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CORPO, MEMÓRIA E NORMA: A POSIÇÃO DE SUJEITO OCUPADO PELA XUXA EM“LUA DE CRISTAL”
Nilton Milanez *Ceres Luz **
Resumo: Neste trabalho, realizamos um apanhado do que será pesquisado durante oPrograma de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB, fazendo umaanálise discursiva do filme “Lua de Cristal” (1990), estrelado pela Xuxa, sendo o filme quemais arrecadou bilheteria na década de 1990. Nosso objetivo é investigar acerca daconstituição de um discurso que determina uma posição de sujeito para a mulher. discurso quedetermina uma posição de sujeito para a mulher. Para tanto, utilizamos, como arcabouçoteórico, os postulados de Michel Foucault dentro da Análise do Discurso e as discussões feitaspor Milanez em relação ao corpo e sobre a cor como discurso; veremos, pois, como asmulheres se tornam sujeito e se posicionam em um lugar discursivo que é o da mulherperfeita.
Palavras-chave: Corpo. Xuxa. Discurso.
Abstract: In this work, we carried out an overview of what will be researched during theGraduate Program in Memory: Language and Society at UESB, doing a discursive analysis ofthe film "Lua de Cristal" (1990), starring Xuxa, the movie most viewed in the 1990s. Our goalis to investigate about the constitution of a discourse that determines a position of subject forthe woman. Therefore, we use as theory, the postulates of Michel Foucault in discourseanalysies, and the discussions made by Milanez about the body, and the color as discourse;'llsee, how a woman became subject and subjectivized in the, discursive place, on the place ofperfect woman.
Key-Words: Body. Xuxa. Discourse.
Introdução
Este trabalho tem, como objetivo, assinalar uma breve discussão do que será
desenvolvido durante o Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da
UESB, sob orientação do Prof. Dr. Nilton Milanez. Um dos objetivos que pretendemos
alcançar durante a pesquisa é observar a constituição de uma normatização, pensando
principalmente, a relação entre a norma e o corpo. Aqui vejo corpo, não como uma unidade
orgânica, mas sim no sentido em que “[...] o corpo é investido de domínios de poder e de
saber, ou seja, ter o seu corpo dominado por preceitos institucionais ou dominar o seu corpo,
imprimindo - lhes marcas singulares é incluir-se como sujeito[...]"(MILANEZ, 2009, p. 218).
Pensando neste objetivo, decidimos analisar como se dá essa normatização através de
cinco filmes da Xuxa, sendo eles: “Super Xuxa Contra Baixo Astral” (1988), “Lua de Cristal”
(1990), “Xuxa Requebra” (1999), “Xuxa Abracadabra” (2003) e “Xuxa em o Mistério de
Feiurinha” (2009). Este corpus foi cogitado pensando uma relação cronológica e de
circulação. “Super Xuxa Contra Baixo astral” foi o primeiro filme que levou o nome da
apresentadora, iremos, então, refletir o porque é possível, no momento histórico, o surgimento
de uma linha de filmes que levará a marca Xuxa. Já “Lua de Cristal” foi o segundo filme
protagonizado por ela e, também, o de maior bilheteria, tendo uma grande circulação
nacional. Após esse grande sucesso não teremos nenhuma produção audiovisual por dez anos,
retomando suas atividades no cinema com o filme “Xuxa Requebra”, aqui tentaremos
compreender o porque desse intervalo temporal, e se há algum deslocamento de olhar, para
isso iremos observar mais dois filmes dessa retomada que seriam o “Xuxa Abracadabra” e o
último filme, até esse momento, que lançou o “Xuxa em o Mistério de Feiruinha”. Portanto
uma das perguntas que circundará a pesquisa será se a Xuxa ocupa a mesma posição de sujeito
em todos esses filmes, ou se há uma mudança. Se houver pensaremos então o porque dela, e o
que permitiu essa mudança e se isso se reflete em como a norma nos é mostrada
sócio-historicamente.
Mobilizando uma teoria do discurso e uma teoria do cinema
Para analisar os filmes anteriormente elencados mobilizaremos uma teoria do cinema
e uma teoria do discurso para se chegar à análise das produções de sentido das materialidades
cinematográficas e do discurso.
Do lado da teoria do cinema, o filme, entendido como materialidade fílmica, nos leva
à análise de sua materialidade verbal e não-verbal, por meio da imagem em movimento e do
som. E, para fundamentar a análise desses dois elementos do audiovisual, recorreremos às
teorias de Michel Chion (1994, 1995), no que se refere ao som, de Jacques Aumont (1993,
1995, 2004) e de Michel Marie e Julien Laurent (2009), no campo das imagens em
movimento.
Do lado da teoria do discurso, utilizaremos o arcabouço teórico foucaultiano
apresentado na Arqueologia do Saber (2012). A noção central sob a qual baseamos este
trabalho é a de domínio de memória; pois que, neste estudo, nos interessa discutir acerca dos
enunciados que se materializam nos filmes selecionados e a respeito de sua relação com
outros que a eles estão associados num campo de memória. Os enunciados, aqui, devem ser
compreendidos em sua especificidade, isto é, como nos diz Foucault (2012): a partir das
condições de possibilidade que permitiram a sua emergência; pensando as posições de sujeito
inerentes a eles; e, claro, levando em consideração sua “materialidade repetível”, quer dizer,
sua possibilidade de se repetir em diferentes formulações. Dessa forma, o enunciado, por não
se referir estritamente ao domínio verbal, nos oferece um campo de entrada para a
investigação da materialidade audiovisual.
É com base nessa noção de enunciado que poderemos pensar o sujeito, visto que o
sujeito nunca é o mesmo de um enunciado a outro, podendo assumir diferentes posições em
uma série de enunciados. Assim, a investigação do sujeito mulher, nos seis filmes elencados,
nunca será a mesma e possibilitará a formação de um quadro geral sobre as diferentes
posições que a mulher ocupou e ocupa na história, pois o enunciado pertence a um domínio de
memória. Afinal, “não há enunciado que não suponha outros; não há nenhum que não tenha
em torno de si um campo de coexistências” (FOUCAULT, 2012, p.114). Daí, nossa escolha
para o estabelecimento do corpora apresentado, cinco filmes da marca Xuxa, afim de
podermos associá-los, contrapô-los, separá-los, coloca-los em sucessão e delimitá-los em um
certo campo de existência mútua. Porque o enunciado é constituído por uma existência
material, e essa espessura material é designada por um tipo de substância, um lugar, uma data
e um suporte, esses elementos nos interessam de perto para que possamos compreender os
discursos presentes na materialidade fílmica. Nesse viés, tomaremos as regularidades no
recorte de extratos singulares dos cinco filmes para demonstrar quais são as materialidades
que se repetem, tanto na materialidade fílmica quanto sua consequente produção discursiva.
Essa forma de nos lançarmos para o corpora de estudo torna o objeto de investigação
possível, pois delimita o campo de atuação da análise discursiva sobre partes singulares das
materialidades fílmicas, aproximando-as, ao invés de apenas dispersá-las no tempo.
Nessa esteira, os filmes propostos serão recortados e trabalharemos com seus extratos.
O agrupamento de extratos se dá por meio de materialidades fílmicas que se repetem. Dessa
maneira, numa primeira revisão dos filmes, as cenas recortadas para reconfiguração do
corpora se constituirão nas sequências que são identificadas como regularidades discursivas,
da maneira como a compreendeu Foucault (2012). Esse recorte dos filmes gerará o
estabelecimento de três subconjuntos de extratos que comporão séries cujas modalidades
poderão ser trabalhadas: separadamente, para fins didáticos, destacando cada eixo da pesquisa
e, depois, compreendidas como enunciados que trazem em suas margens redes de discursos
sobre a mulher.
Dessa forma, trabalharemos esse suporte para compreender como alguns discursos se
voltam sobre o corpo da mulher. Para tanto, observaremos as estratégias cinematográficas e os
mecanismos audiovisuais utilizados para a criação desse campo do discurso. Tomaremos,
assim, os estudos de Jacques Aumont (1993, 1995, 2004) para identificar, na ordem do visual,
os tipos de planos, os seus encadeamentos, os movimentos de câmera, a escala de plano, das
personagens na cena, as técnicas de profundidade de campo, entradas e saídas de cena, as
técnicas de montagem e edição. Na ordem do áudio, trabalharemos com as problematizações
de Michel Chion (1994), que postula sobre um casamento forçado entre imagem e som. A
composição de som e imagem, não sendo natural, também está submetida ao dispositivo e,
por isso, deve ser compreendida no nível do discurso. Sendo assim, o áudio, em geral, e a
música, em específico, constituem relações que demonstram as associações entre a trilha
sonora e imagem (CHION, 1995) na materialidade fílmica, apresentando, portanto,
deslocamentos na posição do sujeito e o circunscrevendo em uma determinada formação
histórico-social, de acordo com uma leitura discursiva.
O arcabouço teórico-metodológico referente ao dispositivo fílmico será
compreendido, então, à luz de uma teoria discursiva que se pergunta por que um tipo de
estratégia foi utilizado no lugar de outro, o que se excluiu em detrimento da escolha de
determinado plano e não de outro, quais efeitos de sentido a seleção de uma determinada
posição da personagem em cena produz e quais as hierarquias produzidas ao se encadear
determinada sequência fílmica com outra. Nesse sentido, propomos atrelar a análise da
materialidade fílmica a uma ordem do discurso (FOUCAULT, 1996), observando,
descrevendo e analisando seus interditos e suas formas de encadeamento e sequenciação.
A partir da noção de enunciado, do recorte e da análise da materialidade fílmica,
entraremos na discussão do corpo discursivizado. Nessa vertente, acreditamos, com Foucault
(1985, p. 22), que o corpo é um objeto de saber e “superfície de inscrição dos
acontecimentos”, de articulação do corpo com a história. Além disso, o corpo está
constitutivamente ligado às relações de poder, como Foucault (1977) demonstrou em Vigiar e
Punir, mostrando como o poder opera sobre ele, de que forma o investe, como o marca, o
obriga e dele exige signos específicos. A essa configuração é que atrelamos os estudos de
Michelle Perrot (2008) sobre a aparência do corpo das mulheres e suas implicações sociais,
pois que, para a historiadora, o corpo das mulheres se adequam a sociedades e a épocas,
estabelecendo uma consonância com Foucault (1985, p. 146), quando este afirma que “o
poder penetrou no corpo, encontra-se exposto no próprio corpo”.
Partindo desses pressupostos teóricos, reiteramos que, observaremos, principalmente,
o corpo da mulher e as suas relações de poder-saber, isto é, observaremos os modos de
apresentação do corpo da Xuxa e dos outros personagens nos filmes, discutindo os regimes
discursivos a que estão submetidos. Com isso, queremos dizer que os corpos, sob uma
perspectiva discursiva, apresentam uma posição do sujeito mulher e marcam um tipo de saber
sobre ela. Trata-se, então, de evidenciar a relação entre poder e corpo da mulher, materializada
cinematograficamente, e mostrar quais discursos atravessam e fundamentam tais relações de
poder. Faz-se necessário discutir, a partir de regularidades, as condições de possibilidade que
permitiram que tais formulações se constituíssem enquanto “filme da Xuxa”.
Temos, assim, como hipótese para o trabalho, considerações que tocam as formas do
sujeito dos dias de hoje se relacionarem com outros sujeitos e outras instituições. Nesse
sentido, acreditamos que os filmes selecionados servem como guia de conduta para os
sujeitos, mostrando como eles devem agir, se comportar e se adequar às normas sociais.
Considerando que a posição da mulher está sujeita às construções sócio-históricas de
sua época e sociedade, colocamo-nos como perguntas que guiarão o trabalho: quais são os
enunciados e como eles constituem um lugar e uma posição para a mulher marcados em seu
corpo? E de que modo a norma está sendo ensinada e qual sua relação com o governo de si e
dos outros?
Levando em conta essas considerações, percebemos, que uma das posições de sujeito
tende-se a repetir: o da posição da mulher perfeita. Posição, essa, que irá clivar a personagem
Xuxa de maneira generalizada, tanto nos filmes, quanto nos programas de televisão, aparições
públicas, etc. O que nos leva a pensar se existe um ser singular, ou apenas a construção de um
personagem ficcional. Para exemplificar essa posição de sujeito trazemos, assim, uma breve
análise do filme “Lua de Cristal”.
A Idealização da mulher em “Lua de Cristal”
Como já dito anteriormente, “Lua de Cristal” é o filme com a maior bilheteria dos
filmes da Xuxa e a maior bilheteria da década de noventa, levando cinco milhões de
telespectadores ao cinema, ou seja possui uma grande circulação.
“Lua de Cristal” conta a história de Maria da Graça que vai para a cidade grande
aprender a cantar. Lá ela vive com uma tia e dois primos que a obrigam a realizar trabalhos
domésticos, até o momento em que ela se torna uma estrela. O filme é uma mistura de
diversos contos de fadas, principalmente o conto sobre a Cinderela, e uma autobiografia, pois
conta a transformação de Maria da Graça em Xuxa.
Tanto no conto clássico, como no filme dos anos 1990, as protagonistas iniciam em
uma posição indesejada socialmente. São maltratadas e obrigadas a realizar serviços
domésticos. Porém durante a narrativa essas personagens se modificando, encaixando no que
seria a norma, a perfeição desejada, alcançando o patamar de princesas. Foucault irá
relacionar a norma com a disciplina, vinda de uma necessidade do controle do corpo, através
do seu adestramento, do gerenciamento do seu corpo, das maneiras de extrair suas aptidões e
forças para um controle eficaz e econômico, isso foi o que Foucault denominou de bio-poder,
que não mais se relaciona com a lei mas coma norma e a disciplina. No conto da Cinderela, o
processo de normatização ocorre, primeiramente, por meio da fada madrinha que irá
modificar suas roupas, cabelos e modos, tornando-os exemplos do que seria aceito na
sociedade da época, já que a Cinderela é capaz de atrair a atenção do princípe. E, depois,
através do príncipe que irá elevá-la, através do casamento, ao lugar de princesa. Já no filme da
Xuxa, essa mudança ocorrerá através do seu esforço para se tornar cantora, através da
disciplina do seu corpo, e do cuidado de si, ela irá chegar a se tornar a princesa ao final do
filme. Aqui, trazemos esse lugar da princesa como o próprio lugar da perfeição.
A perfeição da mulher é clivado por um discurso religioso, já que a bíblia irá ensinar o
que a mulher precisa para ser considerada perfeita, e de acordo com ela uma mulher
carismática/perfeita, é aquela que cuida de si e da sua família, como a passagem de Provérbios
31:21-22 nos coloca: Não teme a neve na sua casa, porque toda a sua família está vestida de
escarlata. Faz para si cobertas de tapeçaria; seu vestido é de seda e de púrpura. Portanto, a
mulher precisa ficar sempre atenta ao seu modo de vestir e dos outros para ser considerada
uma pessoa virtuosa. Neste sentido os enunciados mostrados na narrativa da Cinderela e em
“Lua de Cristal”, como citado anteriormente, seguem aos mesmos princípios. Portanto, este
lugar da princesa está marcado por um discurso religioso. Afinal, o rei e a rainha são os
escolhidos por Deus para governar e os príncipes e princesas são seus sucessores, tão divinos
quanto.
Como a entrada na norma é demonstrada, também, através das roupas, algo que se
repete constantemente é a predominação da cor azul. Essa repetição nos levou a investigar
essas cores - compreendendo a roupa como segunda pele - pelo prisma do que Milanez chama
de cromático-discursivo, o "movimento entre memória histórica, cores e as posições que elas
suscitam" (MILANEZ, 2012, 581). A cor azul, aparece desde o início do filme, tanto a mãe
quanto a Maria da Graça usam roupas azuis, como podemos ver na figura 1. E a protagonista
utiliza roupas azuis, assim como o professor e os alunos das escolas de música (figuras 2 e 3),
sendo a cor azul marcada, inclusive, na iluminação do filme (figura 4).
Figura 1 Figura 2 Figura 3
Figura 4
Essa regularidade das roupas nos fez pensar - adaptando a pergunta de Foucault – por
que essa cor e não outra em seu lugar? O que podemos observar é que a cor azul aparece nas
pessoas que obedecem a norma. A mãe da Maria da Graça, que é trazida como pessoa
bondosa, uma mãe caridosa que faz de tudo para ajudar a sua filha, dentro do que seria a
norma que a sociedade tem da chamada “boa mãe”. A Maria da Graça, que apesar de ainda
estar no lugar da desordem, seja financeira ou das suas roupas que não são novas e de modelo
masculino, ela deseja a ordem e se posiciona no lugar da ordem quando vai em busca da
disciplinarização do seu corpo. O professor de canto e os alunos que já se encontram
disciplinados também vestem azul. Portanto, a cor azul, discursivamente, nesses extratos, se
refere a norma.
De acordo com Portal (1857), em seu livro "Des Couleurs symboliques", o azul, na
Bíblia, representa o espírito santo e é a cor da verdade divina que esclarece os homens e que
retoma a ideia de celestial, pois também é vista como a cor do céu. Com base nisso e
retomando a ideia de Foucault (2000) acerca dos enunciados, em que estes teriam sempre
margens povoadas de outros. E tomando a noção de intericonicidade para Courtine, onde ele
trabalha uma memória das imagens, colocando que, ao estudarmos as imagens nos discursos,
é necessário considerar as “[...] relações entre imagens que produzem os sentidos: imagens
exteriores ao sujeito, como quando uma imagem pode ser inscrita em uma série de imagens
[...]” (COURTINE, 2011, p. 160). Podemos, dessa forma, compreender os enunciados que
aparecem em “Lua de Cristal” em outros, de caráter religioso, como o da Nossa Senhora, que,
também, possui uma regularidade em suas representações, usando um manto de cor azul
(figuras 5, 6 e 7).
Figura 5 Figura 6 Figura 7
Tanto a Maria da Graça, como a representação, feita pela Disney, mais famosa da
Cinderela e a Nossa Senhora também tem cabelos claros, pele branca e olhos azuis (Figuras 8,
9 e 10). Essa aparência nos remete, por intericonicidade, as representações dos anjos (figuras
11 e 12) que também portam as mesmas características. Ou seja, a Cinderela, a Xuxa em “Lua
de Cristal”, a Nossa Senhora e os anjos, estão ocupando a mesma posição de sujeito. São
aqueles que possuem o corpo perfeito/divino. E que corpo seria esse? O branco de olhos azuis
e cabelos claros.
Figura 8 Figura 9 Figura 10
Figura 11 Figura 12
Considerações finais
Essa normatização do corpo perfeito, clivado por um discurso religioso, nos permite
pensar numa importante questão foucaultiana: "quem somos nós?" (FOUCAULT, 1995, p.
235). Para responder essa pergunta, trazemos Michelle Perrot (1995), que, em seu texto sobre
a figura das mulheres na frança – De Marianne a Lulu –, irá nos propor a discussão de que
"deificar a mulher é uma maneira de colocá-la 'em seu lugar, sobre os altares, isto é à parte e
em parte nenhuma" (PERROT, 1995, p.182). Por isso, a santificação/deificação, como ocorre
no filme, relaciona - através da intericonicidade - Xuxa à Nossa Senhora, ou seja, retira-a da
sociedade. Assim, vemos uma hierarquização da mulher, impossibilitando-a, enquanto
posição deificada, de governar a si e aos outros, evidenciando um modelo de sociedade
patriarcal que impõe às mulheres um estatuto de santas/princesas, colocando-as em altares e,
ao mesmo tempo, tolhendo-lhes da cena política.
Referências
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