores, mas que sua compilação lhesconfere singularidade. Muito esquematicamen-te, são os seguintes:

o objetivo do ensino é a criação dahabilidade mediante uma base de co-nhecimento bem organizada e facil-mente acessível;

- a instrução deve implicar o ensino dopensamento analítico, criativo e prá-tico, além da memorização; ensinar opensamento analítico supõe ajudar osalunos a analisar, a comparar e a con-trastar, a avaliar e a explicar; ensinaro pensamento criativo supõe ajudar osalunos a criar, a planejar, a imaginar ea conjeturar; ensinar o pensamentoprático supõe ajudar os alunos a utili-zar, a aplicar e a implementar;

- a avaliação deve implicar tambémcomponentes analíticos, criativos epráticos além de memorísticos;

- o ensino e a avaliação devem permitiraos alunos identificarem e capitalizaremseus pontos fortes, assim como identifi-car, corrigir e compensar seus pontosfracos;

- o ensino e a avaliação devem pôr emjogo os diversos metacomponenetes en-volvidos na resolução de problemas(identificar e definir o problema, plane-jar estratégias para sua resolução, etc.);o ensino e a avaliação devem pôr emjogo componentes de execução relacio-nados com a codificação da informa-ção, a inferência, a aplicação, a com-paração de alternativas e a resposta;

- o ensino e a avaliação devem pôr emjogo componentes de aquisição rela-

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cionados com a codificaçào, a compa-ração e a combinação seletiva de in-formação;

- o ensino e a avaliação devem levar emconta as diferenças individuais quan-to às modalidades preferidas de repre-sentação. entrada e saida de informa-ção (verbal, numérica, gráfica, etc.);

- o ensino mais adequado é o que se si-tua em uma zona de "distância ótima"quanto à novidade da informação,como também o que aponta para aautomatização;

- o ensino deve ajudar os alunos a seadaptarem a seus ambientes, selecio-ná-los e amoldá-los;

- o ensino e a avaliação devem integrar,mais do que separar, os diversos as-pectos da inteligência.

Para além do indivíduo:a inteligência distribuída

As posições representadas pela teoriatriárquica da inteligência, a teoria das inteli-gências múltiplas ou a inteligência bem-suce-dida comportam um claro distanciamento dospressupostos clássicos sobre a natureza da in-teligência. Esse distanciamento se produz pa-ralelamente ao esforço por estudar e compreen-der o comportamento inteligente para além dastarefas psicométricas clássicas ou de laborató-rio, interessando-se pelo funcionamento da in-teligência em contextos naturais e diante desituações e de tarefas cotidianas. Alguns auto-res deram um passo a mais nesse processo ado-tando uma concepção da inteligência e dacognição que toma como ponto de partida suanatureza distribuída (ver, por exemplo, Resnick,Levine e Teasley, 1991; Salomon, 1993,Hutchins, 1995; Resnick e Collins, 1996).

O pressuposto básico de tal concepção, for-temente influenciada pelas formulaçõessocioculturais do desenvolvimento da aprendi-zagem, é que a cognição, assim como as ferra-mentas, os artefatos e os sistemas simbólicos, éalgo compartilhado pelos indivíduos, de maneiraque o pensamento está situado em contextosparticulares de intenções, colegas, instrumen-tos, além de distribuído socialmente. Os estu-dos da atuação cognitiva em situações reais e

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complexas de trabalho mostram que o pensa-mento é ampliado - e limitado - pelas ferra-mentas e pelos artefatos que compartilham acarga mental com as pessoas. Tais ferramentas,assim como os sistemas simbólicos, que se em-pregam no transcurso da atividade, permitemàs pessoas perceber e pensar de um modo quenão seria possível sem ajuda.

Uma premissa fundamental da caracteri-zação distribuída da inteligência é que já nãose considera o pensamento como situado uni-camente no indivíduo nem como algo que acon-tece à margem ou de maneira separada da ati-vidade que a pessoa realiza e dos instrumen-tos que medeiam essa atividade (ver o Capítu-lo 6 deste volume). A unidade de análise maisadequada para o estudo da inteligência já nãoé, dessa perspectiva, o indivíduo ou seus pro-cessosmentais à margem da atividade e do con-texto, mas a pessoa envolvida em uma ativida-de que é, por natureza, social e contextualmen-te situada, além de medida por instrumentos.A comunicação entre os atores da situação éconsiderada, assim, como um processo internoao sistema de atividade que os atores desen-volvam, e as formas e os códigos de represen-tação empregados durante a atividade tambémsão considerados internos a esse sistema. Tudoisso supõe um giro absolutamente radical comrelação às concepções tradicionais da inteligên-cia e às formas tradicionais de estudá-la.

As concepções distribuídas da inteligên-cia têm importantes implicações educacionais,algumas das quais se entrelaçam com propos-tas e formulações desenvolvidas da perspecti-va sociocultural do desenvolvimento e daaprendizagem (ver Capítulo 5 deste volume).Encontramos um exemplo concreto de tais re-;:ercussões na proposta de organizar as salas:..::aula como "comunidades de aprendizes"'por exemplo, Brown e Campioni, 1994;

Rogoff, 1994). As comunidades de aprendizesse apresentam como contextos apropriadospara facilitar a professores e alunos que apren-dam uns com os outros. Aperícia distribuída éum dos princípios básicos em que se apóiamtais contextos: a classe se organiza medianteuma estruturação de grupos cooperativos detipo "quebra-cabeça", em que cada aluno é res-ponsável por uma parte do trabalho, na qualse toma especialista, e precisa transmitir talperícia aos seus companheiros. Outro dos prin-cípios básicos é a aprendizagem contextuali-zada e situada: para isso, tenta-se deixar cla-ras as metas das tarefas e reforçam-se as rela-ções entre as atividades escolares e a realida-de externa à escola. A importância atribuídaàs estratégias de aprendizagem e metacog-nitivas, a apropriação pessoal do conhecimen-to compartilhado, a estrutura dialógica da ati-vidade na sala de aula, a valorização da diver-sidade e o respeito aos aportes de todos os par-ticipantes são, igualmente, princípios que re-gem esse tipo de salas de aula.

Não obstante suas diferenças óbvias esuas origens díspares, os princípios em que seapóiam as comunidade de aprendizes, os prin-cípios educacionais derivados da teoria triár-quica e da noção de inteligência bem-sucedi-da, e as implicações educativas da teoria dasinteligências múltiplas também apresentamalgumas coincidências que vale destacar. Emparticular, previnem contra um ensino basea-do em premissas seletivas, academicistas eunifonnizadoras, apostando em contrapartidaem um ensino a serviço da otimização e doaproveitamento das diversas capacidades in-telectuais de todos os alunos. O futuro da pes-quisa socioeducacional sobre a inteligência, anosso ver, está indissoluvelmente vinculado àconsolidação, ao aprofundamento e ao desen-volvimento de tal aposta.

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8 o uso estratégicodo conhecimentoJUAN IGNACIO POZO, CARLES MONEREO E MONTSERRAT CASTELLÓ

INTRODUÇÃO: O PROBLEMAÉ QUANDO APRENDER

Imagine o leitor que tem de enfrentar umatarefa desagradável, que continua ocupandoainda muitos alunos, como aprender a tabelados elementos químicos ou Tabela Periódica,da qual talvez o leitor guarde uma má lem-brança de seus tempos de escola (ver Quadro8.1). O que pode fazer para abordar a temidaprova da próxima quarta-feira com maior pro-babilidade de êxito? Sem dúvida, a forma maisfácil e imediata, a que rotineiramente porá emprática a maioria desses alunos, será repassaressa longa lista de nomes, símbolos e númerosalgumas vezes seguidas, oralmente ou por es-crito, até conseguir reproduzi-la com exatidão.Mas talvez a lista de símbolos e característicasdos elementos seja muito longa para aprenderpela simples repetição. Nesse caso, será neces-sário recorrer a algum truque ou sistema mne-motécnico que permita elaborar o material deaprendizagem, relacionando os elementos en-tre si mediante algum sistema externo à pró-pria tabela, como, por exemplo, formando pa-lavras (por ex., chalina para Ch, Li, Na; oubaconiano para B, C,N, O) ou inclusive frasescom os símbolos químicos, o que sem dúvidaajudará a recordá-los mais facilmente no mo-mento da prova. Mas não é fácil encontrar pa-lavras para todos os símbolos, pelo menos res-peitando a ordem da tabela, ou, mesmo que seencontrem, podem levar a erros ao recordar(por exemplo, depois de recordar baconiano,o símbolo de nitrogénio era N ou Ni?). Dessemodo, o leitor pode recorrer a um procedimen-to ainda mais complexo, mas sem dúvida mais

eficaz, para aprender a Tabela Periódica: bus-car as relações dentro da própria tabela, isto é,tentar recordar os elementos a partir de suaprópria organização. Assim, poderia ver quetodos os elementos da primeira coluna da Ta-bela Periódica têm uma estrutura cuja série(não aparece nesta tabela) acaba com um 1,todos os da segunda coluna têm uma estrutu-ra cuja série acaba em um 2..., etc. Se sabe oque isso significa - que têm um único elétronem sua última camada, dois no caso da se-gunda coluna, etc. - o ajudará a recordarmelhor. De fato, a distribuição dos elementosna tabela não é aleatória, mas responde à suaorganização interna. Organizar tais elemen-tos, ou tentar descobrir sua própria organiza-ção, pode ser a forma mais eficaz de aprendê-los, já que possivelmente produzirá umaaprendizagem mais duradoura e transferíveldos traços que devem definir toda boa apren-dizagem (Pozo, 1996).

De fato, o leitor poderia fazer muitas coi-sas diferentes diante do problema de ter deaprender a Tabela Periódica. As que ilustramos- repassar, elaborar e organizar - são três ma-neiras de abordá-lo que, se respondem a umpropósito deliberado, intencional, por parte doleitor, suporão o uso de outras estratégias deaprendizagem da Tabela Periódica. Quando umaluno ou um aprendiz reconhece um proble-ma ou uma dificuldade de aprendizagem e pla-neja ou seleciona ações ou procedimentos es-pecíficospara enfrentar tal problema, podemosdizer que está fazendo um uso estratégico deseus conhecimentos.

Mas nem sempre é assim. De fato, commuita freqüência, os alunos limitam-se a se-

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QUADRO 8.1 Sistema de períodos dos elementos químicos

13118

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171 H2e1118

14118

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guir certas rotinas de aprendizagem, certoshábitos, seja porque as próprias situações deaprendizagem e ensino que enfrentam são, emsi mesmas, rotineiras, seja porque não as per-cebem como um problema, ou uma situaçãonova, que mereça um tratamento estratégico ..Assim,pode ser que muitos alunos, obrigadosa recordar a Tabela Periódica completa, talcorno aparece no Quadro 8.1, ou outros mate-riais de estudos similares, limitem-se a aplicar3.5 rotinas habituais de repassar, sem estar COllS-

::~ntes de sua ineficácia nessas condições. Isso=,==:-:-e. por exemplo, em uma situação como a::'~:O se segue. Em uma aula de história con-

temporânea, o professor, como costuma fazer,apesar de ser um bom conhecedor e um entu-siasta de sua matéria, ou talvez por isso, apre-sentou a seus alunos uma explicação um tan-to quanto desordenada, em que as idéias apa-rentemente iam e vinham, misturando-se di-ferentes conceitos e aproximações historio-gráficas com a introdução inesperada de al-gum episódio anedótico, que geralmente fazcom que os alunos percam o fio condutor daexposição. Depois da aula, Eduardo, Palomae Daniel, três alunos que em algum momentoperderam esse fio, querem completar suasanotações e, para isso, decidem cotejar o que

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uns e outros anotaram, dando margem ao se-guinte diálogo:

Eduardo: Na verdade, eu tentei anotarquase tudo. Acho que é melhor fazer assim.dessa maneira tenho todo o material dado emaula e depois posso revisá-lo melhor.

Daniel: Não sei por que você anota tudoao pé da letra, não tem sentido, pois o que cai-rá nas provas está no livro-texto. Euprefiro ano-tar coisas interessantes; por exemplo, escrevibasicamente aquilo que explicou sobre a aman-te de Hitler, que tinha um médico judeu. Que., I ~?cimsmor, nao.

Paloma: Sim é curioso, mas para mim épouco importante do ponto de vista da matériaem seu conjunto, não? Procurei captar a estru-tura da aula, isto é, os itens fundamentais doque explicava e algumas idéias que me parece-ram chave dentro desses itens. Depois, em casae com o livro, posso completar meus esquemas.

Eduardo: Olha, Paloma, eu não consigoentender essas anotações esquemáticas quevocê faz. Vocênão fica com medo de não ano-tar alguma coisa importante? Além disso, nãodá para anotar e pensar enquanto anota. Émelhor pôr no "automático" e anotar tudo,depois "estudar".

Paloma: Sim, claro, e depois acontece quenem você, que não lembra nada do que se dis-se na aula e não entende muitas coisas que es-creve. Além disso, lembra o que nos disse aSuzana, que fez esta matéria no ano passado:nem todas as perguntas que fazem na provasão de estudar muito, de ficar pensando, e dojeito que é o professor, do jeito que gosta dediscutir conosco algumas de suas teorias, nãoestranharia nada de nada.

Daniel: Mas, Paloma, eu insisto que é ab-surdo anotar tanta informação havendo umtexto básico. Além disso, às vezes as explica-ções são tão confusas que nem vale a pena es-forçar-se tanto.

Paloma: Olha, em primeiro lugar o livro-texto deve ser estudado e aprendido e eu, quan-do seleciono a informação e anoto comminhaspróprias palavras, sinto que vou retendo, queentendo à medida que anoto. O esforço pordar uma certa ordem acho que compensa. Emais cedo ou mais tarde vocês terão de fazeresse esforço, porque sem esforço não se apren-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 147

de! Mas é que, além disso, na prova costumamcair algumas questões que só foram explicadasna aula .. é uma coisa que o professor tambémrepete sempre.

.:\ aprendizagem da Tabela Periódica re-quer uma aproximação estratégica. porque aquantidade de informação e a forma como deveser recuperada para a prova de quarta-feira fazcom que não sejam suficientes os procedimen-tos habituais de repassar, e o aluno que nãoperceber o problema pode pagar caro por seuerro. No caso dessa aula de história contem-porânea é o discurso, apaixonado mas um tan-to desordenado, do professor e sua possível dis-tância dos formatos da prova que torna a tare-fa de tomar notas em um problema, emboranem todos os alunos percebam isso (Monereoe outros, 2000). Assim, Eduardo limita-se aaplicar suas rotinas habituais, tomando notasliterais e exaustivas sem se perguntar da utili-dade dessas notas para estudar a matéria.Daniel é mais seletivo, mas tem dúvida se fezuma boa avaliação do problema que enfrentae antepõe seus próprios interesses a uma dasmetas que deveriam orientar suas decisões: teras máximas possibilidades de ser aprovado naprova. Paloma seria a que melhor compreen-deu o problema de aprendizagem que enfren-ta e, portanto, é a mais estratégica, com ano-tações seletivas e personalizadas em função doque sabe da prova e das características estru-turantes da matéria.

O êxito do ensino, a obtenção de umaaprendizagem mais eficaz nessas e muitas ou-tras situações depende, entre muitos outros fa-tores tratados em diferentes capítulos deste vo-lume, de como o aluno administra ou usa seusconhecimentos e suas habilidades para fazeranotações melhores ou para lembrar melhor aestrutura da TabelaPeriódica (ver Quadro 8.1).Esse uso deliberado e intencional dos própriosconhecimentos chamamos de estratégias deaprendizagem, noção que já em princípios doanos 1980 era definida por autores pioneiroscomo Nisbet e Shucksmith (1986) e Danserau(1985), considerando-as seqüências integradasde procedimentos ou atividades que se elegemcom o propósito deliberado de facilitar a aqui-sição, o armazenamento e a utilização da in-formação.

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Nos últimos anos, as estratégias de apren-dizagem assumiram uma importância cada vezmaior, tanto na pesquisa psicológica como naprática educacional, devido a um triplo impul-so que veio transformar o aprender a aprenderem uma das metas fundamentais de qualquerprojeto educacional (Pozo e Monereu, 1999).Por um lado, as teorias psicológicas da aprendi-zagem abandonaram progressivamente os mo-delos segundo os quais o sujeito era um meroreceptor passivo de informação, e o seu conhe-cimento uma simples réplica dos saberes querecebia, para aproximar-se de posições nasquais o aluno deve envolver-se ativamente nagestão de seu próprio conhecimento, que serágerido como conseqüência do processamentoda nova informação a partir de outros conhe-cimentos anteriores. Embora tal fator seja mui-to importante para os que se dedicam à psicolo-gia - e de fato no próximo item analisaremosem detalhe como as posições evoluíram -, asua influência teria sido mínima se não hou-vesse coincidido um segundo fator, as novasexigências sociais deformação. Na sociedade daaprendizagem e do conhecimento na qual vi-vemos como conseqüência das novas tecnolo-gias da informação (Pozo, 1996), há uma cres-cente exigência de capacidades de aprendiza-gem nos alunos e futuros cidadãos, tal comoprevê o chamado Informe Delors elaborado porespecialistas de países muito diversos para aUnesco (1996, p.95) com o título sugestivo deA educação guarda um tesouro:

o século XXI, que oferecerá recursos semprecedentes tanto para a circulação e o ar-mazenamento de informação como para acomunicação, imporá à educação uma du-pla exigência que, à primeira vista, podeparecer quase contraditória: a educaçãodeverá transmitir, de forma maciça e efi-caz, um volume cada vez maior de conhe-cimentos teóricos e técnicos evolutivos,adaptados à civilização cognitiva, porquesão as bases das competências do futuro.Simultaneamente, deverá descobrir e de-finir orientações que permitam não dei-xar-se submergir pelas correntes de infor-mações mais ou menos efêmeras que in-vadem os espaços públicos e privados emanter o rumo em projetos de desenvol-vimento individuais e coletivos. Em certosentido, a educação se vê obrigada a ofe-

recer as cartas náuticas de um mundo com-plexo e em perpétua agitação e, ao mes-mo tempo, a bússola para poder navegarpor ele.

As exigências se concentram em um ter-ceiro fator, as mudanças educacionais que es-tão tornando necessária a renovação dos con-teúdos das matérias escolares e a forma deensiná-las, entre as quais ocupa uma posiçãocada vez mais relevante a necessidade de queos alunos aprendam não apenas os conheci-mentos que tradicionalmente constituíram oconteúdo dessas matérias, geralmente de na-tureza conceitual, mas também os processosmediante os quais esses conhecimentos são ela-borados. Assim, o ensino não deve ser dirigidoa proporcionar conhecimentos e a assegurarcertos produtos ou resultados de aprendizagem(por exemplo, o domínio da Tabela Periódica),mas deve fomentar também a análise dos pro-cessos mediante os quais esses produtos po-dem ser alcançados (ou seja, as estratégias deaprendizagem). Além disso, cada dia parecemais claro que os dois tipos de objetivos nãoapenas são compatíveis, mas que se requeremmutuamente. Dificilmente se pode compreen-der a química sem uma série de habilidades oudestrezas no estudo, mas, ao mesmo tempo, aaplicação das estratégias de aprendizagem maiscomplexas requer, para ser eficaz, um certo ní-vel de conhecimentos específicos; nesse caso,de conhecimentos químicos.

O impulso conjunto desses três fatorestransformou a pesquisa e o ensino em estraté-gias de aprendizagem em uma área de estudomuito produtiva, cujas principais tendênciastentaremos sintetizar nas próximas páginas.Para isso, começaremos com uma breve excur-são histórica, para que o leitor saiba como evo-luiu o estudo das estratégias de aprendizagem.Nessa evolução, ocupa um lugar fundamentala forma como a psicologia evolutiva e a cogni-tiva analisaram a influência dos processosmetacognitivos sobre o conhecimento e aaprendizagem e, por isso, trataremos especial-mente das relações entre metacognição eaprendizagem. Com tal bagagem conceitual, es-taremos em condições de precisar posterior-mente em que consiste o uso estratégico do co-nhecimento e como pode vincular-se aos con-teúdos do currículo e, em suma, como tais es-

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tratégias podem ser ensinadas, assunto do pró-ximo capítulo.

AS ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEMNA HISTÓRIA RECENTE DA PSICOLOGIA

A pesquisa psicológica sobre como as pes-soas podem aprender a aprender esteve sujei-ta ao próprio devir histórico da psicologia. As-sim, não é estranho que, durante o longo pe-ríodo daquilo que Herbert Simon chamou de"glaciação behaviorista" em psicologia, as es-tratégias de aprendizagem ficaram encerradasna "caixa-preta" dos processos cognitivos, aque-le quarto escuro a que o objetivismo behavio-rista relegou tudo o que aparentemente eranào-observável diretamente e que por não vera luz tornou-se ainda menos observável. Con-tudo, se o controle estratégico da aprendiza-gem não podia entrar nos estreitos âmbitos teó-ricos e metodológicos da pesquisa behavoriosta,isso não impediu que durante várias décadas obehaviorismo e os princípios da tecnologia doensino baseados nas teorias de modificação decondutas ampararam e proporcionaram umaauréola ao cientificismo e à sistematização aum conjunto de receitas dispersas para melho-rar a memorização e a aprendizagem de infor-mação. Embora já encontremos alguns dessestruques mnemônicos nos escritos de filósofosgregos, como Simônides de Ceos, e desde en-tão as mnemotecnias tenham por trás de siuma longa história cultural (Boorstin, 1983;Pozo, 1996), o behaviorismo as tornará pro-gramas de treinamento individualizado, defi-nidos por objetivos operativos, em que se en-sinava os alunos, sob a epígrafe de técnicas emétodos de estudo, cadeias prescritas de ope-rações, basicamente motoras, como reler, re-petir, escrever resumos, fazer esquemas, etc.Tais programas podiam ser dados independen-temente do currículo ou da escola, e inclusi-ve auto-administrarem-se mediante "livrosprogramados" que exercitavam os leitores naaplicação repetida de cada uma das técnicase a correspondente correção, reforçadora("continue assim!") ou reparadora ("tente denovo, fixando-se melhor!"). Tratava-se de queesses algoritmos acabassem se automatizandoe convertendo-se em autênticos hábitos deestudo.

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 149

Tais programas de técnicas de estudo, cujaspenúltimas manifestações ainda podem ser vis-tas de vez em quando em nossas salas de aula,mostravam-se. pc:err:.}:Jl:.CO eficazes. Entre asrazões da pouca eficácia estaria, ;JOT um lado,sua pretensão de ensinar essas habilidades demodo descontextualir ado. seI::}~E;:a:-em contaa influência dos conteúdos e c.:::s ccr.textos emque o aluno devia aplicá-las c epccs. Tratava-se, por exemplo, de ensinar a sublinhar :..:.rõietorbe com a pretensão de ql:.e ée;c,::s ':! alunopudesse transferir a habilidade ass:rr. apreen-dida a qualquer novo contexto :t·.le e:".:re:1:as-se. Mas o aluno dificilmente a transferia. ~.3ql:.enão basta saber sublinhar, é precis J ta:n bemsaber ° que assinalar e sobretudo _JCTC C::€.Como veremos mais adiante, o uso estratégicodo conhecimento não pode realizar-se à mar-gem dos conteúdos e dos contextos de apren-dizagem.

Um segundo problema desses programas.não menos sério, era a pretensão de reduzirsua aprendizagem ao domínio técnico de umconjunto de ações observáveis. O reducionismobehaviorista - os processos mentais, se é queexistem, não governam a conduta, mas o con-trário - tornava não apenas desnecessário,como também impossível, ocupar-se de comoos aprendizes ou os estudantes podiam gerirou controlar sua própria aprendizagem. Dessaforma, habilidades como analisar um textoeram reduzidas a sublinhar suas idéias princi-pais simplesmente sublinhando essas supostasidéias, deixando-se de lado o essencial. que éensinar a identificar as chaves textuais que per-mitem dizer quando uma ou várias proposi-ções podem ser consideradas como "idéia prin-cipal". Reduzidas ao observável, as estratégiasde aprendizagem acabavam se tornando umconjunto de receitas ou de habilidades prati-cas de utilidade duvidosa.

Será preciso esperar a chamada "revolu-ção cognitiva" para que. em meados dJS anos1950, os processos cognitivos pC"SS2.lL.enfim sairdo quarto escuro a que tinham siéc relegadospelo behaviorismo. Isso. contudo. não coloca-rá imediatamente as estratégias de aprendiza-gem na agenda de pesquisa da psicologia cog-nitiva, já que a metáfora computacional queessa nova psicologia cognitiva adota desde oinício implicará uma maior continuidade coma corrente behaviorista do que se costuma su-

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por, pelo menos no estudo dos processos deaprendizagem (Pozo, 1989). Assim, alguns pro-cessos cognitivos, como a percepção, a lingua-gem e sobretudo a memória, são estudados compaixão pela psicologia cognitiva do processa-mento da informação desde o primeiro momen-to. Outros processos, de natureza mais dinâ-mica, vinculados ao uso e à mudança dessasrepresentações, e mais ainda ao uso conscien-te ou deliberado dos próprios recursos cog-nitivos, continuavam sendo desnecessários nanova psicologia baseada na anaíogia entre ofuncionamento cognitivo humano e o do com-putador. Como se sabe, se há algo que dificil-mente os computadores fazem é aprender e sehá algo que definitivamente os computadoresnão sabem fazer é aprender estrategicamente(sobre as razões dessas incapacidades, ver, porexemplo, Pozo, 1989).

Por isso, não é estranho que, em um pri-meiro momento, a psicologia cognitiva não seocupasse de estudar a aprendizagem estraté-gica. Teve de esperar que a própria evoluçãoda pesquisa cognitiva tomasse necessário pos-tular certos conceitos para que o estudo do co-nhecimento estratégico fosse ganhando inte-resse. Um desses conceitos é a distinçãoestabelecida por Shiffrin e Schneider (1977)entre processamento automático e controlado.Assim,haveria tarefas, geralmente simples (an-dar, falar, provavelmente dirigir ou fazer café)que podem ser realizadas quase sem consumirenergia cognitiva, por meio de processos auto-máticos, que consistem em "operações rotinei-ras sobreaprendidas que se realizam sem con-trole voluntário do sujeito, não utilizam recur-sos de atenção e, em geral, o sujeito não temconsciência de sua realização" (de Vega, 1984,p.126). Em compensação, outras tarefas, ha-bitualmente mais complexas (como ler este ca-pítulo, decidir como preparar a próxima provade química ou convencer um cliente das virtu-des de um produto), requerem processos con-trolados, "operações realizadas sob controle vo-luntário do sujeito, que requerem gasto de re-cursos de atenção e que o sujeito percebe sub-jetivamente podendo dar conta deles" (de Veja,1984, p. 126). O Quadro 8.2 destaca as princi-pais diferenças entre os dois tipos de processa-mento.

Voltando aos alunos que deixamos discu-:1:1do. no início do capítulo, sobre tomar no-

tas, uma aproximação mais estratégica do pro-blema de aprendizagem, ou, se se preferir, me-nos rotineiro, exigirá um maior controle. Eduar-do, que se limitava a tomar notas segundo suasrotinas habituais, agia essencialmente como"piloto automático" (como o behaviorismo su-punha que todos sempre atuamos!). JáPalomatinha acendido a luz no quarto escuro dos pro-cessos cognitivos e exercia um maior controleconsciente sobre as notas que tomava. Comoveremos mais adiante, o interessante de tal dis-tinção é que permite entender as vantagens decada um desses tipos de processamento em fun-ção das exigências da tarefa. Embora esteja-mos propondo a promoção de uma aprendiza-gem mais estratégica, sem dúvida a automati-zação de recursos tem importantes benefícioscognitivos para a aprendizagem, que de fatosem essa automatização seria muito limitada(Pozo, 1996). Embora possivelmente semprefique um vestígio de controle, e com ele o con-sumo de recursos, quanto mais automatizadaesteja uma conduta menos difícil será sua exe-cução ou sua recuperação e, portanto, dentrode um sistema de recursos cognitivos limita-dos como é o nosso, isso permitirá dispor derecursos para executar outras tarefas. Palomapode recordar a meta de suas anotações aomesmo tempo em que regula sua execução,porque automatizou outras ações que são ins-trumentais (por exemplo, decodificar a expli-cação verbal de seu professor ou escrever). Emitens posteriores, voltaremos às relações entreo controle estratégico da aprendizagem e o usode recursos técnicos automatizados.

Juntamente com a distinção entre proces-samento automático e controlado, outra con-tribuição relevante do enfoque do processa-mento da informação ao estudo das estraté-gias de aprendizagem tem sua origem nas pes-quisas sobre os níveis de processamento (Craike Tulving, 1975). Tentando ir além do enfoqueestrutural que até então havia predominado naspesquisas sobre a memória (ver, por exemplo,deVega,1984), os estudos se propunham a ado-tar um enfoque funcional, averiguando o queos sujeitos faziam efetivamente com a infor-mação para lembrar-se dela e quais dessas ati-vidades eram mais eficazes. A fim de controlaro que os sujeitos faziam, manipulava-se expe-rimentalmente o nível em que se processavauma lista de palavras comuns (por exemplo,

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DESENVOLVIMENTO PS!COLOGIC8 E EDUCAÇÃO. V.2 151

QUADRO 8.2 Diferenças entre os processos controlados e automáticos 2 oa-t: co3 S~;••-: eSchneider (1977)

Processos controlados Processos autcrnatícos

· ::.: - sornern atenção. Não consomem atenç2:.

",3.: são rotinas aprendidas. Adquirem-se por aprendizag;,-.

São flexíveis e adaptam-se a diferentes situações. Uma vez adquiridos, modificar-i-se - - : .. :- :~:;,· RequeTem esíorço consciente. . Não requerem esforço consciente.

· Perdem eficácia em condições ~versas. Executam-se eficazmente em condiçc es -- .=·'~3.sProduzem interferência em situações de tarefa dupla. . Não interferem na execução de uma se;;~-:" :~-6'~

fazendo-os encontrar rimas entre essas pala-vras ou relações semânticas entre elas). Quan-do, posteriormente, se submetia os sujeitos auma prova de lembrança acidental, isto é, semque fossem advertidos durante a fase de aqui-sição que seriam submetidos a essa prova, ob-servou-se que "as perguntas sobre o significa-do das palavras produziam um rendimento.mnêmico maior que as questões referentes aosom das palavras ou às representações físicasde sua impressão" (Craik e Tulving, 1975, p.138 da trad. cast.).

A eficácia da aprendizagem dependia daprofundidade com que se tivesse processado ainformação, sendo os níveis mais profundos -mais próximos ao semântico - os que produ-ziam uma lembrança maior. Dessa forma, es-tabeleceu-se uma primeira classificação do usodos processos de codificação que distinguia oprocessamento superficial, centrado nos traçosfísicos ou estruturais dos estímulos, do proces-samento profundo, essencialmente dirigido aosignificado. Esse nível de profundidade estariarelacionado com a quantidade de processamen-to e com o grau de elaboração da codificação.

Embora os objetivos desses estudos nãofossem especificamente as estratégias de apren-dizagem, e sim os processos pelos quais os su-jeitos codificam a informação, serviram paramostrar que um mesmo material de aprendi-zagem podia ser processado de diferentes ma-neiras em função das condições e das metasda situação de aprendizagem. Ainda que nes-se caso o controle do processamento fosse exer-

cido pelo experimentador, abria-se a possibili-dade de que diferentes formas de processar ouapreender a informação conduzissem a tiposdistintos de aprendizagem. De fato, a distin-ção entre enfoques de aprendizagem superfi-ciais e profundos, em função da concepção queo próprio aluno tem da aprendizagem e, con-seqüentemente, das atividades que realiza paraconseguir isso, subjaz a algumas das classifica-ções mais habituais das estratégias de apren-dizagem (ver, a respeito, o Capítulo 11 destevolume). O enfoque superficial teria como ob-jetivo um incremento no conhecimento e amemorização ou a repetição literal da in-formação. Em compensação, o enfoque profun-do buscaria abstrair significados e, em últimainstância, compreender a realidade (p. ex..Entwistle, 1987; Marton e Booth, 1997:.

Juntamente com a importância concedi-da ao controle dos próprios processos cogn.-tivos e ao estudo das diferentes formas de :;::ro-cessar a informação, uma terceira contribui-ção relevante do enfoque cognitivc para o es-tudo das estratégias de aprendizagem Fo-.-.oode estudos mais recentes, estes ja dos 2.."l.CS

1980, sobre a forma distinta corno as pessoasexperientes e novatas enfrentam certas tarefascomplexas. Nas primeiras décadas C3. revo.uçãocognitivapredominou um enfoque generalisra,continuísta também com o beha'.-:o:-:s;:no,quesustentava ser o funcionamento cogn.tivo re-gido por processos gerais. independentes doconteúdo. Uma das obras fundamentais da psi-cologia cognitiva foi, de fato. o General Problem

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Solving ("Solucionador Geral de Problemas")de Newell e Simon (1972). Alguns anos maistarde, porém, esses mesmos autores sustenta-vam que, para que um sistema cognitivo resol-vesse qualquer problema, incluídos os de apren-dizagem, precisava dispor de um amplo corpode conhecimentos específicosno domínio a quecorrespondesse o problema. Os"solucionadoresgerais de problemas", com suas regras e suasestratégias gerais, deram lugar aos especialis-tas, dotados de conhecimentos e de estratégiasespecíficas.fChi, Glaser e Farr, 1988; Ericson,1996). Onovo enfoque mostrou que os especia-listas têm um conjunto de conhecimentos con-ceituaismais bem-estruturados e hierarquizados,alémde habilidades automatizadas que lhes per-mitem dar atenção aos aspectos mais relevantesdo problema, planejar e regular adequadamentesua conduta, tomar decisões ajustadas às mu-danças que se produzem em situações comple-xas e/ou ambíguas ou avaliar com maior pre-cisão e realismo sua própria execução.

Dessa forma, as pesquisas sobre o uso quesujeitos especialistas e novatos em um determi-nado domínio (a matemática, a leitura, a ciên-cia, o xadrez ou o teatro) faziam de seus co-nhecimentos proporcionaram à pesquisa em es-tratégias de aprendizagem não apenas um for-te componente disciplinar, mas também um in-teresse crescente pelos mecanismos de contro-le, de supervisão e de monitorização que a pró-pria psicologia cognitiva havia introduzido jáem seus modelos. Esses dois aspectos serão re-cuperados e em boa medida reformulados porum novo enfoque no estudo das estratégias deaprendizagem que predominaram na últimaéécada do século XX, o que poderíamos cha-n;ar vagamente de enfoque construtivista, e que","aiinterpretar a aprendizagem e o ensino detais estratégias em um contexto teórico no qual,2 destacam três componentes fundamentais:

1. A importância da metacognição.2. A influência dos conhecimentos es-

pecíficos.3. A influência social, essencialmente

dos cenários educacionais, na apren-dizagem e no uso dessas estratégias.

Com relação à importância dos proces-, =, =ê:2.20gnitivos, as aproximações constru-:::::::.2;5 acabaram com a última - ou penúlti-

ma? - proibição behaviorista e transformaramosprocessos de controle da psicologia cognitivaemprocessos conscientes, de forma que o papelda consciência e dos diversos tipos de consci-ência, ou dos diferentes tipos de metacognição(termo cunhado por Flavell em 1970), foi umdos tópicos que teve mais impacto, e continuatendo, na pesquisa e na intervenção psicope-dagógicas, e muito particularmente em rela-~o às estratégias de aprendizagem, razão pelaqual trataremos dele especificamente no pró-ximo item. Um dos debates essenciais sobre ainfluência dos processos metacognitivos seránovamente sua natureza geral ou específica.Uma vez mais, as primeiras aproximações doestudo da metacognição sustentavam que setratava de processos gerais, em boa medida in-dependentes de domínio. Aceitou-se posterior-mente, porém, que muitos desses processosmetacognitivos, assim como os cognitivos, po-dem ser adquiridos e usados em âmbitos espe-cíficos de conhecimento. Mas diante da"expertite" que acometeu boa parte da pesqui-sa institucional na última década do séculoXX,começou-se a reclamar um maior equilíbrioentre os processos gerais e os específicos. As-sim, questiona-se que os modelos de especia-listas possam ser diretamente utilizados pelosestudantes novatos, argumenta-se a existênciade habilidades de caráter geral (o planejamentode ações mentais, a supervisão da compreen-são, etc.) e se coloca a possibilidade de existirum conhecimento estratégico que mantenhacerta independência em relação ao conheci-mento propriamente disciplinar, o que nos le-varia a considerar a possibilidade de falar deprincipiantes inteligentes (Mateos, 1999) ou es-tratégicos (Castelló e Monereo, 1999).

Mas essa consciência dos próprios proces-sos de aprendizagem dificilmente pode serexplicada a partir do sistema cognitivo indivi-dual; além disso, requer a participação de umalinguagem que permita, entre outras coisas, aauto-referência, e essa linguagem, como qua-lidade de sistema arbitrário de signos, só podeser adquirida em um ambiente social, em queexista uma comunidade de falantes. A consi-deração das estratégias como sistemas cons-cientes de decisão mediados por instrumentossimbólicos nos aproxima indefectivelmente daaceitação de sua origem social e dos postula-dos de Vygotsky e da escola soviética que des-

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de os anos 1980 vivem um esplendorosorenas cimento. O mediador, por meio da ces-são gradual de suas estratégias, isto é, das de-cisões que lhe permitem auto-regular o pró-prio processo de resolução ou de aprendiza-gem, favorece ao aluno a apropriação dessasdecisões em relação a determinadas condiçõescontextuais ou, o que é o mesmo, facilita aaprendizagem de tais estratégias.

Esse princípio de ensino, que se refleteem conceitos como o de zona d~ desenvolvi-mento proximal, "andaime", aprendizagemguiada, etc., tem importantes conseqüênciaspara o planejamento de programas de ensinode estratégias, como se verá no próximo capí-tulo, mas também é necessário para compre-ender a própria natureza cognitiva e metacog-nitiva das estratégias de aprendizagem, que éo objetivo concreto deste capítulo. Em razãodisso nos centramos a seguir na análise dosdiferentes significados da metacognição, osquais, por meio dos diferentes enfoques desen-volvidos neste item, levam a conceitos diferen-tes do conhecimento estratégico.

METACOGNIÇÃO E ESTRATÉGIASDE APRENDIZAGEM

Voltemos ao pobre aluno que tenta apren-der a Tabela Periódica repassando-a seguidasvezes. Como pode saber que já sabe o símboloquímico do laurêncio suficientemente bem parase lembrar na prova do dia seguinte? Ou comoPaloma pode saber que captou bem a estrutu-ra global da explicação de seu professor de his-tória contemporânea? Ou, inclusive, qualquerde nós, quando procura recordar o que fez nodia 23 de fevereiro de 1981 às 18h20min, comopode explicar o procedimento que seguiu paralocalizar tal dado em nossa memória? E o queé mais surpreendente, se alguém dissesse a pa-lavra "traschoplijun", o que nos indicaria demaneira imediata que não temos um significa-do preestabelecido para essa palavra? Ou, in-versamente, se alguém nos fala de "construti-vismo", por que acreditamos saber o que é,quando na realidade não conseguiríamosexplicá-lo?

Certamente, as experiências que acaba-mos de apresentar podem nos parecer simples,visto que nos ocorrem continuamente, sem re-

DESENVOLVII\(ENT~ PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 153

parar nelas. Podemos, porém, imaginar o queocorreria se não soubéssemos reconhecer queuma informação já existe entre nossos conhe-cimentos prévios? Estariamos cor.cenados aaprender continuamente os ces:::c.cs conteú-dos e, muito provavelmente. a r::CI anidade malavançaria (e o aluno confrontac ; seI a Tabe-la Periódica menos ainda). To.lc esse =c:1,'untode competências só pode ser expEca::': se re-corremos à existência de algum rr:e:a:::õ=== iecaráter intrapsicológico que rios ;::e:=:::: :e:consciência de alguns dos conhec::re::::~, c.:.:emanejamos e de alguns dos processes ::::e:1:'::.:5que utilizamos para gerir tais conhe:i:::--~e::::csEsse mecanismo recebeu o nome de rr~e:2.:=!-nição, isto é, "consciência da própria cC~T.iç2.=e é um dos tópicos que teve maior aten cào :12.5duas últimas décadas do século XX, tanto dapesquisa em psicologia evolutiva quanto da psi-cologia cognitiva e, mais tardiamente, da psi-cologia educacional.

Este inusitado interesse pelo tema, entre-tanto, não nos parece ter contribuído para es-clarecer sua natureza e para delimitar quaissão exatamente suas funções; ao contrário, aprópria polissemia do termo e a ausência deuma teoria capaz de unificar a prolixa pesqui-sa que se produz em seu nome, como assinala-ram Martí [(1995) e no item 12 do Volume I~,foram em boa medida responsáveis de que oslimites conceituais que deveriam definir o tó-pico apareçam difusos e sumamente interpretá-veis. Desse modo, dependendo da tradição ouda corrente a que nos filiemos, poderemos nosreferir à metacognição como introspecção re-flexiva (filosofia da mente), como habilidadede auto-observação (procedimental-coynitrv.s-mo), como qualidade de controle exe:t:t:-.-c(processamento da informação), corr; c' 'crr: tpcde reflexão em e sobre a própria açà : :":;:;e5-quisa na ação") ou como um processo é-2 ::1:-2r-nalização da regulação interps.c ::le 5:ca aintrapsicológica (enfoque sociocultur al , entreoutros possíveis termos que invocare ura ~er:ó-meno parecido. Uma breve revisâo das dife-rentes posições que os paradigm as dorninan-tes adotaram sobre o tema pode ncs audar aesclarecer do que falamos qnar.dc raenciona-mos a metacognição.

John Flavell (1970, 19S:-~. discípulo dePiaget, foi um dos primeiros autores a interes-sar-se pela capacidade de que os seres huma-

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nos se vangloriam quando exercem um certocontrole consciente sobre os próprios estadose processos mentais. De fato, foi ele quem cu-nhou pela primeira vez o termo "metacogni-ção". Para Flavell, a capacidade metacognitivadesenvolve-se por meio de duas fontes primor-diais: em primeiro lugar, mediante o conheci-mento adquirido sobre algumas variáveis decaráter pessoal (conhecimentos e crenças so-bre o próprio funcionamento cognitivo: "lem-bro-me melhor dos rostos que dos nomes", "amatemática não é meu forte", etc.), relativas àfacilidade ou à dificuldade das tarefas a reali-zar (novidades, requisitos necessários, esfor-ços que demandam, etc.), e com relação às es-tratégias de resolução disponíveis (por exem-plo, para reter uma informação: repetir, orde-nar por um atributo, classificar por categorias,etc.). A segunda fonte de desenvolvimento sãoas próprias experiências metacognitivas do su-jeito ao aplicar tais conhecimentos e avaliar suapertinência e sua eficácia.

Um de seus colaboradores mais próxi-mos, Jenri Wellman (1990), dará mais um pas-so ao atribuir a essa capacidade metacognitivao fato de que os meninos e as meninas elabo-rem cada um suas teorias sobre o funciona-mento de sua mente a das dos outros; essasteorias da mente lhes permitirão distinguir aosquatro ou cinco anos, por exemplo, entre pen-sar, recordar, adivinhar, sonhar ou saber. Se-guindo essa mesma linha, desenvolveram-seos meticulosos trabalhos de Anne M. Melot(Melot e Nguyen, 1987) sobre os conhecimen-tos das crianças sobre seu funcionamentomental, chegando a uma conclusão: as crian-ças, praticamente desde um ano de vida, têmum conhecimento implícito sobre caracterís-ticas, requisitos e limitações de seu sistemacognitivo, conhecimento este utilizado paraotimizar suas aprendizagens e que aumentaprogressivamente com a idade.

OQuadro 8.3 mostra alguns dos âmbitosevolutivos que as crianças atingem em uma dasáreas de competência mais estudadas por taisautores: a metamemória. Apesar de seu inte-resse, esse enfoque parecia reduzir toda a me-tacognição ao conhecimento sobre os própriosprocessos cognitivos, em detrimento de outroscomponentes igualmente importantes daaprendizagem, como os conteúdos ou os re-sultados e as próprias condições em que tal

aprendizagem ocorre (Pozo, 1996). De fato,essa concepção da metacognição é muito sim-ples e generalista, já que não leva em conta osconteúdos das tarefas de aprendizagem nem ocontexto em que ela ocorre. Assim, Pramling(1996), em seus estudos sobre as concepçõesda aprendizagem em crianças pequenas, mos-trou que essas concepções estão estreitamenteligadas ao conteúdo das tarefas que elas apren-dem (ler, contar, desenhar, etc.), de forma queo metaconhecimento não é apenas o conheci-mento dos processos psicológicos,mas tambémdos conteúdos que devem ser assimilados ouaprendidos. Igualmente, Scheuer e outros(2000) mostraram que as crianças de quatro ecinco anos têm modelos e teorias sobre comoaprendem a desenhar que estão estreitamenteconectados com as próprias dificuldades que odesenho, como sistema de representação exter-na e conteúdo de aprendizagem, coloca às pró-prias crianças. Em suma, as crianças não pen-sam sobre a aprendizagem, a memória ou aatenção, mas em aprender a desenhar, a ler oua contar, e é nessa atividade de aprender a de-senhar, ler ou contar que elaboram seus conhe-cimentos e teorias sobre a aprendizagem e, comelas, suas estratégias para aprender melhor.

Além disso, a aproximação tradicional dametacognição passava por alto o conhecimen-to sobre as condições mais adequadas para aativação de diferentes processos. Não se trataapenas de que os alunos vão adquirindo umconhecimento maior sobre o que devem fazerpara aprender. mas também onde, quando,como e com quem devem fazer isso. O conheci-mento condicional foi definido como um dostraços fundamentais da aprendizagem estra-tégica (Monereo, 1994). Em suma, o uso dasestratégias de aprendizagem deve ser sempreum uso situado em um determinado contexto,em função das condições reais de aprendiza-gem, dos recursos disponíveis e das metasestabelecidas. Diante do pressuposto, que vía-mos na tradição behaviorista, de que um con-junto de "receitas de aprendizagem" pode ser-vir urbi et orbe para enfrentar qualquer situa-ção, o enfoque da aprendizagem situada vaidestacar a importância da adequação da estra-tégia às condições efetivas da situação. Dessaforma, como se verá no próximo item, o estu-do das estratégias não poderá tampouco redu-zir-se a um treinamento "metacognitivo" basea-

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DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 155

QUADRO 8.3 Desenvolvimento da capacidade de meta memória

Idade(anos) Competência Exemplo

0-1 Imitação direta e imediata de ações. Repetir sons que o cuidador realiza.

1-2 Imitação diferida de ações. Recordar um jogo e reproduzir gestos e sons pro-duzidos durante o jogo.

3-4 Uso de mnemotécnicas não-verbais. Olhar ou assinalar onde está escondido um objetopara não esquecê-lo.

Uso de indícios diretamente observáveis. Saber que na caixa com o desenho de um sapatoestão os sapatos.

4-5 Conhecimento da reação entre quantidade de da- Entre duas listas de itens a reter, uma maior e outrados e eficácia da retenção. menor, escolher a menor.

5-6 Uso da repetição diante de uma demanda. Repetir várias vezes uma palavra para lembrá-Iaposteriormente, quando lhe pedem que faça.

Uso de indícios não-diretamente observáveis. Saber que na caixa do meio do armário !"stão ossapatos.

6-7 Conhecimento dos dados armazenados. Saber que possui o dado sobre qual é a capital daFrança, sem poder recordá-lo nesse exato momento.

8-9 Conhecimento da facilidade da reaprendizagem. Saber que se retém com mais dificuldade uma novalista de elementos do que uma lista de elementosfam iliares.

9-10 Retenção dos pontos-chave de um percurso. Fixar-se em que, chegando ao quiosque, é precisovirar á direita.

10-11 Uso da associação de idéias. Lembrar-se do sobrenome Gómez porque o narizdesse senhor parece uma goma.

11-12 Conhecimento da pouca duração da informação Evitar distrair-se enquanto repete um dado até en-na Memória de Curto Prazo (MCP). contrar um pedaço de papel para anotá-lo.

12- ... Auto-informes confiáveis sobre alguns produtos e Explicar o que pensou e como e por que mudou seuprocessos que gerem mentalmente. pensamento, quando lhe pedirem.

do na tomada de consciência do aluno de seupróprio funcionamento cognitivo, já que mui-tas vezes isso tampouco se traduz em umarnelhoria da ação diante de conteúdos e decontextos concretos.

Comomencionamos, parte da dificuldadede transformar a metacognição em cognição-ou se se preferir a metacognição como uso es-tratégico do conhecimento - provém da pró-pria identificação da metacognição (Martí,1995, 1999; Schraw e Moshman, 1995). En-quanto que, a partir da corrente que vínhamos

analisando, tendia-se a interpretar a metacog-nição corno aquilo que os "sujeitos dizem desua própria cognição", para outros autores,mais próximos ao enfoque do processamentode informação, a metacognição corresponderiamais aos processos de controle e de regulação,de forma que seria mais o que os "sujeitos fa-zem de sua própria cognição". Para retomaruma distinção clássica, e neste caso esclarece-dora, no primeiro sentido falaríamos de umametacognição declarativa (a metacognição é umtipo de discurso), enquanto que, no segundo,

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estaríamos diante de uma metacognição.,:;:-ocedimental (a metacognição é uma formade ação).

Desta última formulação, mais próxima doprocessamento clássico de informação, ametacognição como discurso clássico é umepifenômeno, uma espécie de ilusão que os se-res humanos têm de poder chegar a processosque estão encapsulados e têm um funcionamen-to basicamente autónomo e automatizado, im-penetrável a suas consciências, de modo que sea metacognição existe é de fato um processocognitivomais do que explícito (Redere Schunn,1996). Diante dessa concepção rebelou-se umoutro grupo de especialistas que, sem negar aparcial falta de clareza do sistema cognitivo noque se refere aos processos cognitivos básicos,defendeu a possibilidade de sermos conscientespelo menos do conteúdo, das idéias que nossamente gera no exato momento em que se esta-belecem trocas com o exterior. Em outras pala-vras, uma parte das representações ou dos mo-delos mentais que utilizamos a cada momentopara responder às contínuas demandas do con-texto, e que estariam associadas à memória decurto prazo, poderiam ser acessíveis à consciên-cia. Tal enfoque encontrou apoio parcialmentecom o ressurgimento das idéias de Vygotsky ecom o surgimento dos modelos de aprendiza-gem situada, defensores da indissolubilidadeentre o que se aprende e o contexto em que seaprende. Trata-se, assim, de estabelecer umaaproximação integradora entre os postuladoscognitivos e os socioculturais, por parte de au-tores como Brown, (1978), Pressley (1995) ouBransford (Bransford e outros, 1990). Taispro-postas, a maior parte originada em situaçõescomplexas de intervenção em contextos educa-cionais, apóiam-se em pelo menos três princípi-os comuns:

1. A convicção de que, embora a re-presentação dos problemas e das ta-refas enfrentados pelo aluno tenhauma natureza basicamente cogniti-vo-individual, osmodos de interagircom eles - o input e o output - têmuma natureza eminentemente sociale cultural e para sua correta com-preensão é necessário munir-se denoções como zona de desenvolvi-mento, "andaime", negociação de

significados ou emissão de ajudaspedagógicas.

2. Uma decisiva aposta em analisar aregulaçãoem tarefascontextualmentesituadas, nas quais as concepçõespré-vias, as demandas do ensino eos con-teúdos di~linares têm um peso es-pecífico, diante da idéia de umaregulação geral e acontextual.

3. A certeza de que o acesso conscien-te a nossas produções mentais incluitanto os produtos de nosso pensa-mento como alguns dos processosveiculados por tais conhecimentos,muito particularmente os que em-pregam procedimentos de gestão ede organização da informação queforam aprendidos formalmente econscientemente em seu dia, e deque, em suma, os dois tipos de meta-cognição - como discurso e como re-gulação - constroem-se mutuamen-te, mas aceitando que essa aprendi-zagem deve partir de cenários con-cretos, das condições práticas decada situação de aprendizagem.

Essa posição, a nosso ver, caracterizaatualmente o que chamamos de aproximaçãoconstrutivista das estratégias de aprendizageme, de fato, supõe um esforço de integração dosprincipais traços que, em diferentes enfoques,atribui-se ao uso estratégico do conhecimen-to, entre os quais, como assinalamos, destaca-se a necessidade de que esse conhecimento te-nha um forte componente metacognitivo. O es-forço de integração se traduziria não apenasem considerar simultaneamente a importân-cia de processos, conteúdos e condições ao pôrem prática o conhecimento estratégico, mastambém em entender que os aspectos da me-tacognição que estamos desenvolvendo - o queos alunos sabem dizer e fazer sobre seus pro-cessos cognitivos - estão estreitamente vincu-lados. Se queremos que os alunos administremsua própria aprendizagem, devemos ajudá-losa regulá-la on line em contextos e cenários si-tuados e com conteúdos concretos. Mas se que-remos que tal regulação se converta em umacompetência, em um conhecimento estratégi-co, que possa ser transferido - ou transcontex-tualizado - a outros problemas de aprendiza-

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gem, devemos ajudá-los a tomar consciênciade sua experiência, a explicitar como realizamessa regulação; ou, se se preferir, utilizando aterminologia de Karmiloff-Smith (1992), a fa-zer uma redescrição represetitacional de seuspróprios processos metacognitivos, de forma:J.ue, o que originalmente era uma regulação:nais implícita, possa tomar-se uma regulaçãoexplícita sobre a qual o aluno pode refletir, emSoa medida, como víamos no exemplo~a to-mada de notas no início do capítulo, por meioda comunicação e da troca social. Contar aosoutros muitas vezes é também a primeira e amelhor forma de contar a nós mesmos.

Em suma, a complementaridade entre es-sas duas formas de entender a metacognição,sua necessidade mútua, ajuda-nos a ver que, dequalquer forma, o uso estratégico do conheci-mento nunca é uma questão de tudo ou nada,mas uma questão de graus. Da mesma formaque a distinção entre conhecimento explícito eimplícito, responde também a um contínuo quedeve ser analisado sempre em função das rela-ções entre o que se deve aprender (conteúdos),como se aprende (processos) e onde, quando,para que e com quem se aprende (condições).

De fato, alcançar o controle consciente de,por exemplo, um procedimento, não é uma ta-refa simples e muito menos imediata. Se nosatemos a modelos evolutivos como o que nospropõe Karmiloff-Smith, unicamente a repeti-ção com progressivo aumento de habilidade eêxito de um procedimento - o que ela chamade nível de maestria procedimental- pode con-vertê-lo em candidato para que produza suaredescrição representacional, isto é, sua repre-sentação em um nível superior de abstraçãoque lhe permita ser acessível à consciência.Parece claro que ainda necessitamos de maisestudos para comprovar até que ponto a refle-xão metacognitiva induzida por outros agen-tes sociais (inclusive por sistemas simbólicosinterativos como o computador) pode permi-tir saltos qualitativos desse contínuo assinala-do por Karmiloff-Smith. Uma proposta interes-sante nessa linha é aquele feita por GavrielSalomon (1992) quando se refere a uma du-pla via para chegar à automatização de um pro-cedimento:

- Por um lado, existiria uma aprendiza-gem por "via baixa" de um procedi-

DESENVOLVIMENT:::: :OSIC:::;~Ó3ICOE EDUCAÇÃO, V.2 157

mente, por m ei o de seu uso, baseadoem uma regdarr..e:1tação implícita. emsituações de apre:1d::::agen:. que levaa uma rnaestria :;:-xed'.r=.es:a. de umaótica próxima a le l--:a..-=:lÍ~::::'f-Sn::ith,ou, se se preferir, a '..L:} i ::::::::rj·Jtecni-coo A partir da pre'.-:2. 2.l:.t==2.t.:::a~ãodo processo poderia .niciar-s e '..l::l :;;ro-cesso de tomada de com :i-2r_::2. to ,?:-a-dual explicitação do mesrr.: =--..:e~c-deria culminar, em cond.cóes :-2'-:::a-veis, com sua utilização car.a --e::: =-a:sestratégica, isto é, deliberada -::2_.. ..:S-tada às condições de cada c0:-. :e:·::::

- Por outro lado, poderia procl.:':::':--õ-::uma aprendizagem do procedic.err.:por "via alta" por meio de uma ar.a.i-se consciente, desde o primeiro :::1::-mento, das variáveis e das condicóesque incidem em sua correta execução.desse modo favorecendo-se um per-curso de regulação mais explícita queacabe, pelo próprio efeito da prática,conduzindo a uma reguisçêo mais im-plícita, embora conservando sempre apossibilidade de redescrever ou deexplicitar os conhecimentos que gui-am essa execução. Nesse caso, é pre-ciso esperar que, quando o aluno en-contra alguma dificuldade na aplica-ção do procedimento, seja muito maissimples identificar o problema, elabo-rar um plano de solução e executá-losatisfatoriamente.

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Como assinalávamos, as duas vias de ace-so ao controle estratégico seriam de fato COE-

plementares, de forma que qualquer ~rJg=-a-ma de treinamento estratégico deveria :e:1:a:-incentivá-las, mas sabendo sempre que a "'-:'aalta" produz resultados de aprendizag err. :::12.1Sduradouros e transferíveis e, portart.::. ::::i.s ::ê-sejáveis, já que permite enfrentar c:::r. :e:--:35garantias de êxito novos problemas ::-,;,S:'-.12-ções, enquanto que a maestria JJ=-::cei::::::ter.-.:alsó é eficaz em condições rotineiras CY.l repeti-das. Devemos recordar, porém. ~ue essa via altasó será possível pelo domínio dê certas rotinasou técnicas previamente automat.zacas. Emsuma, tratá-se agora, para concluir este capí-tulo, de conhecer alguns critérios que nos per-mitam identificar um uso mais estratégico do

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conhecimento, para assim estar em condiçõesde promovê-lo nos cenários educacionais.

DIMENSÕES DOCONHECIMENTO ESTRATÉGICO

Resumindo o que se viu no item anterior,podemos considerar que o uso de uma estraté-gia implica a ativação intencional e deliberadade conhecimentos (conceituais, procedimentaise/ou atitudinais) com o propósito de atingircertas metas de acordo com um plano estabe-lecido. Dessa forma, para pôr em prática umaestratégia será necessário que o sujeito contro-le o planejamento, a supervisão e a avaliaçãodesse plano. Também vimos que esse controlepode, na realidade, ser mais ou menos explíci-to ou implícito, de forma que alguns componen-tes da estratégia possam estar automatizadosou regulados de forma implícita. De fato, estecostuma ser o caso: costumamos pôr em práticaestratégias que fazem um uso intencional detécnicas ou de recursos cognitivos automati-zados. Pensemos no jogador de xadrez ou notreinador de uma equipe de basquetebol quetraça um plano de ação apoiado em técnicaspreviamente dominadas e treinadas. Omesmoocorre com o professor que decide organizarum debate em aula para trabalhar certas atitu-des, ou com o aluno que se propõe a fazer umesquema para comprovar que compreendeuadequadamente o conteúdo de um tema.

Portanto, desse ponto de vista, as estraté-gias, embora implicassem o uso de diversos ti-pos de conhecimento (seguindo a classificaçãoem uso, tanto conceituais como procedimen-tais ou atitudinais), teriam um forte compo-nente procedimental à medida que consistemem um plano de ação para atingir certas me-tas. Do nosso ponto de vista, a distinção entreprocedimentos técnicos e estratégicos (subli-nhar é uma técnica ou uma estratégia? e fazerum esquema? e organizar a classe em grupospequenos?) não tem sentido, mas todo proce-dimento (seja ler, sublinhar, tomar notas ou or-ganizar grupos de classe) pode ser usado deforma mais ou menos rotineira ou estratégica.:\ o primeiro caso, quando um procedimento éusado como uma mera técnica, não existiria:::J.etacogniçãode via alta ou explícita, seja por-eue a rotina está totalmente automatizada

(como ocorre com os especialistas, que já nãonecessitam planejar o que tantas vezes fizeramcom êxito), seja porque o controle desse planoé externo ao sujeito que o executa (por exem-plo, o jogador de basquete que segue a orien-tação de seu treinador após um "tempo mor-to", ou o aluno que aplica certos procedimen-tos de cálculo, como a proporção inversa, quan-do o professor lhe pede ou sugere). Porque umamesma ação tem vários componentes (plane-jamento, execução e avaliação), é sempre pos-sível que alguns se apliquem tecnicamente, eoutros, sob controle estratégico (por exemplo,o aluno decide um plano de ação, mas depoiso executa de forma rotineira; ou ao contrário,lança-se diretamente à tarefa, sem planejá-la,mas à medida que a realiza, supervisiona suaação, detecta dificuldades e corrige a seqüên-cia previamente estabelecida) . Como se veráno próximo capítulo, uma sequência adequa-da para o ensino estratégico implica uma trans-ferência progressiva do controle da tarefa doprofessor/treinador ao aluno/jogador, de for-ma que este tenha cada vez mais autonomia eresponsabilidade em sua aprendizagem (vertambém Monereo, 1994; Monereo e outros,2000; Pozo, 1996; Pozo e Postigo, 2000).

Se não podemos diferenciar em termosabsolutos entre procedimentos técnicos e es-tratégicos, mas entre o uso técnico e o usoestratégico que alguém faz desses procedi-mentos em um contexto ou uma situação con-creta, é conveniente que tenhamos critériospara diferenciar quando tal uso é mais oumenos estratégico, o que de passagem nosservirá para assinalar alguns traços que de-vem reunir as situações de aprendizagem eensino para demandar dos alunos uma apro-ximação mais estratégica, que, como assina-lávamos, parece o mais desejável do ponto devista educacional. Evidentemente, não deve-mos esquecer que isso exigirá a consolidaçãoprévia de um domínio técnico que o aluno pos-sa aproveitar; não se pode fazer um uso es-tratégico de uma técnica ou de um procedi-mento que não se domina.

Algumas dimensões que identificam e/oufavorecem um uso estratégico do conhecimen-to, não necessariamente independentes emui-tas vezes inter-relacionadas, seriam (para maisdetalhes, ver Monereo, no prelo; Pozoe Postigo,2000):

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1. As metas da aprendizagem: não setrata apenas de que assumam umaorientação cada vez mais interiori-zada - o aluno é que deve fixá-la, enão apenas o professor -, mas daprofundidade dessas metas, o paraque da ativação ou do uso dessesprocedimentos. Quando a meta,utilizando uma terminologia já clás-sica (Entwistle, 1987), supõe umaaprendizagem reprodutiva, não serequer uma aproximação estratégi-ca; são suficientes os mecanismosde aprendizagem associativos deque dispõem os alunos que se mos-tram eficazes para atingir tais me-tas (Pozo, 1996), que, por outrolado, estão fortemente condiciona-das pelas exigências das tarefas pro-postas pelo professor, e muito par-ticularmente pelos sistemas de edu-cação estabelecidos. Em compensa-ção, quando a meta é mais profun-da, é mais dirigida à compreensãode novos significados ou à recons-trução de conhecimentos prévios, aaprendizagem - e com ela o ensino- costuma tornar-se um problemae requer do aluno - e do professor- uma maior reflexão estratégica.

2. O grau de controle e regulação, aconsciência que precisa a tarefa deaprendizagem: como vimos no itemanterior, o uso estratégico requer umcontrole explícito por parte do su-jeito ou aluno. Neste item, tambémafirmamos que alguns componentesda ação (planejamento, execução,avaliação) podem estar sob contro-le estratégico, ou explícito, enquan-to outros não. Como já é conhecido,o ensino estratégico deve basear-seem uma transferência progressivadesse controle do professor para oaluno e, por isso, dificilmente o alu-no será estratégico em sua aprendi-zagem se antes o professor não o foiem seu ensino (Monereo, 1994;Monereo e Castelló, 1997).

3. O nível de incerteza da tarefa deaprendizagem, que está relaciona-do com sua novidade e seu caráter

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mais ou menos aberto: em geral,quanto mais inovadoras ou menosrotineiras sejam as condições de umatarefa de aprendizagem, maior seráa aproximação estratégica exigi da.É a mudança dessas condições quetorna necessário adotar um enfoqueestratégico; se as condições são co-nhecidas, se é um simples exercício,podem aplicar-se as rotinas habi-tuais; se algumas condições variam(contexto, recursos disponíveis ':2-

nários de uso ou metas. a ô::-.:açãcse tornará um problema e exizira :;'-.1ese adotem decisões estratégicas paraenfrentá-la. Além disso, quanto maisaberta se apresenta uma tarefa deaprendizagem, maior será o grau deincerteza sobre sua resolução e maisdecisões o aluno terá de tomar paraabordá-la e, por isso, sua demandaestratégica também será maior. Emcompensação, as tarefas fechadas quenão oferecem opção de respostasnem alternativas na forma de resolvê-las requerem simplesmente que seponha em prática rotinas e/ou pro-cedimento já automatizados. N ova-mente, a introdução de situações pro-blemáticas, ou de componentes pro-blemáticos nas situações, que impli-quem novidade e incerteza, deveráser progressiva. Se as condições deaplicação são totalmente conhecidas.bastará ao aluno aplicar uma técni-ca; mas se, no outro extremo. todasas condições são novas, dificilmenteo aluno conseguirá adotar uma es-tratégia adequada. No àm bi;o daaprendizagem situada, as estratégiasrequerem "ressituar" de forma deli-berada os conhecimentos 3.d~u:.r:dcsem novos contextos de -.15C'. ?3Ia ::;ueo aluno aprenda de mede '2Scat2gi-co, o professor deve fazer ::::::r: queesses conhecimentos sejan; utilizaccsem problemas cada vez m ais ::cmple-xos e, por isso. inovac cres e abertos.

4. A complexidc.de da s equéncia deações: quanto mais complexo for umprocedimentc. mais provável seráque requeira um controle estraré-

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gico. Embora obviamente os espe-cialistas sejam especializados emexecutar automaticamente seqüên-cias sumamente complexas (bastapensar em um pianista de jazz, co-mo Oscar Paterson, ou no próprioMichael Jordan), em contextos es-colares o aumento da complexida-de, devido ao número de passos en-volvidos na sua execução ou a exi-gência do domínio prévio de outrosprocedimentos, tornará mais neces-sários o planejamento, a supervisãoe a avaliação deliberados. Emboratal complexidade também tenhauma dimensão conceitual, aqui nosreferimos especificamente à comple-xidade da seqüência de ações. As-sim, é fácilver quemultiplicar émaiscomplexo, tanto do ponto de vistaconceitual como do procedimental,que somar. Em compensação, "so-mar transportando" não acrescentatanta complexidade conceitual comoprocedimental: trata-se de acrescen-tar novos passos a uma seqüênciajáaprendida. Às vezes, de um pontode vista didático, essa complexida-de se traduz na exigência do profes-sor de que o aluno, progressivamen-te, realize as partes da seqüência queno início já lhe eram entregues re-

solvidas. Por exemplo, ao ensinar-lhea "pesquisar", seja um fenômeno na-tural ou social, é mais simples pro-porcionar aos alunos duas hipótesesjá formuladas e pedir-lhes que ascontrastem com dados do que pedir-lhes que eles próprios formulem ashipóteses e busquem dados paracomprová-las.

Embora, sem dúvida, algumas tarefasreprodutivas também possam exigir muito erequerer um uso estratégico dos conhecimen-tos - pensemos uma vez mais nos alunos aosquais se pede que aprendam a Tabela Periódi-ca -, freqüentemente o uso de estratégias estáligado a contextos e situações de aprendiza-gem construtiva que não requerem do aluno arepetição de conhecimentos preestabelecidos,mas a geração de novos conhecimentos em si-tuações mais abertas e complexas, que tornamimpossível a aprendizagem "como piloto auto-mático" defendida por Eduardo, o aluno quetomava notas literais no começo do capítulo. Énesse sentido que o uso estratégico do conhe-cimento é um componente imprescindível emqualquer cenário de aprendizagem construti-va. E, portanto, ensinar essas estratégias, comose mostra no próximo capítulo, deve ser umdos eixos a partir dos quais se estrutura o cur-rículo de qualquer disciplina.

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9 o ensino de estratégias deaprendizagem no contexto escolarCARLES MONEREO, JUAN IGNACIO POZO E MONTSERRAT CASTELLÓ

INTRODUÇÃO: O ENSINO DEESTRATÉGIAS COMO NECESSIDADE

Poucos filósofos, educadores, cientistas e,inclusive, políticos - para não dizer brookersou investidores - duvidariam que a energia quemoverá o mundo nas próximas décadas, e defato já o está movendo, é a informação, sobre-tudo aquela informação que possa transformar-se em conhecimento, isto é, que possa ser ad-quirida por alguém para resolver algum pro-blema. Ao tornar-se moeda de troca, a infor-mação obedece às leis do mercado, e a oferta,pelo menos a oferta "pública", de livre acesso,supera rapidamente a demanda. Diante da im-possibilidade de manejar a informação dispo-nível, surge todo tipo de empresas privadas cujoserviço consiste em selecionar para nós aquelainformação que parece suscetível de conver-ter-se em conhecimento, produzindo-se umacelerado fenômeno de privatização, que ain-da não terminou, em que as grandes empresasfinanceiras e de comunicação se fundem jus-tamente para "negociar" a informação.

Isso descreve um complexo panorama emque o "conhecimento relevante" será, cada vezmais, um bem precioso a que só terá acesso umaminoria exclusiva (informação privilegiada); amaior parte da população deverá conformar-secom a informação, em boa medida tendencio-sa, oferecidapelosmeios de comunicação social,além da informação indiscriminada e caótica quecircula em redes abertas como a internet. Parapoder orientar-se nessa paisagem cubista, demúltiplas perspectivas, imposta pela nova So-ciedade do Conhecimento (Pozo e Monereo,1999), o cidadão deve prover-se de um conjun-

to de recursos cognitivos que lhe permitam fa-zer frente pelo menos a três dos grandes desa-fios que o aguardam:

a) A saturação informativa e a "infoxi-cação" (aceitando o barbarismo em-pregado por alguns gurus da telemá-tica). Ao que parece, a cada 10 anosaproximadamente duplicará a infor-mação a que temos acesso. Pelo me-nos uma parte dessa avalanche infor-mativa estará em "mau estado" devi-do à pouca confiabilidade ou aos in-teresses sectários da fonte de origem;outra parte, correspondente aos fatosconsiderados noticiáveis, será "verti-da" para os diferentes meios de comu-nicação. Ainda um último bloco che-gará sem nenhum critério de ordemou de preferência, por meio de canaissecundários marginalizados :e talvezmarginais) que tenderiam a desapa-recer. Uma das irrenunciaveis :nissõesda educação será garantir queos fu-turos cidadãos adquiram habilidadese estratégias cognitr.as que lhes per-mitam realizar uma seleçào crítica,pensada e contrastada da informaçãoque deverào transformar eIT. conheci-mento útil para si.

b .-\validade do pensamento .. -\lém danecessidade de dispor de "filtros cogni-tivos" para identificar a informaçãoque nos chega em "mau estado", ou-tro problema de aprendizagem na so-ciedade atual é que muito da infor-mação, e inclusive do conhecimento,

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que recebemos, tem "data de valida-de", como os iogurtes ou qualquer ou-tro produto embalado. Se não está emmau estado, estará logo. Os conheci-mentos mudam de forma tão vertigi-nosa que já não se pode aprender qua-se nada com a certeza de que servirápara a vida toda, sem que estejamoscondenados a ser aprendizes perma-nentes, por toda a vida. Além disso,até pouco tempo as mudanças tecnoló-gicas fundamentais eram tão espaça-das que transcorriam várias geraçõesaté que se produzisse uma mudança.Cada geração tinha o tempo suficientepara compreender e dominar as tecno-logias de sua época, em especial, paraos interesses deste capítulo, aquelasrelacionadas com o acesso e a gestãoda informação. Agora, é necessário fa-zer atualizações e ajustes cada vez maisradicais, não apenas desses arquivos deconhecimento, mas inclusive dos pro-cedimentos para ter acesso a eles. Con-seqüentemente, para enfrentar a con-dição de "aprendizes por toda a vida",o mais eficaz será dominar um conjun-to versátil de procedimentos, especiali-zados na gestão de conhecimentos denatureza distinta; procedimentos deaprendizagem que podem ser empre-gados estrategicamente quando as cir-cunstâncias exigirem.

c) A utilização de múltiplas linguagenscomunicativas. Cabe esperar que ossistemas de registro, de transmissão ede reprodução digital sofram um enor-me desenvolvimento e que os televi-sores, ou os celulares se transformemem verdadeiros centros de informaçãoe documentação hipermídia, na qualse sobreponha informação textual,audiovisual (gráficos, animações,vídeos) e quem sabe sensorial (olfato,gosto, tato) e cinestésica (através domovimento). Toma-se necessária, por-tanto, uma autêntica graphicacy, istoé, uma alfabetização gráfica, baseadano ensino de estratégias de decodifi-cação e interpretação de todo tipo degrafias (Postigo e Pozo, 1999).

Sem pretender simplificar o problema, eadmitindo que as mudanças e as transforma-ções que as escolas do século XXIdeveriam ado-tar terão de ser profundas e estruturais, esta-mos convencidos, e assim o referenda a litera-tura especializada, de que a aquisição de habi-lidades, de destrezas e de competências quepor sua vez favoreçam um uso estratégico doconhecimento, tal como foi conceituado no ca-pítulo anterior, pode ser um antídoto eficazpara sobreviver às diferentes "picadas" que nosaguardam na selva informativa deste milênio.

Pois bem, aceita tal necessidade, e tendoem conta a natureza do conhecimento estraté-gico, tal como se analisou no Capítulo 8, comoé possível integrar o ensino de estratégias nocurrículo escolar, tal como o conhecemos? Querelação existe entre o ensino dessas estratégiase a estrutura essencialmente disciplinar do cur-rículo? Que procedimentos e/ ou estratégias po-dem ser ensinados nas diferentes disciplinas ecomo podem relacionar-se entre si? E se tivés-semos claras as estratégias que devem ser en-sinadas em cada disciplina, como devemosensiná-las? Quais são os melhores métodos erecursos didáticos em cada caso? E, por últi-mo, que medidas de apoio aos diferentes agen-tes educacionais podem ser postos em funcio-namento para melhorar o ensino dessas estra-tégias a partir do currículo? As respostas a es-tas perguntas constituem o conteúdo dos qua-tro itens fundamentais em tomo do qual se es-trutura o presente capítulo.

ENSINO DE HABILIDADESGERAIS OU ENSINO INTEGRADO

Como ficou patente no Capítulo 8, ao ana-lisar a evolução histórica do conceito de estra-tégia de aprendizagem e sua conexão com ametacognição em diferentes enfoques psicoló-gicos, perfilam-se duas posições dominantes:aqueles que consideram as estratégicas d·eapren-dizagem como um conjunto de habilidades ede procedimentos de tipo geral (visão compar-tilhada tanto pelo behaviorismo como pela psi-cologia evolutiva de corte piagetiano e pela mo-derna psicologia cognitiva, vinculada ao proces-samento da informação) e aqueles outros que

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defendem uma visão "situada" da aprendizagemestratégica, correntes mais recentes e próximasda psicologia da educação e do ensino, que têmcomo denominador comum sua sensibilidade àinfluência do social-contextual sobre a estrutu-ra cognitiva do aluno.

Uma e outra posição articularam, cadauma, suas propostas de ensino de acordo comsuas concepções epistemológicas de base. Daótica dos primeiros, os alunos e as alunas sóserão capazes de transferir suas estratégias deaprendizagem às distintas disciplinas curricu-lares se seu ensino não for submetido a deter-minadas disciplinas, mas que se favorece seucaráter genérico e acontextual por meio de ma-teriais e disciplinas especialmente planejadospara isso e livres de conteúdo específico (freecurriculay. A questão seria treinar habilidadesde pensamento e estratégias de resolução ge-rais, supostamente vinculadas a dispositivoscognitivos acontextuais e, até certo ponto, uni-versais, com base em algum conteúdo inespecí-fico, abstrato (por exemplo, itens extraídos detestes de raciocínio abstrato), capaz de produzirconflito cognitivo, independentemente de oconflito ter relação com problemas funcionaise próximos à realidade cotidiana do aluno.

A semelhança com os programas demusculação realizadas pelos atletas é eviden-te. Do mesmo modo que o aumento da massamuscular pode ser igualmente positiva para umciclista ou para um alpinista, para os defenso-res dos programas de habilidades gerais o de-senvolvimento de competências gerais de pen-samento pode beneficiar, indistintamente, a re-solução de problemas de matemática ou decompreensão leitora. Como mostra Claxton(1994), de forma bastante eloqüente, para essaperspectiva as habilidades e as estratégias pa-recem deambular pela mente do sujeito cogni-tivo, escondidas em alerta vigilante, à espera,para lançarem-se sobre os primeiros conheci-mentos que apareçam em seu horizonte.

Essa mesma contextualidade de que sevangloriam tais enfoques impulsionou propos-tas de ensino elaboradas por especialistas apli-cáveis a praticamente qualquer contexto edu-cacional, deixando de lado as característicasculturais, organizativas e curriculares de cadapaís, região ou instituição escolar. Além disso,são programas para a escola, visto que sua au-

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toria é externa à instituição, e sua aplicaçãocostuma requerer a criação de disciplinas v'matérias especiais. Entre os programas de en-sino mais conhecidos e divulgados desse tipo,destacaríamos o projeto Harvard, o métodoCORT de De Bono e, muito particularmente porseu impacto na Espanha e em toda a área ibero-americana, o Programa de Enriquecimento In-telectual de R. Feuerstein. As críticas a essaposição podem ser estruturadas em três idéiasbásicas:

- Sempre que pensamos, nós o fazemoscom base em algum conteúdo, e esseconteúdo, seja ou não curricular, é es-pecífico no sentido de que sempre res-ponde a algum princípio de estrutu-ração lógica e epistemológica. Quan-do os conteúdos que sustentam aaprendizagem de habilidades e estra-tégias não são curriculares, por exem-plo, quando se baseiam em adivinha-ções lógico-verbais, o aluno pode me-lhorar sua competência em realizaresse tipo de inferências atentando acertos códigos que são próprios das di-ferentes tipologias de adivinhações,mas dificilmente será capaz de reali-zar uma inferência lógico-verbal a par-tir da leitura, vamos supor, do frag-mento de um texto narrativo, em queos códigos têm uma natureza distinta(por exemplo, o tipo de relações quese estabelecem entre os personagensda história). Porque, então, nãoincidirdiretamente nessas competências combase em matérias relacionadas com alinguagem, favorecendo desse modouma aquisição mais funcional?

- Em relação ao ponto anterior, hoje édifícil sustentar a possibilidade de quese produza uma transferência imedia-ta, automática, do aprendido em umasituação para outros domínios e con-textos distintos, sem que se tenhamdisposto medidas concretas para issodurante um período de tempo prolon-gado. Tampouco o xadrez, o latim, afilosofia ou a informática demonstra-ram ter um benefício significativo so-bre os progressos dos alunos em ou-

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tras aprendizagens escolares. Igual-mente, os programas para aprender aaprender ou a pensar urbi et orbe tam-bém não tiveram a incidência que pro-metiam (pode-se ler uma revisão emMcClure e Davi, 1994 ou em Yuste,1994).

- Por último, é preciso assinalar quequando as propostas de ensino foramfeitas por especialistas externos à es-cola, a eficácia e a durabilidade da ino-vação introduzida costumam diminuir,a médio e longo prazos. Pelo menosduas razões podem explicar tal fato:1) não levar em conta as crenças e asconcepções dos professores da escola,nem partir de suas peculiares modali-dades de organização e de ensino, asformas de interação que implicam asnovas atividades e os materiais costu-mam ser pouco congruentes ou com-patíveis com as práticas habituais daescola e acabam sendo abandonadas;2) os professores se sentem menoscomprometidos e responsáveis peloprojeto, visto que se consideram me-ros administradores dele, e não pro-tagonistas de sua concepção e desen-volvimento.

Em contraposição ao enfoque que men-cionamos, as correntes que se aproximam deuma visão situada da aprendizagem, defenso-ras da conexão inseparável entre o que apren-demos e os contextos em que os aprendemos(uma justificativa detalhada desses pressupos-tos pode ser encontrada no Capítulo 8), rei-vindicam a necessidade de que as estratégiasde aprendizagem sejam ensinadas ao mesmotempo que se ensinam os conteúdos pertinen-tes a cada disciplina; portanto, não se trata ape-nas de aprender história, matemática ou ciên-cias, mas é preciso aprender também quandoe por que utilizar procedimentos que permi-tam ordenar, representar ou interpretar dadoshistóricos, matemáticos ou científicos paratransformá-los em conhecimento útil.

Devido à sua vocação curricular; essas pro-postas receberam o qualificativo de fundidas='-1 integradas, tratando-se em muitas ocasiões:'e iniciativas ou de programas gerados a par-~c,.da escola, visto que nascem no interior das

próprias instituições educacionais, muitas ve-zes apoiados por profissionais do assesso-ramento psicopedagógico. Em países como osEstados Unidos, esse tipo de proposições co-meça a ser uma realidade. Um exemplo para-digmático é a escola Benchmark, criada origi-nalmente para ajudar alunos com dificuldadede leitura e transformada, durante seus 20 anosde existência, em uma instituição de ensino deestratégias de aprendizagem, integrada nas di-versas áreas do currículo (Gaskins e Elliot,1999). Na Espanha, embora o desenvolvimen-to de projetos similares seja ainda muito inci-piente, começam a aparecer também propos-tas de ensino, em forma de unidades didáti-cas, que têm como objetivo prioritário promo-ver um uso estratégico de alguns procedimen-tos selecionados (Monereo e outros, no prelo).

Em oposição ao enfoque anterior, a pers-pectiva integrada supõe vantagens evidentesquanto a propiciar maiores motivação, colabo-ração e compromisso por parte dos professo-res ao atribuir os resultados que possam serobtidos às suas decisões e suas competências;por outro lado, a possibilidade de conectar osnovos métodos e atividades com as práticas ha-bituais dos professores e, em suma, com a pró-pria cultura da escola, faz com que as mudan-ças se mostrem mais relevantes e significati-vas, visto que se produzem no que poderíamoschamar de zona de desenvolvimento da institui-ção educacional (Monereo e Solé, 1996).

A fusão do ensino de estratégias no currí-culo, porém, não está isenta de perigos. Emface das indubitáveis virtudes que tem a "coo-peração e a colaboração entre iguais" no mo-mento de impulsionar um projeto com essascaracterísticas, também existe o risco de quealgumas concepções errôneas ou simplifica-doras. associadas à falta de recursos apropria-dos (estrutura organizacional, materiais, espa-ços, etc.), cheguem a desvirtuar o autêntico sig-nificado e o sentido do ensino estratégico: con-seguir que (todos) os estudantes sejam maisreflexivos e autónomos aprendendo. A possi-bilidade de contar com a ajuda e com oassessoramento de profissionais em psicope-dagogia, trate-se de assessores da própria es-cola ou pertencentes a equipes setoriais, podeminimizar esse risco e promover um avançoefetivo na mencionada zona de desenvolvimen-to institucional. Algumas das medidas gerais

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que poderiam se favorecer desse assessora-mento, a fim da facilitar a inclusão do ensinode estratégias nas distintas áreas curriculares,serram:

Estabelecer quais são os problemasprototípicos que os alunos devem sercapazes de resolver em relação a cadaárea e fazer uma análise das estraté-gias de resolução que possam ser apli-cadas em cada caso, com o propósitode ensiná-las posteriormente em aula,isto é, identificar a estrutura procedi-mental de cada área do currículo.Analisar as relações entre os procedi-mentos que devem ser usados estra-tegicamente em cada área do currícu-lo, previamente identificados, a fimnão apenas de destacar aqueles pro-cedimentos de aprendizagem que te-nham um caráter interdisciplinar (porexemplo: mapas de conceitos, diagra-mas de fluxo, compreensão leitora),mas sobretudo estabelecer os eixosprocedimetitais a partir dos quais sepode fomentar o uso estratégico do co-nhecimento em cada área do currícu-lo e também entre áreas e etapas. Des-sa forma, será mais provável que seensinem de maneira coordenada emdiferentes área curriculares, talvez le-vando, inclusive, a transferir-se paratemas e cenários alheios ao currículoescolar.Empregar métodos de ensino que in-sistam em tomar transparente a toma-da de decisões que se produz ao pôrem prática uma estratégia em cadauma de suas fases características - pla-nejamento, regulação e avaliação -, afim de modelar o processo e conseguirtransferi-lo para os alunos.

- Ajudar os professores a identificar al-gumas unidades didáticas em que, cer-tamente, já se ensinam procedimen-tos de aprendizagem, seja para repre-sentar dados numéricos, anotar asidéias de um documentário, comuni-car de forma oral ou escrita um pontode vista, sintetizar a informação de umtexto, etc. Posteriormente, analisar taisunidades em conjunto, com a finali-

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dade de introduzir mudanças orien-tadas a promover um ensino mais es-tratégico.

Nas próximas páginas, vamos tratar dosdois primeiros pontos (Que procedimentos en-sinar para incentivar uma aprendizagem es-tratégica e como organizar tais procedimen-tos no contexto do currículo?), enquanto quedos outros trataremos nos dois últimos itensdo capítulo.

AS ESTRATÉGIAS COMOCONTEÚDOS ESCOLARES:OS EIXOS PROCEDIMENTAIS

Se, como destacávamos, a melhor formade fazer com que os alunos aprendam a usarestrategicamente seus conhecimentos é ensiná-los desde e para cada uma das disciplinas docurrículo - já que é a única forma de poderemtransferir as estratégias assim aprendidas tam-bém a outro tipo de cenários de aprendizagemnão-escolares -, é necessário perguntar-secomo incluir as estratégias como conteúdos decada uma dessas disciplinas. Embora tambémrequeira conhecimentos conceituais e atitudesdeterminados em relação à aprendizagem, aimplementação de uma estratégia exigirá so-bretudo, o ensino, em um contexto metaco-gnitivo e reflexivo, de procedimentos eficazesde aprendizagem (Pozo e Postigo, 2000). Masque procedimentos concretos devem ser ensi-nados para conseguir isso? E, sobretudo, comopodem ser organizados para sua inclusão sig-nificativa no currículo? O certo é que as pro-postas curriculares costumam ajudar pouconesse sentido, já que. em sua maior parte, or-ganizam os conteúdos em torno de "blocostemáticos" de caráter exclusivamente concei-tual/ disciplinar. enquanto os conteúdos proce-dimentais .para não dizer os atitudinais) apa-recem normalmente como uma listagem acres-centada quase sem organização interna, o quesem dúvida dificulta sua adequada inclusão nocurrículo. Visto que, como se sabe, compreen-der é organizar, estabelecer relações entre osdiferentes elementos de uma estrutura (ver oCapítulo 3 deste mesmo volume), a mera jus-taposição de procedimento em uma listagem

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reflete o pouco significado existente nessa pro-posta de currículo.

Por sua vez, a precária organização dosconteúdos procedimentais não é casual ou ar-bitrária, mas reflete o próprio desenvolvimen-to epistemológico das disciplinas. Cada disci-plina possuiu uma estrutura conceitual própria,que oferece uma estrutura-base para organi-zar e seqüenciar os conteúdos conceituais des-sa matéria no currículo. Será que o mesmoocorre com os conteúdos procedimentais? Exis-te alguma estruturação ou organização dos pro-cedimentos de cada matéria que possa orien-tar sua inclusão no currículo? Podem-se esta-belecer alguns critérios gerais para a organiza-cão tanto vertical (seqüenciamento dentro deuma mesma disciplina) como transversal (re-lações entre diversas disciplinas do currículo)dos procedimentos

Amoderna psicologia cognitiva da apren-dizagem gerou diferentes classificações e ta-xonomias que podem ser aplicadas, commaiorou menor êxito, como critérios capazes de or-ganizar os procedimentos no currículo. As di-versas classificações dos estilos ou dos enfo-ques de aprendizagem e de pensamento dosalunos (Entwistle, 1987, Selmes, 1987), daspróprias estratégias de aprendizagem (AlonsoTapia, 1991; Pozo, 1990; Weinstein e Mayer,1986) ou dos conteúdos procedimentais nocurrículo (Monereo, 1994; Pozo e Postigo,1994,2000) basearam-se em dois critérios di-ferentes: o tipo de aprendizagem envolvido ea função da aprendizagem realizada. Toman-do o primeiro critério, algumas classificações,geralmente mais centradas na forma como oaluno aprende, apoiaram-se na natureza dosprocessos de aprendizagem envolvidos e/ousuas metas. Assim, identificaram-se dois extre-mos nas tipologias de aprendizagem, resumi-dos pelos enfoques como superficiai e profun-do (Entwistle, 1987, Selmes, 1987; ver tam-bém o Capítulo 11 deste volume) que corres-ponderia, por sua vez, a duas concepções ou"culturas" clássicas na psicologia da aprendi-zagem (Pozo, 1989): a da aprendizagemassociativa, baseada na repetição, externamen-:e definida e organizada; e a da aprendizagemconstrutiva, que busca um significado pessoal,oaseia-se na integração, na comparação e nare.ação conceitual hierárquica e tem uma orien-:acão interna. Em outras palavras, existiriam

estratégias ou procedimentos diferentes paraa aprendizagem repetitiva (chamada inadequa-damente de memorística) e para a aprendiza-gem significativa ou construtiva.

Entretanto, em um cenário educacional,a distinção pode se revelar genérica demaisou ambígua, já que agrupa procedimentos ba-seados/ em técnicas muito diferentes e queservem para funções distintas. De fato, outrocritério alternativo, senão complementar, usa-do para classificar e dar sentido aos procedi-mentos de aprendizagem foi a funcionalida-de da atividade na qual se enquadram. Assim,alguns autores diferenciaram entre estratégi-as para compreender a informação e pararecuperá-la (Danserau, 1985). Outros, de for-ma mais precisa, distinguiram entre estraté-gias para reter, compreender e comunicar ainformação (Alonso Tapia, 1991), ou entreprocedimentos para observar e comparar, or-denar e classificar, representar, reter e recu-perar, interpretar, inferir e transferir, e avali-ar (Monereo, 1994). Aprincipal vantagem deaproximar-se das estratégias segundo sua fun-ção cognitiva (incorporar informação, tradu-zi-la para outro código, fazer inferências, co-municar o aprendido, etc.), em vez de fazê-losegundo sua meta (compreender ou reter), éque vincula muito mais o ensino de procedi-mentos aos formatos práticos das atividadesde sala de aula, ao que os alunos fazem real-mente. Um professor pode ver se um alunotem dificuldades ao transformar uma informa-ção de um sistema de medida para outro (dequilômetros para milhas, por exemplo) ou aofazer o esquema de um texto, mas é mais difí-cil que perceba se o aluno realmente quer com-preender esse texto ou se enfrenta a tarefa deconverter os dados por meio de processosassociativos ou construtivos.

Por isso, utilizando tal critério, podemosestabelecer diferentes eixosprocedimentais queatravessariam as diversas áreas e disciplinas,de forma que poderíamos encontrar nexos co-muns entre elas. Assim como existem blocostemáticos que permitem organizar conceitual-mente as matérias do currículo, sobretudo noensino fundamental, podemos identificar cer-tos eixosprocedimentais para organizar os con-teúdos relacionados ao uso e à aplicação efica-zes do conhecimento. Entre as diferentes clas-sificações que assinalamos antes, o Quadro 9.1

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apresenta cinco tipos de procedimentos que po-deriam servir como eixo para estruturar os.con-teúdos no currículo, segundo a função que cum-prem no tratamento da informação (para maisdetalhes, verPozo e Postigo, 1994, 1997,2000).

Uma classificação desse tipo permite umaanálise minuciosa dos procedimentos envolvi-dos na aprendizagem, o que facilita o ensinodiferencial e específico. Assim, identificam-seprocedimentos de aquisição voltados a incor-porar nova informação à memória, muito im-portantes para as estratégias de transmissão ede elaboração simples, já que incluiriam a re-petição e as mnemotecnias, mas também paraoutras formas de aprendizagem, que exigiri-am técnicas de busca (manejo de bases de da-dos ou fontes bibliográficas) e seleção de in-formação (tomada de notas e de apontamen-tos, grifos, etc.). Boa parte dos cursos chama-dos de técnicas de estudo orientam-se a taisprocedimentos, que, entretanto, não costumamocupar um lugar relevante entre os conteúdosescolares. Outro tipo de procedimentos neces-sários para aprender de modo estratégico se-riam os de interpretação, que consistiriam emtraduzir a informação recebida em um códigoou um formato (por exemplo, numérico ou ver-bal) para outro formato diferente (fazer um

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gráfico com os dados), mas também em inter-pretar situações a partir de modelos ou de me-táforas. Também se exigiriam frequentementeprocedimentos de análise da informação, queimplicam fazer inferências e tirar conclusõesdo material (por pesquisa, raciocínio dedutivoou indutivo, contraste de dados com modelos,etc.). A compreensão de um material de apren-dizagem é facilitada quando o aluno utiliza pro-cedimentos de compreensão e organizaçãoconceitual, tanto no discurso oral como no es-crito, voltados a estabelecer relações concei-tuais entre os elementos do material e entreestes e os conhecimentos prévios do aluno. Fi-nalmente, em toda situação de aprendizagemrequerem -se procedimentos de comunicação doaprendido, seja oral, escrita ou mediante ou-tras técnicas (gráficos, imagens, etc.). Tal co-municação, longe de ser um processo mecâni-co de "dizer o que sabemos", pode ser maiseficiente quando planejada em função do inter-locutor e quando forem analisados e utiliza-dos vários recursos para atingir a meta fixada.

É evidente que muitas tarefas escolaresrequerem simultaneamente diferentes tipos deprocedimentos. Os alunos devem tirar conclu-sões (procedimentos de análise segundo a clas-sificação anterior) a partir de uma experiência

QUADRO 9.1 Eixos procedimentais para o ensino estratégico (a partir de Pozzo e Postigo, 2000)

Tipos de procedimentos

.A,q uisição - Observação.- Busca da informação.- Seleção da ir:forriaçãc.- Transmissão e re:e1çãc.

interpretação - Decodificação ou traduçác 02.nfc"'Hçãc.- Aplicação de modeos ::1a:3ir:e'~:et3r s'tuaçôes.- Uso de analogias e de "leüi'o:as.

Análise e raciocínio - Análise e comparação cs mcdel:::s.- Raciocínio e realização de inferências.- Pesquisa e solução de problemas.

Compreensão e organização - Compreensão do discurso oral e do escrito.- Estabelecimento de relações conceituais.- Organização conceitual.

Comunicação - Expressão oral.- Expressão escrita.- Outros recursos expressivos (gráfico, numérico, mediante imagens, etc.).

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que estão fazendo, vamos supor sobre a densi-dade relativa de diversas substâncias, como aágua e o azeite, e para isso devem observar oque ocorre com essas substâncias (aquisição),relacionar as inferências com conhecimentosque já têm (organização) e informar sobre asconclusões obtidas (comunicação). De fato, osdiferentes tipos de procedimentos, para seremusados de maneira eficaz, exigem-se mutua-mente. Além disso, é óbvio que a classificaçãoproposta não responde a uma sequência didá-t.ca (não é que cada atividade de ensino exijac uso de todos esses procedimentos e nessaordem), mas sim a uma forma de organizar ostipos de ações que os alunos devem empreen-c.er para usar mais eficazmente seus conheci-mentos. Para alcançar tais objetivos, porém, énecessário planejar atividades de ensino volta-das especificamente a ensinar o uso de cadaum desses procedimentos. Para que o alunopossa informar sobre o que observa, ou paraque possa inferir a partir de suas observações,será muito conveniente planejar atividades cujameta seja melhorar a maneira como os alunosinformam, inferem, observam, etc.

Por outro lado, esses diferentes tipos deprocedimentos não têm o mesmo peso nas di-ferentes áreas do currículo. Assim, é claro queos procedimentos de compreensão do discur-so ou de expressão escrita serão eixos em tor-no dos quais se estrutura o ensino de qualquerlíngua. O uso estratégico desses mesmos re-cursos também é essencial na aprendizagemde muitas outras matérias, em cujo currículotais procedimentos também deveriam ocuparum lugar relevante. O mesmo se poderia dizerde certos procedimentos de interpretação (re-presentação gráfica, formulação algébrica,etc.), de aquisição (trabalho com fontes docu-mentais, tomada de notas, etc.) ou de análise'pesquisa, raciocínio, etc.). Dessa forma, alémde estruturar os procedimento próprios de cadaárea em tomo desses eixos ou de outros simi-lares, também se poderiam estabelecer a partirdesses eixos relações entre as diferentes áreasDU disciplinas, de forma que os procedimen-::::5. e com eles o ensino estratégico, poderiamreceber um tratamento, se não integrador, pelo=enos transdisciplinar (Pozo e Postigo, 2000).

Além dessa organização transversal - ou:õ:::re disciplinas - dos procedimentos para fa-" crecer seu uso estratégico, é importante tam-

bém levar em conta sua organização vertical,ou, se se preferir, temporal, tanto dentro deuma mesma série, como entre séries e etapas.O seqüenciamento dos conteúdos para seu usoestratégico, além de levar em conta os critériosgerais que favorecem uma aprendizagem maiseficaz (del Carmen, 1996a), deveria apoiar-senaqueles quatro critérios para identificar o "usomais ou menos estratégico" de um conhecimen-to, estabelecidos no Capítulo 8. Assim, enten-dendo que o ensino deveria promover um usocada vez mais estratégico, por parte dos alu-nos, de seus saberes (procedimentais, mas tam-bém conceituais e atitudinais), o ensino destes,ao longo de uma série ou uma etapa, deveria:

a) orientar-se a metas cada vez mais pro-fundas, mais vinculadas à aprendiza-gem construtiva;

b) exigir cada vez mais controle e regula-ção consciente por parte dos alunos;

c) abrir-se a situações progressivamentemais incertas e variadas;

d) introduzir um maior grau de comple-xidade nos procedimentos a executar.Naturalmente, para conseguir o avan-ço em cada um desses critérios emrnacrosseqiiências de ensino, é preci-so que esse mesmo avanço guie a or-ganização das microsseqüências, decada uma das atividades de ensinoorientadas a estimular uma aprendi-zagem mais estratégica.

MÉTODOS PARA O ENSINO DEESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM

Pensar em métodos para ensinar estraté-gias de aprendizagem supõe selecionar e ana-lisar as formas de ensino que têm como princi-pal finalidade fazer com que o aluno seja autó-nomo em sua aprendizagem, que compreendao conteúdo e a forma de continuar aprenden-do sobre esse conteúdo específico. Vale recor-dar que, de uma perspectiva construtivista, nãoexiste uma metodologia ideal, nem sequer um"bom método de ensino", pelo menos se colo-carmos a questão de forma descontextualiza-da e geral. Existem, isto sim, modalidades di-dáticas que a priori se ajustam claramente aosprincípios que acabamos de descrever. Nesse

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,sentido, não é nossa intenção dar "receitas"!enéricas para o ensino de estratégias sem ofe-recer uma seleção de propostas metodológicasem que a reflexão predomine sobre o próprioprocesso de aprendizagem, o uso reflexivo dosprocedimentos e a cessão gradual da respon-sabilidade ao aluno. Primeiro, revisaremos al-[uns métodos mais centrados em explicitar a;stratégia que se deseja ensinar, para, posteri-»rmente, introduzir outros, mais voltados a in-cenrivar seu controle e sua regulação internos.

Métodos para apresentarou explicitar as estratégias

Quando nos referimos à apresentação deuma estratégia, estamos falando, é preciso re-cordar, de "ensinar", mostrar, explicitar aos alu-nos as decisões mais relevantes que deve to-mar para resolver uma tarefa de aprendizagem..\ssim, por exemplo, diante da leitura de umtexto complexo, destacar o conjunto de aspec-_t.D5.P..JIl-0ll,P'p pr.?.!.i...~.f~Y..ar.,,'(9pmrá' &"Gü.lir qU'é'tipo de leitura será o mais adequado; diantede uma tarefa de escrita que suponha conven-cer ou entreter, explicitar como a análise dasituação de comunicação serve para estabele-cer o conteúdo a incluir, o registro mais ade-quado, a intenção do texto, etc.; diante da difi-culdade de entender um problema de mate-mática, mostrar quais são os aspectos-chaveque permitem escolher diferentes procedimen-tos de solução e como se pode controlar suaaplicação.

A apresentação ou a explicitação de umaestratégia se proporia a favorecer a tomada deconsciência por parte do aluno de que deter-minadas tarefas implicam um planejamentoprévio, uma regulação e uma avaliação do pro-cesso; que realmente "veja" como alguns pro-cedimentos servem para realizar com êxito astarefas cognitivas. Em suma, o primeiro mo-mento deveria contribuir para "desenterrar" aidéia de sorte, casualidade ou inspiração comoprincipais responsáveis pelo êxito em tarefascomplexas, favorecendo uma aproximaçãomais reflexiva ou "metacognitiva" em tais ta-refas. No primeiro momento, também é preci-so responder à necessidade de indagar quaissão os conhecimentos prévios dos alunos a res-peito das estratégias de aprendizagem que se-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 169

rão ensinadas. É possível que alguns alunos jáatuem de forma mais ou menos estratégica emsituações singulares e - como em qualquer si-tuação de ensino - é muito pertinente recolheressas representações e as conseqüentes formasde atuação diferencial diante de tarefas comoas propostas.

Qualquer dos métodos que comentaremosa seguir (assim como, evidentemente, uma sim-ples proposta de perguntas gerais ou de entre-vista individual) permite obter informaçãoacerca da atuação mais ou menos estratégicaque os estudantes costumam ter em tarefas si-milares. É básico que o professor recolha a in-formação e a integre em seus comentários pararealmente conectá-la com as representaçõesprévias dos alunos.

Modelagem (Modelo de pensamento)

Embora o método seja complexo e aindapouco habitual, tem uma força considerável;pl'iiIl'éJ.i~ lW llI'v'1ITélfL'U~ ci)Ü'lictT M cil\.llll% .rcompreenderem a importância e a riqueza doprocesso de tomada de decisões; segundo, nomomento de aprender um uso flexível dos pro-cedimentos; e, por último, para dotá-los de umvocabulário e, com isso, de categorias concei-tuais que lhes permitam manejar as diferentesfases do processo de resolução das tarefas. Sãovários os trabalhos que salientaram a virtude ea utilidade da modelagem na aquisição de es-tratégias de aprendizagem ':Duffy e Roehler,1984: Pressley e outros. 1990: Castelló e:,Ionereo, 1996:. De qualquer forma. destaca-se a necessidade de mostrar ao aluno o conhe-cimento declarativo sobre a estratégia (que as-pectos é preciso levar em conta. que conheci-mentos são necessários), o conhecimento pro-cedimental tcomo se deve proceder, que pro-cedimentos são os mais adequados em cadasituação) e, particularmente, o conhecimentocondicional ou estratégico (que variáveis oucondições da situação são de interesse funda-mental para ajustar nossa atuação).

É oportuno realizar uma modelagem aocomeçar tarefas complexas novas ou desconhe-cidas para os alunos. Em função da idade e dafamiliaridade destes com a tarefa em questão,o modelo de pensamento a oferecer pode sermais ou menos orientado e mais ou menos

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:::.::::-ajvaa sessão em que se realiza. Em qual-=,'-:~::-:aso,segundo a metáfora proposta por:=~=-.'-er(1987), é fundamental que os alunos:':sponham de umajanela para observar o pro-:2550 que subjaz à realização das tarefas e quenabitualmente não é visível nem evidente (po-.iem encontrar-se exemplos de modelagem em\Ionereo e Castelló, 1997; e em Monereo,1999a).

Devemos reconhecer que, para algunsprofessores e especialistas, verbalizar seus pro-cessos de resolução pode ser muito difícil, de-"ido em parte a não ter desenvolvido suficien-temente as habilidades metacognitivas que ométodo requer (Reder e Schunn, 1996). Comoa literatura mostrou, muitos especialistas têmum conhecimento procedimental muitoautomatizado e reconhecem pouco o processopelo qual chegam à correta resolução das tare-fas. Tal fato pode ser explicado, pelo menosem parte, em função de como aprenderam,quando eram alunos, tal conhecimento. Emmuitas ocasiões, a aprendizagem foi relacio-nada com a repetição de tarefas cada vez maiscomplexas e com a aquisição de procedimentosque deviam garantir uma atuação extremamen-te precisa diante de indicadores sutis dos quaiso próprio especialista pode estar muito poucoconsciente. Seria o caso de uma aprendizagempor "via baixa", segundo a metáfora utilizadapor Salomon, conceito já explicado ao nos re-ferirmos à metacognição no Capítulo 8.

Análise de casos de pensamento

A proposta de analisar diferentes casosde pensamento baseia-se nos mesmos pressu-postos que os da modelagem; contudo, nessecaso, trata-se de "ver" como pensam outros co-legas, não necessariamente especialistas, diantede tarefas similares. Se é o próprio professorquem prepara os casos, pode propor uma situ-ação na qual se ofereça um exemplo corretosimilar ao que ocorria com a modelagem) oupode optar pela apresentação de diferentes si-tuações (por exemplo, por meio de vinhetascom personagens) em que se observam varia-ções e a partir delas seja possível discutir sobre= melhor processo a seguir em cada caso. Seja.::>31 for a situação escolhida, a característica::::-:'r_cipalde um caso consiste na explicitação

do processo de pensamento q\le subjaz à reali-zação da tarefa da forma como esta vai-se re-solvendo. Como norma geral, a análise de ca-sos de pensamento permite um diálogo abertosobre as diferentes maneiras de realizar a tare-fa, além de gerar processos de reflexão sobre asolução mais adequada em cada caso, de for-ma relativamente fácil e amena. Por um lado,isso tem uma repercussão clara na possibilida-de, antes mencionada, de recolher os conheci-mentos prévios dos alunos diante de tarefasparecidas (de que forma atuariam, que aspec-tos relativos à atuação estratégica lhes são fa-miliares, etc.); por outro lado, a discussão fa-cilita a análise das vantagens e também dosinconvenientes de formas de atuação alterna-tivas, torna visível o processo de resolução dastarefas e equipa os alunos com um vocabulá-rio capaz de ajudá-los na conceituação do pro-cesso (de forma semelhante com a que argu-mentávamos no caso da modelagem).

Tal metodologia é adequada nos primei-ros momentos do ensino de estratégias - vistoque permite tomar contato com tudo o que su-põe a atuação estratégica -, mas também podeser retomada quando os alunos já construíramum certo conhecimento sobre por que e comoproceder em determinadas situações de apren-dizagem e quando captar ou aumentar seu ní-vel de reflexão a respeito. Finalmente, em si-tuações avançadas, os alunos podem trazer seuspróprios casos de pensamento - reais ou in-ventados - e discuti-los na turma, com o queobviamente se incrementa a reflexão sobre suaprópria aprendizagem (podem encontrar-seexemplos em Monereo e Castelló, 1997, e emMonereo, 2000).

Métodos para favorecer a prática guiada

Diante de tarefas complexas conhecidas,cujo processo de pensamento já foi analisa-do, os métodos de ensino que têm como obje-tivo guiar a prática do aluno exigem todo seusentido. Nessas situações, o professor guia, di-reta ou indiretamente, mas de maneira refle-xiva, a prática do aluno; trata-se de favorecerque o aluno tome decisões, planeje, regule eavalie sua atuação em atividades de aprendi-zagem, primeiro mais parecidas com a situa-ção previamente analisada, e, depois, em si-

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tuações cada vez mais variadas quanto a con-teúdos e demanda. O principal objetivo é queo aluno, de forma gradual, interiorize um tra-balho reflexivo e estratégico, que lhe permitaanalisar em cada caso as condições relevan-tes para resolver as diferentes atividades en-frentadas.

Organizamos a exposição de tais méto-dos em função do nível de autonomia que ou-torgam ao aluno; assim, partimos das situaçõesnas quais o professor ainda mantém em boamedida o controle e a responsabilidade daaprendizagem e comentamos, em seguida, assituações em que a interação entre os própriosalunos toma-se o principal guia das decisões atomar.

Folhas de pensamento - Pautas

O uso de diferentes ajudas para guiar oprocesso de pensamento dos alunos quando es-tão aprendendo tarefas complexas é repre-sentado, dentro da literatura sobre estratégias,nas chamadas "folhas de pensamento" e nas"pautas".

Asfolhas de pensamento são normalmen-te formuladas como afirmações (ou perguntasabertas) e são orientadas, como seu nome in-dica, à promoção de um determinado proces-so de pensamento, a guiá-lo, de certa forma,inclusive, a garanti-lo; pretende-se que funcio-nem como uma espécie de consciência externa(por exemplo: qual é o objetivo?; você podeimaginar como será o texto que vai escrever?;que itens e estrutura terá?; depois de cada pa-rágrafo, veja novamente se ficou claro o quequeria dizer). Por sua vez, as pautas são for-muladas como ações a realizar (ou perguntasfechadas) e são orientadas a recordar determi-nadas atividades que supõem pontos-chave noprocesso de resolução da tarefa (por exemplo,selecione os dados relevantes e elimine os quesejam irrelevantes - em um problema de ma-temática; escolha os símbolos a utilizar - narealização de um plano; etc.).

Tanto as folhas de pensamento quantoas pautas revelaram-se muito úteis no momen-to de favorecer uma prática reflexiva, vistoque supõem um andaime que é retirado à me-dida que o aluno interioriza o processo de pen-samento que sugerem e que é capaz de aten-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 171

der de forma autónoma às condições cambi-antes das tarefas (Castelló, 1995a, 1995b;Camps e Castelló, 1996; Monereo, 1990a). Emgeral, a literatura fala dessas ajudas em su-porte papel (daí a denominação de "folhas"),mas evidentemente podem ser oferecidas emforma de perguntas orais do professor (per-gunta guiada) ou com a ajuda de qualqueroutro suporte (computador, quadro-negro.mural coletivo, etc.).

Discussão sobre oprocesso de pensamento

Recolhemos, aqui, os métodos que per-mitem observar e captar, à parte do produ ;cfinal, a forma como os estudantes procederampara resolver uma tarefa, em que aspectos sefixaram, que variáveis lhes pareceram ou nàorelevantes e que decisões tomaram com o ob-jetivo de promover a discussão sobre a quali-dade do processo seguido, levando em contaos objetivos buscados em cada caso.

As situações de ensino e aprendizagemnas quais é possível usar tal metodologia v-ãodesde uma proposição mais aberta (em que oprofessor pede aos alunos que expliquem comofizeram para resolver a tarefa) até outras maisestruturadas e sistematizadas (em que. porexemplo, os alunos trabalham em grupo e u::nde seus colegas, ou o professor, atua come co-servador e registra o que ocorre e as decisõestomadas), passando também por situações i::>termediárias (o professor solicita que cs al.i-nos expliquem, antes de começar, como "-c:-.aIque devem proceder; ou então eles tr acalr.a;nem pares e, ao final, registram livremente cspassos que seguiram; ou inclusiveo ;:;r=fessc:'oferece uma check-list - um reg:s:rc ie ::ife,rentes possibilidades de atuação - 'J:::i "- "e= :-t:2-lizada a tarefa para que os a21.:r::s i:.:::.:::ê:T_ ::que fizeram e o que deixaram de raz er .

Em todo caso, trata-se de ú:.:::i:c.ra reco-pilação do processo seguido para qt;e ,:JC'5sa serobjeto de discussão com os alunos e estes pos-sam estabelecer relações entre as fcrmas deproceder e os diferentes resultados em cadauma das tarefas. com o objetivo principal deconsolidar. de ampliar e de flexibilizar seu co-nhecimento estratégico. Evidentemente, as dis-cussões podem originar novas formas de en-

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tender a atuação estratégica e, com base ne-las, planejar, com os alunos, novas ajudas (fo-lhas de pensamento ou pautas de auto-avalia-ção) para continuar regulando o processo aseguir, em situações futuras e para tarefas maiscomplexas (Castelló, 1995a; 1995b; Castelló eMilian, 1997).

Ensino cooperativo

Entre os muitos benefícios e as várias vir-tudes do ensino cooperativo e colaborativo (ver,por exemplo, os Capítulos 15 e 16 deste volu-me), estaria também sua utilidade para pro-mover estratégias de aprendizagem, devidotanto às características dos cenários cooperati-vos como à própria natureza do conhecimentoestratégico. Os métodos cooperativos baseiam-se no incentivo à heterogeneidade e à geraçãode relações de interdependência em proveitoda aprendizagem. O fato de que pessoas comdiferentes formas de proceder tenham de re-solver juntas uma única tarefa ou algum pro-blema e que necessitem uns dos outros paraconseguir tal proeza é também uma forma ex-celente de garantir que se produzam diferençasnas propostas relativas à estratégia a utilizar,favorecendo, assim, a discussão sobre as con-dições relevantes em cada situação de apren-dizagem. Essa reflexão, como mostrávamos, éum elemento eficaz no longo caminho para aregulação do próprio comportamento (podemser encontrados exemplos em Monereo, 1999a,e em Monereo e Durán, no prelo).

Métodos para estimulara prática independente

Neste último bloco agrupam-se os méto-:'.05 cujo objetivo é o de proporcionar ao aluno:,portunidades de prática variada para que, de:'==-maprogressivamente, mas independente,;:c:ta necessidade de ajustar as estratégias-"~rendidas a situações diferentes, cada vez=alS complexas e distanciadas das situações:-= aprendizagem originais. Trata-se de meto-: = bg:as centradas na interação entre alunos ~':::'·~2t"a.'o·orecema regulação entre os pares. E~=::::·::ante recordar que especialmente nessas:~:·.:2.:'=,es se deveria garantir ao máximo a fun-

cionalidade e a complexidade das tarefas a re-solver, para que o esforço de decidir comoenfrentá-las tenha sentido para o aluno.

Ensino recíproco

A proposta do ensino recíproco foi ampla-mente difundida em todos os textos que tratamdo ensino de estratégias em geral e de estraté-gias de leitura em particular, além de ter gera-do um ingente número de pesquisas sobre suasvantagens, seus perigos, suas possíveis varian-tes, etc. Uma revisão desses trabalhos pode serencontrada em Rosenshine e Meister (1994) eem Palincsar e Brown (1984). As autoras que aformularam centraram sua pesquisa na área dacompreensão leitora e inicialmente propuseramo desmembramento dessa atividade complexaem quatro atividades básicas para atingir o ob-jetivo final de compreender um texto: resumir,resolver dúvidas, levantar perguntas e fazer pre-visões a respeito do parágrafo seguinte. Na pes-quisa original, em um primeiro momento, o pro-fessor modelava o uso flexível de cada uma de-las, além de sua contribuição para a compreen-são final. Depois, em um segundo momento,quando os alunos tinham entendido em que con-sistia a atividade, adotavam por turnos o papelde professor e punham em prática as quatro ati-vidades como ele fizera.

Uma variante da proposta inicial consis-te em repartir as quatro atividades entre qua-tro alunos que trabalham em uma mesma equi-pe e que, em rodízio, realizam cada uma des-sas atividades. Particularmente nesta última va-riante, destaca-se a idéia da cognição compar-tilhada entre os quatro alunos que distribuementre si a atividade cognitiva que supõe o pro-cesso de compreensão, construindo, dessemodo, um significado compartilhado do texto(Edwards e Mercer, 1988). Naturalmente, talmetodologia pode ser aplicada a qualquer ta-refa complexa de outra disciplina ou área cur-ri cul ar. Em qualquer caso, a questão será des-membrar a atividade nas operações e nas deci-sões cognitivas envolvidas em sua resolução ede repartir essas funções entre um grupo dealunos que se responsabiliza por regular seuprocesso de aprendizagem (podem ser encon-trados exemplos em Monereo, 2000, e em Mo-nereo e Durán, no prelo).

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Tutoria entre iguais

o conceito de tutoria entre iguais respon-de à possibilidade de que alunos mais adianta-dos tutorem ou "guiem" o processo que outrostêm dificuldade de seguir. Nessa proposta, oaluno tutor prepara, juntamente com o profes-sor, as atividades a serem realizadas e as aju-das que oferecerá a seu colega. Depois, em ses-sões de aula, os dois alunos realizam tais ativi-dades até que o aluno tutorado tenha aprendi-do os conceitos e os procedimentos necessári-os para resolver as tarefas e seja capaz de re-gular por si mesmo as atividades a realizar. Afunção do aluno tutor, portanto, é oferecer aoaluno tutorado oportunidades de prática vari-adas e progressivamente mais complexas (parao que também deve refletir sobre as caracterís-ticas de diferentes atividades) e, ao mesmo tem-po' de oferecer-lhe ajuda para guiar o proces-so de pensamento estratégico que permite re-alizar com êxito essas atividades (podem serencontrados exemplos em Durán, 1999, e em:.Ionereo e Durán, no prelo).

Para que essa seqíiência de ensino, base-ada na cessão ou na transferência das decisõesestratégicas do professor (especialista ou tu-.or) aos alunos, seja efetivamente posta em:Jrática nas escolas, é imprescindível que haja~ondições mínimas quanto ao nível de conhe-cimento sobre o tema, as atitudes e as concep-:ões existentes, e à forma de organizar as ma-.érias. Nesse sentido, é muito recomendável oenvolvimento de um assessor psicopedagógicoque ajude a melhorar alguma dessas condiçõesna direção que se assinala no próximo item.

FUNÇÕES DO ASSESSORAMENTONO ENSINO ESTRATÉGICO

Embora as orientações dos currículosapostem de forma resoluta na inclusão de pro-:edimentos interdisciplinares nos projetos deescola e impulsionem a aquisição de um usoestratégico deles, são vários os fatores que ain-da dificultam que tais interações tenham umcorrelato claro na prática habitual das escolas.Pozo e Monereo, 1999). Os assessores podem,ê devem, desempenhar, nesse sentido, um pa-pel importante para facilitar a inclusão das es-.ratégias de aprendizagem nas programações

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 173

curriculares, seja em nível de escola - colabo-rando no planejamento e no desenvolvimentodos projetas curriculares -. em sua interven-ção mais direta com. os professores - a partirdos problemas de aprendizagem. em. cada umadas áreas, facilitando recursos e metcdologiasadequados em cada caso - e na consideraçãofinal do aluno que aprende.

Neste item, comentaremos brevementequais deveriam ser as funções do assessoramentono que se refere ao ensino e à aprendizagem deestratégias. Entendemos que sua intervenção emdiferentes níveis pode ser decisiva para impulsio-nar projetos de inovação educacional que inte-grem de forma gradual o ensino de estratégiasde aprendizagem em todas e em cada uma dasmatérias que são dadas nas escolas (ver a res-peito Monereo, 1999b, e Martín, 1999).

Em relação à escola, à organizaçãodo ensino estratégico e aos materiais

Como já dissemos no início deste capítu-lo, uma das primeiras questões que a escoladeve enfrentar é a decisão sob que formato or-ganizacional serão ensinadas as estratégias deaprendizagem: em forma de disciplinas ou ma-térias independentes (opção vinculada ao en-sino de habilidades gerais) ou parcial ou total-mente integradas nas diferentes áreas da dis-ciplina (enfoque integrado). Essa primeira de-cisão é particularmente relevante nas séries fi-nais do ensino fundamental, em que a especia-lização por áreas e disciplinas costuma sermuito maior. Atualmente, a maioria das esco-las de séries finais do ensino fundamental quedecidiu incorporar o ensino de estratégias deaprendizagem optou por formatos organizacio-nais variados. que podem se situar em um con-tínuo. conforme requeiram mais ou menos en-volvimento das áreas e dos diferentes profes-sores que lecionam na escola (Castelló eMonereo, 2000):"

Em um extremo do contínuo, situam-se as conhecidas disciplinas de técni-

N. de R.T. Esta afirmação refere-se a escolas per-tencentes ao sistema educacional espanhol.

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cas de estudo - ou procedimentos ge-rais de aprendizagem - que todos osalunos recebem, das quais se ocupamprofessores especialistas (às vezes, opróprio assessor) e que em geral se de-senvolvem à margem dos conteúdosdas demais áreas curriculares.Em algumas escolas, projetam-se gru-pos de reforço que, sob a supervisãode um tutor, podem escolher de for-ma opcional os alunos que, de formareiterada, manifestaram dificuldadespara realizar as aprendizagens exigi-das pelos vários professores. Nessasaulas, costuma-se partir das dificulda-des já identificadas de alguns alunosem diferentes áreas curriculares, como objetivo de favorecer a vinculaçàodos procedimentos de aprendizagemensinados nos grupos de reforço comas atividades de ensino e aprendiza-gem habituais em tais áreas.

- Uma terceira modalidade organizacio-nal consiste em integrar o ensino deprocedimentos de estudo e de aprendi-zagem no espaço das sessões de tuto-ria. Nesse caso, também se pretendeutilizar o conhecimento do tutor comrelação a cada um de seus alunos paraadaptar tal ensino aos problemas es-pecíficos dos conteúdos curriculares.Uma variação da modalidade consistena coordenação tutor-departamentos",de tal forma que as programações dostutores com relação ao ensino de es-tratégias de aprendizagem se ajustemem tempo e em conteúdos às dos pro-fessores de cada uma das áreas curri-culares; nesse caso, é habitual que seensinem, no espaço de tutoria, aque-les procedimentos de aprendizagemque se vão apresentar, utilizar e avali-ar nas diferentes disciplinas e que,portanto, serão relevantes na resolu-ção das atividades curriculares.

- A última possibilidade no contínuomencionado anteriormente é ocupa-

:.~ ::_.~. :J sistema de ensino espanhol prevê na:~:;:- _::::::~ ::'::1S escolas a figura do departamento.

da pelo ensino de estratégias integra-das em todas (ou em algumas) as disci-plinas do curriculo. Nessa modalidade,são os professores das diferentes disci-plinas (língua, matemática, ciências,etc.) que, além de ensinar os conceitos,os procedimentos e as atitudes funda-mentais da disciplina correspondente,também evidenciam as estratégiasmais adequadas ao aprendizado dadisciplina. Portanto, poderíamos con-siderar essa modalidade como umexemplo prototípico de ensino inte-grado.

Cada uma dessas modalidades da orga-nização do ensino de estratégias pode ter dife-rentes vantagens e limitações e, de fato, e ape-sar de que na literatura e na pesquisa se advo-gue pelas duas últimas, parece que, na práti-ca, todas elas coexistem com diferentes grausde êxito (Castelló e Monereo, 2000).

A segunda decisão importante refere-se àetapa em que devem ser priorizados determi-nados procedimentos e/ou atividades. É lógi-co que cada idade requer um tratamento dife-rente, embora em todas as etapas seja possívelum ensino reflexivo, que dote o aluno de pro-cedimentos para continuar aprendendo. Assim,por exemplo, na educação infantil, pode-se pro-mover um primeiro nível de reflexão sobre di-versas atividades cotidianas, favorecendo a aná-lise de quando e por que algumas atuações sãomais adequadas que outras (por exemplo: nocanto' da compra, nos contos, etc.). Nas sé-ries iniciais do ensino fundamental, a ênfaserecairá no ensino e na aprendizagem em ní-veis cada vez mais complexos e heurísticos ge-rais de leitura, de escrita e de resolução de pro-blemas (de diferentes áreas curriculares). Paraisso, será necessário que os alunos disponhamde muitas situações de prática com procedi-mentos variados até que se assegure seu do-mínio. Mas também será importante introdu-zir atividades complexas e problemas variados,que permitam a análise dos diferentes proce-dimentos empregados em cada situação. Par-

N. de R.T. Um dos modos de organização espacialde salas de educação infantil.

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ticularmente interessantes são as atividades deauto-avaliação e de co-avaliação, que permiti-rão aos alunos a tomada de consciência do pró-prio processo de aprendizagem.

Nas séries finais do ensino fundamental,além das características comentadas nas sériesiniciais, adquirem particular relevância os pro-cedimentos específicos que permitem apren-der os conteúdos das diferentes disciplinas. Ouseja, a reflexão epistemológica acerca dos pro-cedimentos inerentes a determinados conteú-dos (aprender a aprender matemática, histó-ria, biologia, etc.), ao mesmo tempo que a abs-tração de heurísticos gerais de resolução deproblemas que permitem enfrentar diferentestarefas, mesmo quando o conhecimento disci-plinar de que se disponha não seja muito",:evado.

Em relação aos professores e aodesenvolvimento do processo de ensino

Também no caso das estratégias de apren-':~=.3.gemos professores partem de pressupos-: :.~e de crenças que se deve levar em conta, se: cbjetivo for a eficácia da função assessora.:::.= geral, tais pressupostos fazem parte das te 0-:-1-='5 mais amplas que se relacionam com a:':::ceituação geral dos processos de aprendi-:""'5"eme ensino e de seu papel nesses preces-:>, Por outro lado, deve-se levar em conta o;:::-.prio desenvolvimento dos professores comoa.::~e:J.dizes,as estratégias de que dispõem para1::render e o grau ou o nível de reflexão que jác=::ham desenvolvido a respeito.

Com relação às concepções dos professo-r'::, S obre as estratégias de aprendizagem, a li-ce:-.3.turaainda não é muito abundante (umarr.:eressante exceção é o trabalho de Jackson e:..::::ningham, 1994). Alguns dados recentes,p,,:~em,mostram que em muitos casos a forma:':=J o professor concebe as estratégias de'l:::~e:J.dizagemestá fortemente ralacionada com: c:rmato organizacional escolhido para seu:;:'::::1:.0 e com seu nível de conhecimento e de~!-::~exãoa respeito (Castelló e Monereo, 2000).~..:::~, as concepções dos professores podem':::::-:r-se à consideração das estratégias: (1):.:=) parte do estilo pessoal de cada aluno de:!!::~::::ltaros problemas de aprendizagem; (2)::.'=) um conjunto de "truques" ou de técnicas

DESENVOLV:f:E~;~O PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 ~

individuais que facilitam o desenvolvimentodas habilidades npiti'.'as: (3) como técnicasde estudo baseadas err, p:-JCess'Js cognitivos bá-sicos (memória, a:e::;~=. e:: - :..1: como pro-cedimentos mais ou IT.:::-.:' 5"::~.:.is::'..1 específi-cos de cada disciplina. ::'':: ::::=:: r:-::cessode tomada de decisões.

O conhecimento de :i::S • : ::,:::::'':::: :.::: ::a análise de suas implicações ,':::':: ::::::-=,:::- ':''::::o assessor se ajuste às expectativa: :: :c, 2,:-::::,:'ções dos professores e atue de r::-=2 :::::.'::'qüente. É sobejamente conhecida a dificulda-de implicada pela promoção da mudança nasconcepções, tanto dos alunos como dos pro-fessores; assim, cabe uma aproximação tam-bém estratégica por parte do assessor a taiscondições, às vezes para propor atuações quepermitam progredir a partir de suas própriasidéias e das práticas do professor e, em outrasocasiões, para evidenciar algumas contradiçõesentre os objetivos que o professor diz perse-guir, suas concepções explícitas sobre o ensinode estratégias e de técnicas de aprendizageme sua prática docente habitual.

Para que o progresso seja efetivo, umadas melhores medidas consistirá na promoçãode diferentes espaços de diálogo para incenti-var a reflexão e o trabalho em equipe entre osprofessores. Iniciar a reflexão em um nível deensino a respeito de quando e quais procedi-mentos ensinar; promover acordos a esse res-peito; favorecer a troca, entre os próprios pro-fessores, de propostas metodológicas que jáse realizem ou de propostas inovadoras quealgum professor tenha tentado em busca deum ensino reflexivo são medidas indiretasmuito adequadas para incidir na forma comoos professores concebem as estratégias e emsua possível introdução nas salas de aula (DeICarmen, 1996b; Parrilla, 1996). Naturalm en-te, em todos os casos, o assessor pode facili-tar a análise das principais dificuldades mani-festadas pelos alunos em cada área e proporsoluções metodológicas alternativas.

Em relação aos alunos e à suagestão do processo de aprendizagem

Recuperamos, agora, o aluno que no iní-cio do capítulo anterior estava tentando apren-der a Tabela Periódica; ou os seus colegas que

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176 :OLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

: =::J.entavam seus infortúnios com as anotações:-2 história. Ali os vemos sós, confrontados com;'.l3S tarefas escolares em um momento muito::;ncreto do processo de ensino e aprendiza-;effi. Insistimos em afirmar que, em última aná-.ise, o ensino estratégico pretende conseguiralunos autónomos capazes de pensar e de atuarde forma independente diante de tarefas com-plexas como aquelas. Mas, como também ar-3umentamos ao longo deste capítulo, os dife-:'entes elementos do cenário educacional de-vem contribuir de maneira eficaz e resoluta na::msecução deste objetivo. Diante de situações;Jroblemáticas, em que os alunos não consigam.embrar-se do que supostamente estudaram,n em resolver o que pareceu entendido, oassessoramento deve visar não apenas à análi-se da atuaçâo particular do aluno, mas tam-

bém à revisão de todos os elementos da situa-ção educacional que confluem na aquisição doconhecimento estratégico. Só assim seráfactível, em última análise, a modificação dasestratégias que tais alunos põem em prática,ajudando-os, primeiro, a tomar consciência decomo podem resolver as tarefas de aprendiza-gem, e depois, a controlar e a regular de formaconsciente a execução de tais tarefas. Nesteponto, atrevemo-nos a convidar o leitor a atuarestrategicamente (se o seu objetivo é com-preender essa temática de forma significativa),voltando a ler o capítulo anterior da perspecti-va com que este se encerra e, se assim proce-der, que decida por si mesmo quando, como epara que escapar do círculo que tão viciosa-mente lhe estamos propondo.

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10 Orientação motivacionale estratégias motivadorasna aprendizagem escolarJESÚS ALONSO TAPIA E IGNACIO MONTERO

o PROBLEMA

"O que posso fazer para conseguir quemeus alunos se interessem pelos conteúdos ese esforcem para aprender?" Essa é uma per-gunta que os professores se fazem e a repetemmuitas vezes aos orientadores quando se de-param com alunos que progridem pouco emsua aprendizagem. Todos os educadores gos-tariam que seus alunos prestassem atenção, de-dicassem tempo ao trabalho escolar, fossemalém das propostas e procurassem encontrarresposta às suas interrogações pessoais e querealizassem projetos voltados à aquisição deconhecimentos e ao desenvolvimento de com-petências pessoais. No entanto, comentárioscomo "Amaioria só estuda na época das pro-vas e, às vezes, nem isso", "São incapazes detrabalhar se não lhes passamos trabalho", "Se-guem a lei do menor esforço" são ouvidos fre-qüentemente, tornando evidente que a reali-dade está muito longe do desejável, fato queleva os professores à questão que inicia estecapítulo.

A resposta a tal pergunta exige uma aná-lise do contexto institucional criado pelos pro-fessores quando propõem o ensino. Se intera-gem com seus alunos respondendo às suas de-mandas e às dificuldades que experimentam,se os avaliam, etc. O problema é com base emque critérios se pode avaliar a adequação dasestratégias de atuação docente para contribuirpara o desenvolvimento e a ativação de uma mo-tivação adequada dos alunos para aprender e,no caso de não ser adequada, com base em quecritérios desenvolver e avaliar possíveis estraté-

gias de atuaçáo. De fato, são muitos os Els}:ec-tos da atuação do professor que estão sob sei;controle e que podem ter repercussões motiva-cionais - colocar problemas ou interrogações.mostrar a relevância de atingir os objetivos.usar diferentes modos de incitar à participa-ção, propor as atividades de forma individual,cooperativa e competitiva, forma de avaliar, etc.Para poder determinar se os modos de atua-ção a que se faz referência influem positiva-mente na motivação para aprender e sob quecondições, é preciso dispor de critérios.

A determinação de tais critérios exige oconhecimento prévio das características pes-soais que influem na forma como os alunos en-frentam seu trabalho escolar, definindo formasde atuaçâo próprias de sujeitos com diferentestipos de motivação. Assim, será possível avaliaras linhas e as estratégias de atuação docenteem função da capacidade para motivar ad e-quadamente os alunos.

O PONTO DE PARTIDA:A MOTIVAÇÃO DOS ALUNOS

A pesquisa sobre motivaçàc e'.ié.e::c::::.rque os alunos enfrentam seu trabalhe C:::I:1 maisou menos interesse e esforço devido a tres ti-pos de fatores (Alonso Tapia, l;;r: :

O significado que tem para eles con-seguir aprender o que lhes é propcsto,significado este que depende dos ti-pos de metas ou de objetivos cuja ob-tenção consideram mais importante.

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178 COll, MARCHESI, PAlACIOS & COlS.

- As possibilidades que julgam ter parasuperar as dificuldades que implicamalcançar as aprendizagens propostaspelos professores, consideração estaque depende, em grande medida, daexperiência de saber ou não como en-frentar as dificuldades específicas en-contradas.

- O custo, em termos de tempo e de es-forço, pressentido pelos alunos em re-lação ao que as aprendizagens signifi-cativas representarão para eles, mes-mo que se julguem capazes de supe-rar as dificuldades e de alcançar asaprendizagens propostas.

Que metas os alunos perseguemao enfrentar a atividade escolar?

As atividades acadêmicas têm sempremais de um significado, visto que contribuempara a consecução de diferentes metas. Contu-do nem todas as metas têm a mesma impor-tância para cada aluno. A importância variatanto em função da orientação pessoal destescomo das várias situações que enfrentam aolongo de sua vida acadêmica. Por isso, levan-do-se em conta que as diferentes metas muitasvezes têm efeitos opostos sobre o esforço comque os alunos enfrentam a aprendizagem, pa-rece importante saber quais são esses efeitospara então decidir sobre que metas procurarinfluir e como fazê-lo.

Um exemplo pode servir de base paraguiar a reflexão sobre o papel das metas. Emuma aula de matemática no primeiro ano doensino médio, quatro alunos - Eva, Juan,:;andra e Luis - apresentam as seguintes ca-racterísticas. Os dois primeiros vão muito bem,3.0 contrário do que ocorre com os dois últi-IOS. que muitas vezes não conseguem atin-.r:I o nível de aprovação. Embora Eva e Juan,::s~ejamindo bem, seu modo de enfrentar o::-:J:alhoé diferente. Evaparece particularmen-:= interessada em entender o que se explica na,,'':::3. :,luitas vezes, fica tão absorta pensando,,= '..:.::rc. problema que se esquece de outras ta-:-=~2.~cue têm de fazer. É tão meticulosa que::.i: : :"tuma terminar as tarefas na aula e, por..::: :=I de fazer em casa. Juan, por sua vez,:: :,c.::::. ?nncipalmente terminar as tarefas,

quanto antes melhor, gosta de superar os ou-tros e, por isso, quando pode torna público quefoi o primeiro a resolver os problemas. É mui-to sensível ao fato de ser comparado com ou-tros e quando erra, logo procura uma descul-pa. Sandra, por outro lado, preocupa-se poucocom a matemática. Em geral permanece cala-da na sala de aula, pensando em suas coisas.Se tem de fazer uma tarefa, mostra-se insegu-ra sobre a possibilidade de concluí-la. Quandose sente ameaçada emocionalmente, debruça-se sobre si mesma ou reage com cólera conti-da. Finalmente, Luis também não se interessapor matemática; fica aborrecido na aula e sem-pre tenta conversar com outros. Se o professorpassa tarefas, experimenta um grande desâni-mo por ter de fazê-las, coisa que procura evi-tar por todos os meios.

Certa ocasião, a professora anunciou quefaria uma prova sem tê-los avisado previamen-te. A maioria dos alunos começou a fazer ruí-do e a dizer que era injusto que lhes desse umaprova. A professora disse que não ia dar nota,mas só queria saber como estavam. Luis conti-nuou protestando, manifestando seu enfado.Sandra disse que não conseguia trabalhar por-que estava com dor de cabeça. Juan ficou comcara de satisfação enquanto dizia "Com certe-za, são fáceis. Vocêvão ver como faço primei-ro". Eva, finalmente, perguntou se depois iamcorrigir os problemas para ver como era preci-so fazer e, diante da resposta afirmativa, ini-ciou sua tarefa completamente relaxada e tra-balhando como sempre. Os quatro casos des-critos são protótipos dos alunos com que nosdeparamos em aula. Qualquer professor reco-nhece que sua motivação é diferente. Mas emquê? O que determina seu modo de atuar?

Trabalhar pode significar aprender,crescer, desenvolver-se edesfrutar da tarefa

O significado básico que toda situação deaprendizagem deveria ter para os alunos é ode possibilitar o incremento de suas capacida-des, tornando-os mais competentes e possibili-tando-lhes desfrutar do uso delas. De fato, em-bora existam grandes diferenças individuaisentre os sujeitos de uma mesma idade e os su-jeitos de idades diferentes, muitas vezes ob-

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servam-se alunos absortos em sua atividade,tentando imaginar o que ocorreu no períodohistórico sobre o qual estão lendo, procurandoresolver um problema ou expressando suasidéias por escrito. Esse é o caso também de Evaem nosso exemplo. Quando isso acontece, diz-se que o aluno trabalha intrinsecamente moti-vado (Ryan e Deci, 2000), sendo capaz de fi-car absorto em seu trabalho, superando o abor-recimento e a ansiedade, buscando informa-ção espontaneamente e pedindo ajuda quan-do realmente necessita dela para resolver osproblemas com que se depara e chegando aauto-regular seu processo de aprendizagemque, de um modo ou de outro, se coloca comoo êxito de um projeto pessoal. Assim, conse-guir que os alunos enfrentem a aprendizagematribuindo-lhe o significado assinalado temefeitos altamente positivos, o que levanta aquestão de saber que características deve reu-nir o modo como o professor propõe o ensinopara que os alunos o enfrentem da maneiraadequada.

o valor do trabalho pode depender dapercepção da utilidade da aprendizagem

Aaprendizagem realiza-se em um contex-:0 social que contribui para lhe atribuir outrossignificados. O significado mais patente é o ins-trumental. Por isso, esforçar-se para aprenderpode ser mais ou menos interessante depen-dendo do significado funcional do que se apren-de. Busca-se aprender algo útil, embora a utili-dade seja relativa: compreender um princípio,resolver um problema, facilitar novas aprendi-zagens, facilitar aprendizagens que possibili-tem o acesso a diferentes estudos, ao mundoprofissional em geral e a postos específicos detrabalho em particular, etc. Se não se percebea utilidade do que se deve aprender, o interes-se e o esforço tendem a diminuir à medida queo aluno se pergunta para que serve saber o quese pretende que aprenda. Ao contrário, namedida em que se percebem as múltiplas utili-dades - a curto e a longo prazos - que pode teraprender algo, aumenta a probabilidade de que8 interesse e o esforço aumentem (AlonsoTapiae López Luengo, 1999).

A utilidade da aprendizagem pode seralgo intrínseco a ela. Assim, estudar pode faci-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 179

litar a compreensão de conceitos ou de proce-dimentos que, por sua vez, facilitam a com-preensão e a aprendizagem de outros maiscomplexos que, por sua vez, contribuem paraa aquisição de capacidades mais gerais que per-mitem enfrentar, de forma competente, dife-rentes tarefas e problemas. Quando os alunospercebem o significado ou a utilidade intrínse-ca do que devem aprender, seu interesse au-menta em praticamente todos os casos, embo-ra mais naqueles que tendem a atuar buscan-do o desenvolvimento da competência pessoale o desfrute da tarefa, motivação que contri-bui não apenas para maior aprendizagem e de-senvolvimento, mas também para um maiorbem-estar pessoal. Em nosso exemplo, a recu-sa da tarefa por parte de Luis e, parcialmente,de Sandra parece dever-se a que não perce-bem que utilidade pode ter a tarefa para eles.Por outro lado, o modo como Juan enfrenta atarefa sugere que, mais que a relevância intrín-seca da matéria, o que o estimula é que a per-cebe como uma oportunidade para competir,o que pode ter conseqüências negativas para oresto da turma. Parece necessário, portanto,que os professores revisem o grau em que des-pertam a curiosidade dos alunos mostrando arelevância e a utilidade que pode ter para elesa realização da tarefa.

o valor do trabalho pode depender deincentivos externos à sua realização

O esforço e a aprendizagem podem serpercebidos como úteis ou inúteis. dependendose possibilitam ou não a consecução de incen-tivos externos a eles - recompensas materiaisou sociais. :\ ausência de incentivos externospode ser. conseqüentemente, uma causa dafalta de motivação. Tal fato, porém, não impli-ca o princípio de que a motivação dos alunosse baseia em recompensas externas.

É certo que o uso de prêmios e castigosinflui no grau em que os alunos dedicam tem-po e esforço para estudar. Contudo, numero-sos trabalhos, dos quais alguns constituem umacrítica direta ao trabalho anterior, mostraramque as recompensas palpáveis e esperadas ape-nas são úteis quando o atrativo de uma ativi-dade só pode ser comprovado depois de levarum certo tempo realizando-a ou, quando épre-

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180 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

ciso, atingir um certo grau de habilidade paradesfrutar de sua realização. Nos demais casos,o fato de que para um sujeito sua motivaçãoprimária para aprender depende de incentivosexternos pode ter efeitos negativos (Leeper,~:'2"'.TIey e Drake, 1996). Muitas vezes, os in-:::I"_UVOS externos contribuem para fazer desa-~ .::.:-ecero interesse intrínseco que pode ter a:'2úzação de uma tarefa, dando lugar a que os.::..:.mos se esforcem apenas quando consideram~....:.e sua realização vai lhes proporcionar algum:'e:1efício externo a ela. Especificamente, na''::'':::ade recompensas esperadas e palpáveis ob-:2:YOU-Seque os alunos, supondo que decidam:::~rentar uma tarefa, envolvem-se mais pes-: =almente nela, tendem a resolver problemas=ais difíceis, centram-se mais na aprendiza-.~2m das habilidades básicas necessárias para.ua solução, centram-se mais no modo de re-: olver o problema ou de realizar a tarefa queem conseguir sua solução. Em geral, são mais.ogicos e coerentes no emprego de estratégias.ie solução de problemas do que quando inicial-.nente se ofereceu uma recompensa por suarealízaçáo.

Do que foi dito, se poderia deduzir que o:j,ue se deve fazer para motivar os alunos é lan-çar mão de estratégias que possibilitem motivá-.os intrinsecamente, como as que são descritasmais adiante. Em dois trabalhos paralelos, umrealizado com alunos de ensino médio e o ou-:ro com universitários (Alonso Tapia, 1999;..:Jonso Tapia e López Luengo, 1999), pudemos.omprovar que, se a principal motivação doaluno ao enfrentar as atividades escolares é de::';:10 externo, ele usa muitas estratégias teori-carnente adequadas para despertar a motiva-:3.0 intrínseca.

o significado do trabalho escolarooae depender das notas

.\"os contextos acadêmicos, tanto a ativi-:::.':;:: dos alunos ao procurar aprender como a:::-_õe:::ução ou não dos êxitos perseguidos é_ e:J de avaliação. Conseguir notas boas dá: ::T..::-ança, pois não conseguir a nota esperada:,:".::: ter conseqüências negativas de diferen-~e:: -=::: :5, razão pela qual os alunos estudam:,:i::2:-":':"J para passar. A avaliação afeta os alu-:: ::~ ':: mesmo modo que a promessa de re-

compensas ou castigos. Estuda-se em funçãoda nota, procurando não aprender em profun-didade o que os professores propõem, mas ad-quirir os conhecimentos mínimos requeridospara conseguir um bom resultado. Conseqüen-temente, se o professor não "tira" do alunomediante a avaliação, ele não estuda e, por isso,muitos professores consideram que fazer refe-rência freqüente à avaliação enquanto ensinamconstitui um dos recursos mais poderosos deque dispõem para motivar (Alonso Tapia,1992a).

Uma coisa, porém, é obter uma nota, eoutra coisa é "saber" no sentido mais profun-do do termo. A ameaça de notas desfavoráveistende a fazer com que aumente o número detarefas concluídas, mas costuma favorecer aaprendizagem mecânica e memorística em faceda elaboração da informação que possibilitauma aprendizagem significativa. A ameaça deuma avaliação adversa até pode aumentar cer-tos rendimentos, mas seu efeito sobre a apren-dizagem é qualitativamente negativo. Em nos-so exemplo anterior, o protesto da maioria daturma, que nem sequer chegou a processar amensagem da professora de que se tratava dever como estavam e de que iam corrigir os pro-blemas para saber como fazê-los, mostra o efei-to da preocupação com a nota. Será preciso,pois, revisar o modo como a proposta da avalia-ção pode minimizar os efeitos negativos quetem sobre o aluno e maximizar os positivos .

o significado do trabalhoescolar depende de suasimplicações para a auto-estima

Geralmente ligada à avaliação, a ativida-de acadêmica adquire significado favorável oudesfavorável dependendo do grau em que con-tribui para preservar ou aumentar a auto-esti-ma ou, ao contrário, para fazer com que dimi-nua. No caso dos alunos particularmente preo-cupados com a possibilidade de perder suaauto-estima, caso encarnado por Sandra emnosso exemplo, sua preocupação dominantepelo modo como o professor e os colegas osavaliarão tende a inibir atividades como per-guntar, participar, envolver-se em trabalhos queoferecem a possibilidade de elaborar e pôr àprova os próprios conhecimentos. Conseqüen-

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temente, de aprender atividades que poderiamcontribuir para facilitar a aprendizagem, alémde induzir a adoção de estratégias de garan-tam sua consecução. Esse efeito se produz tan-to mais quanto maior é o medo de fracassar.

Devido ao fato de que a preocupação coma auto-estima pode ter efeitos negativos sobreomodo como os alunos enfrentam a atividadeescolar, que repercute negativamente em suaaprendizagem e em seu desenvolvimento pes-soal, parece necessário que os professores ava-liem suas linhas de atuação tendo em vista oefeito que possam ter sobre a auto-estima, demodo que, se esta é negativa, a modifiquem.

o valor do trabalho escolar dependedo respeito ao desejo de autonomia

A atividade acadêmica adquire ainda ou-tros significados que podem influir no interes-se e no esforço por aprender. Referimo-nos, porum lado, a que seja percebida como algo queuma pessoa escolhe ou aceita de bom grado,não por imposição ou, ao contrário, que sejapercebida como uma imposição sem valor pes-soal. É certo que na escola se impõe quase tudoaos alunos: o fato de ter de frequentá-la, oscolegas com os quais trabalhar, os conteúdos,'J professor, o fato de serem avaliados, etc. Issonão significa, porém, que os alunos não pos-sam aceitar a atividade escolar como própria.Depende de que o contexto criado pelos pro-fessores desperte neles a curiosidade e o inte-resse pelo que devem aprender e pelo trabalhoa realizar; depende também de que mostre queo que devem aprender e fazer contribuirá paraque consigam objetivos relevantes e úteis emrelação às suas metas e a seus valores pessoais,de que ofereça o máximo possível de possibili-dades de opção - escolher colegas para um tra-balho, escolher um trabalho entre vários pos-síveis, etc. - e, sobretudo, de que realmenteproporcione ao aluno a experiência de que seutrabalho está sendo útil porque lhe permiteprogredir.

Comojá mostrou De Charms (1976), tra-bolhar sem sentir-se obrigado, se possível emTOrnode projetos de desenvolvimento pessoalque uma pessoa escolhe, ou, em outras pala-vras, sentir que se atua de forma autónoma,controlando a própria conduta, é positivo e fa-

DESENVOLW,IEi;-:::S ::~:3IC:::::EDL:CAÇÃO. V.2 181

cilita a regulação é.aprópria aprendizagem. Deoutro ponto de vista. E:.-a::e =ec; ).orv(~:assi-nalam que as pessoas ":;1.:S(2.1::.Sf::1jY-Sf:inde-pendentes e capazes de :let2r.:::.::::13':- S1.:2l.~ro-pria conduta e que expf::-:r::.e:-_ca.:::.-:;55esenti-mento quando realizam as t3:"e~2.s ;c=rseu -:21-

lor intrínseco, e não por rê=c:r..~e::s2.~e:,::e:--nas. Quando conseguimos issc. a:.:=-:;:::.=:.= ;r.=:.·..:de nossa capacidade para aprer.c er a :::-3:" :::-=-veito de nosso trabalho.

Ao contrário, quando alguém ô-:; ô2:-_:-:;uma marionete nas mãos das pessoas .:::..:= =obrigam a estar na aula, desapareceo =õf=~;=e o interesse e aumentam as condutas -:c::::-das a sair de qualquer jeito da situaçàc :55 =ocorre, sobretudo, quando a matéria a es1"..:.:1.=:.rnão interessa ao aluno, que não vê sua re.e-vância ou sua utilidade ou porque não a e:1-tende - algo sobre o que os professores podeminfluir, como se deduz dos trabalhos de AlonsoTapia (1999) e Bergin (1999) -, quando experi-menta a impossibilidade de alcançar os êxitosperseguidos por vê-los fora do alcance de suacompetência pessoal (Pajares, 1997; Weiner,1986), quando experimenta a possibilidade deser rechaçado pelo professor ou pelos colegasou, simplesmente, de sentir que vale menos queeles (Elliot, 1999). Nesse caso, o aluno não sesente à vontade na aula e procura evitar o tra-balho escolar, às vezes de forma passiva, masoutras vezes atuando de forma intempestiva.

É importante, pois, que os professores 21',·21-liem suas linhas de atuação tendo em vista J

grau em que possibilitam a experiência de em-petência e autodeterminação ou, ao contrarie.fazem com que os alunos se sintam obrigadcsa experimentar e ter de trabalhar em at:'.-:.:::'2.-des cujo significado pessoal não vêem c:.: ~r::.que não avançam, ainda que se esforcem

o valor do trabalho dependeda apreciação do aluno porprofessores e colegas

A atividade acadêmica nà ; se real.za ceforma impessoal, mas em um cC::1te:':t::socialem que as relações entre prcresscres e c..:UTIOS

podem afetar o grau de aceitacào pessoal e afe-to que estes experimentam :;corparte daque-les. Todo aluno procura sentir-se aceito como é,pelos outros, e essa necessidade é tanto mais

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182 COLL, MARCHES/, PALAC/OS & COLS.

forte quanto maior é a motivação de filiaçào.Além disso, quando tal motivação é elevada,os alunos são mais eficientes ao cooperaremdo que ao competirem ou trabalharem sozi-nhos e, como resultado da atividade, consegui-rão maior aceitação e contato com os outros(Koestner e McClelland, 1992).

Por tudo o que foi dito, se um aluno, pelarazão que for, sente rejeição por parte do pro-fessor ou, simplesmente, sente que este prefe-re e trata de favorecer mais os outros, ou senterejeição do grupo, procurará evitar a situaçãose puder, senão sentirá que está na escola porobrigação, tanto mais quanto maior seja suanecessidade de aceitação (Alonso Tapia, 1992b;McClelland, 1985). Conseqüentemente, é pre-ciso que os professores revisem em que medi-da são adequadas suas linhas de atuação emaula com relação à necessidade do aluno desentir-se aceito, em particular aquelas que co-municam a ele se é ou não, e aquelas que con-tribuem para que os alunos aceitem uns aosoutros.

O conjunto de conseqüências que as dife-rentes metas dos alunos têm sobre o modocomo estes enfrentam a atividade escolar le-vou a analisar as repercussões potenciais quederivam de seus modos de atuação do profes-sor com relação às diferentes metas que os alu-nos perseguem (Alonso Tapia, 1997; Ames,1992). Contudo, como assinalávamos no iní-cio, a motivação depende não apenas do signi-ficado da atividade, mas também de saber comoenfrentar as tarefas de aprendizagem e, emparticular, as dificuldades com que se deparam.

Por que o interesse e o esforçodos alunos se modificamdurante o trabalho escolar?

Um fato que os professores de todos osníveis escolares constatam com frequência éque ao iniciar uma aula ou ao pedir aos alunosque façam uma tarefa, muitos começam pres-tando atenção à explicação ou à atividade, mas,a medida que encontram dificuldades, vão pro-.!='essivamente se distraindo e deixando de tra-:alhar. Nem todos, porém, se distraem ou aban-::::lam a tarefa ao mesmo tempo. A que se::~-.-~,pois, que os alunos deixem de interes-sar-se e de esforçar-se por uma atividade quan-

do inicialmente estavam motivados? O que nós,professores, podemos fazer para evitar a per-da de atenção e de interesse?

Os alunos se desmotivamse não sabem como aprender

A atenção dos alunos a uma explicaçãoou ao processo de realização de uma tarefa édeterminada inicialmente pela curiosidade quedespertam e, sobretudo, pela percepção de suarelevância. Se a tarefa é aborrecida ou não sepercebe para que pode servir; buscam automa-ticamente formas de se livrar dela. Em muitosoutros casos, embora se perceba a relevânciada tarefa e inicialmente ela não pareça aborre-cida, isso não parece suficiente para manter ointeresse e a motivação. Por quê?

Motivação e resposta diante da dificuldadepara compreender uma explicação. Em um inte-ressante trabalho, Kuhl (1987) mostra que,quando as pessoas se deparam com uma difi-culdade, não abandonam automaticamente atarefa. Inicialmente, todos costumam tentar no-vamente resolver o problema. Se a dificuldadenão desaparece, desiste-se de fazer novas ten-tativas, ainda que - e isto é importante - algunso façam antes que outros, diferença esta queexige uma explicação. Kuhl encontrou-a no quedefiniu como orientações motivacionais básicas,a orientação para a ação - para o processo derealização da tarefa - e a orientação para o esta-do - para a experiência derivada do resultadoobtido nesse momento. Para entender a que serefere Kuhl e o que tem a ver o que ele diz coma motivação de nossos alunos, pode ser útil com-parar as formas que seguem, em que diferentesalunos enfrentam as dificuldades.

Uma primeira forma de reagir, provavel-mente a de Eva ou Juan, dois alunos do exem-plo a que nos referíamos, seria perguntar aoprofessor quando, durante a explicação, nãoentendem algo. Se a resposta não é satisfatória,a reação pode ser perguntar de novo ou ficarcalado. O primeiro costuma ocorrer com maisfrequência quando a pessoa está atuando combase no roteiro. "O que devo fazer para apren-der?", roteiro que se traduz em pensamentosdo tipo "O que será que quer dizer? Vou insis-tir". E se, mesmo assim não entender, pode serque continue pensando: "Bom, vou tomar no-

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tas e depois pergunto a alguém ou olho no li-vro para ver se entendo".

Ficar calado, ao contrário, costuma ocor-rer quando se atua orientado ao estado, o queimplica seguir o roteiro "Não estou entendendoisso, émuito difícilpara mim". Nesse caso, comonão se pergunta, deixa-se de compreender, e nãose está com a atenção centrada em como sairdo bloqueio, o sujeito se sente mal e tende alibertar-se dessa situação, o que pode levá-lo adistrair-se, a falar com outro ou, simplesmente,a evadir-se em seu mundo interior. Às vezes,continua-se prestando atenção e se tomam no-tas que depois são memorizadas, pois essa for-ma de atuar evita outros problemas, mas não setenta realmente compreender.

No primeiro caso, a atenção se centra nabusca das ações necessárias para executar oprocesso que permite compreender e aprender,enquanto que, no segundo, centra-se na expe-riência ou no estado de dificuldade que a situ-ação gerou. Quando isso ocorre - quando osalunos estão voltados ao estado emocional quegera a experiência de dificuldade ou de fracas-so - é muito mais difícil, ainda que desejemaprender, que traduzam essa intenção em li-nhas de atuação capazes de permitir a auto-regulação das atividades dirigidas à compreen-são, à aprendizagem, à solução de problemase à comunicação, ao contrário, tendem a re-moer idéias relacionadas com a experiênciamencionada.

Motivação e resposta diante das dificulda-des experimentadas ao realizar uma tarefa. Algoparecido ocorre se em vez de estar atento auma explicação trata-se de realizar uma tare-fa, como mostrou Dweck e Elliot (1983). Asdificuldades que esse processo implica são en-frentadas de diferentes modos associados àpreocupação prioritária para conseguir metasque definem diferentes orientações motivado-nais: orientação para a aprendizagem ou a ta-refa (OA), ilustrada por Eva em nosso exem-plo, orientação para o resultado por suas im-plicações para a auto-estima (OR), ilustradapor Juan, e orientação para evitar o trabalho(OE), ilustrada com a atuação de Sandra e Luis.

O próprio fato de ter de realizar uma ati-vidade não-rotineira, que implica, portanto, apossibilidade de fazê-la bem ou mal, pode darlugar à percepção inicial da tarefa como um

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desafio, como uma ameaça ou como uma obri-gação pesada e aborrecida, Essa percepção gerapensamentos de diversos tipos Assim, no casode AO: "Parece interessante, "-amos ver se eufaço bem"; no caso de or., pensam entes como"Isso é uma confusão. Que problemas mais di-fíceis"; finalmente, no caso de OE, per.samen-tos do tipo: "Que chatice! Para que serve.: eleacha (o professor) que não temos nada maisinteressante para fazer".

Além dessa percepção, o foco de atençãono começo da tarefa traduz-se em diferentes ti-pos de perguntas características, também, dasdistintas orientações. Assim, perguntar-se oupensar: "Vamosver como posso fazer isso? ."dá para fazer assim ou talvez assim ..." é pró-prio dos sujeitos orientados para a aprendiza-gem (AO); pensamento do tipo "Que difícil!...Eu não vou conseguir... Para mim, isso não dá!"são próprios de sujeitos orientados para o re-sultado e preocupados com sua auto-estima(OR); finalmente, perguntar-se "Como eu po-deria me livrar disso o quanto antes?" ou pen-sar "vou ver se consigo escapar de fazer", sãopróprios de sujeitos que, por uma razão ou ou-tra, não querem envolver-se na tarefa e sãoorientados para evitá-la (OE).

O efeito das perguntas iniciais, como sepode deduzir, é diferente. O primeiro tipo depergunta orienta a atenção para a busca dasestratégias e da informação necessárias parafazer a tarefa, com o que são maiores as possi-bilidades de êxito. Ao contrário, com as per-guntas do segundo tipo, ao centrar-se na ansie-dade gerada pela experiência da dificuldade,o aluno não busca tão ativamente as estraté-gias adequadas para resolver o problema e, comisso, aumenta a possibilidade de fracassar. Asperguntas do terceiro tipo, finalmente, levama buscar estratégias que permitam livrar-se oquanto antes da tarefa.

É freqüente observar, também, quando sepresta atenção aos momentos em que os alu-nos fazem comentários em voz alta ao enfren-tar alguma dificuldade, que a orientação inicialse mantém durante a realização da tarefa. Aorientação à aprendizagem (AO)manifesta-sequando o aluno, em um monólogo interior àsvezes expressado em voz alta, se pergunta,obviamente com variações dependendo da na-tureza da atividade: "Que passos devo dar? ..Oque devo fazer neste momento? ..0 que me pe-

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dem realmente? ...Onde encontro tal informa-ção?... O que isso tem a ver com?...''. Ao con-trário, a orientação para o resultado (OR) com-provado se manifesta em pensamentos e ver-balizações freqüentes do tipo: "Será que estábem? ... O que significa esse problema? ... Nãosei se vai dar tempo ... Estou certo que não estámal ...", às vezes acompanhadas de nervosismoe ansiedade, isto é, por um lado, a orientaçãopara a ação se manifesta na atenção ao pro-cesso mediante o qual, utilizando ativamenteos conhecimentos conceituais, procedimentaise estratégicos proporcionados pelo ensino, pro-curamos realizar a tarefa. A orientação paraestudo, porém, manifesta-se na atenção aos re-sultados, que geram estados emocionais dife-rentes conforme sejam percebidos como pro-gresso ou êxito ou, ao contrário, como parali-sação ou fracasso.

Devemos destacar que a orientação moti-vacional marca um estilo de enfrentamento,mas isso não significa que os alunos atuem deforma rígida. Quando os alunos se deparamcom dificuldades persistentes, embora inicial-mente tenham reagido procurando aprender,podem mudar e reagir como fazem os alunosorientados para o resultado - fazendo-se atri-buições orientadas a preservar a auto-estimacomo "é muito difícil" - e inclusive abando-nando a tarefa (Pardo e Alonso Tapia, 1990).Àsvezes, o abandono pode ser razoável devidoao que o sujeito sabe, mas outras vezes se deveà emoção negativa gerada pela dificuldade.

Finalmente, as orientações assinaladasmanifestam-se em outros aspectos da ativida-de do sujeito, dos quais talvez o mais impor-tante seja aforma de reagir diante dos erros. Osalunos orientados à aprendizagem, quando re-cebem um exercício corrigido em que a quali-ficação é baixa ou quando obtêm uma nota mána prova, recorrem ao professor não para pe-dir que aumente sua nota, mas para perguntaro que fizeram de errado e para que lhes expli-que porque está errado. Quando um aluno ageassim, ainda está com sua atenção centrada nasações necessárias para atingir o objetivo quebuscava conseguir, chegar a compreender. Paraos alunos orientados ao resultado, no entanto,os erros são um fato que confirma suas per-cepções e expectativas iniciais acerca da difi-culdade da tarefa ou de sua incompetência pararealizá-la, o que os leva a percebê-los como um

fracasso e a reagir procurando desculpá-lo: "Eramuito difícil", "Não tive tempo de estudar", etc.Finalmente, os alunos orientados para evitarpodem perceber o resultado final como um cas-tigo, no sentido de que o fracasso implica anecessidade de continuar trabalhando, que éjustamente o que procuravam evitar:

Efeitos das diferentes fo 17n as de reagir dian-te das dificuldades. Como se pode deduzir dasidéias e dos exemplos que expusemos, aindaque os alunos inicialmente estejam atentos auma explicação ou se ponham a realizar umatarefa, a probabilidade de que a atenção e oesforço iniciais desapareçam é maior no casodos sujeitos cuja atenção se centra não emcomo resolver as dificuldades, mas sim no fatode experimentá-las. Ao contrário, nos alunoscujos pensamentos traduzem uma orientaçãopara as ações a realizar para atingir os objeti-vos escolares, a probabilidade de encontrar epôr em jogo os conhecimentos e as estratégiasadotados é maior e, por isso, é mais difícil queseu interesse e sua motivação mudem ao lon-go da atividade.

A exposição anterior pode, contudo, tersuscitado no leitor a seguinte reflexão: "É pos-sível que enfrentar o trabalho escolar pensan-do de um modo ou outro entre os que foramdescritos seja um fator importante que contri-bua para explicar as mudanças de interesse ede motivação em meus alunos, mas não é algoque esteja fora de meu alcance, em que nãoposso influir? O que faz com que alunos e alu-nas pensem de um modo ou de outro?".

Motivação e auto-regulação

As diferenças descritas no modo de per-ceber as tarefas e no modo de reagir diantedas dificuldades definem formas distintas deregular a própria atividade em situações deaprendizagem. Dizer que essas orientações sedevem à orientação motivacional distinta, noentanto, é uma explicação insuficiente para sa-ber em que os professores podem intervir. Portrás da disposição dos alunos de atuarem comuma orientação ou com outra há uma série deprocessos cognitivos e metacognitivos e de rea-ções afetivas que condicionam a forma de atuar.

A auto-regulação do comportamento emum contexto qualquer pressupõe que o sujeito

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:,usca uma meta de forma intencional, embo-ra não necessariamente explícita, que decide·.:mplano de ação para consegui-la, que utiliza:..:mcritério para avaliar se sua forma de agir oaproxima da meta ou não, que supervisiona o';Tau em que isso ocorre, que corrige sua atua-cão e que decide quando deve dar por conclu-:do o esforço e passar para outra atividade. Aauto-regulaçâo não é um processo meramente:ognitivo. A avaliação que o sujeito realiza dadistância que o separa da meta e de sua capa-:idade de alcançá-la gera emoções que podem:nterferir no processo e que o indivíduo devesaber manejar. Além disso, os alunos se depa-ram muitas vezes com o atrativo de atividadesorientadas para metas alternativas, atrativocuja influência deve anular para conseguir a:neta desejada. As orientações motivacionaisdescritas mostram que nesse processo se pro-.iuzem diferenças sistemáticas entre os alunos,diferenças cuja origem é preciso rastrear.

Significado pessoal das metas e auto-re-;ulação. Um dos elementos-chave que facilita:;ue a forma de pensar dos alunos responda aopadráo de auto-regulação próprio dos sujeitos.mentados à aprendizagem é que a consecu-çào da meta interesse diretamente ao sujeito.30ekaerts e Niemivirta (2000) apresentam umexemplo que ilustra esse ponto. Contam o caso::e uma menina, Elena, que tinha dois anosquando nasceu sua irmã Clara. Supõem que amenina deve ter percebido que sua irmã erauma rival e que isso motivou a necessidade demostrar sempre que era superior à sua irmã,pois não perdia a oportunidade de demonstrarsua capacidade de fazer coisas que sua irmãnão podia fazer, particularmente ler e escre-ver, Quando sua irmã fez cinco anos, tambémcomeçou a ler e a escrever. Obviamente, Elenajá não podia dizer que a irmã não era capazdessas habilidades. Então, pediu aos pais quelhe adiantassem o presente de aniversário, ummétodo de escrita em cursiva que lhe permitiair muito adiante da irmã. Os pais o compra-ram, e ela idealizou seu próprio método deaprendizagem. Primeiro, pedia a seus pais eamigos que escrevessem, em cursiva, o que elatinha escrito em letras de forma e, depois, uti-rizava os modelos assim obtidos para praticar.Em seguida, fazia o inverso. Escrevia em cur-siva, pedia aos outros que lessem em voz alta

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o que havia escrito e comprovava o que ouviacom o texto escrito em letra de forma. Esseexemplo ilustra como se pode aprender e re-gular a própria aprendizagem quando o êxitodesta está a serviço de uma meta pessoal.

Na sala de aula, no entanto, muitos alu-nos não têm uma idéia clara de suas necessi-dades e aspirações nem do valor que pode terpara eles o que lhes sugerem que aprendam,razão pela qual não põem em prática proces-sos auto-reguladores como os ilustrados porElena, característico dos sujeitos orientados àaprendizagem. Isso não significa que os alu-nos não aceitem as metas propostas pelo pro-fessor. Felizmente, muitos fazem isso. Entre-tanto, visto que são assumidos de forma su-perficial, os processos de pensamento median-te os quais regulam sua aprendizagem não sãotão adequados como deveriam ser. Esse fatosugere a necessidade de os professores revisa-rem as linhas de atuação, que, além evidencia-rem a relevância de aprender o que se preten-de ensinar, podem afetar a profundidade comque os alunos assumem essa aprendizagemcomo algo de interesse pessoal.

Conhecimento e auto-regulação. Kuhl(1987) assinalou que, entre a decisão de ten-tar alcançar uma meta e a execução das ativi-dades necessárias para consegui-la, medeiauma série de processos cognitivos e metacogni-tivos relacionados com o controle da ativida-de, que podem facilitar ou impedir a consecu-ção da meta. Assim, assinala: a) a importânciada atenção do sujeito, atenção que, quando seexperimenta uma dificuldade ou um fracassopode centrar-se de forma seletiva na informa-ção relacionada com as ações necessárias paraconseguir a meta, ou, a contrário, na emoçãonegativa que a experiência adversa pode ge-rar; b) o conhecimento que o sujeito tem so-bre a efetividade potencial de diferentes for-mas de atuação aplicaveis para conseguir umobjetivo; e (, o conhecim entc relativo à formade utilizar os conhecimentos anteriores pararesolver o »roblema.

Se. diante de um fracasso, um sujeito nãosabe que e melhor perguntar-se "corno possoresolver isso?" e interpretar a experiência comoindício para uma maior concentração no pro-blema e para tentar, eventualmente, o uso deestratégias alternativas, em vez de centrar-se

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danças são acompanhadas de outras de tipocognitivo. Por exemplo, aumenta a tendênciaa interpretar os resultados da própria condutacomo êxitos ou fracassos, em vez de ver o errocorno algo natural com que se pode aprender,J que era a tendência natural nas criançasmenores. Essa tendência acentua-se até que naadolescência já se observa, de modo habitual,diferenças sistemáticas nos dois tipos de me-tas que os alunos perseguem e no modo de_pensar e de enfrentar as tarefas .escolares.

Por outro lado, e paralelamente à tendên-cia anterior, observa-se uma mudança na quan-:::dade e no tipo de informação que os profes-S ores fornecem aos alunos com respeito ao seu::-abalhoescolar e aos resultados dele. Diferen-.eniente do que ocorre com os sujeitos meno-:es, os alunos do ensino médio recebem muito-;:::mcainformação no decorrer de suas ativida-~es que sugira pistas para pensar, modos de.:.~roveitara informação contida nos erros, etc.:'-indaque, obviamente, existam diferenças con-s.deráveis entre uns professores e outros, ge-ralmente só se dá informação aos alunos sobreõ eu trabalho por ocasião das avaliações, de al-;-..:.m trabalho ou no caso de ir ao quadro-ne-.;:-:. informação que, por outro lado, costuma:-~:'erir-seà qualidade do resultado mais do que.i. = processo de solução.

Pode-se deduzir facilmente que se à me-'::da que os alunos enfrentam tarefas cada vez=ais complexas recebem menos informação'::".1eos ajude a pensar de forma precisa sobre o=-cdo de superar as dificuldades, não apren-:=rão a pensar de modo adequado. Natural-=-ente, nem todos os alunos experimentam o=-esmo tipo de dificuldades nem todos rece-:"e:n a mesma ajuda, o que explica as diferen-::2..3 com que nos deparamos nos modos de en-===tar o trabalho escolar. Conseqüentemente,:;.;::se pretende conseguir que a forma como~·..:.r,osinterpretam e enfrentam o trabalho es-~'=~arfacilite a experiência de progresso e com:o,c:. a motivação para aprender, é preciso con-: -= guir que nossas linhas de atuação não ape-::::;'5 ponham em evidência que o que está em: =:;::> é a aprendizagem de conhecimentos e:__'::::Jilidadesrelevantes e úteis, mas que tam-:·em ensinem a pensar. Vejamos alguns pressu-::- = stos que de acordo com a pesquisa psicoló-

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gica e educacional podem se revelar eficazespara alcançar tais objetivos.

ESTRATÉGIAS MOTIVADORASPARA A APRENDIZAGEM

Os cenários educacionais - embora como denominador comum de docente e discente- podem ser de caráter muito variado. Não énosso propósito esgotar todos os parâmetrospossíveis que podem dar lugar a essa variabili-dade. Mas, dentro de uma obra com essas ca-racterísticas, consideramos necessário enqua-drar nossas propostas de intervenção em umcontexto de desenvolvimento psicológico e pes-soal que, em uma medida importante, produz-se no sistema educacional.

o sistema educacionale a formação das metas

Referimo-nos anteriormente a uma sériede metas que podem guiar a disposição de rea-lizar as diferentes tarefas que se apresentamao aluno nas escolas. Vale, porém, perguntarem que medida sua configuração final é media-da pelo próprio sistema que as demanda.

De autores como Stipeck (1984), Nicholls(1990) ou Covington (2000) e outros, vamosresumir o processo de construção motivacionalque acontece em nossas escolas, para, então,apresentar as propostas que nos permitemabandonar o papel de meros espectadores des-se processo.

Brincar com as letras e os números

Ao entrar na escola, os meninos e as me-ninas mergulham em uma série de atividadesque se caracterizam por terem estrutura e me-tas muito parecidas com as dos jogos que rea-lizam com os adultos. Partindo do princípio dequejá adquiriram determinados hábitos de au-tonomia e limpeza, como, por exemplo, comersozinhos e controlar os esfíncteres, a escola pro-põe que continuem brincando, mas com alguns

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=a:,,:-:'a.:.s com que antes não estavam muito:=i:iarizados. Abre-se para eles um período::ó:::l que devem aprender e desfrutar do queaprendem. Junto com isso, durante esses cin-:0 anos, produz-se o processo de surgimento:. :)5 primeiros rudimentos dos processos deauto-regulaçâo voluntária que acompanham ainternalização da linguagem como ferramentapara o pensamento e para a motivaçãoC\1ontero e Huertas, 1999). Em termos dasmetas antes descritas prioriza-se a orientaçãopara a aprendizagem, a autonomia e o apreçopelos professores - muito habitualmente pelasprofessoras - e pelos colegas.

Acabou a brincadeira:entre a lecto-escrita e a escola

A partir dos oito anos, aproximadamen-te, até o final do ensino fundamental, produz-se uma mudança radical. Quem não souberler e escrever com uma certa desenvoltura co-meçará a ter problemas. O importante, porém,não é fazer coisas, mas fazê-las bem. Comoassinala Stipek (1984), começam a aparecerdeterminados tipos de informação sobre o ren-dimento que implicam comparações norma-tivas, avaliações pessoais, etc. Junto com isso,costumam começar a aparecer comportamen-tos, tais como a perda da espontaneidade nasala de aula, a renúncia ao esforço que podeser acompanhada de faltas, a escolha de tare-fas muito fáceis ou muito difíceis, etc. Taiscomportamentos indicam que a introdução nosistema educacional, em sua vertente seleti-va, acarreta a aparição de orientações parametas que competem claramente com as quese enfatizavam na fase anterior. É o momentode pôr à prova a auto-estima, conhecer o va-lor das notas, ligar recompensas ao rendimen-to acadêmico, etc. Nicholls (1990) descreveucom detalhes o processo de surgimento de de-terminados elementos cognitivos - atribui-ções, expectativas, concepções da inteligên-c.a - que têm um papel muito importante naconfiguração dessas orientações motivacionais:-:er Capítulo 12 deste volume). Por volta dos::::. aJlOS, a criança já entende esses conceitos:.: mesmo modo que o adulto (Monereo,- - __ o • },Ias ainda tem mais.

No ensino médio

A maior mudança motivacional que seproduz entre essa etapa e a anterior é a que serefere às mudanças nas relações de apego. Pas-sa-se da proteção que têm na relação principalcom o professor para uma espécie de desfilede profissionais altamente especializados emsua matéria, mas com muitos grupos para en-sinar e bastante preocupados com o nível comque enviarão seus alunos ao próximo escalãoeducacional. Junto com essa mudança exter-na, aparecem as mudanças internas associa-das à puberdade e à revolução pessoal que im-plicam. Os hormônios pedem passagem, semque seus desconcertados proprietários consi-gam saber ainda as conseqüências que isso teme terá para suas vidas. O apreço pelos iguaispassa a ser um dos elementos fundamentaisna orientação motivacional dos estudantes.Esse apreço, além disso, mediará a consolida-ção da auto-estima pessoal tanto ou mais queo rendimento acadêmico. Também para a con-solidação da auto-estima será necessária a acei-tação de sua próprias mudanças internas. Etudo isso se produz em um processo no qual anecessidade de autonomia - já não funcional,mas vital -, a necessidade de a pessoa ser elamesma, passará a ter primeiro lugar nas prio-ridades.

Em resumo, nessa etapa, estão consoli-dadas todas as orientações motivacionais queaparecem no contexto educacional, mas aindaem um sistema instável em que prima a vonta-de de fazer ou conseguir coisas, mas se tempoucas habilidades para isso. Além do mais,apareceu um novo elemento: permanecer nosistema educacional é obrigatório, mesmo quenão se renda o suficiente para prosseguir nasetapas seguintes. Nessa nova situação, o con-flito entre metas pode ter conseqüências dra-máticas: como manter a auto-estima com bai-xas notas, sem possibilidades de aprender, semperceber a utilidade pessoal da freqüência àescola e, muito provavelmente, com o despre-zo dos professores e de grande parte dos cole-gas e das colegas?

De resto, como já assinalamos em outrolugar (Montero, 1997), a construção históricado sentido da atividade da educação formal nospaíses ocidentais teve implicações no apareci-mento de determinadas orientações motivacio-

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depois, informar primeiro sobre o cor-reto e o incorreto, mas centrando aatenção no processo seguido e no va-lor do que se aprendeu e, segundo, fa-cilitar a atribuição dos resultados a cau-sas que se percebem como internas, va-riáveis e controláveis, especialmente sesão falhos. Finalmente, uma estratégiareconhecida por todos é a de demons-trar com o exemplo. Ou seja, nos mo-mentos em que o professor realiza dian-te de seus alunos alguma das tarefasque vai propor, convém que sua atua-ção seja coerente com o discurso queprocura transmitir.

As implicações de diferentesmodos de manejar a AUTORIDADE

Há três perfis típicos que caracterizam omodo como os professores manejam a autori-dade na sala de aula. Há professores autoritá-rios, que se centram na disciplina e no contro-le sobre o comportamento dos alunos. Tam-bém há professores permissivos preocupadosunicamente em criar um ambiente de indul-gência, evitando "influir" sobre seus alunos. Porúltimo, estão os professores democráticos oucolaboradores, que conseguem um grau razoá-vel de controle, mas de um modo indireto.Apresentam-se como estimuladores da realiza-ção das tarefas ao mesmo tempo em que pro-movem a participação de seus alunos na toma-da de decisões com relação a elas.

Os professores descritos em terceiro lu-gar são os que mais promovem o desenvolvi-mento da motivação pela aprendizagem, vistoque trabalham concomitantemente a percep-ção da autonomia e a responsabilidade semabandonar o aluno à própria sorte, isto é, mo-:l.elando também o processo de realização daarividade escolar. O autoritarismo pode funcio-r.ar quando os níveis de conflito são elevados,zr.as tem a contrapartida de que a auto-regula-:iJ não se desenvolve: quando desaparece o: =:-.:role,desaparece o rendimento. Nos âmbi-::; ;-eemissivos, é possível que não haja confli-: :õ, Ias também não haverá motivação. Cada..:.=- :~:- a oportunidade de fazer o que lhe dá, :::-_:'=::'2 cão gera nenhum processo motivador:'~ ~ .:.::'::;:-E::1dizagem,nem para o rendimento.

O valor do RECONHECIMENTO

O valor do reforço positivo como incenti-vador da aprendizagem humana é um fato am-plamente comprovado. No contexto da sala deaula, quando se estabelecem boas relações en-tre o professor e o grupo de alunos, aquele seconverte em um ponto de referência, mais oumenos explícito, para a avaliação destes. Ome-canismo habitual mediante o qual se produzesse fato é o uso de elogios na sala de aula. Achave está em conhecer as implicações motiva-cionais de o que e como elogiar.

No que diz respeito ao que elogiar, pare-ce claro que o desejável é que o professor elo-gie o esforço e o progresso pessoal, insistindoem que os erros são uma parte do processo deaprendizagem. Para isso, é preciso levar emconta duas coisas. Não basta dizer ao alunoque se esforce e elogiá-lo por isso se ao mesmotempo não se assinala o modo de realizar atarefa. Por outro lado, é difícil valorizar o pro-gresso se não o avaliamos adequadamente enão assinalamos as vias pelas quais é precisoprogredir.

Com respeito ao como elogiar, pareceque a motivação pela aprendizagem é facili-tada quando tanto o elogio como a avaliaçãosão feitos em particular. Isto é, o elogio empúblico favorece o surgimento das compara-ções entre alunos dentro da sala de aula, eisso promove um esquema motivacional rela-cionado com o bom desempenho, e não coma aprendizagem. O contrário ocorre quandoa informação elogios a se dá de forma pessoale particular de cada aluno. A recomendaçãopode ser resumida em que é possível elogiaro fato, a conduta em público, mas de formaimpessoal. Quando se quer elogiar a pessoa,que se faça privadamente. E, sem dúvida, oque vale para o elogio vale também para arepreensão: que se comente em público a im-propriedade de um fato, mas nunca de umapessoa; quando a repreensão for pessoal, quese faça de forma particular.

Pode-se motivar propondo atividadespara realizar e avaliar em GRUPO

A quarta das dimensões de trabalho nasala de aula que pertencem à esfera do que o

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professor elabora e que tem implicações moti-vacionais no trabalho, conhecidas e contras-tadas, é o trabalho em grupo. Como já assina-lamos várias vezes (Alonso Tapia, 1992b;Huertas e Montero, 2000), esse trabalho deveimplicar não apenas a presença de mais deum aluno como unidade de aprendizagem,mas também o estabelecimento de pontos decooperação entre os componentes do grupovisando à consecução de uma meta comum.O taco de trabalhar em cooperação com ou-tros colegas tem vantagens motivacionais im-portantes. Não apenas facilita o desenvolvi-mente de determinadas aprendizagens dian-te do trabalho clássico individual, como tam-bém tem efeitos que poderiam ser considera-dos terapêuticos para os alunos que já desen-volveram um padrão motivacional de evitaras avaliações negativas ou de medo do fracas-so. Fazer parte de um grupo que realiza umatarefa com êxito aumenta as probabilidadesde aprendizagem desses sujeitos e permite me-lhorar suas expectativas em face do futuro.Além disso, no caso de falhar, a responsabili-dade é diluída e aumenta a probabilidade deemergirem as mensagens instrumentais paramelhorar, em vez de se estabelecer uma atri-buição interna e permanente.

Que AVALIAÇÃOproduz qual motivação?

Os especialistas assinalam três eixos rele-vantes da avaliação do rendimento dos estu-dantes que os professores costumam fazer, vi-sando a estudar suas conseqüências motivacio-nais: o eixo norma-critério, o eixo processo-pro-duto e o eixo pública-privada. O uso das for-mas clássicas de avaliação - referentes a nor-mas, centradas no produto e de caráter públi-co - estimula a orientação para as metas rela-tivas à busca de boas notas no caso dos alunoscom elevadas taxas de acerto. Também facilitaa orientação para metas relacionadas com aauto-estima, seja por buscar o bom desempe-nho - quando o que se espera é o êxito -, sejapor evitar avaliações negativas - quando o quese produz é um baixo rendimento. Ao contrá-rio, realizar a avaliação referente a critérios,centrada no processo e de caráter privado, fa-cilita o desenvolvimento das metas referentes

DESENVOLVIMENTO PSICC:":3iCO E E:UC.A,Ç.ÃO. V.2 191

ao aprender e ao desfrutar ê. embora em me-nor medida, às metas re.acior.adas CJO a per-cepção da autonomia.

É preciso aprender quetudo tem seu TEMPO

Esta última dimensão talvez seja a me-nos estudada. Sua conexão motivacional resi-de na relação que mantém com o surgimentode processos de ansiedade. Saber que há umtempo-limite para realizar uma tarefa tende anos deixar nervosos. A capacidade de assimi-lar a tensão que nos produz ou escapar de suasredes é algo que facilita um esquema de moti-vação positiva (busca em face de evasão). Omanejo da ansiedade distingue claramente osque são motivados pela busca do êxito dos queevitam avaliações negativas (Monereo e Alonso,1992). Para o primeiro tipo de alunos trans-forma-se em ansiedade facilitadora do rendi-mento, enquanto para o segundo torna-se an-siedade inibidora deste.

Outros âmbitos para aintervenção motivacional

De tudo o que se disse anteriormente, in-sinua-se a idéia de que o agente motivador porexcelência é o professor. Essa ênfase tem umafunção saudável, já que pretende propor umcenário de possível controle para o profissio-nal da educação. No sistema educacional, po-rém, há outros agentes que podem desempe-nhar um papel importante visando ao desen-volvimento das orientações para metas commaior potencial educativo. Sem pretender serexaustivos, vamos nos referir ao grupo educa-cional, entendido em sentido amplo, e ao am-biente de orientação.

A motivação no e a partirdo grupo educacional

o título procura enfatizar o fato de queos adultos envolvidos no processo educacio-nal também terão configurado ao longo de suavida diferentes modos de abordar as metas dotrabalho na escola. Não se pode intervir em

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:.:..=::. ::~30.se esta não foi assumida como pró-::::-:::.',;essa linha, o primeiro passo é avaliar dei.5.l=:l modo a situação. Também é aconselhá-"",; fazer-se perguntas como: que tipo de me-:2S predomina na escola?; como se propõem::'5 tarefas nas diferentes estruturas de funcio-namento (assembléia, equipe diretiva, semi-narios, tutorias, etc.)?; como se maneja a au-:oridade?; que tipo de avaliação se estimulana escola? (Monereo, 1997).

Nossa experiência como formadores nes-ses temas leva à constatação da existência desérios problemas na orientação para metas dospróprios professores. Nesse caso, as metas jánão são relativas à aprendizagem, mas ao en-sino. Tomar consciência do que propomos podelevar a rever situações que aumentam a pro-babilidade de que os professores se sintam so-brecarregados em sua atividade cotidiana. Atentação de evitar as situações mais difíceisatri-buindo-as aos que têm menos direitos adquiri-dos não beneficia ninguém. Convém abordaros problemas de uma perspectiva de aprendi-zagem. Assim, é recomendável incluir ações deformação em que se estudem as dimensõesmotivacionais do trabalho na sala de aula e naescola. Colocar os aspectos formativos em umesquema de reflexão ou de pesquisa em gruposobre a prática educacional pode ser um re-curso excelente para conseguir a motivação dospróprios professores.

A motivação a pertir daorientação educacional

Para ilustrar o modo como a atividade deorientação educacional pode ser um âmbito deintervenção motivacional, vamos resumir algu-mas organizadas em tomo da figura legal quearticula os diferentes planos dessa atividade, oPlano de Ação Tutorial (PAT).Esse plano assi-nala os conteúdos da atividade tutorial quedeve ser dirigida a três grupos: o grupo de aula,as famílias respectivas e o grupo de professo-res com carga letiva no grupo."

Em primeiro lugar, queremos assinalarque, embora tradicionalmente a classe de tu-toria tenha sido um espaço dedicado a reunir

-.' :'ê: R.T. Refere-se à realidade espanhola.

as queixas do grupo com relação aos diferen-tes aspectos do andamento do grupo, ou a re-solver possíveis conflitos em alguma área par-ticular, o conteúdo do PATrelativo ao grupode sala de aula deve incumbir-se de trabalharaspectos da avaliação educacional, a informa-ção sobre o processo educacional de todo ogrupo, o desenvolvimento dos aspectos relati-vos ao autoconceito ou à auto-estima. Comojávimos, omodo como se propõe a avaliação teráimportantes repercussões para o autoconceitoe a motivação para a aprendizagem. À medidaque as informações sobre os resultados da ava-liação que se proporcionam aos alunos podemser enquadradas em um processo de detecção-solução de problemas, se incrementará a co-nexão entre esforço e rendimento fundamen-tal para o desenvolvimento do autoconceito eda motivação para a aprendizagem.

Em segundo lugar, no que diz respeito àsfamílias, vale assinalar que à medida que a açãotutorial com elas seja coordenada com as quese realizam com o grupo e com a equipe do-cente, a eficácia da intervenção será maior. Por-tanto, o que se dizia a respeito da avaliaçãocom o grupo de aula se aplica perfeitamenteao trabalho com as famílias. Em uma dinâmicasimilar ao que poderia ser uma escola de pais,o orientador e o tutor poderão formar as famí-lias nos aspectos que fomentem o desenvolvi-mento da orientação para as metas commaiorpotencial educacional. Nesse sentido, será fun-damental formar os pais nas questões relativasao manejo da autoridade, ao fomento da res-ponsabilidade e à autonomia pessoal, à poten-cialização das metas de aprendizagem, ao usode estilos atributivos adequados, à destinaçãode ajudas e mensagens instrumentais, etc.

Por último, o PATdeve incluir tambématuações específicas orientadas à equipe do-cente do grupo-classe. Essas atuações, organi-zadas em tomo da coordenação dos progra-mas das matérias ou das disciplinas e dos pro-cedimentos e dos critérios de avaliação dasaprendizagens, devem ter como finalidade con-cretizar os modos de implantação das dimen-sões de intervenção motivacional que se con-siderem mais adequados.

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11 A aprendizagem escolardo ponto de vista do aluno:os enfoques de aprendizagemMARiA LUISA PÉREZ CABANí

INTRODUÇÃO

Como se evidencia ao longo desta obra, aaprendizagem escolar e suas características fo-ram, e ainda são, motivo de múltiplos traba-lhos de pesquisa no âmbito da psicologia daeducação, que, de diferentes ópticas, formula-ram propostas para explicar e compreenderesseprocesso ou algumas de suas particularida-des. Neste capítulo, refiro-me a um amplo con-junto de estudos que se desenvolveram duranteas últimas décadas aproximadamente, emparti-cular na Grã-Bretanha, na Suécia e na Austrá-lia - embora também tenha havido contribui-ções de outros países -, que centram seu inte-resse em estudar a aprendizagem escolar daperspectiva do aluno, em conhecer as inten-ções, os interesses, as estratégias e os motivosque levam os alunos e as alunas a enfrentaremas tarefas acadêmicas e a atuarem em um deter-minado sentido em uma situação específica.

Uma característica comum desses estudosé que se desenvolveram principalmente a par-tir de uma metodolçyia denexpnisa.pnalitati-va, a fenomenografia, Ct~O objetivo é conhe-cer, sistematizar e compreender como as pes-soas concebem e conceituam suas experiênciascotidianas (Marton e Saljo, 1976). Grande par-te desses trabalhos se realizou nos ensinosmédio e superior, e omotivo de eleger essa me-todologia, amplamente argumentado porEntwistle (1997, 2000), foi buscar uma vali-dade ecológica, isto é, poder descrever as ex-periências educacionais cotidianas em contex-tos naturais, considerando a sala de aula comoum ecossistema. Esses autores também expli-

cam a emergência do enfoque como alternati-va às pesquisas realizadas previamente a par-tir de outras metodologias nas quais os dife-rentes níveis de atuação acadêmica se expres-sam em termos de características relativamen-te estáveis dos alunos, considerando tais ca-racterísticas como responsáveis pelos proble-mas que possam surgir na aprendizagem, semlevar em conta a influência de fatores tão de-terminantes como o ensino ou o contexto e queas explicações expressas nesses termos ficamdistanciadas da experiência dos participantese de suas possibilidades de intervencào. Toman-do como base esses argumentos, o objetivo detais estudos reside. especificamente. em apro-fundar-se na reconceiruação da relação entreensino e aprendizagem; partindo da idéia deque o resultado da aprendizagem depende dainteraçào entre as variáveis que intervêm noprocesso (Entvistle, 1998).

Com o objetivo de explicar a via alterna-tiva desse conjunto de trabalhos e sua ajudapara a compreensão do processo de ensino e~p:n:'lru.li.c..55rr, CFLêtlJIltul.JlCn 'orgaruzacio na se-guinte maneira: em um primeiro momento,foram analisados o surgimento, a evolução e aconcepção atual dos enfoques de aprendiza-gem; em segundo lugar, foram situados osenfoques de aprendizagem no esquema básicopara a análise dos processos escolares de ensi-no e aprendizagem e foram estudadas as rela-ções que se estabelecem entre os enfoques eos três elementos básicos do triângulo inte-rativo: a atividade mental construtiva dos aluonos, a atividade educacional do professor e osconteúdos. Dedicou-se um terceiro e último

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194 COLL, MARCHES I, PALACIOS & COLS.

item aos estudos das relações entre os enfoquese a qualidade da aprendizagem, visto que umi:;s objetivos básicos dos estudos da aprendiza-!eill escolar da perspectiva do aluno é saber em~·.1emedida é possível otimizar tal qualidade.

PARA UMA CONCEITUAÇÃO DOSENFOQUES DE APRENDIZAGEM

o ponto de partida do conjunto de traba-lhos interessados no estudo da aprendizagemda perspectiva do aluno foram as pesquisas rea-lizadas por Marton e Sâljô (1976). Em um con-texto acadêmico, ainda que em situação expe-rimental, os autores avaliaram os níveis de com-preensão que os alunos tinham conseguido de-pois de ler um texto e a explicação que davamsobre o processo seguido. As análises realiza-das mostraram que as diferenças no nível decompreensão se deviam às mais diversas in-tenções e atuações dos alunos durante o pro-cesso do que à quantidade de informação pro-cessada ou recordada. Essa distinção levou aotermo enfoque de aprendizagem, para denomi-nar o conjunto de intenções que orientam econdicionam a atuação do aluno durante o pro-cesso de aprendizagem. No primeiro trabalhode Marton e Saljo, em que os alunos explica-ram suas intenções ao realizarem a leitura, ospesquisadores os agruparam em duas catego-rias: os que tinham a intenção de compreen-der o significado do artigo, interagindo ativa-mente com os argumentos do autor e relacio-nando-os com o conhecimento prévio e a pró-pria experiência, foram categorizados comoalunos com um enfoque profundo; os que ten-tavam memorizar as partes da informação queconsideravam importantes, guiados pelos re-quisitos específicos da tarefa, sem levar em con-ta outras condições, foram agrupados sob aepígrafe enfoque superficial.

Em um estudo posterior, Entwistle,Hanley e Ratcliffe (1979) diferenciam em cadal:m dos enfoques - superficial e profundo -propostos por Marton e Sáljô uma subdivisão- ativo ou passivo -, conforme fosse a inten-cão dos estudantes de responder às pergun-tas: a) explicar as conclusões do autor e anali-5::J como as justifica, profundo ativo; b) resu-=::r cuidadosamente o argumento principal e-": conclusões, profundo passivo; c) descrever

os pontos principais sem integrá-los em um ar-gumento, superficial. ativo; d) mencionar algunsaspectos ou exemplos isolados, superficial pas-sivo. Os mesmo autores indicam que, emboratais descrições se refiram claramente a tipos"ideais" e poucos estudantes apresentassem to-das as características atribuídas a cada um de-les, era possível incluí-los em um grupo ou emoutro, levando em conta algumas das princi-pais características que os definiram.

Avançando mais um passo, os trabalhosde Entwistle e Ramsdem (1983) sugerem a ne-cessidade de introduzir uma terceira categoriade enfoque - enfoque estratégico -, descrito maiscomo um enfoque de estudo que de aprendi-zagem, visto que emerge principalmente comoreação às demandas de avaliação. O interesse,nesse caso, é obter o melhor resultado possívelna avaliação, e a intenção do estudante secentra na organização efetiva do estudo.

A partir dessas primeiras aproximaçõesdos enfoques de aprendizagem, realizaram-senumerosos trabalhos em diferentes contextose situações com o objetivo de delimitar me-lhor esse conceito e avaliar sua contribuiçãoao processo de ensino e aprendizagem que sedesenvolve nas salas de aula. Entre eles, se des-tacaria o trabalho de Selmes (1988), um dosprimeiros a ser publicados em língua caste-lhana, em que o autor, baseando-se em um tra-balho realizado com estudantes de ensino mé-dio, distingue três características do enfoqueprofundo: as tentativas de integração pessoaldo material, a busca de relações entre os ma-teriais e a extração do significado dos materi-ais envolvidos, que têm sua correspondentecontrapartida no enfoque superficial. TambémEntwistle (1988) começa a elencar as caracte-rísticas diferenciais dos enfoques de aprendi-zagem e a elaborar um modelo heurístico doprocesso de ensino e aprendizagem que foicompletando em seus trabalhos posteriores.

Paralelamente aos trabalhos orientados adelimitar o conceito de enfoque de aprendiza-gem e as características dos enfoques superfi-cial e profundo, surgiu o interesse de algunsautores em elaborarem instrumentos para iden-tificar e medir os enfoques de aprendizagem esua relação com outros fatores envolvidos noprocesso de aprendizagem. Encontra-se umaamostra representativa de tais instrumentos noApproaches to Studying lriventory (ASI), apre-

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sentado por Entwistle, Hanley e Hounsell(1979) e no Study Processes Questionnaire,(SPQ) elaborado por Biggs (1987). Esses inven-tários descrevem diferentes dimensões no pro-cesso de aprendizagem, que corresponderiamaos enfoques de aprendizagem definidos. Tait,Entwistle e McCune (1998) revelam o grau decorrespondência existente entre o ASI e o SPQe propõem, a partir desses instrumentos, umnovo inventário, Approaches and Study SkillsInventory for Students (ASSIST), que inclui noestudo um indicador da consciência metacog-nitiva. O SPQ foi adaptado para o castelhanopor Barca (1999) utilizando uma amostra deestudantes universitários. 1

O valor desses instrumentos é relativo, poisse o enfoque de aprendizagem que um estudanteadota é variável em função do cenário educa-cional de que participe, estes apenas poderãodetectar a existência de uma certa consistênciaem sua maneira de enfocar as tarefas de apren-dizagem e estudo (Biggs, 1993). De uma pers-pectiva crítica mais ampla e baseando-se emestudos transculturais, alguns autores (Webb,1997; Watldns, 1998) argumentam que essesinstrumentos estão distorcidos pela maneira decompreender, a partir da cultura ocidental, qualé a melhor atuação do estudante para apren-der, crítica a que Entwistle (1997) respondepontuando que o único parâmetro dos enfoquesde aprendizagem que se pode gerar é o que evi-dencia a intenção com que os alunos empreen-dem as atividades de aprendizagem.

O desenvolvimento de tais trabalhos du-rante os últimos anos, incluindo as controvér-sias que ocorreram algumas vezes, é o que per-mite chegar-se ao conceito atual de enfoquede aprendizagem. Os trabalhos mais recentesdefinem os enfoques de aprendizagem como aintenção que orienta a atividade dos estudantesem um processo complexo, que inclui simultanea-mente consistência a variabilidade.

Consistência

Marton e Sâljô (1997) sustentam que nasatividades de estudo cotidianas, em que os es-tudantes explicam sua maneira de enfrentarmúltiplas tarefas, para as quais o tempo dispo-nível é - muitas vezes - insuficiente, e em queexistem demandas específicas de avaliação, os

DESENVOLVIMENTO PSIC8L:G!C8:: E:::UC.WÃ8. V.2 195

alunos desenvolvem tarefas rotineiras. Isto é,existe uma consistência de conjunto na atua-ção, como um modo habitual de "transação"que determina a atuação em outras tarefas eem contextos similares e leva os estudantes aorientarem-se para um outro enfoque.

Variabilidade

Por outro lado, embora exista uma certaconsistência no enfoque adotado, os autores a.a-nifestam que seu nível é relativamente '::2i~,:.visto que esta é fortemente afetada pelas condi-ções específicas de cada situação, que favorecema variabilidade. Os estudantes não utilizam cmesmo enfoque em todas as matérias, nem emtodos os temas e tarefas dentro de uma mesmadisciplina. As condições do contexto podem fa-vorecer ou dificultar aos estudantes a adoçãode um enfoque determinado. Inclusive quandose adota habitualmente um enfoque profundo,este requer uma quantidade substancial de tem-po, e o estudante tem de avaliar seu procederhabitual c os prazos para realizar e apresentaros trabalhos acadêmicos que lhe são passados.

Complexidade

Outra consideração importante, de umaperspectiva mais global, é a que formula Ent-wistle (1998) quando expõe que o uso difun-dido dessas categorias (superficial, estratégi-co e profundo) originou simplificações e inter-pretações errôneas. Algumas vezes, os enfoquesde aprendizagem foram tratados como umamaneira de descrever o estudante, mais do quecomo categorias para descrever o significado eo sentido que os estudantes atribuem a umatarefa em um contexto específico, mas não sedeve esquecer que o que se classifica é o en-foque, não o estudante. Classificar os alunosem função das categorias definidoras de cadaenfoque supõe uma simplificação que pode terefeitos prejudiciais.

As características que definem os enfo-ques de aprendizagem são úteis para umaorientação geral da intenção com que se ori-enta a aprendizagem, mas o enfoque deve serreinterpretado de maneira mais ampla e pro-funda, em cada contexto de aprendizagem. Umenfoque profundo sempre implicará a inten-

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19'6 c::: LL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

:2.:: de compreender, mas as maneiras de pen-~2.:'que levam à compreensão podem variar deacccdo com as condições da tarefa.

Um exemplo disso seria o uso que se pode:':Eer da memorização. O enfoque profundo:?:::de, às vezes, necessitar do uso da memori-zaçào de termos ou de outros detalhes, masessa memorização está em um sistema por meio60 qual se tenta compreender. No enfoque su-perficial, no entanto, a memorização tende acentrar-se em fragmentos de informação isola-dos, com a intenção de poder reproduzi-los damesma forma como foram aprendidos inicial-mente, sem elaboração ou reconstrução. Amemorização pode inclusive ser parte, alter-nadamente, de diferentes caminhos ou manei-ras de pensar, ainda que por si só seja caracte-ristica do enfoque limitado da aprendizagemque é inapropriado como principal maneira deaprender a matéria de uma série.

Na Figura 11.1, é apresentada a propos-ta de Entwhistle (1998, 2000) para definir ascaracterísticas dos enfoques de aprendizagemem sua concepção atual. Com o objetivo de evi-tar uma simplificação dessas categorias, optou-se por representá-las como os dois extremosde um contínuo, dentro do qual os estudantespodem situar-se em um ou em outro ponto emfunção das características específicas da situa-ção de ensino e aprendizagem. Situou-se o en-foque estratégico em um eixo alternativo, vis-to que pertence a uma dimensão distinta e poderelacionar-se tanto com o enfoque profundocomo com o superficial.

A principal diferença entre o enfoque pro-fundo e o enfoque superficial é que enquanto:10 primeiro, a intenção de dar à informação umsignificado pessoal leva a um processo de apren-dizagem ativo no qual o estudante transforma omaterial de aprendizagem para dar-lhe sentido,no segundo, a intenção de cumprir a tarefa reali-zando o mínimo esforço leva a desviar a atençãopara aspectos isolados e pouco relevantes e, con-seqüentemente, a reproduzir a informação, em--ez de interpretá-la. No enfoque estratégico, aenfase se centra em organizar o tempo e o es-:'Jrço da maneira mais efetiva em função decorno são percebidas as demandas de avaliação.

Como é lógico, é impossível adotar simul-.aneamente um enfoque profundo, mas em::::::l?ensação é freqüente uma combinação de-::='_:'Dqueestratégico-profundo ou estratégico-

superficial. Adotar um ou outro enfoque, po-rém, não é fruto do acaso, mas de um conjun-to de fatores que condicionam as intenções eas atuações dos alunos ao longo do processode ensino e aprendizagem em contextos espe-cíficos. Dedicar-se-á os próximos itens à análi-se das relações que se estabelecem entre essesenfoques e os enfoques de aprendizagem.

OS ENFOQUES DE APRENDIZAGEM EESTUDO NOS PROCESSOS ESCOLARESDE ENSINO E APRENDIZAGEM

De acordo com o exposto no item ante-rior, o valor que se atribui aos enfoques deaprendizagem e estudo a partir das pesquisasque se centram na perspectiva dos alunos per-deria parte de seu sentido se não analisasse arelação estabelecida entre esses enfoques e osdemais fatores que intervêm no processo deensino. Mas concordo com Co11(1999b) quan-do expõe que a simples observação de qual-quer atividade de ensino e aprendizagem des-taca três fatos: a enorme heterogeneidade defatores que intervêm em seu planejamento, emseu desenvolvimento e em seus resultados; aimpossibilidade material e técnica de identifi-car, de descrever e de registrar com precisãoos fatores envolvidos; e a impressão de que nemtodos os fatores envolvidos têm a mesma im-portância para compreender e explicar a ma-,neira como se formula e se desenvolve a ativi-dade e os resultados a que ela conduz. Essesfatos evidenciam não só a impossibilidade deun; olhar onicompreensivo e global, como tam-bém a necessidade de selecionar alguns dosfatores e relações dos processos escolares deensino e aprendizagem para sua análise.

Por outro lado, intervêm nessa seleçãooutras duas variáveis: o fator ou os fatores aosquais se concede uma atenção preferencial -em nosso caso, os enfoques de aprendizagem- e a concepção do que significa e implica ensi-nar a aprender. Com relação a essa segundavariável, associa-se, mais uma vez acompa-nhando CoU, ao postulado básico da concep-ção construtivista, que situa a chave dos pro-cessos escolares de ensino e aprendizagem nainteração dos três elementos do triângulointerativo: a atividade mental construtiva dosalunos, a atividade educacional e de ensino do

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I LEnfoque profundo1 ITransformar a informação para:

Intenção: Compreender as idéias e dotá-Iasde sentido.

Relacionar as idéias com o conhecimentoprévio e com a experiência.Buscar modelos o princípios implícitos.Comprovar a coerência do processo comas conclusões.Examinar a lógica e os argumentos demaneira cautolosa c crítica.Ser ativo () p.uticipar da matéria.

1t,-," .........

" " -," " -,

.-----i Enfoque de aprendizagem 1----..,

Intenção que orienta a atiJfidadedo esf1ldante. Características:

• Complexidade• Consistência• Variabilidade

ri Enfoque estratégico IJ

Organizar a informação para:

Intenção: Conseguir o melhor resultadopossível.

Esforçar-se constantemente no estudo.Buscar as condições e os materiaisadequados para o estudo.Gerir o tempo e o esforço de formaefetiva .Estar atento às demandas e aos critériosde avaliação.Orientar o trabalho em função dapercepção que se tem das preferênciasdos professores.

FIGURA11.1 Entoquos do '1f)f( ·ndi/;J(jf'1J1 (rlefinidos por Entwistle, 1998, 2000).

J 1Enfoque superficial ILReproduzir a informação para:

Intenção: Cumprir os requisitos da série.

Estudar sem refletir sobre o propósito,nem sobre a estratégia.Tratar a matéria como partícula isolada esem relação.Memorizar os dados e os procedimentosde maneira rotineira.Encontrar dificuldade para dar sentido àsnovas idéias que se apresentam.

o Sentir-se pressionado e angustiado pelotrabalho sem motivo aparente.

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19B COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

professor e o conteúdo. A partir desses parâ-::::tetros,situa-se na Figura 11.2 os enfoques deaprendizagem no esquema básico para a aná-.ise dos processos escolares de ensino e apren-dizagem de uma perspectiva construtivista.Acrescento uma dimensão que engloba os trêseixos, o contexto de ensino e aprendizagem,para ressaltar o fato de que todas as relaçõesque serão analisadas ocorrem em um cenárioespecífico e que os princípios e os critérios quese priorizem nele incidirão na dinâmica das sa-las de aula e, conseqüentemente, no enfoquede aprendizagem que os alunos adotem.

Aseguir, enfoca-se sucessivamente o olharsobre os fatores mais próximos a um ou outrodos três elementos do triângulo interativo. Se-lecionarei para análise, entre todos eles, unica-mente aqueles fatores que mantêm uma relaçãomais direta com os enfoques da aprendizagem.

Fatores da atividade mentalconstrutiva dos alunos relacionadoscom os enfoques de aprendizagem

A idéia de que na atividade mental cons-trutiva dos alunos no âmbito escolar intervémum conjunto de fatores cognitivos, relacionaise afetivos estreitamente relacionados entre sié cada vez mais compartilhada por pesquisa-dores e profissionais da educação. A medidaque se produz a aprendizagem não apenas seconstroem significados mais complexos, comotambém se atribui aos conteúdos um sentidoprogressivamente mais integrado na própria es-trutura pessoal. Mas de que maneira esses fato-res orientam a intenção dos alunos para apren-der em uma situação que se desenvolve sobcondições concretas em um cenário escolar?-:aIveza primeira questão para responder à per-gunta formulada, já que faz parte tanto do:ognitivo como do relacional e do afetivo, seja; aber o que significa para os estudantes apren-::"r, ou seja, sua concepção de aprendizagem.

A partir da análise das respostas de um~:-:J.pode alunos de educação superior à per-~-..l.::1ta; "O que significa para você aprender?",~~: ê~ em um trabalho não-publicado citado::: ==- ::'ntwistle, 1998) estabeleceu uma classifi-:~.:iJhierárquica das concepções de aprendi-=2~'":r:.em cinco categorias que abarcam des-.:. ~ ·.:;:::;a perspectiva mais simples, em que se

concebe a aprendizagem como a aquisição deblocos ou fragmentos de informação proporcio-nados por outras pessoas, até outra mais sofis-ticada, em que se concebe a aprendizagemcomo a construção de conhecimento median-te um processo que amplia, progressivamente,e toma mais complexa a rede de conhecimen-tos aprendidos. Pesquisas posteriores realiza-das em diferentes situações de aprendizageme com diferentes populações confirmaram ocontraste entre as concepções identificadas porSâljô e proporcionaram algumas explicaçõesmais específicas, como a possibilidade de quea concepção se centre no que se aprende ouem como se aprende, ou que se dê ênfase aosaspectos mais estruturais e internos ou aosmaisreferenciais ou contextuais da aprendizagem(Marton, Dall'Alba e Beaty; 1993). Mais recen-temente, Pozo e Scheuer (1999) distinguemtrês concepções: as que se baseiam em umateoria direta, nas quais se considera a aprendi-zagem como um estado, "sabe-se uma coisa ounão se sabe"; as que se baseiam em uma teoriainterpretativa, nas quais se consideraria aaprendizagem como um processo que se des-dobra no tempo e em que a atividade pessoal éuma mediação necessária; e as que se baseiamem uma teoria construtiva, nas quais se conce-be a aprendizagem como um sistema compos-to pelos resultados, pelos processos e pelascondições contextuais, que interagem e secondicionam mutuamente.

Os resultados obtidos até omomento peloconjunto de pesquisas não são definitivos, maspermitem estabelecer algumas relações entreas concepções e os enfoques de aprendizagem.Asconcepções mais simples (memorizar, saberou não saber) são mais próximas ou podemlevar mais facilmente a enfocar a aprendiza-gem e o estudo de maneira mais superficial,visto que aprender implicaria, nessas concep-ções, realizar tarefas de memorização e repro-dução dos blocos de informação recebida. Sese situa no extremo oposto, as concepções maiscomplexas (compreender a realidade) levariama interpretar as idéias e a transformá-las paradotá-las de significado, características mais pró-ximas de um enfoque profundo (Marton eSaljô, 1997; Entwistle, 1998).

Se agora se dirige o olhar aos três fatorescognitivos (amplamente tratados nos Capítu-los 7, 8 e 9 desta mesma obra) que permitem

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o lugar dos enfoques de aprendizagem

~xto de ensino e deaprendizagel11-1

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Atividade educacionaldo professorla

Conteúdos

1

Atividades escolares deensino e de aprendizagem

Aprendizagemdos alunos

Atividade mental construtivados alunos

FIGURA 11.2 1:"1111'111;1 kl::ic;() P;I[;1 a análise dos processos escolares de ensino e de aprendizagem.l ontu: /\d.lpl. ,d.\ dI \ ( d "L I' I' I' 11I. I J ; ': I (t) q!!lo f'~ IlOSSO.)

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200 :::LL, MARCHES I, PALACIOS & COLS,

~,;,:-5:5n~ficado àquilo que se aprende, se en-: :=_::1'arátambém, como se exporá a seguir, al-~'':=-_5 pontos de ligação com os enfoques de':':=:'2udizagem, Os conhecimentos prévios a res-~::::Jdo conteúdo a aprender, ou seja, o que o.:c: un o já sabe de um terna e a quantidade e a=--_::~".1ezade relações que seja capaz de estabele-~ 21'. permitirão a ele interpretar e transformar= r.ovo conteúdo e dar-lhe significado - enfoque::;rofundo - ou, ao contrário, a falta de conhe-cimentos prévios ou a distância excessiva en-::-e tais conhecimentos e a nova informação só::;ermitirá memorizar alguns fragmentos doconteúdo de maneira isolada, Para construirum a base sólida e promover um enfoque pro-~~,.mdo,será necessário que a nova informaçãoô2 ajuste aos conhecimentos prévios dos estu-:iantes, mas estes teriam de dispor também deconhecimento procedimental e condicional ouestratégico, ou seja, de estratégias de aprendi-zcgem que lhes permitam tomar decisões demaneira consciente e intencional sobre como,;:Jr que e em que condições utilizar procedi-mentes de aprendizagem com objetivos emum a situação determinada (Monereo e outros,~994). Particularmente interessante a esse res-peito é assinalar que, se um aluno não dispõe:ias recursos necessários para adotar um enfo-,::ueprofundo, será impossível fazê-lo, mesmocue essa seja sua intenção, Na mesma linha,'.:.mestudo realizado por Vermunt (1996), no.:::ualcontrasta as estratégias de aprendizagem::Jm diferentes formas de regulação, permite:ii::erenciar quatro grupo coincidentes com os~:1:oques de aprendizagem: não-dirigido (su-:=erficial passivo); dirigido a reproduzir (super-~:~:31ativo); dirigido à aplicação (estratégico);'" :iirigido ao significado (profundo), Dessa::-=~s;Jectiva,entre a auto-regulação e o enfoque:::-:':::c:ndo estabelece-se uma relação diretamen-:~ ::::"Jporcional,2

Js fatores analisados até o momento ofe-=~:;::::Jalguns indicadores para compreender o::'::'_:em que os estudantes "podem" dotar de::~,,::::::ldoaquilo que aprendem e adotar um2=,: :=,'.12 Frofundo, Mas, como já se mencionou,=:::.~~=:::=.outros fatores complementares aos an-~:=::::~: , :::Jaisligados ao relacional e ao afetivo=~::::i=s 2= profundidade nos Capítulos 10 e~~ .::=õ:.:: ~=='2: ' que incidem em que os alunos___" :::=:'e:1c.er.ou seja, em que aprenderz: ,o ::: e,-1.::ienteque a vontade de

aprender e o enfoque de aprendizagem estãodiretamente relacionados, mas parece existiruma série de condições que determinam a pos-sibilidade de que o aluno atribua certo sentidoà aprendizagem e que este o leve a adotar umou outro enfoque (Solé, 1993; Miras, 1996),Entre essas condições, ressaltariam a possibili-dade de que o aluno tem de representar para sia tarefa de aprendizagem, ou seja, do que con-sistirá, o que terá de fazer e em que condições;seu interesse e sua motivação pela tarefa e porseu conteúdo, vinculada à questão de por quefazê-lo, e o grau de competência que o alunosente que possui para desenvolver e realizar essatarefa de maneira autónoma, ou seja, seuautoconceito e sua auto-estima,

Existem numerosos trabalhos que eviden-ciam a estreita relação existente, por um lado,entre enfoque profundo e motivação intrínseca,e, por outro, entre enfoque superficial e moti-vação extrínseca (ver Marton e Saljo, 1997).Ainda que não seja simples conceituar e orde-nar a infinidade de dimensões relevantes noestabelecimento dessas relações, levando emconta os elementos centrais do processos deensino e aprendizagem, podem -se distinguir ba-sicamente dois grandes blocos de motivos queaproximariam os estudantes de um ou de ou-tro enfoque, O primeiro grupo inclui os moti-vos que têm como meta a aprendizagem, quelevam o estudante a centrar-se na tarefa e adirigir sua atenção ao incremento de sua pró-pria competência, a atuar por um interessepessoal e a experimentar um certo grau de sa-tisfação na realização da atividade porque éconsiderada valiosa ou interessante por si mes-ma, O segundo grupo é formado pelos motivoscentrados no resultado, que movem o aluno aobter uma boa nota, para ficar bem ou evitarficar mal, sendo os incentivos principais aque-les vinculados aos reforços externos, aos elogiospúblicos e à valorização social."

Tais motivos nem sempre são claramentedefinidos e diferenciados e, às vezes, são ocul-tos, Além disso, não dependem exclusivamentedos alunos, já que as decisões do professor e ascaracterísticas do cenário educacional- que po-dem facilitar uma situação de aprendizagem co-operativa, competitiva ou individualista - tam-bém repercutem na motivação e nos objetivosdos estudantes, Mesmo levando em conta essavariabilidade, parece lógico supor que o aluno

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que representa a aprendizagem como um obje-iivo pessoal mais do que como uma imposiçãoexterna, que compreende a funcionalidade dastarefas que lhe são propostas e as percebe comoum objetivo alcançável em função do recursosde que dispõe dirigirá sua atenção para umenfoque profundo.

Os objetivos dos estudantes, na opinião deBeaty; Gibbs e Morgan (1997), podem irvarian-do em um processo de negociação consigo mes-mos, em função da experiência e do desenvolvi-mento da atividade. Nessa negociação, a ado-çào de um enfoque profundo, relacionado coma motivação intrínseca, exige algumas decisõessuscetíveis não apenas de favorecer o domínio::e procedimentos, a adoção de atitudes e a com-preensão de determinados conceitos, mas tam-=ém de gerar sentimentos de competência, deauto-estima e de respeito em relação a si m es-=0 no sentido mais amplo (Solé, 1993).

Em termos gerais, pode-se dizer que assituações de ensino e aprendizagem a que oestudante atribui mais sentido favorecerão em::J.aior medida a adoção de um enfoque deilÇ1Ee::.iizagem profunda. Ao contrário, quanto.e::, = 5 sentido se atribui à situação, mais pro-'a',::: será que adote um enfoque superficial.

::omo mostram Marchesi e Martín (1998),,<111 r2~~=ãodos fatores afetivos e relacionais com1[!Jll)j :::-_~Jquesde aprendizagem dos alunos penni-'li/:: .~=~certo sentido voltar a fechar o círculo das!~Iel-,:::es entre cognição e emoção, já que se tratadi': '.:..:J1 constructo teórico que engloba as duas,d:.:='d1sões.Mas também é certo, como se desta-C2 :;'J longo deste capítulo, que os enfoques de.a;::-endizagem não se encontram nem pertenceme:'::~usivamente ao universo do aluno, mas sãoc·-::.:dosem um contexto específico. Dessa pers-,::,~·=:iYa,passa-se a analisar nos itens seguintes a~=:dencia desses outros elementos do contexto::. = ~ enfoques de aprendizagem.

Fatores da atividade educacionaldo professaria relacionados comos enfoques de aprendizagem

Assim como a atividade construtiva dosaluncs, a atividade educacional do professor=-_0 contexto escolar foram objeto de inúmeras:::>esquisasde muitas perspectivas. Por esse mo-tivo, assumindo o risco de uma certa parciali-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 201

dade, dirijo a atenção unicamente para os fa-tores da atividade educacional do professorque, à luz das pesquisas realizadas, mantémuma estreita relação com os enfoques de apren-dizagem adotados pelos alunos: as concepçõessobre o ensino, os enfoques do ensino. a meto-dologia e a avaliação.

Com relação ao primeiro desses fatores,as concepções dos professores sobre o ensino,as respostas à pergunta "o que significa paravocê ensinar?" permitiram a Foz (1983) realizaruma primeira aproximação dessas concepções.Posteriormente, e com o objetivo de se aprofun-dar no tema, realizaram-se outros estudos (verBiggs, 1996; Trigwell e outros, 1998), que per-mitiram agrupar as concepções dos professo-res sobre o ensino em diferentes categorias, si-milares às que foram descritas anteriormentepara os estudantes. De forma resumida, taiscategorias incluiriam desde uma concepçãomais centrada no professor, na qual se dá ênfa-se a transmitir a informação - associada a umaconcepção reprodutiva da aprendizagem e auma evolução da qualidade e da fidelidade dainformação reproduzi da, favorecedoras de umenfoque de aprendizagem superficial-e, até umaconcepção mais centrada nos estudantes, en-tendendo o ensino como uma ajuda orientadaa despertar o interesse dos alunos e seu pensa-mento crítico e independente - associada a umaconcepção da aprendizagem como interpreta-ção e transformação e da avaliação como valo-rização das mudanças qualitativas em relaçãoao que se aprende e como se estrutura o co-nhecimento, favorecedoras de um enfoque deaprendizagem profunda .

A concepção do professor deveria mani-festar-se em sua maneira de enfocar o ensinoou, em outras palavras, em sua intenção ao pla-nejar e realizar as atividades da aula. mas nemsempre é assim. Kember (1998) mostra que àsvezes, embora os professores tenham uma con-cepção do ensino centrada no estudante, elesfocalizam o ensino na transmissão da informa-ção. A esse respeito, mas em sentido contrá-rio, Petraglia (1998, p. 5, citado por Salomon,1998) considera que, com poucas exceções, osprofessores tendem a cair no que ele chama deversão domesticada do construtivismo, ou seja,utilizam novos significados para conseguir ve-lhos fins ou, como diz esse autor com certa iro-nia, "saca-se um reluzente mascote teórico para

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202 :: _~,',1ARCHESI, PALACIOS & COLS.

:i.ardear. mas assegurando que não constitui:.::rr:.desafio real à idéia da educação com quer.cs sentimos mais à vontade".

Com relação à influência da metodologiado ensino nos enfoques de aprendizagem,Ramsden (1997), ao perguntar aos estudantessobre suas experiências em aula, constata queestes sugerem três características dos profes-sores que favorecem a adoção de um enfoqueprofundo: a) uma explicação de qualidade ofe-rece a possibilidade de dar significado e senti-do a um conteúdo; pode servir de modelo dediferentes formas de argumentar e utilizar osprincípios básicos de uma disciplina e pode fa-vorecer a curiosidade e a conexão com os co-nhe cimentos prévios por meio da formulaçãode problemas, exemplos, metáforas, analogiase casos pessoais; b) a demonstração de entu-siasmo na comunicação incide no interesse ena participação ativa; alguns estudantes podeminclusive modificar sua intenção para umenfoque profundo se, pela experiência de vida,compreendem a relevância das atividades que:hes são propostas; c) a empatia, ou seja, a ca-pacidade do professor de situar-se na perspec-tiva dos estudantes, permite-lhe compreenderas dificuldades que pode supor o estudo de umamatéria ou um tema concreto e distinguir aajuda de que necessitam para passar de umdesconhecimento inicial do tema em questãopara uma compreensão do tema em profundi-dade. Em termos gerais, parece existir um acor-do entre os pesquisadores a respeito de que,ainda que não se possa definir de formasimplificada "um" ensino como o melhor, al-guns métodos de ensino podem favorecer emmaior medida um enfoque profundo; são os::létodos mais centrados no aluno que desen-volvem progressivamente o trabalho autôno-::10 e a compreensão significativa.

O quarto fator da esfera da atividade edu-cacional do professor estreitamente relaciona-'::: com os enfoques de aprendizagem é a ava-:':ação. Como já se destacou, as concepções e as:'2cisões do professor com respeito à avaliação::ãJ são independentes de suas concepções so-'::-:::::o ensino e a aprendizagem. A adoção de:::::é:ios de avaliação de uma perspectiva COllS-

::-.:j-,ista inclui tanto o processo como o resul-:2:'~da aprendizagem. A cessão progressiva do: ::-_=-:::e co professor para o aluno permitirá que:'; ::-:::::r:05 de avaliação e a avaliação em si rnes-

ma passem a: ter uma função reguladora daaprendizagem (Jorba e Sanmartí, 1996), facili-tar a identificação dos aspectos relevantes, es-tabelecer prioridades e diri$ir as atividades emum sentido determinado. E, portanto, por esseprocesso que os alunos poderão adotar umenfoque de aprendizagem profundo, quando asdemandas de avaliação façam referência não àinformação memorizada, mas ao estabelecimen-to de relações entre conceitos, ao uso de estra-tégias de resolução de problemas e, em suma,apelem a um pensamento crítico.

Mas a avaliação, assim como o ensino, nemsempre cumpre as condições anteriores, e podelevar os alunos a uma certa confusão (Tang,1994; Pérez Cananí e outros, 2000). Às vezes,as demandas de avaliação verbalizadas pelosprofessores não coincidem com as atividades deavaliação; em outros casos, alguns formatos edemandas não permitem chegar a níveis com-plexos de resposta, mas simplesmente a umaassociação de dados, e uma terceira questão éque responder a determinadas demandas requerdos alunos estratégias de aprendizagem sem asquais será impossível realizar a tarefa. Esse tipode dificuldades evidenciam que os critérios, osinstrumentos e as características das demandasde avaliação são fatores determinantes na in-terpretação que os alunos podem fazer da ava-liação e na percepção que tenham do que lhesserá exigido. Essa interpretação é que guiará aintenção, a tomada de decisões e o enfoque deaprendizagem dos estudantes.

Fatores do conteúdo relacionadoscom os enfoques de aprendizagem

Embora seja reduzido o número de traba-lhos que centram sua atenção exclusivamentena relação entre conteúdo e enfoque de apren-dizagem, dado que o conteúdo está sempre pre-sente de maneira mais ou menos explícita aoanalisar os fatores relacionados com o profes-sor e com o aluno, nos últimos anos surgiu umcrescente interesse por conhecer a medida emque o acesso à informação proporcionado pelosmeios de comunicação atuais, e conseqüente-mente a grande quantidade de conteúdos queessa informação inclui, modifica ou deve modi-ficar a maneira como os estudantes enfocam aaprendizagem dos conteúdos a aprender.

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Uma primeira questão importante nesse.;,,=-.tidoé a seleção do conteúdo. O excesso de=fxmação, ou trabalhá-la de forma rápida ou!""..:}erficial,levará os alunos inevitavelmente aa.iotar um enfoque superficial. Para que os alu-:::5 possam adotar um enfoque profundo tem.::"existir uma relação proporcional entre a quan-::.::'ade de informação que devem aprender em·.::naCs) matéria(s) ou sobre um tema e a pro-:'-..:r.didade com que possam trabalhar essa in-:":::-:nação. Mas alcançar esse equilíbrio, que per-=:orá a adoção de um enfoque profundo, re-.::;"..:erprofessores que orientem a seleção do con-:='~do a aprender e alunos capazes de diferenciar::.:nformação relevante da não-relevante.

Um segundo aspecto importante a conside-:-21"" complementar ao anterior, é a organização.: JS conteúdos. Entwisde (1998) considera queestes devem manter uma significatividade lógi-,:3 e psicológica, nos termos empregados por.-'-:..l.5ubelao expor as condições básicas para a'~;:'::-endizagem significativa (ver o Capítulo 3 des-:" .•'olume). Do contrário, será impossível aosa.unos adotarem um enfoque profundo. Mas': :nseguir que se cumpram essas condições re-'-t-..:er,assim como no caso anterior, que os estu-'::mtes e os professores estejam preparados e'::sponham de critérios para organizar a::...-_formação,que participem ativamente desse~:ocesso e que disponham das habilidades e dosrecursos necessários para orientar as tarefas deensino e aprendizagem para um enfoque pro-:'-..:ndo.

Um terceiro aspecto a considerar é a pos-s.bilidade de integração dos conteúdos estuda-,':05. Uma das características definidoras do-:::J.foqueprofundo é a possibilidade de relacio-nZ" as idéiaS" para compreeno'é-ías e dar-íàesr.:;-::.ificado. A abundância de informação dis-p:::lyel e acessível atualmente sobre qualquerJ::.l:éria ou disciplina requer uma seleção e uma:c-;anização que permita posteriormente inte-5=,,--lade maneira que se mostre significativa e:'-"::1cional. A integração é mais complexa ain-z a, embora mais enriquecedora, quando os: :nteúdos são interdisciplinares.

Essas questões, colocadas pela possibilida-:::'-2 de ter-se acesso a uma maior quantidade e::.\"ersidade de informação, favoreceu o desen-volvimenro de trabalhos dirigidos a orientar oensino e a aprendizagem de habilidades eestratégias para gerir o conteúdo, selecionan-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 203

do, organizando e integrando a informação, demaneira que seja factível a adoção de umenfoque mais profundo e uma aprendizagemmais autónoma. Os trabalhos realizados comesse fim são numerosos e abarcam conteúdos eáreas de conhecimento diversos, como a eco-nomia, a engenharia, o desenho, a física, a his-tória ou a filosofia."

Na Figura 11.3 apresentam-se, demanei-ra esquemática, os fatores correspondentes aostrês eixos do triângulo interativo que, tal comose expôs nas páginas anteriores, têm maior in-cidência sobre o enfoque de aprendizagem queos alunos adotam.

Embora a atenção esteja centrada na rela-ção de cada um dos três elementos do triângulointerativo - o aluno, o professor e o conteúdo -com os enfoques de aprendizagem, não se podeesquecer, como mostram as flechas bidirecionaisda Figura 11.3, que os fatores representados emcada um dos ângulos estão relacionados entresi e que o tipo de relação estabelecida entre elesincidirá no enfoque de aprendizagem. A esserespeito, parece interessante a idéia de Vermunte Verlop (1999) de que, no processo de ensino eaprendizagem, podem produzir-se "fricções"construtivas, quando os alunos podem construiro conhecimento com a orientação dos professo-res, ou âestrutivas, quando os estudantes nãopodem assumir as responsabilidades que lhespropõem ou não lhes é oferecida a ajuda neces-sária para fazê-lo. Examinar as complexas "fric-ções" entre as atividades de aprendizagem dosestudantes e as atividades de ensino dos profes-sores em uma situação de sala de aula pode serum bom caminho para otimizar o processo efavorecer uma aprendizagem significativa, fun-cional e de qualidade.

ENFOQUES DE APRENDIZAGEM EQUALIDADE DA APRENDIZAGEM

A consideração de diferenças qualitativasna aprendizagem está necessariamente ligadaao conceito de aprendizagem tomado como re-ferência. Assim, quando se consideram os re-sultados da aprendizagem, a qualidade pode serdefinida como a consecução de metas e objeti-vos: em compensação, quando se dá mais aten-ção ao processo, a qualidade pode ser conside-rada como consistência ou como disponibilida-

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Fatores do triângulo interativo relacionados com os enfoques de aprendizagem

Contexto de ensino e aprendizagemr:Conteúdos

~

Fatores relacionados com osenfoques de aprendizagem:• Gestão do conteúdo:

• Seleção• Organização• Integração

Aprendizagemdos alunos

Enfoques deaprendizagem

Fatores relacionados com os enfoques deaprendizagem:

• Concepção da aprendizagem• Fatores cognitivos (significado):

• Conhecimentos prévios• Estratégias de aprendizagem

• Fatores relacionais e afetivos (sentido):• Representação da tarefa• Autoconceito e auto-estima• Objetivos

1b ~ividade educacional Atividade mental constrU!iv: dJ

Fatores relacionados com osenfoques de aprendizagem: Atividades escolares de

ensino e aprendizagem

dos alunos

Concepção do ensino• Enfoques do ensino

MetodologiaAvaliação

FIGURA11.3 Esquema básico para a análise dos processos escolares de ensino e de aprendizagem.Fonte: Adaptada de Coll, 1999b, p. 22. (O grifo é nosso).

do professaria

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de de recursos. Mais atual e adequada às neces-sidades educacionais do século XXIé a conside-ração de qualidade da aprendizagem em ter-mos de transformação, mudança e melhoria, pelaqual se concebe que a essência da educação éfacultar aos estudantes e capacitá-los para pen-sar e atuar de forma autónoma, independentee articulada; ou seja, para serem críticos e to-mar decisões sobre os conteúdos científicos quedevem aprender, sobre a maneira de analisar eresolver àiferentes tipos de problemas e situa-ções e para transmitir os conhecimentos assimadquiridos para outras situações acadêmicas eprofissionais posteriores.

Essa nova consideração traz implícita umaconcepção construtivista do processo de ensinoe aprendizagem, mas também são observadas,no amplo quadro que abarca tal concepção,diferentes matizes em função do que for enfati-zado no o processo interativo que requer a cons-truçâo, ou se acentue mais o estudo da atividadedo aluno; ou, nas palavras de Salomon (1998),conforme se centre a atenção no processo deconstrução ou no ohjeto que se constrói.

Da primeira dessas vertentes - que centraseu objeto de estudo no processo interativo querequer a construção -, analisar a qualidade daaprendizagem requererá o estudo do desen--:olvimento do processo de ensino de uma ati-vidade em um cenário concreto. Dessa pers-pectiva, amplamente estudada e citada em di-versas publicações (ver Mercer e Coll, 1994;Coll e Edwards, 1996), o foco seria uma ativi-dade de ensino e aprendizagem de que as pes-soas fazem parte. Assim, a qualidade da apren-dizagem dependeria das características do pro-cesso interativo, isto é, do desenvolvimento daatividade conjunta, do ajuste da ajuda ao pro-cesso de construção, da cessão progressiva docontrole ao aluno e de como, pela interação detodas as variáveis intervenientes, constroem-se significados compartilhados na sala de aula.Dessa óptica, a qualidade e o enfoque de apren-dizagem se configurarão em um conjunto nodesenvolvimento das atividades.

Por outro lado, da segunda vertente men-cionada, defende-se o estudo da qualidade daaprendizagem a partir da atividade do aluno,que será condicionada pelo enfoque adotadopara aprender. Essa seria a perspectiva adota-da pelas pesquisas da aprendizagem da pers-pectiva do aluno (Entwistle, 2000). A qualida-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 205

de da aprendizagem, dessa óptica, exigiriacentrar a atenção naquilo que o estudanteaprende (a relacionar conceitos, a solucionarproblemas, a aplicar um conhecimento em umasituação concreta, a recordar fatos, etc.), comoaprende (que procedimentos de aprendizagemconhece, como e quando os utiliza) e para queaprende (com que intenção e com que objeti-vos atua) em uma situação de ensino e aprendi-zagem especifica, Dessa segunda postura, consi-dera-se o eniooue Daaprendizagem como 11m2variável do processo que afetará a qualidadedos objetivos que se obterão ao finalizá-lo.

Situar-se em uma ou outra vertente poderesponder, às vezes, a diferentes epistemologiasconstrutivistas, mas também, em outros casos, ànecessidade de focalizar a análise, como se men-cionou, em um aspecto específico do processode construção. Nesse sentido, parece sugestiva aopinião de Salomon (1998), quando diz da ne-cessidade de enfatizar uma concepção do conhe-cimento como construção social em um duplosentido, que inclua tanto o processo de constru-ção como o objeto que o aluno chega a conhecer.Dessa maneira, afirma, seria tão insatisfatório es-tudar um contexto de aprendizagem levando emconta apenas os resultados que emergem da com-preensão compartilhada e do desenvolvimentoconjunto como estudar o processo de participa-ção social sem considerar as características daaprendizagem a que conduz essa participação.Essa é uma boa perspectiva (ver a Figura 11.4)para continuar pesquisando e aproíundando oconhecimento dos enfoques de aprendizagem emum futuro próximo.

NOTAS

1. O anexo I reúne as perguntas do questionárioadotado por Barca (1999).

2. Também há autores para os quais existe umatendência relativamente consistente nos estu-dantes quando enfrentam as tarefas de apren-dizagem que definem como estilos de aprendi-zagem (ver, por exemplo, Pask, 1988).

3. No Capítulo la deste volume, pode-se encon-trar uma exposição mais pormenorizada dosmotivos dos estudantes diante da aprendiza-gem escolar.

4. O leitor interessado nesses trabalhos pode con-sultar as revisõesde Gibbs(1992) eRust (1998).

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Entoquos de Aprendizagem e qualidade de aprendizagem

ConteúdosTransformação, mudança e melhoria

• Pensar e atuar de forma autônoma,independente e articulada

• Ser crítico e tomar decisões

Aprendizagemdos alunos

~

Qualidade na atividade do aluno:

• Atividade conjunta• Ajuste de ajuda• Cessão progressiva do controle• Significados compartilhados

• O que aprende ~ Em uma• Como aprende situação

Para que aprende específica

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Contexto de ensinoe aprendizagem

Qualidade da aprendizagem:

Atividade educacional Atividade mental construtivado professaria dos alunos

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Qualidade do processo interativo:

ensino e aprendizagem

FIGURA11.4 Esquema básico para a análise dos processos escolares de ensino e de aprendizagem.Fonte: Adaptada de ColI, 1999b, p. 22. (O grifo é nosso.)

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Anexo 1Perguntas do Questionário de Avaliação

Processo de Estudo e Aprendizagem (CEPEA)(Barca, 1999)

Escolhi estes estudos pensando mais nas 12. Tento estudar todos os dias e repasso regu-saídas profissionais do que por meu inte- larmente quando a prova está próxima.resse em relação a eles. 13. Goste ou não, reconheço que a educaçãoEstudar me proporciona uma profunda superior é uma boa forma de obter umsatisfação pessoal. trabalho seguro e bem-pago.

~ Quero conseguir as maiores notas em to- 14. Na verdade, qualquer tema pode ser mui--das as matérias, de tal modo que possa to interessante quando você adentra nele.optar pelos melhores postos de trabalho 15. Vejo-me como uma pessoa basicamentequando terminar o curso. ambiciosa e quero chegar ao final em

.; Acho que completar as anotações é uma qualquer coisa que faço .perda de tempo, de modo que só estudo 16. Gosto das matérias com muito conteúdoseriamente o que é dado em aula. de detalhes (nomes, datas, fórmulas ...).

- . Enquanto estou estudando, penso nas si- 17. Trabalho muito os temas para elaborartuações reais em que essa matéria pode meu próprio ponto de vista, só assim meser útil. sinto satisfeito/a

el. Resumo as leituras sugeri das na biblio- 18. Tento fazer o trabalhos quanto antes pos-grafia e as incluo em minhas anotações. sível, assim que são dados na aula.

7. Desanimo com uma nota baixa em uma 19. Mesmo quando estudei muito para umaprova e preocupo-me em como posso me- prova, preocupo-me em sair bem.lhorar na próxima. 20. Acho que estudar temas acadêmicos pode

8. Embora perceba que a ciência é mutável, ser tão interessante como um romance ousinto-me obrigado/a a descobrir o que pa- um filme.rece ser a verdade neste momento. 21. Se fosse o caso, sacrificaria minha popu-

9. Desejo intensamente sobressair-me em laridade com meus/minhas colegas pelomeus estudos. êxito em meus estudos.

10. Aprendo algumas coisas mecanicamen- 22. Limito-me a estudar o que se pede; achote, repetindo-a seguidas vezes até sabê- que é desnecessário fazer coisas extra.las de cor. 23. Tento relacionar o que aprendi em uma

11. Ao ler uma matéria nova, estou continua- matéria com os conteúdos das outras.mente recordando a matéria que já sei e 24. Depois de uma aula ou uma leitura, re-a interpreto sob outro aspecto. leio minhas anotações para me assegurar

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12 Afetos, emoções, atribuiçõese expectativas: o sentido daaprendizagem escolarMARIANA MIRAS

INTRODUÇÃO

o que experimentam, o que sentem osi.:mos quando aprendem ou estão em situa-.ão de fazê-lo? Nas últimas décadas, os pes-.::.:isadoresformularam essas questões a crian-:3S e adolescentes e obtiveram, em primeira.r.stância, uma resposta recorrente: "quer di-= er, quando realmente aprendo?". Os alunos;-arecem estabelecer uma distinção entre o=ero fato de aprender e aprender realmente,:",ferindo-se invariavelmente nesse caso a ex-::eriências a partir das quais são capazes de.er algum aspecto da realidade, incluindo a.: mesmos, de uma óptica nova, diferente?erry; 1978). Ao responder assim aos pesqui-:adores, os alunos salientam que, quando con-:2guem aprender, não apenas encontram uma: :mpreensão mais ou menos completa daqui-~:'que aprendem, mas que em alguma medi-:'3. o fazem seu e, a partir desse momento,::assa a fazer parte do jogo de "óculos" que~jlizam para olhar a realidade. Em suma, re-: =rdam-nos que a aprendizagem, na melhor:':='5 hipóteses, além de modificar nossa com--reensão do que são as coisas, transforma o::::ltido que elas têm para nós.

Oprocesso de atribuir um sentido pessoal~.::uiloque se aprende supõe a capacidade de=~3.boraralgum tipo de resposta a perguntas:':: tipo: que importância tem este conteúdo::::.Iamim?; tenho alguma razão pessoal pela~·.:alconsidere que valha a pena aprendê-lo?;.:2 que me serve ou me servirá fazer isso? As=~5postasa tais questões remetem, em última

análise, a uma dimensão mais afetiva e emo-cional da aprendizagem, dimensão que, semdúvida nenhuma, ocupou um lugar secundá-rio entre as prioridades da pesquisa psicoeduca-cional das últimas décadas, decantada clara-mente para a compreensão e a análise dos as-pectos cognitivos envolvidos nos processos deensino e aprendizagem. Como já se mencio-nou em outra ocasião (Miras, 1996), emboraseja certo que boa parte dos modelos gerais daaprendizagem escolar leva em conta fatores decaráter não-cognitivo, em particular aqueles re-lativos à motivação do aluno, o retrato domi-nante dos processos educacionais escolares nosúltimos anos passa uma imagem de professo-res e alunos em sua dimensão mais racional econsciente; professores e alunos que parecemrelacionar-se entre si, uns com omero objetivode desenvolver seus conhecimentos, e os ou-tros de ajudá-los nesse processo.

Já há algum tempo, porém, observam-sesintomas de mudança nessa situação, possivel-mente como mero reflexo de uma mudançamais ampla que vem se produzindo no terrenopsicológico como reação ao prolongado pre-domínio do paradigma cognitivista. Nesse seu-tido, são cada vez mais numerosos os traba-lhos que centram sua atenção nos aspectosafetivos e emocionais, assim como as tentati-vas de integrar e relacionar a dimensão cogni-tiva da conduta com sua dimensão afetiva eemocional. Apesquisa psicoeducacional não éalheia a essa tendência geral. Em um contextoem que cada vez mais se tornam evidentes aslimitações das aproximações cognitivistas ao

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2'1 Ol 1,1~::;=c-:::S, ;:JALACIOS & COLS.

::::ç..:.:~explicar a complexa dinâmica dos pro-:=:~~:3escolares de ensino e aprendizagem, ob-õ e:-,'?" - 5 e um aumento progressivo de estudos:e:~.:::Se empíricos que voltam a ressignificar:5 ;Jr:cessos educacionais como processos quee::-.-.-Jl-:emas pessoas em todas as suas dimen-õ ::-êS e capacidades, tanto no plano intrapessoal::::1J no interpessoal.

:.;esse contexto, o presente capítulo pre-:er.de proporcionar uma aproximação aos::::-:ncipais fatores de caráter afetivo e emocio-::31 que parecem desempenhar um papel im-::Jrtante no desenvolvimento e nos resulta-:::J5 dos processos educacionais escolares. Emprimeiro lugar, apresentarei alguns dos con-ce.tos e das noções centrais que a teoria psi-:ológica e os modelos psicoeducacionais pro-;:ôem utilizar atualmente para explicar tal di-mensão da conduta, em particular da pers-pectiva do aluno. Os raros enfoques que ana-lisam e explicam a dimensão da conduta nocaso do professor, quase sempre o fazem noambito da análise das relações que se estabe-lecem entre este e o aluno no contexto da salade aula. Dedicarei o próximo item do capítu-lo à análise da dimensão relacional e ao im-pacto que têm as características dos proces-sos de ensino e aprendizagem e outros fato-res contextuais. Depois de tratar do papel dosfatores afetivos e relacionais no processo deatribuição de sentido à aprendizagem, anali-sarei a dinâmica desses fatores e suas impli-cações no desenvolvimento dos processos deensino e aprendizagem escolares.

A APRENDIZAGEM ESCOLAR:A DIMENSÃO AFETIVA E DEEQUIlÍBRIO PESSOAL DO ALUNO

Se se concorda que os processos escola-r es de ensino e aprendizagem são processos-=.uenecessariamente envolvem as pessoas de·.:oa forma global, parece lógico que, do mes-:::l J modo que é importante considerar os dife-::-e::1:es fatores que definem a capacidade e os~e:ursos cognitivos do aluno em face de um:=:=T:JJ.inado processo de aprendizagem - ha-':-~::::ades, estratégias, conhecimentos específi-::5 -. parece conveniente a indagação a res-::e::: da diversidade de fatores que determi-=-=-=- as demais capacidades que o aluno en-

frenta nesse processo, em particular suas ca-pacidades emocionais e de equilíbrio pessoal.Os conhecimentos disponíveis sobre tais ques-tões estão longe de alcançar o nível de preci-são de que se dispõe atualmente no âmbito dascaracterísticas cognitivas. No terreno das ca-racterísticas emocionais e afetivas, os conheci-mentos proporcionados pelas pesquisas psico-lógicas e psicopedagógicas não apenas são com-parativamente menores, como também sãomais difíceis de integrar e relacionar devido àausência de contextos explicativos de um cer-to nível de generalidade que permitam dar con-ta da complexa articulação que presumivel-mente ocorre entre essas características.

A maioria das aproximações atuais daanálise da dimensão emocional e afetiva dosprocessos educacionais escolares comparti-lham alguns pressupostos básicos, algumasnoções e alguns conceitos que evidenciampontos de contato e possibilidades de integra-ção de suas respectivas colaborações. Entreeles, destacam-se os conceitos vinculados àsrepresentações que construímos sobre nósmesmos e sobre os demais.

Autoconceito, autoconceitoacadêmico, os eus possíveise a auto-estima. O sistema do eu

O papel central que desempenham as re-presentações que são elaboradas em nossa con-duta constitui um dos princípios indissolúveisda psicologia científica contemporânea. Nessecaso, o conceito de representação destaca aidéia de que os afetos e as emoções que se atua-lizam nos processos educacionais escolares nãosurgem como resposta direta aos estímulos pre-sentes, mas são claramente mediados pelasrepresentações que professores e alunos ela-boraram deles. Entre essas representações,destaca-se, sem dúvida, a representação que apessoa tem de si mesma, sua auto-imagem ouseu autoconceito. Como se mostrou no Capítu-lo 9 do Volume 1 desta obra, o autoconceitopostula a idéia do eu como objeto de conheci-mento em si mesmo e atualmente tende a serconcebido como uma noção pluridimensional,que engloba representações sobre diferentes as-pectos da pessoa (aparência e habilidades físi-cas, capacidades e características psicológicas

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diversas, capacidades de relação interpessoale social, características morais ... ).l

Entre os diversos componentes da repre-sentação da pessoa, tem um interesse particu-lar, do ponto de vista educacional, o chamadoautoconceito acadêmico (Marsh, Byrne eShavelson, 1988). Esse componente refere-seà representação que o aluno tem de si mesmocomo aprendiz, como pessoa dotada de deter-minadas características ou habilidades para en-frentar a aprendizagem em um contexto deensino. As pesquisas em torno da dimensão doautoconceito evidenciam a necessidade de pos-tular a existência de autoconceitos acadêmi-cos, diferenciados em relação a áreas ou a con-teúdos concretos de aprendizagem, e levarama distinguir em primeira instância dois autocon-ceitos acadêmicos básicos, vinculados respec-tivamente ao âmbito dos conteúdos matemá-ticos e ao âmbito dos conteúdos lingüísticos.Trabalhos recentes confirmam o caráter multi-dimensional do autoconceito acadêmico a par-tir da pré-adolescência (11 ou 12 anos), pro-põem a incorporação de novos autoconceitosctl:'cfui::l.rrú,'U:> tY&'1'C'US- (por exemplo, na área ct-eciências) e sugerem a conveniência de consi-derar a existência de subcomponentes especí-rlCOS vinculados aos autoconceitos acadêmicosbásicos (por exemplo, subcomponentes de ge-ornetria, aritmética e outros no caso do auto-conceito acadêmico em matemática).

Os elementos do autoconceito a que mereferi constituem a dimensão mais cognitiva eracional da representação que elaboramos denós mesmos. Pode-se supor, porém, que, salvoem casos extremos, não se percebem as pró-prias características de uma forma distante ouimparcial, mas se está afetivamente envolvidoem tal percepção. Para dar conta disso, a pes-quisa psicológica propõe a noção de auto-esti-ma. A auto-estima refere-se à avaliação afetivaque fazemos de nosso autoconceito em seusdiferentes componentes, ou seja, como a pes-soa se valoriza e se sente em relação às carac-terísticas que se auto-atribui. Diferentementedo caráter analítico e multidim ensional doautoconceito, a auto-estima tende a caracteri-zar-se em termos globais e unidimensionais.Desse modo, as pessoas distinguem-se entre siem função do caráter mais ou menos positivode sua auto-estima; fala-se de uma pessoa comum nível de auto-estima positivo quando essa

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 211

pessoa tende a valorizar-se e sentir-se bem con-sigo mesma, enquanto que uma pessoa comum nível de auto-estima baixo ou negativo emgeral se valoriza pouco e se sente mal consigomesma .. :>"'dquirire manter uma auto-estima ra-zoavelmente positiva é, sem dúvida, um dosêxito cruciais do desenvolvimento psicológico.Conseguir isso tem relação, pelo menos emparte, com o autoconceito que a pessoa foi cons-truindo. Embora os conhecimentos de que sedispõe atualmente com respeito a essa relaçãoainda sejam escassos, alguns componentes doautoconceito, como a imagem física de si, apercepção da própria competência ou a acei-tação social, parecem desempenhar um papeldeterminante no nível de auto-estima da maio-ria das pessoas.

O autoconceito e a auto-estima referem-se à representação da avaliação afetiva que apessoa tem de suas características em um de-terminado momento. A esse respeito, algunsautores colocam a necessidade se superar ocaráter excessivamente estático dessas noçõese propõem considerar também a representa-ção que a pessoa tem de si mesma no futuro. Anoção de "eus possíveis" proposta por Markuse Nurius (1986) incorpora tal idéia, claramen-te inspirada em trabalhos de autores comoJames, Freud ou Rogers. A representação de sino futuro inclui, segundo Markus e Nurius, umavariedade de eus possíveis; o eu que a pessoaespera ser, o eu que a pessoa acredita que de-veria ser, o eu que a pessoa desejaria ser e o euque a pessoa teme chegar a ser. O valor heu-rístico dessa noção deriva com clareza das duasfunções fundamentais que parecem cumprirtais representações de si no futuro. Por um lado,os eus possíveis orientam e guiam o comporta-mento da pessoa, visto que existem eus possí-veis que deseja alcançar e outros que procuraevitar. Desse modo, funcionam como represen-tações das aspirações e dos temores pessoais edos estados afetivos associados a eles. Por ou-tro lado, os eus possíveis constituem marcosde referência nos quais a pessoa avalia e inter-preta seu autoconceito e sua conduta atual e,nesse sentido, têm um impacto mais que pro-vável em sua auto-estima. A valorização queum aluno faz das características que se auto-atribui em um determinado momento (porexemplo, "não tenho habilidade para redigir")presumivelmente diferirá conforme os eus pos-

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212 COLL, MARCHES!. PALACIOS & COLS.

;:i':2iõ =:Jc esse aluno maneje (por exemplo, es-~"2::~ :'.1 desejar ser um grande romancista).

.-'0. inclusão da noção de eus possíveis jun-:: com o autoconceito e a auto-estima com-~:E;:a o conjunto de elementos que configuram= sistema do eu. Esse sistema se cria e evoluiao longo da vida das pessoas e em sua cons-trução influem primordialmente sua históriapessoal de êxitos e fracassos, assim como suarelação com outras pessoas e o nível de aceita-ção e suporte emocional que estas lhe propor-cionam, em particular os "outros significativos"cpais, amigos, professores ... ). já que tal siste-ma organiza as interpretações pessoais sobrea própria experiência e dirige o comportamen-to da pessoa, parece lógico supor que tem umaincidência notável na conduta dos alunos e dosprofessores e no desenvolvimento dos proces-sos educacionais escolares.

As atribuições casuais

A consideração dos aspectos intrapessoaisque incidem na dimensão afetiva e emocionaldo ensino e da aprendizagem não se circuns-creve aos diferentes componentes do sistemado eu. Junto com esse sistema, e em estreitarelação com ele, é necessário considerar ou-tros aspectos, entre os quais se destacam osprocessos ou mecanismos de atribuição cau-sal. Como já se explicou no Capítulo 13 do Vo-lume 1 desta obra, os mecanismos de atribui-ção causal fazem referência à maneira comose procura explicar por que ocorrem determi-nadas coisas a nós e aos demais, isto é, os me-canismos que são utilizados para atribuir umacausa ao que ocorre. Embora essas causas se-~am indubitavelmente muito diversas, em ter-mos gerais podem ser analisadas em torno deuma série de dimensões (Weiner, 1991). Entreelas destaca-se a atribuição do ocorrido a cau-sas internas ou externas à pessoa. Essa dimen-são. a que a literatura se refere muitas vezesmediante o conceito de "lugar do controle",::emete ao grau em que o eu se percebe comocausador dos acontecimentos nos quais se vêer.volvido, de forma que o resultado do que=cJrre é atribuído às características ou ao com-:;:ortamento do próprio agente ou a motivos ex-:"2:::1OS. Assim, por exemplo, a falta de pontua-

lidade com que uma amiga se apresenta a umencontro pode ser atribuída à sua própria de-sorganização (causa interna) ou a problemasde trânsito que dificultaram sua chegada (cau-sa externa). Uma segunda dimensão tem a vercom o grau de controle que a pessoa consideraque o agente tem sobre as ações e seus resulta-dos, nesse caso atribuindo o que ocorre a cau-sas mais ou menos controladas ou incontro-láveis por sua vez. O grau de organização daamiga ou o trânsito na cidade podem ser per-cebidos como aspectos que escapam ao seudomínio (causa incontrolável), ou como algoque pode ser revisto, ajustado ou previsto (cau-sa controlável). Por último, uma terceira di-mensão refere-se ao caráter mais ou menosfixo, estável ou variável no tempo das causas aque se atribui ao que acontece. A desorganiza-ção da amiga pode ser considerado como umacaracterística estável e invariável (emboramodificável se estivesse disposta a controlá-la)ou como algo transitório que se produz comoconseqüência de um período particularmentecarregado de trabalho (causa variável).

As combinações entre os valores das di-mensões que se apresentou são numerosas, em-bora algumas pareçam mais prováveis ou ve-rossímeis que outras. Cada pessoa tende a ma-nejar alguns padrões atributivos estáveis, inte-riorizados progressivamente ao longo de sei;processos de socialização e desenvolvimento,É comum utilizar-se padrões distintos para ana-lisar os êxitos e os fracassos. Assim, por exem-plo, um padrão prototípico, nesse caso de na-tureza claramente pessimista, consiste err,atribuir nossos êxitos a causas externas, variá-veis e incontroláveis (por exemplo, a sorte) t:

nossos fracassos a causas internas, estáveis t:

incontroláveis (por exemplo, poucas habilida-des intelectuais ou de relação social). Tambén;se demonstra de forma reiterada que não S"2

faz os mesmos tipos de atribuição ao analisa:as próprias ações ou ao analisar as ações de:demais (Miell e Dallos, 1996). Essas diferer-ças nos recordam que o fato de atribuir ur;caráter interno/externo, controlável/Incon-trolável ou estável/variável às causas do qi.-ocorre não ser analisado em abstrato ou de fe:·ma meramente lógica. Convém não esquec~:que as atribuições são crenças que a pessoa SL:: .tenta e, por diversos motivos, muitas vezes E;:

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sas crenças não são regidas estritamente pelas.eis da lógica. As crenças sobre as causas a que.::.pessoas atribuem seus êxitos ou fracassos nos,'::lgode azar são um bom exemplo disso.

As considerações anteriores levam a co-.ocar em dúvida a visão dos processos de atri-'Juição causal como processos conscientes que2. pessoa realiza a todo momento de maneiraracional. Embora essa tenha sido a perspec-:iva habitualmente adotada, nos trabalhosatuais, observa-se a tendência a destacar o ca-::-a.termuitas vezes inconsciente e mecânico dos:::-:)cessos atributivos que são realizados, as-~:.::::lcomo a existência de um forte componen-:'" emocional e afetivo nesses processos, como

, :::1seqüência da estreita relação que se esta-

~.

::OE:eceentre os padrões atributivos e o sistema(cil<:: ~:l, Assim, constata-se que o autoconceito eIIml$ ;- z.drôes atributivos com que as pessoas sed'e:;::aramna aprendizagem não são fatores in-:ependentes, mas em geral tendem a relacio-nar-se e a organizar-se entre si de maneira queseja possível manter um nível de auto-estima

lu?J:1S1.!l,ll0

~sse objetivo explicaria a relativa freqüên-caa :"2 patrões atributivos claramente otimis-C3:s cc:no o padrão de "beneficiamento", pelo'1'u~ se atribui os êxitos a causas internas, es-C2'..-~is e controláveis, e os fracassos a causas

I e:c:::-nas, variáveis e incontroláveis. Parece evi-;:;:::-_teo papel protetor da auto-estima que de-.sê:::::penham padrões atributivos desse tipo, já~''':::.na suposição de nos considerarmos res-;:,=:-_sáveispor nossa conduta e atribuí-la a cau-:'::'5 internas e controláveis, diante de reitera-'::5 fracassos, nossa auto-estima poderia serreriamente comprometida. Tudo isso está es-::::-eiramente relacionado, por sua vez, com as=:::.oções auto-avaliadoras que a pessoa expe-:-::::nenta, em particular com emoções comple-.":3.5 como o orgulho, a vergonha ou a culpac-:arré e Parrot, 1996). A emergência desse tipo:::eemoções tem a ver com a possibilidade deestabelecer padrões atributivos estáveis com re-.açâo às dimensões de gerência e controle. Umavez estabelecidos, experimentam-se os senti-:nentos de orgulho e de culpa diante dos êxi-tos e dos fracassos atribuídos a causas inter-nas, mas incontroláveis. As importantes fun-ções de autoregulação e controle social quecumprem tais emoções auto-avaliadoras encon-

DESENVOLVIMENTOPSIC:::_::::::::::::=_:!;.':: ...z: 213

tram sua explicação no 2.:r_1::t= ::::5 ~a:=-=es :2atribuição causal.

A representação e a a'.'~:2.;~ = ':2 :: =-",5-mo e os padrões atributr.r s :'" ~:':::=:'" ~=-a-cassos com que o aluno se ce::2.:2..:-_2. =-::::-2:.::>zagem são alguns dos princip 2.:S a::::"'::::: .::...;'"determinam a dimensão afetr.:a ::. ::=- c:: ::::.~da aprendizagem escolar. :'\ess2 52:.:::':. -maioria dos trabalhos escolares atu a.: =-_ ::::::-.':que, em termos gerais, existem repres er.tz; :·ece padrões atributivos mais favoráveis que ou-tros para enfrentar os processos de aprendi-zagem escolar. Assim, em todos os casos, osalunos com um autoconceito ajustado e posi-tivo, em particular em seus componentes aca-dêmicos, e um nível de auto-estima elevadoobtêm melhores resultados de aprendizagem.Por outro lado, a maioria dos autores coinci-de em assinalar como padrão atributivo maisfavorável em face da aprendizagem aquele emque o aluno atribui tanto seus êxitos como seusfracassos a causas internas, variáveis e con-troláveis, como o esforço pessoal, o planeja-urerntr é' ã IJrgc[UlCd\<i'U UU u aüarllo ... l'il o ex-tremo oposto, os padrões mais desfavoráveisparecem ser aqueles que anteriormente foramqualificados como padrões de caráter pessi-mista. Parece claro que o aspecto mais nega-tivo dessas atribuições é a percepção de umafalta de controle do aluno sobre as causas quedeterminam tanto seus êxitos como seus fra-cassos (Solé, 1993) .

OS FATORES INTERPESSOAIS ECONTEXTUAIS E A DIMENSÃO AFETIVADA APRENDIZAGEM ESCOLAR

Enquanto tradicionalmente os estudos so-bre os aspectos emocionais e afetivos envolvi-dos na educação escolar se limitam a estabele-cer relações entre essas características dos alu-nos e seus resultados de aprendizagem, atual-mente numerosos trabalhos destacam a neces-sidade de considerar a interação que se pro-duz entre elas e as características do contextode ensino em que ocorrem os processos educa-cionais. E, nesse contexto, destacam-se, semdúvida nenhuma, como elementos fundamen-tais as pessoas com quem o aluno interage, emparticular o professor e os outros alunos,

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214 ',!ARCHESI, PALACIOS & COLS.

A interação professor-aluno eentre alunos, Representaçõesmútuas e expectativas

Do mesmo modo que os alunos e o pro-fessor têm uma representação de si mesmos,também elaboram uma representação das ca-racterísticas dos outros, constroem uma repre-sentação de suas capacidades, seus motivos esuas intenções. Tais representações desempe-r.ham um papel determinante nas relações in-terpessoais que se estabelecem nos processoseducacionais e, conseqüentemente, incidemr.os seus resultados. Como se analisava em ou-tra ocasião (CoUe Miras, 1990a), as fontes emque se baseiam as representações mútuas deprofessores e alunos são diversas. Indubitavel-mente, a mais importante é a observação quefazem uns e outros de suas respectivas carac-terísticas na interação direta que ocorre nocontexto escolar, em particular no contexto dasala de aula. Contudo, dado o caráter das ins-tituições educacionais, não se pode descartarque, antes que se estabeleça um contato dire-to, os professores e alunos, em particular pormeio de outros companheiros, já contêm al-gum tipo de informação que os ajude a confi-gurar as primeiras representações mútuas. Poroutro lado, a própria organização do sistemaeducacional é uma fonte de informação, e par-ticularmente no caso dos professores propor-ciona um conjunto de dados que intervêm narepresentação que constroem de seus alunos'por exemplo, as características evolutivas eacadêmicas que se pode esperar nos diferentesníveis educacionais).

As primeiras representações muitas vezesmarcam os contatos iniciais que se produzementre professor e alunos e, a partir desse mo-cento, são postas à prova e se confirmam,matizam ou refutam progressivamente pela=Jservação continuada que ocorre na sala deaula e em outros âmbitos do contexto escolar.\: ão se pode deixar de considerar que é difícil:'::.1e tal observação seja completamente neutra:'.1 objetiva. Isso se deve, em parte, à conheci-:::'3. tendência pela qual, uma vez estabelecida·..::::.aprimeira representação, procuramos pre-;=:-:a-la, buscando e selecionando as informa-: =-e5 que a confirmam. Por outro lado, parece,,-::::e::J.tea impossibilidade de registrar de ma-:.,,:.:-.? D"b.;eti\'aa totalidade de informações dis-

poníveis nesse tipo de situações. Conseqüen-temente, é interessante perguntar-se sobre osparâmetros ou os critérios que os professores eos alunos utilizam para selecionar, interpretare organizar as informações que vão receben-do, com o objetivo de construir uma represen-tação integrada e coerente de suas respectivascaracterísticas.

Os conhecimentos de que se dispõe indi-cam que, embora nem todos os professores uti-lizem osmesmos critérios nem realizem osmes-mos processos para selecionar, interpretar o or-ganizar os dados que obtêm mediante a obser-vação da conduta do outro, existem alguns fa-tores que em geral condicionam suas represen-tações mútuas. Entre eles destacam-se a idéiaque cada um tem do próprio papel e do papeldo outro; os esteriótipos relativos a determi-nadas categorias étnicas, sociais, econômicasou de gênero e a experiência pessoal que acu-mularam ao longo de sua vivência como pro-fessores e como alunos. Conforme indicam di-ferentes estudos, essa experiência leva a cons-truir, paulatinamente, uma imagem ou perfildo "professor ideal", no caso do aluno, e do"aluno ideal", no caso do professor, que con-dicionam a escolha e a interpretação da con-duta que uns e outros manifestam ao longo doprocesso de ensino e aprendizagem.ê Geral-mente, a percepção do papel, os estereótipos eos perfis ideais apresentam padrões relativa-mente congruentes entre si e se relacionam comdeterminadas características de personalidade,em particular o grau de flexibilidade ou de ri-gidez com que as pessoas valorizam e conside-ram as convenções e os modelos sociais.

Em qualquer caso, esses parecem ser al-guns dos fatores determinantes na construçãodas representações mútuas a partir das quaisprofessores e alunos percebem evalorizam suasrespectivas atuações. Esse, contudo, não é oúltimo nível de representação que medeia asrelações que se estabelecem na sala de aula.Como um jogo de espelhos, é necessário con-siderar também a representação que cada umdos participantes na interação tem da repre-sentação que o outro faz dele (o que eu achoque você acha de mim). Amaneira como pro-fessores e alunos percebem suas representaçõesmútuas é um novo filtro que incide na leituradas atuações que se produzem no contexto dainteração educacional (Miras, 1996).

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Por sua vez, as diversas representações.:;ueprofessores e alunos elaboram nesse con-:e;xto geram expectativas com relação ao an-':::amentoprevisível da atividade conjunta e seusresultados. Assim, o professor desenvolve al-;um tipo de previsão sobre o que pode esperar:u não de um determinado aluno, e o aluno,~:)[ sua vez, sobre o que pode ou não esperar'::eum determinado professor ou de um deter-cinado colega. Como conseqüência dessas ex-?~ctativas, cada um tende a atuar de acordocom o que espera do outro e, desse modo, asexpectativas repercutem direta ou indiretamen-:e em sua conduta e nas relações que se esta-:tlecem entre uns e outros." Como se sabe, tal:-e;nômeno está relacionado com a chamada'profecia de autocumprimento", noção cunha-.:iapor Merton no âmbito da sociologia segun-':::Ja qual, quando alguém profetiza ou anteci-::a um determinado acontecimento, às vezes?:Jde chegar a modificar sua conduta de talzianeira que aumente a probabilidade objeti-''-21 de que sua profecia se cumpra.

Com base nisso, um grupo de pesquisa-.=: = res levantou a mpófEsE dE que as expectati-«as desenvolvidas pelo professor em relação:li": rendimento de seus alunos poderiam teri'::=ê. repercussão nos resultados de aprendiz a-~=:::tque estes conseguem obter. Os resultadosacs trabalhos realizados por Rosenthal e Jacobson: ::':53) pareciam confirmar a hipótese e seu im-

:-ia:tQ foi notável, já que, embora nesse caso se::-,.--:::sseminduzido os professores a desenvolver::.:qectativas positivas, era fácil extrapolar os re-::..~tados no caso de se terem produzido expecta-::::-'asnegativas com relação ao rendimento de~~:enninados alunos. Nesse contexto, ao longo':::s últimos anos, inúmeras pesquisas tentaram~;;:'-J.taros dados obtidos na pesquisa inicial de:::senthal e Jacobson com resultados contradi-: ::-ios. O impacto da profecia de autocum-::imento nos resultados dos alunos confirma-: e em alguns casos, mas não em outros, o que: orrobora a dificuldade de considerar o fenô-=eno de uma forma simples ou mecânica. A::artir de então, o interesse centrou-se de ma-z.eira prioritária em procurar analisar o pro-~esso mediante o qual se produz a formação'::'e expectativas por parte do professor e, em::articular, em determinar as condições que fa-~em com que tais expectativas dêem lugar a..:.maprofecia de autocumprimento.

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 215

Nesse contexto, possivelmente um dosmodelos mais elaborados continua sendo aque-le proposto por Jussim (1986). O modelo dis-tingue três fases ou etapas no processo de for-mação de expectativas no contexto escolar eem sua eventual transformação em profeciasde autocumprimento (ver Figura 12.1). A pri-meira refere-se à construção das expectativasdo professor quanto ao rendimento acadêmi-co de seus alunos e destaca a quantidade e avariedade de fatores que podem intervir emseu estabelecimento e em sua posterior manu-tenção ao longo da interaçâo. Essa fase consti-tui um primeiro passo necessário no caminhopara o cumprimento das expectativas. Nessesentido, sabe-se que o professor não constróinecessariamente expectativas sobre o rendi-mento de cada um de seus alunos ou tambémque, mesmo no caso de construí-las, nem to-das as expectativas que elabora são igualmen-te claras ou precisas. Na suposição de que astenha construído, a segunda fase do modelosupõe que o professor as comunique de algummodo aos alunos. Existem evidências suficien-tes de que muitas vezes os professores as trans-mitem, comportando-se de maneira diferentecom uns e outros em função do caráter positi-vo ou negativo de suas expectativas. Esse com-portamento diferencial, de que a maioria dosprofessores tem pouca consciência, concretiza-se em última análise no maior ou no menorgrau e na qualidade da ajuda que oferece aoaluno em seu processo de aprendizagem. Ospadrões atributivos do professor, a percepçãodo grau de controle ou de influência que temsobre o aluno, a tentativa de evitar a dissonân-cia cognitiva que produzem nele as informa-ções que contradizem suas expectativas sãoalguns dos fatores psicológicos que medeiama relação entre suas expectativas e o tratamentoeducacional que acaba dando ao aluno (CoUeMiras, 1990b)_

Em suma, a segunda fase desse modeloassinala que a transmissão das expectativasmaterializa-se em práticas educacionais pormeio de que o professor proporciona maioresoportunidades aos alunos com relação aos quaiselaborou expectativas de êxito acadêmico evice-versa. Os resultados indicam que, nos con-textos em que essa diferença é mais perceptí-vel, produz-se maior dependência e maior iden-tificação entre as expecrativas dos:próprios: alu-

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216 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

EXPECTATIVASDO PROFESSOR

- Percepção de papel.- Estereótipos.- Informações prévias (provas

padronizadas. relatórios.comentários ...).

- Previsões ingénuas.

EXPECTATIVAS INICIAIS MANUTENÇÃO/MUDANÇADAS EXPECTATIVAS INICIAIS

- Desvios confirmadores.- Flexibilidade das expectativas.- Força da evidência não-

confirmadora.

TRATAMENTOEDUCACIONALDIFERENCIAL

- Grau ou nível educacional.- Agrupamentos.

MEDIADORES PSICOLÓGICOS

- Padrões atributivos.- Percepção de controle.- Percepção de semelhanças.- Dissonância.- Ateto.

MEDIADORES SITUACIONAIS

TRATAMENTO EDUCACIONAL

- Padrões atributivos.- Grau de ajuda.- Qualidade da ajuda.- Atenção e apoio emocional.- Volume e dificuldade da

matéria ensinada.- Atividades.

REAÇÕESDOS ALUNOS

- Autoconceito (geral,acadêmico ...).

- Auto-estima.- Padrões atributivos.- O professor como "outro

significativo" .- Valor atribuído à escolaridade.- Capacidade de aprendizagem.

MEDIADORES PSICOLÓGICOS REAÇÕES COMPORTAMENTAIS

- Esforço.- Persistência.- Atenção.- Participação.- Cooperação.

FIGURA 12.1 O processo das expectativas (adaptado de Jussim (1986)).

::1JS e as expetativas do professor (Stipek,~996). Aexistência de um tratamento diferen-cial. porém, não basta para que se desencadeie.:.~)[ofeciade autocumprimento. É de se supor=....:E: os alunos não assistem impassíveis a esses:::-ê:.::amentosdiferenciais e, com intenção de re-:~E::i-los,o modelo distingue uma terceira fase,,= cue estes reagem diante das expectativas.:: ~::fessor, ajustando-se ou opondo-se a elas.=_''':E:'..:rr:aluno atue em uma ou em outra dire-:i= ~2--2Ce depender, por sua vez, de um novo~ ::-_-'''::-_:J de fatores, entre os quais se desta-

cam seu autoconceito acadêmico, seu nível deauto-estima, seus eus possíveis, os padrõesatributivos que maneja, o valor que atribui àsaprendizagens escolares e a importância queconcede à opinião que o professor tem dele,sem esquecer logicamente sua capacidade realde aprendizagem.

Os fatores envolvidos nas diferentes fa-ses do processo das expectativas determinama maior ou a menor probabilidade de que aconduta do aluno e seus resultados confirmema profecia do autocumprimento inicial. Em al-

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guns casos, é evidente que esta se materializa2, desse modo, instala-se uma retroalimenta-ção entre expectativas e resultados de apren-dizagem, cujo caráter mais ou menos positi-,·0 depende, como é lógico, da natureza dasexpectativas. 4 As aproximações atuais permi-.iram evidenciar que, pelo menos no caso dasexpectativas do professor quanto ao rendi-raento dos alunos, a profecia do autocumpri-mento não pode ser vista como um processomecânico e inevitável, mas se trata de um pro-cesso mais sutil e complexo do que se supu-r.ha em princípio.

Representações, atribuições,expectativas e características dosprocessos educacionais escolares

A análise realizada até o momento dosc::toresque incidem na dimensão afetiva e emo-:: onal dos processos educacionais escolares,::",::-a além da possível parcialidade quanto aosaspectos contemplados, requer algumas consi-derações iniciais, sem as quais essa aproxima-ção seria claramente insuficiente. Em primei-ro lugar, apesar de tê-los abordado em primei-ra instância de forma relativamente indepen-dente, não parece possível ignorar as relaçõesentre os fatores de natureza intra e interpes-soa1.Considere-se, a título de exemplo, o im-pacto que têm ou podem ter as representaçõese as expectativas que o professor ou outros co-legas elaboram no sistema do eu do aluno, emparticular de seu autoconceito acadêmico, oua incidência dos padrões atributivos e a auto-estima do aluno na representação e nas expec-tativas que elabora do professor.

Em segundo lugar, qualquer valorizaçãodos fatores analisados seria claramente parcial'JU distorcida, se não se considerassem a natu-reza e as características concretas dos contex-tos educacionais e os processos de ensino eaprendizagem em que estão imersos professo-res e alunos. Assim, as finalidades educacio-nais que prevalecem em uma determinada so-ciedade ou o projeto educacional de uma de-terminada escola constituem contextos de re-ferência necessários a partir dos quais avaliar,por exemplo, o caráter mais ou menos favorá-vel dos padrões atributivos que professores ealunos utilizam, ou a maior ou menor pertinên-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2

cia das dimensões que uns e outros priorizana construção de suas representações mútu:

Algo similar ocorre com relação às caraterísticas dos processos de ensino e aprendizgem nos quais se atualizam esses fatores. Eibora alguns valores das variáveis analisadpareçam incidir de maneira relativamente:milar independentemente de quais sejam E

sas características (por exemplo, um nível (auto-estima negativo), em outros casos, a corposição e a organização social da sala de aulos objetivos que se perseguem, os conteúdosas tarefas de aprendizagem, ou as caracteríscas da metodologia didática e das atividadde avaliação que se propõem são determinantpara avaliar o grau de adequação e o possívimpacto dos fatores pessoais e interpessoais qlforam analisados (Helmke, 1996). A relaçíentre os autoconceitos acadêmicos e os Cal

teúdos de aprendizagem é uma das mais evdentes, embora não a única. Considere-se, P'exemplo, o caso de um aluno cue deve particpar de uma metodologia de trabalho em gnpo cooperativo com colegas aos quais se atrbui um baixo nível de competência, ou de Ul

aluno que percebe a si mesmo como alguéicarente de dotes oratórios diante da propos1de avaliar seus conhecimentos mediante umprova oral.

A POSSIBILIDADE DE ATRIBUIRSENTIDO PESSOAL À APRENDIZAGEM

As representações, as expectativas e aatribuições com que o aluno se depara em urdeterminado processo de aprendizagem têruma incidência nesse processo e em seus resultados, visto que determinam algumas dacondições fundamentais requeridas para quo aluno consiga atribuir um sentido pessoalaprendizagem ..'\ análise dessas condições comtitui o elo necessário para compreender a relação de mútua interdependência entre a dupldimensão que toda aprendizagem escolar comporta: a construção dos significados e a atribuição de sentido aos conteúdos escalareCCoU,1988b).

O processo que leva a maior ou amenoatribuição de sentido pessoal a uma aprendizagem parece determinado por algumas condições básicas." A maioria dos autores coinci

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21 B COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

de em considerar o interesse do aluno peloconteúdo e pela tarefa de aprendizagem e suapercepção de competência como duas das con-dições fundamentais. Por sua vez, alguns auto-res destacam a importância de um terceiro fa-tor ou condição: a possibilidade que o alunotem de representar para si de algum modo oconteúdo e a tarefa de aprendizagem que deverealizar e o motivo pelo qual se supõe que devafazê-lo (Solé, 1993). Embora essa possa pare-cer uma primeira condição sine qua non, que égarantida pelo caráter explícito dos objetivosque guiam os processos escolares de ensino eaprendizagem, existem razões suficientes paraduvidar de que, de qualquer forma, o alunopossa elaborar uma representação sobre o quedeve aprender, como deve aprendê-lo e, emparticular, por que se supõe que deve aprendê-lo. A esse respeito, vale considerar que, mesmoque o professor tenha respostas precisas paratais questões, isso não garante que o aluno asidentifique ou, pelo menos, as compartilhe.

Poder representar para si a tarefa deaprendizagem e em particular os motivos pe-los quais se supõe que deve realizá-la determi-na claramente a possibilidade de que o alunoexperimente a aprendizagem como um objeti-vo pessoal; isto é, que experimente um senti-mento de autonomia, não tanto no sentido deser ele quem decida em primeira instância oque fazer e por quê, mas em que ele perceba apossibilidade de integrar os motivos da apren-dizagem na trama de seus próprios objetivos.Essa experiência de autonomia, por sua vez,está estreitamente relacionada com o interes-se pessoal experimentado pelo aluno diante doconteúdo de aprendizagem e das condições derealização dela. O interesse, como relação es-pecífica entre as necessidades, os objetivos eos valores da pessoa e os conteúdos e as tare-fas de aprendizagem, está claramente vincula-do ao sistema do eu do aluno. Nesse sentido, ér.ecessário distinguir entre um interesse ime-ciato, ligado à sensação de gratificação e de:c-em -estar inerente que se espera obter ao rea-.izar uma tarefa concreta ou a abordar um de-terminado conteúdo, e um interesse diferido':'': "latente", ligado, nesse caso, à percepção:::: importância ou da utilidade da aprendiza-;e::n como meio para alcançar futuros objeti-',::sS:::hiefele, 1991). O vínculo entre o auto-=::::ce:ro e a auto-estima atual do aluno e seus

interesses imediatos e entre o interesse laten-te e seus eus possíveis parece indiscutível.

Sem dúvida, é pouco provável que o alu-no atribua sentido a uma aprendizagem pelaqual não sente um interesse imediato ou dife-rido, mesmo quando pretenda realizá-la comêxito. Mas tampouco parece provável que otenha se, apesar de sentir um interesse peloconteúdo ou pela tarefa, não confia que possarealizar a aprendizagem com razoáveis expec-tativas de êxito. O sentimento de competên-cia, definido como o conjunto de crenças queo aluno tem a respeito de suas próprias habili-dades para aprender em uma situação concre-ta, configura-se assim como um novo fator de-terminante da possibilidade de atribuir senti-do à aprendizagem.? O fato de sentir-se maisou menos competente está relacionado com oautoconceito geral e acadêmico do aluno, comseu nível de auto-estima e com seus padrõesatributivos. Ao longo da escolaridade, consta-ta-se uma tendência geral à estabilização e aum maior realismo na percepção da própriacompetência, assim como um aumento progres-sivo da correlação entre os interesses e o senti-mento de competência do aluno, isto é, entreo que valoriza e aquilo em que se sente com-petente. Essa correlação tem uma indubitávelfunção protetora da auto-estima, e alguns au-tores a consideram um importante marco nodesenvolvimento do aluno (Harter, 1990).

Como elemento do autoconceito, o senti-mento de competência remete em última aná-lise ao próprio aluno, embora nas situações es-colares de ensino e aprendizagem pareça lógi-co que esse sentimento contemple a possibili-dade de integrar a ajuda que pode receber doprofessor ou de outros colegas. Sentir-se com-petente, dessa perspectiva, não quer dizer ne-cessariamente se sentir capaz de realizar a ta-refa de maneira autónoma e individual, mastambém com a ajuda de outros. Nesse sentido,a representação e as expectativas que o alunotem do professor e de seus colegas podem de-sempenhar um papel importante. A esse res-peito, estudos recentes destacam algumas dasdimensões que os alunos consideram para ca-racterizar o professor como possível fonte deajuda. A percepção por parte do aluno de umestilo de interação democrático (estilo comu-nicativo, respeito, tratamento justo), expecta-tivas baseadas nas características individuais

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do aluno como pessoa e como aprendiz, uminteresse e uma preocupação com o ensino e o:ato de proporcionarfeedbacks construtivos pa-recem ser as mais importantes (Wentzel, 1997).

Muitos autores concordam emmencionara dimensão do autoconceito do aluno como umdos melhores antecipadores de seus resultadosde aprendizagem. A percepção da competên-cia atuaria como profecia de autocumprimentoem relação a si mesmo e determinaria as ex-pectativas do aluno diante da aprendizagem.Expectativas que devem ser consideradas nãoapenas de uma óptica racional, mas tambémda perspectiva das emoções que desencadei-am. Assim, por exemplo, as expectativas deêxitoou de fracasso podem provocar sentimen-tos de orgulho ou de vergonha antecipados,que medeiem a possibilidade de atribuir senti-do à aprendizagem.

ATRIBUiÇÃO DE SENTIDO, DE AFETOSE DE EMOÇÕES NO PROCESSO DEENSINO E APRENDIZAGEM

A atribuição de um maior ou menor sen-tido pessoal àquilo que deve aprender é umdos principais fatores que condicionam o tipode motivação e o enfoque que o aluno adotapara realizar sua aprendizagem, incidindo des-semodo no desenvolvimento do processo e nosresultados que se consegue obter (Miras, 1996)..-\relação entre esses aspectos, porém, está lon-ge de ser mecânica e não se pode considerá-lapredeterminada pelas características iniciais doaluno ou da situação de ensino e aprendiza-gem. Amaneira concreta como o processo afi-nal se desenvolve, e em particular a dinâmicaque acaba se produzindo na interação entre oprofessor e o aluno, pode influir e alterar emmaior ou menor medida as características desuas representações, suas atribuições, suas ex-pectativas e seus interesses iniciais, modifican-do desse modo o sentido, a motivação e oenfoque de aprendizagem do aluno (Greene eMiller, 1996).

Em qualquer caso, o processo desembocaem resultados, que se avaliam de forma maisou menos positiva e se interpretam em termosde êxito ou de fracasso com relação aos objeti-vos que foram formulados, A avaliação de seusresultados, na maioria dos casos de caráter pú-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 219

blico, tem importantes conseqüências emocio-nais e afetivas para o aluno (e presumivelmentepara o professor). Nesse sentido, constata-se ocaráter claramente bidirecional da relação en-tre os resultados da aprendizagem e as carac-terísticas do aluno, já que, embora os diferen-tes fatores de caráter afetivo e relacional Comque o aluno se depara na aprendizagem con-dicionam em parte seus resultados, por sua vez,esses resul tados, ou melhor, a percepção que oaluno tem deles, incidem na representação ena valorização que tem de si mesmo? (ver aFigura 12.2).

A leitura que o aluno faz de seus resulta-dos e a possível repercussão em seu autocon-ceito e em sua auto-estima está fortemente con-dicionada por seus padrões atributivos, seus in-teresses, seus eus possíveis ou o valor que atri-bui à tarefa, mas também pela valorização fei-ta por outras pessoas, e muito particularmenteo professor. Aesse respeito, alguns autores des-tacam a influência que tem a contingência daavaliação do professor nos padrões atributivosdo aluno e especificamente na percepção decontrole sobre a aprendizagem e em seus re-sultados. Avariabilidade, o caráterimprevisívele a falta de consistência nos elogios, nas re-compensas, nas críticas ou nas reprovações ex-plicariam os resultados de numerosos estudosem que se mostram o pouco controle e as difi-culdades que muitos alunos têm para determi-nar as causas de seus êxitos e, em particular,de seus fracassos na aprendizagem (Stipek,1996).

A inegável influência dos êxitos e dos fra-cassos acadêmicos no autoconceito e na auto-estima do aluno tende a ser concebida muitasvezes de maneira excessivamente lógica e ra-cional, esquecendo que as representações quese tem sobre si mesmo, e em particular as cren-ças sobre suas capacidades, estão estreitamen-te ligadas às necessidades básicas de controlee à habilidade de sentir-se bem comigo mes-mo. Desse modo. a necessidade de manter umautoconceito e uma auto-estima aceitáveis levaa pessoa a procurar modelar o ambiente paraque se adapte às próprias expectativas e ne-cessidades, evitando, na medida do possível,os fatos e as situações que podem fazer comque se sinta mal consigo mesma. Esse viésautoprotetor explicaria em parte por que os alu-nos com um autoconceito acadêmico pobre e

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220 CCL~ ',' ~.:::::f'::S'. PALACIOS & COLS.

earader;s!;cas gera;s do tMtê~to ê§Mhu ê Meialno ~ualse desenvolve o processo de ensino e de aprendizagem

r------- ---- ---------- --- ..-- -- ..---- ----------------- ------------ ..------,,

- Autoconceito (geral,acadêmico).

- Auto-estima.- Eus possíveis.- Padrões atributivos.- Expectativas.- Representação do

professor e expectativas.- Representação dos

outros alunos eexpectativas.

PROFESSOR

ALUNO

- Representação de si

/

mesmo; auto-estima.- Padrões atributivos.- Expectativas.- Representação do aluno

e expectativas.'---~-------------/PROCESSO DE ENSINO

E APRENDIZAGEM

- Objetivos deaprendizagem.

- Tipos de conteúdo e detarefa.

- Condições de realizaçãoda tarefa.

- Características daavaliação.

CONDiÇÕES DA ATRIBUiÇÃODE SENTIDO À APRENDIZAGEM

- Representação e motivos da aprendizagem.- Interesse pessoal (conteúdo, tarefa).- Sentimento de competência.

/TIPO DE

MOTIVAÇÃOENFOQUE

DE APRENDIZAGEM••

RESULTADOS DEAPRENDIZAGEM

(Significado e sentido)

FIGURA 12.2 A aprendizagem escolar: os fatores afetivos e relacionais.

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''::::::nível de auto-estima baixo são os mais re-::':~entesem pedir ajuda ao professor, ou tam-;:,,,,m por que as normas do grupo de iguais, em~articular o grau em que valorizam ou se mos-::':-JI:l hostis diante do êxito acadêmico, deter-=::1am a interação e a busca de ajuda no con-:,:::c:oda sala de aula (Kennedy, 1997),

Tudo isso nos lembra que a interação edu-~::::ionalnão é emocionalmente neutra, ainda=:.::e a maioria dos trabalhos que analisam tais:::::-:,cessoscontinuam ignorando a questão, pro-::-,-elmentena suposição infundada de que o

:: :1US emocional dos participantes nos proces-: = s de ensino e aprendizagem é de caráter po-:~::'\-oou pelo menos neutro." É evidente, po-~=:ll, que professores e alunos experimentam~=-Jções tanto positivas como negativas, ain-:::.que os alunos, em uma nova demonstração.: = caráter simétrico da relação, tenham de.::;:render a esconder suas emoções negativas::::.::asobreviver no contexto escolar (Boekaerts,~::96), Esquecer esses aspectos supõe correr o::s~ode ignorar que, quando os estados afetivos::-mocionais atingem certa intensidade na salaj:.- aula, é mais provável que os participantes:e concentrem neles mais do que nos aspectos=::=ionaise cognitivos da tarefa.

Como assinalam Ratner e Stettner:.,991), a interação entre professores e alunos=:.-:tueruma mutualidade e uma coordenação:"l-lto de caráter cognitivo como afetivo e, nes-::: sentido, do mesmo modo que as emoções-=--":eexperimentamos cumprem uma importan-:::função auto-reguladora, as emoções que per-~::-:Jemosnos outros nos proporcionam uma in-~:rmação de vital importância para interpre-:.::c:- e regular nossas relações. Assim, por exem-::::J. as reações emocionais do professor em face:::J éxito ou do fracasso do aluno são uma fon-==de informação sobre seus padrões atributivos::, a medida que o aluno as percebe, afetam:'.:as próprias atribuições e suas expectativas:2 êxito. Assim, desde muito cedo, as crianças:::-.-.:endemque a cólera ou o enfado do profes-: :,r aparecem quando o fracasso é atribuído a.zusas controláveis e que, portanto, podem ser: :lucionados no futuro, enquanto que a com-~aixão ou a lástima tendam a aparecer ante..:.n::fracasso atribuído a causas incontroláveise ::iificilmentemodificáveis. As conseqüências::::assumir essas atribuições têm a ver com o:::0 de que, no primeiro caso, o aluno experi-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 221

menta uma culpa que é possível reparar e, por-tanto, não há por que serem gerados sentimen-tos de evasão em face das novas situações deaprendizagem, enquanto que o sentimento devergonha que pode aparecer no segundo casoprovocaria conseqüências claramente opostas(Harré e Parrot, 1996).

As emoções, os sentimentos e os afetos nãodesempenham um papel unicamente nos pro-cessos interativos que ocorrem nas salas de aula,mas também estão envolvidos no próprio atode aprender. Como se destacou em outra oca- ,sião (Miras, 1996), postular que o aluno é res-ponsável por seu processo de aprendizagemimplica não apenas que é ele que pode em últi-ma análise realizar a atividade cognitiva que talaprendizagem supõe, mas também que é o úni-co que pode assumir os desafios afetivos envol-vidos nesse processo de aprendizagem. O custoemocional diferente que pode supor a aprendi-zagem conforme a perspectiva que o aluno adotacom relação à natureza do conhecimento e ograu de afeto que associa aos vários conheci-mentos de que dispõe podem ser alguns dos fa-tores capazes de explicar por que, em um dadomomento, o aluno está mais ou menos dispostoa assumir as perdas emocionais que pode im-plicar o abandono de maneiras mais simples,embora às vezes mais tranqüilizadoras, de per-ceber a realidade (Perry, 1970).

O panorama necessariamente esquemáti-co que se esboçou ao longo do capítulo permi-tiu evidenciar a existência, nos últimos anos, deum número crescente de trabalhos e linhas depesquisa centradas na análise da dimensão emo-cional e afetiva da aprendizagem. Isso supôs umincremento notável dos conhecimentos de quese dispõe com relação a tais questões, ao mes-mo tempo que permite detectar com mais cla-reza possíveis lacunas ou indagações quepresumivelmente podem guiar a pesquisa emum futuro mais ou menos próximo, Assim, pa-rece necessário um esforço orientado a atenuarnão só a escassez de conhecimentos relativos àdimensão emocional e afetiva do ensino, mastambém a insuficiência de trabalhos específi-cos que analisem tais dimensões no âmbito dainteração entre alunos e também a falta de con-textualização que se observa na maioria dos es-tudos atuais relativos às características afetivasdo aluno. O principal problema, porém, conti-nua sendo, indiscutivelmente, a articulação en-

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222 2ClLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

:::--2 05 diferentes tipos de dimensões envolvidos::: 5 orocessos de ensino e aprendizagem. Re-: ompor o quebra-cabeça das emoções, dos afe-::;5 e das cognições que as pessoas põem emprática nas situações educacionais é um dosdesafios mais importantes impostos à psicolo-gia da educação nas próximas décadas.

NOTAS

1. As dimensões que configuram o autoconceito,o caráter organizado ou taxonômico dessas di-mensões, as fontes a partir das quais se cons-trói o autoconceito e as características que apre-senta nos vários níveis de desenvolvimento con-tinuam sendo alguns dos pontos de debate atu-ais (Helmke, 1996; Miras, 1996).

2. Em linhas gerais e em todos os níveis da esco-laridade, os alunos em sua imagem de "profes-sor ideal" atribuem uma importância primor-dial aos aspectos afetivos e de relação inter-pessoal (disponibilidade, respeito, simpatia,nível de atenção pessoal...), enquanto no casodos professores parece que o parâmetro fun-damental em sua imagem do "aluno ideal" é ograu em que este se adapta às normas escola-res, tanto de tipo acadêmico como de relaçãosocial (Coll e Miras, 1990a).

3. Atualmente, os conhecimentos sobre o proces-so de construção das representações mútuasentre alunos e o impacto que têm em suainteração e em seus respectivos processos deaprendizagem são claramente insuficientes.Algo similar ocorre no caso de nossos conheci-mentos sobre a possível incidência das expec-tativas dos alunos na conduta do professor.

4. A situação mais negativa se produz quando oprofessor constrói expectativas a respeito dorendimento de alguns alunos, que, por sua vez,têm um autoconceito negativo e uma baixaauto-estima. Ao desconfiar de suas própriaspossibilidades, esses alunos têm maior dificul-dade para aproveitar as ajudas que lhe são ofe-recidas, o que contribui para reforçar seu sen-timento de incompetência e para confirmar asbaixas expectativas do professor. Desse modo.o processo vai-se retroalimentando e é difíci,modificá-lo (Rogers, 1987).

5. Para uma análise mais detalhada dessas ques-tões, ver Solé (1993) e Miras (1996).

6. Aliteratura anglo-saxã, particularmente na tra-dição iniciada por A. Bandura, utiliza a noçãcde auto-eficácia para referir-se a esse conjuntcde crenças. Embora existam alguns matizes ealgumas diferenças a respeito da noção de sen-timento de competência, neste capítulo, nãcse estabelecerá uma distinção entre os dois ter-mos.

7. A incidência dos resultados da aprendizagemno autoconceito e na auto-estima do aluno e ccaráter bidirecional desta relação não pareCEestabelecer-se com clareza até os 10 ou 1~anos. A existência de um autoconceito pouccrealista e uma elevada auto-estima ou a difi-culdade de diferenciar entre o esforço e a ha-bilidade como determinantes dos resultados de:aprendizagem explicariam o impacto relativcque parecem ter os resultados escolares no sis-tema do eu do aluno em idades escolares(Boekaerts, 1996).

8. A ansiedade diante da avaliação (test anxietyé possivelmente a única emoção analisada demaneira intensiva do ponto de vista acadêm.-co (Pekrun, 1996).

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13 Diferenças individuaise atenção à diversidadena aprendizagem escolarCÉSAR COLL E MARIANA MIRAS

INTRODUÇÃO

Os capítulos precedentes mostram clara-mente até que ponto os alunos diferem entre3: em uma grande variedade de aspectos - in-.eligência, habilidades cognitivas, esquemas deconhecimento, estratégias de aprendizagem,.nterssses, expectativas, motivações, enfoquesdiante do estudo e da aprendizagem, padrões::e atribuição de êxito e de fracasso, autocon-ceito, etc. - e como essas diferenças incidemsobre os processos e os resultados da aprendi-:agem que realizam nas salas de aula e nasescolas. Seja qual for o aspecto considerado,deparamo-nos sempre, por um lado, com opostulado de que esses processos psicológicos.ntervêm e incidem na aprendizagem de todosJS alunos, e, por outro, com a evidência de que.n tervêm e incidem de forma distinta na apren-dizagem de cada um dos alunos em particular.

O interesse por essa dupla vertente dos.atores e dos processos psicológicos dos alu-:10S envolvidos na aprendizagem escolar é, narealidade, o reflexo, no âmbito da psicologiaia educação, de uma tendência mais geral, que:em suas raizes na psicologia filosófica e queimpregnou totalmente o desenvolvimento dapsicologia científica ao longo do século XX. Abusca e a explicação do que têm em comumtodos os membros da espécie humana - a se-melhança - e a identificação e a compreensãodo que os diferencia - a diversidade - foramdesde sempre dois eixos fundamentais da re-flexão filosófica dos seres humanos sobre suaprópria natureza.

A psicologia científica, fazendo eco aodebate filosófico original, adotou praticamen-te desde seus inícios uma dupla direção, dan-do lugar, como assinalara e analisara Cronbach(1957, 1975), ao surgimento de "duas disci-plinas" em seu seio. Uma sustenta que os indi-víduos são socialmente idênticos - ou, o que éo mesmo, que suas diferenças são irrelevantes,ou pelo menos secundárias, para compreen-der a natureza humana - e que é possível, con-seqüentemente, identificar e enunciar leis psi-cológicas gerais aplicáveis a todos eles. Durantemuito tempo, essa foi a orientação seguida pelapsicologia experimental e pela quase totalida-de de ramos ou especialidades da psicologiacientífica - entre elas, a psicologia do desen-volvimento e da aprendizagem -, que dirigi-ram seus esforços para estabelecer as regulari-dades ou as leis gerais que regem o comporta-mento humano. A outra, concretizada funda-mentalmente no âmbito da psicologia e da psi-cologia diferencial. parte do pressuposto bási-co de que cada pessoa é um fato único e, porisso, não tem sentido buscar estabelecer leispsicológicas gerais aplicáveis por igual a todosos indivíduos.

Mas se a problemática das diferenças in-dividuais e as tentativas para superar a disso-ciação entre as "duas disciplinas da psicologiacientífica' marcaram o desenvolvimento e aevolução desta última ao longo do século XX,algo parecido ocorre no caso da educação, emque a diversidade e as maneiras de reagir diantedelas também estiveram no centro dos deba-tes e dos esforços para melhorar a educação e

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224 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

o ensino. O ideal da individualização do ensi-no já aparece no pensamento educacional dosséculos XVIIIe XIXe é uma constante em to-dos os movimentos pedagógicos do século XX.Desde sempre, os educadores sentiram-se in-terpelados pelas diferenças entre os alunos epelas relações entre essas diferenças e os pro-cessos e os resultados da aprendizagem. A in-dividualização do ensino, ou seja, os esforçospara adaptar o ensino às características indivi-duais dos alunos, foi a proposta sugerida e ex-perimentada por muitos educadores para fa-zer frente a esse fato. Contudo, como assinalaSnow (1996a, p. 649), "na maioria dos luga-res e na maior parte das vezes as práticas deensino atuais permaneceram basicamente fi-xas e não se adaptaram às características dosalunos. No geral, estes também devem acomo-dar-se ao sistema; alguns aprendem mais, ou-JOS menos, outros absolutamente nada, e ou-:ros o abandonam, seja qual for o sistema deensino escolhido".

Na confluência do conhecimento psico-~=gicoe da teoria e da prática educacional, a:Jsicologia da educação tratou de forma reite-:da das diferenças individuais dos alunos e::c sua incidência sobre o ensino e a aprendi-=3gem.Isso ocorre a tal ponto que, como men-::c:namos no Capítulo 1 deste volume, o estu-.:: das diferenças individuais é um dos eixosestruturadores da psicologia da educação des-::::suas origens. "Adiversidade está sempre pre-::::::l:ena educação" (Snow, Corno e Jackson:::. 1996, p. 244) e, tanto por razões teóricas: :::::0 práticas, seu estudo constitui um dos ca-::::.:.losessenciais da psicologia da educação.

Algumas das dimensões mais relevantes~ara dar conta das diferenças individuais dosi."::lOS e de sua incidência sobre a aprendiz a-~:::::escolar já foram tratadas detalhadamente~:5 capítulos anteriores e, por isso, não tem:==-_:idovoltar a elas aqui. O objetivo deste ca-:::::'''::cé revisar alguns pressupostos básicos re-.';::--:'5 à natureza das diferenças individuais::~: a.unos e sua vinculação aos conceitos de::---::"idade e de atenção educacional à diver-:::.:::=. Emprimeiro lugar, vamos tratar da ori-;-::::'_.ia natureza e do alcance das diferenças:=::-.-:':t:ais, como também das dimensões ou.: :: "--..""1 ':citosda conduta e do funcionamento:-::::: = !Í20S dos alunos a que se atribuiu tradi-:: ::_.i.=-_=:1:e mais importância e relevância do

ponto de vista educacional. Dedicaremos o itemseguinte a rever algumas estratégias e propos-tas gerais de resposta à diversidade dos alunosque se situam em diferentes níveis de organi-zação e de funcionamento do sistema educa-cional, com especial atenção às propostas deensino adaptativo e aos esforços orientados aidentificar as interações entre os tratamentoseducacionais e as aptidões dos alunos. Final-mente, encerraremos o capítulo com algumasconsiderações gerais sobre a diversidade e aatenção educacional à diversidade do ponto devista da concepção construtivista do ensino eda aprendizagem apresentada no Capítulo 6deste volume,

DIFERENÇAS INDIVIDUAIS EAPRENDIZAGEM ESCOLAR:NATUREZA E ÁREAS DADIVERSIDADE DOS ALUNOS

Asdiferentes aproximações do estudo dascaracterísticas individuais dos alunos e de suaincidência sobre a aprendizagem escolar são.em boa medida, o fruto da postura adotada,de cada urna delas, com relação a quatro ques-tões-chave: os propósitos e as intenções quepresidem o estudo das diferenças entre os in-divíduos; os pressupostos básicos relativos ànatureza das diferenças individuais; a delimi-tação e a conceituação dos âmbitos ou das di-mensões do funcionamento psicológico nosquais se situam as diferenças entre os alunoscom maior incidência sobre a aprendizagemescolar e as fontes da variabilidade individual.

Os propósitos do interesse em identificare medir as diferenças entre alunos

Asrazões para identificar e medir as dife-renças entre os alunos podem ser de naturezamuito diversa. Às vezes, o objetivo pode ser aidentificação daqueles que manifestam deter-minada característica, ou que a manifestam emum certo grau, com a finalidade de inscrevê-los em um determinado tratamento educacio-nal: selecionar os alunos que apresentam maio-res e melhores aptidões físicas para inscrevê-los em um programa avançado de formaçãc

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:iesportiva; selecionar os alunos com maiorcapacidade intelectual e um bom nível de ren-:iimento em matemática para incorporá-los aum grupo de estudo avançado dessa matéria;selecionar os alunos com uma capacidade in-telectual limitada e dificuldades generalizadas:ie aprendizagem a fim de inscrevê-los em es-colas,turmas ou tratamentos educacionais ajus-.ados às suas características; identificar os alu-:lOS que, por sua capacidade intelectual e pelo"Jomnível do rendimento escolar alcançado ao.érmino da escolaridade obrigatória, podemprosseguir com aproveitamento em uma via.ormativa posterior mais exigente, etc. Nessese em outros casos similares, a principal finali-:iade dos esforços para identificar e medir as:iiferenças individuais é conseguir um ajusteentre a educação e o ensino dado e as caracte-nsticas dos alunos, embora o ajuste seja bus-cado, sobretudo, mediante a acomodação dosalunos às exigências e às possibilidades da edu-cação e do ensino, orientando-os e dirigindo-JS para uma ou outra modalidade formativaem função de suas características individuais.

No extremo oposto, deparamo-nos comJS esforços para identificar e medir as diferen-.as individuais, cujo principal objetivo também~.conseguir omaior grau de ajuste possível en-:Tea educação e o ensino e as característicascos alunos, mas, desta vez, mediante a aco-rnodaçâo e a diversificação da ação educacio-:-.ale do ensino - introduzindo as variações ne-cessarias na organização e no funcionamentodo sistema educacional e na ação pedagógica:? didática - às peculiaridades e às necessida-des dos alunos. Entre os extremos assinaladose possível encontrar, naturalmente, um amploleque de propostas intermediárias - mas o queinteressa destacar aqui são dois pontos. O pri-:neiro refere-se ao fato de que, conforme pre-domine um ou outro objeto, a aproximação doestudo das características individuais dos alu-:lOS adota rumos distintos, utiliza diferentes ins-.rumentos de medida e desemboca na formu-.ação de propostas educacionais igualmentediversas. O segundo diz respeito à substitui-;ão progressiva dos enfoques das diferenças.ndividuais que respondem ao primeiro objeti--'-0 por outros que são mais tributários dosegundo, embora, no momento, essa substitui-ção ainda se situe mais no plano do discursoque no das práticas e que estas continuem sen-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 22!

do no geral fixas e não-adaptadas aos alunoscomo nos recorda Snow no texto citado anteriorm ente.!

Voltaremosa essa questão no item seguinte, quando tratarmos das estratégias e das propostas educacionais gerais de reação diante didiversidade dos alunos. No momento, acrescentaremos apenas que a heterogeneidade dipropósitos que presidem, guiam e orientam (estudo das diferenças individuais dos aluno:está estreitamente relacionada, por um ladocom a ampla gama de finalidades e de funçôe:que cabe atribuir à educação escolar (ver o Capítulo 6 deste volume), e, por outro, com o:pressupostos básicos que se adotem sobre (natureza e a origem das diferenças individuais

Os pressupostos básicos sobre anatureza das diferenças individuais

Hunt e Sullivan (1974), ao analisarem o:pressupostos básicos sobre a natureza das diferenças individuais e sua evolução, identificaram três grandes concepções, que denominarrestática, situacional e interacionista, respectivamente. A concepção estática pressupõe qUEas características individuais são inerentes àspessoas, além de relativamente estáveis e consistentes através do tempo e das situações. I':caracterização das diferenças individuais emtermos de características - o aluno é identificado como pertencente a um ou outro tipo deindivíduos - ou de traços - o aluno é identifi-cado pela maneira como se situa em relação 2

uma série de dimensões - são expoentes da con-cepção estática das diferenças individuais. :\5"

sim, a inscrição do aluno em um determinadctipo ou à identificação e à medida do grau emque possui um determinado traço explicariamseu comportamento e dariam conta de suasaprendizagens em qualquer momento. lugar E

circunstância. Umaluno sem iniciativa e depen-dente do professor será sempre. era qualquermatéria ou disciplina e ao longo de toda suaescolaridade, um aluno com um elevado nívelde ansiedade e atuará ansiosamente em qual-quer atividade de ensino e aprendizagem deque participe: um aluno com um baixo nívelde inteligência alcançará irremediavelmenteníveis igualmente baixos de aprendizagem emtodas as matérias e em todos os conteúdos es-

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226 cou, MARCHESI, PAlACIOS & COlS.

.::::~ares,etc. A predeterminação genética dascaracterísticas individuais é, de forma explícitaJU implícita, a idéia subjacente à concepçãodominante nas primeiras décadas do século XXe. embora já não goze de uma aceitação majori-tária, continua contando comfirmespartidários.

A essa maneira de entender as diferençasindividuais contrapõe-se a concepção situacionalou ambientalista, segundo a qual as caracterís-ticas individuais das pessoas não são fixas nempredeterminadas geneticamente, mas depen-dem de fatores ambientais. As diferenças quese constatam entre as pessoas já não podemser atribuídas a elas, mas aos diferentes ambien-tes e situações nos quais estiveram ou estãoimersos. Um aluno mostra-se sem iniciativa etem um comportamento dependente do pro-fessor não porque pertença à categoria de pes-soas dependentes e sem iniciativa, mas por-que as características concretas da situaçãoeducacional da qual participa desencadeiamnele um comportamento dependente e refor-çam sua falta de iniciativa; do mesmo modo,um baixo nível de rendimento escolar já nãoserá atribuído necessariamente a um baixo ní-\'el intelectual, e sim a uma ação educacionale de ensino ineficaz. Como se sabe, a concep-ção ambientalista das diferenças individuaisestá na base da psicologia experimental clássi-ca - que tende a tratar sistematicamente a va-riabilidade individual comovariável dependen-te. controlada ou neutralizada nas descriçõesexperimentais - e também das teorias psicoló-gicas e dos enfoques e das propostas educacio-nais que se situam no âmbito do paradigmabehaviorista. Omomento histórico de máximoapogeu dessa concepção corresponde aos anos1950, mas, da mesma forma como ocorre nocaso da concepção estática, continua contan-do atualmente com não poucos seguidores.

Finalmente, diante das duas concepçõesanteriores, é possível identificar uma terceira,"-concepção interacionista, que responde à di-:e;ão assinalada por Cronbach quando defen-'::é. em seu famoso artigo de 1957, a necessi-'::de de superar as concepções estática e am-':~erctalista,próprias das "duas disciplinas da:::5~=c:ogiacientífica" - que representam a psi-:::: 3ia experimental e a psicologia diferencial: . .'..ôõ:ca -. com o fim de atentar tanto à seme-_:-:'::':-'~3 como à diferença na explicação da na-~'':::-~=3.l-:umana. De acordo com essa concep-

ção das diferenças individuais, produz-se umainteraçâo entre as características dos alunos eas características da situação educacional, demaneira que ambas devem ser necessariamen-te levadas em conta para explicar e compreen-der a aprendizagem escolar.Nesse caso, a quan-tidade e a qualidade das aprendizagens que oaluno realiza já não podem ser atribuídas ex-clusivamente às suas características individuais- nível intelectual, habilidades cognitivas, co-nhecimentos específicos prévios, conhecimen-to estratégico, metas, enfoques de estudo eaprendizagem, etc. Tampouco podem ser atri-buídas apenas às características das atividadesde ensino e aprendizagem nas quais participae à ação educacional e de ensino do professor.Também não faz muito sentido, pela concep-ção interacionista das diferenças individuais.procurar discemir que parte da responsabili-dade corresponde, na explicação da aprendi-zagem escolar, às características individuais eàs características da situação educacional. É nainteração entre umas e outras, no maior ou nomenor grau de ajuste entre ambas, que é pre-ciso buscar a chave para dar conta das apren-dizagens que os alunos acabam realizando. Emsuma, dessa perspectiva é reconhecida a im-portância das características pessoais - algu-mas das quais, sem dúvida, têm uma base ge-nética - e das condições ambientais, emboranenhuma delas predetermine por completo eà margem da outra os processos psicológicosenvolvidos na aprendizagem escolar.

A concepção interacionista das diferen-ças individuais é, sem dúvida nenhuma, a quepredomina atualmente na psicologia da edu-cação, como mostram com clareza os capítu-los anteriores deste volume sobre os fatores eprocessos psicológicos dos alunos envolvidosna aprendizagem escolar.Mas o fato destacávelnesse contexto é que a aceitação cada vez mai-or da concepção interacionista das diferençasindividuais foi acompanhada, como assinalá-vamos ao final da epígrafe anterior, de umamudança não menos importante nos propósi-tos que presidem e orientam o interesse porseu estudo e sua consideração no campo edu-cacional. De fato, a ênfase já não reside emanalisar e prever o resultado dos alunos emfunção de suas características pessoais, ou emselecioná-los e orientá-los para uma ou outravia formativa em função delas - como por ou-

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=-= lado seria coerente no marco de uma con-. epçâo estática das diferenças individuais -::las, sim, em descobrir e identificar as diferen-:2.5 individuais relevantes para o ensino e a.:.::;::endizagem, isto é, as características dos alu-::.os cujo conhecimento é imprescindível parar ealizar uma adaptação e um ajuste do ensino.

As áreas de diversidade com maiorincidência sobre a aprendizagem escolar

A aproximação tradicional do estudo das::iferenças individuais em psicologia da edu-:ação caracterizou-se, por um lado, em esta-:êlecer uma distinção nítida entre os fatores e= 5 processos psicológicos e os fatores e os pro-:2SS0S afetivos do funcionamento psicológicoenvolvidos na aprendizagem escolar, e, por:'..:tro, em outorgar uma prioridade absoluta2.:: estudo dos fatores e dos processos cognitivos:: a sua incidência sobre os resultados da apren-:~zagem dos alunos. Todas as revisões do tema,: 2....1 to aquelas realizadas já há algum tempo=:ronbach e Snow, 1977; Glaser, 1977; Corno

:: Snow, 1986) como as mais recentes (Gustafs-son e Undheim, 1996; Lohman, 1996; Snow,=omo e Jackson Ill, 1996), coincidem em des-:3car ambos os pontos. Assim, e no que se re-~::re aos fatores e aos processos cognitivos, deu-;2 atenção às diferenças individuais no âmbito::a inteligência, das aptidões, da base de conhe-.imentos específicos de domínio e de sua orga-=-_:zação, das estratégias de aprendizagem, doconhecimento e das capacidades metacogni-::yas, etc. (ver os Capítulos 7, 8 e 9 deste volu-me). Muito mais numerosos, dispersas e em5"eral menos elaborados e fundamentados~20rica e empiricamente são os constructos-.itilizados para estudar as diferenças indivi-duais dos alunos no âmbito afetivo, entre osquais vale mencionar a motivação e os dife-rentes tipos de metas e de motivos diante daaprendizagem escolar, os enfoques e os estilos::e aprendizagem, as expectativas, o autocon-:eito e os padrões atributivos dos êxitos e dos.racassos na aprendizagem (ver os Capítulos:J, 11 e 12 deste volume).

A pesquisa desses fatores e processos, rea-.izada em uma primeira fase no contexto de.ima concepção estática das diferenças indivi-':uais, evoluiu progressivamente para formu-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 227

lações claramente tributárias de uma concep-ção interacionista, de tal maneira que a ten-dência atual aponta com clareza na direção deestudar, de forma integrada e simultânea, ca-racterísticas individuais que tradicionalmenteforam estudadas em separado. Uma das pro-postas mais interessantes nesse sentido é aquelaelaborada por Snow e seus colaboradores notranscurso das últimas décadas. Esses autorespropõem uma taxonomia dos constructos úteise relevantes para estudar as diferenças indivi-duais dos alunos formada por três categorias:a que corresponde ao âmbito do cognitivo -com duas grandes subcategorias, o conheci-mento declarativo e o conhecimento procedi-mental, que incluem, por sua vez, constructoscomo aptidões mentais gerais e específicas,habilidades intelectuais, conhecimentos espe-cíficos de domínio, estratégias, táticas e cren-ças; a que corresponde ao âmbito do afetivo-com suas subcategorias, o temperamento e aemoção, que incluem ao mesmo tempoconstructos como traços temperamentais, dis-posições de ânimo, fatores de personalidadegerais e especiais, valores e atitudes - e a quecorresponde ao âmbito do conativo - com duassubcategorias, a motivação e a volição, que, porsua vez, incluem constructos como os meca-nismos de controle da ação, a orientação aoêxito, a orientação para si mesmo e para osoutros, a orientação para o curso, os estilos pes-soais e os interesses (Snow, Como e Jacksonnr, 1996, p. 247).

A idéia central da proposta é que as ca-racterísticas dos alunos, em cada urr.a dessascategorias, não incidem de maneira cireta. li-near e isolada sobre a aprendiz ag ern. ::12,5. emresposta a situações concretas e esp ec.ficas deensino e aprendizagem. o a.un ; p::e er:: jogocomplexos atitudincis.' c.efini i :::s com o mistu-ras os compostos de caractenst.cas :::ó',iduaispertencentes a duas ou :neSD::: ::-és categ oriasassinaladas. Ao m esm o :e:r..j:::, e :::::::n= hipote-ses complementares. Snov., :::::::::1::: e .IacksonIII postulam que os Lés .g:-ar.~es tipos de ca-racterísticas individuais irci.lerc de maneiradistinta. embora coordenada. sobre :1 aprendi-zagem. Enquanto que as características cog-nitivas teriam uma influencia decisiva sobre aqualidade da aprendizagem, as dimensões ouas características de tipo afetivo, pelo fato deestarem relacionadas com o nível de esforço e

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228 COLL. r.~ARCHESI, PALACIOS & COLS.

a persistência na tarefa por parte do aluno, te-riam um impacto maior sobre a quantidade deaprendizagens relacionadas; por sua vez, as di-mensões ou as características conativasincidiriam fundamentalmente sobre a direçãodo esforço e sobre o controle do processo deaprendizagem. A presença desses três tipos decomponentes no complexo atitudinal posto emjogo pelo aluno em uma situação concreta eespecífica de ensino e aprendizagem daria lu-gar então, em primeira instância, ao compro-misso ou ao empenho adotado nela pelo alu-no. Conseqüentemente, ao resultado da apren-dizagem alcançado ao final, que, por sua vez,teria um efeito retroativo sobre o complexoatitudinal ativado e suas aptidões constituin-tes, contribuindo, assim, para o seu reforço eenriquecimento, ou, ao contrário, para sua de-bilitação ou seu abandono diante de eventuaissituações futuras de aprendizagem.

Para além dos detalhes concretos, a pro-posta de Snow, Como e Jackson III - conformeuma concepção interacionista das diferençasindividuais e presidida pelo propósito de con-seguir um ajuste do ensino às aptidões dos alu-nos - possui duas idéias fundamentais que fa-zem parte do conceito de diversidade atual-mente vigente nos processos de reforma e deinovação e melhoria da educação escolar eminúmeros países: em primeiro lugar, a idéia deque as características individuais dos alunosvinculadas ao âmbito cognitivo não são abso-lutamente as únicas que influem sobre os pro-cessos e os resultados de aprendizagem; emsegundo lugar, que nenhuma característica in-dividual por si só e isolada das outras é deter-minante para a aprendizagem escolar: é antes= conjunto articulado das características per-tencentes aos três âmbitos - cognitivo, efetivoe conativo - que se encontram no aluno quetem uma incidência sobre a quantidade, a qua-:':':iade e a orientação da aprendizagem que este:-ecliza em uma situação ou em um contexto;:::c:.cacional particular.

As fontes da variabilidade individual

=, debate psicológico sobre as fontes da..~ê.:::::i2.de individual centrou-se tradicional-= -::::-:=-_oJ peso relativo do fatores genéticos e"-=_:: ;::_~~:. como também na influência de de-

terminadas características grupais (raça, gêne-ro, classe social, cultura, etc.) sobre as caracte-rísticas individuais de seus membros. No quediz respeito ao primeiro aspecto, os resultadosda pesquisa empírica indicam que, em geral,os fatores genéticos e ambientais são respon-sáveis por quantidades aproximadamente equi-valentes da variabilidade interindividual. Alémdisso, como assinalam Gustafsson e Undheim(1996, p. 220), as pesquisas mostram, por umlado, que o peso da herança varia através dotempo, da cultura e da idade dos indivíduos,e, por outro, que os fatores ambientais têm efei-tos substanciais sobre os comportamentos in-dividuais (como evidenciou o estudo dos fato-res ambientais não-compartilhados que dãoconta das diferenças individuais entre as crian-ças de uma mesma família).

As pesquisas sobre as diferenças grupaiscomo fonte de variabilidade individual- parti-cularmente no que diz respeito ao âmbito cog-nitivo - foram frequentes ao longo do séculoXX e acompanhadas, quase sempre, de inten-sos debates (Weiner, 1996). Em geral, "encon-tram-se diferenças nos níveis de execução [nostestes] entre negros e brancos, rapazes e mo-ças e outros grupos identificados por caracte-rísticas físicas e sociais [ ... ], mas são diferen-ças pequenas se comparadas com as que se ob-servam no interior de cada grupo" (Gustafssone Undheim, 1996, p. 221). Assim, por exem-plo, enquanto, ao contrário, entre os níveis deexecução de negros e brancos nos testes habi-tuais de inteligência é de aproximadamente umdesvio típico, a variabilidade individual den-tro de cada um desses grupos é de cerca deseis desvios típicos. E algo similar ocorre comas diferenças de gênero, embora nesse caso arelação entre a variabilidade intragrupo e inter-grupos seja ainda maior,"

A EDUCAÇÃO ESCOLARDIANTE DA DIVERSIDADE DECAPACIDADES, DE INTERESSESE DE MOTIVAÇÕES DOS ALUNOS

Como mostrávamos na introdução, o ê S:

tudo das relações entre as características iné: o

viduais dos alunos e os processos e os resulte,"dos da aprendizagem escolar sempre teve corr:.:

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horizonte, de maneira mais ou menos explícita,Ci ideal da individualização do ensino, isto é, abusca do maior grau possível de ajuste entre aação educacional e de ensino e as capacidades,os interesses e as motivações dos alunos. Umabusca cuja urgência e necessidade foram cres-cendo com a implantação primeiro, e com a ge-neralização e extensão progressiva depois, daeducação básica e obrigatória ao longo do sécu-lo XX e a conseqüente incorporação às escolasda quase totalidade da população em idade es-colar (Carroll, 1993b).

Em que pese o horizonte comum, as pro-postas concretas sobre como conseguir o maior!fau de ajuste possível entre, por um lado, aeducação e o ensino, e, por outro, as caracterís-::'casdos alunos, foram historicamente variadas" diversas. Conforme as análises realizadas por::.ronbach(1967) e Glaser (1977), podem-se dis-tinguir; no fundo dessa diversidade de propos-:35, cinco formulações ou estratégias gerais cuja~resença pode ser detectada na evolução histó-r:~a da mâÍotia dos sistemas .e~~Cá'L'jD.--1J.a..1se tam-'::~m,em maior ou menor medida e com grandec, ·3..riedade de matizes, em sua organização atual:52') aquelas identificadas pelos autores como es-::atégia seletiva, estratégia de adaptação de ob-'"üvos, estratégia temporal, estratégia der.sutralização ou compensação das diferenças:"'''ldividuaise estratégia de adaptação das for-::las e dos métodos de ensino.

As estratégias básicas de respostaeducacional à diversidade

A idéia fundamental da estratégia sele ti-. C! é que os alunos devem progredir na educa-;ão escolar até onde suas aptidões ou suas ca-?acidades de aprendizagem lhes permitam. En-tende-se que os sistemas educacionais estabe-lecem objetivos, conteúdos e uma forma de or-:ranização do ensino basicamente comuns para.odos os alunos. Nem todos, no entanto, têmas mesmas capacidades para aprender e, por.sso, os alunos começarão a mostrar suas limi-rações à medida que as aprendizagens se tor-nam mais complexas, sendo conveniente iden-tificar, em cada nível da escolaridade, os alu-nos que manifestamente não têm as aptidõesnecessárias para realizar as aprendizagensestabelecidas. Os alunos assim identificados e

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EC~::: ~:: = !3

diagnosticados são excluídos do sisterc ; ~:.._.cacional à medida que são consideradr s ~=-.:...possibilitados para continuar aprendend _ -o

para aproveitar de maneira satisfatória sua e5-

colarização a partir de um certo nível. Sua per-manência nas salas de aula, argumenta-se nes-sa formulação, não apenas significa um des-perdício injustificável de esforços e de recur-sos, como também pode repercutir negativa-mente sobre os alunos que têm as aptidões ne-cessárias para aprender e que se vêem priva-dos dos esforços e dos recursos dedicados aosque não as têm. Como se pode comprovar, aestratégia seletiva responde claramente a umaconcepção estática das diferenças individuaise tenta conseguir o ajuste entre o ensino e ascaracterísticas dos alunos mediante a acomo-dação e a adaptação dos segundos - por inter-médio da seleção - à primeira.

A estratégia seletiva foi, e continua sendo,uma forma habitual de resposta dos sistemaseducacionais diante da diversidade dos alunos.F. certo Queperdeu grande parte de sua possívelforça argumentativa e de sua vigência no con-texto da educação escolar básica e obrigatóriaentendida como a atenção educativa que de-vem receber todas as crianças e jovens sem ex-ceção, à margem de suas características indivi-duais e de pertencer a um ou outro grupo racial,cultural, social ou económico. Nesse sentido,as respostas educacionais à diversidade basea-das na estratégia seletiva praticamente desapa-receram da escolaridade básica e obrigatóriano transcurso das últimas décadas na maioriados sistemas educacionais, pelo menos nos ní-veis da educação infantil e do ensino funda-mental. Contudo, ainda são amplamente utili-zadas na escolaridade pós-obrigatória - e emalguns casos também das partes finais da edu-cação obrigatória. Além disso, a idéia de quealguns alunos não têm as capacidades mínimasnecessárias para aprender o que se tenta ensi-nar nas escolas apartir de um certo nível deescolaridade - razão pela qual convém identificá-los e separá-los de alguma maneira dos demaiscolegas que têm tais capacidades - ainda estámuito enraizada na psicologia intuitiva e no pen-samento pedagógico de amplos setores sociais,incluídos alguns profissionais da educação,planejadores, gestores e responsáveis políticos.

A estratégia de adaptação de objetivos com-partilha com a estratégia seletiva a idéia de que

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230 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS.

nem todos os alunos reúnem as capacidadesnecessárias para alcançar determinados níveisde aprendizagem, mas, em compensação, pro-põe como alternativa o estabelecimento de ob-jetivos e de conteúdos diferenciados em funçãoprecisamente dessas diferentes capacidades deaprendizagem dos alunos. Em outros termos,partindo da base de que a educação escolar nãopode conseguir que todos os alunos realizem asmesmas aprendizagens, organiza-se a educaçãoescolar em caminhos ou itinerários formativosdiferentes e alternativos que respondem a fina-lidades e objetivos distintos para os quais os alu-nos se dirigem em função de suas capacidades- e eventualmente de seus interesses e de suasmotivações. Talvez o exemplo mais claro dessaestratégia seja o dos sistemas educacionais que,em um dado momento - geralmente, mas nemsempre, ao final da educação básica e obrigató-ria -, e em função dos resultados escolares pré-vios dirigem o aluno para uma determinada viaformativa - de cultura geral, acadêmica, cientí-fica, tecnológica, profissional, etc. -, dificultan-do ou impedindo o acesso a outras.

Em sua versão mais pura, essa estratégiaapóia-se também em uma visão estética das ca-racterísticas individuais, às quais, de algumamaneira, é atribuída a responsabilidade últimada trajetória acadêmica do aluno e, na prática,de sua trajetória profissional e social posterior.De fato, as decisões que o aluno se obriga a to-mar, ou as vias formativas a que se dirige, vãocondicionar, em boa medida, sua futura inser-ção profissional e social e, por fim, seu statussocioeconômico e cultural. A esse respeito, al-guns autores (ver, por exemplo, Coll e Miras,1990b) mostraram uma série de critérios bási-cJS que as formas concretas de aplicação dessaestratégia deveriam levar em conta a fim de as-s"'gurar que a escolha ou a imposição de umac:': outra via formativa não seja pura e simples-=ente a conseqüência de uma desigualdade eco-=:.:lmica, social ou cultural. Assim, três critérios'::,~õ:cos seriam: que a diversificação de vias:'==-=atiyasse produza o mais tardiamente pos-::- '-=: na escolaridade; que a escolha ou a impo-,::2.: entre uma ou outra via formativa se apóie~='':.:::sistema adequado de orientação escolar::::-=-==ss:Jnale que existam mecanismos corre-: =:- =:: :::::. C.ecisào inicial no duplo sentido de as-:.::;-.:..:.:: :::''':'3. reversibilidade e de permitir o trân-::::=:=," ~=:-:.==- entre as diferentes vias formativas

quando se considere adequado para o processoformativo do aluno.

A estratégia temporal significa um passoadiante na direção de ajustar o ensino às carac-terísticas individuais dos alunos. São dois ospressupostos básicos sobre os quais repousa talestratégia. O primeiro é que, do ponto de vistaeducacional, a diferença mais importante entreos alunos reside no ritmo e na rapidez com queaprendem os conteúdos escolares: enquanto al-guns alunos aprendem com relativa rapidez,outros necessitam de períodos de tempo maisamplos para realizar as mesmas aprendizagens.O segundo pressuposto é que, no que diz res-peito à educação básica e obrigatória, há umasérie de aprendizagens que - por serem consi-deradas imprescindíveis para integrar-se na so-ciedade como cidadãos de pleno direito - todosos alunos devem realizar. Da conjunção dos doispressupostos resulta que todos os alunos têmde permanecer no sistema educacional até te-rem atingido as aprendizagens consideradas bá-sicas e fundamentais, e isso independentemen-te do tempo que cada um necessite para conse-gui-lo. Uma concretização dessa estratégia sãoas clássicas repetições de ano que consistem emobrigar os alunos que não atingiram os resulta-dos estabelecidos a continuarem trabalhandocom os mesmos conteúdos - e muitas vezes atrabalhá-los da mesma maneira - durante umperíodo de tempo complementar.

Em termos gerais, esse tipo de estratégiaassume uma concepção basicamente ambienta-lista das diferenças individuais, ao entenderque uma modificação na experiência do aluno- em particular, uma variação de tempo duran-te o qual está exposto à ação educativa e deensino - pode ser decisiva do ponto de vista daaprendizagem. A quantidade de tempo dedi-cado à aprendizagem, embora relevante, nãoparece ser uma condição suficiente para expli-car o rendimento. Como evidenciaram váriaspesquisas (Wang e Lindvall, 1984), a quanti-dade de tempo é apenas um índice global portrás do qual se esconde uma gama de fatoresde natureza distinta. Na realidade, mais que aquantidade de tempo, o que importa verdadei-ramente é o que fazem professores e alunosdurante esse tempo - e como fazem. Essaconstatação levou a enriquecer as propostas deincrementar o tempo dedicado à aprendizagemno caso de alguns alunos com base em consi-

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derações relativas ao tipo de atividades e tare-fas que convém realizar durante esse tempocomplementar.

A estratégia de neutrolizaçáo ou de com-pensação vincula-se a esta última consideraçãoe aplica-a de maneira especifica a determina-dos grupos de alunos que, seja pelas caracte-rísticas individuais que apresentam - por exem-plo, deficiências psíquicas, sensoriais ou mo-toras -, seja pelas características de seu am-biente social ou cultural- ambientes altamen-te desfavorecidos ou ambientes culturais mui-to distintos do dominante no sistema educa-cional -, podem ver suas possibilidades reaisde aprendizagem fortemente impedidas ou di-minuídas. A idéia fundamental nesse caso é queos esforços devem ser dirigidos para neutrali-zar ou compensar, mediante tratamentos edu-cacionais específicos anteriores ao início daaprendizagem ou complementares a esta, oseventuais efeitos negativos dessas característi-cas, de modo que seja possível garantir a todosos alunos a consecução de aprendizagens co-muns. Os programas de educação compensa-tória'' e as atividades ou aulas de recuperaçãodas quais participam os alunos com dificulda-des de aprendizagem durante uma parte dohorário escolar ou à margem deste são doisexemplos concretos de resposta educacional àdiversidade baseados nessa estratégia.

A estratégia de neutralização ou compen-sação responde, pelo menos em parte, a umaconcepção interacionista das diferenças indi-viduais - à medida que assume o princípio deque o impacto dessas diferenças sobre a apren-dizagem escolar não é direto nem permanen-te, mas mediado pela experiência educacionale emocional- e propõe a adequação do ensinoàs características individuais dos alunos, emvez de buscar o ajuste no sentido oposto. Aconcretização dessas idéias, porém, apresentaainda duas fortes limitações: em primeiro lu-gar, a proposta de adequar o ensino às carac-terísticas dos alunos fica restrita a determina-dos grupos de alunos - os que têm menorespossibilidades de aprendizagem como conse-qüência de déficits pessoais, sociais ou cultu-rais -, evidenciando que tal adequação não énecessária no caso dos outros alunos, e em se-gundo lugar, entende a adequação do ensinofundamentalmente como uma ação paralela oucomplementar ao trabalho realizado com o con-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E ED~C,:~.3.:: :.2 231

junto dos alunos nos espaços escolares ordiná-rios, dando a entender, assim, que esse traba-lho não requer nenhum tipo de adaptação.

A estratégia de adaptação das [ermos ecosmétodos de ensino difere da estratégia deneutralização precisamente em sua propostade estender a adaptação do ensino a todos oalunos e a todas as atividades escolares. A idéiaessencial, nesse caso, é que não é possível defi-nir a ação educacional ótima em termos geraise absolutos, mas é preciso fazê-lo sempre emfunção das características individuais dos alu-nos aos quais se aplica. Assim como na estraté-gia de neutralização ou de compensação, a fi-nalidade é também conseguir o maior grau deajuste possível entre o ensino e as característi-cas dos alunos mediante uma adaptação do pri-meiro às segundas, mas essa finalidade se cons-titui aqui também no princípio que rege a tota-lidade da ação educacional sem exceções nemrestrições.

A estratégia de adaptação das formas edos métodos de ensino está na base do queficou conhecido como "ensino adaptativo", ouseja, um ensino que, mantendo a referência aobjetivos e aprendizagens comuns, dispõe deum amplo elenco de métodos e estratégias deensino que utiliza de uma maneira flexível emfunção das características individuais dos alu-nos. A estratégia de adaptação das formas edos métodos de ensino e as propostas de ensi-no adaptativo baseadas nela respondem ple-namente aos pressupostos da concepção inte-racionista das diferenças individuais. De fato,nem as características individuais são conside-radas aqui de maneira estática nem as propos-tas educacionais aparecem como prefixadas ouúnicas, em que pese a manutenção de metasgerais comuns para todos os alunos .. ':"5 dife-renças individuais e os tratamentos e21xacio-nais são concebidos em interacão. E: as carac-terísticas diferenciais dos alunos sào assumi-das, com base nisto. corr:o paràraetros essen-ciais para a configuracào e o C:eser.':ohi:nentodo ensino.

Do ponto de vista peC:agog:co. cs princí-pios do ensino adaptativo operam no mínimoem dois níveis diferentes: o da configuração edo planejamento dos processos educacionais eo de sua implementação na sala de aula. Noprimeiro caso, trata-se de assegurar que o pla-nejamento contemple a possibilidade de utili-

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zar diferentes formas e métodos de ensino ede que se assegure a existência das condiçõesnecessárias para colocá-los em prática de ma-neira ajustada à características dos alunos. Nosegundo, trata-se mais de que os professoressejam capazes de adaptar continuamente suaação educacional e de ensino às característicasdos alunos e aos processos de aprendizagemque estes realizam na sala de aula. De acordocom Corno e Snow (1986), enquanto que noprimeiro nível nos deparamos com decisõesorientadas à "macroadaptação" do ensino, nosegundo, as decisões que o professores devemtomar orientam-se mais para obter uma "mi-croadaptação".

Macroadaptação e microadaptação sãoprocessos necessariamente interconectados ecomplementares, mas com características pró-prias. Assim, a possibilidade de realizar pro-cessos de microadaptação no desenvolvimen-to do ensino dependerá, em boa medida, dosprocessos de macroadaptação incluído no pla-nejamento e na configuração do ensino. Porexemplo, a possibilidade de propor uma tarefade ampliação ou um material complementarde apoio a um aluno ou a um grupo de alunosem um momento concreto dependerá de quese tenha antecipado a possibilidade de empre-gar essa tarefa ou esse material e se disponhaefetivamente deles, como também de que setenha previsto, por exemplo, um uso flexíveldo tempo na sala de aula. Contudo, a realiza-ção efetiva dos processos de microadaptaçãonão se deduz da configuração geral do ensino,mas requer, por parte do professor, habilida-des específicas, como, por exemplo, ser capazde avaliar a dinâmica da situação e o rendi-mento do aluno no contexto da situação con-creta de que se trate.

Com base nas considerações precedentes,pode-se afirmar que as propostas de ensinoadaptativo constituem atualmente a respostamais elaborada e mais exigente aos desafiosque a atenção educacional impõe à diversidade::e:capacidades, de interesses e de motivações::0:; alunos e a que aposta com mais força em.-':.:::::1 ideal de uma verdadeira individualização:.:: ensino. Contudo, em que pese o inegável~:::êresse que apresentam nesse sentido, sua:::::.::·e:tização e sua implementaçáo se chocam~=::'::.3. enormes obstáculos e dificuldades, en--:.:..:: : s L:."J.:llS vale destacar dois que, a nosso ver,

são particularmente relevantes da perspectivada psicologia da educação. Em primeiro lugar,a centralização quase exclusiva das propostasnos processos de microadaptação, esquecen·do ou ignorando que as possibilidades de adap-tação da ação educacional e de ensino do pro-fessor às características dos alunos no contex-to da sala de aula são fortemente condiciona-das - e, portanto, favorecidas ou limitadas, con-forme o caso - pelas decisões relativas aos pro-cessos de macroadaptaçâo do ensino (Wang,1996; ver também o Capítulo 23 deste volu-me). Em segundo lugar, a escassez de infor-mações precisas e de explicações satisfatórias.apoiadas em dados empíricos contratados, so-bre como ocorrem os processos de microadap-tação do ensino na sala de aula.

A microadaptação do ensino e abusca de interações entre aptidõese tratamentos educacionais

Uma parte importante das informaçõesdisponíveis sobre como os professores adap-tam sua ação educacional e de ensino às ca-racterísticas dos alunos tem sua origem na pes-quisa empírica do ensino, mais especificamen-te nos trabalhos realizados no âmbito do para-digma "processo-produto", cujo objetivo prin-cipal é estabelecer as características do ensine"eficaz" (ver o Capítulo 14 deste volume). Se écerto que muito raramente esses trabalhos con-templam a problemática das diferenças indivi-duais, às vezes, os seus resultados - em parti-cular quando se orientam ao estabelecimentede relações significativas entre determinadospadrões de interação professor/alunos e o ren-dimento escolar destes últimos - podem ser in-terpretados indiretamente como exemplos ouamostras de microadaptaçào." De fato, uma lei-tura atenta dos resultados desses trabalhosmostra que os professores desdobram na salade aula condutas diversas que mantêm rela-ções mais ou menos estáveis com determina-dos comportamentos dos alunos, o que sugerea existência de determinados padrões de ajus-te entre o ensino e a aprendizagem.

O interesse desses resultados para a mi-croadaptação do ensino é fortemente limitadopelas opções epistemológicas e metodológicaspróprias do paradigma processo-produto da

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pesquisa do ensino. Por um lado, as relaçõesentre padrões de interação professor/alunos eresultados de aprendizagem costumam ser detipo meramente estatístico, com pouca ou ne-nhuma indicação teórica que ajude a compre-ender como e por que operam, ao mesmo tem-po que aparecem desligadas da dinâmica realdas atividades de ensino e aprendizagem nasala de aula, o que lhes confere um caráter es-tático pouco habilitado para dar conta dos pro-cessos de microadaptação. Por outro lado, es-sas pesquisas tendem a ignorar sistematicamen-te os processos psicológicos encobertos dos alu-:lOS que medeiam a ação educacional e de en-sino do professor e os resultados da aprendi-::agem; isto é, tendem a ignorar qualquer fon-:e de variabilidade na aprendizagem escolarque possa ter sua origem nas características pes-soais dos alunos, o que dificulta bastante a in-.erpretação de seus resultados em termos de:nicroadaptação do ensino.

Na realidade, as pesquisas realizadas no:ontexto do paradigma processo-produto sãoJ expoente típico de uma das "duas discipli-nas" da psicologia científica a que Cronbachrefere: a que busca a explicação das diferenças::e rendimento dos alunos na variabilidade doensino ou em algum de seus componentes -características ou comportamentos do profes-sor, estilo de ensino, metodologia didática, etc..\ quase totalidade das pesquisas processo-pro-duto supõe que as relações entre as caracterís-ticas dos alunos e o seu rendimento escolarsão fixas e estáveis e, por isso, seu interessepara a compreensão e a melhoria do ensino ésecundário. O ensino eficaz o é para todos osalunos, quaisquer que sejam suas característi-cas individuais; logicamente, os alunos commais aptidões para a aprendizagem obterãomelhores resultados que os alunos com menosaptidões, mas todos se beneficiarão por igualdo ensino eficaz proporcionalmente às suas ap-tidões. É justamente o pressuposto contrárioda outra "disciplina" da psicologia cientificaanalisada por Cronbach: a que busca a expli-cação das diferenças de rendimento dos alu-nos em suas características individuais e con-sidera, conseqüentemente, que as relações en-tre o ensino e os resultados da aprendizagemsão fixas e imutáveis; os alunos com mais apti-dões para a aprendizagem obterão invariavel-mente melhores resultados, quaisquer que se-

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jam as características do ensino: também nes-se caso, os alunos que recebam um ensinomelhor ou mais eficaz obterão logicamentemelhores resultados de aprendizagem do queos que recebam um ensino menos eficaz ou depior qualidade, mas esse benefício será modu-lado, em ambos os casos, por suas característi-cas individuais, considerado nesse caso o fatorfundamental de variabilidade no rendimentoescolar.

O postulado de uma relação fixa e está-vel entre as características individuais e o ren-dimento escolar, em um caso, e entre as carac-terísticas do ensino e o rendimento escolar, nooutro, explicam as limitações e o interesse re-lativo dos resultados tanto das pesquisas pro-cesso-produto como das pesquisas de corte di-ferencial e psicométrico para as propostas deensino adaptativo e, mais especificamente, paraa microadaptação do ensino. De fato, a pró-pria idéia de microadaptação sugere que as re-lações entre as características individuais dosalunos e seu rendimento escolar não são fixasnem imutáveis, mas dependem das caracterís-ticas do ensino que recebem; do mesmo modoque também não são fixas nem imutáveis asrelações entre as características do ensino e aaprendizagem, mas dependem das caracterís-ticas individuais dos alunos. Em outros termos,se aplicamos duas formas de ensino ou doistratamentos educacionais diferentes, A e B, adois grupos de alunos que têm dois níveis distin-tos de aptidão para a aprendizagem, X e Y, amicroadaptação do ensino repousa sobre apressuposição de que os alunos com um nívelde aptidão X obtêm melhores resultados deaprendizagem quando recebem um ensino ouum tratamento educacional de tipo :\, enquantoque os alunos com um nível de aptidão Y obtêmmelhores resultados quando recebem um en-sino ou um tratamento educacional de tipo B.

Esse raciocínio está precisamente na basedas pesquisas ATI - Aptituáe Trectment Inte-raction - realizadas a partir da segunda meta-de dos anos de 1960 sob o impulso dos traba-lhos iniciais de Cronbach ~1957, 1975), com oobjetivo de estudar as interações entre as ca-racterísticas do ensino e as características indi-viduais dos alunos, ou seja, com o objetivo deidentificar e estabelecer as formas de ensinoou os tipos de tratamentos educacionais maisapropriados para os alunos com determinadas

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características; ou inversamente, que caracte-rísticas dos alunos lhes permitem obter maiorbenefício de determinadas formas de ensinoou de tipos de tratamentos educacionais. Du-rante quase três décadas, até praticamente fi-nais dos anos de 1980, as pesquisas orientadaspara a identificação de efeitos ATI foram mui-to numerosas, e os seus resultados, objeto desucessivas revisões (ver, por exemplo, Cronbache Snow, 1977; Snow, 1996b; Pellegrino, Baxtere Glaser, 1999).

Os resultados mostrados por tais revisõesindicam a existência de um certo número deaptidões ou de características individuais queinteragem significativamente com os métodosde ensino. No terreno cognitivo, destaca-se par-ticularmente a interação entre a habilidade cog-nitiva geral (G) e o grau de estruturação dotratamento educacional. Os métodos de ensi-no muito estruturados - caracterizados pelocontrole que o professor mantém o tempo todo,o detalhe com que se formulam os conteúdos ea organização das atividades em pequenas uni-dades ou tarefas seqüencialmente ordenadas- são particularmente eficazes e originam bonsresultados no caso dos alunos com um baixonível cognitivo geral, enquanto que se mostramineficazes, e até contraproducentes, quando osalunos têm um nível cognitivo geral elevado.Estes últimos se beneficiam em maior medidade métodos de ensino menos controlados eestruturados, nos quais podem atuar de ma-neira mais independente, métodos que, emcontrapartida, se mostram ineficazes para osalunos com menos habilidades cognitivas.

No que diz respeito às característicasafetivas e conativas, as interações descritas,embora sejam muito numerosas, revelam, nogeral, um menor grau de significatividade econsistência que no âmbito cognitivo. Entre as::,ue revelam maior consistência, vale destacaraquela identificada entre o nível de ansiedade::=-; alunos e o grau de estruturação dos méto-':':5 de ensino. Assim, os alunos pouco ou=e:iianamente ansiosos obtêm melhores resul-:.130S de aprendizagem com métodos de ensi-::.: :;Jouco estruturados, enquanto que os alu-:-_~5 com um elevado nível de ansiedade se be-::.::~:'=i21ll em maior medida dos métodos alta-:::::e::-_:e estruturados. Outras interações descri-: ..1': :-:::--::rem-sea características como o lugar::: : :::.:::-::]e.a auto-estima, a estabilidade emo-

cional e as atitudes em relação ao próprio fu-turo (ver o Capítulo 12 deste volume).

Como assinalamos em outro lugar (Coll eMiras, 1990b), as conclusões obtidas até o mo-mento pelas pesquisas ATI parecem, contudo,bastante pobres, especialmente quando se levaem conta o considerável volume de trabalhosrealizados e as expectativas que haviam gera-do. Com exceção talvez no caso da interaçãoentre a aptidão cognitiva geral e os métodosde ensino, as interações identificadas funcio-nam na realidade como hipóteses que se veri-ficam ou não nos diversos contextos educacio-nais sem que, no momento, seja possível gene-ralizá-las. De fato, variações mínimas nas for-mas de ensino, na maneira de definir e de me-dir as aptidões dos alunos e em outros aspec-tos do contexto muitas vezes dão lugar a mo-dificações importantes nas interações. Por ou-tro lado, a multidimensionalidade dos trata-mentos educacionais e a falta de consenso nadefinição e na medição das características in-dividuais tornam inevitáveis essas variações,conseqüentemente impedindo a generalizaçãodas interações para além dos contextos parti-culares nos quais foram detectadas.

As características da sala de aula, comocontexto de ensino e aprendizagem, e em par-ticular a complexidade e heterogeneidade dosfenômenos e dos processos que nela ocorrem(ver o Capítulo 14 deste volume) questionama pretensão de definir os tratamentos educa-cionais a partir de uma única característica -por exemplo, seu maior ou menor grau de es-truturaçâo - ou de caracterizar os alunos me-diante um único traço - por exemplo, o nívelde ansiedade ou o nível cognitivo geral. Na pre-paração de um tratamento educacional con-vergem múltiplas e diversas dimensões, alémdo grau de estruturação ou de controle que oprofessor exerce, da mesma maneira que nacapacidade de aprendizagem dos alunos inter-vêm muitas outras características de tipo cog-nitivo, afetivo e conativo, além de seu nível cog-nitivo geral. A tomada de consciência progres-siva dessa complexidade levou a considerarcada vez mais aspectos ou dimensões na defi-nição e na caracterização tanto dos tratamen-tos educacionais como das aptidões dos alu-nos, mas no final essa opção só conseguiu au-mentar ainda mais as dificuldades de generali-zação dos resultados, de maneira que as pes-

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quisas ATI parecem encontrar-se atualmenteem um beco sem saída.

A falta de consistência dos resultados, asdificuldades para refutá-los e, em suma, a im-possibilidade de generalizá-los são o reflexo, anosso ver, do fato de que as pesquisas ATIres-pondem essencialmente a uma formulaçãometodológica, mas carecem de um marco teó-rico compartilhado que permita interpretar asinterações detectadas e, sobretudo, avaliar oalcance e a sua significatividade no contextodos processos escolares de ensino e aprendiza-gem. Sem um âmbito teórico de referência quedê conta das relações entre, por um lado, aatividade educacional e de ensino do profes-sor, e, por outro, a atividade e os processos deaprendizagem dos alunos, é muito difícil, paranão dizer praticamente impossível, continuaravançando nas tentativas de identificar e decompreender os processos de microadaptaçãodo ensino. É justamente isso que a linha de tra-balho ATI,formulada fundamentalmente comoum paradigm a metodológico, não oferece.Nate-se bem que o argumento não nega que aspesquisas ATI,individualmente consideradas,podem ser tributárias de uma certa maneirade entender o ensino e a aprendizagem. O ar-gumento é mais de que a linha de trabalho ATIcomo tal não implica uma visão compartilha-da do ensino e da aprendizagem, o que muitasvezes leva a definir os tratamentos educacio-nais e as características dos alunos de maneiradiferente e, conseqüentemente, a interpretaros resultados de forma igualmente distinta, fi-cando, assim, fortemente limitada a possibili-dade de situar suas contribuições em um pro-cesso cumulativo de conhecimentos sobre osprocessos de microadaptação do ensino.

CONSTRUTIVISMO E ATENÇÃOÀ DIVERSIDADE

A atenção educacional à diversidade e,em particular, as propostas de ensino adap-tativo adquirem particular relevância e signifi-catividade no âmbito da concepção construti-vista do ensino e da aprendizagem apresenta-da no Capítulo 6 deste volume. De fato, talenfoque concebe a aprendizagem como o pro-cesso de construção de significados e de atri-buição de sentido, com seus avanços e seus

retrocessos. coe S2C ::-::'::-":2::5 25·":::', ::':::C"J:-dades, que os alunos rea:~=a::r..a ;=-=;::::::: éc:sconteúdos escolares. Mas, por C:.1"2'C ladc. er;-tende que essa construção, longe de ser umaempreitada solitária, é inseparável da auda :':':.1eos alunos recebem de seus professores e êEJU-

tros colegas no transcurso das atividades esco-lares das quais participam. Nessa perspectivateórica, ensinar é sobretudo ajudar os alunosnesse processo de construção de significados ede atribuição de sentido; e ensinar eficazmen-te é ser capaz de proporcionar aos alunos. acada momento do processo de construção, aajuda de que necessitam para continuar pro-gredindo em sua aprendizagem. Os conceitosde ajuste da ajuda pedagógica e de mecanismosde influência educacional - definidos como osprocedimentos mediante os quais se consegueajustar a ajuda pedagógica às vicissitudes doprocesso de construção do conhecimento dosalunos - são, portanto, o equivalente, em ter-mos construtivistas, do conceito de ensinoadaptativo.

Assim, a atenção à diversidade dos alu-nos não é, na concepção construtivista, umvalor acrescentado ao ensino, mas o caminhopor meio do qual o ensino, entendido comoajuda, se torna possível. Cada aluno segue seuprocesso próprio e idiossincrático de constru-ção ou de reconstrução do conhecimento es-colar; cada um o faz a partir de seus conheci-mentos e de suas experiências prévias, utili-zando suas próprias capacidades e com deter-minados interesses e motivações; e cada umrequer uma ajuda pedagógica que leve em con-ta tanto a natureza de suas contribuições indi-viduais à aprendizagem como a singularidadede seu processo de construção. As característi-cas dos alunos, porém, não são fixas nem está-veis, nem suas necessidades permanecem cons-tantes ao longo do processo de construção e,por isso, dificilmente se pode entender o ensi-no adaptativo como o ajuste, estabelecido deuma vez por todas, entre as características dosalunos e as características das formas de ensi-no, ao estilo das interações entre aptidões etratamentos das pesquisas ATI.A ajuda peda-gógica que pode estar ajustada às necessida-des do processo de aprendizagem de um alu-no em um determinado momento pode não es-tar absolutamente em um momento posteriore, em compensação, pode voltar a estar mais

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tarde. Do ponto de vista da concepção COllS-

trutivista, o ajuste não remete às característi-cas individuais dos alunos e às característicasdas formas de ensino, definidas ambas de for-ma estática e em termos absolutos, e sim àadequação progressiva e mutante entre as ne-cessidades de ajuda que o aluno requer paracontinuar avançando no processo de constru-ção de significados e de atribuição de sentidono qual se encontra imerso, por um lado, e,por outro, o tipo e grau de ajudas concretasque o ensino lhe oferece (ver o Capítulo 17deste volume).

Transformado, assim, no princípio querege o ensino e a aprendizagem, a considera-ção da diversidade dos alunos impregna a to-talidade da ação educacional e de ensino: tan-to nos níveis de planejamento e de configura-ção, nos quais ocorrem os processos de macroa-daptação do ensino, como no nível da sala deaula e das atividades que professor e alunosdesenvolvam nela, e durante as quais aconte-cem os processos de microadaptação do ensi-no; tanto no caso dos alunos com dificuldadesespeciais para aprender quanto daqueles quemostram uma elevada capacidade de aprendi-zagem; tanto no que diz respeito às atuaçõespedagógicas habituais, dirigidas a prover aaprendizagem da maioria dos alunos quantono caso das atuações pedagógicas extraordi-nárias, centradas nos alunos que requerem aju-das específicas para continuar progredindo emsuas aprendizagens.

Nesse sentido, a atenção à diversidadenão é um objetivo cuja obtenção possa ser con-fiada à adoção de uma medida concreta, ou àprevisão de uma via específica de atuação,como a aplicação deste ou daquele método deensino ou tipo de tratamento educacional. Naperspectiva da concepção construtivista, a aten-ção à diversidade adota a forma de uma estra-tégia de conjunto orientada a diversificar aomáximo a ação educacional e de ensino, a fimée que todos os alunos, sem exceção, progri-éam, na medida de suas possibilidades, na re-a.izaçào das aprendizagens escolares; uma es-tratégia de conjunto, portanto, que contempla2.; necessidades de ajuda de todos os alunos e~:::.~luiuma ampla gama de medidas e cami-:-_~_=spara ajustar as ajudas do ensino. Erigir a1 :"'=-_ =2 = 2. .i.versidade no princípio que deve

.:: .::=i= educacional e do ensino, como

faz a concepção construtivista, obriga a adotardecisões que favoreçam o ajuste do ensino àdiversidade de capacidades, de interesses e demotivações dos alunos em todos os níveis queintervêm na configuração das práticas educa-tivas escolares: desde a ordenação e a organi-zação dos ensinos até o desenvolvimento dasatividades concretas que ocorrem nas salas deaula, passando pelos níveis intermediários deplanejamento e de decisão." É na articulaçãodo conjunto de medidas e vias previstas emcada um desses níveis, mais do que na nature-za e no alcance de cada uma delas em particu-lar, que reside a chave da maior e da menorcapacidade do ensino para satisfazer as neces-sidades educacionais de alunos diferentesquanto a capacidades, a motivações e a inte-resses.

NOTAS

1. Referindo-se essencialmente às diferenças so-ciais e culturais, alguns autores (ver, por exem-plo, Cole, 1996, 1998) propõem uma distin-ção ainda mais drástica entre dois tipos de for-mulações: as que concebem a diversidade comouma fonte de obstáculos e dificuldades para oensino e a aprendizagem e que se orientam,portanto, para eliminá-la ou atenuá-la, e os quea vêem mais como uma fonte de enriquecimen-to e, conseqüentemente, procuram utilizá-lacomo um valioso recurso formativo.

2. Um constructo é "um tipo particular de con-ceito científico elaborado com a finalidade derepresentar uma hipotética função psicológica- ou seja, um sistema, uma estrutura, um pro-cesso, uma tendência ou uma atividade inferi-dos - que pode dar conta de padrões regularesde relações observadas entre medidas do com-portamento" (Snow, Corno e Jackson Ill, 1996,p. 248). Os constructos elaborados para des-crever e explicar a diversidade dos alunos con-tam-se às centenas. Aqueles mencionados notexto são alguns dos que têm maior apoio teó-rico e empírico e sobre os quais existe maiorgrau de acordo no que diz respeito à sua inci-dência na aprendizagem escolar.

3. Snow utiliza o termo genérico "aptidão" parareferir-se às características individuais desig-nadas pelos constructos incluídos em cada umadas três categorias, a fim de "significar que setrata de aspectos do estado presente nas pes-

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soas que têm um caráter propedêutico, isto é,=i.uesão necessários como preparação para umprojeto futuro de aprendizagem" (Snow,1996a, p. 650). Portanto, o termo não se apli-ca unicamente, nesse contexto de uso, às ca-racterísticas individuais de tipo cognitivo.O papel atribuído à variabilidade que derivade fatores culturais, sociais ou de gênero de-pende em última instância do âmbito teóricoadotado e, em particular, das relações postula-das entre natureza e cultura no desenvolvimen-to psicológico. Assim, a partir de determina-das posições, como, por exemplo, a perspecti-va sociocultural, assinala-se o caráter centraldessa fonte de variabilidade e se propõe umareleitura do papel atribuído tradicionalmentea esse tipo de diferenças (Kozulin, 2000).

Q. Um dos exemplos mais conhecidos de progra-ma de educação compensatória é o projetoHead Start, desenvolvido nos Estados Unidosem meados da década de 1960. Como recor-dam Miras e Onrubia (1997), a principal fina-lidade do projeto era intervir no "ciclo da po-breza" em um momento da vida das crianças-os anos pré-escolares - considerado de parti-~'1.111nv .lirrpc.'1.ún r.....:.â.r-yr'\•....'l~-:t 1-'T}~yT0'1"t(!ú.J'1n.aY''I.lb.,E,c ..E~-

periências de aprendizagem que poderiam nãoter tido em seu ambiente habitual. O projeto

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 237

partia de uma série de hipóteses e considera-ções, como a de que a escola constitui um re-curso básico para a adequada inserção e o êxi-to social, que as condições ambientais da mai-oria dos lares pobres não eram suficientes parapreparar as crianças para o êxito escolar, e queuma assistência especial e específica nos anospré-escolares poderia permitir o êxito escolardas crianças desses lares ::;c '::Irese. com isso,seuposterior êxito socia...~"FeseCacJ em prin-cípiocomo um progra:r;.ade verãc, acabou con-figurando-se como um programa de educacâopré-escolar de cerca de \';"'''T. ar:o. c,'.le::npEcayaa participação dos pais e de diversos segrnen-tos da comunidade.

6. Vero resumo das pesquisas processo-produto so-bre as características do professoreficazineluidono Capítulo 17 deste volume (ver Quadro 13.2),assim como a correspondência entre as funçõesdos professores e as funções da aprendizagemabordada no Capítulo 14 (Quadro 13.1).

7. Emoutro lugar (CoU,1995), apresentamos comcerto detalhe os critérios que deveriam presi-dir a elaboração e a preparação de uma estra-tégia de conjunto de atenção à diversidade com,e,S'i.ét< .caracrerí stícas.reterente 21 .educacão .bá -sica e obrigatória no contexto do atual sistemaeducacional espanhol.