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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Curso de Relações Internacionais Franciely Torrente Veloso COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS: um estudo do caso da bacia do Rio Mekong Belo Horizonte 2014

Cooperação Internacional Para Gestão de Recursos Hídricos Transfronteiriços - Um Estudo Do Caso Da Bacia Do Rio Mekong

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Este trabalho tem como objetivo analisar os fatores que têm sido considerados relevantes para o sucesso da cooperação internacional para a gestão de recursos hídricos transfronteiriços. Para tal, buscou-se fazer esta análise à luz das abordagens que discutem a cooperação internacional para a gestão de recursos hídricos compartilhados. Tendo como caso em estudo a bacia do Rio Mekong, compartilhada por Camboja, China, Laos, Myanmar, Vietnã e Tailândia, elaborou-se uma contextualização quanto aos aspectos socioeconômicos, demográficos, as implicações da ocupação humana e das atividades econômicas da bacia. Ademais, foi apresentado o histórico das iniciativas de cooperação, assim como, o processo de criação de acordos e instituições para a gestão da bacia do Rio Mekong. Foi utilizada uma metodologia qualitativa por meio de análise documental.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Curso de Relações Internacionais

Franciely Torrente Veloso

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS

TRANSFRONTEIRIÇOS: um estudo do caso da bacia do Rio Mekong

Belo Horizonte

2014

Franciely Torrente Veloso

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS

TRANSFRONTEIRIÇOS: um estudo do caso da bacia do Rio Mekong

Monografia apresentada ao Curso de Relações

Internacionais da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como requisito parcial para

obtenção do título de Bacharel em Relações

Internacionais.

Orientadora: Profa. Dra. Matilde de Souza

Belo Horizonte

2014

Franciely Torrente Veloso

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS

TRANSFRONTEIRIÇOS: um estudo do caso da bacia do Rio Mekong

Monografia apresentada ao Curso de Relações

Internacionais da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como requisito parcial para

obtenção do título de Bacharel em Relações

Internacionais.

_____________________________________________

Profa. Dra. Matilde de Souza (Orientadora) – PUC Minas

_____________________________________________

Prof. Dr. Danny Zahreddine – PUC Minas

_____________________________________________

Prof. Rodrigo Corrêa Teixeira – PUC Minas

Belo Horizonte, 30 de julho de 2014.

AGRADECIMENTOS

À FAPEMIG e ao Programa de Bolsas de Iniciação Científica da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, pelo suporte financeiro, essencial para a realização

desse projeto.

À Matilde, por tudo o que me ensinou e pela oportunidade única no mundo da

pesquisa. Agradeço também toda a paciência e dedicação que teve durante todas as

orientações.

À minha mãe, por contribuir de diversas formas para minha formação.

Aos Professores do curso de Relações Internacionais, por todo conhecimento

repassado e pelo crescimento pessoal e profissional que me proporcionaram.

Rebeca, sou grata pelo companheirismo no PPGRI e na vida.

Luiza, Sílvia e Patricia, obrigada por todo apoio.

Marília e Érika, agradeço todo o incentivo.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar os fatores que têm sido considerados relevantes para

o sucesso da cooperação internacional para a gestão de recursos hídricos transfronteiriços.

Para tal, buscou-se fazer esta análise à luz das abordagens que discutem a cooperação

internacional para a gestão de recursos hídricos compartilhados. Tendo como caso em estudo

a bacia do Rio Mekong, compartilhada por Camboja, China, Laos, Myanmar, Vietnã e

Tailândia, elaborou-se uma contextualização quanto aos aspectos socioeconômicos,

demográficos, as implicações da ocupação humana e das atividades econômicas da bacia.

Ademais, foi apresentado o histórico das iniciativas de cooperação, assim como, o processo

de criação de acordos e instituições para a gestão da bacia do Rio Mekong. Foi utilizada uma

metodologia qualitativa por meio de análise documental.

Palavras-chave: Cooperação Internacional. Gestão de recursos hídricos transfronteiriços.

Instituições. Bacia do Rio Mekong.

ABSTRACT

This work aims to analyze the factors that have been considered relevant to success of

international cooperation for management of transboundary water resources. To this, it was

aimed to examine it in the light of the approaches that discuss international cooperation for

the management of shared water resources. Taking the Mekong River Basin as a case study,

shared by Cambodia, China, Laos, Myanmar, Vietnam and Thailand, it was elaborated a

contextualization in terms of socioeconomic, demographic aspects, the implications of human

settlement and economic activity in the basin. Furthermore, it was presented the historic of

initiatives of cooperation, as even the process of creating agreements and institutions for the

management of the Mekong River basin. A qualitative methodology through document

analysis was used.

Keywords: International Cooperation. Management of transboundary water resources.

Institutions. Mekong river basin.

LISTA DE SIGLAS

CPR – Common Pool Resources

ONU – Organização das Nações Unidas

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

WWF- World Wide Fund for Nature

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations

UNEP - United Nations Environment Programme

UNECAF - Economic and Social Commission for Asia and the Far East

MRC – Mekong River Commission

CM – Comitê do Mekong

CIM – Comitê Interino do Mekong

UNDP – United Nations Development Programme

PDB – Plano de Desenvolvimento da Bacia

ASEAN – Association of Southeast Asian Nations

ADB – Asian Development Bank

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 08

1 COOPERAÇÃO PARA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS

COMPARTILHADOS ..................................................................................................... 10

1.1 Gestão de bens comuns .............................................................................................. 10

1.2 A água como um Common Pool Resource e um bem público ............................... 15

1.3 A inserção da temática hídrica na agenda ambiental internacional ...................... 16

1.4 Cooperação para a gestão de recursos hídricos compartilhados e a criação de

instituições ......................................................................................................................... 19

2 A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO MEKONG .................................................. 27

2.1 Localização e características da região da bacia ................................................... 27

2.1.1 Zonas biogeográficas ............................................................................................... 30

2.2 Aspectos demográficos e socioeconômicos .............................................................. 32

2.3 Implicações da ocupação humana e da atividade econômica na bacia ................ 35

3 A ESTRUTURA INSTITUCIONAL DE GESTÃO DA BACIA DO RIO

MEKONG ......................................................................................................................... 40

3.1 Perspectiva histórica da criação da estrutura institucional para a gestão da

bacia do Rio Mekong e as iniciativas de cooperação ..................................................... 40

3.2 O Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio

Mekong .............................................................................................................................. 46

3.2.1 A Comissão do Rio Mekong e sua estrutura organizacional .............................. 47

3.2.2 Diretrizes e procedimentos acordados entre os Estados ripários do Baixo

Mekong ............................................................................................................................. 50

3.3 Os planos e programas desenvolvidos na bacia pela MRC ................................... 51

3.4 Iniciativas e programas desenvolvidos por outros atores ...................................... 54

CONCLUSÕES ................................................................................................................. 56

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 60

8

INTRODUÇÃO

A agenda ambiental tem sido muito discutida nas últimas décadas no campo das

Relações Internacionais. Um dos temas que tem grande relevância e tem ocupado esta agenda

é a gestão compartilhada de recursos naturais, como por exemplo, a água. Desde a década de

1970, a gestão dos recursos hídricos tem ganhado mais espaço nos debates do cenário

internacional. A realização de diversas Conferências internacionais que discutiam essa

temática buscou medidas para atenuar e controlar os problemas decorrentes da má gestão dos

recursos hídricos, ao uso insustentável da água, dos riscos relacionados à escassez, poluição,

desastres ambientais, doenças ligadas à falta de saneamento e dos conflitos existentes entre os

Estados que compartilham bacias hidrográficas. Os problemas de ação coletiva dificultam a

gestão de águas de forma sustentável e criam entraves à cooperação. Todavia, como

desdobramento destas Conferências, princípios e diretrizes para a gestão dos recursos hídricos

foram recomendados aos Estados, e as instituições possuem grande importância no processo

de gestão desses recursos e na coordenação de interesses e ações dos usuários locais e

transfronteiriços.

O caso em estudo neste trabalho é o da bacia hidrográfica do Rio Mekong,

compartilhada por China, Myanmar, Camboja, Laos, Vietnã e Tailândia. Considerando a

importância do tema que orienta a construção deste trabalho, sua agenda ambiental

internacional e tendo como caso em estudo a referida bacia hidrográfica, esta pesquisa tem

como objetivo geral discutir os fatores que levam ao sucesso da cooperação internacional para

a gestão de recursos hídricos transfronteiriços. Os objetivos específicos são: 1) contextualizar

a bacia do Rio Mekong quanto aos aspectos socioeconômicos, demográficos, as implicações

da ocupação humana e das atividades econômicas na bacia; 2) apresentar historicamente

como se deu o processo de cooperação e criação de instituições e acordos para a gestão da

bacia do Rio Mekong; 3) identificar e analisar na estrutura institucional de gestão da bacia

hidrográfica do Rio Mekong a presença dos princípios propostos por Elinor Ostrom(1990)

para a criação de instituições.

A pergunta que move esta pesquisa é: “Quais fatores levam ao sucesso da cooperação

internacional para a gestão de recursos hídricos transfronteiriços”. Por meio dessa

problemática deseja-se analisar e compreender os fatores que levam ao sucesso da cooperação

internacional de gestão de águas internacionais e tomar como caso em estudo a estrutura

institucional de gestão da bacia supracitada. Ao partir desta pergunta, as hipóteses que

9

orientam este trabalho são: 1) os Estados têm buscado cooperar na gestão de águas

compartilhadas mediante a criação de acordos, tratados e estruturas institucionais que

facilitam o diálogo e a coordenação das ações e dos interesses; 2) o que leva ao sucesso da

gestão é a incorporação de stakeholders nas discussões, a simetria e disponibilização de

informações entre os Estados usuários do recurso, sistemas de monitoramento da qualidade da

água, ações coordenadas para promoção do desenvolvimento sustentável e aplicações de

sanções para os descumpridores de regras.

O entendimento metodológico à problemática se fez por meio de teóricos

institucionalistas e da abordagem de Elinor Ostrom (1990) sobre a gestão de common pool

resources e os oito princípios que poderiam orientar a criação de estruturas institucionais para

esse fim, que serão apresentados no decorrer deste trabalho. Utilizando-se de uma

metodologia qualitativa, instrumentalizada por uma abordagem descritiva e analítica, este

trabalho foi realizado através de estudo teórico, análise de documentos produzidos por

Universidades referência em pesquisa sobre recursos hídricos transfronteiriços, relatórios de

organizações internacionais e organizações não-governamentais e documentos para

compreender o processo de criação da estrutura institucional responsável pela gestão das

águas transfronteiriças, os principais problemas, desafios e dificuldades enfrentados do estudo

de caso selecionado.

Este trabalho está dividido em três seções. O primeiro capítulo consiste na discussão

teórica sobre a cooperação internacional para a gestão de recursos hídricos compartilhados e a

criação de estruturas institucionais para este fim, a inserção da temática hídrica na agenda

ambiental internacional e o tratamento da água como um common pool resource e um bem

público global. A segunda seção apresenta as características gerais do caso em estudo deste

trabalho, a bacia hidrográfica do Rio Mekong, bem como os aspectos demográficos,

socioeconômicos, as implicações da ocupação humana e da atividade econômica na bacia. O

último capítulo aborda o desenho institucional para a gestão da bacia do Rio Mekong, sendo

analisados o histórico das iniciativas de cooperação, o acordo de cooperação e o plano de

gestão da referida bacia, bem como as iniciativas e programas desenvolvidos por outros

atores.

10

1 COOPERAÇÃO PARA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS

COMPARTILHADOS

Este capítulo desenvolve uma discussão teórica sobre a gestão de bens comuns e

examina a água como um bem público global e como um common pool resource (CPR),

conceitos que serão apresentados posteriormente. Ademais, serão analisados a inserção da

água como temática da agenda ambiental internacional e os elementos relacionados à

cooperação internacional e à criação de estruturas institucionais para a gestão de recursos

hídricos compartilhados.

1.1 Gestão de bens comuns

Para analisar os problemas e questões teóricas relacionados à gestão de bens comuns,

primeiramente é necessário definir alguns elementos que são essenciais para compreender a

conexão que os envolve, assim como seu domínio, o direito de propriedade e a tipologia de

bens. De acordo com Buck (1998), “um recurso é qualquer coisa usada para atender as

necessidades de um organismo. Alguns recursos são naturais, e passam a ter valor econômico

ou social quando extraídos de seu estado natural.” (BUCK, 1998, p. 3-4, versão livre)1. O

local, ou a dimensão espacial onde o recurso se encontra, é denominado domínio de recurso.

Buck (1998) compreende que o direito de propriedade abarca, além do sentido do exercício

dos direitos do cidadão reconhecidos pela lei sobre a “coisa física”, também a garantia e a

proteção do bem pelo governo. Assim sendo, como afirma a autora, os direitos de propriedade

podem ser exercidos por indivíduos, grupos de indivíduos, empresas, comunidades ou

Estados, além de envolver o direito de acesso, extração, exclusão, venda, transferência e

herança do recurso.

Prosseguindo com a discussão da autora, a explanação sobre os tipos de propriedade e

a tipologia dos bens se faz necessária. Dois tipos de propriedade interessam especificamente

para esse trabalho: a res publica e a res communis2. De acordo com Buck (1998), o primeiro

refere-se aos bens cujo direito de propriedade é assegurado pelo governo para uso e benefício

1 A resource is anything that is used to meet the needs of an organism. Some resources are natural resources, that

is, material that has economic or social value when extracted from its natural state. 2 Expressões que significam “coisa pública” e “coisa da comunidade”, respectivamente. Mais informações em:

FELLMETH, Aaron X.; HORWITZ, M. Guide to latin in international law. Oxford: Oxford University Press,

2011. Ver também: BLUNDEN, A.; MANN, T. Australian Law Dictionary. Oxford: Oxford University Press,

2010.

11

do público e o segundo diz respeito às coisas que são acessíveis a qualquer usuário e que não

podem ser adquiridas exclusivamente como um todo por um indivíduo ou governo. Contudo,

segundo a própria autora, essas categorias são de utilidade limitada por rotular recursos

comuns a partir do domínio, da natureza e da localização em que se encontram. Por isso,

conforme Buck (1998), uma perspectiva mais útil é considerar os dois atributos dos recursos:

a subtratividade3, o grau no qual a apropriação de partes do recurso diminui a quantidade

disponível para os demais, e a exclusão, dificuldade ou facilidade para excluir usuários.

A contribuição de Elinor Ostrom (1990) sobre a gestão dos bens comuns,

especialmente os common pool resources (CPR), e sobre o papel das instituições será aplicada

na análise do caso proposto neste trabalho, uma vez que, a autora apresenta uma alternativa

para lidar com a gestão de recursos comuns que inclui a criação de instituições que atuem de

maneira eficiente e cooperativa, de forma que seja possível enfrentar as dificuldades e propor

soluções para os problemas decorrentes dos dilemas de ação coletiva e do mau uso dos

recursos.

Segundo Ostrom (1990), o termo common pool resources “refere-se a um sistema de

recursos naturais ou artificiais suficientemente amplos para tornar custosa (mas não

impossível) a exclusão de beneficiários potenciais de obterem benefícios do seu uso”.

(OSTROM, 1990, p.30, versão livre)4. Para compreender o processo de organização e gestão

de common pool resources é fundamental distinguir entre um sistema de recurso e as unidades

de recurso produzidas por um sistema. Sistemas de recurso são entendidos como estoques

variáveis capazes de, em condições favoráveis, produzir uma quantidade máxima de fluxo

variável sem prejudicar o estoque ou o próprio sistema de recursos. Unidades de recurso são o

que os indivíduos apropriam ou usam do sistema de recursos. Alguns dos exemplos utilizados

por Ostrom (1990) para explicar sistema de recurso são: bacias de águas subterrâneas

(aquíferos), áreas de pastagem, canais de irrigação, riachos, lagos, oceanos e outros corpos de

água. Para exemplificar unidades de recurso, a autora utiliza os metros cúbicos de água

retirados de aquíferos ou de um canal de irrigação, as toneladas de forragem consumidas por

animais de uma área de pastagem, etc.

Avançando na discussão sobre os common pool resources, Ostrom (1990) faz algumas

definições importantes. O processo de retirada de unidades de recurso do sistema de recurso é

chamado de apropriação. O termo “apropriador” refere-se a quem se apropria de unidades de

3 No original, subtractability.

4 Refers to a natural or man-made resource system that is sufficiently large as to make it costly (but not

impossible) to exclude potential beneficiaries from obtaining benefits from its use.

12

recurso de algum tipo de sistema de recursos. O “provedor” é aquele que provê o common

pool resource e o “produtor” é responsável por construir, reparar ou agir para assegurar a

sustentação em longo prazo do próprio sistema de recursos. De acordo com a autora, a

definição de CPR é melhor aplicável a recursos renováveis, como por exemplo, a água. Os

CPR se caracterizam como bens sobre os quais há dificuldade para excluir usuários cuja

apropriação por um usuário subtrai partes do recurso, diminuindo sua disponibilidade para

outros usuários, termo que pode ser traduzido (com alguma dificuldade) por subtratividade.

Sendo a água um recurso do tipo CPR, o grande desafio de sua gestão é coordenar as ações

para conseguir manter seu estoque e, ao mesmo tempo, garantir que todos os usuários possam

usá-la. Segundo Ostrom (1990), quando o common pool resource é um recurso biológico, se

aproximar do limite das unidades do recurso não só pode produzir efeitos em curto prazo,

como também destruir a capacidade de reprodução do próprio recurso. Assim, os

apropriadores podem enfrentar problemas diversos na gestão do recurso.

Indivíduos atribuem menos valor aos benefícios que eles esperam receber no futuro

distante, e mais valor aos esperados no futuro imediato. Em outras palavras, os

indivíduos descontam benefícios futuros – quão severamente depende de vários

fatores. (OSTROM, 1990, p. 34, versão livre). 5

Ostrom discute três modelos usados para analisar problemas de cooperação e dilemas

de ação coletiva. O primeiro deles é o modelo da tragédia dos comuns. Segundo Garrett

Hardin (1968), a tragédia dos comuns aconteceria por uma situação de escassez dos bens

decorrente do impacto do crescimento exponencial da população, conjugado com a ausência

de regulação para o uso comum dos recursos naturais. A ação do ator racional visa à

maximização, e ele extrairia o recurso de tal forma que levaria a sua escassez e a degradação

do ambiente, gerando assim o mal coletivo.

Um segundo modelo discutido é o do dilema dos prisioneiros, também contemplado

por Tsebelis (1998) em sua discussão sobre jogos aninhados. Neste modelo, o ator racional A,

ao tomar decisões estratégicas, tende a não cooperar devido à incerteza quanto ao curso de

ação adotado pelo ator racional B. A ação do ator A buscando somente o ganho individual

pode prejudicar a todos os outros e caso opte pela deserção, os resultados individuais podem

ser piores do que os obtidos coletivamente, caso A tivesse escolhido agir de forma coordenada

com outros atores.

5 Individuals attribute less value to benefits that they expect to receive in the distant future, and more value to

those expected in the immediate future. In other words, individuals discount future benefits - how severely

depends on several factors.

13

Por último, o terceiro modelo abordado foi o dilema de ação coletiva, baseado na obra

de Mancur Olson. Segundo Olson (1999), indivíduos racionais e que buscam maximizar seus

ganhos tendem a não cooperar para a obtenção dos objetivos coletivos, a não ser que sejam

coagidos ou recebam incentivos ou bens privados. O problema central e que constitui o

dilema de ação coletiva é o comportamento free-rider, pois, consideradas as características

dos bens coletivos ou públicos, o “carona” obtém o bem comum sem contribuir para a sua

provisão, o que desestimula que outros ajam coletivamente para prover esse bem. Para o

autor, nos grupos grandes, os indivíduos adotam ou a conduta free-rider ou são estimulados à

cooperação, seja pela aplicação de sanções ou pela obtenção de ganhos laterais, os quais

Olson (1999) chama de incentivos seletivos. Em grupos pequenos, o custo da cooperação é

menor e os benefícios mais evidentes, assim como o desertor pode ser facilmente identificado;

dessa forma, o bem é obtido sem necessidade de coerção ou incentivos. Diante dessa

perspectiva, o tamanho do grupo influencia a escolha do ator para a cooperação ou não.

Keohane e Ostrom, em obra publicada em 1995, discutem a possibilidade de aplicar o

modelo analítico desenvolvido por Ostrom para o estudo das condições de cooperação na

gestão de CPR locais para explicar a cooperação na gestão de CPR transfronteiriços ou

internacionais. Nessa obra, considerando a variável “número de atores”, os autores

argumentam que o tamanho do grupo pode não ser tão relevante para elucidar dilemas de ação

coletiva. Eles sugerem que variáveis como a compreensão dos atores sobre seus interesses

comuns, baixos custos transacionais e a produção de instituições explicariam melhor os

problemas de cooperação nesses casos.

Para os autores acima citados, atores envolvidos na gestão de um recurso comum nos

níveis doméstico e internacional –sejam eles indivíduos ou organizações- podem fazer

acordos e criar instituições. Assim sendo, as regras usadas para solucionar problemas de

coordenação locais também poderiam ser adequadas para resolver problemas cooperativos

dos usuários de CPR internacionais. Porém, para que isso ocorra, é necessário discutir ambas

as variáveis: número de atores e sua heterogeneidade. Neste sentido, Bernauer (1997)

considera que preferências heterogêneas não impedem a cooperação, mas a dificultam. Para

Keohane e Ostrom (1995), a heterogeneidade analisada quanto às preferências, capacidades,

informações e crenças, dificultaria a cooperação no nível local pela divergência desses

aspectos entre os atores, porém, no nível internacional, a heterogeneidade facilitaria a

cooperação por expressar a interdependência entre os atores. Para Keohane e Nye (2001),

14

interdependência “[...] refere-se a situações caracterizadas por efeitos recíprocos sobre países

ou atores em diferentes países.” (KEOHANE e NYE, 2001, p. 7, versão livre)6. Assim sendo:

O fato-chave para os coapropriadores é que eles são ligados em uma estrutura de

interdependência enquanto eles continuam a compartilhar um único CPR. A

interdependência física não desaparece quando as regras institucionais eficazes são

utilizadas na governança e gestão do CPR. A interdependência física permanece, o

que muda é o resultado que os apropriadores obtêm. (OSTROM, 1990, p. 38, versão

livre).7

Diante do fato dos atores serem interdependentes por compartilharem um CPR, a

heterogeneidade de preferências e os problemas específicos gerados pela apropriação do

recurso poderiam ser entraves para a promoção da sua gestão. Desse modo, Ostrom (1990)

sugere desenhos específicos de estruturas de gestão para problemas específicos. O grande

desafio da gestão de CPR é coordenar as ações dos atores, a fim de aumentar os benefícios e

reduzir os danos. A adoção de um conjunto de regras orientadoras de conduta

preferencialmente criadas pelos próprios usuários, para que assim, a adesão seja maior, bem

como a organização de estruturas locais mais autônomas para a gestão do recurso,

consistiriam na superação desse desafio.

Assim sendo, Souza, Anastasia e Teixeira (2011) apresentam os oito princípios

propostos por Ostrom que poderiam orientar a criação de estruturas institucionais para a

gestão de CPR:

(1)fronteiras bem definidas – quem são os usuários e quais os limites do sistema de

recurso; (2) congruência entre apropriação e regras de provisão e condições locais:

regras de apropriação restringem o tempo, lugar, tecnologia e quantidade das

unidades do recurso relacionadas às condições locais; as regras de provisão

requerem trabalho, material ou recursos financeiros; (3) arranjos fundamentados em

escolhas racionais coletivas: indivíduos afetados pelas regras operacionais podem

participar de sua modificação; (4) monitoramento: os monitores – funcionários

autorizados, que auditam o CPR e o comportamento dos usuários - devem ser

“accountable” para os usuários e/ou são os próprios usuários; (5) gradação de

sanções: usuários que violarem as regras sofrerão sanções graduais aplicadas pelos

demais, pelos monitores ou por ambos; (6) mecanismos de resolução de conflitos:

usuários e seus funcionários autorizados têm acesso rápido a arenas de baixo custo

para resolver conflitos entre eles ou entre usuários e funcionários autorizados; (7)

reconhecimento do direito mínimo de se organizar: direitos dos usuários de planejar

suas próprias instituições não devem ser ameaçados por autoridades governamentais

externas; (8) ações aninhadas: apropriação, provisão, monitoramento, enforcement,

resolução de conflitos e atividades de governança são ações organizadas em

6 […] refers to situation characterized by reciprocal effects among countries or among actors in different

countries. 7 The key fact of life for coappropriators is that they are tied together in a lattice of interdependence so long as

they continue to share a single CPR. The physical interdependence does not disappear when effective

institutional rules are utilized in the governance and management of the CPR. The physical interdependence

remains; what changes is the result the appropriators obtain.

15

múltiplas camadas de empreendimentos aninhados. (SOUZA; ANASTASIA;

TEIXEIRA, 2011, p. 15-16)

Esses princípios elucidam a importância da participação dos co-usuários para a gestão

de CPR, seja na criação da instituição, no monitoramento ou nas ações aninhadas.

1.2 A água como um Common Pool Resource e um bem público

Inicialmente, é importante ressaltar que alguns autores diferenciam água de recursos

hídricos. O termo “água” é mais amplo e é definido no sentindo de ser elemento natural

essencial à vida em todas as suas formas. Por outro lado, a definição de recursos hídricos é

mais atrelada à necessidade desse bem comum para as atividades humanas e dotado de valor

econômico8. Nesta seção pretende-se argumentar que a água é, ao mesmo tempo, um

common-pool e um bem público. Assim, conforme Souza (2005):

Apesar da duplicidade de tal classificação, ela torna mais clara a especificidade

desse recurso natural e salienta o desafio para a solução de problemas relacionados a

decisões sobre política hídrica, uma vez que efeitos positivos de decisões tomadas

nesse campo só serão visíveis se diretrizes gerais forem adotadas localmente.

(SOUZA, 2005, p. 48-49).

Conforme já exposto na seção anterior, para Buck (1998), os bens públicos são

aqueles cujos direitos de propriedade são controlados por uma autoridade ou instituição a

serviço de todos, caracterizados em seu uso como não rivais e não exclusivos; e os bens

comuns são acessíveis a quaisquer usuários e não podem ser apropriados exclusivamente por

nenhum usuário individualmente. Desta forma, o CPR se caracteriza pela difícil exclusão de

usuários e pela alta subtratividade. Sendo assim, o recurso hídrico pode ser considerado um

CPR porque a quantidade disponível deve ser compartilhada pelos usuários do local e estes

não podem ser excluídos do acesso ao bem a custos baixos. Por outro lado, a água pode ser

concebida como um bem público global devido a sua importância para a existência e a

manutenção de qualquer forma de vida no planeta.

Enquanto elemento componente da hidrosfera, cuja eventual falta comprometeria

definitivamente o ecossistema terrestre, a água é um bem público global; enquanto

recurso indispensável a um conjunto amplo de atividades humanas, essencialmente

compartilhado entre diversos usuários para diferentes usos, seja no âmbito

doméstico ou no internacional, a água é um common pool. (SOUZA, 2005, p.50)

8 Mais informações em: CONSÓRCIO PCJ. Glossário de termos técnicos em gestão de recursos hídricos.

16

Os Estados que compartilham recursos hídricos têm se preocupado com a preservação

da qualidade e da quantidade da água para suprir as necessidades humanas e garantir

condições para o desenvolvimento de atividades econômicas. Eventualmente, a preocupação

em se pensar soluções para problemas que afetam os recursos hídricos compartilhados deve

considerar o território da bacia hidrográfica. Da mesma forma, o reconhecimento do recurso

como algo essencial à vida e que todos os usuários têm direito de acesso e não podem ser

excluídos, tipifica a água como um bem público. Diante desse fato, a necessidade de

cooperação para a gestão do recurso é evidente, já que situações de escassez podem gerar

conflitos entre os usuários.

1.3 A inserção da temática hídrica na agenda ambiental internacional

Apesar de ser fundamental para a preservação da vida, a temática da água não aparecia

em diversos momentos da discussão internacional sobre política ambiental. De acordo com

Souza (2005), a temática hídrica ganhou maior relevância no início dos anos 1960 com a

independência dos países da África e com o tema desenvolvimento, porém a água era

associada a questões econômicas, e seu caráter ambiental e o aspecto humanitário não eram

abordados.

No começo dos anos de 1970, os recursos hídricos ganharam destaque na agenda

ambiental devido a problemas de escassez e conflitos existentes entre os Estados que

compartilham bacias hidrográficas. Segundo Souza (2005), “a temática hídrica teve seu

caminho mais decididamente aberto pela Conferência do Mar em 1973, na qual começou a se

desenvolver a ideia de que determinados recursos naturais são patrimônio comum da

humanidade”. (SOUZA, 2005, p. 54). Então, para discutir especificamente esse tema, a

Organização das Nações Unidas (ONU) realizou, em 1977, a I Conferência das Nações

Unidas para a Água, em Mar del Plata, na Argentina. Esta conferência foi o grande marco

para a inserção da temática na agenda internacional. Além de enfatizar o direito dos povos,

independente de seu estágio de desenvolvimento, capacidades de abastecimento de água

potável e condições de saneamento, e de consagrar o princípio da cooperação internacional e

regional na valorização dos recursos compartilhados, recomendou que a água fosse

administrada de acordo com seu uso (saneamento e uso doméstico, uso industrial e uso

agrícola), adotou dentre as suas resoluções, a década de 1980 como a Década Internacional do

Fornecimento de Água Potável e do Saneamento. Ademais, foi destacada a importância da

17

avaliação das consequências das diversas utilizações da água sobre os ecossistemas, da

pesquisa e ampliação da informação acerca dos recursos hídricos e da eficiência no uso. O

Plano de Ação9 elaborado se transformou em um documento de referência sobre recursos

hídricos.

Então, a partir da realização da Conferência de Mar del Plata, a temática hídrica teve

mais relevância e ganhou novos impulsos. Segundo Souza (2005), “o tema adquiriu

relevância em si mesmo, e desenvolveu-se uma abordagem que aos poucos foi estabelecendo

relações entre recursos hídricos, desenvolvimento econômico, garantia de direitos e melhoria

da qualidade de vida e saúde da população”. (SOUZA, 2005, p. 54). A importância da

temática era tamanha que, na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento (ECO-92), a questão dos recursos hídricos foi contemplada no Capítulo 18

(“Proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos: aplicação de critérios

integrados no desenvolvimento, manejo e uso dos recursos hídricos”) da Agenda 21. Neste

documento:

A água é necessária em todos os aspectos da vida. O objetivo geral é assegurar que

se mantenha uma oferta adequada de água de boa qualidade para toda a população

do planeta, ao mesmo tempo em que se preservem funções hidrológicas, biológicas e

químicas dos ecossistemas, adaptando as atividades humanas aos limites da

capacidade da natureza [...]. (ONU, 1995, p. 267).

O capítulo 18 engloba sete áreas no que tange as águas: aspectos de desenvolvimento e

manejo integrado; avaliação; proteção dos recursos hídricos, da qualidade da água e dos

ecossistemas aquáticos; abastecimento de água potável e saneamento; água e

desenvolvimento urbano sustentável; água para produção sustentável de alimentos e

desenvolvimento rural sustentável; e impactos da mudança do clima sobre os recursos

hídricos. Esse documento entende que a água é um recurso finito e também traz uma

abordagem integrada, mas com a administração setorial das bacias hidrográficas. As

prioridades no uso da água seriam para satisfazer as necessidades humanas básicas e proteger

os ecossistemas. O princípio da garantia do acesso à água em quantidade e qualidade para

todos foi reforçado e:

Considerando que a noção de desenvolvimento sustentável exige que se observe a

gestão integrada por bacia hidrográfica e o uso compartilhado das águas, a Agenda

estabelece como objetivos a satisfação das necessidades hídricas de todos os países;

a compreensão da água como parte integrante do ecossistema, como um recurso

natural e um bem econômico e social. São estas as razões da proteção das águas,

9 Mais informações em: VARGAS, E. V. Água e relações internacionais. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v43n1/v43n1a10.pdf>.

18

voltadas, sobretudo, para a satisfação das necessidades humanas básicas. E visando à

sua realização, a Agenda recomenda a criação de instituições cujas regras e

procedimentos, além de incluir a participação de todos os usuários na gestão, gerem

condições para a cooperação entre países, tanto no âmbito doméstico como

internacional. Essas instituições, formadas pelas políticas domésticas de recursos

hídricos, devem, segundo as orientações da Agenda, além de fomentar a cooperação

entre os usuários, estabelecer diretrizes para a gestão das águas observando as

necessidades relativas à sustentabilidade. Para isso, o documento recomenda ações

voltadas para a educação ambiental, captação de recursos financeiros, treinamento

de pessoal, produção e gestão de informação sobre a área. (SOUZA, 2003, p.69-70)

Outros fóruns, conferências e reuniões foram realizados contemplando a temática

hídrica, e grande parte das recomendações desses eventos consistiam na percepção do uso

equitativo dos recursos hídricos, da necessidade de provimento da água para todos em

quantidade e qualidade adequadas para o consumo e na importância da participação dos

usuários na gestão das águas. Apesar disso, atualmente não existe um regime internacional de

águas, o que há é um consenso sobre quais seriam as diretrizes mais adequadas para a gestão

dos recursos hídricos. De acordo com Souza (2003), essas diretrizes convergem nos seguintes

pontos:

a) Os recursos hídricos são recursos estratégicos, imprescindíveis para a promoção

do desenvolvimento econômico e social, e cuja preservação é um dos aspectos

relativos à segurança da humanidade, de um ponto de vista mais geral; b) as

preocupações com os recursos hídricos estão intimamente relacionadas à

preservação ambiental, imprescindível para assegurar a sobrevivência da espécie

humana e dos ecossistemas dos quais ela depende; c) respostas à segurança hídrica

se relacionam a respostas a questões tais como superação da pobreza e a

instrumentos que viabilizem a efetivação dos princípios do desenvolvimento

sustentável; d) a segurança hídrica depende da ação cooperada entre usuários, entre

os setores público e privado, comunidades e países, e deve ser desenvolvida tanto

em função da sobrevivência das gerações atuais quanto das futuras; e) a gestão dos

recursos hídricos deve ser pensada de forma integrada a outras dimensões

ambientais, deve ser participativa e institucionalizar procedimentos que favoreçam a

negociação em situações de conflito; f) para dar conta dessa integração, a gestão

deve ser feita por bacia hidrográfica e não se ater à dimensão das fronteiras entre

países, regiões dentro de um país ou entre municípios no âmbito das regiões; g) o

envolvimento direto das comunidades, e nestas, das mulheres, é crucial para a

preservação dos recursos hídricos e deve ser promovido tanto no que diz respeito à

participação na gestão dos recursos, como através da inserção em atividades de

educação ambiental. (SOUZA, 2003, p. 73-74)

A temática hídrica tem ganhado cada vez mais relevância na agenda ambiental

internacional. E apesar de não existir um regime internacional para lidar com a questão, o

consenso existente quanto às diretrizes para a gestão dos recursos hídricos representa um

enorme avanço para se pensar nos melhores mecanismos para coordenar ações e políticas a

fim de preservar o recurso e utilizá-lo de maneira sustentável.

19

1.4 Cooperação para a gestão de recursos hídricos compartilhados e a criação de

instituições

A água é essencial à vida e é um direito humano básico. Sua distribuição na superfície

do planeta é diferenciada e desigual. É sensível quanto ao uso pelos humanos e por ser um

recurso limitado, circulante e esgotável. Quando compartilhada por usuários em territórios

fronteiriços e transfronteiriços, o uso pela população de um determinado Estado afeta o uso de

outrem, o que pode gerar conflito pela utilização. O fluxo do curso d’água também é

importante para entender relações conflitivas pela utilização do recurso. Estados à jusante

recebem a água utilizada pelos Estados à montante10

e podem sofrer com externalidades

negativas, como poluição, sedimentação ou alteração dos ciclos de cheia e seca, decorrentes

de atividades não sustentáveis. Além disso, as condições nas quais o compartilhamento dos

recursos hídricos é feito têm sido causa de conflitos entre os co-usuários, e os efeitos disso

podem ser: competição pela fonte da água, impacto na qualidade e quantidade de água

disponível para cada população. Então, conforme explicita Haftendorn (1999), os conflitos

podem surgir a partir da utilização dos recursos hídricos comuns e:

Um conflito de distribuição relativa se apresentaria onde existe uma disparidade em

relação ao uso da água entre os Estados à montante e à jusante. Um conflito de

distribuição absoluta existiria quando simplesmente não há água suficiente para

satisfazer todas as necessidades legítimas dos Estados ribeirinhos. A distinção entre

as diferentes causas de conflito de água nos leva à suposição de que os conflitos

decorrentes do uso ou poluição de recursos hídricos seriam mais fáceis de resolver

que os conflitos que surgem a partir da distribuição de um recurso escasso e finito.

(HAFTENDORN, 1999, p. 2, versão livre)11

.

Estudos da Universidade do Estado de Oregon12

mostram que as tensões e os conflitos

existentes nas bacias hidrográficas transfronteiriças13

possuem altos índices. Contudo, não

chegam a escalar e em grande maioria são resolvidos por via diplomática.

As águas transfronteiriças estendem a interdependência hidrológica para além das

fronteiras nacionais, ligando consumidores de diferentes países dentro de um

10

Montante refere-se às áreas mais próximas da nascente e jusante às áreas mais próximas da foz. 11

A relative conflict of distribution would present itself where a disparity over the use of water exists between

the upper-and lower-lying states. An absolute conflict of distribution would exist when here simply is not enough

water to meet all the legitimate needs of the riparian states. The distinction between the different causes of water

conflict leads us to the supposition that conflicts arising from the use or pollution of a water resource would be

easier to solve than those conflicts that arise from the distribution of a scarce and finite resource. 12

Mais informações disponíveis em: <http://www.transboundarywaters.orst.edu/>. 13

Bacia hidrográfica é definida como área total de superfície de terreno, na qual um aquífero ou um sistema

fluvial recolhe sua água. O que a caracteriza como transfronteiriça é sua localização na divisa ou fronteira entre

dois ou mais países. (CONSÓRCIO PCJ, 2005, p.11).

20

sistema partilhado. Gerir essa interdependência constitui um dos grandes desafios de

desenvolvimento humano que a comunidade internacional enfrenta. (PNUD, 2006,

p. 203).

Apesar da incidência de conflitos, os Estados podem cooperar para solucionar os

problemas decorrentes do uso dos recursos hídricos e coordenar ações visando sua

preservação. Segundo Keohane (1984), a cooperação ocorre “quando atores ajustam seu

comportamento às preferências atuais ou antecipadas de outros atores, através de um processo

de coordenação política.”. (KEOHANE, 1984, p.51, versão livre)14

. Haftendorn (1999)

considera que a resolução do conflito pode ser facilitada pela interdependência entre as partes

envolvidas e as estratégias mais eficazes para alterar a posição relativa dos atores envolvem a

troca de informações e a promoção da confiança, uma interação complexa positiva, a criação

de solução através de estratégias de relacionamento e o uso da arbitragem, mediação ou

intervenção. Eventualmente, um ambiente cooperativo não implica ausência de conflito e de

interesses divergentes, mas sim ajuste de comportamento dos atores quanto às preferências.

Desta forma, “a cooperação, entretanto, requer que as ações, antes separadas, de indivíduos ou

organizações, - que não estavam em harmonia pré-existente - sejam trazidas para uma

conformidade através de um processo de coordenação política.” (KEOHANE, 1988, p. 380,

versão livre) 15

. Assim sendo, os atores podem cooperar no ambiente internacional por meio

da criação de tratados, acordos e estruturas institucionais.

Em relação aos CPR compartilhados, para Keohane e Ostrom, os Estados “[...] podem

fazer compromissos críveis, eles são frequentemente capazes de conceber novos

constrangimentos (instituições, conjuntos de regras) que mudam a estrutura de incentivos

básica com a qual se deparam”. (KEOHANE; OSTROM, 1995, p.2, versão livre)16

. Desta

forma, o cumprimento dos compromissos criados viria a partir do entendimento de que os

ganhos da cooperação seriam maiores do que os da não cooperação.

No que concerne às bacias hidrográficas transfronteiriças, a cooperação tem se

estabelecido através de tratados, normas e procedimentos definidos pelos organismos

responsáveis pela gestão e monitoramento dos recursos hídricos compartilhados. Esses

esforços cooperativos demonstram que os Estados podem se unir em contextos diferentes para

gerir esses recursos da melhor forma possível. Apesar disso, assim como alega o Programa

14

When actors adjust their behavior to the actual or anticipated preferences of others, through a process of policy

coordination. 15

Cooperation, however, requires that the actions of separate individuals or organizations – which are not in pre-

existent harmony – be brought into conformity with one another through a process of policy coordination. 16

[…] can make credible commitments, they are frequently able to devise new constraints (institutions, or set of

rules) that change the basic structure of incentives that they face.

21

das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD), “[...] o desafio consiste em

reforçar e aprofundar a noção de interesses partilhados que fundamenta a cooperação e

conceber instituições eficazes, transparentes e responsáveis que respondam aos desafios do

futuro [...]”. (PNUD, 2006, p. 225). Embora os Estados não possuam o mesmo grau de

dependência hidrológica, cada vez mais e em maior número, eles reconhecem a necessidade

de criar modelos de gestão para o desenvolvimento sustentável das bacias hidrográficas.

Conforme já exposto anteriormente, segundo Keohane e Ostrom (1995), para

compreender o processo de cooperação no âmbito local e global é preciso analisar,

especialmente, as variáveis que afetam os resultados – o número de atores e sua

heterogeneidade. De acordo com os autores, é preciso entender o impacto de diferentes

estruturas de preferência e dos custos de transação, incluindo custos de monitoramento, e a

probabilidade e extensão da cooperação e da discórdia. Para Bernauer (1997), alguns conflitos

são resolvidos com a criação de instituições, porém outros podem persistir. Haftendorn (1999)

considera que a atuação de um ator externo facilitador ou até mesmo uma potência

hegemônica, poderia facilitar ou forçar as partes em conflito a chegar a um acordo. Bernaeur

(1997) observa que os resultados dos arranjos cooperativos podem variar, e, portanto, ele foca

sua análise na existência ou não de instituições de gestão de rios internacionais e a sua

distribuição geográfica, nas características e funções da gestão e no desempenho das

instituições desenhadas. Existem estruturas institucionais para a cooperação em várias bacias,

contudo o impacto é diferente em cada uma delas. A criação de instituições é um importante

mecanismo para regular a apropriação das águas, garantir a sua provisão, dirimir os problemas

de ação coletiva e solucionar conflitos, para assim, preservar o recurso. Segundo Ostrom

(1990):

Instituições podem ser definidas como um conjunto de regras de funcionamento que

são usadas para determinar quem pode tomar decisões em uma determinada arena,

quais ações são permitidas ou proibidas, quais regras agregadas podem ser usadas,

quais procedimentos podem ser seguidos, qual informação pode ou não pode ser

provida, e quais ganhos podem ser atribuídos para indivíduos que dependem das

ações uns dos outros. (OSTROM, 1990, p.51. versão livre). 17

O desempenho das instituições pode variar tanto no tempo quanto no espaço. Suas

funções também podem ser diversificadas e vão desde esforços para o desenvolvimento

socioeconômico da região da bacia, até a adoção de estratégias para solução de problemas que

17

Institutions can be defined as the sets of working rules that are used to determine who is eligible to make

decisions in some arena, what actions are allowed or constrained, what aggregation rules will be used, what

procedures must be followed, what information must or must not be provided, and what payoffs will be assigned

to individuals dependent on their actions.

22

afetam o rio. Ostrom (1990) ressalta que para o sucesso da gestão é importante compreender a

dinâmica da participação dos atores interessados nas instituições, as regras acordadas e

estabelecidas por meio das normas compartilhadas, o monitoramento das regras feitas por eles

próprios e os constrangimentos que os usuários podem sofrer. Assim sendo, as regras para a

gestão dos recursos hídricos representam conhecimento compartilhado e elas têm que ser

monitoradas.

Conhecimento compartilhado implica que todos os participantes saibam as regras, e

saibam que os outros sabem as regras, e saibam que eles também sabem que os

outros sabem as regras. Regras de funcionamento são sempre monitoradas e

compelidas, pelo menos em certa medida, por aqueles diretamente envolvidos. Em

uma situação repetitiva, pode-se assumir que os indivíduos venham a conhecer, por

meio da experiência, boas aproximações dos níveis de monitoramento e aplicação

envolvidos. (OSTROM, 1990, p. 51, versão livre). 18

Portanto, os indivíduos criam instituições para adotarem estratégias cooperativas

quanto à gestão do recurso e as normas sociais compartilhadas pelos usuários têm papel

fundamental na dinâmica institucional, sendo alto o custo de violação das regras. Desta

maneira, a participação dos usuários nos mecanismos de gestão é importante tanto no

processo de construção da estrutura institucional quanto no monitoramento das ações.

Bernauer (1997) ressalta que, mesmo em condições propícias à cooperação, o

estabelecimento e o funcionamento da instituição de gestão não são automáticos. Para a

solução de problemas de gestão de recursos hídricos de montante à jusante, os Estados

ribeirinhos podem recorrer à coerção, compensação, questões interligadas e fazem esforços

para mudar as partes ou fóruns de negociação, para assim, atingir resultados cooperativos. Por

outro lado, isso pode causar “dano colateral” por afetar as relações entre os Estados em outras

áreas. O mecanismo de compensação refere-se ao princípio do poluidor-pagador: o causador

da externalidade arca com os custos do dano ambiental causado. Além disso, a vítima de uma

externalidade pode ligar uma questão a outra que ela possua mais poder de barganha, já que a

intenção é interagir em várias áreas para que consiga estabelecer algum crédito para utilizar

em futuras negociações. Quando a vítima da externalidade não consegue a redução dos danos,

ela conduz a questão para fóruns que a favoreçam na negociação. Todavia, quando criadas, as

instituições são importantes para coordenar as ações dos usuários e regular o uso do recurso

de forma sustentável para garantir a sua utilização por gerações futuras.

18

Common knowledge implies that every participant knows the rules, and knows that others know the rules, and

knows that they also know that participant knows the rules. Working rules are always monitored and enforced, to

some extent at least, by those directly involved. In any repetitive situation, one can assume that individuals come

to know, through experience, good approximations of the levels of monitoring and enforcing involved.

23

O autor também analisa o desenho e os elementos operacionais das instituições que

fazem a gestão de recursos hídricos compartilhados para verificar o impacto e os fatores de

sucesso da gestão. Bernauer (1997) observa que algumas instituições lidam somente com uma

questão, outras trabalham com mais de uma problemática; as regras de responsabilidade

oferecem um método para lidar com as externalidades negativas; na maioria dos casos, os

esforços para a gestão de recursos hídricos transfronteiriços são feitos por instituições

intergovernamentais, porém, o envolvimento de agências internacionais também se faz

presente; lidar com problemas decorrentes de externalidades negativas é muito custoso,

porque os acordos são financiados por cada governo individualmente e os programas de

desenvolvimento da bacia são frequentemente financiados em grau considerável por fontes

externas. Para Bernauer (1997):

A gestão de rios internacionais é circunscrita pelos interesses dos países ribeirinhos

e por várias outras variáveis estruturais. Essas variáveis, no entanto, não são

constantes ao longo do tempo, nem determinam totalmente as possibilidades de

gestão internacional do rio. Elas servem apenas como pontos de partida para um

processo político em que as partes negociadoras tentam harmonizar os seus

interesses e atingir a cooperação. (BERNAUER, 1997, p. 168, versão livre)19

.

Quando se trata de bacias hidrográficas compartilhadas, a adesão local pelos Estados

ribeirinhos das diretrizes gerais para a gestão do recurso representa um importante passo para

a preservação e uso sustentável do recurso, porém não é suficiente. É preciso fazer esforços

maiores e transpor essas recomendações para os mecanismos de gestão da bacia no nível

internacional, para coordenar as ações e para que os dilemas de ação coletiva e os conflitos

pelo uso da água sejam dirimidos. Assim, segundo Souza (2005):

Essa gestão, para ser adequada aos desafios e às especificidades dos recursos

hídricos, deve criar mecanismos que atendam os dilemas de compartilhamento das

águas como um common pool, o que é compreendido como crucial para a

preservação das águas como um bem público global. Isto é, para assegurar o

provimento da água como bem público global, é imprescindível geri-la

adequadamente como common pool. Se forem criados mecanismos institucionais

que alterem as escolhas dos usuários das águas, no sentido de tornar a perspectiva de

cooperação uma alternativa aceitável, por hipótese estar-se-ia assegurando o

provimento do bem público água, pois estar-se-iam assegurando a estabilidade do

ciclo hidrológico e, em consequência, a estabilidade de um dos fatores responsáveis

pela integridade do ecossistema. (SOUZA, 2005, p. 80).

19

Managing international rivers is circumscribed by the interests of the riparian countries and by several other

structural variables. These variables, however, are not constant over time, nor do they fully determine the

possibilities of international river management. They serve merely as starting points for a political process in

wich the negotiating parties try to harmonize their interests and to achieve cooperation.

24

Existem no planeta aproximadamente 263 bacias hidrográficas transfronteiriças20

e

estas envolvem o território de 145 países. De acordo com Pereira (2013), das 263 bacias

hidrográficas transfronteiriças, 78 estão localizadas nas Américas, sendo 38 na América do

Sul e 40 na América do Norte, 69 bacias ficam na Europa, 59 na África e 57 na Ásia. No

mapa 1, é possível ver a distribuição das bacias hidrográficas do mundo todo com águas

transfronteiriças.

Mapa 1 – Distribuição das bacias hidrográficas com águas transfronteiriças

Fonte: Wolf et al, (1999), atualizado em 2001.

O estudo “International waters: indicators for identifying basins at risk” de WOLF,

YOFFE, GIORDANO (2003), identificou os conflitos e a incidência de cooperação em bacias

hidrográficas em diversas regiões do globo. Os autores criaram a escala BAR21

(Basins Rivers

at Risk) com índice entre -7 e +7 para indicar os locais com maiores índices de cooperação

(+7) e de conflito (-7). Eles verificaram com esta escala que, nos tempos modernos, não há a

ocorrência de eventos nos extremos dos índices, ou seja, nenhuma guerra foi travada nos

20

Esse número sofre alterações em função das mudanças nas definições das fronteiras políticas entre os Estados. 21

O índice entre (-7) e (+7) foi criado tendo como referência a avaliação dos seguintes aspectos: (-7) declaração

formal de guerra, atos de guerra extensiva causando mortes, deslocamentos ou alto custo estratégico; (-6), atos

militares extensivos; (-5) atos militares de pequena escala; (-4) ações políticas-militares hostis; (-3), atos

diplomático-econômicos hostis; (-2), expressões verbais fortes mostrando hostilidade na interação; (-1)

expressões verbais leves mostrando discórdia na interação; (0), atos neutros ou não-significantes para a situação;

(1) trocas oficiais, palestras ou expressões políticas menores – apoio verbal leve; (2) apoio verbal oficial para

metas, valores ou regime; (3), acordo cultural ou científico ou apoio (não-estratégico); (4) acordos econômicos,

tecnológicos ou industriais não-militares; (5) apoio econômico ou estratégico militar; (6) Tratado internacional

de águas; aliança estratégica maior (regional ou internacional); (7) unificação voluntária em uma nação.

25

últimos tempos por causa dos recursos hídricos, assim como também não há exemplo de

nações que se unificaram em decorrência destes recursos. A distribuição dos eventos de

conflitos e cooperativos encontrados neste estudo por categorias pode ser vista no gráfico 1.

Gráfico 1- Distribuição dos eventos conflitivos e cooperativos no que tange as bacias

hidrográficas transfronteiriças

Fonte: WOLF, YOFFE, GIORDANO (2003).

Uma constatação feita é que os Estados cooperam quanto aos recursos hídricos em

várias questões, incluindo o que concerne à quantidade e qualidade da água, desenvolvimento

econômico, hidrelétricas, cooperação técnica, controle de enchentes e gestão conjunta. Por

26

outro lado, segundo o mesmo estudo citado, 66% dos eventos conflitivos estão relacionados a

problemas ligados a quantidade de água e infraestrutura. A conclusão deste estudo é que

67,1% dos casos analisados indicaram índices de cooperação, 27,7% registraram conflitos e

5,2% são casos neutros ou não-significativos.

O relatório publicado em 2007 pelo World Wide Fund for Nature (WWF), “World’s

Top 10 rivers at risk”, listou as situações mais ameaçadoras para dez rios transfronteiriços

quanto a poluição, mudanças climáticas e danos. O objetivo da WWF era chamar a atenção

dos governos para a proteção dos rios, para assim, assegurar sua existência e preservação. De

acordo com esse relatório, cinco dos dez rios transfronteiriços listados em situação de risco

ficam na Ásia, e um deles, é o caso em estudo neste trabalho: o Rio Mekong.

Desta forma, o propósito deste trabalho é analisar quais os fatores que levam ao

sucesso da cooperação internacional para a gestão de recursos hídricos transfronteiriços. Para

tal, considera-se que os Estados têm buscado cooperar na gestão de águas compartilhadas

mediante a criação de acordos, tratados e estruturas institucionais que facilitam o diálogo e a

coordenação das ações e dos interesses. E o sucesso da gestão compreende a incorporação de

stakeholders nas discussões, a simetria e disponibilização de informações entre os Estados

usuários do recurso, sistemas de monitoramento da qualidade da água, ações coordenadas

para promoção do desenvolvimento sustentável e aplicações de sanções para os

descumpridores de regras.

Feita a discussão teórica que baseará essa pesquisa, o próximo capítulo consistirá na

exposição das características da região, dos aspectos socioeconômicos e demográficos e as

implicações das atividades humanas para a bacia do Rio Mekong. Posteriormente serão

analisados os acordos, tratados e a estrutura institucional constituída para a gestão da referida

bacia.

27

2 A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO MEKONG

A bacia hidrográfica transfronteiriça do Rio Mekong é um dos principais sistemas

hídricos do mundo. Esta bacia possui uma grande biodiversidade e é compartilhada por China,

Myanmar, Laos, Tailândia, Camboja e Vietnã. O Rio Mekong é de extrema importância

socioeconômica para os Estados ripários, principalmente os localizados no Baixo Mekong.

Grande parte da população dessa região da bacia depende do rio para sua sobrevivência, seja

pelo desenvolvimento de atividades geradoras de renda, como a agricultura e a pesca, ou para

a subsistência. Os principais desafios para a gestão da bacia do Rio Mekong consistem na

preservação das águas e biodiversidade da bacia, visto que os empreendimentos realizados à

montante têm causado danos ambientais e socioeconômicos para a população à jusante.

2.1 Localização e características da região da bacia

Localizada no sudeste asiático, a bacia do Rio Mekong abrange uma área de 795.000

quilômetros quadrados, sendo a 21º maior bacia do mundo, já o Rio Mekong é o 10º maior rio

do mundo em volume. O rio nasce numa altitude de mais de 5.000 m nas montanhas Shan

Tanghla no planalto tibetano, atravessa a Província chinesa Yunnan, segue ao sul da China,

continua no Myanmar, Laos, Tailândia, Camboja e Vietnã, e por fim, desagua no Mar do Sul

da China. (MRC, 2013b). A bacia do Rio Mekong pode ser vista no mapa 2.

28

Mapa 2 – A bacia do Rio Mekong

Fonte: Le-Huu e Nguyen-Duc, 2003.

Na tabela 1, é possível ver a distribuição do fluxo da bacia do Rio Mekong em cada

Estado que ela banha.

29

Tabela 1: Os Estados ripários e a distribuição do fluxo da bacia do Mekong em cada

território

Estado Área (km²)

na bacia

Área na

bacia (%)

Fluxo da

bacia (m³)

Fluxo total

da bacia (%)

China 165.000 21 2.140 16

Myanmar 24.000 03 300 02

Laos 202.000 25 5.270 35

Tailândia 184.000 23 2.560 18

Camboja 155.000 20 2.860 18

Vietnã 65.000 08 1.660 11

Total 795.000 100 15.060 100

Fonte: Adaptado de FENG et al, 2004.

Conforme visto na tabela acima, Laos, Tailândia, China e Camboja possuem quase

90% da área da bacia dentro de seus territórios, enquanto Vietnã e Myanmar detêm 8% e 3%,

respectivamente. O fluxo do Rio Mekong passa por duas partes, a superior e a inferior. Na

primeira, onde o rio é conhecido como Lancang, China e Myanmar são responsáveis por 16%

e 2% do fluxo, respectivamente, e na parte inferior, que passa por Camboja, Laos, Vietnã e

Tailândia, o fluxo corresponde a 82%. Segundo Le-Huu e Nguyen-Duc (2003), a área do

Baixo Mekong ultrapassa 600.000 km² e compreende quase todo o Camboja e o Laos, além

de corresponder a um terço da Tailândia e um quinto do Vietnã.

De acordo com a FAO (2012), no Baixo Mekong, o clima é tropical, ficando quente e

úmido na maioria dos meses, apresentando temperatura mínima de 20ºC. Dominado pela

monção sudoeste que vai de maio até final de setembro ou início de outubro, esse é o período

das cheias. Nessa região, a bacia sofre com as inundações e danos substanciais nas áreas

férteis. Na estação seca, entre janeiro a março, a bacia enfrenta sérios problemas com a

escassez de água para o uso doméstico e agrícola. Ademais, as condições de navegação do rio

são comprometidas e a água salgada atinge o Delta Mekong e afeta uma área de cerca de 2

milhões de hectares.

O Alto Mekong apresenta tundra e temperaturas mais baixas que o Norte. O clima

varia entre monções tropicais e subtropicais. Segundo a FAO (2012), o período chuvoso é o

mesmo da região do Baixo Mekong, embora haja maior variação de ano para ano. Na direção

30

norte, a quantidade de chuva é de menos de 600 mm. É difícil de encontrar neves nos vales,

mas em altitudes mais elevadas é uma importante fonte de água para a estação seca e para a

primavera. No verão, as temperaturas são em média de 2º a 3º C mais baixas que no Baixo

Mekong. No inverno, a diferença de temperatura entre as regiões ficam entre 5º a 6º C.

2.1.1 Zonas biogeográficas

A bacia do Rio Mekong é composta por sete regiões com drenagem e geomorfologia

diversificada. O Planalto Tibetano, a região montanhosa do Norte e a área do rio Lancang

formam o Alto Mekong. O Planalto Khora, a região montanhosa do Leste, a região das

Planícies e o Delta Mekong compõem o Baixo Mekong22

. As zonas bio-geográficas podem

ser vistas no mapa 3.

Mapa 3 – Zonas biogeográficas da região da bacia do Mekong

Fonte: MRC (2004)

22

Todas as informações sobre as zonas biogeográficas foram retiradas de: UNEP. UNITED NATIONS

ENVIRONMENT PROGRAMME. Mekong River. Kalmar: GIWA Regional Assessment 55, University of

Kalmar, p. 16-19, 2006.

31

Na região do Alto Mekong está localizado o Planalto Tibetano, que possui 2,5 milhões

de km², sendo que destes, 316 km² são drenados para o Rio Mekong. Este planalto é a fonte

do Rio Mekong e é a região glacial mais densa da Terra. Ainda nessa região, fica a área dos

Três Rios, composta por Mekong, Salween e Yangtze, e apesar do Mekong fluir por mais de

500 km na região, não possui afluentes significativos nesse trecho. A bacia Lancang fica ao

sul da área dos Três Rios e possui microbacias afluentes que drenam para o Rio Mekong. É

caracterizada por altas montanhas e desfiladeiros. A área norte dessa bacia é a parte mais

habitável e povoada, com desenvolvimento agrícola, industrial e urbano relativamente grande

possui potencial para o desenvolvimento de energia hidrelétrica. Já a região sul da bacia

possui terra arável limitada e pequenos centros populacionais.

A região montanhosa do Norte está localizada na parte sudeste de Yunnan, (China), no

nordeste do Myanmar e no norte da Tailândia e do Laos. Essa região da bacia do Rio Mekong

é caracterizada por altas montanhas e por muitos vales, sendo um terreno muito acidentado e

com baixa densidade populacional. A produção do arroz é a atividade agrícola desenvolvida

nessa região. À esquerda do Rio Mekong passam seus afluentes Nam Ta, Nam Ou, Nam

Soung e Nam Khan, enquanto Nam Mae Kok e Nam Mae Ing à direita.

O Planalto Khorat, formação geológica que ocupa grande parte do nordeste da

Tailândia e do sul do Laos, possui baixa altitude e consiste em sedimentos e rochas erodidas

rodeadas por um aro de arenito. Apesar de ser a região mais seca da bacia do Rio Mekong e o

solo possuir baixa fertilidade, lá é desenvolvida a agricultura extensiva. O local possui

potencial desenvolvimento de atividades agrícolas a partir da instalação de controladores de

cheia, drenagem e irrigação, além de medidas para reduzir a salinização. Nesse planalto,

passam à direita do Mekong os rios Songkhram e Mun, e à esquerda, os rios Nam Ca Dinh, Se

Bang Fai e Se Bang Hiang.

Já a região montanhosa do Leste se estende até o leste do Laos e a parte central do

Vietnã. Vários rios afluentes drenam essa região, sendo os maiores Nam Cadinh, Se Bang Fai,

Se Bang Hieng, Se Kong, Se San e Sre Pok. Essa área é a mais densa em florestas da bacia e é

muito rica em biodiversidade. A parte superior apresenta um elevado potencial para o

desenvolvimento de energia hidrelétrica e grandes projetos foram e estão sendo feitos no Laos

e no Vietnã.

Cobrindo o norte do Camboja, o sul do Laos, o leste da Tailândia e o sul do Vietnã, a

região das Planícies, assim como o Delta do Mekong, estão associados à zona costeira. É uma

região que apresenta grande biodiversidade aquática e que possui dois sistemas hídricos de

suma importância, o Lago Tonle Sap, no Camboja, e o Delta do Mekong, no Vietnã. A bacia

32

Tonle Sap é uma grande planície cercada por morros e sua parte central compõe o Grande

Lago, o maior corpo de água doce do sudeste asiático. O Grande Lago possui condições

hidrológicas que mantêm a alta produtividade da biodiversidade, especialmente de peixes,

fonte de subsistência de 40% da população do Camboja. O Delta Mekong é uma área

triangular do extremo sul da região das Planícies, sendo a mais densamente povoada da região

da bacia e detentora de terras agrícolas férteis. Essa região abrange cerca de 49.520 km²,

sendo 74% da área presente no Vietnã e o restante no Camboja. No Delta Mekong, o rio

Bassac se divide perto da foz do Rio Mekong, os dois rios se transformam em vários cursos

de água menores e o Delta se expande para formar uma planície.

Os Planaltos do Sul são extensões das montanhas do norte e ficam localizados no

sudeste do Camboja. Eles são drenados pelos rios Prek Thont e Tonle Sap, fluindo na sua

direção norte. É uma área densamente florestada e com baixa densidade populacional, sendo

considerada como uma área significativa para a conservação da natureza.

2.2 Aspectos demográficos e socioeconômicos

A população total da bacia é de cerca de 70 milhões de habitantes, sendo que, 60

milhões de pessoas vivem no Baixo Mekong e 10 milhões no Alto Mekong. Segundo a

Comissão do Rio Mekong (2010), mais de cem grupos étnicos diferentes vivem dentro dos

limites da bacia, sendo essa região uma das que apresentam maior diversidade cultural no

mundo. A população que vive no Baixo Mekong corresponde a cerca de 90% da população

total do Camboja (13 milhões), 97% do Laos (6 milhões), 37% da Tailândia (23 milhões) e

20% do Vietnã (18 milhões). De acordo com a FAO (2012), apesar do processo de

urbanização ter se intensificado nos Estados do Baixo Mekong, 85% da população da bacia

vive em áreas rurais. No quadro 1 estão apresentadas as características gerais dos Estados

Ripários.

33

Quadro 1 – Características gerais dos Estados ripários

Estados

Ripários Área

População

Total

PIB

(US$)

Área de

agricultura

irrigada na bacia

População com

acesso à água

potável

Camboja 181.035

km²

14,86

milhões

14,04

bilhões 344.000 hectares 60%

China 9.596.961

km²

1, 351

bilhões

8,227

trilhões 516.000 hectares 89%

Laos 236.800

km²

6,646

milhões

9,418

bilhões 301.000 hectares 60%

Myanmar 676.558

km²

52,80

milhões

111,1

bilhões 86 mil hectares 71%

Tailândia 513.120

km²

66,79

milhões

366

bilhões

1,290 milhões de

hectares 98%

Vietnã 332.000

km²

88,77

milhões

155,8

bilhões

1,805 milhões de

hectares 94%

Fonte: Elaborado pela autora a partir de WORLD BANK (2012); FAO (2012).

A área total de agricultura irrigada na bacia do Rio Mekong é de aproximadamente 4,3

milhões de hectares, sendo que, conforme os dados do quadro 1, a maior área está localizada

no Vietnã, devido principalmente ao cultivo de arroz. De acordo com Chu et al (2003), em

toda a extensão da bacia, a agricultura irrigada é a atividade que mais consome água. O

Camboja é o Estado ripário que mais retira água da bacia para esse fim, já que usa 94% dos

recursos da bacia em seu território para tal, seguido por Tailândia (91%), Vietnã (86%) e Laos

(82%). A produção de alimentos e a agricultura de subsistência da população do Baixo

Mekong estão intimamente ligadas às águas da bacia.

Na China e no Myanmar, as águas da bacia são utilizadas principalmente na geração

de energia hidrelétrica. Contudo, no Myanmar, as águas também são usadas no cultivo de

arroz e grãos, além dos peixes presentes na bacia serem importantes para o consumo da

população local e uma importante fonte de renda. Na Tailândia e no Laos, a utilização

consiste na irrigação, tanto para a agricultura de subsistência quanto na produção agrícola

intensiva. No entanto, segundo o UNEP (2006), o Laos apresenta um potencial hidrelétrico

significativo e exporta a energia produzida, o que constitui ganhos econômicos importantes.

Um dos principais usos dos recursos fluviais no Camboja é para pesca, atividade esta que é

muito importante tanto para a subsistência das comunidades ribeirinhas quanto para a

economia nacional. No Vietnã, a água é utilizada para a irrigação, sobretudo do cultivo de

arroz, e a pesca é um importante meio de subsistência para mais de 18 milhões de pessoas que

34

vivem na região do Delta do Mekong. Em síntese, a agricultura irrigada, com destaque para o

cultivo de arroz e grãos, e a pesca são as atividades econômicas predominantes na bacia do

Rio Mekong. Segundo a FAO (2012), cerca de 60% da população economicamente ativa da

região da bacia tem profissões ligadas ao uso das águas, sendo em sua maioria, pescadores e

agricultores.

O desenvolvimento econômico dos Estados ripários é um dos grandes objetivos das

políticas macroeconômicas nacionais. No que concerne os países do Baixo Mekong, a

dependência dos recursos da bacia para o desenvolvimento de suas atividades de subsistência

e geradoras de renda é muito grande. Consequentemente, de acordo com Gajaseni, Heal e

Jones (2006), a competição entre os Estados ribeirinhos pelos recursos é agressiva e eles são

ao mesmo tempo dependentes e interdependentes dos recursos naturais da bacia do Rio

Mekong. A figura 1 mostra a relação de interdependência dos recursos naturais da bacia entre

os Estados ripários.

Figura 1 – Interdependência dos recursos naturais da bacia entre os Estados ripários

Fonte: Gajaseni, Heal e Jones (2006).

Como visto, a Província de Yunnan é muito dependente das águas da bacia para o

desenvolvimento do potencial hidrelétrico e o Myanmar já é menos dependente, tanto no

quesito geração de energia quanto na pesca e no cultivo de arroz e grãos. Já os Estados

35

ripários do Baixo Mekong dependem muito das águas do rio para o desenvolvimento de suas

atividades econômicas e de subsistência. Segundo Gajaseni, Heal e Jones (2006), existe

concorrência direta entre Tailândia e Vietnã sobre o abastecimento de água para a produção

agrícola, já que eles são concorrentes no mercado mundial de arroz. Há também uma

competição indireta pela produção de energia. A Tailândia possui uma alta demanda de

energia e precisa importá-la dos Estados vizinhos, especialmente o Laos, que vêm

apresentando um grande potencial na produção. Os Estados com maior potencial para a

geração se tornaram competidores no mercado mundial. Ainda de acordo com Gajaseni, Heal

e Jones (2006), Myamar, Laos e Camboja estão crescendo e dependem da exportação de

madeira, peixes, minerais e energia para a Tailândia.

Desta forma, utilizando-se dos estudos de Ostrom (1990) e Keohane e Ostrom (1995),

a heterogeneidade quanto às capacidades dos Estados ripários facilitaria a cooperação, pois

expressa a dependência que eles têm dos recursos naturais da bacia. Como também aponta

Keohane e Nye (2001) e Ostrom (1990), estes Estados estão ligados por uma estrutura de

interdependência enquanto eles continuam a compartilhar um único CPR, já que eles utilizam

os recursos da bacia para o suprimento das necessidades de seus mercados internos e no

desenvolvimento das atividades econômicas.

De acordo com a FAO (2012), a migração é um evento bastante recorrente

especialmente no Baixo Mekong. A população rural migra sazonalmente ou de maneira

semipermanente para as áreas urbanas em busca de emprego e com a expectativa de maiores

salários. Essa população também se muda de áreas rurais densamente povoadas para locais

mais remotos em busca de novas oportunidades para o desenvolvimento de atividades

econômicas. Grande parte dos habitantes do Baixo Mekong, uma das regiões mais pobres do

mundo, não tem acesso à infraestrutura de qualidade, a serviços públicos básicos e vivem com

baixa renda, visto que um terço da população se sustenta com menos de US$ 2 por dia. No

Camboja, 35% da população vive abaixo da linha da pobreza. Apesar das disparidades

socioeconômicas entre os Estados ripários, notadamente os da região do Baixo Mekong,

dados da MRC (2010) indicam que 60% da população dessa região tem acesso a saneamento.

2.3 Implicações da ocupação humana e da atividade econômica na bacia

O volume de água da bacia do Rio Mekong tem sido alterado pelas atividades

desenvolvidas em seu entorno. A construção de barragens para hidrelétricas, a melhoria da

navegação fluvial e o desvio de água do rio para irrigação tem deteriorado as condições das

36

águas e das espécies aquáticas. As informações sobre a utilização das águas por setor nos

Estados ripários estão apresentadas no gráfico 2.

Gráfico 2 – Utilização das águas por setor nos Estados ripários

Fonte: Elaborado pela autora a partir de FAO (2012)

A expansão da agricultura, o desenvolvimento de processos de irrigação em maiores

escalas e a dependência das indústrias dos recursos da bacia têm contribuído para o aumento

exponencial do consumo da água e o desvio do fluxo do rio. Essas atividades têm modificado

o ciclo hidrológico e afetado o volume do Rio Mekong e de seus afluentes. No Camboja, a

pesca excessiva tanto para fins comerciais quanto para a subsistência constitui uma ameaça

para a preservação das espécies aquáticas.

Na região do rio Lancang, na China, e no Baixo Mekong, no Laos, a construção de

barragens para o desenvolvimento de energia hidrelétrica é bastante recorrente. A estimativa é

que nas próximas décadas, dezenas de novas barragens sejam construídas. Segundo a UNEP

(2006), essas construções também têm causado grandes impactos no volume do rio e de seus

afluentes, pois o fluxo do rio tem sido modificado e os sedimentos que ficam presos atrás das

barragens têm interferido na migração dos peixes e na desova, reduzindo a produtividade e

gerando danos ambientais. Analisando especificamente o caso chinês, na Província de

Yunnan existem e estão sendo construídas várias barragens. A expansão hidrelétrica na China

faz parte do planejamento nacional e o de acordo com Dore, Xiaogang e Li (2007), esta

37

Província tem papel chave, já que possui 24% do potencial hidrelétrico da China para projetos

de médio e grande porte. Por estarem localizadas no Alto Mekong, à montante, estas

construções afetam diretamente a quantidade e qualidade das águas do Mekong à jusante.

Para Gajaseni, Heal e Jones (2006), este fato deixa os Estados do Baixo Mekong impotentes,

já que a China não participa da Comissão do Rio Mekong e por isso a barganha ou

enforcement não se aplicam a este Estado no âmbito da Comissão. O resultado disto é o

surgimento de conflitos decorrentes dos problemas ocasionados pelos empreendimentos

chineses, ou seja, na análise de Haftendorn (1999), se trata de um conflito de distribuição

relativa, já que apresenta uma disparidade em relação ao uso da água entre os Estados à

montante e à jusante.

Visando melhorar rotas de navegação, o curso do rio foi modificado. Conforme o

UNEP (2006), no Alto Mekong, corredeiras e recifes foram removidos para permitir a

navegação e isso não só destruiu habitats, prejudicou a desova e a alimentação dos peixes e

também modificou o fluxo e aumentou a erosão do rio. O desmatamento das montanhas tem

aumentado o volume e a velocidade do escoamento das águas, e com a substituição da

cobertura vegetal por assentamentos urbanos, o risco de inundações são maiores. A má

drenagem tem acarretado na salinização do solo, deteriorando a qualidade da água e do solo.

No Nordeste da Tailândia, a água subterrânea apresenta elevados índices de salinidade e o

Delta do Mekong vietnamita apresenta o mesmo problema e o solo também está contaminado

por produtos químicos.

De acordo com o UNEP (2006), a utilização de águas subterrâneas para o

desenvolvimento de cultivos, como por exemplo, o café, levou à queda dos níveis de águas

em muitas terras vietnamitas. Nas últimas décadas, as águas subterrâneas têm sido capitadas

extensivamente tanto para consumo doméstico quanto para o uso agrícola no Camboja. Com a

intensificação da produção agrícola, grande quantidades de resíduos orgânicos e águas

residuais tem ido para a bacia e causa eutrofização, principalmente no Nordeste da Tailândia e

no Delta do Mekong.

A poluição química das águas tem sido provocada pelo uso de pesticidas e fertilizantes

originários da atividade agrícola. Também há ocorrência de poluição através de coliformes

fecais nos afluentes, canais e lagoas da bacia. Segundo informações do UNEP (2006),

resíduos sólidos têm sido dispensados nas águas do Mekong em decorrência do

desenvolvimento do turismo e da proliferação de centros urbanos. Na tabela 2 estão

apresentados alguns problemas e o impacto deles na bacia do Rio Mekong.

38

Tabela 2: Problemas ambientais e os impactos na bacia do Rio Mekong

Fonte: UNEP, 2006.

39

Percebe-se que os Estados ripários têm causado danos à bacia do Rio Mekong. Seja

contribuindo para o aumento da quantidade de sedimentos, desmatando e modificando a

paisagem através da remoção da cobertura vegetal para a urbanização e implantação de

propriedades agrícolas, seja pela perda da biodiversidade e a modificação de ecossistemas.

A estrutura institucional de gestão da bacia do Rio Mekong será o tema da próxima

seção. O histórico das iniciativas de cooperação entre os Estados ripários, bem como o acordo

de cooperação e o plano da bacia também serão apresentados.

40

3 A ESTRUTURA INSTITUCIONAL DE GESTÃO DA BACIA DO RIO

MEKONG

Na década de 1940, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a Ásia e Extremo

Oriente realizou estudos no Rio Mekong e notou o potencial do rio para o desenvolvimento de

hidrelétricas e irrigação. A iniciativa chamada de Projeto Mekong foi considerada um dos

maiores projetos de financiamento, construção e gestão já idealizados pela Organização das

Nações Unidas. Nesta seção serão apresentados o histórico de cooperação para a gestão da

bacia do Rio Mekong, o arranjo institucional criado e suas respectivas atribuições, bem como

o acordo e os planos da bacia.

3.1 Perspectiva histórica da criação da estrutura institucional para a gestão da bacia

do Rio Mekong e as iniciativas de cooperação

As primeiras iniciativas para fazer a gestão da bacia do Rio Mekong tiveram início na

década de 1940. Em 1947, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a Ásia e Extremo

Oriente (UNECAF)23

foi criada para ajudar no desenvolvimento do Sudeste Asiático. De

acordo com Tatemoto (2008), pelos resultados de estudos preliminares em relação ao

potencial hidrelétrico na região, o Baixo Mekong tornou-se uma prioridade. Essa Comissão

criou em 1949 um Escritório para Controle de Enchentes, responsável por elaborar relatórios

sobre inundações em rios internacionais. Em 1952, este Escritório elaborou um estudo com a

colaboração de Camboja, Laos, Tailândia e Vietnã sobre o controle de inundações e

desenvolvimento de recursos hídricos no Baixo Mekong. Neste relatório foram apresentadas

informações que comprovavam o potencial da bacia do rio Mekong para o desenvolvimento

de irrigação e hidrelétricas. O Escritório da UNECAF propôs que a região fosse estudada de

maneira mais aprofundada e intensiva, contudo, de acordo com MRC (2013b), a situação

política na Indochina24

impediu a ação e, além disso, a China não participou porque não era

membro da Organização das Nações Unidas e o Myanmar (antiga Birmânia) não manifestou

interesse.

23

Atual Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para Ásia e Pacífico (UNESCAP). 24

Colônia francesa no Sudeste Asiático que compreendia a região localizada entre a Índia e a China, hoje, os

atuais Vietnã, Camboja e Laos, onde aconteceram diversos conflitos. Desde a segunda metade do século XIX o

clima da região era tenso e hostil. Os conflitos na Indochina entre 1946 e 1989 envolveram diretamente, em

diferentes épocas, Vietnã, Camboja (1979-1989), Laos, França (1946-1954), Estados Unidos (1955-1973) e

China (1979). (MRC, 2013b, p.13).

41

O empreendimento de ações só foi possível a partir de 1954, quando o clima ficou

menos tenso e hostil com a independência de Camboja, Laos e Vietnã. França, Japão e

Estados Unidos financiaram e investiram na realização dos primeiros estudos na região. Entre

1955 e 1956, o US Bureau of Reclamation fez um estudo na região do Baixo Mekong e

recomendou que os quatro Estados ripários do Baixo Mekong - Laos, Vietnã, Camboja e

Tailândia- fizessem uma gestão conjunta dos recursos hídricos para promover o

desenvolvimento da região. Neste trabalho, o Escritório notou que não existiam dados

compilados suficientes para desenvolver um plano de bacia, e por isso, havia a necessidade de

criar um programa de coleta e análise de informações e formular estudos sobre agricultura,

pesca, navegação e educação. Como desdobramento do estudo realizado, em 1956 foi

produzido o “Relatório de Reconhecimento – Bacia do Baixo Mekong”, que segundo a MRC

(2013b), foi o primeiro documento considerado como plano de bacia do Rio Mekong.

Após intensos trabalhos no ano de 1956, a UNECAF com a colaboração de Camboja,

Laos, Vietnã e Tailândia, produziu em 1957, o relatório “Desenvolvimento de Recursos

Hídricos na Bacia do Baixo Mekong”. Paralelamente a isso, estes quatro Estados emitiram

uma Declaração Conjunta afirmando que continuariam desenvolvendo estudos para analisar a

implantação de projetos na bacia. De acordo com Wolf e Newton (2003):

Como em estudos anteriores, o relatório da ECAF enfatizou a necessidade de

desenvolvimento integral do rio, e uma cooperação estreita entre os Estados ripários

na coordenação de esforços para projetos e gestão. Para facilitar a coordenação, o

relatório sugeriu o estabelecimento de um organismo internacional para troca de

informação e desenvolvimento de planos entre os Estados ripários. (WOLF;

NEWTON, 2003, p. 3, versão livre)25

A apresentação deste relatório no Encontro da UNECAF e a Declaração Conjunta

levaram a mais uma recomendação: a criação de um Comitê de Coordenação. Representantes

dos quatro Estados reuniram-se em Bangkok, em setembro de 1957, e aprovaram o "Estatuto

do Comitê para Coordenação de Pesquisas da Bacia do Baixo Mekong” e criaram o Comitê

do Mekong (CM), principal instituição para a cooperação da região e os comitês nacionais,

que seriam responsáveis por articular as políticas domésticas com os programas estabelecidos.

A bacia do Rio Mekong representava o primeiro engajamento da ONU em um plano

de bacia. E, em 1959, nasceu o primeiro Agente Executivo26

do Comitê do Mekong,

25

As earlier studies had, the ECAF report emphasized the need for comprehensive development of the river, and

close cooperation between the riparians in coordinating efforts for projects and management. To facilitate

coordination, the report suggested the establishment of an international body for exchanging information and

development plans between the riparian states. 26

Futuro Secretariado da Comissão do Rio Mekong.

42

responsável pela gestão técnica e administrativa do CM e dotado de um quadro de pessoal

fornecido pela ONU. De acordo com Osborne (2004), a importância dos Estados Unidos era

tamanha que, “ainda que não fosse um membro do Comitê, seus interesses eram claramente

demonstrados pelo fato de um norte-americano ser o chefe administrativo do Comitê”.

(OSBORNE, 2006, p. 5-6, versão livre) 27

. O CM28

aumentou o seu escopo ao longo do

tempo, e essas alterações lhe permitiram receber e administrar os fundos de doadores e

adquirir títulos de propriedade.

O General Raymond Wheeler do Corpo de Engenheiros do Exército estadunidense

realizou uma missão em 1958 no Baixo Mekong e percebeu o potencial do uso das águas da

região para a navegação, desenvolvimento de hidrelétricas e irrigação. Como recomendação

de Wheeler, foi criado um Conselho, composto inicialmente por três engenheiros, e expandido

em 1969 para dez. Este Conselho participava dos encontros do CM e incorporava a análise de

questões agrícolas, financeiras, sociais e econômicas. Mesmo com a Guerra Fria e durante o

conflito entre Estados Unidos e Vietnã, segundo Fox e Sneddon (2006), os estadunidenses

continuaram patrocinando o Comitê do Mekong e ainda deram apoio militar e financeiro à

Tailândia, por se tratar de um aliado estratégico dos Estados Unidos naquela região. Em 1962,

o geógrafo estadunidense Gilbert F. White liderou a missão da Fundação Ford. O relatório

elaborado por ele, “Aspectos Sociais e Econômicos para o Desenvolvimento do Baixo

Mekong”, reiterou o grande potencial de desenvolvimento que a região possuía. Isto posto,

redes de monitoramento e bancos de dados foram construídos nos afluentes do Rio Mekong e

a expectativa era que isso fosse expandido a longo prazo.

Apesar de todas essas iniciativas de atores internacionais, segundo a MRC (2013b), os

Estados ripários continuavam sofrendo pela falta de condições financeiras, dados e

habilidades e havia dificuldade em conciliar as metas, planos e ações de desenvolvimento

regional e nacional. A preocupação com as questões do desenvolvimento na região da bacia

gerou a percepção de que seria necessário criar um plano global da bacia. Por isso, em 1970, o

Comitê do Mekong encomendou a uma equipe de consultores internacionais a elaboração do

“Plano Indicativo da Bacia: 1970”. Este plano propôs investimentos integrados e

multissetoriais no rio principal e afluentes por meio de 180 projetos, visando o aumento da

capacidade de geração de energia, a expansão da navegação, irrigação, drenagem e controle

de cheias. (MRC, 2013b, p. 21). Vale destacar a importância do papel dos Estados Unidos

27

Although not a member of the Committee, the United States’ interests were firmly asserted through the fact

that an American was the administrative head of the Committee. 28

O nome do CM mudou em 1965 para Comitê de Coordenação de Desenvolvimento Integral do Baixo

Mekong.

43

desde meados da década de 1950 até 1970. Alinhado a seus interesses estratégicos na região e

na relação com a Tailândia, a proposição de Haftendorn (1999) se confirma, já que a ação

deste ator externo facilitou cooperação, pois ele influenciou na criação do Comitê do Mekong

e sua atuação nos anos posteriores contribuiu para as primeiras iniciativas cooperativas na

bacia.

O potencial para a expansão da irrigação na região do Baixo Mekong era tão

considerável que o CM conseguiu financiamento para construir cinco fazendas experimentais

nos quatro países da região e decidiu estabelecer um Sub-Comitê de Agricultura e a Divisão

da Agricultura dentro do Secretariado. Todavia, na década de 1970, a intensificação do

conflito no Vietnã e seu impacto no Camboja e Laos atrapalharam o progresso das iniciativas,

e os Estados Unidos perderam interesse em investir no Mekong. Destarte, projetos

independentes eram implementados na Tailândia e no Laos, e iniciativas cooperativas só eram

feitas por estes Estados ripários. A MRC (2013b) ressalta que a Declaração Conjunta de

Princípios para a Utilização das Águas da Bacia do Baixo Mekong representa um grande feito

em 1975, pois reiterava a necessidade de acordo entre os membros para a construção de

projetos de grande porte e foi caracterizada por um robusto conjunto de regras relacionadas

principalmente ao rio principal da bacia. Porém, apesar dos avanços, os tempos difíceis

voltaram.

A situação continuava delicada. Entre 1976 e 1977, as reuniões no Comitê do Mekong

não estavam sendo realizadas devido a não nomeação de representantes de Camboja, Laos e

Vietnã em decorrência dos conflitos e da consolidação dos novos regimes políticos desses

Estados. O financiamento caiu drasticamente e somente a Holanda continuou financiando as

iniciativas.

No ano de 1977, Laos, Tailândia e Vietnã criaram o Comitê Interino do Mekong

(CIM). O Camboja ficou ausente desta instituição por 14 anos por causa da instabilidade

política interna. O Comitê Interino do Mekong continuou contando com o quadro de pessoal

internacional no Agente Executivo. Comandado somente pelo três Estados do Baixo Mekong,

o CIM enfrentou problemas com financiamento, redefinição de papéis e reorganização.

Conforme Fox e Sneddon (2006), os programas em que o CIM atuava não contavam com a

participação de todos os Estados ripários e a discrepância socioeconômica entre Tailândia –

em processo de desenvolvimento- e Laos e Vietnã, eram um empecilho para o

empreendimento de projetos maiores. De acordo com MRC (2013b), o motivo principal era a

tensão entre o desenvolvimento regional e nacional e o papel do planejamento. O relatório

feito pelo UNDP em 1984 enfatizou a necessidade de serem feitos planos de desenvolvimento

44

e planejamento integrado. Este fato resultou na reestruturação do Secretariado e no

estabelecimento de um programa de coordenação único para gerenciar os múltiplos temas da

agenda de desenvolvimento da região da bacia do Rio Mekong. O CIM continuou realizando

estudos na região nas diversas áreas para atualizar os que já tinham sido feitos e para produzir

novos. Na década de 1980, dezesseis novos projetos foram executados. Segundo MRC

(2013b):

O “Plano Indicativo da Bacia: 1970” foi completamente revisado em 1987, baseado

na atualização da análise da demanda alimentar e energética e incluiu um plano de

investimentos de longo prazo de 1988-2000. Todo este trabalho foi realizado durante

tempos difíceis, com apenas três países na mesa. (MRC, 2013b, p. 23, versão livre)29

No início da década de 1990, com o fim da guerra civil, o Camboja pediu para retornar

para o Comitê, mas queria que o CIM voltasse para os moldes do CM, que possuía poder de

veto. O Camboja enfrentou a resistência tailandesa, contudo, segundo Tatemoto (2006), o

PNUD, temendo o fim da cooperação, interveio no impasse entre Tailândia e Camboja

propondo uma série de conferências. Então, depois de negociações, a Tailândia concordou

com o retorno do Camboja desde que não houvesse o “poder de veto” no CIM, e em 1991 o

Estado entrou para o Comitê Interino do Mekong após assinar o Acordo de Paz em Paris.

A partir da constituição do CIM com os quatro Estados ripários da região do Baixo

Mekong, esta estrutura institucional passou a ser um organismo intergovenamental, não mais

sob os auspícios da ONU. A MRC (2013b) reitera que houve pressão para remover as regras

introduzidas na Declaração Conjunta de 1975. Com o apoio do PNUD, em 1994 começaram

as negociações para a criação de um novo acordo, que culminaria em 1995 no “Acordo de

Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Mekong” e na Comissão do

Rio Mekong. O resumo do histórico de cooperação da bacia do Rio Mekong está apresentado

no quadro 2.

29

The 1970 Indicative Basin Plan was completely revised in 1987, based on updated analysis of food and energy

demand and including a 1988-2000 investment plan and a long-term perspective. All this work was undertaken

during difficult times, with only three countries at the table.

45

Quadro 2 – Resumo do histórico de cooperação da bacia do Rio Mekong

Ano Evento

1952 UNECAF publica relatório destacando o potencial para desenvolvimento

integrado na bacia do Baixo Mekong.

1957 Camboja, Laos, Vietnã e Tailândia adotam o Estatuto do Comitê para

Coordenação de Pesquisas da Bacia do Baixo Mekong, levando ao

estabelecimento do Comitê do Mekong, a fim de promover, coordenar,

supervisionar e controlar a pesquisa e planejamento dos projetos para recursos

hídricos. Logo após, o Secretariado do Mekong é formado para facilitar o

trabalho técnico e administrativo do Comitê.

1957-1970 Inúmeros estudos são feitos para agregar informações acerca da hidrologia do

rio, geografia, regime de chuvas, entre outros, com vistas à implementação de

projetos de hidroeletricidade de grande porte.

1975 Declaração Conjunta dos Princípios para a Utilização das Águas da Bacia do

Baixo Mekong é ratificada. O Comitê do Mekong recebe mandato mais amplo

para criar agências encarregadas da implementação de projetos no curso

principal do rio. Projetos de grande escala necessitam de aprovação de todos

os membros- cada Estado-membro tem direito a veto. Preparação para a

realização do Plano Indicativo da Bacia de 1970, delineando um sistema de

sete reservatórios no curso principal. Cooperação continua apesar da guerra no

Vietnã.

1975-1991 Guerra civil no Camboja; Guerra no Vietnã (até 1976); Vietnã invade o

Camboja (1979) para apoiar o governo cambojano contra o movimento Khmer

Vermelho. A agenda do Comitê é restrita e poucos projetos são

implementados.

1978 Com a ausência de um representante do Camboja, a cooperação do Mekong

torna-se o Comitê Interino do Mekong, formado pelos outros três Estados.

1991 Após o fim da guerra civil, o Camboja pede readmissão e reativação do

Comitê no formato original. A Tailândia reluta em aceitar a reativação do

Comitê do Mekong e a cooperação segue dentro do Comitê Interino, mas com

a presença do Camboja. Tailândia, em decorrência do grande número de

projetos de grande porte, recusa-se a voltar a um acordo no qual existia poder

de veto.

1995 Após três anos de preparação e mediação por parte do PNUD, o Acordo de

Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Mekong é

assinado por Lados, Tailândia, Camboja e Vietnã, e a Comissão do Rio

Mekong substitui os acordos anteriores.

Fonte: Lauridsen (2004)

46

3.2 O Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio

Mekong

O Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio

Mekong30

foi assinado em 1995 por Camboja, Laos, Vietnã e Tailândia e é vigente até os dias

de hoje. Este acordo reafirmou a vontade destes quatro Estados ripários “em cooperar nas

áreas de desenvolvimento sustentável, utilização, gestão e conservação das águas e recursos

da Bacia do Mekong”. (MRC, 1995, p. 3, versão livre)31

.

No texto do acordo, os Estados reconhecem as grandes mudanças sociais, políticas e

econômicas que os países da região enfrentaram no período que antecedeu sua criação, bem

como os esforços empreendidos para reavaliar, redefinir e estabelecer a cooperação entre eles.

Assim, pode-se perceber através da contribuição de Keohane (1984) e Keohane e Ostrom

(1995), que os Estados do Baixo Mekong ajustaram seu comportamento quanto às

preferências e fizeram compromissos críveis através da criação deste Acordo e da Comissão

do Rio Mekong, instituição responsável pela gestão da bacia.

O grande objetivo deste acordo é dar suporte e desenvolver projetos e planos que

promovam desenvolvimento de maneira sustentável, de forma que os Estados ripários

obtenham múltiplos ganhos. De acordo com Tatemoto (2008), no texto do Acordo, o princípio

mais fortemente reforçado é o do uso equitativo e razoável dos recursos hídricos da bacia

entre os Estados membros, que seria buscado através de notificações e consultas prévias entre

os Estados sobre o uso das águas.

O artigo 11 estabeleceu a criação da Comissão do Rio Mekong, instituição esta que

substituiria o Comitê para Coordenação de Pesquisas da Bacia do Baixo Mekong (Comitê do

Mekong, Comitê Interino do Mekong) e o Secretariado. A Comissão formada seria composta

por três órgãos permanentes: o Conselho, o Secretariado e o Comitê Conjunto. No texto do

Acordo, o Artigo 41 reconhece a importância da assistência dada pela ONU, dos

financiamentos e recursos provenientes de doadores e expressa o desejo de estreitar laços e

cooperar com outros atores internacionais. Diante deste fato, a perspectiva de Haftendorn

(1999) novamente se confirma, já que as ações empreendidas pelo ator externo, neste caso, a

ONU, estimularam a dinâmica cooperativa entre os Estados ripários do Baixo Mekong.

30

Mais informações em: MRC. MEKONG RIVER COMMISSION. Agreement on the Cooperation for the

Sustainable Development of the Mekong River Basin. Disponível em:

<http://www.mrcmekong.org/assets/Publications/agreements/95-agreement.pdf>. 31

To cooperate in all fields of sustainable development, utilization, management and conservation of the water

and related resources of the Mekong River Basin.

47

O artigo 26 é de extrema relevância, já que definiu como e quais os procedimentos e

regras que os Estados acordaram para a utilização da bacia. Segundo Hirsch et al

(2006), a criação desse Acordo simbolizou uma “vitória” para a paz e a cooperação em um

região assolada por conflitos geopolíticos ao longo das décadas anteriores. A cooperação

firmada entre os Estados do Baixo Mekong tem sido qualificada pelo “Mekong spirit”-

caracterizado pelo respeito mútuo e pela disposição ao diálogo para a gestão cooperativa da

bacia hidrográfica.

3.2.1 A Comissão do Rio Mekong e sua estrutura organizacional

Antes de ter sido formada a Comissão do Rio Mekong, em um primeiro momento foi

criado o Comitê do Mekong (1957-1978) com a adesão de Camboja, Laos, Tailândia e Vietnã.

Posteriormente, o Comitê Interino do Mekong (1978-1992) foi constituído com a participação

de Laos, Tailândia e Vietnã. E enfim, este Comitê acabou sendo substituído pela Comissão do

Rio Mekong32

em 1995.

A Comissão foi estabelecida pelo “Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento

Sustentável da Bacia do Rio Mekong”, e conta com a participação direta dos quatro Estados

ripários da região do Baixo Mekong: Camboja, Laos, Tailândia e Vietnã. A criação desta

instituição representou um novo patamar de cooperação na elaboração de projetos

diferenciados e de grande escala. Ela atua no desenvolvimento de projetos e programas nas

áreas da pesca, navegação, irrigação, monitoramento ambiental, inundações e

desenvolvimento hidrelétrico. Esta estrutura institucional é constituída por três departamentos

permanentes: o Secretariado, o Comitê Conjunto e o Conselho. Na figura 2 é possível ver a

estrutura organizacional da Comissão do Rio Mekong.

32

Todas as informações foram obtidas em: MRC. MEKONG RIVER COMMISSION. Organisational

Structure. Disponível em: <http://www.mrcmekong.org/about-the-mrc/organisational-structure/>.

48

Figura 2 - Estrutura organizacional da Comissão do Rio Mekong

Fonte: MRC, 2014b.

O Conselho é composto por Ministros do Meio Ambiente e da Água do Camboja,

Laos, Tailândia e Vietnã. Eles se reúnem para discutir questões que emergem sobre a bacia do

Baixo Mekong e para analisar e tomar decisões conjuntas sobre a gestão dos recursos hídricos

e desenvolvimento sustentável da região. O mandato é de um ano e os representantes são

escolhidos de acordo com a ordem alfabética da lista de participantes dos Estados. As

decisões devem ser aprovadas por unanimidade.

O Comitê Conjunto é composto por Chefes de Departamento dos quatro Estados e

apoiado por Agências nacionais e Ministros das Relações Exteriores. A função deste órgão é

formular o plano de desenvolvimento da bacia, projetos e programas, implementar as políticas

e decisões do Conselho, bem como cumprir as tarefas designadas por ele e promover

49

treinamento para o pessoal dos Estados-membros que desenvolve atividades na bacia. O

mandato da Presidência do Comitê é de um ano e a rotatividade do cargo é feita por ordem

alfabética inversa. Atrelado a este Comitê, existe o Grupo Consultivo, responsável por dar

suporte técnico e financeiro necessário.

Sob a direção do Escritório Chefe Executivo, o Secretariado atua na facilitação de

encontros regionais entre os Estados ripários e fornece assessoria técnica para planejamento,

coordenação e cooperação. Ademais, formula o programa de trabalho anual e prepara todos os

outros planos, projetos e programas, documentos, estudos e avaliações que possam ser

requeridos. Além de trabalhar junto aos Estados, também atua próximo aos Comitês

Nacionais do Mekong e outras agências estatais. Os Comitês Nacionais foram instaurados no

Camboja, Laos, Vietnã e Tailândia para coordenar os programas e projetos desenvolvidos

pela Comissão do Rio Mekong em cada Estado-membro através dos Departamentos e

Ministérios Nacionais. A estrutura dos Comitês Nacionais varia em cada Estado, e a estrutura

organizacional é composta de um órgão interministerial responsável pela tomada de decisão,

um grupo de gestão dos Departamentos-chave dos governos envolvidos com as questões

ambientais e um Secretariado de apoio. Estes Comitês desempenham um importante papel na

estrutura de gestão da bacia, pois também estabelecem ligações entre as burocracias de cada

Estado com o Secretariado da Comissão do Rio Mekong.

Como se pode observar, os Estados ripários do Alto Mekong, China e Myanmar, não

são membros da Comissão33

, mas em 1996, se tornaram parceiros de diálogo. Em 2002, a

China assinou um acordo de provisão de informação hidrológica do Rio Lancang (Mekong).

Através deste acordo, a China fornece dados sobre o nível da água do rio. Desta forma, a

participação chinesa só é notável na formação de grupos de trabalhos e por meio de consultas

realizadas. Conforme exposto no capítulo anterior, o impacto negativo dos empreendimentos

de China e Myanmar nas águas à jusante configuram uma relação conflitiva com os outros

Estados ripários da bacia. A ausência dos dois Estados na Comissão do Rio Mekong dificulta

a cooperação para a gestão das águas de maneira sustentável e a resolução dos conflitos

decorrentes dos problemas ambientais provocados por eles nos outros Estados. Assim, a partir

das análises de Ostrom (1990), Bernauer (1997) e Buck (1998), quando se trata de bacias

hidrográficas transfronteriças, apesar de a localização geográfica (fronteiras bem definidas)

ser determinante para designar os atores envolvidos no compartilhamento, a escolha dos

33

De acordo com Osborne (2004), a China não aceitou o Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento

Sustentável da Bacia do Rio Mekong por não querer discutir seus projetos de uso do rio, principalmente no que

concerne à construção de barragens e Myanmar não assentiu devido à baixa propensão para cooperar e pela

pouca importância que a bacia do Mekong tem em seu território.

50

membros de um acordo de cooperação é feita pelos próprios atores. Ademais, por serem ao

mesmo tempo um common pool resource e um bem público, as bacias hidrográficas se

caracterizam pela alta subtratividade e a difícil exclusão de usuários. Desta forma, o aspecto

da não-participação de China e Myanamar na Comissão não implica na exclusão dos usuários

desses Estados da apropriação das águas da Rio Mekong.

A Comissão do Rio Mekong é financiada por Camboja, Laos, Vietnã e Tailândia, e

por colaborações técnicas e financeiras de organizações e instituições bilaterais e

multilaterais. Trabalha de maneira estreita com os Ministros dos quatro Estados-membros

tanto no Secretariado quanto nos Comitês Nacionais do Mekong. Quanto à atuação de outros

atores, os principais parceiros de financiamento e desenvolvimento de projetos para a bacia do

Rio Mekong são a Austrália, França, Suécia, Bélgica, Alemanha, Suíça, Dinamarca, Japão,

Holanda, União Europeia, Luxemburgo, Finlândia, Nova Zelândia, Banco Mundial, Banco de

Desenvolvimento Asiático (ADB), Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN),

União Internacional para a Conservação da Natureza, Programa de Desenvolvimento das

Nações Unidas, Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para Ásia e Pacífico e a

WWF.

3.2.2 Diretrizes e procedimentos acordados entre os Estados ripários do Baixo Mekong

No decorrer dos anos, diretrizes e procedimentos foram estabelecidos entre os Estados

ripários34

do Baixo Mekong. Em 2001, foi aprovado o documento com os Procedimentos de

Compartilhamento e Troca de Informação. De acordo com informações da MRC (2001), o

objetivo desse documento era operacionalizar a troca de informações e dados entre os quatro

Estados-membros, deixar disponível as informações sobre os recursos hídricos, topografia,

recursos naturais, agricultura, navegação e transporte, gestão de inundações e mitigação,

infraestrutura, urbanização/industrialização, meio ambiente e ecologia, limites

administrativos, dados socioeconômicos e sobre o turismo na bacia para o público, mostrando

a transparência e proporcionando simetria de informações. Ficou decidido que seria de

responsabilidade do Secretariado obter, atualizar e disponibilizar essas informações para a

Comissão e para o público.

Considerando o impacto que o uso da água tem no fluxo e na qualidade dos recursos

hídricos da bacia, em 2003 foram acordados os Procedimentos para o Monitoramento do Uso

34

Texto elaborado a partir dos documentos com os procedimentos e diretrizes disponíveis em:

<http://www.mrcmekong.org/publications/policies-procedures-and-guidelines/>.

51

da Água na Bacia e nos Afluentes. O sistema de monitoramento consiste em três

componentes: equipamentos físicos localizados em cada Estado, procedimentos tecnológicos

e monitoramento feito por usuários, instituições e organizações. Segundo informações da

MRC (2003b), todo o sistema envolve a atuação do Comitê Conjunto, através da elaboração

de regras e procedimentos, do Secretariado, responsável pela elaboração de relatórios, e dos

Comitês Nacionais do Mekong, atuando junto ao Comitê Conjunto para manter, fortalecer e

estabelecer o sistema de monitoramento.

Os Procedimentos para o Monitoramento da Qualidade da Água de 2011 preveem

quadro cooperativo para a manutenção da boa qualidade da água para os Estados ripários e

ressalta a importância da participação pública neste processo. Conforme MRC (2011), o

monitoramento se dá a partir da articulação do Conselho, Comitê Conjunto, do Secretariado e

dos Comitês Nacionais. O papel do Conselho é conceber os procedimentos e o do Comitê

Conjunto é estabelecer estações de monitoramento, preparar e revisar diretrizes técnicas para

a implementação de procedimentos para o monitoramento, atuando de forma conjunta com os

Comitês Nacionais. O Secretariado atuaria no provimento de corpo técnico para desenvolver

gestão da qualidade da água. Os Comitês Nacionais operariam informando as Agências,

autoridades locais e stakeholders dos procedimentos, além de elaborarem relatórios e

manterem as estações de monitoramento implantadas. Esses procedimentos configuram

alguns dos dos oitos princípios propostos por Ostrom (1990), quanto aos oito princípios que

orientariam a construção de instituições.

De acordo com a MRC (2003a), os Procedimentos para Notificação, Consulta Prévia

e Acordo de 2003 inferem sobre a realização de qualquer projeto pelos Estados que afete o

fluxo do rio principal e seus afluentes. Neste caso, projetos realizados durante a estação

chuvosa devem apenas serem informados à Comissão. Quando levam a água do rio principal

para outras bacias durante o período de seca, o projeto deve passar por uma consulta prévia.

Para tal, o Estado ripário tem que fazer um relatório com um resumo dos impactos causados

juntamente com uma avaliação técnica. Essa documentação tem que ser encaminhada para o

Comitê Conjunto por meio do Secretariado.

3.3 Os planos e programas desenvolvidos na bacia pela MRC

Requerido no Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do

Rio Mekong, o Plano de Desenvolvimento da Bacia (PDB) consiste na análise de cenários

para formulação de estratégias e processos em diversas áreas, para assim, categorizar e

52

priorizar projetos e programas a serem implementados na bacia. Nos primeiros anos de

atuação da Comissão do Rio Mekong, antes da elaboração do PDB, as primeiras atividades

realizadas consistiam no planejamento de workshops e preparação de relatórios dos Estados-

membros da MRC. O relatório preparado por consultores em 1999 propôs um plano de

desenvolvimento em duas fases: a primeira consistia na análise de cenários e contava com a

participação de stakeholders do nível subnacional, e a segunda abarcava o desenvolvimento

de estratégias, projetos e programas para cada nível subnacional.

De acordo com a MRC (2005), a participação pública é de grande importância para a

elaboração do PDB, pois através das discussões e da troca de informações, o componente

participativo fornece capacidade para dissolver ou atenuar os problemas ou impactos

indesejáveis dos projetos que afetem os recursos da bacia. Os atores são envolvidos no

processo de planejamento do PDB em diversos estágios, porém o impulso principal é através

da participação da população ribeirinha em diversos fóruns públicos35

em que ela apresenta e

discute a situação atual, os principais problemas observados ao longo da bacia e suas

necessidades. Desta forma, o fornecimento das informações e a identificação dos problemas

que afligem a população local, contribuem para a formulação do plano de desenvolvimento da

bacia por sub-área36

, no nível nacional e também para o planejamento e implementação de

ações no nível regional.

Após muitas negociações, a primeira fase do PDB, implementada de 2001 a 2006,

gerou bases para um planejamento cooperativo entre as instituições e os atores interessados.

Este planejamento tinha cinco estágios: análises/estudos de sub-áreas e nível regional, análise

de cenários, formulação de estratégias, estabelecimento de um banco de dados de

desenvolvimento de projetos, priorização de projetos e iniciativas. (MRC, 2013b, p.36). O

grande desafio desta fase foi lidar com os diferentes estágios de gestão e planejamento de

cada Estado ripário. Segundo Brühl e Waters (2009), durante este período, o Secretariado

levou o processo participativo para o PDB através do envolvimento de stakeholders

coordenados pelos Comitês Nacionais do Mekong em cada Estado.

A segunda fase do PDB, realizada entre 2007 e 2011, compreendeu a consolidação da

primeira, a expansão da base de conhecimento e a construção de um planejamento no nível

nacional e na Comissão do Rio Mekong. Para tal, foi construído um Projeto de Bases de

Dados composto por todos os planos nacionais de desenvolvimento relacionados com os

35

Organizados pela articulação dos Comitês Nacionais e a Comissão do Rio Mekong. 36

A sub-área é uma unidade de ordenamento do território na Bacia do Baixo Mekong refletindo as principais

bacias hidrográficas ou afluentes do Rio Mekong.

53

recursos hídricos. Esta iniciativa reforça o esforço do compartilhamento de informações e da

transparência entre os Estados ripários. A partir da destes dados, os cenários desejados e os

projetos são construídos de maneira conjunta. Na figura 3 está ilustrado o ciclo de

planejamento do desenvolvimento da bacia.

Figura 3 - Ciclo de Planejamento do Desenvolvimento da bacia

Fonte: MRC (2013)

Em 2011, o Conselho Ministerial aprovou a Estratégia de Desenvolvimento da Bacia.

Implementada através do Plano Estratégico para o período de 2011 a 2015, esta estratégia,

chamada de Plano de Ação da Bacia, consiste na elaboração de programas de ação que

alinham planejamento e planos de trabalho nacionais dos Estados ripários com a execução de

projetos regionais para promover desenvolvimento e melhorar a gestão das águas da região.

De acordo com a MRC (2013a), esta estratégia aborda principalmente as oportunidades e

problemas relacionados ao desenvolvimento e à gestão da bacia, e o Plano Estratégico

estabelece a forma como a Comissão do Rio Mekong responderá a essas demandas e oferece a

estrutura dentro da qual os programas vão operar.

Como parte integrante do Plano de Ação, os planos nacionais foram elaborados pelos

Comitês Nacionais do Mekong de cada Estado-membro da Comissão seguindo as diretrizes

do Plano de Desenvolvimento da Bacia e se atentando para as necessidades e problemas

54

apontados pela população local. A tabela 3 contém informações sobre o número de projetos

em cada Estado.

Tabela 3 – Projetos dos Planos Nacionais dos Estados-membros

Fonte: MRC (2013a)

Como visto, são mais de 100 projetos em que cada Estado reflete seus interesses e

necessidades locais com um custo total de mais de 900 milhões de dólares. Com o objetivo

de implementar as ações necessárias para executar programas regionais, a Comissão do Rio

Mekong ainda elaborou o Plano de Ação Regional. Cada programa elaborado tenta unir sua

proposta com as atividades implementadas pelos Planos Nacionais, fortalecendo assim os

vínculos do planejamento estratégico nos níveis local e regional. A Comissão do Rio Mekong

tem incentivado e encorajado o diálogo e o processo de consulta com os stakeholders nos

programas que possui em diversas áreas, como agricultura, desenvolvimento da bacia,

mudanças climáticas, meio ambiente, pesca, controle de cheias, gestão do conhecimento e da

informação, sustentabilidade hidrelétrica, capacitação integrada, navegação e gestão de

recursos hídricos. Porém, segundo Tatemoto (2008), apesar do incentivo à participação, pela

própria configuração política da região, em que a participação de atores sub-nacionais é

tradicionalmente baixa, esta se limita a presença deles em seminários, palestras e consultas.

3.4 Iniciativas e programas desenvolvidos por outros atores

Para além da atuação da Comissão do Rio Mekong, outras organizações e instituições

também promovem iniciativas e contribuem para a promoção do desenvolvimento econômico

55

e sustentável da região da bacia. Segundo Mehtonen, Keskinem e Varis (2008), além da

Comissão do Rio Mekong, as instituição mais importantes são o Programa da Grande Sub-

região do Mekong (GMS Programme)37

, a Associação das Nações do Sudeste Asiático

(ASEAN) e as instituições financeiras, notadamente o Banco Mundial e o Banco de

Desenvolvimento Asiático (ADB).

O Programa GMS foi criado em 1992 pelo Banco de Desenvolvimento Asiático e pela

Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para Ásia e Pacífico. Ele foi estabelecido

com o objetivo de facilitar o crescimento econômico sustentável e melhorar as condições de

vida da população que vive na região do Mekong. Este Programa abarca diversos setores, mas

o foco principal é transporte e geração de energia. Os seis Estados ripários participam deste

programa, sendo que a China é representada pela Província de Yunnan.

A ASEAN, estabelecida em 1967, conta com todos os Estados da bacia do Rio

Mekong, com exceção da China. A iniciativa denominada de “Cooperação para o

Desenvolvimento da Bacia do Mekong” foi criada em 1996 com o objetivo de promover o

desenvolvimento econômico e sustentável da bacia encorajando o diálogo e o fortalecimento

da relação entre os Estados ripários. O Grupo de Trabalho para a Gestão de Recursos Hídricos

da ASEAN, criado em 2002, opera na troca de informações, expertise, tecnologia e know-how

nas questões da temática hídrica. Os grandes investimentos têm sido feitos na área de geração

de energia.

De acordo com Gajaseni, Heal e Jones (2006), o Banco Mundial aprovou

financiamento de mais de US$11 milhões para a Comissão do Rio Mekong desde o ano 2000.

As organizações não-governamentais (ONGs), como World Vision, Care International,

Mennoite Central Community, Assembleia da Pobreza (Tailândia), Fundação de

Desenvolvimento do Norte (Tailândia), Fórum para do Direito da Mulher e Desenvolvimento

da ASEAN e do Pacífico, Wetland International, atuam nos níveis subnacional, regional e

internacional e também têm papel importante na promoção de iniciativas na bacia. Elas

oferecem conhecimento, informação, habilidades e promovem atividades que ensinam a

conservação dos recursos para as populações ribeirinhas, complementando assim, o que já é

oferecido pelas Agências Oficiais.

37

Mais informações em: <http://www.adb.org/countries/gms/main>.

56

CONCLUSÕES

A partir deste estudo buscou-se analisar quais seriam os fatores de sucesso da

cooperação internacional para a gestão de recursos hídricos, bem como, examinar o desenho

institucional da bacia do Rio Mekong. Não obstante, a análise objetivada neste trabalho foi

possível e viabilizada pelas abordagens que discutem a cooperação internacional para a gestão

de recursos hídricos compartilhados, em especial, a perspectiva de Elinor Ostrom (1990)

quanto aos oito princípios que poderiam orientar a construção de estruturas institucionais para

a gestão de recursos naturais.

A inserção da temática hídrica na agenda ambiental internacional, principalmente a

partir da década de 1970, bem como, a intensificação dos debates sobre o tema, são de

extrema importância para a própria conscientização dos problemas que estavam sendo

enfrentados e os desafios futuros. Por ser um recurso essencial à vida, limitado, esgotável e

distribuído de maneira desigual no planeta, é necessário que a água seja utilizada e que a

gestão seja feita de maneira adequada. A existência de um consenso sobre as diretrizes gerais

para a gestão dos recursos hídricos é de grande relevância para se pensar em mecanismos

mais eficientes para coordenar ações e políticas a fim de preservar o recurso e utilizá-lo de

maneira sustentável.

Quando se trata de águas compartilhadas, a temática hídrica se torna mais sensível, já

que o uso da água em um território fronteiriço ou transfronteiriço pode afetar a quantidade e a

qualidade do recurso em outrem. Eventualmente, há a necessidade que os Estados ripários

cooperem para que a gestão seja feita da forma mais adequada e sustentável. A cooperação

internacional para gestão de recursos hídricos transfronteiriços ocorre por razões centrais:

evitar conflitos ou atenuar os já existentes entre os Estados ripários em decorrência do uso

insustentável do recurso, da escassez ou dos danos ambientais causados. Diante disso, a

criação de acordos, tratados e estruturas institucionais se faz necessária para que os Estados

ripários possam empreender ações coordenadas e para que atuem de maneira mais eficaz e

cooperativa, para assim, enfrentar as dificuldades e desafios postos face aos danos ambientais

e socioeconômicos decorrente do uso e poluição das águas.

Os esforços cooperativos existentes para a gestão de bacias hidrográficas

transfronteiriças apresentam desempenho e impacto diversificados. Isto se deve ao fato de que

nas diversas bacias internacionais, os tratados, acordos e instituições apresentam finalidades

57

distintas, e aspectos geográficos, a utilização da água na bacia, os Estados envolvidos e suas

características socioeconômicas e culturais, influenciam na criação dos arranjos cooperativos.

O caso em estudo neste trabalho, a bacia do Rio Mekong, conta com algumas

singularidades. Primeiramente, vale destacar que os primeiros esforços para o

desenvolvimento da região da bacia foram impulsionados por atores externos, ora a

Organização das Nações Unidas, desde os primeiros estudos até a criação da Comissão do Rio

Mekong, ora os Estados Unidos, com atuação importante e notória, devido o interesse

estratégico que possuía na região. Outro ponto a se destacar é que até a assinatura do Acordo

de 1995 pelos Estados do Baixo Mekong, a cooperação foi prejudicada também falta de

recursos financeiros e pela instabilidade política, marcada pela consolidação dos regimes

autoritários e pelos conflitos que aconteceram na região dos Estados ripários até o começo da

década de 1990. A estabilidade política é fundamental para o empreendimento das ações

cooperativas e para a gestão de recursos hídricos.

Não obstante, em todo o período que antecedeu a criação da Comissão do Rio

Mekong, China e Myanmar não participaram ou não tiveram interesse nos empreendimentos

realizados à época. Uma peculiaridade é que mesmo com o estabelecimento do acordo e da

estrutura institucional, os dois Estados ripários do Alto Mekong ainda não participam da

instituição como Estados-membros, atuando somente como parceiros de diálogo. A grande

fragilidade institucional é a ausência destes dois Estados. As ações empreendidas por eles no

Alto Mekong, especialmente a construção de barragens chinesas, têm gerado danos

ambientais e socioeconômicos para os usuários do Baixo Mekong. A população de Camboja,

Laos, Vietnã e Tailândia depende muito das águas da bacia para o desenvolvimento de suas

atividades econômicas e de subsistência. Diante do comportamento destes dois Estados, e

mesmo considerando a abertura de participar como parceiro de diálogo, as expectativas são

pessimistas quanto à entrada de China e Myanmar na Comissão. Este fato se deve pelos

seguintes motivos: 1) desde os primeiros esforços cooperativos, Myanmar não demonstrou

interesse e considera o percentual de seu território na bacia com pouca importância; 2) a

China não aceitou o Acordo e não quer discutir seus projetos na bacia, já que a alteração de

suas preferências impactaria diretamente seu planejamento nacional, pois a Província por

onde passa o Rio Mekong tem papel estratégico na expansão hidrelétrica chinesa.

O fato de China e Myanmar não fazerem parte da estrutura institucional e de não

terem assinado o Acordo, não os coloca em constrangimento frente os projetos não

sustentáveis que têm sido realizados na bacia e prejudicado outros Estados ripários. Com isso,

58

as externalidades negativas provocadas por estes dois Estados continuam degradando o rio à

jusante e afetando a qualidade e a quantidade de água disponível para os Estados do Baixo

Mekong. Ademais, de todas as iniciativas promovidas por organizações e instituições

internacionais para o desenvolvimento e preservação dos recursos da bacia, a China só

participa do Programa da Grande Sub-região do Mekong, com foco em transporte e geração

de energia, principal motivo de sua utilização das águas do rio.

Analisando a Comissão do Rio Mekong quanto à sua atuação e seu aspecto

organizacional, percebe-se que ela apresenta alguns dos oito princípios orientadores de

Ostrom (1990). Os usuários e o território da bacia estão bem delimitados, o monitoramento

das águas é feito por usuários, ONGs, instituições locais e por equipamentos instalados nas

áreas da bacia no Baixo Mekong, ações coordenadas pelos Departamentos que compõem a

Comissão. Em seus projetos, a MRC tem apresentando avanços na elaboração de programas e

ações estratégicas para promover o desenvolvimento sustentável da bacia, visto que tem

buscado coordenar os planos feitos no âmbito local com as estratégias implementadas

regionalmente. A criação de sistemas de monitoramento do uso e qualidade da água, o

compartilhamento de dados entre os Estados e a elaboração de um sistema de informação

acessível aos Estados e a quaisquer interessados, demonstram progresso rumo a uma gestão

cada vez mais eficaz.

No quesito participação, mesmo com os esforços da Comissão em incorporar os

stakeholders nas discussões, palestras e seminários propostos pelos Comitês e planos

nacionais, a adesão ainda é baixa, devido à própria característica do componente participativo

nas sociedades dos Estados ripários. Contudo, considera-se que a participação de stakeholders

é essencial para a resolução dos eventuais conflitos existentes na bacia. Neste caso, vale

evidenciar que a participação de China e Myanmar na MRC seria primordial para coordenar

melhor as ações, realizar empreendimentos e executar programas e projetos com resultados

mais eficazes quanto à preservação dos recursos da bacia e à melhoria das condições

socioeconômicas dos Estados ripários.

Por fim, cabe ressaltar que este trabalho trabalhou com a perspectiva de apenas um

estudo de caso, generalizações não cabem a todos os outros. Apesar dos fatores

compreendidos por este trabalho como sendo os que levam ao sucesso da gestão de recursos

hídricos transfronteiriços conjugarem com a perspectiva de Ostrom (1990), a presença dos

princípios orientadores bem como a eficácia e/ou fragilidade das instituições são peculiares a

59

cada bacia hidrográfica transfronteiriça. Cada caso possui empreendimentos cooperativos que

são iniciados, influenciados e financiados por atores e motivos distintos.

60

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