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SEXTA PARTE Os Contextos da Sala de Aula e a Aprendizagem Escolar

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SEXTA PARTEOs Contextos da Sala de Aulae a Aprendizagem Escolar

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23 As instituições escolares comofonte de influência educacionalELENA MARTíN E TERESA MAURI

INTRODUÇÃO

Se perguntássemos a alguém se a insti-tuição escolar influi na maneira de aprenderdos alunos que nela estudam, a resposta maisprovável é a afirmativa. Professores, pais e alu-nos costumam atribuir uma grande importân-cia às características concretas do professor res-ponsável pela escolarização de seus filhos, masintuem que há outros fatores que ultrapassamo que ocorre estritamente na sala de aula e re-percutem de forma relevante na educação dosestudantes. O interesse progressivamentemaior que as famílias dedicam à escolha deuma escola é um reflexo dessa consciência.Contudo, a solidez de tal convicção não res-ponde ao conhecimento dos processos e dosmecanismos mediante os quais se produz a in-fluência. Diante das perguntas: como a escolaexerce a função educacional e quais são os fa-tores institucionais que explicam que, ao final,se produzem umas e outras aprendizagens?,as respostas evidenciam uma compreensãovaga e parcial que se situa mais no campo daintuição que no do conhecimento refletido.

As disciplinas educacionais vêm-se for-mulando essas perguntas há muito tempo egeraram um enorme volume de pesquisas quepermitiram a construção de um marco teóri-co para o estudo das instituições escolares. Amaior parte desses trabalhos foi realizada,como se verá no item seguinte, partindo deenfoques sociológicos ou organizacionais.Quando se introduziu a perspectiva psicoló-gica, foi basicamente na análise dos proces-sos institucionais (dinâmica de relação, expec-tativas, atribuições ...), cujo objeto de estudoé a compreensão da própria instituição. O

objetivo deste capítulo é outro. Não se tratade analisar a qualidade da escr la ê= ô: =es-ma, mas de identificar que aspectos ce Daestrutura, de sua organização e de SeU rur.c.:»namento explicam os processos de aprendi-zagem dos alunos, como determinadas atua-ções da escola podem influir no que apren-dem e como aprendem; quais são, em últimaanálise, os mecanismos que explicam o quejáse sabe: que a escola é uma fonte de influên-cia educacional.

Esse enfoque é imprescindível para umamelhor compreensão dos processos de ensinoe aprendizagem. Nas páginas que seguem, de-pois de uma breve revisão das diferentes pers-pectivas das quais se abordou o tema, apre-sentam-se os níveis de configuração da práticaeducacional, analisando-se como opera a in-fluência educacional no plano institucional,fazendo a diferenciação entre a influência edu-cacional institucional indireta ou mediada - aque age configurando e amoldando a práticada sala de aula - e a influência educacionalinstitucional direta sobre os alunos.

ENFOQUES NO ESTUDO DASINSTITUiÇÕES ESCOLARES

Neste item, faz-se uma breve revisão dealgumas contribuições teóricas que tomam aescola como objeto de estudo, de reflexão e deanálise, especialmente daquelas que podem serrelevantes, pelo menos em princípio, para ex-plicar os mecanismos de influência educativaque operam no plano institucional. Emboranem todas sejam igualmente significativas parao tema de que tratamos, vamos nos deter bre-

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',==-==-_:-= ::'.25 que têm sua origem nos seguiu-:::': ~: ::.t:õ::costeóricos: a teoria geral de siste-= 2..S. = enfcque sociocultural do desenvolvi-= :::-_~= e da aprendizagem, as teorias da orga-::::..:2::ão das escolas, os estudos sobre o preces-: = :'e :nelhoria da escola, os estudos que con-,:~e=-am a escola como uma unidade cultural e:. -2 educação em valores e a teoria da ação:c:nunicativa.

Adotar a teoria geral de sistemas para oestudo da escola supõe entendê-la como umaunidade de açâo que supera a soma das partese que se enquadra em um contexto espacial etemporal concreto. Entre suas característicasmais significativas está a de ser presidida poruma intencionalidade educacional. Assim, háuma série de objetivos que presidem e guiamo projeto e o planejamento de sua atividade,orientando as ações de todos os envolvidos. Ofuncionamento do sistema e a consecução dosobjetivos só podem ser entendidos a partir daanálise das inter-relações existentes entre to-dos os elementos que o compõem. Além disso,é possível diferenciar dois momentos no está-gio de funcionamento do sistema, o inicial e ofinal, cuja característica diferencial se estabe-lece com relação ao nível de êxito dos objeti-vos previamente estabelecidos. A necessidadede controle e de regulação de sua dinâmica defuncionamento é outra das características ine-rentes a todo sistema. Assinalemos, além dis-so, que um sistema como o escolar não podeser analisado sem levar-se em conta as rela-ções que mantém com os outros, com o fami-liar ou o social, em diferentes níveis. A impor-:ància dessa afirmação reside em que a poten-cialidade educacional de um sistema é medidapela qualidade das relações que mantém com:".1tros sistemas e a natureza dos apoios quec.eles recebe (Bronfenbrenner, 1987).

O enfoque socioculturol da atividade hu--:c:,c reconhece a relação essencial entre esta-= :5 cenários culturais, históricos e institucio-::'2.:5 e:n que se inscreve. Nesse contexto, as2: :~S e as interações humanas, incluídas as que:': ::-:--2r::i nas escolas, consideram-se mediadas;--=::: in 5 JUmentos culturais (Vygotsky, 1979)::. :::::- :55C •. sua compreensão exige a análise'::; =:õ::a...""i.smossemióticos que medeiam na::.:~: ~::.:s zaecanismos aparecem ligados aos:::::':::::::: comunicativos que se produzem em:e::.::.:-::: 5 particulares e se caracterizam pela

dialogicidade das vozes (Bajtín, 1981), o queimplica reconhecer que existem numerosas for-mas de representar a realidade ao encarar umproblema e que qualquer enunciado que se pro-duz contempla, de um modo ou de outro, osque se produziram antes. Contudo, em um con-texto determinado, nem sempre todas as for-mas de reconhecer e representar a realidadesão invocadas ou ocupam uma mesma situa-ção de privilégio (Wertsch, 1993).

As teorias da organização e da gestão dasescolas mostram um elevado grau de consensoao reconhecerem a necessidade de que toda ins-tituição elabore planos e projetos. Segundo osespecialistas, isso favorece o desenvolvimentode atuações mais económicas e racionais, per-mite a identificação dos princípios que a regem,possibilita a coerência das ações da instituiçãoe facilita a sua legitimação (Antúnez, 1994;Gairín, 1996). Na psicologia das organizações,identificaram-se os elementos básicos da estru-tura das instituições escolares e constatou-se queeles constituem tipos de configurações diferen-tes dependendo dos contextos concretos e desua história. Longe de avaliar positiva ou nega-tivamente um e outro modelo organizacional,o que se leva em conta é o seu grau de adequa-ção ao desempenho das tarefas que a institui-ção cumpre.

Os estudos sobre o processo de mellioriada escola afirmam que qualquer mudança em-preendida deve ter a finalidade de aperfeiçoara prática diária dos professores para que me-lhorem as aprendizagens dos alunos (Marchesie Martín, 1998; Bolivar, 1999). São dois os pa-radigmas fundamentais que confluem na pro-posta de incrementar o conhecimento sobre ofuncionamento das boas escolas e suas atua-ções para melhorar a qualidade delas: os estu-dos sobre as escolas eficazes e o movimento demelhoria das escolas. Enquanto as teses sobreescolas eficazes propõem identificar os fatoresde escola que têm um efeito diferencial sobreos resultados de aprendizagem dos alunos, osestudos sobre a melhoria da escola (Van Velzene outros, 1985) vêem a escola como unidadede mudança e buscam capacitá-la para gerirsua atividade de forma autónoma, incidindode forma positiva na melhora da prática edu-cacional na sala de aula. Não existe atualmen-te um consenso sobre o que constitui uma es-cola eficaz, já que essa avaliação depende de

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princípios ideológicos e políticos. É particular-mente interessante, contudo, a proposta de en-tender como escola eficaz aquela que, em com-paração com outras que acolhem alunos pro-cedentes de meios similares, proporciona um"valor acrescido" (Mortimore, 1991) aos resul-tados da aprendizagem dos alunos, ou seja, per-mite-lhes avançar em maior medida, como con-seqüência justamente da prática educacionalda escola. Embora os resultados do movimen-to de melhoria da escola não tenham con-seguido até o momento o seu principal objeti-vo - a melhoria da prática educacional da salade aula -, aumentaram as expectativas de umacompreensão melhor e mais global da influên-cia educacional da escola nas aprendizagensdos alunos (Reynolds e outros, 1997).

De acordo com os estudos da escola comouma unidade cultural, toda instituição acumu-la ao longo de sua história uma série de sabe-res, formas de fazer e de atuar, modos de re-solver os problemas, as crenças, os princípiose os valores que orientam sua ação como re-sultado das respostas dadas aos problemas quelhes foram sendo impostos (Cole e Wakai,1984). A incorporação de professores e de alu-nos às práticas educacionais, organizacionais,de gestão ou lúdicas habituais supõe afamiliarização com a cultura escolar, estabele-cida de forma implícita ou explícita, e o envol-vimento ativo em sua manutenção e em seudesenvolvimento. Os estudos que abordam asescolas como unidades de cultura o fazem deuma dupla perspectiva; por um lado, paramostrar aquilo que compartilham com outroscontextos escolares e, por outro, para conhe-cer sua identidade cultural específica (Hopkins,Ainscow e West, 1994; Hargreaves, 1995).Apoiando-se nessa perspectiva, há tambémanálises das escolas como unidades de educa-ção em valores que contemplam as diferentespráticas em que os alunos se envolvem na es-cola como oportunidade de educação moral(Puig, 1995).

Finalmente, a teoria da ação comunicati-va salienta que todo processo de construçãodo conhecimento tem um caráter intencionale se propõe influir para que os dados se produ-zam de uma determinada maneira. Dessa pers-pectiva, não se pode separar o conhecimentodos valores daqueles que os constroem. Assim,a maturidade pessoal na construção do conhe-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 391

cimento é alcançada não apenas pela capaci-dade de raciocínio, mas também em ser críticoem relação aos valores que os sustentam, revi-sando-os e orientando a ação para o cumpri-mento dos que são declarados de forma explí-cita. A tomada de consciência dos próprios va-lores requer a interação comunicativa comoutros, envolvendo-se em situações de diálo-go, de confrontação, de reflexão e de autocrítica(Habermas, 1988).

Em síntese, uma escola pode ser conside-rada como um sistema - com relação a outrossistemas - que desenvolve uma atividade insti-tucional sociale culturalmente mediada, incluin-do diferentes vozes (das famílias, dos alunos,dos professores) que podem ou não ser interpe-ladas dialogicamente. Na obtenção dos objeti-vos educacionais, a organização e o planejamen-to são elementos importantes que favorecem aregulação e o controle consciente da atividadeda escola. Mas a organização não é suficientepara explicar a qualidade do funcionamento deuma escola; é preciso levar em conta também acultura que o caracteriza. Amelhor compreen-são de todos os fatores que explicam a influên-cia educacional da instituição deve ter comoobjetivoprincipal a sua melhoria. Asescolaspre-cisam ser capazes de uma atuação autônomapara incrementar a qualidade das aprendiza-gens. A atividade intencional das escolas parapromover mudanças deve basear-se na tomadade consciência crítica de seus valores e de suasatuações, ajustando-os aos objetivospropostos.Contudo, o fundamental, em qualquer caso, é acapacidade de ajuste da influência educacionalao desempenho da tarefa socialmente encomen-dada, isto é, a realização pelos alunos das apren-dizagens necessárias para viver em sociedade.Vale recordar mais uma vez que, embora osenfoques assinalados não expliquem como seproduz a influência educacional da escola, con-tribuem, em compensação, para descrever al-gumas de suas características relevantes e pro-porcionam pontos de partida básicos para abor-dar essa tarefa.

OS NíVEIS DE CONFIGURAÇÃO E DEANÁLISE DA PRÁTICA EDUCACIONAL

Como assinala ColI (1994), a análise daprática educacional constitui uma via privilegia-

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da para continuar avançando no sentido de umamelhor conceituação dos processos educacionaisformais. Junto com a compreensão dos proces-sos psicológicos que explicam a aprendizagem,é imprescindível contar com modelos teóricosdo ensino, isto é, com uma teoria da práticaeducacional. Além disso, a análise requer umaaproximação multidisciplinar que integre, paraalém de uma mera justaposição, enfoques dasdiferentes disciplinas suscetíveis de contribuirpara uma teoria da educação.

A prática educacional acaba tomando aforma da atuação do professor na sala de aula,em um processo dinâmico no qual intervêm tam-bém as características dos alunos e do conteú-do de aprendizagem. Mas a forma final da atua-ção do professor vai-se configurando em níveisanteriores. Não é possível entender as razõesdo comportamento do professor, ou do pensa-mento que o orienta, sem analisar outros fato-res e decisões que se situam em contextos maisamplos, entre os quais se encontra a escola.

CoU (1994) postula que se deve conside-rar pelo menos quatro níveis envolvidos na con-figuração da prática educacional: a organiza-ção social, política. eccnoraica e cultural, a es-cola e a sala ce aula. >;::: primeiro nível, é evi-dente que os r::o::ebs c.e produção. o regimepolítico, a eS'JL;:'J.:-aé.e classes socioculturais, opapel do cor..Lecirc entc e dos valores dominan-tes - para citar apenas alguns de seus elemen-tos mais relevantes - terão claras implicaçõesna funçãc sccia, que se atribua à escola e nomodelo concreto de escolarização que resultedessa opção .::;i:neno, 1998; Pérez, 1998). Nosegundo r.ivel. correspondente ao sistema edu-cacional. as decisões que sejam tomadas comrelação a sua estrutura, o papel do Estado emsua gestão. :::5 anos de escolarização obrigató-ria, ou os saberes que se decida incluir no currí-culo são alguns dos fatores que condicionarãoo que ocorrerá nas escolas e, com isso, nas apren-dizagens ),Iarchesi e Martín, 1998). No tercei-ro nível, o do sistema escola, a estrutura, a or-ganização e o funcionamento dos quais se dotea comunidade escolar, e em particular a equipedocente, constituirão fatores de influência so-bre a dinâmica que cada professor estabelececom seu grupo de alunos. Uma vez identifica-dos esses níveis, CoU ressalta a necessidade deestabelecer uma unidade de análise que permi-ta estudar os mecanismos de influência educa-

cional que operam em cada um deles. O pontode partida é obviamente a definição do que sedeve entender por influência educacional:

Admitindo-se que a aprendizagem esco-lar consiste [...] em um processo de cons-trução de significados e de atribuição desentido cuja responsabilidade principalcorresponde ao aluno, e admitindo-se,como se faz habitualmente de uma pers-pectiva teórica [a concepção construtivis-ta do ensino e da aprendizagem], que nin-guém pode substituir o aluno nessa tare-fa, então a influência educacional deve serentendida como a ajuda prestada à ativi-dade construtiva do aluno, e a influênciaeducacional eficaz, como um ajuste cons-tante e sustentado de ajuda às vicissitudesdo processo de construção que o aluno re-aliza (CoU,op. cit., p. 13. O grifo é nosso).

O ajuste da ajuda do docente às cara.:c~rísticas peculiares do aluno em seu processºde aprendizagem de um conteúdo especlficoé, em última análise, a chave da qualidade doensino. Este triângulo interativo - professor,aluno, conteúdo de aprendizagem - é postu-lado na concepção construtivista como a uni-dade básica de análise do processo de ensinoe aprendizagem na sala de aula (CoU, 1999b;ver, também, o Capítulo 6 deste volume). Seráque o triângulo serve também para explorara influência educacional que opera em outrosníveis ou sistemas que contribuem para con-figurar a prática docente? Será que tambémnesse caso o ajuste entre os vértices do triân-gulo correspondente é o fatar que explica amaior ou a menor eficácia da influênciaexercida? Do nosso ponto de vista, a respostaa ambas as perguntas deve ser afirmativa, e aproposta de Coll (1994) proporciona um mar-co interessante para abordar com profundi-dade a análise da instituição escolar comofonte de influência educacional.

Na Figura 23.1 apresenta-se a forma ado-tada pelo triângulo interativo em cada um dosníveis. Os saberes construídos ao longo da his-tória como peça-chave da bagagem de cada cul-tura, as instituições responsáveis por continuargerando tal conhecimento e assegurar que che-gue a todos os membros da sociedade e os cida-dãos como construtores e usuários desse conhe-cimento e da cultura que o gerou constituem os

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DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 3

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PRIMEIRO NíVEL: ORGANIZAÇÃO SOCIAL, ECONÔMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Instituições encarregadas de conservar,

de transmitir e de gerar novos saberes

~ ~Saberes historicamente

construídos e

culturalmente organizados

Cidadãos

ecidadãs

~----------------~SEGUNDO NíVEL: ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO SISTEMA EDUCACIONAL

Organização, estrutura e contexto

jurídico do sistema educacional

~ ~Seleção e organização

dos saberes: o currículo

oficial como projeto cultural

Tipo de aluno

ou de aluna ideal

~----------------~TERCEIRO NíVEL: INSTITUiÇÕES EDUCACIONAIS

Projeto institucional:

educacional e curricular

Alunos e alunas

da instituição

~----------------~~QUARTO NíVEL SALA JE .A.I,",L~

Professor ou proíesscra ca :Jl":""""'a

~ ~Conteúdos

de aprendizagem

Grupo de alunos

e alunas

FIGURA 23.1 Níveis de configuração da prática educacionalFonte: Baseada em Coll, 1994.

três vértices do triângulo no caso do sistemasocial. No segundo nível, faz-se uma seleção dossaberes mais relevantes para incluir no currícu-lo comum; o vértice das instituições concretiza-se na organização, na estrutura e no funciona-mento do sistema educacional. Dos cidadãos,

extrai-se um subconjunto formado pelos alunosou melhor, uma representação do aluno e daluna "ideal". À medida que a interação entros três vértices desses triângulos for ajustadasua influência será eficaz. Se as instituições conseguem que os cidadãos se apropriem dos sabe

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res com a finalidade de transformar-se emmem-bros ativos de sua cultura, entre outras media-ções, pelo sistema educacional, podem-se iden-tificar com acerto as necessidades que a socie-dade terá no futuro e selecionar as aprendiza-gens que permitam aos alunos desenvolver ascapacidades requeridas para dar satisfação a taisnecessidades. Aofazerem isso, estarão exercen-do em si mesmas uma benéfica influência edu-cacional, influência que se concretiza em parteno funcionamento das escolas.

No nível correspondente à escola, o triân-gulo é formado pelo projeto da escola, pelosprofessores da escola e pelos alunos e alunasconcretos que a frequentam.' A interação en-tre esses três elementos dará como resultadouma estrutura, uma organização e um funcio-namento que determinarão, em grande medi-da, a forma como se realizam os processos deensino e aprendizagem na sala de aula. Maisuma vez, a equipe de professores e professorasé ovértice estruturante dessa interação, já quedeve ser capaz de realizar o ajuste entre o pro-jeto social de que o sistema educacional a en-carregou e as necessidades próprias dos alunos.A qualidade da educação oferecida pela escola,entendida nos termos de Wilson (1992) comoa capacidade de oferecer a cada aluno um cur-rículo ajustado às suas características, depen-derá, pois, de que nessa interação se elaboreum projeto - educacional e curricular - queresponda ao projeto social, mas que leve emconta tanto a diversidade dos alunos como osaber fazer, os conhecimentos, as crenças e asexpectativas dos professores. A capacidade deinfluência educacional da instituição escolardependerá, então, do grau em que se consigaesse ajuste.

A organização de que a escola venha a sedotar, a cultura que molde o seu funcionamentoe as decisões que se tomem nela acabarão defato tendo uma influência educacional sobre osalunos por meio de uma dupla via. Emprimeirolugar, uma influência indireta ou mediada, à me-dida que tais fatores contribuírem para confor-Dar. em um ou em outro sentido, a prática decada docente com seu grupo ou seus grupos dealunos. E. em segundo lugar, uma influência di-rcc. a medida que os alunos participam de ati-vidades realizadas na escola - mesmo que foradas salas de aula e às vezes na ausência de qual-quer professor -, e também à medida que fa-

zem parte de uma instituição com um determi-nado clima social, em que regem valores e lhessão transmitidos modelos de atuação. A seguir,vamos tratar sucessivamente dessas duas viasde exercício da influência educacional que têmsua origem na instituição escolar.

DECISÕES DE ESCOLA E CONSTRUÇÃODO CONHECIMENTO NA SALA DE AULA:A INFLUÊNCIA EDUCACIONAL INDIRETA

A articulação das atuações da equipe deprofessores e dos alunos da escola em torno deum projeto educacional específico estabeleceo contexto no qual adquirem sentido as atua-ções respectivas de professores e alunos na salade aula. A forma que acabam adquirindo asinter-relações entre os três vértices do triângu-lo interativo no nível institucional explica, emgrande medida, a dinâmica da sala de aula e aqualidade das aprendizagens dos alunos. Oconceito de interatividade, cunhado original-mente para analisar osmecanismos de influên-cia educacional que operam no âmbito da salade aula (Coll, 1981; Coll e outros, 1995; Capí-tulo 17 deste volume), também pode ser útilpara dar conta da relação que se estabeleceentre a equipe de professores e os alunos emtorno do projeto da escola."

A interatividade institucional constrói-secomo resultado das atuações da equipe de pro-fessores e dos alunos da escola ao longo do pro-cesso de escolarização do aluno na instituição evincula-se à construção de determinadas estru-turas de participação. A qualidade dessas estru-turas dependerá da contingência que se produ-za entre as atuações dos professores e as neces-sidades dos alunos para alcançar as metas edu-cacionais. Dessa perspectiva, as formas deinteratividade de professores e alunos no âmbi-to da escola constituem um processo dinâmicoque varia ao longo do ano escolar e da escolari-zação de todo um grupo de alunos e alunas.Portanto, a dimensão temporal é um dos aspec-tos fundamentais; ir,progressivamente, ganhan-do coerência na prática docente da escola e fa-cilitar, com isso, o trânsito dos alunos ao longodas diferentes etapas são dois aspectos centraisda influência educacional da instituição.

Embora no início da experiência escolarprofessores e alunos tenham uma procedência

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independente e não-relacionada, uns e outrosvinculam-se ao estruturar sua atividade con-junta em torno do projeto educacional e curri-cular durante sua permanência na escola. Ainfluência da escola vai-se construindo duran-te o processo de maturação desta como insti-tuição. Assim, os professores que fazem parteda equipe docente podem ter diferentes ida-des, sexo, procedência, formação, experiênciadocente e concepções educacionais. Por suavez, os alunos que chegam à escola podem terprocedência social e cultural diversa e diferen-tes nível de conhecimentos, estilos e ritmos deaprendizagem, experiência escolar e expecta-tivas de educação. Nessas condições, é a inte-ração de ambos, professores e alunos, em tor-no da elaboração e do desenvolvimento do pro-jeto da escola, o que permite ir ajustando aajuda educacional.

O projeto da escola deve ser fortementemediado pelas representações que os profes-sores têm de seus alunos, de suas necessida-des educacionais, como também de suas com-petências para realizar a tarefa. No processode dar forma ao projeto, os professores podemsentir-se capazes, em maior ou em menor me-dida, de atuar sobre os condicionantes exter-nos que apresentam o contexto social e o siste-ma educacional em que se insere o projeto.Tudo isso configura as suas expectativas, maisou menos ajustadas, sobre a possibilidade realde que os elementos anteriormente relaciona-dos se encaixem para que seja possível um exer-cício eficaz da influência educacional.

A chave para que a influência seja real-mente eficaz reside em boa medida em conse-guir que tais representações e expectativas se-jam compartilhadas pelos professores da escolae que realmente orientem sua prática. Cada pro-fessor na sala de aula poderá melhorar a quali-dade de seu ensino à medida que o projeto daescola que enquadra suas intenções educacio-nais seja coerente, ajustado e viável. Coerente,ou seja, organizado em torno de decisões querespondam a uma visão compartilhada do ensi-no e da aprendizagem, decisões que, para alémde sua forma e de seu conteúdo - que podemvariar de um professor para outro, de um níveleducacional para outro -, sejam tributárias deprincípios educacionais comuns. Ajustado, istoé, que adapta o projeto social e educacional re-fletido no currículo oficial às características e às

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necessidades peculiares dos alunos. Eviável, istoé, que existem as condições para que os profes-sores possam efetivamente colocá-lo em práti-ca com seus alunos nas salas de aula.

A fim de analisar o grau de coerência, deajuste e de viabilidade do projeto da escola,pode ser útil distinguir dois componentes bási-cos. Por um lado, os fatores responsáveis poressas qualidades, isto é, as decisões incluídasno projeto. Por outro, os processos medianteos quais são tomadas as decisões e sua imple-mentação na prática. A seguir, vamos tratar dealguns fatores e de processos particularmenteimportantes para compreender as vias de in-fluência educacional indireta da escola sobreas aprendizagens dos alunos (ver Quadro23.1). Embora sejam abordados separadamen-te, é preciso assinalar que os dois tipos de com-ponentes, de fatores e de processos estãoindissoluvelmente relacionados. Ambos se re-ferem às decisões refletidas no projeto da es-cola, mas enquanto os primeiros as contem-plam com produtos, nos segundos, a ênfase re-cai no caminho seguido para adotá-las.

Algumas fontes institucionais deinfluência educacional indireta

Sem negar a importância de todas as de-cisões que constituem o projeto da escola, al-gumas delas acabam tendo uma incidência es-pecial na forma como adotam os processos deensino e aprendizagem nas salas de aula, istoé, atuam no plano institucional como pode-rosas fontes de influência educacional indire-ta sobre os alunos. Eis aqui as que, em nossaopinião, podem operar com mais clareza nes-se sentido.

- Asrelativas aos critérios de agrupamen-to dos alunos: por idade, por etapas,em grupos homogêneos estáveis e fi-xos de rendimento ou de capacidade,em grupos homogêneos flexíveis, emgrupos heterogêneos, etc.As relativas à organização do tempo: aorganização do calendário e a jorna-da escolar; a articulação de atividadesescolares, extra-escolares e de traba-lho em casa; a distribuição das maté-rias ao longo do horário escolar aten-

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QUADRO 23.1 Influência da escola sobre a aprendizagem dos alunos

Influência indireta ou mediada

Favorecendo as melhores condições na escola paraque os professores respondam de maneira adequa-da às necessidades educacionais de seus alunos.

Influência diretaFavorecendo a participação direta dos alunos em situações deaprendizagem complementares às da sala de aula.

Objetivo básico

Contar com um projeto de escola coerente, ajusta-do e viável

Fatores: decisões do projeto

- Agrupamento dos alunos.- Organização do tempo.- Organização dos espaços.- Grau de interdisciplinaridade das matérias curri-

culares.- Medidas de trânsito entre séries e etapas.

Processos: organização e estilo datomada de decisões do projeto

- Estruturas de participação.- Coordenação vertcal e horizontal da escola.- Grau de participação de toda a comunidades es-

colar.- Estilo de liderança.- Autonomia da escola e de cada professor ao lon-

go do tempo para ajustá-Ias.- Variação das formas de interatividade.- Avaliação da escola.

dendo aos ritmos dos alunos; a dura-ção dos períodos letivos; etc.As relativas à estrutura e à organiza-ção dos espaços escolares: organizaçãodas salas de aula em função do grupode alunos e das matérias; espaços deuso específico para realizar determi-nados tipos de atividades; espaços deuso plural; espaços para a confluên-cia de unidades docentes superioresàs do grupo-classe; etc.Asrelativas ao maior ou ao menor graude interdisciplinaridade com o qual se or-ganizam as matérias curriculares: reali-zação de algumas atividades de ensinoe aprendizagem transversais a diferen-tes matérias; trabalho integrado de duasou mais matérias curriculares por partedos professores correspondentes; etc.As relativas ao trânsito dos alunos en-tre séries, ciclos e etapas: continuidade

Normas e modelosde comportamento

- Riqueza e variedade daoferta de atividades.

- Complementaridade des-sas atividades com as le-tivas.

- Competência educativados responsáveis pelas ati-vidades.

- Complementaridade com oambiente.

Atividadesnão-Ietivas

I. Na fase deplanejamento da prática

- Intencionalidade: incluí-lono currículo explícito.

- Participação.- Caráter preventivo, e não

meramente sancionador doRRI (Regulamento do Re-gimento Interno).

11. Na fase depôr em prática

- Coerência entre o que sediz e o que se faz e coe-rência entre o conjunto dosprofessores.

- Uso da razão dialógica naeducação moral.

e coerência na seriação de objetivos ede conteúdos, nos procedimentos enos critérios de avaliação, nas relaçõestutoriais, etc.

Os processos de tomada de decisões:a organização e o funcionamentoda escola e a construção designificados compartilhados

As decisões tomadas nesses itens do pro-jeto da escola influirão na prática de cada pro-fessor na sala de aula, tornarão mais fácil oumais difícil o ajuste entre o professor e o grupode alunos e alunas em torno dos conteúdos deaprendizagem. Mas a coerência, o ajuste e aviabilidade do projeto não dependerão apenasdo que se decide ao final, mas também da for-ma como se procede para adotar as decisões.Especificamente, terão a ver, por um lado, com

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dinâmicas de trabalho que permitam construirsignificados compartilhados entre os professo-res, de maneira que a prática docente da esco-la responda a princípios educacionais comuns;e, por outro, com o ajuste entre os três vérticesdo triângulo: equipe de professores, alunos eprojeto da escola.

A organização e o funcionamento da es-cola são a peça-chave mediante a qual a insti-tuição exerce a influência educacional indire-ta - e também direta - sobre os alunos. Da exis-tência de instâncias de coordenação eparticipa-ção depende o maior ou o menor grau de coe-rência e de ajuste do projeto da escola. Podemdistinguir-se dois níveis nessas instâncias. Opri-meiro seria aquele no qual participam todosos professores para elaborar e gerir o projetoda escola.ê O segundo tipo de instância é cria-do pela participação de professores e alunosem torno do desenvolvimento de uma parteespecífica desse projeto, em um momento deseu desenvolvimento no tempo. As instânciasde participação e de coordenação serão maiseficazes, isto é, permitirão exercer uma influên-cia mais adequada à medida que asseguramuma coordenação vertical e horizontal. No ensi-no fundamental, os núcleos naturais de orga-nização costumam ser as coordenações de ci-clos e de etapas. No ensino médio, costumamser mais comuns as estruturas dos departamen-tos, mas também é importante assegurar a coor-denação horizontal mediante o trabalho dosprofessores que dão aula a um mesmo grupode alunos e alunas - coordenações de equipesprofessores -, as coordenações de ciclos e acomissão pedagógica da escola. Todos os nú-cleos deveriam relacionar-se vertical e horizon-talmente para assegurar uma tomada de deci-sões institucional com um alto grau de coerên-cia pedagógica.

Como se assinalou, o objetivo dessas es-truturas de organização é a construção progres-siva de significados compartilhados acerca dasintenções educacionais que devem presidir aprática docente conjunta. A dinâmica das es-truturas deve assegurar, para isso, dois tiposde processos: participação e liderança. Quantomaior o nível de envolvimento dos professores- e, em determinadas decisões, do conjuntodos membros da comunidade escolar - maio-res serão os acordos a que se chegará e estesserão mais ajustados às características e às ne-

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cessidades dos alunos e dos próprios professo-res. Mas a participação requer figuras ou es-truturas de liderança. As escolas que estão for-temente estruturadas, isto é, que contam comuma equipe diretiva que exerce sua tarefa dedinamização pedagógica e comresponsáveisnasdiferentes instâncias de coordenação e de par-ticipação, que semencionou anteriormente, têmmaiores possibilidades de exercer uma influên-cia educacional positiva sobre a aprendizagemdos alunos mediante a prática docente dos pro-fessores.

Portanto, o projeto elaborado deve ser coe-rente e ajustado, dois requisitos necessáriosparaque a instituição escolar possa exercer uma in-fluência educacional eficaz.Mas é preciso tam-bém que seja viável, isto é, que a escola dispo-nha das condições que possibilitarão que os pro-fessores ponham em prática nas salas de aula"o que foi decidido. Entre elas, tem uma impor-tância particular a autonomia, entendida emum duplo sentido. Primeiro, como referência àcapacidade outorgada pela administração àescola. Amaior autonomia da instituição, mai-or capacidade de panejar e pôr em prática umprojeto com existência própria e adaptado àsnecessidades próprias da escola. Mas é igual-mente necessário que a escola outorgue auto-nomia a cada docente para concretizar na prá-tica os acordos estabelecidos, para que os pro-fessores possam enfrentar os problemas comque se deparam de modo a responder às ca-racterísticas próprias de cada situação na salade aula. sem perder de vista o conjunto da es-cola. Isso deve se produzir, porém, dentro doslimites ou dos marcos de significado educacio-nal compartilhado pelos professores, fruto daconstrucào conjunta do projeto educacional daescola. Se a passagem de um professor paraoutro se efetua tomando como referente o pro-jeto pedagógico, cada aluno e cada geração dealunos se beneficiará de uma prática docenteque se desenvolve sem rupturas, mal-entendi-dos ou confusões desnecessárias com relaçãoao significado educacional das atuações pes-soais de cada um dos professores, em cada ní-vel da estrutura de gestão acadêmica de esco-la e em cada aula.

A análise até agora realizada dos proces-sos de influência educativa institucional indi-reta é preciso acrescentar uma dimensão tem-poral que caracteriza a evolução das relações

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na instituição. É preciso levar em conta que oexercício de uma influência educacional ade-quada por parte da instituição supõe um equi-líbrio entre a estabilidade do projeto e da equi-pe docente que o realiza, requisito imprescin-dível para conferir identidade à linha educa-cional, e a modificação que devem experimen-tar tanto as estruturas como as decisões. Amudança é necessária por uma dupla razão.Por um lado, os alunos vão variando e as de-mandas sociais também e, por isso, é necessá-rio proceder a novos ajustes entre os vérticesdo triângulo. Por outro, a maturidade de umainstituição está relacionada com sua capacida-de de mudança. Como assinalam Hopkins,Ainscow e West (1994), entre as escolas abso-lutamente estáticas e aquelas cujas mudançassão excessivamente rápidas, e por isso erráticas,encontram-se as instituições que mostram umaatitude tendente à mudança que resulta de pro-postas de melhoria refletidas.

Em estreita relação com o que se mencio-nou, encontra-se outro processo que favorecea coerência e o ajuste do projeto e, com isso, atarefa de cada professor na sala de aula: a im-plementação de processos de avaliação da práti-ca docente do conjunto da escola. Visto que aregulação é um requisito necessário e inerentea todo processo de influência educacional, umsistema dessa natureza não pode ser mantidosem avaliar o seu funcionamento e os resulta-dos do projeto educacional em açáo. A avalia-ção deve centrar-se na coerência do projeto eno grau de autonomia com que cada professorexerce a mediação do projeto ao colocá-lo emprática como resposta educacional para um de-terminado grupo de alunos.

Em síntese, uma organização estrutura-da e, ao mesmo tempo, estratégica na escola,capaz de identificar adequadamente todos osaspectos de seu projeto educacional e de seufuncionamento nos quais é necessário tomardecisões, possibilita processos de influência nassalas de aula muito mais relevantes e ajusta-dcs. isto é, muito mais eficazes, que uma orga-r.izaçâo burocrática incapaz de responder aos:::'esafiosque impõe a formação de seus alunos:: :l.esuas alunas. A construção de significados.; = rapartilhados e a cessão de responsabilida-.:.:= ::0 exercício da tarefa passada a cada nú-::-=~da organização acadêmica, assim como a.:.'-~:ação da prática docente, são os processos

que devem ocorrer nas instâncias de coorde-nação e participação. Apossibilidade de se pro-duzirem tais processos depende do grau de par-ticipação e de autonomia para a tomada de de-cisões. Em conjunto, todos esses fatores e pro-cessos favorecem uma cultura de escola que semostra positiva para a evolução da própria ins-tituição ao promover formas democráticas derelação baseadas no diálogo e no exercício daresponsabilidade pessoal e compartilhada. Maspermitem também, e é justamente isso que sequer destacar aqui, que cada professor em suasala de aula possa pôr em prática processos deinteratividade mais ajustados, que originemaprendizagens significativas por seus alunos.

o QUE OS ALUNOS APRENDEMDAS INSTITUiÇÕES: A INFLUÊNCIAEDUCACIONAL DIRETA

A influência indireta ou mediada que asescolas exercem ao condicionar a interação queo professor estabelece com seus alunos na salade aula completa-se com outra influência dire-ta, na qual a instituição provoca aprendizagensque não dependem da intervenção do ensinodos professores em suas respectivas áreas cur-riculares de competência, mas que se produ-zem pelo fato de fazer parte de um grupo so-cial amplo e diversos que realiza muitas outrasatividades com clara repercussão educacional.Àsvezes, esquece-se que o tempo escolar é mui-to mais que os cinco, seis ou sete períodos leti-vos que normalmente um estudante tem pordia, e que os espaços de aprendizagem ultra-passam os limites freqüentemente estreitos daaula. Assim como ocorre em outros contextoseducacionais, como as famílias ou os gruposde iguais, o fato de estar imerso em micros-sistemas que permitem participar diretamenteem atividades conjuntas recorrentes nas quaisse vai adquirindo uma progressiva autonomiaprovoca os processos de desenvolvimento, in-clusive se nesses âmbitos não se verifica umaintencionalidade explícita de ensino (Sole,1998).

Na escola, reconhecem-se muitos momen-tos e situações que respondem a essa estruturainformal ou não-formal da educação, emborao que defina a escolarização seja precisamenteseu caráter intencional, sistemático e planeja-

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do. Às vezes, a tarefa nitidamente de ensinopode fazer com que passem despercebidas to-das aquelas outras aprendizagens maisincidentais que se produzem de fato nas esco-las. Essa influência educacional direta assumepelo menos duas formas distintas. Uma relacio-nada com tudo aquilo que o aluno aprende pormeio das mensagens que se transmitem nasnormas da escola e nos modelos de comporta-mento, fundamentalmente dos adultos. Outra,exercida mediante a participação dos alunosem atividades não-letivas, como recreios, pas-seios ou atividades extra-escolares.

A coerência entre o que se diz e o que sefaz: uma fonte de influência educacional

As pesquisas sobre currículo oculto (ver,por exemplo, Torres, 1991) salientaram a rele-vância da organização social e do clima da es-cola na aprendizagem dos alunos. Também osestudos acerca do ensino das atitudes e dos va-lores enfatizam particularmente a grande re-percussão desses fatores (ver, por exemplo,Bolivar, 1992, 1995; González Lucini, 1993;Gómez, Mauri e Valls, 1996). Por um lado, ostrabalhos sobre conflitos nas escolas, ou maisespecificamente acerca dos maus-tratos entreiguais no contexto escolar (Freiberg, 1999;Olweus, 1993; Informe del defensor del Pueblosobre violencia escolar, 2000), identificamcomo prioritário o estabelecimento de climasde convivência nas escolas que promovam con-dutas pró-sociais nos alunos.

A introdução no currículo escolar dos te-mas transversais - opção adotada atualmenteem muitos sistemas educacionais, entre outros,o espanhol- sustenta-se precisamente na con-vicção de que as normas, as atitudes e os valo-res não podem ser ensinados exclusivamentemediante a aprendizagem conceitual e umametodologia declarativa, mas é imprescindívelque as ações que acompanham os princípiosenunciados sejam coerentes com eles. A edu-cação moral supõe dotar o ambiente no qual oaluno tem de se desenvolver de normas quelhe permitam aumentar suas capacidades deatuação e de juízo moral. De pouco serve, porexemplo, expor a importância da participaçãocomo mecanismo para regular as relações so-ciais se a escola, de fato, toma decisões às quais

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os alunos são totalmente alheios; ou então,insistir na importância de sentir-se responsá-vel pelo cuidado com o ambiente se no dia-a-dia os alunos constatam despreocupação comsua qualidade na escola por parte das pessoasque o pregam.

Dotar a instituição escolar das condiçõesadequadas de modo que esses fatores contri-buam para o desenvolvimento de capacidadessociais mediante a aprendizagem desse tipo deconteúdos supõe que os professores tenhamconsciência da influência educacional e decidamutilizar intencionalmente tais recursos comoinstrumentos de ensino. Esse processo deveriacomeçar na elaboração do projeto educacio-nal da escola. É nesse documento que se confi-guram as decisões referentes às metas própriasda instituição e à organização de que deve do-tar-se para alcançá-las. O Regulamento de Re-gimento Interno (RRI), um dos elementos queo projeto educacional deve necessariamente in-cluir, tem, deste ponto de vista, uma relevân-cia particular, visto que estabelece o contextoda convivência na escola.

Favorecer nesse nível as aprendizagens aque se vem fazendo referência suporia dar aten-ção a dois fatores. Em primeiro lugar, a partici-pação dos diferentes grupos que fazem parteda comunidade escolar em sua definição. A par-ticipação é justamente um dos valores que sedeseja ensinar aos alunos, mas além disso assi-nale-se que levar em conta diferentes pontosde vista, aprender a respeitar as opiniões dosdemais e exercitar-se na busca de autênticosconsensos são habilidades fundamentais no de-senvolvim ento do aluno. O próprio fato de par-ticipar de um processo de planejamento enqua-drado nessas pautas de relação é um instru-mento de ensino e aprendizagem. Por outrolado, a presença da família na elaboração des-ses documentos é essencial para tentar asse-gurar uma atuação conjunta entre os dois con-textos de desenvolvimento básicos nos quais oaluno se desenvolve. Não é muito habitual queos estudantes recebam ensinos contraditóriosem casa e na escola em relação aos conteúdosdas diversas matérias ou disciplinas, mas emcompensação é muito mais freqüente não exis-tir muita sintonia entre as mensagens - explí-citas ou implícitas - que se transmitem nos doisambientes sobre as normas e os valores quedeveriam reger a conduta humana.

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'-Om segundo fator refere-se ao caráier pre-, =':::':0 versus sancionado!" que se deveria ado-:3_1' para favorecer a convivência. Trata-se de:'::ar a escola de um clima que contribua para= :'esenvolvimento das condutas pró-sociais, er.ào apenas nem prioritariamente de respon-é.e:' diante dos possíveis conflitos. Isso signifi-C3 tomar medidas que favoreçam as relaçõesentre alunos e entre estes e os professores, es-:abelecer as normas após um processo de de-bate comum e ter previstas estruturas que su-oervisionem o andamento da convivência na~5cola.Essas estruturas serão naturalmente asresponsáveis por resolver os conflitos,mas tam-bérn terão como incumbência apoiar os alunoscuja integração social seja mais complexa, ouincorporar à dinâmica da escola atividades quepermitam o desenvolvimento de relações cadavez mais sólidas e positivas entre todos (fes-tas, participação em projetos comuns, etc.).

As decisões tomadas nessa fase de elabo-ração do projeto educacional da escola, assu-midas como mecanismos institucionais deintervenção, permitem levar ao plano doconsciente o que muitas vezes fica fora do cur-rículo escolar explícito. Esses acordos devempresidir as atuações dos professores e, se pos-sível, de todas as pessoas adultas que estão emcontato com os alunos. Dois fatores contribui-riam para melhorar sensivelmente os proces-sos de ensino e aprendizagem na fase de im-plementação. O primeiro refere-se à coerênciados comportamentos como modelos de atua-ção. Coerência entre o que se diz e o que se faze coerência da prática docente do conjunto dosprofessores. À medida que se considera queesses outros momentos da vida da escola sãoingredientes básicos do ensino, a atuação dosprofessores neles também deve ser entendida:::omoparte de sua prática docente. Como seassinalou anteriormente, a congruência, e nãoa homogeneidade dessa "prática comum", é umcos mecanismos fundamentais de influênciaducacional no plano institucional. O segundo.ator diz respeito à reflexão sobre a ação e o:_50 da razão dialógica como requisitos do de-ssnvolvimento do juízo moral (Piaget, 1932;?:..:ig,1995). Os alunos sem dúvida aprendem::::':tudesevalores a partir dos modelos que ob-,-::~":am,mas, para superar o risco de uma pos-:;',-c;;! incorporação acrítica dessas condutas, é:,_e:essárioajudá-los a refletir sobre elas, a de-

sentranhar os valores que traduzem, a debatersua legitimidade. É preciso, em última análise,aproveitar toda essamatéria-prima - que o dia-a-dia da instituição escolar oferece - que con-tribui para o desenvolvimento do juízo moraldos alunos.

o valor educacional detoda atividade escolar

Por último, a escola exerce uma influên-cia educacional direta sobre os alunos e as alu-nas mediante a oportunidade que lhes oferecede participar em atividades complementaresàs letivas. Osmomentos de recreio ou de refei-tório, as atividades extra-escolares que a esco-la programa, os passeios, organizados tantocom finalidades acadêmicas como festivas, ouos programas de colaboração com o ambientesocial em que se situa são exemplos desse tipode atividades.

Ovalor dessas atividades, que podem es-tar situadas em um contínuo entre educaçãoformal (por exemplo, aulas extra-escolares deinglês) e informal (por exemplo, uma viagemde conclusão dos estudos), reside em seremespecialmente adequadas para o desenvolvi-mento de capacidades que às vezes é mais difí-cil trabalhar nas salas de aula: motoras, afetivasou de inserção e atuação social. A menor ounenhuma pressão acadêmica que se exerce so-bre elas, o realismo dos contextos nos quaissão realizados - como contraste da simulaçãoda realidade que caracteriza a instrução nassalas de aula -, a funcionalidade dos conheci-mentos que se aprendem nelas, em suma, U

fato de que se encontram mais próximas dosmodos de aprendizagem cotidiana que daque-les da aprendizagem escolar (Rodrigo e Arnay,1997; Delval, 2000) são algumas das razõesque explicaram sua relevância como ativida-des de aprendizagem.

Osprocessos de aprendizagem que se pro-duzem nesse caso compartilham muitos ele-mentos com os que ocorrem nas salas de aulae, portanto, podem ser analisados da perspec-tiva geral que a concepção construtivista ofe-rece para isso. Mas eles também têm algumapeculiaridade que vale a pena destacar. Alémdaquela já assinalada acerca do tipo de capaci-dades que são mais favorecidas diferenciam-se fundamentalmente em dois aspectos: sua

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=enor intencionalidade educacional, ou pelo1IJIl::''::oso caTáter menos explícito desta, e o:1DID1~::Jrpeso do professor em benefício da;illi1:::endizagempor meio dos iguais. A segunda.iessas características é quase sempre positiva,a primeira pode reduzir a eficácia do processode aprendizagem.

Quais são os fatores que podem fazer comque uma escola utilize de maneira mais ade-quada tais espaços e tempos para facilitar aaprendizagem? Em primeiro lugar, a riqueza evariedade da oferta de atividades educacionaisdesse tipo. O simples fato de que o aluno par-ticipe em um tipo de atividade diferente da le-tiva é em si mesmo um fator de desenvolvi-mento. Em segundo lugar, a complem en-taridade dessas atividades com as letivas. Aquestão seria pôr a serviço das metas educacio-nais da escola as aprendizagens que os alunosestão efetivamente realizando nesse âmbito.Ou seja, trata-se de aproveitar as "vantagens"dessas atividades do ponto de vista da apren-dizagem, para que os alunos cheguem ao de-senvolvimento das capacidades incluídas nasintenções educacionais do currículo por viasmais transitáveis. Isso significa que, na medidado possível, devem ser planejadas em conjuntocom as demais atividades escolares. Não se tra-ta, naturalmente, de introduzir nessas ativida-des, nas quais a flexibilidade é um dos traçosmais positivos, uma rigidez burocrática que asimpregnaria de tudo o que há de negativo nocaráter "academicista", não-acadêmico, mas simde potencializar sua influência conectando-ascom os mesmos objetivos. Deveriam ser âmbi-tos complementares nos quais se chegará a de-senvolvimentos comuns por caminhos diferen-tes. Um terceiro fator estaria relacionado coma competência educacional dos responsáveis dasatividades. Uma vez mais, não se trata de tor-nar professores aqueles que realizam tais ati-vidades, mas sim de que tenham uma mínimapreparação que lhes permita garantir os requi-sitos de uma açào educacional. A experiênciamostra que a mesma atividade liderada por pes-soas com preparação diversa conduz a resulta-dos muito distintos. Por último, a conexão como ambiente também pode ser um fator queacrescente valor a essas situações. As capaci-dades de atuação e de inserção social- sentir-se membro de um grupo social e responsávelpelos seus problemas, saber analisar e compre-

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·~<~::··.f)i:':itender tais problemas e dispor de recursos p'l1'WI''-<;>

atuar sobre eles - têm se ser aprendidas emcontato real com o ambiente. A escola tem umatendência endogâmica que muitas vezes difi-culta essas aprendizagens, razão pela qual to-das as atividades mencionadas aqui podemcontribuir para superar tal limitação.

Em síntese, observa-se que alguns fato-res e mecanismos identificados na análise dainfluência indireta ou mediada da instituiçãoescolar também são importantes na análise dainfluência educacional direta. A intencionali-dade, concretizada na existência e na qualida-de do projeto da escola, o ajuste às necessida-des dos alunos e a coerência na prática docen-te aparecem também nesse caso como elemen-tos-chave para a qualidade final das aprendi-zagens.

CONCLUSÃOA proposta que se apresentou até aqui

acerca da instituição como fonte de influênciaeducacional é apenas uma primeira aproxima-ção do problema .. Ainda há muito a avançar,tanto na identificação das vias de influênciacomo na explicação profunda dos mecanismosmediante os quais esses fatores incidem na in-teração professor-grupo de alunos-conteúdoque implicam os processos escolares de ensinoe aprendizagem. Contudo, há três aspectos daposição adotada neste capítulo que poderiamser contribuições úteis para esse tema especí-fico da psicologia da educação. Em primeirolugar, é interessante comprovar que existe umagr;mde coincidência entre os fatores e os pro-cessos que propusemos e os que apontam ou-tros marcos teóricos, apresentados no segun-do item deste capítulo, que abordaram o pro-blema. De resto, dificilmente poderia ser deoutro modo. A convergência pode permitir oenfoque interdisciplinar, que é imprescindívelpara dar conta dos processos de ensino e apren-dizagem (Coll, 1996c). Mas tão positivo comoa coincidência é o que aparece de novo na aná-lise, que se refere tanto a alguns fatores aosquais não se deu atenção suficiente até o mo-mento como, fundamentalmente, à maneira deentender sua repercussão. Como mostrávamosna introdução, a perspectiva adotada centra-se na análise da repercussão dessas variáveis,

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não na qualidade da própria instituição, masna influência sobre os processos de aprendiza-gem dos alunos e das alunas. A complementa-ridade dos dois enfoques pode enriquecer acompreensão desse tema.

Além disso, pode-se observar outro valoracrescido à proposta à medida que se utilizouum marco teórico comum para analisar a prá-tica educacional no âmbito da escola e no âm-bito da sala de aula. Chegar a contar com mo-delos que dêem conta da complexidade dosprocessos educacionais sem por isso parcelarde maneira desconexa os diversos sistemas nosquais se configura a atividade docente é, donosso ponto de vista, um objetivo muito im-portante da psicologia da educação. O uso deconstructos teóricos comuns, desde que não se-jam forçados, pode ajudar na elaboração deexplicações que, sendo coerentes, não renun-ciem à complexidade intrínseca do fenômenoestudado, no nosso caso, os processos escola-res de ensino e aprendizagem.

Por último, a análise deve ajudar a orien-tar a intervenção na melhoria da influênciaeducacional das instituições. Isso significa quenão basta identificar os fatores e os mecanis-mos de influência educacional, mas é precisoassinalar também a direção ou o sentido queesses fatores devem adotar. Como se explicano Capítulo 1 deste volume, a psicologia daeducação tem uma dimensão teórica, mas tam-bém uma tecnológica e outra prática. A consi-deração destas duas últimas dimensões obrigaa mostrar como a compreensão dos fenôme-nos educacionais deve orientar a intervençãopsicopedagógica. Sem dúvida, esse deve ser umaspecto prioritário nas futuras reflexões e pes-quisas que se realizem nesse promissor campode estudo.

NOTAS

1. Na realidade, o vértice esquerdo do triângulodeveria incluir a comunidade escolar em seuconjunto, e não apenas a equipe de professo-res. Contudo, é certo que. uma vez aceito oprojeto educacional pela comunidade escolar,a implementação das intenções ali estabele-cidas realiza-se fundamentalmente mediantea atuação dos professores. Deve-se enfatizarque a influência educacional será tanto maiseficaz quanto maior for a participação das fa-mílias, assegurando, com isso, a máxima con-gruência no mesas sistema família -escola(Lacasa, 1997; Oliva e Palacios, 1998).

2. O uso do termo "interatividade" para analisaras relações entre os três elementos do triângu-lo interativo no nível institucional remete ob-viamente a um uso frágil do conceito original.

3 . Neste primeiro nível participam não apenas osprofessores. Famílias e alunos tomam parte dasdecisões do projeto educacional, mas não nasdo projeto curricular. Contudo, o peso que, porsua formação específica,os professoresacabamtendo quase sempre na fase de elaboração ede formulação do projeto, como também aquase total responsabilidade por ele em seudesenvolvimento justificam que a análise secentre nas instâncias de participação dos pro-fessores.

4. O tempo todo tem-se falado da sala de aulacomo cenário privilegiado para os processosde ensino e aprendizagem, mas seria precisolevar em conta que existem outros contextos,como, por exemplo, aqueles em que ocorreminfluências individualizadas, de tutoria, aten-ção psicopedagógica ou docente, que costu-mam ser o resultado de decisões da escola re-lativas à atenção à diversidade.

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24 Ambiente familiar e educaçãoescolar: a interseção dedois cenários educacionaisPILAR LACASA'

INTRODUÇÃO

Quando se passeia por uma cidade novae se observa os seus prédios, geralmente é fá-cil distinguir as escolas e as bibliotecas. Defato, não é simples explicar por que, mas deuma forma ou de outra se sabe que se estádiante de uma escola. Por que as escolas, as-sim como outros prédios das cidades, como aigreja ou a prefeitura, distinguem-se tão facil-mente? Uma das muitas explicações possíveis éque as escolas constituem uma parte importantedas instituições sociais, e as crianças criam emrelação a elas expectativas que definem peran-te nossos olhos o que se espera delas, e que in-clusive nos ajudam a compreender o que ocor-re ali em termos previamente estabelecidos. Porexemplo, e fixando-se apenas no ambiente fí-sico, sabe-se que na escola os espaços são maisamplos que na habitação familiar, bem comoos instrumentos que as pessoas manejam ne-la - as mesas são diferentes, há sempre livros,cadernos e lápis - e, sobretudo, é costume es-perar que ali algumas pessoas aprendam e ou-tras ensinem. Chega a ser assustador pensarque todos passam nesses prédios, que de res-to variaram muito pouco ao longo do tempo,pelo menos os 15 primeiros anos de sua vida.

Em face da situação que se descreveu,cabe perguntar (ver, por exemplo, Gallimore eGoldenberg, 1993; Schockley, Michalove eAlen, 1995; Volk, 1997) de que maneira a edu-cação escolar se relaciona com os processoseducacionais que ocorrem em outros ambien-tes, particularmente na família, já que esta e a

escola costumam ser definidas com os doi:ambientes mais importantes de socializaçãoMas, ainda que pareça paradoxal, os dois cenários, que aparecem tão claramente como algcdistinto na mente dos estudantes, ou das pessoas que de dedicam profissionalmente à educação, parecem confundir-se na mente de seu:protagonistas. Isso será visto agora a partir drdois exemplos. O primeiro procede de um romance relativamente recente, ''As cinzas deÂngela"; nele, Frank McCourt recorda sua infância e vale a pena, embora seja quase trágico, deter-se um instante para ver como, em sua:lembranças, entrelaçam-se os personagens qtHpovoam a escola, a família e outras instituições

Em toda parte tem gente que presume E

que se lamenta das penalidades de seu:primeirosanos.masnada pode secamparar cc;n a versão irlandesa: a pobreza; cpc.:des:::cupado.loquaze alcoólatra;amãepiedosa e derrotada, que geme junto acfoge: os sacerdotespomposos;os professares de escola, despóticos;os inglesesEas coisastão terríveisque nos fizeramdurante 800 longos anos (McCourt,1996/1999,p. 9).

Não há muito o que dizer diante deSSEtexto, que mostra como, entre as lembrançasmisturam-se muitas experiências vividas nosmais variados cenários. Mas veja agora o se·gundo exemplo, certamente menos poéticoVamos nos fixar nas respostas de um menincentrevistado no transcurso de uma pesquisacujo objetivo era explorar as relações entre c

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que as crianças aprendem em casa e o queaprendem na escola. Para compreender as per-guntas da entrevistadora, convém assinalar queuma primeira revisão da bibliografia especia-lizada (Delgado-Gatain, 1990; Dickinson, 1994)mostrara, entre outras coisas, que se a escolaensina algo são as habilidades relacionadas coma alfabetização, mais especificamente com alecto-escrita e a matemática; pensando, poroutro lado, que se na escola meninos e meninasaprendem a ler e a escrever e em suas casaspassam longo tempo assistindo à televisão, de-cidiu-se fazer-lhes algumas perguntas sobre otema:

Entrevistadora: Você,David, o que prefere, lere escrever ou assistir à televisão?

David: Assistir à televisão.Entrevistadora: E entre ler e escrever?David: Bom (em dúvida) [...]. Ler algumas

noites e também de manhã eu prefiro [...].

Não era difícil prever que o menino pre-fere assistir à televisão a ler ou a escrever. Pode-se afirmar que a entrevistadora já conhecia aresposta do menino. Mas, se se prossegue coma entrevista, constata-se o que significam paraele tais habilidades.

Erurevistadora: Você prefere ler, não é? [...] epara o que você acha que serve ler e escrever?

David: Para aprender.Entrevistadora: Mas, para aprender o quê?David: Para aprender quando você for maior,

para aprender se for professor, para aprender melhor,para explicar bem as coisas às crianças e tudo isso.

Está claro que o menino associa essas ha-bilidades à escola. É difícil saber com precisãoo que pretende dizer com sua expressão "Paraaprender quando você for maior". Certamentese refere a que na escola aprende coisas quelhe servirão no futuro, mas que lhe servirãoainda mais se for professor e tiver de ensinaràs crianças. Ler e escrever, diz ele, serve paraensinar, e isso é uma amostra de que a criançarelaciona tais habilidades com a escola e, so-bretudo, com o que seu professor sabe fazer.Mas veja o papel que lhes atribui na vida coti-diana, por exemplo, quando seus pais realizamessas atividades:

Entrevistadora: Então ler é muito importante,não? E sua mãe ou seu pai, eles escrevem ou não?

David: Minha mãe não.Entrevistadora: Sua mãe nunca escreve?David: Não, nunca não, às vezes.Entrevistadora: Quando você a vê escrever?David: Escrever? [...]. Não sei. algumas vezes

quando vai fazer compras escreve coisas. e tambémme faz as contas. Não. não faz as contas, mas setenho algum número errado, ela apaga e escreve onúmero como se fosse o meu. É que ela faz os nú-meros muito bonitos e então não quer fazer paraque a professora veja e diga: "David, este quem fezfoi sua mãe", então faz os números como os meus.

As respostas do menino revelam com cla-reza que o fato de escrever em casa ou na es-cola parecem ser coisas distintas. Sua mãe, elediz, não costuma escrever. Mas imediatamen-te se dá conta de que ela o faz com uma utili-dade, quando vai às compras. Também escre-ve quando, imitando a letra do menino, ajuda-o a fazer as contas. E algo parecido ocorre quan-do seu pai realiza tais atividades:

Entrevistadora: Ah! Está bem, então. E seu paiescreve ou não?

David: Meu pai, às vezes quando vai pintar,chama pelo telefone [...] para endereços.

o pai de David é pintor e escreve quandodeve anotar os endereços de seus clientes. Emsuma, o menino no início associava a escrita àescola, mas, ajudado pela entrevistadora, des-cobre que também pode ser útil em outras cir-cunstâncias.

Esperamos que nosso leitor (ou leitora)tenha se interessado pelo modo como as pes-soas relacionam os diferentes contextos em queaprendem, pequenos ou maiores, sobretudo omodo como parece necessário estabelecer re-lações entre diferentes cenários educacionais.É sobre esse tema que refletimos nas páginasque seguem. Neste capítulo, organizamos oscomentários em três grandes blocos temáticos.Em primeiro lugar, o que se entende por cená-rios educacionais; interessa destacar, sobretu-do, como tais cenários estão associados a de-terminadas práticas que as pessoas realizamneles e, além disso, explorar de que modo de-terminadas práticas educacionais familiarespodem interagir com as ocorridas na escola.

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Exploraremos, em segundo lugar, em que me-dida existe continuidade ou descontinuidadeentre essas práticas e, para isso, nos detere-mos em dois aspectos sobre os quais insistemdiversos trabalhos que trataram do tema (Colle outros, 1992) e que, ao tratar dos conteúdosque meninos e meninas aprendem na escola,referem-se a conhecimentos e atitudes; nestecapítulo, abordamos as relações entre conhe-cimentos escolares e cotidianos e a como asatitudes e os valores podem estar presentes nosdois contextos. Mencionaremos, finalmente, di-ferentes empenhos e caminhos pelos quais é pos-sível estabelecer pontes entre a família e a esco-la. É preciso advertir, em todo caso, que em ne-nhum momento se pretende dar receitas queindiquem aos professores o caminho pelo qualatuar sem desviar-se; preferimos sugerir âmbi-tos de reflexãoque orientem as práticas que cadaprofissional realizará.

A FAMíLIA E A ESCOLA COMOAMBIENTES EDUCACIONAIS

o que significa entender a família e a es-cola como ambientes educacionais em que osmeninos, as meninas e as pessoas adultas sedesenvolvem e constroem o conhecimento? Va-mos nos deter um momento na noção de am-biente educacional, que pode ser consideradoum contexto, e esclareceremos o sentido queadquire em nosso trabalho, no qual é entendi-do, acima de tudo, como um contexto social.O termo é bastante amplo. São muitos os au-tores que poderíamos citar para esclarecer osentido que adquire agora a idéia de contextoquando se destacam dele suas dimensões so-ciais, culturais e históricas (por exemplo, Cole,1996; Erickson e Shultz, 1997; Rogoff, 1993).O contexto é inseparável de contribuições ati-vas dos individuos, seus companheiros sociais,as tradições sociais e os materiais que se ma-nejam. Desse ponto de vista, os contextos nãodevem ser entendidos como algo definitivamen-te dado, mas que se constroem dinamicamen-te, mutuamente, com a atividade dos partici-pantes. Pode-se pensar então por que a escolae a família podem ser entendidas como con-textos educacionais do desenvolvimento. Maisuma vez, o exemplo citado antes com relaçãoao significado que tem para David a escrita

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 405

pode servir como ponto de partida. Dessa pers-pectiva, tanto o contexto familiar como o daescola são constituídos por pessoas que desem-penham um determinado papel e que, além dis-so, utilizam instrumentos que cumprem deter-minadas funções. Assim, no caso de David, acriança associa os papéis sociaisde seus pais aosinstrumentos que eles utilizam em seu contex-to de trabalho, nesse caso, a escrita; por exem-plo, seu pai escreve quando precisa anotar osendereços de seus clientes, e a mãe, quando vaifazer compras. Tal atividade, porém, parece teroutro significado na escola, e omenino a relaci-ona com a função de ensinar que seu professordesempenha. Com o exemplo, quer-se mostrarque os contextos, que são designados agoracomo ambientes educacionais, são delimitadospelo que os indivíduos fazem, onde e quandofazem e, nesse sentido, como as pessoas que in-teragem chegam a constituir o contexto para osdemais. O que interessa mais agora é o modocomo os diferentes contextos ou ambientes nosquais se desenvolve a vida infantil podem vin-cular-se entre simediante um intercâmbio, tan-to entre os instrumentos utilizados como entreas pessoas que participam neles.

Neste item, abordaremos os conceitosque contribuem para caracterizar aquilo quese pode entender como ambiente educacio-nal, de forma que se compreendam melhor asrelações que se podem estabelecer entre elespara tomar mais fácil a construção do conheci-mento escolar.Assumindo uma perspectiva te-órica inspirada nos trabalhos de Bronfenbrenner=19E7~ e \'ygostsky (1991), e também em al-guns outros autores que mais recentemente oseguiram de perto, se verá em primeiro lugarem que sentido se diz que a família e a escolaconstituem ambientes educativos e, logo emseguida, refletiremos sobre como esses am-bientes são inseparáveis dos que estão pre-sentes neles. Vamosnos aprofundar, finalmen-te, em como a aprendizagem pode serfavorecida nesses ambientes e, para isso, nosfixaremos no conceito de comunidade de prá-tica. É importante advertir, em todo caso, queembora as próximas reflexões se apóiem emtrabalhos de inspiração ecológica e sociocul-tural, em nenhum caso se quer excluir outrasperspectivas teóricas; como se verá maisadiante, o modelo teórico que se adota não étotalmente independente do problema que se

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aborda, Uma síntese dessas questões aparecena Figura 24.1.

Ambientes educacionais eaquisição de padrões culturais

Que a família é o contexto mais impor-tante nos primeiros anos de vida da criançaninguém questiona. O saber popular descrevebem tal ambiente, afirmando que as meninase os meninos adquirem ali as primeiras habili-dades: na família, aprendem a rir e a brincar,aprendem os hábitos básicos - por exemplo,aqueles relacionados com a alimentação - eoutros muito mais complexos - por exemplo, arelacionarem-se com as pessoas. Tradicional-mente, porém, insistiu-se que a família não é oúnico agente educacional possível. O processocomeça nela, mas não termina ali:

o mundo exterior tem um impacto consi-derável desde o momento em que a crian-ça começa a relacionar-se com pessoas,grupos e instituições, cada urna das quaislhe impõe suas perspectivas, suas recom-pensas e seus castigos, contribuindo, as-

sim, para a formação de seus valores, desuas habilidades e de seus hábitos de con-duta (Bronfenbrenner, 1993, p. 16).

Bronfenbrenner examina os ambientes dodesenvolvimento humano assinalando que mui-tas vezes se dá ênfase às dimensões individuais,esquecendo-se das interações dos fatores queconstituem esses ambientes e, sobretudo, daspessoas presentes. Para ele, tal formulação dei-xa de fora muitos elementos que poderiam con-tribuir para explicar os ambientes humanos eos processos de socialização que se produzemneles. O autor propõe abordar os contextoseducacionais do desenvolvimento com base nosseguintes pressupostos:

1. Em contextos de desenvolvimentoprimário, a menina e o menino po-dem observar e assimilar padrões deatividade em uso, progressivamen-te mais complexos, juntamente comou sob a orientação de pessoas quetêm conhecimentos ou habilidadesainda não-adquiridos e com as quaisse estabeleceu urna relação emocio-nal positiva.

Ambientes educacionais

"Atividades mediadas"

Conhecimentoscotidianos e escolares

Valores e atitudes

"Identidade dos que participam"

Mediadores?

FIGURA 24,1 ,';Ipns conceitos para compreender os ambientes educacionais.

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2. Um contexto de desenvolvimentosecundário é aquele que oferece aospequenos oportunidades, recursos eestímulos para envolvê-los nas ati-vidades que aprenderam nos contex-tos primários, mas agora sem a in-tervenção di reta ou a orientação deoutras pessoas.

3. O desenvolvimento potencial de umambiente depende do grau em queterceiros presentes nele apóiem oudestruam as atividades daquelesatualmente envolvidos na interaçãocom a criança. Por exemplo, quan-do o pai constitui um apoio para amãe, esta é mais efetiva na alimen-tação de seu filho, enquanto que oconflito matrimonial é associado adificuldades da mãe nessa alimen-tação.

4. O desenvolvimento potencial de umambiente educacional é incremen-tado em função dos vínculos quepodem se estabelecer com outrosambientes. Um exemplo disso são osprogramas que, envolvendo ativida-des relacionadas com a lecto-escri-ta, propõem-se a criar pontes entrea escola e a casa.

A atividade mediada por instrumentos

Convém, agora, descrever os ambientes aque se refere Bronfenbrenner e, para isso, é par-ticularmente útilfixar-se nas contribuições dapsicologia sociocultural, mais especificamenteno conceito de "atividade mediada por instru-mentos". Sabe-se bem que o conceito de ativi-dade desempenhou um papel central na psico-logia soviética. Basta recordar as contribuiçõesde Leontiev ou Vygotsky profundamenteenraizadas na psicologia marxista (Wertsch,1981). Em termos gerais, pode-se dizer que umaatividade humana, e naturalmente a que ocorreem um ambiente educacional, é consideradacomo uma formação sistêmica, coletiva e histó-rica, e, sobretudo, que nessas atividades as re-lações entre as pessoas e os objetos são media-das por instrumentos não apenas materiais, mastambém simbólicos. Kozulin (1996) mostracomo Vygotsky aborda o tema e relaciona com

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 407

a atividade mediada o surgimento de proces-sos intelectuais propriamente humanos; pode-se dizer, estendendo a formulação de Kozulin,que esses processos psíquicos ocupam, nas es-colas ocidentais, um lugar privilegiado, daí ointeresse do tema quando se trata de relacionardiferentes contextos educacionais. Mais adian-te voltaremos à questão.

o desenvolvimento dos processos de abs-tração, que ocorrem apenas no processode crescimento infantil e no desenvolvi-mento cultural, está ligado inicialmente aouso de instrumentos externos e à elabora-ção de formas complexas de conduta(Luria e Vygotsky;1992, p. 142).

Ou seja, o pensamento abstrato implicaum sistema funcional em que se participa e queproporciona o contexto, o motivo e as ferra-mentas para construir as funções culturais bá-sicas. Outros autores também insistiram naidéia de que a atividade humana é mediadapor signos e outros instrumentos culturais. Osseres humanos, dizem-nos, têm acesso ao mun-do apenas de forma indireta ou ~ediada(Wertsch, deI Río e Alvarez, 1995). E impor-tante assinalar que essa mediação incide tantono modo como se obtém informação do mun-do como na ação que o transforma. Cole (1996)também se aprofundou nessa idéia de media-ção que descreve as relações das pessoas como mundo e com os demais e introduz o concei-to de artefato. Mas o que são esses artefatos aque se refere o autor? Embora normalmentese pense neles como objetos materiais, agoraserão considerados, ao mesmo tempo, comoobjetos ideais e materiais. São ideais à medidaque sua forma material for conformada por suaparticipação em atividades sociais. O mundo,diz ele, existe para além de sua exemplificaçãomaterial. Para compreender tal conceito, pode-se pensar, por exemplo, em um instrumentocomo o computador, presente em algumas esco-las e em determinadas famílias. Embora tal ins-trumento tenha uma determinada caracterís-tica como objeto físico, também é verdade queas pessoas associam a ele determinados signi-ficados, tanto subjetivos como imersos na cul-tura. Para explicitar o que se entende como uminstrumento ideal, e prosseguindo com o exem-plo, pode-se pensar no significado que atribu-

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",r::. a esse objeto as pessoas mais jovens da fa-::nilia (nesse caso, adolescentes realmente fa-:niliarizados com o mundo informático) e asmais velhas (talvez o avô ou a avó) que desco-nhecem e temem o novo artefato. O mundoideal relaciona-se, em suma, com o significadoque, em situações históricas e culturais deter-minadas, as pessoas atribuem ao mundo físicoque manipulam.

Certamente, algum leitor (ou leitora) es-tará se perguntando por que interessa o temada atividade mediada quando se quer estabele-cer relações entre diferentes ambientes educa-cionais. Gardner (1993) proporciona interessan-tes comentários à questão quando se pergunta"o que as escolas ensinam". Em sua opinião, énecessário destacar o papel que desempenhanelas o uso de diversos sistemas notacionais as-sociados muitas vezes à necessidade de utilizarum pensamento abstrato que nem sempre é ne-cessário pôr em prática quando se trata de re-solver atividades da vida cotidiana. Portanto,pode-se pensar que é essa distância entre dife-rentes tipos de conhecimento o que contribuiàs vezes para delimitar distâncias entre a famí-lia e a escola. Tratar-se-á do tema, de forma re-corrente, ao longo das páginas seguintes.

Aprender em uma comunidade

Até o momento se falou de instrumentoseducacionais mediados por instrumentos e in-sistiu-se também no caráter social das ativida-des humanas; vamos nos centrar, agora, nosprocessos de aprendizagem que se produzemneles. Quando se trata de estabelecer relaçõesentre as situações de aprendizagem que ocor-rem na família e na escola, é particularmenteútil o conceito de comunidade, já que, comose mostrou anteriormente, o contexto adqui-re. nesse âmbito, uma importância particular.~ogoff (1994, p. 209) definiu o conceito de= =ct:nidade mencionando diretamente os pro-:",55=:5 de aprendizagem.

.~ :iéia de comunidade de aprendizagens::'-':':1camenta-sena premissa que a apren-_c~;:':52m ocorre quando os indivíduos parti-.. :: ':.--: ,,!7l empreendimentos compartilhados:: --~ : ~~2'2S pessoas, de modo que todas:-=ô-=~.;::::;-~lampapéis ativos, embora mui-

tas vezes assimétricos, na atividadesociocultural. Isso contrasta com modelosde aprendizagem que se fixam em uma daspartes, embora ocorra a partir da trans-missão de informação do especialista, em-bora mediante a aquisição de conhecimen-to por parte dos novatos, isto é, centram-se isoladamente em quem ensina ou apren-de de forma passiva (respectivamente).

A aprendizagem é definida, então, comoum processo de transformação da participação,argumentando que o modo como as pessoasse desenvolvem está em função dos papéis quedesempenham e a compreensão das atividadesde que participam. Em uma perspectiva simi-lar que aborda os ambientes educacionais apartir do conceito de "comunidade de práti-ca", Lave e Wenger (Lave e Wenger, 1991;Wenger, 1998) destacam a necessidade de con-siderar modelos sociais de aprendizagem. Naopinião desses autores, muitas teorias da apren-dizagem esqueceram que os seres humanossão, antes de tudo, seres sociais, e que a socie-dade, a cultura e a história são as precondiçõesde nossa vida como seres humanos. A seu ver,existem teorias que reduzem a aprendizagemà capacidade mental dos indivíduos e que co-meçam e acabam nestes. Tais teorias insistem,por exemplo, nas diferenças individuais, esta-belecem mecanismos de comparação e marcamlimites para o que se considera melhor ou pior,definindo padrões de excelência que os indiví-duos deverão alcançar. Ao contrário, esses au-tores preferem considerar a aprendizagemcomo algo social e coletivo, assumindo comoprincípio fundamental para explicá-lo a parti-cipação dos alunos em práticas situadas social-mente. Daí o nome de aprendizagem e conhe-cimento situados. Vejamos como se referem aele:

o argumento desenvolvido por EtienneWenger e por mim mesma (Lave eWenger,1991) é que a aprendizagem é um aspec-to das mudanças na participação em dife-rentes "comunidades de prática" em qual-quer parte. Onde quer que os indivíduosse comprometam durante períodos de tem-po substanciais, todos os dias, fazendocoisas em que suas atividades em cursosão interdependentes, a aprendizagem é

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parte de sua participação mutante em prá-ticas mutantes. Essa caracterização cabetanto a uma escola como a uma oficinadealfaiate. Dessaperspectiva, não se diferen-ciam "modos de aprendizagem", porqueembora os empreendimentos educacionaisdifiram, a aprendizagem é uma faceta dascomunidades de prática nas quais essesempreendimentos estão imersos (Lave eWenger, 1991, p. 150).

Lave (1993) revisa diferentes modelos deaprendizagem explorando os que ocorrem emdiferentes comunidades. Neles, questiona-seque a descontextualização seja um signo deaprendizagem associada à idéia de que o co-nhecimento curricular é algo racional, diferentedos conteúdos mocais .JiU.\f'S,f>~>iaIr.-ma;.§'prqn~da vida cotidiana; além disso, ensinar e apren-der, em sua opinião, é muito mais que uma"transmissão intencional". Não se pode esque-cer, porém, que a descontextualização tambémocorre em práticas contextualizadas. Dessaperspectiva, o conceito de aprendizagem éinseparável do de prática, de forma que aque-le que aprende não apenas se aproxima do co-nhecimento, mas sim de todo um conjunto depráticas sociais e de valores que se associam aelas. O ensino e a aprendizagem são algo maisque processos analíticos. Sua teoria da apren-dizagem supõe inverter pelo menos três prin-cípios que estão presentes nos modelos tradi-CIOnaIS:

1) eliminar a polaridade de valores quepermite situar a escola em primeirolugar em relação a qualquer outraforma de educação;

2) ir além do conceito de transmissãoque supõe unidirecionalidade entrequem aprende e quem ensina;

3) assumir que a aprendizagem é umaatividade socialmente situada.

Em suma, os autores que trabalham des-de uma perspectiva neovygotskiana destacamo fato de que as pessoas desenvolvem proces-sos psíquicos superiores e constroem conheci-mentos que se tornam significativos a partirdas atividades que realizam nesses contextos.O caráter dialético das relações que constitu-em a experiência humana é acentuado, consi-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 409

derando-se que o conhecimento se configurapor meio da mente, do corpo, da atividade edo ambiente (Lave, 1993). Pode-se perguntarmais uma vez sobre as implicações desse mo-delo quando se trata de estabelecer pontesentre a escola e a família. Já não se trata depôr em primeiro lugar o conhecimento esco-lar, visto que facilita habilidades mentais comoa descontextualização, mas sim de reconhecerque cada cenário educativo tem suas peculia-ridades e que o conhecimento que se adquireneles é inseparável de um conjunto de práti-cas. Ousaríamos sugerir que essas práticas éque permitirão estabelecer nexos entre os ce-nários. Trataremos disso em seguida.

CONTINUIDADE OUDESCONTINUIDADE ENTRE CENÁRIOS?

Já se destacou que não parece possívelnegar que entre a casa e a escola existem im-portantes descontinuidades (Hoffman, 1991;Wells, 1999). Entre os aspectos que as caracte-rizam, pode-se considerar os seguintes (ver Fi-gura 24.2):

1. Quando o menino (ou a menina)incorpora-se à escola, passa davivência em um grupo reduzido afazer parte de outro grupo muitomais amplo. Jackson (1991), porexemplo, assinala que a maioria dasatividades escolares é feita com ou-tros ou na presença de outros, fatoque tem profundas implicações navida do estudante.

2. A casa é caracterizada pela informa-lidade e pela liberdade, enquantoque na escola o trabalho infantil estásubmetido, entre muitas outras coi-sas, a um horário, que implica a or-ganização do tempo e do espaço.

3. Enquanto que em casa o meio fun-damental de expressão é a línguaoral, na escola passam para o pri-meiro plano outros códigos lingüísti-cos relacionados, sobretudo, com alecto-escrita.

4. Também os ambientes de aprendi-zagem diferem de forma importan-

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A organização espaço-temporal

o papel do grupo

A ESCOLA

As relações sociaisDiscurso oral e lecto-escrita

FIGURA 24.2 A casa e a escola: dois universos diferentes?

te nos dois contextos: em casa, ascrianças aprendem de forma natu-ral e em contextos reais onde suasatividades têm uma utilidade e umafuncionalidade imediatas. Ao con-trário, na escola, a aprendizagem éformal, deliberada, consciente e nãosupõe um contexto imediato de uso.

Tais descontinuidades são ainda maioresse nos fixarmos em culturas não-ocidentais emque a escola está isolada do sistema no qual ascrianças vivem no cotidiano.

Pode-se perguntar, agora, até que ponto00 que se vive em casa e na escola é represen-tativo de dois universos diferentes. Gallimoree Goldenberg (1993) mostram que as famí-lias em geral, inclusive as mais humildes, atri-buem grande valor às tarefas escolares e àe.iucacào acadêmica. As famílias que partici-~ ?.:'2.El em seu estudo expressavam com ela-:-=:3 -iue as atividades escolares permitiram a:::'ê:::::-::S e meninas ser alguém em sua vida:'-,::·..:::-a '::s autores assinalam também que pais= :::.ã",s ::Eseja\-am,além disso, que seus filhos::,:=-=~t::t:ssem na escola pelo maior tempo:::::::-.-=:. talvez porque eles próprios não ti-·:êSSêrr:. ::.:: essa oportunidade. Em suma, os3:j.-..:.:::s manifestavam que as tarefas escola-

res, e particularmente a lecto-escrita, são ins-trumentos essenciais para poder progredirsocial e economicamente. Pais e mães tambémintroduziam em suas casas práticas que habi-tualmente se realizam na escola. Por exem-plo, alguns ensinavam a seus filhos letras esons, inclusive em idade pré-escolar, mesmoquando as atividades ainda não faziam partedo currículo.

TambémCooper e outros (1994) insistemque muitas vezes os fracassos na escola se de-vem a uma falta de convergência entre a cul-tura escolar e a da casa. Exploram a estabili-dade e a mudança nas aspirações educacionais,vocacionais e morais de pessoas adultas comrelação a seus filhos e a suas filhas, desde ainfância até a adolescência, quando as famíli-as se vêem obrigadas a emigrar para outros pa-íses ou se movem para um novo nicho ecológi-co dentro de sua própria cultura. Fixam-se, so-bretudo, em como as próprias experiênciaspodem incidir nas aspirações. Os dados dessetrabalho procedem de uma amostra de 72 fa-mílias, a metade delas mexicanas e a outra me-tade européias, imigrantes de baixa renda nosEstados Unidos. Os resultados mostraram queos dois tipos de famílias tinham aspirações edu-cacionais elevadas que, por sua vez, dependiamdo nível educacional. Queriam para os filhos eas filhas algo mais do que os pais e as mães

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· tinham conseguido. Contudo, tinham consciên-cia dos problemas que isso poderia implicar,sobretudo o distanciamento de sua própria fa-mília. O que os estudos mostram, em nossa opi-nião, é a consciência social de que a escola e acasa são ambientes diferentes de ensino eaprendizagem que necessariamente são chama-dos a entender-se.

Opiniões muito semelhantes foram ma-nifestadas pelas famílias dos meninos e das me-ninas com as quais se trabalhou em uma esco-la de ensino fundamental. Na conversa trans-crita a seguir, e que sem dúvida nos aproximada realidade de algumas famílias espanholas,se verá o que significa a escola para a mãe quelembra sua própria infância. É dramático, nãohá como negar, o modo como descreve as rela-ções com seus pais. Nas respostas, revela-se comclareza o que ela esperava de sua família, masnão teve. Ao ler, fica fácil adivinhar o que elaquer dar a seus filhos e o que espera da escola:

Mãe: Porque eu também fui uma menina quenão tive apoio em minha casa, nenhum, nenhum,nenhum, nenhum. E não posso dizer jamais que tivepais que tenham me tirado de um apuro. Nunca.Nem ter pais para contar-lhes coisas, nem ter paispara que me digam, nem ... para repreender-me compaciência, não.

Entrevistadora: E o que lhe acontecia?Mãe: Meus pais só estavam para mandar tra-

balhar, para tomar meu dinheiro e enfiar-se no bare beber, foi isso o que tive ... mas já foi. Para ter-mecomo escrava, nada mais. Depois me cansei de tra-balhar e gostava de me divertir um pouquinho esair com as amigas, mas não pude sair porque medisseram que era preciso manter a ordem em mi-nha casa. E não quero que amanhã meus dois bebêspassem o mesmo, porque isso eu já vivi.

Mas a conversa continua e o que interes-sa ressaltar agora é que, na opinião dessa mãe,a escola poderá poupar seus filhos da situaçãoque ela teve de viver. De qualquer forma, suaspalavras parecem revelar apenas uma certaconsciência de que a escola serve para algo,para evitar a miséria; certamente não conse-gue explicar melhor, mas o intui:

Entrevistadora: E como você acha que issopode poupá-los? Acha que o que aprendem lá naescola lhes serve para alguma coisa?

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 411

Mãe: Sim, pegam coisas. Não tudo o quedeviam, mas alguma coisa vão pegando. Olha quese não estivessem no colégio, então, o que seriadeles? Com a idade que têm agora desde que co-meçaram a ir mal e mal, se os tirasse do colégioestariam perdidos.

Ao ler as palavras dessa mãe, comprova-se, por outro lado, a distância tão enorme quepode existir entre as famílias e as escolas. In-clusive tem-se de reconhecer que muitas vezesos professores, que passam grande parte dotempo com os meninos e as meninas, desco-nhecem essas situações. Nas páginas que se-guem, nos aprofundaremos no tema da conti-nuidade e da descontinuidade entre os cenári-os educacionais. Primeiro, o processo de cons-trução de conhecimentos e em como as práti-cas familiares podem incidir, por diferentes ca-minhos, na aprendizagem escolar; em, segun-do lugar, as situações educacionais relaciona-das com a aquisição de atitudes e a construçãode valores, processos que também revelam oscaminhos que podem tomar as relações entrea família e a escola.

Construir conhecimentos

Vamos nos deter um momento em um tra-balho realizado há muitos anos por ShirleyBrice Heath (1983), uma psicóloga norte-ame-ricana, que nos permitirá compreender comoo uso e o significado de algumas habilidadesque são tradicionalmente adquiridas na esco-la, mais especificamente a lecto-escrita, estãoestreitamente relacionadas às práticas famili-ares. O trabalho mostra com clareza que quan-do meninos e meninas chegam à escolajá pos-suem um conjunto de conhecimentos que te-rão de ser necessariamente levados em contapor quem ensina. Heath descreveu o significa-do e a função que a leitura e a escrita têm emduas diferentes comunidades de trabalhado-res, uma negra e outra branca, situadas na re-gião de Piedmonton em Carolina (EUA), eimersas na tradição da indústria têxtil e docultivo do algodão. Em cada uma delas, o am-biente de meninos e meninas é geograficamen-te limitado até irem para a escola. No livro quecontém seu trabalho, argumenta-se como me-ninos e meninas aprendem a utilizar a lingua-

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gem de formas diferentes, em função do modocorno cada comunidade estrutura suas famíli-as, definem os papéis sociais que seus mem-bros podem representar e também em relaçãoaos conceitos de infância que orientam a soci-alização dos menores. Nas comunidades estu-dadas pela autora, as crianças têm diferentescaminhos para socializarem-se, já que existemdiferentes tradições na interação face a face ena forma de estabelecer relações com o mun-do exterior. Vejamos alguns detalhes.

Na comunidade branca de Roadville, avida se organiza em redor da casa ou dentrodela. É importante destacar que as distânciasno tratamento entre crianças e adultos são cla-ras e que os pequenos devem dirigir-se aos maisvelhos "com respeito". Quando meninos e me-ninas começam a ir à escola, existe urna certacontinuidade, porque as idéias sobre o que sedeve aprender e ensinar são muito similaresna família e na escola. Por isso, urna vez que ascrianças se integram no meio escolar, as famí-lias descarregam ali suas responsabilidades. Ascrianças chegam do colégio carregadas de tes-temunhos sobre o valor da leitura e da escrita,mas com poucos modelos do que são as ativi-dades lecto-escritoras. Ou seja, as famílias va-lorizam omeio escrito, ainda que a relação comele seja relativamente distante. Ao contrário,na comunidade negra de Trackton, os peque-nos se movimentam com liberdade pelo bair-ro, sem regras que limitem o espaço ou o tem-po das interações sociais. Tudo isso suporá queos pequenos se aproximam do mundo do im-presso de formas distintas, aprendem assim queexistem muitas formas de falar sobre o mundoescrito e de cantá-lo. Nessa comunidade, me-ninas e meninos não ouviram louvores sobreessas atividades, mas se viram imersos em de-bates sobre o que significam as letras, as car-tas ou os bilhetes.

Mas o trabalho de Heath não se limitaê.::;::eEasa corno meninos e meninas se aproxi-:::?J:::: da linguagem na família, mas também-:::,:::.:::..i::ta o modo corno os pequenos se inte-;::-:c =a escola. Em princípio, poderia imagi-::'=':-·Õ-:: ,:::~e quanto mais os pais e as mães~.i.'::2:s.::=- ::::n as crianças, maior êxito teriam:::::., ,.2":',,= :'e 3.;.11a. Contudo, as coisas não ocor-:e=- e:·:::.:-=-=-e:1:e assim; é a qualidade da con-.,':::"'a.. e :::~= a quantidade, que faz com que:~*~, =~::; :-"~:~:?a:-a os meninos e as meninas

da cidade estabelecerem relações entre di-ferentes contextos. Assim, as crianças deRoadville têm poucas oportunidades para cons-truir narrativas, estabelecer novos contextos ou"manipular" oralmente determinados traços doambiente. Tudo isso pode contribuir para queseus êxitos na escola sejam menores. Contu-do, observa-se que as crianças de Trackton es-tão muito mais bem-preparadas para a mudan-ça que a escola supõe. Viu-se corno nesse am-biente os pequenos não precisam aceitar pas-sivamente os esquemas que os adultos lhes pro-põem, mas constroem outros no mundo com-plexo dos estímulos que recebem. Apesar detudo, essas crianças recebem muito pouca aju-da em relação a algumas estratégias que facili-tariam posteriormente o trabalho na escola.

A leitura do livro de Heath sugere de ime-diato urna pergunta: o que podem proporcionaraos professores trabalhos como este? De formaexploratória, ousamos sugerir algumas idéias:

a) instiga-nos a aceitar que meninos emeninas atribuirão significados distin-tos às práticas escolares em função dasexperiências prévias que tenham vivi-do em sua própria família;

b) aponta para a necessidade de desco-brir progressivamente as experiênciasque contribuem para atribuir esses sig-nificados;

c) não acreditamos que uma boa estraté-gia de ensino sejasubstituir tais interpre-tações ou estratégiasde aproximaçãodomundo impresso, próprias do ambientefamiliar, por aquelas que a escola pro-porciona, mas que se deveria respeitá-las e construir-se a partir delas;

d) o contato com a família e a participa-ção desta na vida da sala de aula con-tribuirá para que essa construção sejapossível.

Infelizmente, não existem, na Espanha,muitos estudos que estabeleçam de forma tãoclara as relações entre a família e a escola. Tem-se, porém, alguns exemplos que mostram cornopais e mães se aproximam do mundo da lecto-escrita por meio de práticas muito diferentes.Urna mãe, entrevistada com o objetivo de sa-ber se em algum momento tinha se preocupa-

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do em aproximar seu filho do meio impresso,descreve assim o modo como o ensinava a lere a escrever quando era menor:

Entrevistadora: Não se lembra? e você o ensi-nava (a ler) em casa?

Mãe: [... ] Eu o ensinei, sim..Entrevistadora: Conte-nos como fez.Mãe: Bom, não é que lhe ensinava, porque ele

era ... era muito pequenininho e [...], sei lá, eu cha-mava a atenção dele para os letreiros das ... das lojase tudo isso. E aíjá dizia "mamãe, com a língua atra-palhada que não se entendia, pois aí diz isso". E, seilá, ocorreu a meu marido, se você quiser compramosuma cartilha dessas de Palau, dessas antigas. Digo,bem, então compre, mesmo que seja para ver osbonequinhos, E elevendo os boneq!!lnJ.lDs, entãD [. .. ]

Observa-se,claramente, que para essamãeaprender a ler é algo fundamental e que, cer-tamente, a família assume a idéia de que o me-nino irá aprendendo a ler mediante o contatocom o meio escrito, tendo ainda o apoio daspessoas adultas. Também é interessante obser-var como a mãe se referia à leitura e a faziapresente na vida domenino por meio dos contos.

Entrevistaâora: [...] E o que lia?Mãe: Contos. Eu lhe comprava contos clássi-

cos (Branca de Neve ...)Entrevistadora: E você lia com ele ou não?Mãe: Sim, bem, isso era todas as noites.Entrevistadora: É mesmo?Mãe: Líamos muitos contos, que são os que

ele mais gostava, e assim vai, e claro, eu lhe dizia"isto você já pode ler", "isto já não preciso ler". E elelia o final, que era o que mais gostava.

A partir do diálogo anterior, pode-se di-zer que a leitura se tornara quase um jogo parao menino e sua mãe. Por outro lado, é interes-sante assinalar que são inúmeros os trabalhosque estabeleceram uma relação entre a leiturade contos na família e o rendimento escolarposterior (ver, por exemplo, Snow e outros,1991). Mas vejamos agora outro exemplo quemostra que, também na Espanha, existem en-tre as famílias outras aproximações muito di-versas do mundo impresso. No diálogo seguintecom outra mãe, observa-se que, para ela, es-crever é uma tarefa absolutamente escolar,mesmo quando se realiza na família, e que,I'

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 413

além disso, o único significado que os pais pa-recem atribuir-lhe é o de uma tarefa que deveser realizada por obrigação: '

Entrevistadora: E (seu filho), o que ele gostamais, ler ou assistir à televisão?

Mãe: Esse, ler não!Entrevistadora: Mas ele não gosta de nada?Mãe: Não, ele faz seus deveres, o que lhe man-

dam e pronto.Entrevistadora: Não faz mais nada?Mãe: Seu pai manda muitas vezes, porque seu

pai é severo, então seu pai lhe diz ... "venha, façaagora essa folha, na frente e atrás", e manda os doisfazerem muitas tarefas.

Entrevistadora: Mas manda as que trazem doCOlégioou outras?

Observa-se, portanto, que a tarefa esco-lar é algo imposto e, além disso, sem nenhumsignificado. Trata-se apenas de copiar o textona frente e atrás. Se se prossegue com o diálo-go, vê-se que a pesquisadora lhe pede uma ex-plicação mais ampla, talvez porque não estejamuito certa de que entendeu bem:

Entrevistadora: Ou seja, que ele passa os de-veres por sua conta, mas de livros do colégio oucomo?

Mãe: Ele pega por exemplo ... diz a eles "tra-ga-me um livro" dos antigos que temos, desses queforam passados a eles nos colégios, e diz ao menino"você me copia isto nesta folha e atrás", e às vezestambém lhe passa outra folha de contas na frente eatrás, e lhe passa muita tarefa, sabe? eu ... como soumuito frouxa, mas é que me dá uma coisa que ascrianças estão só ficam fazendo tarefa; e diz "quan-do eu chegar ", que ele chega às oito, diz "querover o trabalho dos dois".

Entrevistadora: E ele os corrige ou não?:\'Iãe: Sim, bem ...! "isto você fez mal, isto você

vai fazer duas vezes amanhã em vez de uma", por-que é muito severo ...

Entrevistadora: Ah, é?

Apergunta que surge diante deste diálo-go é se essas práticas familiares terão algumaincidência no rendimento escolar da criança e,inclusive, no interesse que ela tenha no futuroimediato ou a médio prazo, quando se aproxi-mar dos conteúdos escolares. Comojá se men-cionou, não existem muitas pesquisas na Espa-

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414 COll, MARCHESI, PAlACIOS & COlS.

nha que tenham tratado abertamente dessaquestão (Acuíia e Rodrigo, 1996; Lacasa e ou-tros, 1999; Vila, 1998), mas em todo caso nãoé provável que práticas desse tipo contribuampara facilitar a construção do conhecimentoescolar.

A aquisição de atitudes ede valores compartilhados

Outra questão de enorme interesse écomo a família e a escola podem colaborar naconstrução conjunta de atitudes e de valores.Particularmente significativas a esse respeitosão as contribuições de MaU (MaU e Kurland,1996; MoU e outros, 1992), que, com a inten-ção de derrubar as paredes das salas de aula ereferindo ao que os meninos e as meninas tra-zem à escola sem ter consciência disso, utili-zou o conceito de "base de conhecimento". Pormeio dessa idéia, refere-se diretamente aos va-lores e aos conhecimentos domésticos, às es-tratégias de sobrevivência e, sobretudo, ao fatode que não são independentes da prática e es-tão distribuídos socialmente.

As casas ern rlOSSOexemplo compartilhamnãc a?E:13,So :o:-U-.e:L':1E:1torelacionadocom a reparação c.3,Ca53. eu :io autornó-vel, os remédios caseiros, as p.ar.tas e ajardinagem. tal como mer.cicnávarnos,mas também com bases de conhecimentoespecíficos da vida urbana, como o acessoà assistência institucional, a programas es-colares, ao transporte, a oportunidadesocupacionais e a outros serviços. Em suma,as bases de conhecimento domésticas sãoamplas e abundantes. São essenciais navida cotidiana e nas relações da famíliacom outras pessoas da comunidade (MoUe Greenberg, 1990, p. 323).

Vale assinalar que tais bases de conheci-mento se manifestam por meio de atividades,mas não podem ser consideradas como pos-sessões ou características das pessoas; alémdisso, são as relações sociais que proporcionamum motivo e um contexto para adquiri-las eaplicá-las. É fácil pensar, desse ponto de vista,que o contato direto dos professores com asfamílias, tanto na própria escola como visitan-

do as casas, é um elemento decisivo para po-der ter acesso a essas bases de conhecimento.Em suma, o que interessa ressaltar agora é quea escola não pode esquecer o mundo familiare, mais especificamente, a história social dasfamílias, o conteúdo de suas bases de conheci-mento e as metas do ensino de todas as pes-soas adultas que participam no processo edu-cacional da criança.

Mais uma vez, um exemplo das escolasespanholas indica um possível caminho sobrecomo introduzir essas bases de conhecimentona sala de aula; o diálogo que se reproduz aseguir é, além disso, um excelente exemplo decomo se pode realizar uma educação em valo-res no contexto da sala de aula que leve emconta o ambiente familiar. O exemplo procedede uma turma de 4ª série do ensino fundamen-tal, em que um filme da televisão serviu à pro-fessora para entabular com os meninos e asmeninas um diálogo sobre a possível diversi-dade das famílias. Quando o diálogo se iniciou,havia transcorrido mais de metade da aula, e aprofessora ajuda uma das meninas a "contar"que sua família é diferente. Sem dúvida, a pro-fessora está consciente da importância que tempara essa menina verbalizar o fato diante deseus colegas. Está-se diante de um excelenteexemplo de como é possível, a partir do con-ceito de "base de conhecimento", que a pro-fessora traz para a aula junto com seus comen-tários sobre uma série televisiva na qual tam-bém havia famílias diversas, estabelecer pon-tes entre a família e a escola.

Professora: Psiu, agora Ana vai falar e vamosouvi-la. Ana vai nos contar primeiro como é outrotipo de família em que ela convive, certo?, porquevocês formam uma família. Quem está em sua casatodos os dias?

Ana: Minha mãe [...]Professora: Não, em sua casa aqui de Córdo-

ba. Porque essa é a família com que você está, essaé a sua família durante a semana.

Ana: Petri, os gêmeos, Rosa, Fina, eu e [...]Professora: Mas, explique quem é Petri.Ana: Petri é a que cuida de mim.Professora: Claro.

Até esse momento a menina tem dificul-dades de descrever a situação, talvez porque

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não exista um contexto compartilhado de sig-nificados. Ana vive em dois ambientes muitodistintos. Uma família com a qual convive du-rante a semana, e outra, a biológica, com a qualpassa alguns fins de semana. Amenina e a pro-fessora vão esclarecendo o papel da mãe, a pe-quena necessita do apoio da pessoa adulta. Sãonecessárias algumas explicações da professo-ra. Todos os meninos e as meninas prestamatenção sem interromper:

Professora: Ana,vocêjá lhescontouqueméPetri?Ana: A que cuida de mim [...]Professora: Petri é uma senhora, não é, que

comoela não tem filhose que ter uma família,cer-to, Ana?

Ana: Claro.Professora: [... ] Então se dedica a cuidar de

outras crianças que os pais não podem atender eentão, todas essascrianças,comPetri,formamumafamília [...]

Ana: Claro.Professora: [... ] e vivemdurante toda a sema-

na, portanto vocêsvêem outro tipo de famíliadife-rente. Igualmente importante, porque ela viveali asemana toda. David,você está ficando com Espe-rança, não? Equando chega o fimde semanapassacom seuspais. E Petri,por exemplo,que regras elapôs ali na casa?

A partir desse momento, Ana começa asentir-se muito mais segura e será capaz de ex-plicar quais são as normas de acordo com asquais funciona sua própria família. Cada pes-soa tem tarefas a cumprir, e a menina está or-gulhosa disso:

Ana: Cada um faz alguma coisa no tér-reo. Rosa limpa a sala e lava a louça na horado almoço; à noite, arrumo meu quarto e façoo lanche, e meu irmão faz o café da manhã earruma seu quarto. E cada um faz sua cama.Os gêmeos limpam o banheiro, um cada um,porque temos dois, e Fina faz o que sobrar detoda a casa.

Esse diálogo, a nosso ver, é um excelenteexemplo de como o fato de que a escola consi-dere a presença da família nela pode tornar-seuma fonte de educação em valores. Nessa aula,os meninos e as meninas aprenderam a respei-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 415

tar um tipo de famílias não-convencionais, enão apenas a respeitá-las, mas também a com-preender melhor como são. Aproximaram-sedo conhecimento mediante a observação e isso,sem dúvida, contribuiu para favorecer deter-minadas atitudes diante do fato.

COMO ESTABELECER PONTESENTRE A FAMíLIA E A ESCOLA?

Muitos foram os trabalhos que trataramdas relações entre o que meninos e meninasaprendem na escola e fora dela. Na obra deVygotsky (1995), já se encontrou uma refe-rência a esses dois mundos quando fala da gê-nese dos conceitos científicos e cotidianos(John-Steiner, Wandekker e Mahn, 1998). Omenino ou a menina aprenderão uma concei-tuação do mundo, que não é espontânea nosentido de "não-social", mas que está sendocanalizada por outras pessoas, de forma quegradualmente vai se aproximando do pensa-mento conceitual do adulto.

Mas se deve reconhecer que, embora emum plano teórico seja fácil compreender a ne-cessidade de que meninos e meninas estabele-çam relações entre os conceitos científicos e oscotidianos. mesmo quando se trata de favore-cer atitudes não-contrapostas entre o que seaprende em casa e na escola as coisas não sãotão simples. Essas duas formas de conhecimen-to nem sempre se complementam quando ascrianças procuram compreender omundo à suavolta. Apergunta específica neste item é comopais e mães podem colaborar com a escola naconstrução do conhecimento escolar, tarefaque, sem dúvida nenhuma, corresponde à es-cola, mas não pode ser totalmente alheia àscontribuições da família. Vamos nos deter aseguir em dois tipos de propostas das quais nosaproximamos pelos interesses da própria pes-quisa e que constituem um caminho entremuitos outros possíveis. Em primeiro lugar,seria possível estabelecer pontes entre a casa ea escola a partir de um conjunto de instrumen-tos que podem estar presentes nos dois cenári-os: os deveres escolares e os meios de comuni-cação, Em segundo lugar, alguns programasque tratam diretamente de incentivar a pre-sença da família na escola.

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Entre a casa e a escola:um caminho de ida e volta

Muitos trabalhos quiseram aproximar aescola do conhecimento cotidiano (Rodrigo,Rodríguez e Marrero, 1994) ou se preocupa-ram em como conseguir que aquilo que os alu-nos aprendem seja significativo em um con-texto mais amplo que o escolar. Emuma tenta-tiva de estabelecer pontes entre esses dois con-textos educacionais, julgamos que seria possí-vel seguir um caminho inverso, de forma quea família se transformasse, de alguma manei-ra, em mediador na construção de alguns co-nhecimentos escolares. Por exemplo, podiamexistir conhecimentos compartilhados em re-lação a diferentes temas: a educação para asaúde, a compreensão de determinados textosjomalísticos, etc. Em outro lugar, tratamos mui-to mais amplamente desse tema (Lacas a,1999). Em todo caso, o que as pessoas pensamdos deveres e, sobretudo, aquelas que por umaou outra razão os têm próximos? Nesse ponto,como emmuitos outros, surge em seguida umapolémica. Por um lado, seus partidários argu-mentam que essas tarefas podem ser úteis ebenéficas, já que reforçam as aprendizagensescolares. Por outro, seus detratores atribuema eles um valor duvidoso, porque consideramque privam os meninos e as meninas de umtempo que poderiam dedicar a outras ativida-des. o que os torna uma carga desnecessária,pJuca criativa, que além disso pode gerar umaatituce negativa em relação ao trabalho esco-lar. Essa posição negativa provavelmente estárelacionada com o conceito mais tradicionalde "os deveres" vigente em muitas de nossasescolas. isto é. de tarefas escolares usadas comoferraruer.tas que se aplicam por inércia no dia-a-dia de rcrma automática, repetitiva e poucomotivadora. em que o aluno ou a aluna racio-cina pouco e cria menos.

É preciso reconhecer, no entanto, que aspesquisas descobriram pouco a pouco que ostradicionais deveres podem tomar-se um pon-to de apoio para estabelecer relações entre afamília e a escola. :\ essa linha, destacam-se,por exemplo, os trabalhos de Baumgartner eseus colaboradores (Baumgartner e outros,1993), nos quais se analisam os comentáriosque as famílias introduzem, por escrito, nos"boletins de notas", os informes que a escolas

lhes envia, ou nos próprios deveres. As res-postas foram analisadas considerando elemen-tos como os seguintes: queixas, crenças tradi-cionais ou inovadoras sobre a educação, te-mas relacionados com a comunicação, a cola-boração da família nas tarefas educacionaisda escola e as características do menino ouda menina. Quando se aprofunda nas respos-tas das famílias, percebe-se imediatamente adificuldade de compreender o que significamrealmente os deveres para cada uma delas;isto é, nem todas parecem ter a mesma idéiado que podem ou devem ser as tarefas escola-res em casa. É preciso destacar, finalmente,que as queixas incluíam um pouco mais de30% das respostas, um dado que indica umalto nível de descontentamento ou de insatis-fação familiar nas relações com a escola.

Destacamos, por outro lado, que tambémsurgiram outras vozes que propõem tarefasmuito diversas dos deveres tradicionais quan-do se trata de estimular as relações entre a fa-mília e a escola (Epstein, 1994). Nesses traba-lhos, já vão-se definindo novas relações entresituações educacionais de caráter formal e não-formal e assinala-se a importância de que osdeveres tradicionais se aproximem cada vezmais da vida cotidiana. Entre essas propostasestariam as seguintes:

a) perguntar às famílias o que desejam;b) tomar explícitas as metas a partir das

quais se ensina nas salas de aula, semdar como certo que estas coincidamcom as de outras pessoas que inter-vêm na educação infantil;

c) fugir de deveres padronizados que sãoos mesmos para todos os meninos eas meninas da turma;

d) evitar uma relação unidirecional, queparte da escola e termina na família;para conseguir isso, será necessárioque a própria escola formule estraté-gias abertas que facilitem uma relaçãode "ida e volta", de forma que a famí-lia também possa sentir-se envolvidanas tarefas propostas pela escola;

e) utilizar materiais específicos prepara-dos pela própria professora.

Para superar as dificuldades que às vezestêm os deveres escolares na tentativa de esta-

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belecer relações entre a casa e a escolas, pode-se trabalhar tomando o caminho inverso (Bu-ckingham, 1993). Ou seja, ao invés de ir daescola à casa, como fazem os deveres, poderiamser levados às salas de aula elementos que es-tão muito presentes nas famílias, especifica-mente a televisão. Essa é a direção em que setrabalhou, junto com algumas colaboradoras,em turmas de ensino fundamental, participan-do com os meninos, com as meninas e sua pro-fessora em uma oficina de escrita a que foramdedicadas, aproximadamente, três horas porsemana no ano letivo. A meta da oficina, du-rante um período de três meses, foi escreverno jornal local sobre diferentes programas detelevisão, selecionados pelas próprias criançaspara participar a outras crianças suas opiniões.Mesmo tendo consciência de que aprender aescrever deve ser uma atividade que ocorre nocontexto do currículo, a oficina transformou-se em uma atividade lúdica, que, sem dúvidanenhuma, aproximou a família da escola e vice-versa. Um novo exemplo contribuirá para ex-plicitar isso.

A fim de familiarizar as crianças com osdois meios de comunicação que estão presen-tes em algumas famílias, o jornal e a televisão,pediu-se a elas nos primeiros dias em que par-ticiparam da oficina que, transformadas em en-trevistadores de sua própria família, perguntas-sem a seus pais se preferiam ver a televisão ouler o jornal. No diálogo a seguir com a entre-vistadora, uma criança recorda as opiniões deseus prus:

Entrevistador: Vocêlembra se seus pais gosta-vam mais da televisão ou do jornal?

Alex: Da televisão.Entrevistador: Por quê?Alex: Porquedão as notícias no mesmo dia que

acontecem.Entrevistador: Claro e [...]Alex: e além disso não tem de parar para ler

nem para comprar o jornal, além do mais a infor-mação é grátis.

Ao ler o breve diálogo, observa-se que acriança tem muito claras as opiniões de suafamília e, sobretudo, o que se valoriza da tele-visão: primeiro, sua rapidez em transmitir anotícia, e segundo, o fato de que é grátis. Emsíntese, os comentários que foram coletados

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 417

na sala de aula foram bastante variados, e aoficina contribuiu para aproximar esses doisambientes, embora apenas os meninos e as me-ninas estivessem presentes em ambos. Mas ain-da é preciso mencionar outra forma de estabe-lecer pontes entre a família e a escola cen-trando-se no modo como a família participana própria escola das tarefas educacionais.

Até onde a família na escola?

Numerosos pesquisadores e líderes sociaispropuseram ou exploraram, com diferentes ní-veis de êxito, programas específicos para esta-belecer laços entre a escola e a família(Kellagham e outros, 1993; Palacios, Gonzáleze Moreno, 1987; Palacios e Paniagua, 1993;Rogoff, 1994). Amaioria desses programas pre-tende, em suma, que a participação das famíliaspermita introduzir, não apenas nas salas deaula, mas também na comunidade em seu con-junto, a pluralidade de universos culturais és-pecíficos de outras comunidades. Kellagham ecolaboradores (1993) apresentam diferentes es-tratégias e programas nos quais se cristaliza ainteração entre a escola e a família. Levandoem conta a proximidade e o grau de responsa-bilidade com que pais e mães participam doensino e da aprendizagem escolar, os autorescitam diferentes programas de intervenção que,direta ou indiretamente, pretendem favorecera interação entre esses dois ambientes. No Qua-dro 24.1 apresenta-se uma síntese da classifi-cação de Kellagham e colaboradores.

Em termos gerais, a intervenção na casaé entendida como um processo imerso em pro-gramas de ajuda à família orientados para fa-vorecer o desenvolvimento infantil. As metasconcretas podem ser muito variadas. Por exem-plo, alguns se fixam no desenvolvimento físicoou nas características do ambiente que o favo-rece; outros orientam-se a melhorar o conhe-cimentos e as crenças com respeito ao desen-volvimento; e outros, ainda, a integrar os paise as mães nas atividades das escolas. Além dis-so, Kellagham e seus colaboradores traçam aevolução histórica desses programas duranteas últimas décadas e assirialam um movimen-to que se estende de um modelo de déficit, quesubjaz aos programas de intervenção dos anosde 1960, para um modelo de diferenças, pre-

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QUADRO 24.1 Estratégias e programas para estabelecer relações entre a escola e a família(Kellagham e outros, 1993)

Distantes

Próximas Os pais e as mães participam no ensino da escola colaborando com a educadora.As mães e os pais participam em atividades de aprendizagem em casa. As tarefas são similaresàs que meninas e meninos realizam na escola.

Intermediárias Comunicação entre os dois ambientes pelos mais variados caminhos (notas, reuniões, etc.).Freqüência à escola em atividades não-relacionadas ao ensino.Freqüência a oficinas e seminários para discutir a política da escola.Relações com os professores por meio das estruturas que a escola proporciona.

Apoios à saúde e ao bem-estar dos meninos e das meninas em geral.Contribuições à direção da escola.Freqüência a programas de educação para pais e mães.Contatos com os recursos da comunidade.

dominante entre os anos de 1970 e 1980, parachegar, finalmente, ao atual modelo de forta-lecimento da educação familiar.

O modelo de déficit surge em torno daeducação compensatória e relaciona-se comumesforço maciço da administração dos EstadosUnidos por romper o ciclo de pobreza a queestão expostos os meninos e as meninas de fa-mílias com poucos recursos. Ao começar a es-cola, essas crianças careciam da preparação ne-cessária. Apartir do programa Head Start, porexemplo, proporcionaram-se experiências edu-cacionais complementares durante algumashoras por dia em escolas especiais ou no pró-prio ambiente escolar. Tratava-se de ensinar àsmães e aos pais condutas específicas que faci-litariam o desenvolvimento cognitivo de seusfilhos e suas filhas. O fundamento explícito des-ses programas era a necessidade de proporcio-nar recursos às famílias para que as criançaspudessem adaptar-se à escola. Esses progra-mas foram objeto de numerosas críticas, entreas quais se podem destacar as seguintes:

a) embora o fracasso escolar seja atribuí-do à falta de oportunidades na famí-lia, constatou-se que os próprios me-ninos e meninas observados nos am-bientes menos formais que a escola ti-nham um rendimento melhor;

b) pressupunha-se que qualquer progra-ma seria eficaz para qualquer pai oumãe, sem levar em conta que existiamimnorranres diferencas entre eles;

c) prescindia-se do contexto social emque as famílias se desenvolviam;

d) os valores e as normas do ambienteescolar eram considerados superioresaos das famílias.

Por volta de 1970, aparecem novos mo-delos que destacam as diferenças culturais. Tal-vez como resposta às críticas que receberamos programas anteriores, planejam-se progra-mas individuais que reconhecem o valor da ex-periência e dos conhecimentos dos pais e dasmães. O ensino por parte de um pessoal espe-cializado foi instituído por uma colaboraçãomaior entre este e a família. A cultura da esco-la não é considerada superior à da casa, massimplesmente distinta.

Um terceiro tipo de modelos é o que re-conhece que as mães e os pais são os princi-pais educadores. O papel dos professores écomplementá-lo, colaborando com a família naobtenção de determinadas metas. Na filosofiaque fundamenta tais programas se admite queo desenvolvimento da comunidade é um re-quisito prévio para o desenvolvimento infan-til. Além disso, reconhece-se que os indivíduose as famílias sãomembros de múltiplos ambien-tes e que são muitos os agentes que apóiamesse desenvolvimento em contextos formais einformais. As mães podem ter um papel fun-damental na educação infantil, mas, para isso,é necessário que possam controlar suas pró-prias vidas.

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Em resumo, as estratégias para aproxi-mar o ambiente educacional e familiar sãomúl-tiplos e foram evoluindo ao longo dos anos, domesmo modo que a escola e os padrões queorganizam a vida familiar. Em todo caso, ain-da resta um amplo trabalho a realizar. Está-sediante de um campo que não foi exaustivamen-te explorado, talvez devido ao fato de que ain-da se costume considerar a aprendizagem es-colar como uma tarefa que se realiza unica-mente nas salas de aula.

BREVES REFLEXÕES ATíTULO DE CONCLUSÃO

Comentávamos, no início deste capítulo,que a família e a escola aparecem, às vezes, es-treitamente relacionadas nas lembranças daspessoas, mas talvez não estejam tanto nas idéiasque os meninos e as meninas, e inclusive suasfamílias, têm sobre o que se aprende dia a diana escola. Uma questão importante é exploraras relações que podem existir entre esses ambi-entes, de forma que seja possível contribuir paraque aquilo que ocorre entre eles facilite aosmaisnovos serem membros de pleno direito em suacomunidade. Isso supõe, no limite, adquirir ha-bilidades e construir conhecimentos que nãopodem ser obtidos apenas na família nem navida cotidiana. Três idéias fundamentais contri-buem para explicitar a situação no momentoatual e marcam o caminho a percorrer.

Em primeiro lugar, quando se analisamos diversos trabalhos que abordaram esse tema,constata-se que procedem de diversos mode-los teóricos. Omais interessante é observar quediferentes modelos abordam o tema de pers-pectivas muito diversas, e talvez seja uma ta-refa pendente da psicologia da educação bus-car a complementaridade entre todos eles. Porexemplo, se se parte de um enfoque no qual éparticularmente útil o conceito de atividademediada por instrumentos simbólicos, será ne-cessário recorrer a outras perspectivas quandose quiser fazer uma análise das tarefas que serealizam nos ambientes mediados por esses ins-trumentos. Vale a pena assinalar que talvez setrate de uma tarefa pendente não apenas em re-lação ao tema de que se trata, mas também emrelação a muitos outros que também interessamatualmente à psicologia da educação; é impor-

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 419

tante levar em conta que, no contexto de umaciência de caráter aplicado, na qual se abordamas teorias a partir dos problemas, é sempre pre-ferível buscar a convergência entre os modelos.

Em segundo lugar, questionava-se se exis-te uma continuidade ou uma descontinuidadeentre a família e a escola como ambientes edu-cacionais. Dar uma resposta simples à questãonão é fácil. Tambémnão acreditamos que existauma resposta que possa ser generalizada, massim que a continuidade ou a descontinuidadedepende, em grande medida, tanto das carac-terísticas dos próprios ambientes como dos gru-pos sociais mais amplos nos quais esses ambi-entes estão imersos. É preciso assinalar, poroutro lado, que nem todas as pesquisas estãode acordo quanto à necessidade da continui-dade entre os conhecimentos que se adquiremem um ambiente e em outro. Isto é, será ne-cessário admitir, por um lado, o fato de que oconhecimento científico transforma o cotidia-no e que ambos são necessários para que aspessoas possam se desenvolver em diferentescontextos; por outro lado, a existência de enor-mes diferenças entre as famílias, cada uma de-las com suas próprias expectativas perante aescola. Além disso, falta pesquisar de que modofamílias e escolas podem convergir ou não emfavorecer a aquisição de determinadas atitu-des e de determinados valores por parte dosmeninos e das meninas.

Finalmente, ainda continua aberta a ques-tão de como estabelecer ligações entre a esco-la e a família. Nem todos parecem igualmenteeficazes. embora talvez seja preferível maisuma vez buscar sua complementaridade. Naspáginas anteriores, revisamos o papel que osinstrumentos presentes em tais ambientes po-dem desempenhar para estabelecer conexõesentre eles; também se revisou como as famíli-as podem estar presentes na escola. Com baseem nossa própria prática, queremos finalizardestacando que tanto os professores como afamília têm de ser ativos; sem a consciência deambos de que é possível encontrar caminhospara relacionar tais ambientes, será impossí-vel traçar esses caminhos.

NOTA

1. Com a colaboração de Amalia Reina e AdelaRodríguez.

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25A educação escolar diantedas novas tecnologias da

informação e da comunicaçãoCÉSAR COLL E EDUARDO MARTí

INTRODUÇÃO: AS TECNOLOGIAS DAINFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

Uma das tendência evolutivas fundamen-tais de nossa espécie consistiu em criar objetostécnicos cada vez mais complexos que permi-tiram transcender as limitações inerentes aocorpo e à mente humana: desde as pedras, aspontas, as facas ou as raspadeiras do paleolíticoaté a internet e os telefones móveis do séculoXXI. Entre todas essas tecnologias, merecemparticular atenção aquelas que permitem a re-presentação e a transmissão da informação e,por esse motivo, interpelam diretamente amente humana: desde as pinturas do paleolíticosuperior até as imagens audiovisuais, desde ospapiros de hieróglifos até a página web, oudesde as inscrições monumentais dos sumériosaté as mensagens do correio eletrônico. É cer-to que as tecnologias de há alguns milhares deanos e as atuais se baseiam em uma mesmaidéia fundamental, revolucionária, para o de-senvolvimento humano: a criação de sistemasde signos (linguagem, escrita, imagens, nota-~ionumérica, notação musical, etc.). O que as':.~::::r::::r:ciasão as novas possibilidades técnicas2-= representaçáo e de transmissão da informa-:2.~::;':::a comunicação (NTIC). Mas o que são;:::,:a:a=;::;",;te as NTIC?

::::::.uma primeira abordagem, podería-==, :.:::::;: -:'1.:.e essas novas tecnologias surgemc==-_: :-;:='':;~:2.GJ da integração de duas possibi-~::'a':;::::;::::1'.:2.5 que experimentaram um pro-~r::::5S= ::::,:;:::::uc.l:ar ao longo das últimas déca-é2.5 = :'_::-ê:::.er.t::: da capacidade e da rapidezde r:O:ES52CE::ro da informação, graças ao de-

senvolvimento da informática, e a codificaçãoe a transmissão da informação, graças àdigitalização, ao cabo óptico e aos satélites. Éverdade que os computadores já têm mais de50 anos. Contudo, pouco têm a ver os compu-tadores da primeira geração, lentos e porten-tosos processadores da informação confinadosem salas escuras e destinados fundamental-mente a demoradas tarefas de cálculo, com oscomputadores atuais, menores, de manejomuito mais simples, capazes de processar deforma extremamente mais rápida a informa-ção e suscetíveis de assumir uma extensa gamade tarefas próximas das necessidades de mui-tas pessoas. Naturalmente, o progresso técni-co relacionado com a miniaturização e a po-tência dos processadores de informação foiparalelo à criação de programas (software) cadavez mais elaborados, diversificados e adapta-dos às necessidades dos usuários.

Demodo concomitante, as possibilidadesde codificar e de transmitir informação tam-bém deram um salto espetacular com o surgi-mento do cabo óptico (técnica mais segura erápida de transmitir informação que aquela per-mitida pelas formas tradicionais); com adigitalização (novas possibilidades de codifi-car todo tipo de informação de forma muitomais fiel e segura do que aquela utilizada comas formas clássicas, o que facilita sua reprodu-ção e sua transmissão); e com o desenvolvi-mento da comunicação por meio de satélites,que amplia de forma insuspeitada as possibili-dades de transmitir todo tipo de informaçãode lugares remotos. AsNTICintegram os avan-ços nessas duas frentes técnicas e tornam pos-

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sível uma nova maneira de interagir com a in-formação e uma nova maneira de comunicá-la. Talvez as criações mais inovadoras e popu-lares - junto com os telefones móveis - dessasNTIC são as que permitem que vários compu-tadores sejam conectados entre si, configuran-do redes de conexões potenciais, como ainternet, e que possam utilizar tais redes paratransmitir e ter acesso de forma integrada ainformações que utilizam suportes diversos -língua oral, língua escrita, imagens estáticas,imagens em movimento, som, etc, - como ocor-re com as páginas web,

Os NTIC não deslocam nem suprimem astecnologias dominantes até o momento pararepresentar as informações e transmiti-las, masasmodificam em profundidade. Assim, é mui-to provável que os livros, os jornais e as biblio-tecas não estejam destinados a desaparecer,mas a sofrerem profundas modificações devi-do às novas possibilidades que surgem de es-crever, de ler, de transmitir a informação escri-ta e de armazená-la. É possível também que atelevisão, por sua vez, continue reinando noslares. Mas será certamente uma televisão dife-rente associada a práticas de uso diferentes;será uma televisão que integrará toda a ofertaaudiovisual presente na internet e que compe-tirá com outras formas de lazer e de acesso àinformação. O mesmo poderíamos dizer dastecnologias do som (telefones, rádio, reprodu-ção de música) ou das imagens estáticas (de-senho, reprografia, fotografia). As mudançastécnicas deixam entrever novas maneiras deinteragir com as informações. Do mesmo modoque a invenção da escrita, a imprensa ou a te-levisão inauguraram novas práticas sociais etiveram claras repercussões no desenvolvimen-to humano, com as NTIC vislumbram-se novasformas de trabalhar, de comprar, de comuni-car, de divertir-se e novas formas de aprendere de ensinar.

Sobre esse pano de fundo, o objetivo dopresente capítulo é rever as mudanças e astransformações que estão se produzindo naeducação escolar como conseqüência do sur-gimento das NTIC. Embora nossa abordagemse circunscreva ao olhar próprio da psicologiada educação e se dirija sobretudo a indagarseu impacto nos processos de ensino e apren-dizagem, faremos alguns comentários geraissobre alguns traços distintivos e algumas ten-

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dências emergentes da chamada sociedade dainformação, da aprendizagem e do conheci-mento que se revestem de um interesse espe-cial do ponto de vista da educação escolar eque nos servirão para enquadrar os dois pon-tos seguintes, que constituem o núcleo do ca-pítulo. Dedicaremos o primeiro deles a inda-gar as potencialidades que encerram as NTICpara a aprendizagem, isto é, a analisar algu-mas de suas características que têm uma inci-dência especial sobre os processos de constru-ção do conhecimento e que permitem compre-ender por que e como podem ser utilizadas comproveito para promover a aprendizagem. O se-gundo, por sua vez, será dedicado a mostrarcomo a incorporação das NTIC à educação es-colar' admite uma ampla gama de possibilida-des que, em alguns casos, podem levar a umamodificação substancial dos ambientes de en-sino e aprendizagem. Algumas breves consi-derações finais sobre os desafios teóricos e prá-ticos das aplicações educacionais das NTIC nosservirão, a título de conclusão, para fechar ocapítulo.

A EDUCAÇÃO ESCOLAR NA SOCIEDADEDA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO

Já não nos causa estranheza que uma pes-soa reserve suas entradas de cinema ou enviesua lista de compras ao supermercado do ter-minal de seu computador, ou que trabalhe emcasa, em vez de deslocar-se até o escritório.Também não nos causa estranheza que umacriança passe horas e horas brincando com umvideogame, que aprenda a ler e a escrever suasprimeiras palavras utilizando um programa decomputador, ou que um jovem participe em umfórum público (chat) no qual envia e recebemensagens de pessoas desconhecidas que seencontram em qualquer lugar do planeta. E nãonos causa estranheza que uma pessoa consul-te uma enciclopédia multimídia em seu com-putador lendo o conteúdo de um CD-ROM, en-vie um arquivo que acaba de escrever a seucolega que se encontra em Upssala ou busquealguma página web que o informe das ofertase das possibilidades turísticas da Ilha Margarita.Esses exemplos apenas refletem casos cotidia-nos e particulares de um fenômeno mais am-plo, que começa a ter repercussões econômi-

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cas, sociais e culturais em todo o mundo e que,como anunciaram alguns autores (ver, porexemplo, Castells, 1997), está configurandouma nova sociedade - a chamada "sociedadeda informação" -, ou para os mais otimistas,"sociedade da aprendizagem" e até "socieda-de do conhecimento". As mudanças inerentesa tal revolução, que por sua magnitude podemser comparáveis e inclusive ultrapassar aque-las que foram desencadeadas pela invenção daimprensa ou pela revolução industrial, come-çam apenas a vislumbrar-se e, por isso, é arris-cado tentar estabelecer com precisão as trans-formações económicas, sociais e culturais queindubitavelmente acarretarão. Mas já é possí-vel identificar com clareza algumas tendênci-as e alguns desafios e tensões que convém le-var em conta para entender o papel que podedesempenhar a educação na sociedade da in-formação e o impacto que o surgimento e ge-neralização das NTIC podem ter sobre a edu-cação escolar.

Da informação ao conhecimento

É evidente que a informação é o princi-pal protagonista da nova sociedade. O arma-zenamento, o processamento e a transmissãode todo tipo de informação em velocidadescada vez mais altas e a custos cada vez maisbaixos permitem uma circulação de informa-ção escrita, audiovisual ou musical e um aces-so a elas inimaginável há apenas alguns anos.É certo que as bibliotecas, os arquivos e asfilmotecas vinham cumprindo essas funções hámuitos an cs .. -\5 possibilidades que as NTIC ofe-recem para armazenar e transmitir informa-ção permitem atualmente não apenas ter aces-so com mais facilidade aos arquivos, às biblio-tecas e às filmotecas, mas também gerar novasbases de dados que reúnem e ordenam todotipo de informações. tomando-as acessíveis -por exemplo, mediante CD-ROM ou por meiode páginas web - a qualquer usuário.

Mas essa situação promissora também es-conde seus perigos e suas limitações. Comoaponta ironicamente Umberto Eco (1987), emuitas pessoas puderam experimentar nave-gando pela rede, o excesso da informação podeconduzir ao caos, ao silêncio. Apenas o esta-belecimento de critérios de qualidade e de con-

fiabilidade da informação, por um lado, e a or-ganização e a interpretação dessa informaçãode acordo com esquemas significativos paracada pessoa, por outro, pode evitar que a so-ciedade da informação se transforme em umasociedade caótica. Mesmo dando como certa aafirmação de Gardner (1987) de que as pes-soas, desde o início da vida, são devoradoras eprocessadoras incessantes de informação, nãoé menos certo que da informação ao conheci-mento há um longo caminho. Por isso, dianteda proliferação cada vez mais desordenada deinformações de todo tipo, é urgente que aspessoas adquiram os critérios que possamajudá-las a estabelecer hierarquias de qualida-de e de confiabilidade diante das informaçõese que, ao mesmo tempo, adquiram estratégiasconscientes e efetivas de seleção e de busca dainformação. Será cada vez mais importantesaber como ter acesso à informação pertinen-te, e não será tanto saber ou "possuir" tal in-formação. Diante dos desafios, a educação es-colar tem uma grande responsabilidade, poistanto o uso deliberado e estratégico da infor-mação como o estabelecimento de critérios quepermitam avaliar sua qualidade e sua confia-bilidade são aquisições complexas que neces-sitam o apoio de práticas educacionais formais.E o mesmo poderíamos dizer da "aprendiza-gem". É certo que as possibilidades de apren-der, como veremos mais adiante, são estimula-das por essa proliferação de informações facil-mente acessíveis. Hoje sabemos que a apren-dizagem não é um processo desordenado, es-pontâneo e aleatório, mas segue certas linhasconstrutivas cujo desenvolvimento requer, emmuitos casos, ajudas educacionais planejadase sistemáticas (ver os Capítulos 6 e 17 destevolume).

O fato de assinalar tais limitações nãoimplica negar a evidência de que as NTICabrem novas e interessantes possibilidades deconhecimentos e de aprendizagem. Trata-sesimplesmente de reconhecer que a realidade éum pouco mais complexa. Assim, por exem-plo, é evidente que as desigualdades no acessoàs NTIC podem acrescentar ainda mais, se pos-sível, às dificuldades reais de acesso à infor-mação e ao conhecimento que já têm atual-mente os setores sociais mais desfavorecidos.O caso da internet é claro a esse respeito. Sen-do, em princípio, um recurso altamente des-

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centralizado, democrático e sem fronteiras, naverdade é apenas para aqueles que podem terfácil acesso a ele, para os "plugados na rede"(Cebrián, 1998). Além disso, inclusive entreos que têm acesso a elas, as NTIC podemaprofundar outras discriminações, como aque-las relacionadas ao gênero.2 É muito provável,assim, que as NTIC, apesar de suas potenciali-dades, aprofundem as divisões já existentesentre grupos de pessoas em sua relação com oconhecimento e a aprendizagem. Mais umavez, diante desse desafio, a educação escolartem uma grande responsabilidade como ins-trumento compensador das desigualdades, de-sigualdades que afetam também a presença eas possibilidades de acesso à NTIC entre o di-ferentes setores sociais.ê

Conectados sem fronteiras

Os avanços na facilidade de acesso à in-formação que supõem as NTIC mostram seuverdadeiro alcance se levamos em conta quetais tecnologias não apenas proporcionam múl-tiplas e variadas informações, como se fossembases de dados inesgotáveis, mas oferecemtambém a possibilidade de pôr em contato, semnenhum tipo de restrição espacial ou tempo-ral, uma infinidade de pessoas que comparti-lham os recursos básicos dessas conexões (te-lefones móveis ou computadores conectados auma rede interna - intranet - ou uma rede ex-terna). As possibilidades de comunicação e detroca da informação não são novas. O rádio ea televisão já significaram, na sua época, umsalto importante como tecnologias da informa-ção e da comunicação. Do mesmo modo, o in-tercâmbio "epistolar" (graças a uma pessoa, aum cavalo, a um barco, a um automóvel ou aum avião) e, mais tarde, os telefones e os fax,supuseram formas cada vez mais ágeis de tro-ca da informação. Mas com as NTIC, tais pos-sibilidades se multiplicam e são integradas nasnovas formas de comunicação e de troca dainformação. Com o surgimento das NTIC, es-tão-se derrubando as barreiras especiais e tem-porais existentes. É cada vez mais fácil saberdas mudanças da Bolsa de Tóquio no mesmoinstante na Bolsa de Madrid, transferir uma in-finidade de documentos e dados de uma em-presa para outra no mesmo instante, um con-

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ferencista da Universidade de San Diego serouvido e visto em uma sala da aula da Univer-sidade de Barcelona enquanto faz sua confe-rência nos Estados Unidos, duas equipes de pes-quisadores compartilharem os dados de suasexperiências ou um grupo de estudantes espa-nhóis entrar em contato com outro grupo deestudantes argentinos para trocar experiências,impressões e conhecimentos.

Como veremos mais adiante, as novaspossibilidades deixam a porta aberta para quese modifiquem em profundidade as práticaseducacionais escolares, mas ao mesmo tempoestão transformado os próprios objetivos daeducação e a relação entre os diferentes con-textos educacionais. Tudo parece indicar quea formação necessária para que as pessoas pos-sam incorporar-se a um mercado de trabalhoem constante transformação se estenderá aolongo da vida com o objetivo de atender a ne-cessidades de formação cada vez mais diversi-ficadas. A formação contínua terá, certamen-te, mais importância que teve até agora e con-tará com novos cenários educacionais para rea-lizar-se (por exemplo, a educação a distânciamediante a criação de espaços formativos vir-tuais). Isso não supõe, naturalmente, o objeti-vo da formação inicial, que continuará tendouma função essencial na educação básica detodos os cidadãos, mas supõe que alguns as-pectos dessa função sofrerão profundas modi-ficações como conseqüência da importânciacrescente da formação contínua.

Mas, além disso, as NTIC - assim comoocorreu com outras tecnologias como a escritae. sobretudo. a televisão - estão contribuindopara o surgimento de novos cenários educa-cionais. De fato, a rapidez com que vêm ex-pandindo-se algumas aplicações concretas dasnovas tecnologias - como, por exemplo, os con-soles de videojogos, os telefones móveis e ainternet, como os populares chats ou fóruns defala interativa, o correio eletrônico e a navega-ção nas páginas web - é um indicador da influ-ência que esses novos meios estão começandoa ter em crianças e jovens (Casas, 2000). Essas"novas telas" não apenas transmitem, assimcomo ocorre com a televisão, uma série de con-teúdos e de valores suscetíveis de incidir nosconhecimentos e nas atitudes das crianças edos jovens e em seu processo de socialização,mas também estão criando novas comunida-

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des de relações e interesses entre crianças e,sobretudo, jovens. Emergem, assim, novas cul-turas infantis e juvenis em torno da NTIC, quese constituem de forma alheia aos contextosde desenvolvimento predominantes, a famíliae a escola. O fenômeno não é novo, visto quesempre existiram contextos de desenvolvimen-to alheios à família e à escola baseados nasrelações entre iguais, mas está assumindo umanova dimensão como conseqüência das facili-dades de comunicação e de troca que as NTICoferecem.

Igualmente visível é o fato de que, alémde contribuir para que apareçam novos cená-rios educacionais, as NTIC estão começando atransformar as práticas dos cenários educacio-nais tradicionais mais consolidados em nossasociedade, a família e a escola. Em casa, assimcomo ocorreu com a televisão, mas agora comum meio muito mais potente e multifuncional,é cada vez mais freqüente que as novas telasse tornem um protagonista central nas rela-ções familiares e atuem como potentes media-dores no processo de conhecimento e de soci-alização das crianças. Assim, levando em con-ta a novidade que significou o surgimento dasNTIC para toda uma geração de pais e a facili-dade com que crianças e jovens as adotam semtemor, o fenômeno pode chegar a introduziruma ruptura entre gerações, além de pôr emquestão uma certa hierarquia do saber. Algosimilar se pode dizer sobre a educação escolar.Por um lado, as práticas educacionais escola-res terão de levar em conta que, graças às pos-sibilidades que essas tecnologias oferecem, osalunos adquirem um volume cada vez m ai-.considerável de conhecimentos - não apenasccnhecimentos de fatos ou de conceitos, mas:arr.bém de procedimentos, de atitudes e devalores - à margem do contexto escolar. Por:'': tr c lado, como veremos nos itens seguintes,a :~.:=rpDração das NTIC aos ambientes esco-:~~5c.~ensino e aprendizagem pode modifi-ca: s'.:':cõ:2.r.cialmente tais ambientes.

o POTENCIAL DAS TECNOLOGIAS DAINFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃOPARA A APRENDIZAGEM

As considerações anteriores adquiremainda mais relevancia. se é possível, devido ao

fato de que as NTIC proporcionam, pelo me-nos potencialmente, um meio de representa-ção e de comunicação inovador, cujo uso podeintroduzir modificações importantes em deter-minados aspectos do funcionamento psicoló-gico das pessoas. Naturalmente, as NTIC nãosão o único nem o primeiro recurso semióticocriado pelos seres humanos: a escrita, a nota-ção matemática, os sistemas figurativos - de-senho, diagramas, mapas, etc. - ou as imagensestáticas ou em movimento foram e continuamsendo, junto com a linguagem oral, potentesmediadores semióticos do comportamento hu-mano. Como mediadores semióticos, sua utili-zação modifica a maneira de memorizar, depensar, de relacionar-se e também de apren-der (Donald, 1993; Olson, 1986; Vygotsky,1979). Devido às suas propriedades especifi-cas, cada um desses sistemas semióticos intro-duz determinadas restrições, e daí suas poten-cialidades, e também suas limitações, como"instrumentos psicológicos" (Kozulin, 2000).Não é a mesma coisa aprender apoiando-se emum texto escrito e em imagens estáticas ou emimagens em movimento: não apenas pelas exi-gências de uma ou outra tarefa, mas tambémpelo tipo de processos cognitivos que cada sis-tema solicita, potencializa e limita, Tampoucoé comparável fazer cálculos mentais, fazê-losutilizando o sistema decimal, utilizando a es-crita ou utilizando uma série de desenhos; nemorientar-se no espaço usando um mapa, umadescrição escrita ou uma gravação audiovisual.Além disso, em todos esses casos são determi-nantes os usos que as pessoas fazem dos re-cursos semióticos disponíveis, usos que con-duzem a determinadas formas de interaçãocom o objeto de conhecimento e que depen-dem, em boa medida, das práticas sociais eeducacionais em que se inserem. Voltaremos aesse aspecto no próximo item. Na sequência,vamos nos centrar nas características das NTICdo ponto de vista semiótico e em suas poten-cialidades para a aprendizagem, O que as NTICtêm de especial, então, se as comparamos comoutros sistemas semióticos conhecidos, comoa língua oral, a língua escrita, a escrita, as ima-gens estáticas ou as imagens em movimento?

A primeira coisa que chama a atenção éque os componentes semióticos das NTIC nossão familiares: nas telas aparecem letras, todaespécie de signos mais ou menos figurativos,

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imagens audiovisuais, linguagem, som e, às ve-zes, alguns números. Nesse sentido, as NTICnão estão criando um sistema de signos. O queelas fazem, de fato, é criar, a partir da integra-ção dos sistemas clássicos, condições totalmen-te novas de tratamento, de transmissão, deacesso e de uso das informações transmitidasaté agora pelos suportes clássicos da escrita,das imagens, do som ou da fala. E essas condi-ções conferem às NTICcaracterísticas específi-cas como "instrumentos psicológicos", comomediadoras do funcionamento psicológico daspessoas que as utilizam. O Quadro 25.1 reúnealgumas dessas características que têm um in-teresse especial, a nosso ver, para a aprendiza-gem escolar (ver, também, Martí, 1992).

Formalismo

Uma característica dos sistemas semió-ticos minimamente complexos é a sua organi-zação em tomo de uma série de propriedadesformais que marcam as restrições dentro dasquais as expressões desse sistema são aceitá-veis e têm sentido. É fácil apreciar tal caracte-rística se pensamos, por exemplo, na escrita,na notação matemática ou nos gráficos. Mas oque ocorre com as NTIC é algo peculiar à me-dida que, como acabamos de assinalar, inte-gram estes e outros sistemas semióticos e osutilizam de forma conjunta e articulada paratransmitir informação. Nesse sentido, as exigên-cias e as particularidades de cada um desses sis-temas simbólicos são exigências e particulari-dades que se impõem a qualquer pessoa queinterage com as NTIC: diante das telas se lê,escreve-se, escuta-se, calcula-se e interpretam-se imagens. Mas, além dessas exigências, os usosdas NTICrequerem, qualquer que seja o dispo-sitivo com o qual se interaja- seja um computa-dor, uma agenda eletrônica ou um telefonemóvel -, que sigamos uma série de instruçõesem seqüência muito definidas, precisas e, emalguns casos, extremamente rígidas, para que ainteração com a máquina tenha êxito.

E certo que essa interação, devido sobre-tudo aos espetaculares avanços durante os últi-mos anos na criação de interjaces cada vezmaisintuitivas e próximas do modo de proceder dosusuários, tornou-se progressivamente mais fá-cil. Contudo, há sempre uma "lógica" do dispo-

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sitivo tecnológico que exige que determinadasações - acionar uma tecla, mover e acionar omouse quando o cursor está sobre uma imagem,escrever um nome, escolher uma opção de ummenu, etc. - sejam realizadas de modo rigorosoe em uma determinada ordem. A lógica podevariar muito conforme o tipo de recursotecnológico e conforme o programa que se uti-liza, mas exige sempre um certo planejamentodas ações e um nívelmínimo de tomada de cons-ciência do que se está fazendo para que a má-quina responda. Essa exigência pode criar frus-tração em alguns usuários, que se sentem inco-modados diante da pouca flexibilidade da má-quina, que se nega a responder se não se fazexatamente o que se tem de fazer.Mas tambémpodem favorecer, como mostram alguns auto-res, à pessoa que utiliza as NTICo desenvolvi-mento de uma maior capacidade de planejamen-to de suas ações e, sobretudo, que tome consci-ência da diferença existente entre seus desejose suas intenções (significadopretendido) e o quetem de fazer para que a máquina responda (sig-nificado manifesto), distinção fundamental emqualquer atividade humana, incluída a apren-dizagem escolar (Fletcher-Flinn e Suddendorf,1996; Olson, 1986; Turkle, 1994).

Interatividade

Ainteratividade é, sem dúvida nenhuma,a característica das NTIC que mais interessetem despertado do ponto de vista de sua utili-zação educacional (Greenfield, 1984; Papert,1981, 1983). Ao contrário do que ocorre comos suportes tecnológicos de outros sistemassemióticos, como a escrita, a notação matemá-tica ou as imagens audiovisuais, as novas tec-nologias tomam possível que, entre o usuárioe as informações transmitidas por elas, se pos-sa instaurar um constante ir e vir; as ações dosujeito - abrir um documento, ter acesso a umapágina web, copiar um arquivo, introduzir da-dos em uma folha de cálculo, consultar umabase de dados, fazer avançar um personagemde videogame, visualizar a perspectiva aéreade uma cidade, etc. - produzem de imediatomudanças visíveis na tela que, por sua vez, exi-gem novas decisões e ações do sujeito, e assimsucessivamente. Ainteratividade das NTICcon-trasta com as características de outras tecno-

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QUADRO25.1 Principais características das NTIC relevantes para os processos de ensino e aprendizagem.Indicam-se, para cada uma delas, algumas de suas potencialidades para a aprendizagem

•Exige explicitação e planejamento das ações. Tomada de consciência e auto-regulação.

Relação mais ativa com as informações. Primeiro plano. Ritmo individual. Motivação.Auto-estima.

Possibilidade de interagir com relações virtuais. Exploração. Experimentação.

Possibilidade de passar de um sistema para outro. Integração e complementaridade deformatos de representação. Generalização.

Nova organização espacial e temporal da informação. Facilidade de relacionar informações.

FORMALlSMO

INTERATIVIDADE

DINAMISMO

MULTIMiolA

HIPERMiolA

logias da informação e da comunicação - pen-semos, por exemplo, na informação escrita emum livro, em cálculos realizados em uma folhade papel ou nas imagens da televisão - quenão oferecem a possibilidade de estabeleceruma relação recíproca e contingente entre asações do sujeito e as modificações subseqüen-tes das informações. Pode-se, isso sim, fecharo livro, escolher um fragmento para ler, apa-gar e modificar o que se está escrevendo, oumudar de canal de televisão: mas de modo al-gum essas tecnologias oferecem as possibili-dades que proporcionam as NTICpara estabe-lecer uma espécie de diálogo contínuo entreas decisões e as intervenções do sujeito e asmudanças que aparecem na tela. Dessa pers-pectiva, as novas tecnologias são muito maiscomplexas e autónomas em seu funcionamen-to que as tecnologias clássicas que sustentama escrita, o som ou as imagens audiovisuais.Daí, sua capacidade potencial para promovera interação entre o sujeito e as informações,algo essencial se aceitamos a naturezainterativa e construtiva do conhecimento e daaprendizagem.

O caráter interativo das NTIC, por si só,não garante um conhecimento mais elabora-do e uma aprendizagem mais significativa.Seria muito ingênuo tomar essa potencialidadecomo um seguro de qualidade e solidez dasaprendizagens. Estas não dependem apenas domeio simbólico utilizado; como se evidenciaclaramente em outros capítulos deste mesmovolume (ver, em particular, os Capítulos 6, 14e 17), são igualmente essenciais a atividadedo aluno e as práticas educacionais em que essa

atividade se insere. É inegável, no entanto, queas NTIC favorecem a reciprocidade e a contin-gência das relações entre o sujeito e o objetodo conhecimento, o que, por sua vez, contri-bui para reforçar o envolvimento do primeirono processo de aprendizagem, ao mesmo tem-po que lhe permite um maior controle desseprocesso. Prova disso é a atitude positiva e amaior motivação para aprender que costumammanifestar crianças e jovens quando se envol-vem em processos de aprendizagem utilizan-do as NTIC. Os sentimentos de ser protagonis-ta e de ter o controle - relacionado com o ca-ráter interativo desses meios -, presentes mui-tas vezes nos sujeitos que utilizam as NTIC,sãoprovavelmente fatores que contribuem de for-ma decisiva para desenvolver uma atitude po-sitiva diante da aprendizagem.

Dinamismo

Assim como ocorre com outras tecnolo-gias - o rádio, o cinema ou a televisão -, asNTIC têm a particularidade de transmitir in-formações dinâmicas que se transformam, ousão suscetíveis de transformar-se, ao longo dotempo. Isso contrasta com o caráter mais está-tico de suportes gráficos, como a escrita, as ima-gens ou a notação matemática. Se associamosessa característica com o potencial das NTICpara transmitir qualquer tipo de informaçãosimulando os aspectos espaciais e temporaisde fenômenos, acontecimentos, situações ouatividades e, além disso, levamos em conta seucaráter interativo, podemos imaginar facilmen-

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te as possibilidades que oferecem para o ensi-no e a aprendizagem da simulação de uma ex-periência química até a de uma viagem em umaescuna do século XVIII, passando pela confec-ção, passo a passo, de uma teia de aranha, avisão aérea dos Andes ou as mudanças queexperimenta um embrião humano, as NTICpossuem um enorme potencial para recriar, oumesmo criar, mundos virtuais particularmentesugestivos para ensinar e aprender; Em suma,embora desse ponto de vista o potencial sim-bólico das NTIC se assemelhe ao de outras tec-nologias, o que as distingue é sua capacidadepara criar ou recriar, utilizando e articulandodiferentes sistemas simbólicos, modelos virtuaisde todo tipo de fenômenos e situações, o quetem um interesse evidente para a projeção desituações de ensino e aprendizagem nas quaisa observação, a exploração e a experimenta-ção ocupem um lugar de destaque.

Multimídia

Já assinalamos que, mais do que criar umnovo sistema semiótico, as NTIC, na realida-de, combinam e integram os existentes, obten-do assim o máximo proveito de suas potencia-lidades sem ser necessariamente afetadas porsuas limitações. A capacidade de combinar di-ferentes sistemas simbólicos para apresentar ainformação e a facilidade para transitar semmaiores obstáculos de um para outro são duascaracterísticas essenciais que, embora já pos-sam ser encontradas de forma incipiente emalguns usos das tecnologias clássicas - porexemplo, na combinação de imagens e de es-crita nos suportes gráficos; ou na combinaçãode som, escrita e imagens na televisão - sãofortemente potencializadas nas NTIC graças àdigitalização da informação. A natureza "mul-timídia" - termo usado habitualmente paradesignar tal característica - das NTIC reveste-se de um interesse especial do ponto de vistada aprendizagem escolar.

De fato, à medida que cada formato derepresentação introduz suas próprias restrições,apela a um tipo de processamento cognitivomais do que a outro e é mais adequado pararepresentar um tipo de fenômenos do que ou-tros, a capacidade de combinar formatos derepresentação e de traduzir as informações de

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 427

um formato para outro pode favorecer para acompreensão e a generalização de muitos con-ceitos ensinados habitualmente na escola(Mayer, 1999b). Pensemos, por exemplo, na fa-cilidade com que alguns programas permitempassar de uma equação matemática para suarepresentação gráfica, ou na possibilidade queoferecem alguns programas para crianças pe-quenas de relacionar diferentes imagens coma palavra escrita e falada correspondente, ouainda na possibilidade de obter uma série deinformações gráficas que acompanham e com-plementam um texto; em todos esses casos, afacilidade para integrar formatos de represen-tação de todo tipo e a possibilidade que tem osujeito de escolher a passagem de um paraoutro constituem recursos de grande interessepara a aprendizagem. Mais uma vez, contudo,impõe-se uma certa cautela. Não é suficienteque os programas sejam "multimídia" para ga-rantir uma boa aprendizagem. Tudo depende-rá da qualidade desses programas, da intera-ção que o aluno estabelece com eles e, emsuma, das características das sequências deensino e aprendizagem em que se insere a in-teração (Gómez-Granell e outros, 1997).

Hipermídia

Em nosso acesso habitual à informaçãoe ao conhecimento, estamos acostumados auma apresentação seqüencial e linear dos con-teúdos - própria, sobretudo, dos textos escri-tos - que requer um processamento cognitivoigualmente linear e seqüencial - embora osujeito sempre possa introduzir, graças a seusesquemas prévios e às suas capacidade de an-tecipação e lembrança, uma densidade querom pe com a estrita linearidade de um texto.Com as :\lTIC - pensemos, por exemplo, emuma página web qualquer - a apresentação ea organização das informações seguem mui-tas vezes uma lógica que não é aquela estrita-mente linear e seqüencial das informaçõesescritas habituais. Fazendo um paralelismocom o "texto" escrito, a nova forma de apre-sentar e organizar a informação foi chamadade "hipertexto". À medida que as NTIC permi-tem combinar vários formatos representativos,os "hipertextos" muitas vezes são também "multi-mídia", de maneira que cabe falar; em realidade,

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de urna apresentação e de urna organização"hipermídia".Porum lado, o que aparece na tela,ao combinar diferentes formatos de representa-ção, presta-se facilmente a organizações varia-das e não unicamente lineares e seqüenciais; poroutro, certos signos facilmente identificáveisnatela - palavras, imagens, símbolosgráficos,etc. -remetem a novas informações, estabelecendo-se,assim,urna rede complexa de elos e de conexõesentre informações que podem ser exploradas demúltiplas maneiras pelo sujeito.

Desconhecemos ainda até que ponto essamudança na forma de apresentar a informa-ção na lógica subjacente pode facilitar a apren-dizagem significativa e melhorar a compre-ensão ou, ao contrário, favorecer uma apren-dizagem mecânica e urna compreensão super-ficial dela (León, 1998; Rouet, 1998). É razo-ável pensar, no entanto, que, dependendo dasestratégias de busca que o aluno utiliza e daqualidade e riqueza das informações que en-contra, sua exploração poderá desembocar emdescobertas frutíferas ou estancar em uma na-vegação interminável condenada ao "naufrá-gio" final. De todo modo, o que está fora dediscussão é que com as NTIC se começam ainstaurar novas formas de apresentação e deorganização da informação que podem che-gar a ter um grande impacto na aprendiza-gem escolar.

Assinalemos ainda, para finalizar esteitem. que as características comentadas adqui-rem sua verdadeira dimensão à luz da grandecapacidade das NTICpara armazenar todo tipode infcrmaçào, processá-la e transmiti-la. Sóassirr; e possível entender o enorme interesseque despertam do ponto de vista educacionale as .mirc eras iniciativas e propostas realiza-das r.c trar.scurso das últimas décadas com oobjetivo ie pre:r:e,wr sua incorporação à edu-caçao esco.ar,

AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO EDA COMUNICAÇÃO E OS PROCESSOSDE ENSINO E APRENDIZAGEM

o desenvolvimento espetacular e a rápi-da evolução das tecnologias da informação eda comunicação no transcurso das últimas dé-cadas, assim corno a enorme variedade de pro-postas e de experiências da inovação educa-

cional a que deram lugar, tornam especialmen-te complexa a tarefa de descrever de uma for-ma compreensível e sistemática a ampla gamade usos dessas tecnologias no contexto escolare seu impacto sobre os processos de ensino eaprendizagem. Os critérios utilizados pelosautores para classificar e descrever tais usossão extraordinariamente diversas e remetemmuitas vezes a dimensões tão heterogêneas,como as características do equipamento tec-nológico utilizado - computadores, redes maisou menos amplas de computadores interconec-tados, sistemas de comunicação que conectamos computadores, suporte e formato da infor-mação, etc. -, as características das aplicaçõese das utilidades que o equipamento permite -simulações, materiais multimídia, tabuleiroseletrônicos, correio eletrônico, listas, grupos denotícias, videoconferências, etc. -, a maior ouamenor amplitude e riqueza das interações quepossibilitam, o caráter sincrônico ou assincrô-nico de tais interações, as finalidades ou os ob-jetivos educacionais que perseguem, ou aindaas concepções implícitas ou explícitas da apren-dizagem e do ensino que os sustentam.

Omais comum, no entanto, é que se uti-lizem simultaneamente dois ou mais dessescritérios. Assim, por exemplo, Martí (1992),em um trabalho dedicado a rever o papel doscomputadores na aprendizagem escolar- e, por-tanto, limitado às tecnologiasinfonnáticas -, dis-tingue entre quatro tipos principais de usos es-treitamente vinculados a outras tantas con-cepções dos processos de aprendizagem: o en-sino assistido por computador (EAO), orienta-do para a aprendizagem de conteúdos con-cretos que requerem muitas vezes fortes do-ses de exercitação e prática para serem me-morizados, tributária de uma concepção beha-viorista da aprendizagem e próxima de umavisão do ensino como transmissão de conhe-cimentos; os sistemas inteligentes de ensinoassistido por computador (IEAO) ou progra-mas tutoriais, cuja finalidade é similar à daEAO - facilitar a aquisição de uma série deconhecimentos ou de habilidades -, mas quese sustentam em uma visão da aprendizageminspirada nas teorias do processamento hu-mano da informação e na inteligência artifi-cial- ou seja, como um processo que consistebasicamente em buscar, selecionar, processar,organizar e memorizar a informação - e con-

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cebem o ensino como a tarefa que consisteem guiar e orientar esse processo; os micro-mundos informáticos - o mais famoso e co-nhecido é, sem dúvida, o micromundo cha-mado "Geometria da Tartaruga", criado porPapert (1981) em linguagem LOGO - e suautilização em ambientes de exploração, des-coberta e aprendizagem em que o aluno podeelaborar seus próprios projetos, modificá-lose melhorá-los, com uma visão da aprendiza-gem e do ensino inspirada em uma síntese deidéias da inteligência artificial e da teoria ge-nética de Piaget; e os ambientes de aprendiza-gem que integram os computadores com outrosrecursos didáticos para a aquisição de conteú-dos escolares específicos com base em potencia-lizar tanto a atividade auto-estruturante doaluno (ver o Capítulo 2 deste volume), comoa atividade de regulação e ajuda do professore de outros colegas (ver os Capítulos 17 e 16,respectivamente, deste volume), e que o au-tor relaciona com uma visão da aprendizageme do ensino fruto da "síntese entre construti-vismo, psicologia do ensino e teorias da me-diação" (Martí, 1992, p. 63).

Em uma revisão mais recente do tema,referente, nesse caso, à articulação das tecno-logias informáticas e da comunicação, Harasime outros (1995) distinguem três tipos básicosde aplicações educacionais das redes de traba-lho com computadores - computei: networks",Em primeiro lugar, as aplicações cuja finalida-de principal é reforçar a oferta dos cursos tra-dicionais, seja em uma modalidade presencialou a distância. O exemplo típico são as expe-riências que consistem em conectar turmas si-tuadas em diferentes lugares geográficos como objetivo de compartilhar e trocar informa-ção ou recursos, realizar projetos conjuntos ousimplesmente promover a interaçâo social e fa-cilitar a comunicação e o conhecimento mútu-os. Esse tipo de aplicações tornou-se extraor-dinariamente popular no transcurso das duasúltimas décadas e, atualmente, existem nume-rosas redes que conectam turmas de pratica-mente todos os níveis educacionais, desde aeducação infantil até a educação de adultos,situadas em países diferentes.

Em segundo lugar, as aplicações que con-sistem em utilizar as redes de trabalho comcomputadores, como aulas ou campos virtuais,isto é, como o meio principal para oferecer o

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ensino de um curso, ou uma parte dele, e pararealizar as correspondentes atividades de en-sino e aprendizagem, limitadas inicialmenteaos cursos de atualização e de formação per-manente. Esse tipo de aplicação se estendeuprogressivamente à educação inicial de níveluniversitário e inclusive, nestes últimos anos,ao ensino médio. Essa extensão produziu-se,além disso, em uma dupla direção; por umlado, são cada vez mais numerosas as institui-ções de educação a distância que utilizam oscampus virtuais como um meio a mais - e àsvezes como o único meio - para realizar seutrabalho; por outro, é cada vez mais frequenteque as instituições de educação inicial, parti-cularmente as de nível universitário e médio.utilizem os ambientes virtuais que permitemcriar as redes de trabalho com os computado-res visando à realização de algumas tarefas quealgumas vezes complementam, e outras vezessubstituem, em maior ou menor grau, as ativi-dades de ensino e aprendizagem presenciais-(Mason, 1998).

E, finalmente, as aplicações que consis-tem em estabelecer redes de trabalho com com-putadores entre diferentes comunidades de en-sino e aprendizagem com o objetivo de facili-tar e promover a aquisição da informação e aconstrução conjunta do conhecimento. Enquan-to os outros dois tipos de aplicações são com-patíveis em princípio, segundo Harasim e seucolaboradores, com uma visão transmissiva epassiva do ensino e da aprendizagem respecti-vamente, as redes de conhecimento - knowled-ge networks - respondem melhor aos princípiosda aprendizagem autodirigida, exigem a par-ticipação ativa de seus membros e a aprendi-zagem colaborativa e promovem a construçãoconjunta do conhecimento mediante a partici-pação em grupos de discussão, da troca de in-formações entre iguais ou com especialistas edo livre acesso aos recursos disponíveis na rede.

Uma terceira classificação dos usos e dasaplicações educacionais das NTIC, que se re-veste, a nosso ver, de um interesse especial é autilização pelo Cognition and Technology Groupat Vanderbilt (CTGY, 1996) para rever a pes-quisa realizada nesse campo desde os anos1960. A idéia do CTGV é que as mudanças quese produzem durante esse período nos objeti-vos e na metodologia das pesquisas e na natu-reza e nas finalidades das experiências e dos

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programas objeto de estudo estão diretamen-te relacionadas com as mudanças experimen-tadas na tecnologia, nas teorias da aprendiza-gem e em diversos aspectos da prática educa-cional. A partir daqui, são duas as dimensõespropostas para examinar as aplicações educa-cionais da NTIC: uma se refere à prática edu-cacional, e mais especificamente aos contex-tos educacionais em que se situam os progra-mas e experiências pesquisados; a outra, àsconcepções da aprendizagem e do ensino quesustentam esses programas e experiências, istoé, a seus contextos teóricos.

As três colunas da matriz representadano Quadro 25.2 mostram os valores utilizadospara definir a primeira dimensão: as aplica-ções educacionais das NTICpodem ocorrer e,portanto, ser objeto de estudo e pesquisa, nocontexto do laboratório, de turmas ou escolas

isoladas e de turmas ou escolas interco-nectadas. As três linhas indicam os valores es-colhidos para definir a segunda dimensão: asaplicações educacionais das NTIC podem sertributárias de modelos transmissivos ou, aocontrário, de modelos construtivistas da apren-dizagem e do ensino e, neste último, caso po-dem envolver apenas uma parte ou a totalida-de das atividades que se realizam durante operíodo escolar.O cruzamento das duas dimen-sões dá lugar às nove células da matriz quepermitem situar aproximadamente a maioriadas pesquisas revistas e proporcionam, ao mes-mo tempo, um esquema de conjunto particu-larmente útil para caracterizar o amplo lequede aplicações educacionais das tecnologias dainformação e da comunicação, identificar eavaliar suas semelhanças e diferenças e discer-nir algumas tendências na evolução que expe-

QUADRO 25.2 Esquema para a análise das aplicações educacionais das NTIC no contexto das teoriasda aprendizagem e da prática educacional

TURMAS, ESCOLAS TURMAS, ESCOLASLABORATÓRIO ISOLADAS CONECTADAS

MODELOS Programas de exercitação Programas de exercitação e Programas de educação aTRANSMISSIVOS e de prática em ortografia, de prática em ortografia, distância com várias turmas

matemática ou outros con- matemática ou outros con- ou escolas conectadas, or-teúdos escolares, aplica- teúdos escolares, aplicados ganizados em torno de dardos por pesquisadores. pelos professores habituais. conferências e administrar

provas de rendimento clás-sicas.

MODELOS Programas de orientação Programas de orientação Programas de orientaçãoCONSTRUTIVISTAS: construtivista (por exemplo, construtivista (por exemplo, construtivista (por exemplo,parte do horário escolar LOGO) nos quais o ensino LOGO) nos quais o ensino LOGO) nos quais o ensino

e a avaliação estão a car- e a avaliação estão a cargo e a avaliação estão a cargogo de pesquisadores. dos professores habituais. dos professores habituais, e

as turmas ou as escolasparticipantes estão conec-tadas telematicamente e in-teragem em torno de umprojeto compartilhado.

MODELOS Programas de orientação Programas de orientação Programas de orientaçãoCONSTRUTIVISTAS: construtivista que ocupam construtivista que ocupam a construtivista que ocupam atodo o horário escolar a totalidade do horário es- totalidade do horário esco- totalidade do horário esco-

colar, ocorrem em turmas lar e ocorrem em turmas ou lar e ocorrem em turmas ouou em escolas experimen- escolas regulares, mas que escolas regulares, que inte-tais e estão a cargo de operam independentemen- ragem em torno de proble-pessoal especialmente te umas das outras. mas ou de projetos com par-treinado. tilhados.

Fonte: Cognitiol1 and Techn%gy Group ai Vanderbilt, 1996.

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rimentaram no transcurso das últimas quatrodécadas.

De fato, o esquema do CTGVpermite am-pliar e matizar as classificações anteriores. As-sim, nas células correspondentes à primeira li-nha (1, 2 e 3), encontramos as propostas e asexperiências cujo objetivo principal é ofereceros conteúdos escolares utilizando as NTIC,massem renunciar a uma visão transmissiva daaprendizagem. A idéia diretriz, nesse caso, éque a utilização das NTICno ensino seja subs-tituindo a ação do professor, seja complemen-tando-a, pode mostrar resultados da aprendi-zagem dos alunos iguais ou superiores aos doensino tradicional. Situam -se aqui, portanto,as clássicas propostas e experiências de ensinoassistido por computador, amplamente difun-didas nos anos 1960 e 1970, as experiênciasmais recentes de educação a distância que in-serem as tecnologias informáticas e telemáticasem modelos pedagógicos abertamente trans-missivos e as que tratam as NTIC como novosconteúdos de ensino (conhecimento dos com-putadores e de suas utilidades e aplicações,como os processadores de texto, as folhas decálculo ou as bases de dados; aprendizagemde linguagens de programação; conhecimentodo manejo de redes de trabalho com computa-dores; e, em geral, programas de alfabetiza-ção em NTIC).

A passagem da primeira linha da matrizà segunda é determinada pela mudança no con-texto teórico, isto é, dos modelos transmissivosde aprendizagem e sua substituição por mo-delos de orientação construtivista. Embora deum ponto de vista externo, as aplicações edu-cacionais que se situam nas células desta linha(4, 5 e 6) podem apresentar semelhanças for-mais com as anteriores, a incorporação do prin-cípios construtivista lhes confere característi-cas nitidamente distintas. Assim, os programasde ensino assistido por computador evoluempara os sistemas inteligentes de ensino assisti-do por computador, às vezes chamados tam-bém de tutoriais inteligentes ou simplesmentetutoriais. A diferença fundamental entre uns eoutros reside no fato de que os segundos sebaseiam em modelos do funcionamento cog-nitivo dos alunos, de modo que permitem cap-tar ou "diagnosticar" os processos de pensa-mento subjacentes a suas respostas e atuaçõese ajustar o ensino subseqüente para que pos-

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sam continuar avançando em sua aprendiza-gem (ver, por exemplo, Lajoie e Derry, 1993;Hunt e Minstrell, 1994). Do mesmo modo, aspropostas e as experiências centradas na apren-dizagem e no domínio das aplicações e das uti-lidades dos computadores - processadores detexto, aplicações de cálculo, materiais multi-mídia, etc. - deixam de ser consideradas comoum conteúdo a mais para tornar-se um instru-mento de aprendizagem, às vezes a serviço daaquisição de outros conteúdos escolares e, àsvezes, também, a serviço de objetivos específi-cos (por exemplo, a resolução de problemas, acriação de textos, a realização de projetos, odesenvolvimento de habilidades e atitudes detrabalho em equipe, etc.).

Além disso, algumas das aplicações edu-cacionais das NTIC que encontramos nas célu-las desta linha estão indissoluvelmente associa-das aos modelos construtivistas e são inima-gináveis no contexto dos modelos pedagógi-cos transmissivos. É o caso, por exemplo, dautilização das NTIC para criar micromundosou ambientes informáticos e multimídia nosquais os estudantes podem dirigir sua própriaaprendizagem por meio de processos de des-coberta ou de descoberta orientada, assimcomo explorar situações ou problemas comple-xos, elaborar seus próprios projetos, modificá-los e melhorá-los. O micromundo da "Geome-tria da Tartaruga" de Papert, e de maneira maisgeral sua proposta de utilizar a linguagem deprogramação LOGOvisando a que os alunosaprendam a pensar e a aprender por si mes-mos, é, sem dúvida, a aplicação desse tipo maisconhecida, mas há muitas outras com propósi-tos e características parecidas (ver CTGV,1996,p.819-821).

Algo similar ocorre com o uso das NTICpara configurar redes de trabalho com compu-tadores orientadas para a construção conjuntaem colaboração do conhecimento (ver, porexemplo, Brown e Campione, 1994; Brown,ElleryeCampioni, 1998; CTGV,1994). De par-ticular interesse nesse caso, tanto pela funda-mentação teórica explícita de que foi objetoquanto por sua difusão e pela relativa facilida-de com que se pode estender aos mais diver-sos âmbitos da aprendizagem escolar, é oComputer Supported Intentional LearningEnvironment (CSILE), desenvolvido porScardamalia e Bereiter (Scardamalia e outros,

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1989; Scardamalia e Bereiter, 1994; Scarda-malia, Bereiter e Lamon, 1994). Basicamente,o ambiente CSILE é formado por um conjuntode computadores conectados em rede - nor-malmente oito - que oferece uma base de da-dos única e compartilhada à qual todos os alu-nos da turma podem dar contribuições, alémde consultar aquelas feitas por seu colegas,comentá-las - porém não modificá-las - ou criargrupos de discussão para debatê-las. Em umambiente desse tipo, a base de dados represen-ta o conhecimento construído em conjunto me-diante um processo de colaboração, e os alunos,como co-autores da base, participam de tal pro-cesso construtivo, em vez de simplesmente se li-mitarem a consultar o conhecimento armazena-do em bases de dados construídas por outros.

A passagem da segunda para a terceiralinha da matriz é menos radical que a anterior,já que não supõe uma mudança de contextoteórico, mas unicamente de contexto de práti-ca educacional. Enquanto que as aplicaçõespróprias da segunda linha se limitam a umaparte do horário escolar - e também, no geral,a apenas algumas turmas das escolas em quese realizam -, nesse caso é a totalidade do pro-cesso de escolarização e o ambiente de ensinoe aprendizagem em seu conjunto que são afe-tados pela introdução e pelo uso das NTIC. Valeadvertir, no entanto, que as aplicações suscetí-veis de ser incluídas nas células da terceira li-nha (7, 8 e 9) ainda são pouco numerosas eencontram-se em uma fase de desenvolvimen-to incipiente."

Tomado em seu conjunto, o esquema doCTG\' ajuda igualmente a entender a evoluçãodas aplicações educacionais das NTIC no trans-curso das quatro últimas décadas. Tal evolu-ção mestra u:na dupla tendência. Por um lado,produz-se ura deslocamento do interesse ma-joritário por experiências realizadas no labo-ratório rcélu.as 1. + e 7) para outras nas quaisparticipam turmas e escolas interconectadas,formando redes de trabalho com computado-res (células 3,6 e 9:: por outro, produz-se umasubstituição progressiva dos modelos transmis-sivos de aprendizagem (células 1, 2 e 3) pelosmodelos de orientação construtivista (células4 e 9). Desse modo, embora as aplicações edu-cacionais das NTIC provavelmente venham ase produzir no futuro em todas as células, aprevisão é que se concentrem cada vez mais

em torno da região inferior direita da matriz(5,6,8 e 9).

As três classificações comentadas são sufi-cientes para ilustrar nossa afirmação inicial so-bre o panorama extraordinariamente comple-xo e heterogêneo que projetam atualmente asaplicações educacionais das NTI C. Por um lado,podem ter um caráter bem mais pontual e umalcance relativamente limitado - como ocorre,por exemplo, quando se transformam em umconteúdo a mais de aprendizagem - ou, ao con-trário, configurar ambientes de ensino e apren-dizagem completamente distintos dos tradicio-nais - como ocorre, por exemplo, quando sãoutilizados para construir redes de aprendizageme de conhecimento. Por outro lado, como tam-bém sugerem em maior ou menor medida astrês classificações anteriores, o impacto das NTICnão depende tanto da complexidade das tecno-logias utilizadas e das possibilidades que ofere-cem para a implementação de novos formatosde comunicação e de atividade, quanto o mo-delo pedagógico em que seu uso se insere. Ésignificativo, a esse respeito, que um dos crité-rios utilizados nas três classificações comenta-das seja justamente o que se refere ao modelode ensino e aprendizagem de referência, a par-tir do qual se propõem e se projetam as aplica-ções educacionais; e também que nos três casosassinala-se a opção entre modelos de tipotransmissivo ou modelos de orientação constru-tivista como um dos fatores que dão conta -paralelamente à riqueza e à complexidade dastecnologias utilizadas - da existência de aplica-ções qualitativas distintas e de alcance e reper-cussão muito diversos sobre o que os alunos efe-tivamente aprendem e como aprendem.

Coerentemente com essas considerações,e de acordo com os princípios básicos da con-cepção construtivista do ensino e da aprendiza-gem apresentados no Capítulo 6 deste volume,a chave para avaliar o alcance e os usos educa-cionais das NTI C deve ser buscada, a nosso ver,em sua localização relativamente aos três ele-mentos do triângulo interativo - professor, alu-nos e conteúdos '-, e de forma muito particularem sua incidência sobre as relações e as intera-ções que se estabelecem entre esses três elemen-tos; em outras palavras, a chave está em anali-sar como e até que ponto os diferentes usos dasNTIC podem influenciar tanto os processos deconstrução de significados e de atribuições de

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sentido que os participantes realizam no trans-curso das atividades de ensino e aprendizagem,comotambém osmecanismos de influência edu-cacional que facilitam, promovem e apóiam es-ses processos construtivos,

Aquestão formulada nesses termos, podeser útil, tendo em vista a indagação do impac-to das NTIC sobre os processos de construçãodo conhecimento, estabelecer uma primeiradistinção entre, por um lado, as aplicações edu-cacionais que impõem, pelas próprias caracte-rísticas das tecnologias escolhidas, uma mudan-ça das coordenadas espaciais, e eventualmen-te temporais, em que se estabelecem as rela-ções entre os três elementos do triângulointerativo, e, por outro, as aplicações em quenão se dá esta circunstância. Essa distinção,que corresponde em linhas gerais à dicotomiaclássica entre ensino telemático e ensinopresencial, apresenta zonas obscuras, mas tema vantagem de chamar a atenção para um fa-tor diferencial das aplicações educacionais dasNTICparticularmente relevantes e interessan-tes para a compreensão dos mecanismos deinfluência educacional: a natureza e as carac-terísticas das interações que possibilitam e pro-movem entre os participantes.

As aplicações educacionais das NTIC, etambém as mais conhecidas e generalizadas,situam-se na segunda categoria; isto é, consis-tem em usos diversos dessas tecnologias emambientes de ensino e aprendizagem em queprofessor, alunos e conteúdos coincidem notempo e em um espaço físico determinado, nor-malmente a sala de aula. Na sala de aula, pro-fessor e alunos desenvolvem uma série de ati-vidades e tarefas mediante as quais o primeiroprocura exercer sua influência educacional eos segundos buscam apropriar-se dos signifi-cados que veiculam os conteúdos escolares edar-lhes sentido. Do ponto de vista das rela-ções e das interações entre os três elementosdo triângulo, esse tipo de ambientes caracteri-za-se pelo fato de que a quase totalidade detrocas comunicativas que se produzem entreos participantes - entre professor e alunos eentre alunos - realizam-se mediante uma inte-ração face a face e utilizam como suporte bási-co a linguagem oral (embora eventualmenteoutros suportes também possam desempenharum papel importante, como a linguagem es-crita ou outros sistemas semióticos).

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.2 433

Aunidade espacial e temporal desse tipode ambientes de ensino e aprendizagem en-quadra os usos possíveis das NTIC,que, no en-tanto, podem ser ainda muito diversos entresi. Dois critérios complementares nos parecem,por sua vez, particularmente relevantes paradistinguir entre esses usos em função de suaspossíveis repercussões sobre os processos deconstrução do conhecimento e os mecanismosde influência educacional. Em primeiro lugar,sua localização prioritária em relação aos trêselementos do triângulo. Assim, e limitando-nosà aplicações anteriormente comentadas, asNTICpodem ser introduzi das nesse tipo de am-bientes como:

conteúdos de ensino e aprendizagem(por exemplo, o conhecimento doscomputadores e de suas utilidades eaplicações; a aprendizagem de lingua-gens de programação; o conhecimen-to e omanejo de redes de trabalho comcomputadores; a alfabetização emNTIC; etc.);

- apoios ao ensino (EAO, tutoriais, si-mulações e, em geral, aplicaçõesinformáticas e materiais multimídiaelaborados com o objetivo de favore-cer a aquisição de conteúdos escola-res específicos);

- instrumentos para ter acesso à infor-mação e aos conhecimentos não dire-tamente disponíveis na sala de aula(acesso a bibliotecas, bases de dado,etc.);

- suportes para criar e explorar micro-mundos apresentados como ambien-tes de indagação e exploração susce-tíveis de promover nos alunos a aqui-sição e o desenvolvimento de habili-dades e habilidades cognitivas e meta-cognitivas (a "Geometria das Tarta-rugas" e outros micromundos criadoscom linguagem LOGOou outras lin-guagens de características parecidas);recursos para promover a construçãoconjunta e colaborativa do conheci-mento na sala de aula e, eventualmen-te, para configurá-la como uma comu-nidade de aprendizagem (a CSILEeoutros programas com característicase objetivos similares);

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recursos para potencializar e estendera comunicação da sala de aula com oambiente, abrir-se a outros grupos ouindivíduos e, eventualmente, tecer re-des de comunidades virtuais de apren-dizagem com outras turmas ou esco-las (o Schools for Thought Project eoutros programas com característicase objetivos similares).

Alguns desses usos - especialmente os trêsúltimos - estão histórica e teoricamente asso-ciados a uma visão construtivista da aprendi-z~g~m, mas outros são, em princípio, compa-trveis, tanto com modelos e enfoques pedagó-gicos construtivistas como nào-construtivistas.Assim, é possível fazer uma proposta transmis-siva ou construtivista do ensino e da aprendi-zagem de conteúdos relacionados com as NTICex~tamente da mesma maneira que é possívelfaze-lo com qualquer outro tipo de conteúdos'

• r ,

aSSImcomo e possível fazer um uso transmis-siv~ ou construtivista das NTIC como apoio aoenslI;o exatc:mente da mesma maneira que épossível faze-lo com qualquer outro tipo derecurso tecnológico. Daí a importância do se-gundo critério, que não é outro senão o mode-lo pedagógico de referência - o contexto teóri-co util~z~do~elo CTGVem sua classificação -,para distinguir entre os usos possíveis das NTICnos ambientes presenciais. Daí também o inte-resse e a complexidade que supõe a introdu-ção das NTICnos ambientes escolares de ensi-no e~aprendizagem e o estudo de suas reper-cussoes sobre os processos de construção doconhecimento que ocorrem neles. Por sua na-tureza e suas características, as NTIC encer-ram, como vimos no terceiro item deste capí-tulo, um enorme potencial para a aprendiza-gem, mas a concretização desse potencial de-pende em última análise de como as tecno-logias se inserem no triângulo interativo e dopapel que acabam desempenhando nas rela-ções e interações entre os três elementos dotriângulo.

.Tal argumento, referente até aqui aosambientes presenciais, adquire maior força ain-da quando consideramos a utilização das NTICem ~mbientes não-presenciais. Nesse tipo deambientes, caracterizados pela falta de unida-de espacial do processo de ensino e aprendiza-

gem, alunos, professor e conteúdos não coin-cidem em um lugar físico concreto, mas a in-trodução das NTIC permite criar um espaço,um lugar ou uma sala de aula virtual onde seproduz o encontro (TiffineRajasingham, 1997;Duart e Sangrà, 1999). Do ponto de vista dasrelações e das interações entre os três elemen-tos d~ triângulo, os ambientes desse tipo ca-ractenzam-se pelo fato de que as trocas comu-nicativas de professores e alunos em torno dosconteúdos e das tarefas que se realizam nesseespaço virtual utilizando tecnologias de tele-comunicação. A interação face a face e a lin-guagem oral como suporte básico de comuni-cação são substituídos respectivamente pela~elemática e pela linguagem escrita e pelasImagens - estáticas e em movimento."

Assim, os ambientes de ensino e aprendi-zagem não-presenciais baseados na utilizaçãode tecnologias infonnáticas e telemáticas intro-duzem mudanças importantes nas relações enas interações entre os três elementos do triân-gulo interativo. Contudo o impacto de tais mu-danç~s sobre os processos de construção do co-nhecimento e sobre os mecanismos de influên-cia educacional não é uniforme, mas depende~e uma. sé~ie de fatores cuja consideração éimprescindível, pelo menos de uma perspecti-va construtivista, para analisar e avaliar as pro-postas e experiências que têm em comum autilização das NTICpara a preparação de am-bientes temáticos de ensino e aprendizagem.Sem nenhuma disposição para sermos exaus-tivos, duas dimensões parecem-nos particular-mente significativas a respeito.

A primeira refere-se à intensidade, à ri-queza e à natureza das interações - entre pro-f~ssor e alunos e entre alunos - que os disposi-tlVOSe recursos tecnológicos utilizados possi-bilitam ou exigem. Enquanto alguns ambien-tes utilizam uma grande variedade de recur-sos tecnológicos orientados para promover efacilitar tais interações, outros se limitam a ofe-recer a possibilidade de intercâmbios pontuais- normalmente mediante o uso do correio ele-trônico - entre professor e alunos. Quanto ànatureza das interações, a distinção crucial ése os recursos e dispositivos utilizados promo-vem ou exigem interações sincrônicas (quesupõem o restabelecimento da unidade tem-poral dos processos de ensino e aprendizagemno espaço virtual) ou assincrónicas (nas quais

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a presença dos participantes no espaço virtualnão coincide no tempo). Amaioria dos ambien-tes telemáticos utiliza os dois tipos de recursose, conseqüentemente, promove tanto intera-ções sincrônicas como assincrônicas, mas opeso relativo de uma e outras, e em particularo fato de que se apresentem como uma possi-bilidade ou uma exigência, introduz claras di-ferenças entre eles.

A segunda refere-se à fonte de influênciaeducacional a que se dá prioridade na proje-cão e no funcionamento do ambiente de ensi-:::' e aprendizagem. Assim, por exemplo, boa;:':L'ledos ambientes temáticos atuais apostamc.aramente em situar essa fonte nos materiaisC.e aprendizagem; são ambientes caracteriza-dos por oferecer ao aluno materiais escritos oumultimídia mais ou menos sofisticados cujoobjetivo é estimular a auto-aprendizagem e nosquais o papel do professor fica reduzido ao demero consultor diante de eventuais problemasou dificuldades. Outros, em contrapartida, si-tuam a fonte de influência educacional no pro-fessor, considerado o principal responsável portransmitir o conhecimento aos alunos, exata-mente da mesma forma como ocorre muitasvezes nos ambientes presenciais, com a únicadiferença de que, nesse caso, os alunos estãogeograficamente distantes, e as tecnologias daeducação constituem o instrumento que per-mite superar tal distância. Outros situam a prin-cipal fonte de influência educacional na ativi-dade conjunta que professores e alunos desen-volvem em tomo dos conteúdos e dos materiaisde aprendizagem; é o caso de ambientes quepromovem as interações sincrônicas e assincrô-nicas entre professores e alunos, e que incluemuma ampla gama de recursos e dispositivostecnológicos especialmente orientados paraesse fim. E outros ainda, para mencionar ape-nas uma possibilidade a mais entre muitas ou-tras, apostam na interação entre alunos em tor-no dos materiais, das tarefas ou das atividadesde aprendizagem como fonte prioritária de in-fluência educacional, limitando o papel do pro-fessor ao de um participante a mais e eventu-almente com funções específicas de facilitadorou orientador. Embora também no que se refe-re a essa dimensão os ambientes temáticos deensino e aprendizagem costumem ter um ca-ráter misto - particularmente quando se anali-sam os projeto teóricos e os discursos justifica-

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tivos correspondentes -, seu funcionam entereal muitas vezes evidencia a preponderânciade uma ou de outra frente, o que dá lugar adiferenças importantes entre eles quanto a05mecanismos de influência educacional qUEpõem em prática e também, conseqüentemen-te, quanto a processos e resultados de apren-dizagem dos participantes.

O olhar sobre as aplicações educacionaisdas NTIC que acabamos de esboçar, inspiradonos princípios básicos da concepção construti-vista do ensino e da aprendizagem, está longede fazer justiça à complexidade e à heteroge-neidade de propostas e experiências atualmen-te em andamento, mas é suficiente para mos-trar os desafios impostos por essas tecnologiastanto para a pesquisa psicoeducacional e didá-tica como para a prática educativa. Encerrare-mos este capítulo com alguns breves comentá-rios, a título de conclusão, sobre alguns dessesdesafios.

AS TECNOlOGIAS DA INFORMAÇÃOE DA COMUNICAÇÃO: ESTíMULOSE DESAFIOS PARA A TEORIA EA PRÁTICA EDUCACIONAIS

O impacto das NTIC sobre a educação es-colar tem duas vertentes distintas, embora com-plementares. Em primeiro lugar, essas tecnolo-gias, por sua natureza e suas características,anunciam mudanças em profundidade na edu-cação escolar. Do ponto de vista da concepçãoconstrutivista adotada como marco teórico dereferência neste capítulo, a importância dasmudanças reside em sua potencialidade paratransformar as relações entre os três elementosdo triângulo interativo e, conseqüentemente, noimpacto que têm, ou podem chegar a ter, sobreos processos de construção do conhecimento.Além disso, a apresentação realizada deixa en-trever que o impacto das NTIC começa a se pro-duzir tanto no que diz respeito ao ensinopresencial - quando se mantém a unidade es-pacial e temporal dos três elementos -, quantono caso do ensino total ou parcialmente não-presencial- quando se rompe em maior ou emmenor medida essa unidade. Em segundo lu-gar, por suas crescentes ubiqüidade e presençana sociedade da informação e do conhecimen-to, as NTIC configuram novos espaços e cená-

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:~ JS educacionais cada vez mais influentes e de-::5;""05 nos processos de desenvolvimento e desocialização das pessoas, em geral, e das novasgerações, em particular. As NTIC, se nos permi-tem a expressão, não apenas transformam aeducação escolar "de dentro", como tambémestão começando a transformá-la "de fora", for-çando uma revisão crítica das funções e das fi-nalidades e que presidiram, e ainda continuampresidindo em boa medida, sua organização, seufuncionamento e seus objetivos.

A dupla vertente do impacto das NTIC so-bre a educação escolar certamente abre váriasindagações e impõe desafios inéditos para pro-fessores, pesquisadores, planejadores e gesto-res da educação e responsáveis políticos. Se doponto de vista ideológico e político o desafiofundamental reside em arbitrar medidas urgen-tes que impeçam que as NTIC acabem se confi-gurando em nossa sociedade como uma novae poderosa fonte de discriminação social, eco-nômica e cultural - conforme se tenha acessoou não ao fluxo de informação e conhecimen-to que proporcionam -, do ponto de vista prá-tico, a urgência concretiza-se em superar as di-ficuldades que coloca a incorporação efetivadessas tecnologias às escolas, aos institutos, àuniversidade e, em geral, a todas as institui-ções que constituem o sistema educacional. Aeducação formal, e em particular os ensinosfundamental e médio, é e continuará sendo du-rante muito tempo o cenário por excelênciapara garantir o acesso ao conjunto da popula-ção ao saber e ao conhecimento. A educaçãoescolar, transformada e melhorada em sua ca-pacidade para satisfazer as necessidades deformação das pessoas como resultado, em par-te, da própria incorporação das NTIC, é, semdúvida, a peça-chave de uma alfabetização queabarca não apenas o conhecimento das novastecnologias e de suas linguagens, como tam-bem. e muito particularmente, de seus usos: :::r:oinstrumentos de acesso ao saber, de cons-=--..::3.0 do conhecimento e de realização pes-o = i. ç coletiva. Para isso, será necessário, na-:-"::~:::lçIHe. dotar as escolas com o equipamen-::: ;: ::5 recursos tecnológicos necessários, mass,,:-":::"ç::s::. sobretudo, formar adequadamen-:e ::: ;::::::'essores e impulsionar os processos:'ô: :=_~:=-=-:':::'::3.çàoe experimentação que incor-=- ::=--'..:::. ;:s ,:-':-::C aos cenários escolares.

Não menos importantes, contudo, são osdesafios que as NTIC trazem para a pesquisa epara a elaboração teórica. As características e oalcance de cenários educativos não-escolarespara cuja configuração e extensão contribuemde forma tão decisiva; a influência crescentedesses cenários nos processos de desenvolvimen-to, de socialização e da formação das pessoas;a falta de coordenação entre esses cenários e aeducação escolar e as vias para obtê-la; a possi-bilidade de que se produzam ocultações e con-tradições entre uns e outra e a forma de superá-los; a eventual colisão entre a figura do profes-sor e outras figuras educacionais que operamnesses cenários e como enfrentá-la; as conse-qüências da perda de status das instituições edu-cacionais e dos professores como vias fundamen-tais de acesso ao saber e ao conhecimento; ainevitável redefinição das finalidade, das fun-ções e dos conteúdos da educação escolar queexige essa nova situação são apenas algumasquestões, entre muitas outras, em torno dasquais confluem atualmente numerosos esforçoda pesquisa educacional nesse campo.

Mas é preciso acrescentar ainda a estasquestões, relacionadas sobretudo com a segun-da vertente que assinalávamos no início desteitem, aquelas que dizem respeito mais direta-mente à primeira, isto é, ao impacto que têmas NTIC na configuração dos ambientes esco-lares de ensino e aprendizagem e aos proces-sos de construção do conhecimento que ocor-rem neles. Embora o fato de ter dedicado boaparte do capítulo a essa vertente da problemá-tica torne desnecessário neste caso, por serrepetitivo, qualquer empenho de enumeração,pode ser oportuno, em contrapartida, citar maisuma vez, para concluir, as três linhas de traba-lho e de pesquisa particularmente relevantes,a nosso ver, do ponto de vista de uma psicolo-gia da educação escolar inspirada nos princí-pios construtivistas.

A primeira diz respeito ao estudo dosmecanismos de influência educacional nosambientes de ensino e aprendizagem que utili-zam as NTIC. À medida que, como tivemosoportunidade de comprovar no item '?\'stecno-logias da informação e da comunicação e osprocessos de ensino e aprendizagem" deste ca-pítulo, as tecnologias introduzem mudançassignificativas nas relações e nas interações quese estabelecem entre os três elementos do tri-

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ângulo interativo e também à medida que,como se explica detalhadamente no Capítulo17 deste volume, tais relações e interações são,ao mesmo tempo, a plataforma e o recurso porexcelência de que dispõem professores e alu-nos para avançar juntos na construção de sig-nificados e na atribuição de sentido à aprendi-zagem escolar, o estudo de mecanismos de in-fluência educacional nesse tipo de ambientesemerge como um tema prioritário de estudo ede pesquisa.

A segunda refere-se ao uso das NTIC paraestimular e promover situações de aprendiza-gem colaborativa. Numerosas pesquisas reali-zadas no transcurso das últimas décadas (vero Capítulo 16 deste volume) oferecem resulta-dos conclusivos quanto à superioridade do tra-balho colaborativo entre iguais, comparadocom outras formas de organização social dotrabalho escolar, quanto aos resultados deaprendizagem. As NTIC oferecem possibilida-des novas e até há pouco tempo inimagináveispara a colaboração entre iguais, sendo este umdos argumentos utilizados com maior insistên-cia para apoiar sua incorporação à educaçãoescolar (Dillenbourg, 1999; Hansen e outros,1999; Littleton e Hákkinen, 1999). Contudo,a exploração dessas possibilidades, as con-dições que permitem concretizá-las e a suaincidência sobre os processos e os resultadosda aprendizagem são temas que ainda reque-rem importantes esforços de estudo e de in-dagação.

A rercerra e iíúúna relaciona-se com a au-sência significativa que ainda existe de conhe-cimentos contrastados sobre as repercussõescognitivas e emocionais do uso das NTIC nasatividades escolares de ensino e aprendizagem.:?elomenos no que se refere ao uso dessas tec-nologias em ambientes não-presenciais, a maio-ria dos trabalhos realizados até o momento sãoem boa medida de natureza não-teórica eenfatizaram sobretudo o projeto e o desenvol-vim ento de dispositivos e de recursos tecnoló-gicos - materiais multimídia, chats, fóruns dedebate, videoconferências, ambientes virtuais,etc. - e na descrição de experiências (ver, porexemplo, as revisões de Blanton, Moorman eWoodrow Trathen, 1998; Windschitl, 1999;Fabos e Young, 1999). Como conseqüência dis-so, os processos biológicos envolvidos na apren-dízagem, em sua tripla vertente cognitiva, emo-

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cional e relacional, assim como os tipos de ati-vidades e de tarefas que comportam melhortais recursos e dispositivos tecnológicos, con-tinuam sendo desconhecidos em muitos de seusaspectos essenciais.

NOTAS

1. Assim como em outros capítulos deste livro, aexpressão "educação escolar" é utilizada aquiem um sentido amplo para designar as ativi-dades e práticas educacionais formais que ocor-rem em instituições especificamente pensadas,projetadas e organizadas para ensinar e apren-der, independentemente das idades e de ou-tras características de professores e alunos, eda natureza, da complexidade e da amplitudedos objetivos e dos conteúdos que são objetode ensino e aprendizagem. Assim, salvo indi-cação expressa em sentido contrário, utiliza-mos essa expressão para nos referir indistinta-mente a atividades e práticas educacionais queocorrem nas escolas, centros de formação pro-fissional, centros de ensino superior ou univer-sitário e, em geral, qualquer instituição comfins educativos.

2. De fato, existe evidência de que, por razõesdiversas de ordem educacional e cultural, hojeem dia os homens e as mulheres diferem tantonas atitudes como na freqüência de uso dasnovas tecnologias (Bannert e Arbinger, 1996).

3. Um levantamento recente do Centro de Pes-quisas Sociológicas (novembro de 2000) assi-nala que apenas 17% dos espanhóis maioresde 18 anos utilizam a internet, e que 22°/Íl doscidadãos desconhecem o que é a rede. Os quea utilizam o fazem, em ordem de preferência,para buscar informação e notícias, "papear",realizar gestões bancárias, buscar empregos efazer compras. Dos espanhóis entrevistados,74% são favoráveis a que se empreendam mai-ores esforços para que a internet seja acessívelà maioria da população. Por outro lado, emum estudo recente do Instituto Municipal deInformática de Barcelona (dezembro de 2000,El Periódico, 8 dejaneiro de 2001), pode-se ob-servar o avanço na difusão do uso da internetna cidade de Barcelona e sua diferença com amédia espanhola: enquanto que, no ano de1997, apenas 6,4% dos barceloneses tinhamacesso à rede, em finais de 2000, a porcenta-gem eleva-se 13 32%\ -co.wp"'.dv.eJ a m.éDi'i'5 DEoutros países europeus. Todos esses dados in-

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dicam, por um lado, a escassa, mas crescenteextensão das NTIC na Espanha, e, por outro,evidenciam as diferenças que pode haver en-tre grupos distintos de pessoas.

4. Os computer networks, e a sua versão educa-tiva, os learning network.s são definidos como"grupos de pessoas que utilizam redes de tra-balho de comunicação mediada por computa-dor [computer-mediated communication] como objetivo de aprender juntos quando, onde eno ritmo que mais lhes convém e é mais apro-priado para as tarefas" (Harasin e outros, 1995,p. 4). As redes de aprendizagem "são forma-das de hardware, software e linhas de comuni-cação. Os elementos tecnológicos básicos dehardware são um computador pessoal ou umterminal de trabalho e um modem [...] O se-gundo componente é o software utilizado paraa interação entre os membros do grupo [...] Oúltima componente é a própria rede de traba-lho que conecta os computadores permitindoa amplos grupos de pessoas utilizarem osoftware compartilhado do sistema para comu-nicar-se e aprender juntos" (op. cit., p. 16).

5. AAmerican Open University, a British Open Uni-versity e a Universidade Nacional de Educaçãoa Distância (UNED) são alguns exemplos, en-tre muitos outros, de instituições universitári-

as que apoiaram com força os campi virtuaiscomo uma opção a mais para oferecer educa-ção a distância. Já a Universitat Oberta deCatalunya (UOC), assim como outras com ca-racterísticas similares, é uma universidade adistância, pensada desde seu início exclusi-vamente como uma "universidade virtual". Porúltimo, a maioria das universidades tradici-onais já inclui, em boa parte de seus cursospresenciais, atividades de ensino e aprendi-zagem que se realizam em ambientes virtuais,isto é, em redes de trabalho com computa-dores.

6. Um exemplo ilustrativo desse tipo de aplica-ções é o School for Thought Project, que tiraseu nome do conhecido livro de Bruer (1995)e que é fruto da ampliação e da colaboraçãode outros projetas, como o já mencionadoCSILEde Scardamalia e Bereiter, que se situanas células 5 e 6 do esquema do CTGV(ver,por exemplo, Lin e outros, 1995).

7. Asinterações telemáticas às vezes também uti-lizam como suporte a linguagem oral - comoocorre, por exemplo, no caso das videocon-ferências e da comunicação mediante câmarasweb -, mas o suporte básico, nesse caso, é qua-se sempre a linguagem escrita e as imagens.