44
Questões fundamentais de hermenêutica CORETH, Emerich. Questões fundamentais de hermenêutica. Traduçã Carlos Lopes de Matos. São Paulo: EPU, Ed. da Ui!ersidade de Sã "#$%. O termo herme&utica pro!'m do !er(o )re)o *...+ si)i ica declar iterpretar ou esclarecer e, por -ltimo, tradu ir. /preseta, pois, uma multiplicidade de acepç0es, as 1uais, etretato, coicidem em si al)uma coisa ' 2torada comprees3!el4 ou 2le!ada 5 compr acotece em 1ual1uer euciado li)u3stico, 1ue preteda d compreesão, torado al)o iteli)3!el. 7 o 1ue sucede, pricipal iterpretação ou esclarecimeto de um euciado o(scuro, de di 3cil compreesão, como, por e8emplo, um te8to hist9rico ou lit setido ão apareceimediatamete, mas de!e ates ser torado comprees3!el. E, por -ltimo, tal coisa ocorre a tradução de um 1ue toda tradição cosiste a trasposição de um comple8o si)i i outro hori ote de compreesão li)u3stica *<+ *...+ Somete a mais o!a herme&utica, i lueciada pelas ci&ci e pela iloso ia, mostrou )radati!amete 1ue su(;a em a isso tudo mais pro udos e mais udametais. =ue si)i ica a ial >compree *....+ Aão se trata apeas das 1uest0es mais amplas da iterpretação hist9ricas das ci&cias do esp3rito, mas sim do pro(lema udametal de ordem ilos9 ica a respeito da compreesão em sua em suas estruturas, suas codiç0es e seus limites *B+

Coreth - Questões Fundamentais de Hermenêutica

Embed Size (px)

DESCRIPTION

FichamentoCoreth - Questões Fundamentais de Hermenêutica

Citation preview

Questes fundamentais de hermenuticaCORETH, Emerich. Questes fundamentais de hermenutica. Traduo de Carlos Lopes de Matos. So Paulo: EPU, Ed. da Universidade de So Paulo, 1973.

O termo hermenutica provm do verbo grego (...) significa declarar, anunciar, interpretar ou esclarecer e, por ltimo, traduzir. Apresenta, pois, uma multiplicidade de acepes, as quais, entretanto, coincidem em significar que alguma coisa tornada compreensvel ou levada compreenso. Isso acontece em qualquer enunciado lingustico, que pretenda despertar uma compreenso, tornando algo inteligvel. o que sucede, principalmente, na interpretao ou esclarecimento de um enunciado obscuro, de difcil compreenso, como, por exemplo, um texto histrico ou literrio, cujo (1) sentido no aparece imediatamente, mas deve antes ser tornado compreensvel. E, por ltimo, tal coisa ocorre na traduo de um texto, visto que toda tradio consiste na transposio de um complexo significativo para outro horizonte de compreenso lingustica (2)(...) Somente a mais nova hermenutica, influenciada pelas cincias do esprito e pela filosofia, mostrou gradativamente que subjazem a isso tudo problemas mais profundos e mais fundamentais. Que significa afinal compreender? (3) (....) No se trata apenas das questes mais amplas da compreenso e interpretao histricas das cincias do esprito, mas sim do problema fundamental de ordem filosfica a respeito da compreenso em sua essncia e em suas estruturas, suas condies e seus limites (4)

Histria do problema1 O problema teolgicoA partir do comeo da era moderna, o problema se agrava. A Reforma apregoa a exigncia de uma volta pura palavra da Escritura. Conforme Lutero, a Bblia no deve ser exposta segundo o ensino tradicional da Igreja, mas apenas compreendida por si mesma; ela sui ipsius interpres (intrprete de si mesma). O princpio da Scriptura sola representa um novo princpio hermenutico, contra o qual a Igreja catlica declara expressamente no Conclio de Treno que cabe Igreja a interpretao da Escritura: compete-lhe o julgamento acerca do verdadeiro sentido e da explicao da Sagrada Escritura outro princpio hermenutico que exige ser a Escritura compreendida a partir de todo o contexto da vida e da doutrina da Igreja (7)(....)

2 O problema filosfico

a) O problema da compreensoEm um contexto filosfico surge, pela primeira vez, o problema do conceito e da questo da hermenutica, em Friedrich Schleiermacher. Ele tomou o termo da linguagem tecnolgica, mas o problema bblico-hermenutico da correta compreenso e interpretao da Sagrada Escritura posto por ele no horizonte mais amplo de uma interpretao histrica e literria que se dir mais tarde ser das cincias do esprito que ele procura esclarecer filosoficamente (...) A hermenutica para Schleiermacher a arte da compreenso ou, mais exatamente, (18) uma arte que como tal, no visa o saber terico, mas sim o uso prtico, isto , a prxis ou a tcnica da boa interpretao de um texto falado ou escrito. Trata-se a da compreenso, que se tornou desde ento o conceito bsico e afinalidade fundamental de toda questo hermenutica. Schleriermacher quer compreender cada pensamento ou expresso a partir do conjunto de um contexto vital, do qual provm. A faz distino entre a compreenso divinatria, s possvel plenamente entre os espritos aparentados e significando uma adivinhao espontnea, oriunda de uma empatia viva, de uma vivncia naquele que se quer compreender, e a compreenso comparativa, que se apoia em uma multiplicidade de conhecimentos objetivos, gramaticais e histricos, deduzindo o sentido a partir da comparao ou do contexto dos enunciados. Enquanto a compreenso divinatria significa uma adivinhao imediata ou apreenso imediata do sentido, a compreenso comparativa consiste numa elaborao da compreenso por meio de mltiplos dados particulares. Que os dois mtodos precisem atuar em conjunto, mostra-se j por uma espcie de crculo hermenutico, no qual o momento divinatria significa a projeo espontnea de uma precompreenso, graas qual se guia a elaborao comparativa. Realmente, ambos os formam de tal modo uma unidade que Schleiermacher pode definir a hermenutica como a reconstruo histrica e divinatria, objetiva e subjetiva, de um dado discurso. Ao mesmo tempo, Schleiermacher acentua que para tanto necessrio um aprofundar-se no autor, uma vivncia em sua situao e inteno, em seu mundo de ideias e representaes. Esse pensamento foi desde ento muitas vezes repetido, mas sua validade foi recentemente posta em dvida, ou pelo menos relativizada por Gadamer. (19)O problema da compreenso pe-se com nova fora, assim que a reflexo se aplica particularidade e aos mtodos essencialmente prprios das cincias histricas, distinguindo-se expressamente das cincias naturais (19)(...)Wilhelm Dilthey retoma o problema e o leva adiante com relao ao conjunto da problemtica das cincias do esprito, (...) Dilthey apoia-se expressamente em Schleiermacher; (...) foi o promeiro a formular a dualidade de cincias da natureza e cincias do esprito, que se distinguem por um mtodo analtico-esclarecedor e um procedimento de compreenso descritiva. Esclarecemos por meio de processos intelectuais, mas compreendemos pela cooperao de todas as foras sentimentais na apreenso, pelo mergulhar das foras sentimentais no objeto. Como fundamento da compreenso das cincias do esprito, Ditlhey estabelece uma psicologia compreensiva, que se ope explicitamente psicologia das cincias naturais, casualmente esclarecedora. A natureza, ns a esclarecemos, mas a vida da alma, ns a compreendemos. Exige-se, entretanto, para isso, que o individual seja apreendido no conjunto do todo, compreendido por Dilthey como unidade da vida, donde brota cada uma das manifestaes vitais. Na compreenso, partimos da conexo do todo, que nos dado vivo, para, por meio dele, tornar apreensvel para ns o individual. Enquanto essa posio repercutiu amplamente no (20) domnio da psicologia, o prprio Dilthey (...) abandonou depois a fundamentao psicolgica das cincias do esprito: sua teoria da compreenso passa a ter uma orientao objetiva. A compreenso refere-se a formas objetivas histricas, cujas estruturas e legalidades devem ser apreendidas. So objetivaes da vida, que ele designa tambm, com a expresso de Hegel, como esprito objetivo. Essas objetivaes da vida so o objeto das cincias do esprito: trata-se de compreend-las. Na medida, porm, em que brotam da vida e objetivam o evento vital, a vivncia, constitui o acesso compreenso. Na vivncia se abre a unidade da vida, pela qual se h de compreender cada uma das manifestaes vitais. Logo, a compreenso se funda na vivncia: A compreenso pressupe uma vivncia. (...(...) No nossa inteno acompanhar aqui mais detidamente o conceito de compreenso que foi empregado por Droysen, Ditlhey, Rickert e outros (...) em todo caso cumpre reter aqui a verdade de que a compreenso se ope a esclarecimento, caracterizando a diferena do conhecimento histrico ou de cincia do esprito em relao aos mtodos das cincias naturais, e, alm disso, a verdade de que a compreenso de um (21) contedo individual aparece condicionada por uma totalidade simultaneamente apreendida ou pressuposta, e que mais tarde sobretudo desde Husserl e Heidegger se exprime pelo conceito de horizonte. (22)

...Um passo adiante, e importante, em relao ao problema heremenutico (...) deu-o Martin Heidegger, em Ser e Tempo (1927), onde faz recuar a compreenso existncia do ser-a, tornando-se ento um existncial, isto , um elemento constitutivo de toda constituio ontolgica do ser-a humano. No se trata mais apenas de compreenso psicolgica do outro homem e de suas manifestaes vitais. No tambm questo da compreenso, prpria das cincias do esprito, de formas e estruturas de sentido histrico. Trata-se antes de uma compreenso original, que antecede a dualidade de explicar e compreender como modos tpicos do conhecimento de vrias cincias e dado com o prprio ser da existncia, na medida em que a existncia (ser-a) marcada com a compreenso do ser. Quando Heidegger, guiado pela questo do sentido do ser, empreende uma anlise existencial-ontolgica da existncia humana, a qual quer descobrir e expor fenomenologicamente a constituio original da compreenso ontolgica fundada na existncia, v-se a braos com uma hermenutica da existncia, ou seja, de uma interpretao compreensiva do que o ser-a e de como se compreende a si mesmo (22) (...) Mas Heidegger emprega o termo [hermenutica] num sentido mais amplo e mais original, na amplitude que provm da essncia primitiva. A hermenutica no Ser e Tempo no quer dizer a arte da interpretao, nem a prpria interpretao, mas antes a tentativa de determinar a essncia da interpretao antes de tudo pela hermenutica como tal, isto , pela essncia hermenutica da existncia, a qual, compreendendo-se originalmente, interpreta a si mesma no mundo e na histria. Hermenutica torna-se assim interpretao da primitiva compreenso do homem em si e do ser. Em sua anlise da compreenso, Heidegger fala do crculo hermenutico, (..) mas s por Heidegger foi expressamente formulado, entrando desde ento em toda discusso da atualidade sobre o problema hermenutico. Toda compreenso apresenta uma estrutura circular, visto que s dentro de uma totalidade j dada de sentido uma coisa se manifesta como uma coisa, e uma vez que toda interpretao como elaborao da compreenso se move no campo da compreenso prvia, pressupondo-a portanto como condies de sua possibilidade. Toda interpretao, para produzir compreenso, deve j ter compreendido o que se vai interpretar. Da resulta ao mesmo tempo a essencial estrutura de horizonte da compreenso e interpretao. A existncia como ser no mundo projeta o mundo qual horizonte de sua autocompreenso. Toda compreenso de uma coisa, de um acontecimento ou de um estado de coisas em seu sentido exige como condio e sua possibilidade o todo de um contexto de sentido de uma totalidade de conexes, como diz o filsofo (23) de um mundo anteplanejado e precompreendido. No Heidegger do primeiro perodo, em Ser e Tempo, e tambm nos escritos seguintes, o mundo entendido como projeto do mundo do ser-a, que anteprojeta seu poder ser, ou seja, suas possibilidades de ser como totalidade de sentido da prpria auto-realizao e, portanto, como horizonte da prpria autocompreenso. Mais tarde, Heidegger compreende o mundo mais expressamente a partir do ser, que se manifesta e ao mesmo tempo se oculta historicamente. O mundo se torna assim clareira do ser, na qual o homem se destaca a partir de sua essncia atirada. O mundo, por conseguinte, encontra seu fundamento no ser, como horizonte da compreenso, a ns atribudo ontolgico-historicamente. Nas ltimas obras, esse horizonte histrico de compreenso ser mais explicitamente fundado na linguagem, por que toda compreenso se consuma na linguagem e nela se constitui o horizonte histrico da compreenso. na linguagem que o ser chega fala e que a compreenso original do ser se expe historicamente. Por isso, o Heidegger dos ltimos tempos no fala mais de hermenutica, mal se referindo tambm a tempo e histria. Seu pensamento se concentra, antes, no acontecimento da linguagem, o qual procura esclarecer a partir do ser. justamente por esse motivo que o pensamento de Heidegger posterior se tornou de novo hermeneuticamente importante, influindo de modo decisivo na problemtica hermenutica do presente, mesmo no domnio teolgico. (24)

Foi mrito de Hans-Georg Gadamer haver recolhido as indicaes de Schleiermacher, Ditlhey e Heidegger, tendo-as elaborado numa teoria filosfica da compreenso. Tambm ele volta a falar no crculo hermenutico de Heidegger, e mostra o significado positivo do preconceito. Esse termo adquiriu um sentido pejorativo a partir do Iluminismo, com a tentativa de elaborar uma cincia sem pressupostos, ou seja, sem preconceitos. Gadamer esforou-se por revalorizar a palavra, que no significa outra coisa seno uma precompreenso historicamente transmitida e ainda cientificamente irrefletida, a qual, independentemente da medida em que alcana o pleno sentido da coisa, j permite (24) um primeiro acesso compreenso; preparando uma compreenso mais ampla e mais profunda, pelo que ser pressuposta por esta. O autor procura solucionar o problema que decorre da diferena de modos de encarar em cada uma das precompreenses, o que condicionado pelo horizonte, historicamente determinado, da compreenso, admitindo um encontro e uma fuso de horizontes. No se trata, pois, tanto como se exigia quase sempre desde Schleiermacher, de se colocar uma pessoa no ponto de vista de outra (do outro de uma obra do passado, por exemplo) para poder compreend-lo corretamente, mas antes, ns que devemos e queremos entend-lo, a saber, de nosso ponto de vista histrico. Mas podemos alargar, mediante a compreenso de outro, nosso prprio horizonte limitado, realizando-se ento uma fuso dos horizontes. Isto, porm, condicionado em sua possibilidade pela prpria histria. A conexo historicamente causal proporciona a possibilidade da compreenso, enquanto a palavra pronunciada no passado se atua e se expe na histria, e assim penetra em nosso prprio e caracterizado horizonte de compreenso. (25)(....) Gadamer, permanece numa hermenutica simplesmente fenomenolgica, que procura apontar o que na compreenso histrica acontece realmente, sem elaborar uma hermenutica que desse regras e indicaes sobre o que deve acontecer na interpretao. A doutrina de Betti, pelo (25) contrrio inteiramente normativa, isto , uma teoria metodolgica que se estende a todos os domnios da compreenso das cincias do esprito, ou seja, da hermenutica histrica, filolgica, jurdica, teolgica, etc. e, portanto, como metodologia particularizada, sobrepuja largamente o esclarecimento filosfico das bases, feito por Gadamer (...) Como toda compreenso se consuma na linguagem, como horizonte da compreenso se expe nela e como acontecimento historicamente causal, indicado por Gadamer, um acontecimento da linguagem, apresenta-se ao lado de todos os problemas objetivos que nos so juntamente propostos com vistas questo hermenutica antes de tudo o problema da linguagem, que nesse contexto adquire uma importncia primacial. (26)Comment by Igor Raatz: Gadamer x Betti

O problema da linguagem (....) Desde o Crtilo de Plato e sobretudo nos escritos lgicos de Aristteles, tornou-se predominante a concepo da linguagem como simples sistema convencional de sinais para designar contedos j pensados, visando a compreenso na sociedade. A palavra refere-se ao conceito, e a linguagem essncia das coisas. Quanto mais se procura atingir pelo pensamento a essncia eterna e imutvel, mas se deve entender e apreciar a linguagem como pertencente a este mundo passageiro e transitrio (...) Essa concepo da linguagem, na qual aparece em primeiro plano a funo designadora dos objetos, mas no se divisa mais a totalidade viva do acontecimento lingustico em sua primitiva funo criadora e reveladora do sentido, penetra na tradio de quase toda filosofia ocidental. Ela fica valendo para a filosofia estica da linguagem, do mesmo modo que para a escolstica medieval, tanto para o realismo como para o nominalismo na disputa dos universais, ou at para Guilherme de Ockham, embora este critique a partir do uso concreto da linguagem, a concepo realista de Plato. (27)...Uma concepo orgnica e originalmente total da linguagem surge apenas no sculo XVIII e comeo do sculo XI, preparada de certo modo por Giambattista Vico, mas desenvolvida sobretudo por Johann Georg Haman, Johann Gottfried Herder e Wilhelm von Humboldt (...) que luta antes de tudo por uma compreenso da unidade vida da linguagem. (28) Pra ele, trata-se de uma unidade, por oposio ao espirito individual e objetivo, porque de fato cada um fala sua lngua, mas ao mesmo tempo introduzido pro ela numa comunidade lingustica e, dessa forma, no esprito objetivo de uma configurao histrica e cultural da humanidade. A linguagem , alm disso, a unidade na oposio de sujeito e objeto, na medida em que no estamos diante de uma objetividade subsistente e j dada diramos hoje: entendida positivamente mas s na linguagem descobrimos o mundo e inferimos seu sentido, visto que as lnguas no so propriamente meios de apresentar a verdade j conhecida, mas antes instrumentos para descobrir o ainda desconhecido. Assim primeiramente na linguagem que se oferece a totalidade j enunciada verbalmente que consiste a objetividade. Eis tambm por que a linguagem deve ser considerada e entendida em seu todo. A abstrao e a anlise das palavras e regras isoladas, como se faz na dissecao cientfica, nunca esclarecer essa totalidade. (...) Se, porm, em Kant, o conhecimento se consuma, como sntese do mltiplo, no juzo, exprimindo-se portanto linguisticamente na proposio, Humboldt v nele um evento lingustico, no qual uma determinao formal se junta funo significadora de contedo de um conceito, fazendo com que esse pensamento, trasposto para determinada categoria de pensamento, ou seja, inserto em determinado contexto lingustico, se refira ao todo da linguagem e por ele seja compreendido. Tambm aqui encontramos de novo, mas agora om relao ao acontecimento lingustico, o problema da compreenso do particular no todo de um contexto de sentido e de significao, hermeneuticamente importante. Tambm aqui, matria e forma, receptividade e espontaneidade como antes as oposies de individual e geral, de subjetivo e objetivo no so fragmentos soltos, (29) de que se compusesse o processo da linguagem, mas momentos necessariamente conexos desse mesmo processo gentico, s separveis em nossa anlise (30)(...)Heidegger (...) fundamenta a linguagem na compreenso existencial-ontolgica e histrico-hermenutica da existncia. A linguagem pertence constituio existencial do ser-a (Dasein) como compreensivo ser-no-mundo. Se, porm, o Heidegger posterior se ocupa sempre mais intensamente com a linguagem, sobretudo na obra Unterwegs zur Sprache (1959), sucede a, de certo modo, um aprofundamento e, conjuntamente, um estreitamento de sua concepo de linguagem. Aprofundamento enquanto procura (30) entender a linguagem pelo ser, isto , quer compreend-la, subtraindo-a do domnio da subjetividade, a partir do acontecimento histrico do ser que se manifesta e se oculta, e que nos fala da linguagem a voz do ser. Assim, pe-se-nos diante dos olhos o aspecto do fenmeno lingustico segundo o qual a linguagem nos dada com uma certa autonomia e legalidade prpria, dotada em suas mudanas histricas de certa vida prpria, da qual o indivduo que ouve e fala a linguagem, participa a seu modo. A linguagem em si mesma, portanto, significa certo destino que nos historicamente imposto, ao indicar-nos um determinado espao de auto-compreenso histrica. Se isto, porm, deve ser compreendido a partir do ser, como o caso do Heidegger posterior, acontece que abstraindo-se de muito falatrio mtico sobre o ser, a linguagem passa a ser tomada como linguagem do ser, que trava um monlogo consigo mesmo e cuja voz devemos ouvir e levar em considerao para compreender com ela. Com isso, entretanto, estreita-se a concepo da linguagem, enquanto, isolando-se assim e miticamente se hipostasiando a linguagem, obscurece-se de novo sua essncia prpria. Isso uma indicao de que a filosofia da lingauegm fica sempre sendo uma questo que se apresenta por trs do problema hermenutico. A partir dos princpios que resultam da histrica do problema, a questo significa compreender a linguagem como um acontecimento vivo e originariamente nico, no qual o mundo se abre para ns, bem como se constitui a concreta plenitude e totalidade de um horizonte de nossa autocompreenso e compreenso do mundo (31)

Se a histria do problema prope como tarefa tal concepo da linguagem, admirvel que de um lado totalmente diverso e a partir de temas de todo diferentes se chegue mesma direo, a saber, no domnio da filosofia analtica. Tambm nela sempre mais se coloca o problema (diramos: hermenutico) da compreenso do indivduo no todo (31) (...) O desenvolvimento posterior, contudo, demonstrou os limites e, conseguintemente, a insustentabilidade de uma ilimitada aceitao, tanto do critrio da verificabilidade como de uma linguagem cientfica universal. Enquanto a discusso se estendia primeiramente maneira do fundamento de verificao (constatao ou proposio protocolares), modificou-se a exigncia de verificabilidade, passando as ser uma exigncia de falsificabilidade, e o prprio critrio no foi mais concebido como critrio para qualquer proposio sinttica significativa, mas antes como critrio para separao entre proposies com sentido emprico e outras proposies. (32)(...) Ludwig Wittgenstein (...) Seu Tractatus logico-philosophicus (1921) defende, do modo mais extremo uma teoria atomstica dos sinais, segundo a qual a linguagem imita a forma lgica das realidades. Mas j aqui vamos encontrar em germe uma concepo mais ampla da linguagem, que ser expressamente desenvolvida nas Logischen Untersuchungen (Investigaes Lgicas, obra pstuma e 1953)), e que afirma ser insuficiente a funo da designao, porque as palavras no designa em primeiro lugar alto terico e univocamente, para ento ser usadas nessa acepo, mas, ao contrrio, so primeiro empregadas na vida cotidiana, constituindo esse emprego sua significao. Do uso lingustico primrio, com a multiplicidade de seus jogos de linguagem, deriva todo uso secundrio, como o jogo cientfico de linguagem da subordinao unvoca de sinal e designado, e com isso tambm toda construo de uma linguagem cientfica artificial. (33) (...) [sua influncia] fez com que hoje, mesmo no terreno da filosofia analtica, apenas parcialmente se mantenha ainda teses neopositivistas, ao passo que, por outro lado, se amplie uma concepo funcional-operativa da linguagem. Segundo isso, competem linguagem muito diversas funes, tericas e prticas, determinando cada uma por si seu sentido. Existem vrias lnguas e jogos de linguagem: no somente a linguagem das cincias naturais, nica vlida para o neopositivismo, mas tambm a linguagem da arte, a linguagem da tica, a da religio, etc., que devem ser analisadas em particular, perguntando-se em cada caso o sentido de seus enunciados, mas que s tem seu sentido e sua possibilidade no todo vivo e na multiplicidade da linguagem natural. (...) Pela ampliao do problema lingustico, a atual filosofia analtica aproxima-se sob muitos aspectos no somente da fenomenologia do ltimo perodo de Husserl, com seu problema do mundo vital, mas tambm, apesar de profunda diferena do ponto de partida, acerca-se de uma hermenutica existencial, na qual Heidegger procura conceber a linguagem na totalidade do compreensivo ser-no-mundo. Na realidade, aqui tambm se trata de compreender o fenmeno lingustico individual por sua funo no todo da vida humana, como contexto de significao, no qual ela est e do qual falada, i.., pela totalidade de um mundo tomado como horizonte de compreenso, o qual, porm, justamente se abre no todo da linguagem viva. (34)

O problema da mediao(...) Da provm o problema transcendental, que, desde Kant, consiste essencialmente no esforo de recuperar a mediao. Sua concepo bsica de que no h nunca uma pura imediatez do conhecimento objetivo, mas de que este supe sempre o sujeito do conhecimento. Esse sujeito precisa apropriar-se do objeto por realizao prpria e o por sua prpria ao, mediando-o para se tornar um objeto conhecido, ou, na famosa frmula de Hegel (36) fazendo com que o sujeito no tenha a mediao fora de si, ms ele mesmo a seja. Quer dizer que o sujeito, enquanto d a priori as condies do conhecimento, deve ser atingido por uma reflexo transcendental. S ento se podem pesquisar a possibilidade, peculiaridade e limites do conhecimento. Contudo, surge a pergunta: como se far isso, Da histria do desenvolvimento do problema resulta como resposta uma clara alternativa que, por outro lado, significa: imediatez ou mediao. A resposta de Kant : mediao. Por um lado, o objeto s dado pela mediao do sujeito, ou seja, pelas condies aprioristas do conhecimento. Por outro lado, tambm o sujeito nunca dado imediatamente em si mesmo: s pode ser alcanado a partir do objeto, no sendo nunca visto em si mesmo, mas sempre apenas em funo formalmente condicionante e determinante de cada objeto. O objeto, portanto, s dado por mediao do sujeito; mas este, por sua vez, somente pode ser conhecido por mediao do objeto. O objeto determinado pelo sujeito; o sujeito, porm, s pode ser determinado pelo objeto; ele mesmo permanece na obscuridade. Com isso, porm, no se atinge inteiramente a mediao do objeto, antes se d um evento de mediao areo e circular, sem base firma e que, portanto, faz do objeto um simples fenmeno. (37)(...)Husserl (..) mostra-se sempre mais claramente, sobretudo nos escritos derradeiros Erfahrung und Urteil e Die Krisis der europaischen Wissenschaften que o eu, ou a conscincia, no pode ser apreendido e interpretado puramente em si mesmo, i.., na imediatez fenomenolgica, mas unicamente no todo concreto do prvio horizonte de compreenso do meu mundo ou do mundo da vida, que necessita de uma interpretao temtica.Husserl reconhece que toda percepo ou experincia individual est codeterminada por suas imediaes ou seu fundo. Segundo a alterao da determinabilidade ambiente, modifica-se tambm a prpria percepo...Toda vivncia influi nas imediaes claras ou obscuras das novas vivncias. Nesse sentido, nosso filsofo introduz o conceito de horizonte, com o qual significa o conjunto daquilo que no conhecimento individual temtico percebido ou antecipado atematicamente. Assim prprio (40) de toda experincia uma estrutura de horizonte, na medida em que acompanhada sempre de um saber prvio de novos contedos ou determinaes, que ainda no chegaram a ser dados tematicamente. Esse conhecimento prvio indeterminado ou imperfeitamente determinado quanto a seu contedo, mas nunca totalmente vazio, ou ainda: o desconhecimento sempre ao mesmo tempo um modo de conhecimento. Toda experincia tem, como Husserl continua a distinguir, no somente um horizonte interno, enquanto o dado prenuncia outras coisas nele ou por ele experimentadas, mas tambm um horizonte externo, enquanto o dado aponta, alm de si, um crculo de co-objetos, em cujo contexto ele experimentado e compreendido, apontando afinal a totalidade de objetos, i.., totalidade do mundo como o horizonte aberto do espao e tempo. J esse resultado de grande alcance no apenas par a estrutura da experincia em geral, mas particularmente para o que acontece sempre na compreenso e se mostra para usar de novo as palavras de Hegel como imediatez imediata. Da se infere desde logo que tanto no existe uma subjetividade pura, concebida modernamente como sem mundo e sem histria, como no h uma objetividade pura, ou seja, pensada sem sujeito e cuja apreenso seria o ideal e a meta da cincia moderna. Antes, os dois aspectos esto includos num evento aambarcador, no qual, porm, o conhecimento e a compreenso se consumam, ainda que condicionados pelo mundo e pela histria. O aspecto mais emprico-fenomenolgico do horizonte no sentido de relaes antecipadas de referncia, dentro de uma totalidade de significao assumido e desenvolvido por Heidegger a partir de Husserl em Ser e Tempo, quando procura no contexto do ser-no-mundo, esclarecer o fenmeno da totalidade da condio atravs da qual se compreende o que est (41) mo, Ao mesmo tempo, porm, Heidegger aprofunda o conceito de horizonte em sentido existencial apriorstico: o horizonte torna-se projetado a priori na auto-realizao da existncia. Esta projeta-se seu poder-ser prprio, ou seja, seu mundo como a totalidade de suas possibilidades de ser. Enquanto o projeto do poder-ser um projeto do futuro como do que vem a mim e portanto, acontece no tempo, o horizonte projetado mostra a constituio da temporalidade: A condio existencial-temporal da possibilidade do mundo reside em que a temporalidade como unidade exttica possui alguma coisa como um horizonte. Este horizonte o mundo. Por isso, pertence ao sendo (Seiend), que sempre seu a, algo como um mundo aberto. Mundo, portanto, no significa, como Heidegger diz explicitando em Wesen des Grundes, nem a totalidade das coisas da natureza nem a comunidade dos hemens, e muito menos uma soma de sendos, mas a totalidade previamente projetada do horizonte. O projeto do mundo, por conseguinte, no h de ser compreendido como uma posio de sendos, mas como superprojeo do mundo projetado sobre o sendo. Somente a sobreprojeo prvia possibilita que o Sendo como tal se manifeste. Este acontecimento da sobreprojeo que projeta, onde o ser da existncia se temporiza, o ser-no-mundo.Mais tarde os acentos se deslocam, de vez que Heidegger segundo sua celebre virada pensa cada vez mais expressamente e exclusivamente no prprio ser. O centro de gravidade do seu pensamento transfere-se do homem para o ser. No mais o ser que se entende a partir do homem, mas sim o homem a partir do ser. Este no mais projeo do ser do homem, mas o homem que projetado pelo ser, que, como dardo, se lanou..a essncia do homem. Assim tambm o mundo no mais o projeto do poder-ser humano no tempo, mas a abertura do ser, a clareira do ser, na qual o homem se coloca a partir (42) de ser lanado. O mundo tem, pois, sua origem no mundo que se revela e se oculta, i., num acontecimento em que o ser historicamente se nos destina ou se subtrai, se manifesta ou se esconde. Esse acontecimento do ser, porem, entendido pelo Heidegger posterior sempre mais como um acontecimento lingustico, visto que na linguagem que se d a clareira do ser, nela se manifesta a compreenso do ser e nela fala a voz do Ser. Essas afirmaes, por mais mtidas que sejam, aludem, todavia, ao importante fenmeno de que nosso mundo, a saber, o todo do nosso horizonte de compreenso, pelo qual se torna possvel a compreenso de cada uma das coisas, sempre determinado mundo lingustico, ou seja, um mundo aberto pela linguagem, linguisticamente interpretado, linguisticamente mediado, e isso numa lngua sempre determinada, historicamente recebida por tradio, lngua em que crescemos, em que vivemos e pensamos, e na qual se realiza toda nossa compreenso. (...) Mais decisivo [para o estudo em questo] o ponto de partida: que o homem j sempre se encontra previamente em seu mundo como na totalidade de um horizonte, no qual experimenta cada coisa particular e a compreende a si mesmo. Com isso, achamo-nos no meio das questes bsicas de uma hermenutica, a nos indicar a tarefa ulterior de, a partir do fundo histrico do problema, atacar a prpria problemtica objetiva, para compreender a compreenso em sua essncia e sua possibilidade, suas estruturas e condies (43)

Captulo IIEssncia e estrutura da compreenso

Explicar e compreenso distino que tem origem na distino entre ratio e intellectus (...) Assim, conforme S. Toms, a ratio s refere multiplicidade, e da procura chegar sinteticamente unidade do conhecimento O intellectus, ao contrrio, apreende imediatamente a unidade e totalidade, na qual a multiplicidade est contida a partir da qual deve ser desdobrada analiticamente. (46) (...) No racionalismo, desde Descartes, o conhecimento racional se restringe simples ratio no sentido do pensamento conceptual lgico-matemtico, suprimindo-se, portando a diferena entre razo e intelecto, reduzindo ambas razo. O puramente racional posto de modo absoluto: perde assim seu fundamento na percepo do ser pelo intelecto (46) (...) Este retrospecto histrico importante para o problema da compreenso. Indica uma experincia fundamental do conhecimento humano, traduzida pela dualidade de razo e intelecto. Dela resulta que a compreenso no sentido prprio no pertence mediao do pensamento racional, mas imediatez da viso intelectual. Entretanto, os dois elementos permanecem mutuamente dependentes e relacionados, na medida em que a mediao pressupe imediatez sendo, logo, mediao da imediatez, mas esta exige a mediao para ser imediatez imediata. Quando entendemos, nesse sentido a dualidade de razo e intelecto apoiando-nos em Hegel como sendo mediao e imediatez abre-se-nos tambm a acepo do par de conceitos compreender e interpretar, muito usado na hermenutica mais recente, mas muitas vezes mal entendido. Compreender significa aqui a imediatez da viso da inteligncia que apreende um sentido. Interpretar, ao contriro, quer dizer a mediao pelo conhecimento racional, que pressupe a imediatez da compreenso prvia, mediando-a, porm, racionalmente por decomposio, fundamentao e explicao, e elevando-a assim imdiatez mediata de uma compreenso aprofundada e expressamente desenvolvida. Esta se tornou mais diferenciadamente consciente de seus elementos, mas de novo- atravs da mediao possibilita uma nova mediatez de apreenso espiritual do sentido. Desde que se formula a oposio entre cincias da natureza e cincias da histria (ou, na linguagem de Ditlhey, cincias do esprito), a distino metdica dos tipos de cincia sempre marcada pelas palavras explicar e compreender outro par de conceitos que pode contribuir para o esclarecimento do que significa (48) compreenso. As cincias da natureza explicam, as do esprito compreendem. O acontecimento da natureza deve ser explicado, mas a histria, os eventos histricos, os valores e as culturas ho de ser compreendidos. Explicar significa, nesse sentido, a regresso causal de um fenmeno particular a leis gerais. Se tal fenmeno for dedutvel do concurso causal das leis naturais, ou seja, se o nexo de causas e efeitos for conhecido, tem-se a explicao. Compreender, ao contrrio, significa uma apreenso mais alta de sentido que ultrapassa qualquer explicao causal (...) Aqui, porm, se pergunta se a toda explicao como condio de sua possibilidade no deve j preceder uma compreenso do sentido. Tambm o pesquisador das cincias da natureza precisa primeiramente compreender o fenmeno individual, i.., apreend-lo em sua propriedade, seu contedo e sua estrutura, ao menos provisoriamente, antes de poder explic-lo causalmente. Deve compreender a explicao mesma, ou seja, ver o nexo legal entre a causa e o efeito. At uma frmula matemtica ou um clculo qualquer que pretendem explicar alguma coisa, precisam ser compreendidos, sem o que no diriam nada. Existe, pois, uma compreenso mais original e mais abrangedora, que precede a oposio metodolgica de explicar e compreender. Heidegger tem razo quando estabelece a compreenso mais originariamente que aquela dualidade e faz dela um existencial na constituio ontolgica do ser-a. Alm disso, se nos pares de oposio at agora citados intelecto e razo, compreenso e interpretao (49, compreender e explicar sempre se mostra uma relao de imediatez e mediao, porque tal coisa constitui uma estrutura fundamental de nosso conhecimento. Toda mediao do pensamento conceptualmente racional pressupe uma imediatez de apreenso cognitiva de contedo, e s pode realizar de novo em cada passo do movimento mediador por meio de uma outra imediatez de viso nos contedos de sentido. , porm, uma imediatez que por sua prpria essncia se deve mediar: precisar interpretar-se linguisticamente e fundamentar-se logicamente. Entretanto, o acontecimento intelectual a imediatez da viso; nela est o lugar da compreenso (50)...Se compreenso significa apreenso de sentido, pe-se de novo a pergunta sobre o que concretamente se pensa com isso, i.., de que maneira e em que mbitos se abrem os contedos de sentido. (53)(...) A compreenso lingustica s possvel no meio envolvente do mundo da experincia e da compreenso, no qual a coisa se mostra a mim. Contudo, a coisa mesma no dada imediatamente sem mediao lingustica. precisamente pelo enunciado lingustico que ela se mostra, retorna acessvel compreenso e aberta em seu sentido. O olhar para a coisa no significa, portanto, que se pula a mediao lingustica, mas a fala que indica, transcendendo a si mesma, a coisa. Compreenso lingustica, por conseguinte, exige o olhar para a coisa; esta, porm, em si mesma ser aberta pela linguagem. A compreenso da coisa e a compreenso da linguagem condicionam-se determinam-se mutuamente; uma coisa apresenta-se como mediada pela outra. (54)..A compreenso um acontecimento to fundamental, como universal. Todo conhecimento, inclusive o cientfico, baseia-se numa compreenso. o evento bsico da viso espiritual, e a ela se abre uma multiplicidade de contedos e relaes de sentido na totalidade significativa de nosso mundo. Todo conhecimento particular seara um domnio ou aspecto parcial, com o intuito de, a seu modo (a saber, segundo o mtodo exigido pelo objeto), leva-lo a um desenvolvimento explcito. Tambm toda compreenso de uma palavra falada ou escrita, a compreenso de testemunhos e fatos histricos realiza-se no todo de nosso mundo de compreenso. Essa totalidade permanece pressuposta como o horizonte total em que vivemos, falamos e compreendemos. Isso nos apresenta a tarefa de transformar explicitamente o mundo em horizonte da compreenso. (60) (...) De preferncia, entretanto, usamos a palavra mundo com relao ao homem e seu modo, ou seja, seu espao vital, seu campo visual, seu horizonte de formao e de compreenso. Dizemos, por exemplo, que uma pessoa provm de um pequeno mundo ou vive num mundo acanhado. Um outro um homem do mundo, com conhecimento e experincia do mundo, sendo (61) versado em coisas do mundo, i.., no s conhece o mundo, mas conhece-se no mundo, rico em experincias humanas (....) Se, porm, desse fundo extremamente diversificado quisermos chegar a um esclarecimento filosfico do conceito do mundo, podemos, ao menos provisoriamente, distinguir um conceito cosmolgico do mundo e outro antropolgico. Mundo em sentido cosmolgico quer dizer a totalidade das coisas experimentveis, ou seja, materiais da natureza. Nessa acepo, a realidade pensada como subsistente em si e j dada ns; a relao ao homem no explicitamente expressa. o mundo em si, no para mim, significando realidade objetiva. Ess conceito de mundo, entretanto, embora relativamente justificado, uma abstrao, enquanto s podemos falar do mundo nesse sentido por encontrarmos, experimentarmos e compreendermos essa realidade j dada. Contudo, experimentamo-la justamente em sua relao ao homem, em sua importncia para o homem: como seu espao vital, como o reino de sua auto-realizao. No deparamos com o mundo como algo de neutro em relao ao homem mas achamo-nos a ns mesmos no mundo. No h para o homem e auto-realizao sem realizao do mundo, auto experincia sem experincia do mundo, nem autocompreenso sem compreenso do mundo. Faz parte da natureza do homem ser no mundo e ter um mundo. Da significar o mundo em sentido antropolgico o mundo do homem, i. ., a realidade como nela nos encontramos, como se nos apresenta, como experimentada e compreendida por ns, como importante para a experincia humana qual todo de seu espao vital e horizonte de compreenso. Por conseguinte, o mundo no sentido antropolgico no um objeto de investigao da cincia natural, s podendo ser acessvel a uma considerao filosfica, fenomenolgica-hemernutica. Por isso, pode-se falar. Por isso, pode-se falar igualmente de um conceito fenomenolgico ou hermenutico do mundo (62)(...) Como primeiro e fundamental elemento que forma o mundo do homem poder-se-ia designar a constituio essencial concreta, que antecede ainda a sua atual relao e compreenso do mundo, mas que penetra nelas, determinando-as de muitos modos: no somente a comum constituio essencial do corpo e esprito, que compete ao homem como tal, mas tambm a peculiaridade individual, no seu aspecto biolgico e psicolgico, as disposies e capacidades herdadas de cada um, que lhe do de antemo determinadas possibilidades e impem certas limitaes, ou seja, lhe assinalam j, em suas estruturas fundamentais, determinada relao como mundo. Mas tudo isso, entendido como grandezas puramente potenciais, no penetra ainda propriamente no mundo como horizonte da compreenso. Um horizonte constitui-se essencialmente em primeiro lugar numa realizao atual. o campo atualmente, se bem que atematicamente, com-aprendido e pr-compreendido, dentro do qual se experimenta e se compreende o contedo individual. Se, portanto, falamos da constituio geral e individual do homem, temos de compreend-la j tal como se atual e se revela na auto-realizao atual, com o que entre determinativamente na compreenso concreta do mundo.Assim j chegamos ao elemento seguinte, que em si o primeiro a fundamentar meu mundo: a experincia no sentido da experincia particular de cada um. Experincia humana, porm, determina-se essencialmente pelo fato de nos acharmos como sendos entre sendos, i.., no meio de uma realidade que nos (63) ....

O nosso mundo j sempre tambm um mundo linguisticamente mediato, linguisticamente interpretado. A lngua em que falamos, pensamos e compreendemos uma lngua formada na comunidade e historicamente herdada, na qual so transmitidas certas formas de pensar e maneiras de representar ou intuir, e na qual se aninhou um rico mundo espiritual e cultural. Com o aprendizado de determinada lngua, no somente crescemos em contato pessoal e comunicao social dentro do ambiental inter-humano, mas tambm dentro do mundo todo, espiritual e cultural, que pela histria se transmita e se abre nessa lngua. Dessa maneira, o mundo concreto da compreenso do homem j sempre um mundo linguisticamente interpretado, onde a realidade objetiva mediada por uma significao verbal (66)(...) Desse inventrio de fenmenos feito em linhas gerais, ainda devemos, contudo, salientar alguns resultados fundamentais, importantes para uma equilibrada viso do fenmeno total. O mundo nesse sentido no somente projetado a priori, mas tambm, por isso mesmo, recebido a posteriori. Tal coisa parece quase evidente, mas em Heidegger, o cara ter mundanal de projeto puro ou sobreprejeo que se projeta posto unilateralmente no primeiro plano em relao ao sendo. Pertence certamente essncia do homem a priori ter um mundo e estar aberto para o mundo. Mas faz parte do fenmeno fundamental da compreenso do mundo encontrar-nos numa realidade j dada, que experimentamos e pela qual somos determinados. Assim, a determinao concreta de contedo de meu mundo condicionada primariamente pela experincia, a partir da qual se segue todo novo projeto de sentido e valor, de fins e planos o projeto da totalidade de sentido de meu poder-ser. A totalidade desse mundo, agora tanto no sentido de experincia prvia como no sentido de projeto antecipador, forma o a priori, relativamente a qualquer experincia posterior. O horizonte desse mundo e contexto de sentido constitui a condio de compreendermos em seu sentido tudo o que encontramos. (...) Da se segue, ademais, que este mundo nunca uma grandeza estaticamente fixada, mas est sempre dinamicamente em movimento e contnua formao. O homem nunca se acha definitivamente preso a certo ambiente limitado e a determinada concepo do (68) mundo. Ele essencialmente aberto para um mundo aberto, i.., o prprio mundo est aberto para uma realidade que mais ampla que o crculo de nosso saber e compreenso. Por isso, perguntando e investigando, ultrapassamos os limites de nosso mundo atual. Fazemos experincias nas quais nosso horizonte continuamente se alarga e se aprofunda. Aprendemos a conhecer outros homens, outros povos ou lnguas, outras pocas histricas ou situaes, compreendendo todos eles em seu prprio modo de pensar. Dessa forma, realiza-se, como Gadamer mostrou, uma fuso dos horizontes, o que produz um alargamento e enriquecimento do prprio horizonte do mundo. (...) O muno no sentido de mundo humano-histrico de experincia e compreenso sempre e necessariamente limitado, mas ao mesmo tempo nunca definitivamente fixado e fechado em si, porque sempre est aberto a mais amplas dimenses da realidade. limitado enquanto nunca abarcamos e conhecemos tudo, i., a realidade total, mas sempre experimentamos apenas trechos limitados da realidade, que por sua limitao apontam para o que os trasnscende. Mas tambm a realidade experimentada e compreendida por ns nunca ser inteiramente concebida, isto , no ser jamais alcanada exaustivamente em seu pleno contedo (69) de ser e de sentido, em todas as suas leis e relaes, mas sempre entendida apenas em aspectos limitados, os quais de novo por sua limitao apontam para uma totalidade maior de ser e de sentido. Isso mostra que o sempre limitado mundo de compreenso no constitui o derradeiro horizonte total de nosso conhecimento e compreenso, mas est aberto para um horizonte mais amplo: para o todo da realidade. O horizonte total como condio da possibilidade de um mundo o ser. (70)

O horizonte da compreenso Que acontece quando compreendemos alguma coisa? Apreendemos um contedo individual em seu sentido, seja uma coisa ou um acontecimento individuais, seja uma palavra ou um enunciado. Esse sentido, porm, decorre do todo de uma estrutura ou de um contexto de sentido. No existe jamais uma apreenso totalmente isolada de certo contedo de sentido; este , antes, condicionado por uma totalidade de sentido pr-compreendido ou co-aprendido. Revela-se aqui o fenmeno hermenutico da relao fundamental da relao entre o indivduo e o todo. (70)(...) Quando vejo este relgio, esta lmpada, esta mquina de escrever, compreendo espontaneamente o que e ara que serve. Mas s o posso compreender sobre o fundo de um amplo campo prvio de experincias e intuies prticas, que, por assim dizer, se entrelaaram e se amalgamaram em uma totalidade de sentido, da qual se deduzi o sentido da coisa particular. Isso vale, sobretudo, no domnio das obras humanas e valores histricos, cujo sentido se nos abre num contexto de sentido, tanto mais se manifestando nossa compreenso quanto mais rico e pleno for nosso conhecimento do fundo e do contexto em que se acha o particular e a partir do qual deve ser compreendido. (71) (...) A totalidade de sentido, na qual se acha o singular, pode ser imediatamente um contexto prtico de ao, em que lidamos com as coisas e nos entendemos acerca delas, ou um contexto terico de significao, em que compreendemos o sentido do singular a partir de suas relaes de sentido. Contudo, nessa distino entre conduta ou compreenso terica e prtica, cumpre ter em mente que nunca se trata de duas esferas adequadamente distintas. No existe um fazer meramente prtico que no seja guiado tambm por intuies e conhecimentos tericos, e no h um puro conhecimento terico que no se refira vida e ao prticas no sentido mais amplo do termo. So momentos s relativamente distinguveis, que por essncia se condicionam mutuamente e se referem um ao outro. Tm sua unidade e por isso tambm seu sentido e sua funo no todo da auto-realizao humana. Da se segue que todo horizonte significativo, imediato e limitado, talvez estreitamente limitado, seja um contexto terico, seja prtico, aponta para alm de si, mostrando a abrangedora totalidade significativa de nossa existncia no mundo. Somente dentro dessa totalidade de sentido tem o contedo singular sua plena determinao de sentido. O limitado horizonte significativo como tal s possvel e pleno de sentido dentro do horizonte total de nosso mundo concreto de experincia a e de compreenso, historicamente condicionado e linguisticamente interpretado, onde vivemos, falamos e compreendemos. Nele reina irrevogavelmente a relao entre o singular e o todo, como uma lei fundamental da compreenso imediata e mediata. Imediata, enquanto no racionalmente mediada pelo pensamento logicamente conceptual, realizando-se, (72), porm, pela iluminao imediata de uma apreenso de sentido. Mediata, por outro lado, enquanto o sentido somente se abre sobre o fundo e contexto de uma totalidade de sentido, e esta, portanto, se evidencia como condio da possibilidade de compreenso. Inversamente, entretanto, essa totalidade no ser concebida de modo imediato em si mesma; antes, compe-se do conhecimento e compreenso de uma multiplicidade de contedos singulares, formando-se continuamente, ampliando-se e enriquecendo-se com o progresso da ulterior experincia. Com isso ela constitui o pressuposto de uma compreenso mais plena dos contedos singulares que amos encontrando. Por conseguinte, assim como a compreenso do singular est condicionada pela abertura do todo abrangedor, tambm este s mediado pela compreenso de contedos singulares, que se fundem na totalidade de nosso mundo de compreenso e o determinam continuamente. Aqui se mostra uma relao de mtuo condicionamento e mediao: um elemento condicionado pelo outro e se dissolve no outro, determinando-o. (73)(...) Em Husserl, amplia-se a problemtica, passando da compreenso psicolgica e histrica para a importncia fenomenolgica em geral. J para cada percepo de uma coisa particular vale a afirmao de que apreendida num ptio (Hof) ou campo (Feld) de contedos juntamente aprendidos. Dessa forma, como Husserl provou, prprio da experincia total ter uma estrutura de horizonte, mas de tal modo que todo horizonte parcial da experincia do singular se refere, acima de si, totalidade do mundo da vida, que se torna problema central nos ltimos anos de Husserl. Heidegger retoma o problema sua maneira, enquanto determina a existncia como um compreensivo ser-no-mundo, mas possibilidades do ser, a partir do qual, somente, o particular se tornar compreensivo em seu sentido ou para seu sentido. Tambm aqui se trata antes de tudo de fazer remontar a compreenso do particular totalidade original de uma compreenso do mundo, a qual condicionada historicamente e linguisticamente interpretada, mas forma em sua totalidade o horizonte de toda compreenso possvel. (75) no fundo o mesmo problema que se coloca de novo sob o ponto de vista da filosofia da linguagem. Por outro lado, esto as sempre repetidas tentativas de tomar a linguagem atomisticamente, ou seja, construir uma lngua toda a partir da funo de sinais univocamente determinados de cada uma das palavras (...) A essa tentativa se ope contudo, a concepo que se tornou exatamente explcita no Wittgenstein da poca posterior e que se impe cada vez mais na atual filosofia da linguagem, a saber, que a palavra singular no tem um significado univocamente (75) fixo antes do uso na lngua, mas somente o constitui no acontecimento vivo da lngua cotidiana. Pe-se assim o problema da respectiva funo da linguagem e de sua significao, que da resulta. Com isso, de fato, a linguagem recupera seu lugar na totalidade concreta da vida humana e das relaes inter-humanas. Mas a questo da funo e do significaod da linguagem no pode ser respondida apenas pragmaticamente, a partir de um dado contexto de ao, porque h concepes no menos tericas num sentido ou contexto de sentido, que, da palavra, vm linguagem. O decisivo, entretanto, que o contexto limitado de ao ou significao, pelo qual se determina o sentido de uma palavra ou de um enunciado, aponta, acima de si, para a totalidade viva da linguagem e compreenso humanas, i.., para a totalidade do mundo como aberto nossa compreenso, mundo sempre j linguisticamente mediado e interpretado. (76)Disso tudo resulta que um contedo singular, seja uma palavra, uma coisa ou um acontecimento, apreendido na totalidade de um horizonte de significao previamente aberto. O mesmo objeto, entretanto, pode ser apreendido e compreendido em sentidos bem diversos, desde que visto cada vez no horizonte de um outro contexto de significao. A totalidade de cada um desses mundos de compreenso no uma grandeza homognea, mas heterognea. (76) (...) O mundo como totalidade de sentido da nossa compreenso no explicitamente sabido ou consciente; constitui, antes, o horizonte atemtico da compreenso. verdade que o todo desse mundo codeterminado por contedos empiricamente objetivos. No menos, porm, determinado por elementos que agindo, por exemplo, sobre ns atravs da histria, nunca se tornam temticos e, entretanto, marcam o horizonte total, enquanto fazem parte da evidncia de nosso mundo como irrefletidas formas de pensamento, maneiras naturais de representao, avaliaes espontneas etc. Mas quer seja constitudo o horizonte total por um contedo objetivo, tematicamente apreendido, quer por outros elementos uma grandeza essencialmente atemtica, que permanece no fundo de cada realizao particular da compreenso. Podemos, na verdade, alcanar pela reflexo um ou outro elemento dos que marcam nosso preexistente horizonte de compreenso, controlando-o ou corrigindo-o, assim. dessa forma que, corrigindo-a, podemos ter conscincia da unilateralidade e incorreo de preconceitos oriundos da histria. Na medida em que tais prejuzos determinaram nosso mundo de compreenso, todo esse mundo se transforma graas a semelhante correo. Entretanto, no podemos jamais atingir reflexamente esse todo em todos os seus elementos. Nunca podemos tornar-nos expressamente conscientes de todas as origens e condies da prpria existncia humana com sua compreenso concreta de si mesma e do mundo. A inevitvel historicidade de nossa existncia humana, bem como de nosso conhecimento e compreenso, provm justamente de no nos podermos alcanar reflexamente e, portanto, de no conseguirmos controlar e corrigir a totalidade de nosso prprio mundo de compreenso (77)(...) Passando ao problema hermenutico, deve considerar-se, por outro lado, que com maioria de razo jamais poderemos refazer, reconstruindo-a, a plenitude concreta do mundo de compreenso de um outro homem ou outra poca histrica, realizando-a de novo adequadamente. O que Gadamer chama uma fuso dos horizontes, nunca possvel perfeitamente, mas s, na melhor das hipteses aproximadamente. Caso contrrio, se a fuso fosse necessria para a compreenso do enunciado individual do outro, estaria excluda toda possibilidade de compreenso, porque cada um tem seu mundo prprio de experincia e de compreenso, no idntico ao mundo do outro e jamais adequadamente refactvel e reconstruvel na plenitude dos contedos concretos que marcam esse mundo. Isso tambm no necessrio, porque nem todos os contedos do fundo entram de um modo igualmente significativo no enunciado, ou seja, so importantes para a sua compreenso. Para compreender corretamente, trata-se s de recorrer queles momentos do fundo relevantes para a compreenso do enunciado, porque sob esse aspecto determinado que entram significativamente na proposio. Quanto mis, porm, se quiser compreender uma totalidade concreta, como a de um outro homem ou uma obra literria do passado, contendo ou pressupondo um mundo completamente diverso de humanas relaes, maneiras de proceder, formas de pensar e sentimentos, tanto mais a compreenso deve, na medida do possvel, tentar esclarecer o fundo, a fim de conseguir o correto horizonte da compreenso. Para esse acontecimento, entretanto, tambm importante que no s se compreenda o individual a partir do todo, mas igualmente o todo a partir dos conceitos individual (78) (...) Os dois aspetos devem ir juntos e se condicionam mutuamente: a viso do singular no todo e a viso do todo a partir do singular. Ambos formam, numa contnua interao, o processo circular, ou melhor, o processo em espiral, da compreenso. (79)(...)Conceito de horizonteHorizonte significa, como se mostrou, uma totalidade atematicamente co-apreendida ou pr-compreendia, que entra, condicionado e determinando, no conhecimento percepo ou compreenso de um contedo singular, que se abre de maneira distinta dentro dessa totalidade. Esta pode ser um contexto prximo e imediato, isto , estreitamente limitado, de ao e de significado, o qual, por sua vez, se encontra num contexto mais amplo e o indica, enquanto por ele condicionado e determinado. Existe, pois, uma multiplicidade de horizontes parciais de espcie diversa e de graus diferentes dentro de um horizonte total, no qual a vida e a compreenso humana, no seu todo, se realizam. (79) (...) Aqui j se mostra a limitao essencial no s do objeto formal e material, mas tambm de sujeito e objeto de compreenso, dado que no mais um puro sujeito que se acha na frente de uma pura objetividade, mas todo seu mundo de experincia e de compreenso que penetra na maneira de ver do sujeito, forma o seu horizonte e lhe abre ou fecha concretas possibilidades de compreenso. O mundo mostrou-se como horizonte total, que abarca todos os aspectos e horizontes parciais. Mas no constitui, por sua essncia, o ltimo horizonte de nosso conhecimento e compreenso, abrangendo tudo. Porque o mundo, como j se mostrou, um mundo sempre limitado, mas ao mesmo tempo essencialmente aberto. No representa uma grandeza fixa, fechada em si mesma, mas uma grandeza aberta a ulteriores dimenses da realidade, aberta para o ser em seu todo. S no ser, que como ltimo horizonte transcende e abrange at o mundo, so possveis horizontes do mundo diversos e cada vez limitados. Perguntamos para alm do nosso mundo de experincia e compreenso, que tivemos at agora; na continuao do conhecimento esse mundo se forma sempre mais e aponta assim a uma totalidade maior como ltimo horizonte de nossa auto-realizao. Desde que, porm, j dentro de nosso sempre limitado mundo de compreenso ns nos referimos essencialmente ao ser, perguntando pelo ser e conhecendo-o, mostra-se este como o horizonte que no apenas ultrapassa os limites do mundo e abrange a multiplicidade dos mundos, mas tambm possibilita constitutivamente a auto-realizao humana do mundo como tal. Um mundo enquanto mundo de experincia e compreenso humanas somente possvel sob a condio da experincia e compreenso do ser, ou seja, somente possvel no horizonte do ser. (80)Da resulta que o mundo, embora apenas em certo sentido, o horizonte total, j que abarca o todo da nossa compreenso do mundo. Mas um horizonte total relativo, a saber, relacionado com uma aposio histrica determina e limitada; um horizonte total emprica e historicamente condicionado, o que, por isso, remete s condies de sua possibilidade. Mas como se mostrar ainda mais explicitamente condicionado em sua possibilidade por um horizonte total absoluto, posto a priori coma essncia do homem, uma vez que este s se pode realizar no seu mundo em contnua relao com o ser, isto , sob a condio de que o ser em todo perguntar, conhecer e compreender, em todo esforar-se, querer e agir lhe venha ao encontro; logo, sob a condio de que o homem se mova essencialmente no horizonte aberto do ser. Assim, porm, com a experincia do mundo s possvel uma interpretao temtica do ser sobre o fundo e sob a pressuposio de certa compreenso do mundo concreta, histrica e lingustica; da se segue uma relao de mtuo condicionamento e mtua mediao entre o mundo e o ser, entre a compreenso do mundo e do ser.

O crculo da compreenso(..) Foi, entretanto, Heidegger o primeiro, sem Ser e Tempo, a abordar, por princpio, o crculo hermenutico, como lei bsica da compreenso. At agora desde Schleiermacher concebera-se a estrutura circular entre o particular e o todo somente como relao entre o contedo objetivo de sentido e suas relaes de sentido num contexto igualmente objetivo; nessa acepo, tem-se de compreender o particular pelo geral e o geral por seus elementos particulares. Em Heidegger que primeiramente o problema se aprofunda e se agua, graas introduo no crculo do sujeito mesmo que compreende. Com efeito, este toma sempre consigo o todo de seu mundo, a partir do qual realizao a projeo do sentido e no qual somente se abre o contedo individual em seu sentido. (...)Conforme Heidegger, a compreenso pertence constituio ntica existencial do ser-a (do Dasein, da existncia). constitutiva para o ser da existncia humana, que se caracteriza pela compreenso do ser e , portanto, um ser-no-mundo, que compreende. Logo, a dualidade metodolgica de explicar e compreender ser precedida por uma compreenso mais original e mais ampla, da qual derivam aqueles dois modos de conhecer. Estes, pois, so formas provindas j de uma compreenso originria. Esta tambm precede, como condio de sua possibilidade, qualquer interpretao. A interpretao que se funda existencialmente na compreenso, e no esta que provm daquela. A interpretao no que, primeiramente, leva alguma coisa compreenso, antes pressupe uma compreenso e significa elaborao da compreenso, elaborao explcita do que foi compreendido. Interpreta-se o mundo j compreendido. Interpretao, portanto, s possvel com base numa pr-compreenso (83) que guia a interpretao. Assim, Heidegger concebe a compreenso no sentido amplo e fundamental, no qual a iluminao ou conscincia pertence constitutivamente essncia do ser-a humano e est na base, como condio, de qualquer explicao diferenciadora ou interpretao. Aqui, porm, Heidegger mostra uma importante estrutura fundamental da compreenso: o que expressamente compreendido tem a estrutura de alguma-coisa-como-alguma coisa; chama-a estrutura-como, consistindo em que sempre compreendemos alguma-coisa-como-alguma-coisa: como mesa, porta, carro, ponto (Exemplos de Heidegger). Mas a estrutura como no primariamente prpria do enunciado proposicional, mas est antes do enunciado temtico: prpria de toda inteleco. Se alguma coisa no entendida como alguma coisa, no existe verdadeira compreenso. O ter-apenas-diante-de-si est presente, no simples encarar, com no-mais-compreender. Este apreender como livre uma privao do olhar simplesmente compreensivo, no mais original que este, mas derivado dele. A estrutura como pertence constituio existencial a priori da compreenso. (...) na compreenso sempre somos dirigidos j por um olhar, por uma relao coisa, a qual, portanto, se realmente compreendida por ns, apreendida sob determinado objeto formal e aberto em seu sentido.Da precede a pergunta a respeito do fundamento desse como, no qual se realiza toda compreenso. O como no significa por exemplo que se lance, por assim dizer, posteriormente uma significao sobre o dado, j apreendido antes. A coisa que vem a nosso encontro abre-se primeiro principalmente numa totalidade da situao; apreendemo-la e compreendemo-la originalmente em um contexto de sentido, numa totalidade de significao. Isto, porm, quer dizer que toda compreenso se baseia num olhar anterior, numa antecipao projetora, isto , no projeto de uma (84) totalidade de sentido, dentro do qual o particular se revela primeiramente em seu sentido. Mas o que significa aqui sentido? Heidegger responder: Quando o sendo intramundano se descobre com o ser da existncia, isto , quando chegou compreenso, dizemos que tem sentido. Quando, por conseguinte, na realizao da existncia como ser-no-mundo, que compreende surge algo no horizonte da compreenso, ou seja, entra no mundo e se torna compreendido pro ele, tem sentido. Mas o que compreensivo, estritamente falando, no o sentido, mas o sendo, respectivamente, o ser. O articulvel na abertura compreensiva, o que chamamos sentido...Sentido o...para onde do projeto, a partir do qual uma-coisa-como-uma coisa se torna compreensvel. Sentido um existencial da exist~encia e no uma propriedade inerente ao sendo...Somente a existncia tem sentido, enquanto a abertura do ser-no-mundo pode encher-se pelo ser descoberto nele. Logo, s a existncia pode ser ou no ser significativa: seu ser proprio e o sendo que com ele se abre pode permanecer apropriado na compreenso ou recusado incompreenso. Isso mostra que o sentido se subordina compreenso como aquilo em que alguma coisa compreendia. Abre-se no todo do projeto de sentido da existncia, a partir da qual dentro da totalidade do sentido atirada pela existncia se mostra como significativa ou no. O decisivo, porm, que alguma coisa como alguma coisa seja compreendida, e essa compreenso se funde num projeto prvio de uma totalidade de sentido.Temos, assim, o crculo da compreenso e interpretao. Toda interpretao que deve seguir-se compreenso precisa ter j compreendido o que vai expor. A surge ento um problema fundamental em relao ao conhecimento cientfico e principalmente interpretao histrico-filosfica. Uma prova cientfica no pode pressupor j o que tem de provar. Se, porm, a interpretao deve mover-se j na esfera do compreendido e nutrir-se dele, como pode ocasionar resultados cientficos, sem se mover num crculo, principalmente se a compreenso pressuposta se move, alm disso, (85) ainda no conhecimento dos homens e do mundo? Esse crculo, porm, conforme as mais elementares regras da lgica um crculo vicioso. Mas com isso fica banida a priori do campo do conhecimento estrito toda interpretao histrica. Enquanto no se suprimir esse fato do crculo na compreenso, a histria tem de se conformar com as possibilidades de conhecimento menos estrito. A alternativa que se pe a seguinte: Ou se consegue evitar o crculo e alcanar uma cincia da histria que seja uma cincia puramente objetiva, to independente portanto do ponto de vista subjetivo do observador enquanto a cincia natural supostamente o ; ou, se o crculo da compreenso no pode ser evitado, no h histria como cincia estrita, e at, caso o crculo se demonstrasse como estrutura geral de todo conhecimento, mesmo do cientfico, no haveria de modo algum algo que fosse cincia estrita, cincia sem pressupostos. Heidegger responde a si mesmo: Mas ver nisso um circulo vicioso e procurar os meios de evit-lo, ou at senti-lo apenas como uma imperfeio inevitvel, significa mal compreender fundamentalmente a compreenso. No se trata de comparar a compreenso e a interpretao com certo ideal do conhecimento, que ele mesmo, s um ramo da compreenso, a saber, o ideal da cincia sem pressupostos, que, na verdade, s no se tornou consciente de seus pressupostos, mas se funda numa compreenso mais primitiva. O decisivo no sair do crculo, mas entrar de maneira correta. Este crculo da compreenso no uma roda em que se move qualquer espcie de conhecimento, e sim a expresso da pr-estrutura existencial da prpria existncia. No pode ser rebaixado a um crculo vicioso, nem mesmo sendo um crculo tolerado. Nele se aninha uma possibilidade positiva de conhecimento mais original... Esta possibilidade dada enquanto se pe a tarefa de esclarecer a prpria compreenso na sua estrutura e peculiaridade originais, de tornar expressa a compreenso de si e do mundo, originalmente humanas, precedendo todo conhecimento objetivo e da cincia particular, abrangendo-o e possibilitando-o, ao mesmo tempo, enquanto se pe a tarefa de remontar ao horizonte de compreenso historicamente determinado, em que se move (86) um enunciado e a partir do qual deve ser compreendido em seu significado. (87)A pr-compreenso conceito que sem dvida procede de Heidegger em seu contedo (...) torna-se para Gadamer o prejuzo, cuja significao positiva ele procura salientar. Embora preconceitos historicamente condicionados permitam um primeiro acesso de compreenso do objeto, e ainda que o termo preconceito tenha recebido um sentido negativo e depreciativo s luz do racionalismo e do iluminismo, perante o ideal de uma cincia sem pressuposies, ou seja, sem preconceitos, a tentativa de Gadamer, de valorizar o conceito, quase no surtiu efeito. De fato, pela palavra (prejuzo ou preconceito) entendemos um juzo ou conceito preconcebido, j fixado de antemo e que, como tal, fechado em si, no permitindo a olhar dirigir-se coisa, mas desfigurando-o. Quanto aos fatos essenciais, a saber, que uma pr-compreenso fica sendo e deve ser aberta, que progride e se amplia constantemente, que, medida que a compreenso se adianta ela deixa refutar e retificar, tudo isso no se exprime por meio de preconceito, que, antes, sugere a representao contrria. Por isso parece mais indicado e mais justo falar, no de preconceito ou prejuzo , mas de pr-compreenso, a qual, em todo caso, enquanto se exprime num juzo, pode tornar-se preconceito e at mesmo um prejuzo preconcebido, que desfigura o olhar. (87)Comment by Igor Raatz: Crtica aos termos prejuzo e preconceito em Gadamer...Heidegger referiu-se, certamente com razo, ao fato de haver uma compreenso original, dada com a existncia humana ,enquanto, por essncia, iluminada compreensivamente, e que tanto precede a dualidade de esclarecer e compreender, como tambm possibilita toda interpretao. To importante e certa alm disso a demonstrada a estrutura-como, a qual prpria no s do enunciado explcito, mas, precedendo-o, j de qualquer compreenso. Essa estrutura se funda na finitude essencial do conhecimento e da compreenso humanas. Dela resulta que nunca concebemos um sendo uma (89) coisa ou um evento exaustivamente, na plenitude de seu contedo inteligvel de significao, mas sempre apenas ao apreendemos e compreendemos sob limitados aspectos parciais. Que aspectos, no caso, se tornam visveis ou que contedos de sentido compreensveis, depende da determinada maneira de olhar, que brota em cada caso do mundo concreto de compreenso. Do todo de meu mundo de compreenso resulta uma pr-compreenso, que abre uma primeira via de acesso compreenso. Por isso, importante a pr-compreenso para toda compreenso.Dessa forma, porm, no se pressupe j uma compreenso daquilo que se h de compreender conhecer ou esclarecer? No se trata de u crculo vicioso em sentido lgico? Este ocorre quando se pressupe logicamente o que deve ser provado. Em toda demonstrao lgica o donde da prova permanece pressuposto, sem ter sido supresso ou posto em questo; nele se baseia o valor do resultado. Tal no , porm, o caso aqui, porque a pr-compreenso abre uma primeira via de acesso coisa, mas no permanece numa validez indiscutvel, enriquecida ou retificada que por todos os novos conhecimentos adquiridos e todas as novas compreenses de sentido. A compreenso da coisa no deriva logicamente da pr-compreenso, mas se funda embora sob a condio de uma pr-compreenso no mostrar-se da coisa. Da se segue que a pr-compreenso no pressuposio lgica de um pensamento demonstrativo, mas sim condio de possibilidade da compreenso que abre o sentido. Aqui no h nenhum crculo lgico, mas apenas um crculo hermenutico de estrutura completamente diversa. Alm disso, estritamente falando, no um crculo no sentido de uma circunferncia que se fecha em si mesma, mas antes para permanecer na imagem um acontecimento em espiral, na qual um alemento continua dialeticamente a se determinar e formar no outro. O todo do mundo da compreenso enriquecido e aprofundado por toda compreenso novamente adquirida, e justamente por isso possibilita uma compreenso mais plena e mais profunda do contedo singular de sentido. (90)

Sujeito e objeto da compreenso(...) precisamos perguntar agora em que sentido se pode falar da hoje em dia to citada superao da oposio entre sujeito e objetos, e de que forma se realiza um cruzamento de sujeito e objeto (...)Numa grosseira caracterizao histrica pode dizer-se que a filosofia da Antiguidade e da Idade Mdia foi determinada principalmente por um pensamento objetivo, ao passo que a filosofia moderna se volta predominantemente para o subjetivo. (...) A velha filosofia, isto , a antiga e a medieval, foi preponderantemente um pensamento objetivo, no sentido de que a realidade objetiva a natureza, o cosmos ou o universo foi (91) considerada, investigada em sua estrutura essencial, verificando-se nela uma ordem graduada de seres, a comear da matria inerente, para chegar, depois das formas de vida vegetativa e sensitiva, ao ser e vida espirituais. Trata-se de uma ordem de seres em cujo meio est o homem como microcomos e cujo pice formado pelo ser absoluto, Deus, como criador e alvo de toda realidade criada.Quanto mais, na transio da Idade Mdia para a poca moderna, se tornou problemtico esse pensamento metafsico objetivo, mais o homem se volta para si mesmo. Inicia-se um pensamento subjetivo que, antes de todo conhecimento objetivo, quer descobrir na subjetividade prpria o fundamento e a norma de todo possvel conhecimento. O pensamento executa uma volta para o sujeito, porque todo conhecimento de um objeto pressupe o sujeito do conhecimento, o qual, por sua prpria realizao e pro seu prprio esforo, deve apropriar-se do objeto, ou seja, fazer com que se torne um objeto conhecido ou sabido. Desde Descartes trata-se de alcanar (mediante a reflexo sobre o puro sujeito ou, como se diz desde Kant, sobre as condies a priori do conhecimento objetivo) a mediao do objeto pelo sujeito. Fundamento e norma do conhecimento revm somente subjetividade, que se entende como subjetividade pura e autnoma, e at, finalmente no idealismo se pe como absoluta, querendo compreender-se puramente por si mesma e aspirando a mediar somente por si todos os contedos objetivos do conhecimento. (92)(...)A supresso ou superao dessa oposio no deve ser entendida como se a dualidade de sujeito e objeto pudesse jamais ser eliminada completamente e declarada sem valor. Se com isso pensamos simplesmente na oposio entre eu e o outro, no se pode suprimir de todo essa dualidade, seja que ela se refira apenas ao conhecimento, como oposio entre o cognoscente e o conhecido, o que sabe e o qeu sabido, seja que se tome num sentido mais amplo, como relao entre o agente que conhece, quer, ama e opera e o objeto, enquanto finalidade e contedo dessa ao. A dualidade um fenmeno fundamental da existncia humana no mundo; posta com a prpria essncia do homem. Ainda mais, essencialmente dada num mundo em que h uma multiplicidade de sendos num contexto causal e onde, portanto, cada um ativamente sujeito do prprio agir, que se dirige ao outro, e passivamente objeto do agir alheio, ao qual est submetido. (95)(...) A nica questo como ela deve ser entendida. Enquanto no pensamento moderno ela se petrificou num esquema de sujeito e objeto posto absolutamente, essa dualidade deve ser vista na totalidade concreta de nosso mundo de experincia e compreenso, no qual primeiramente possvel e concebvel em sua essncia. (..) preciso perguntar, com muito mais cuidado, como sujeito e objeto se apresentam no todo do nosso mundo humano. (96)

A primeira questo refere-se ao sujeito. A virada dos modernos para o sujeito justifica-se e era filosoficamente exigida pelo fato de ser a realizao especificamente humana do mundo condicionada a priori pelo sujeito, que se medeia a si mesmo seu mundo. Essa concepo, porm, isolada unilateralmente pelo racionalismo e pelo idealismo; estabelece-se absolutamente uma abstrao, quando um puro eu ou um puro sujeito, concebido sem mundo e sem histria, aparece como razo autnoma, que se ope a uma realidade objetiva, e que dela tem de apoderar-se teoricamente no conhecimento cientfico e praticamente na formao e domnio tcnicos do mundo. (96)(...) O pensamento filosfico da Antiguidade e da Idade Mdia, que caracterizamos como predominantemente objetivo, era determinado pela coisa, pelo objeto. Procurou apreender a realidade nas categorias materiais e objetivas. E ainda que as tenha ultrapassado pela analogia, continuaram, contudo, a ter sido tiradas da matria. No pensamento moderno, que parte do sujeito, essa orientao, porm, coisal e objetiva no foi supressa, como era de esperar, mas de novo se acentuou. Diante do sujeito puro e autnomo acha-se agora legitimamente o mundo como o outro, como o apreensvel e disponvel objetivamente, entregue ao poder do (97) sujeito, concebido e dominado por ele. A isso se acrescenta que a filosofia moderna est sob a inspirao da cincia natural e, por isso, entende a objetividade como a de um objeto exterior empiricamente dado e cientificamente apreensvel. (...)Essa concepo requer uma correo. Se todo conhecimento e inteleco se realiza num sempre determinado horizonte histrico e lingustico de compreenso, resultam necessariamente limites de uma pura objetividade, ou seja, pensada sem interferncias do sujeito. Isso se aplica no s compreenso das cincias do esprito (...) o objeto tal como se apresenta, necessariamente codeterminado pelo sujeito. (...) No existe, como se v, uma pura objetividade do nosso conhecimento, simplesmente liberta do sujeito, visto que o sujeito concreto penetra codeterminantemente em sua viso do objeto. (98)(...) Mas no somente no domnio pessoal, por mais central e fundamentalmente que pertena ao mundo humano de experincia e compreenso, mas tambm na totalidade de nosso mundo, que esto contidos elementos essenciais sem a natureza de coisas e objetos, no podendo ser representados objetivamente. O que, por exemplo, acontece na linguagem e na histria, o que precisa sempre ser compreendido em seu sentido, o que torna o mundo todo em que vivemos rico, colorido e cheio de sentido, no apenas o objetivo, num sentido objetivista das cincias da natureza, mas contedos no-objetivos de sentido e de valor, que nos ocorrem e que apreendemos compreensivamente. Por ltimo, o significa ser ou realidade, j na linguagem cotidiana, mas principalmente numa interpretao metafsica do ser, no , no fundo, ao menos primariamente, ser objetivo no sentido de objetividade. Seria o pior mal-entendido tomar o ser como objetividade e a metafsica como cincia objetiva nessa acepo. (99)De fato, o sujeito s este sujeito concreto enquanto codeterminado pelo mundo de seus objetos; porm, s este objeto concreto na medida em que se abre pelo modo de ver, questionamento e apreenso de sentido por parte do sujeito. D-se aqui um acontecimento circular de mediao recproca. Ambos, sujeito e objeto so assumidos num acontecimento abrangedor e transcendente, no qual o ser se abre em aspectos e perspectivas historicamente distintas.Ao mesmo tempo, contudo, o homem singular no submerge simplesmente em um acontecimento que se realize acima dele e torne um objeto passivo. Antes se mostra nesse acontecimento um no menos essencial entrelaamento de condicionalidade e incondicionalidade. Apesar de sempre condicionado por seu mundo e sua histria, o homem se encontra neste acontecimento com sujeito consciente e livre, que transcende o acontecer enquanto pergunta pela verdade e em todo conhecer e compreender tende verdade como uma coisa incondicionalmente valide, e procura igualmente o bem como incondicionalmente obrigatrio, quando dispe de si mesmo numa livre deciso e se realiza a si mesmo em seu mundo. (100)

Estruturas fundamentais da compreenso

1 Toda compreenso mostra uma estrutura de horizonte. O contedo singular apreendido na totalidade de um contexto de sentido, que pr-compreendido e co-apreendido, mas de maneira a se tornar condio da abertura de sentido do contedo singular. Entretanto, essa totalidade de sentido como fundamento atemtico da compreenso no pode ser apreendida imediatamente em si mesma, mas s pode ser mediada por contedos singulares. Da resulta uma relao de recproco condicionamento entre o indivduo e o todo. A compreenso do singular condicionada pela compreenso do todo, mas a compreenso do todo ser mediada pela compreenso do contedo singular. Um elemento condiciona o outro e continua a se determinar a si mesmo no outro. Donde se infere que uma interpretao compreensiva deve esclarecer o fundo que d sentido, do qual, por exemplo, provm o enunciado particular, mas nunca pode perfeitamente alcanar ou reconstruir a totalidade do respectivo mundo de compreenso. Entretanto, os momentos de contedo do fundo, que determinam o sentido, embora tenham entrado atematicamente no enunciado, e que, por isso, so importantes para a compreenso dele, precisam tornar-se temticos. Trata-se, porm, da compreenso de uma totalidade concreta, como, por exemplo, da multplice plenitude de sentido duma antiga obra literria, mais importantes se tornam os elementos do fundo concreto para uma reta compreenso, e devem ser trazidos luz, isto , o horizonte total de compreenso, histrico e lingustico, deve, quanto possvel, ser compreensivelmente alcanado. Isso contudo, s pode ocorrer a partir de nosso prprio ponto de vista histrico. (101)Trazemos sempre e necessariamente nosso prprio mundo de experincia e de compreenso como condio de nossa compreenso.

2. Da resulta uma estrutura circular da compreenso. De fato, a compreenso realiza-se sobre o fundo de uma pr-compreenso, que procede de nosso prprio mundo de experincia e de compreenso e formada por ela, mas que traa uma via de acesso de compreenso aos contedos de sentido que se abrem. Entretanto, por sua essncia a pr-compreenso no fechada em si; o mundo da compreenso nunca uma grandeza definitivamente fixa. Ao contrrio, continua formando-se sempre, graas apreenso de novos contedos: alarga-se a profunda-se com o progresso da compreenso. Segue-se que uma pr-compreenso , na verdade, pressuposta como um primeiro acesso, mas falhar em sua essncia se for fixada e encerrada, se os contedos de sentido a compreender se relacionarem somente com ela. Compreenso s possvel na abertura para a coisa. A pr-compreenso deve abrir-se coisa mesma, desdobrando-se para a compreenso dela. Enquanto cada contedo novamente apreendido torna a penetrar na totalidade do mundo de compreenso, forma outra vez um novo momento de contedo na pr-compreenso de complexos ulteriores de sentido com que depararemos. Assim, a compreenso se move numa dialtica entre pr-compreenso e a compreenso da coisa, em um acontecimento que progride circularmente, ou melhor, em forma de espiral, na medida em que um elemento pressupe o outro e ao mesmo tempo faz com que ele v adiante; um medeia o outro, mas continua a determinar-se por ele. (102)(...)Como na relao entre o indivduo e a totalidade, entre a coisa e a linguagem, entre a pr-compreenso e a compreenso da coisa, mostra-se tambm na relao entre sujeito e o objeto uma estrutura de mediao, prpria da compreenso como acontecimento vivo. No um sujeito puro e autnomo, e muito menos um sujeito absoluto, que est diante de uma objetividade pura, concebida isenta de sujeito. O sujeito concreto j em si mesmo condicionado e marcado por seu mundo e por sua histria; nesse sentido, j objeto de seu mundo, antes de poder tornar-se sujeito dele. , porm, objeto de seu mundo enquanto sujeito, isto , enquanto pelo conhecimento e compreenso tem um mundo, realizando-o por sua livre deciso e por sua atividade. Entretanto, em sua viso e maneira de compreender cada objeto j penetra a totalidade de sue mundo de experincia e compreenso. A partir dele, propomos perguntas ao objeto, que se nos abre sob determinados aspectos e perspectivas. Nosso mundo no apenas um mundo determinado empiricamente e condicionado transcendentalmente, mas tambm, ao mesmo tempo, um mundo marcado historicamente e interpretado linguisticamente, logo j muitas vezes mediado. Constitui o horizonte no qual o homem concretamente se experimenta e se compreende. Nessa totalidade vigora de um modo insuprimvel o cruzamento de imediatez e mediao. No s (103) toda imediatez de uma concepo cognitiva e compreensiva sempre j mediada, evidenciando-se por isso com imediatez mediada, mas tambm toda mediao se realiza por intermdio da imediatez, que a pressupe, que a encerra em si e a desenvolve mediando: apresenta-se como mediao da imediatez. Isso, contudo, significa, ainda, que em todos os domnios do conhecimento e da compreenso do homem apesar de toda mediao ser possibilitada por ela se consuma uma autntica imediatez da concepo, sem o que nem a mediao seria possvel. Em toda condicionalidade manifesta-se como condio da mediao a incondicionalidade do ser. No horizonte do mundo e por meio do mundo experimentamos a relao imediata ao ser, que nos ocorre e se abre em tudo, mas a mesmo se mostra como o acontecimento de uma mediao da imediatez, isto , como a imediatez que se apresenta e se manifesta em todos os contedos, mas que se medeia compreenso em nosso mundo e em nossa histria. (104)

...

Fuso de horizontes e se colocar no outroCrtica GadamerAqui se mostra, contudo, um limite essencial da fuso de horizontes. Assim como nunca perfeitamente possvel transferir-se para um outro tambm nunca poder perfeitamente acontecer que um horizonte estranho de compreenso se funda numa unidade com o nosso prprio. O primeiro princpio foi com razo criticado por Gadamer. Entretanto, tambm o princpio que ele lhe contrape de um valor apenas limitado. O termo fuso dos horizontes um modo de falar metafrico. Essa locuo pode representar figurada e vivamente a ideia que se tem: eis em que consiste seu valor. Mas ela no consegue dar expresso adequada ao pensamento: eis seu limite: Se no se v este ltimo ponto, cai-se soba fora da impresso da imagem, e esta no descobre, mas sim oculta a coisa de que se trata. Cumpre ter em vista e considerar mais matizadamente o fenmeno em si mesmo, prescindindo de sua expresso figurada.Mostra-se ento primeiramente que uma fuso de horizontes no possvel no sentido prprio. Conseguimos, sem dvida, refletindo ou reconstruindo, pesquisar certos contedos do fundo ou contexto que entram significativamente num enunciado. Nunca podemos, porm, atingir no todo e exprimir o horizonte alheio de compreenso. Para isso se requereria ainda mais do que na exigncia de transferir-se para o outro, pois todo horizonte de compreenso determinado no s por experincias e concepes tornadas explcitas, mas tambm, no em menor grau, por condies e influnicas que permaneceram atemticas. No se exigira tornar refletidamente temtico o mundo alhieo de compreenso se pudssemos transferir-nos para o outro, identificar-nos com ele. Mas isso seria preciso para chegar a uma perfeita fuso de horizontes. V-se, pois, que o problema no se resolve dessa forma, (119) antes se agrava, visto que uma fuso de horizontes nunca perfeitamente possvel, mas quando muito apenas de maneira aproximada. S determinados elementos isolados do fundo, que entraram significativamente nos enunciados do outro, podem tornar-se temticos e ser compreendidos em seu contexto; somente sob determinados aspectos pode ser investigado um contexto de sentido que forme o horizonte dos enunciados particulares. Mas a plenitude e a totalidade concretas do mundo vital do outro no podem jamais ser atingidas totalmente e fundidas na prpria compreenso. (120)...Assim, por exemplo, um texto bblico ou tambm um texto filosfico do passado fala-nos cada tempo de outro modo. Cada vez, abordando-nos numa nova situao, adquirindo dessa forma um novo significado e abrindo-se de outra maneira em seu sentido. No podemos, se remontarmos ao primitivo sentido literal, prescindir de forma alguma dessa interpretao histrica, porque penetrou no horizonte a partir do qual lemos e compreendemos esses textos. Se os tornamos a ler, falam-nos de um modo novo em nossa situao histrica. Podemos e devemos formular-lhes novas perguntas, v-los em num novo contexto, no qual o que foi dito se abre a nossa compreenso sob novos aspectos e perspectivas, numa nova plenitude e novo contexto de sentido. A se manifesta um sentido que, na verdade, no corresponde, como tal, ao pensamento do autor, nem podia ser pensado por ele na sua situao histrica, mas um sentido que apesar disso, est contido objetivamente no texto enquanto d resposta a novas perguntas e, compreendido num novo contexto, revela uma nova plenitude de sentido. Dessa forma, nosso modo de fazer perguntas ao texto, de receber dele resposta e de compreender seu sentido penetra no objeto abrindo nele um sentido. Este ostenta uma plenitude que possui uma inesgotabildiade fundamental, j que, em todo tempo e em todo contexto, passvel o texto de contedos e relaes de sentido sempre novos. (...)

Compreenso histrica significa duas coisas: a compreenso da histria e a compreenso na histria ou pela histria. De um lado, a compreenso se dirige (objetivamente) a fatos e contedos de sentido do passado histrico; de outro, a realizao da compreenso (subjetivamente) um evento histrico, porque ns mesmos vivemos na histria, somos marcados por ela, temos um ponto de vista e um horizonte de compreenso histricos, a partir dos quais procuramos compreender os sucessos e testemunhos do passado. O acontecimento histrico abrange, pois, ambas as coisas: os contedos objetivos e a realizao subjetiva da compreenso. (123) Esses dois aspectos se compenetram mutuamente. Isso mostra que, ao quereremos entender a histria, j estamos previamente determinados por ela e estamos sob sua influncia, de modo que s porque somos e enquanto somos, nesse sentido, objeto da histria, poderemos tornar-nos sujeitos da histria e da compreenso histrica. Com essa concepo processa-se, porm, uma mudana radical da ideia da histria (124)(...) Gadamer(...) Compreender essencialmente um processo de efetivao histrica. Da se segue que s compreendemos um fenmeno histrico (um texto, por exemplo, ou qualquer outro testemunho do passado) enquanto ou na medida em que produzi efeito na histria, teve uma interpretao na tradio e por essa efetivao e interpretao (12) penetrou em nosso prprio horizonte de compreenso, formando um a priori histrico e assim nos abrindo uma via de acesso para a compreenso. Nossa prpria compreenso histrica na medida em que est condicionada pela interpretao de efetivao histrica do passado, pois ela entra constitutivamente na realizao da nossa prpria compreenso. O contexto de efetivao histrica condio de possibilidade de um encontro e fuso de horizontes de compreenso histrica, e, logo, condio de possibilidade da prpria compreenso histrica. (127)(..) o prprio sujeito da compreenso histrica que se acha marcado por sua histria. Ele tem seu ponto de vista histrico e seu mundo histrico de compreenso, a partir do qual formula perguntas histria e faz com que ela as responda, torna presente em sua prpria atualidade o passado histrico e lhe confere significao para seu prprio futuro. Pense-se aqui, contudo, no que j mostramos, a saber, que em cada compreenso sucede um duplo movimento. De um lado, assumimos em nosso prprio mundo o que h de ser estendido, compreendendo-o a partir dele; do outro lado, na medida em que recebemos compreensivamente novos contedos, ampliamos e enriquecemos o prprio mundo de compreenso, adquirindo um horizonte da compreenso mais vasto. verdade que nosso ponto de vista histrico est fixado espcio-temporalmente: no o podemos abandonar ou saltar. Mas o horizonte de compreenso que temos a partir deste ponto de vista no uma grandeza fechada, fixa a priori dentro de certos (127) limites; pelo contrrio, abre-se por princpio a novos contedos, ainda que levado pela pr-compreenso anterior, e amplia-se dessa maneira. (128)...desdobramento histrico dos contedos de sentido. Na interpretao da efetuao histrica de um evento ou testemunho do passado ocorre um desdobramento de