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Miguel Torga (1907-1995) Temáticas da sua Poesia: 1. SENTIMENTO TELÚRICO A ligação à Terra – lugar concreto e natural do Homem. Para Torga, o homem deve unir-se à Terra, ser-lhe fiel, para que a vida tenha sentido e o próprio sagrado se exprima. A terra surge como o ventre materno , “o chão duro que recebe a semente” e que procria. O sentimento telúrico de Torga exprime-se no seu amor à terra o É a terra que lhe traz alegria e lhe dá força, como a Anteu, é a terra que lhe dá esperança. 1.1 Mito de Anteu Anteu, gigante da mitologia grega, filho de Posídon e de Gea (Terra), vivia na região de Marrocos e era invencível enquanto estivesse em contacto com a mãe-terra. Desafiava todos os recém-chegados em luta até à morte. Hércules, de passagem pela Líbia, entrou em combate contra Anteu e, descobrindo o segredo da sua invencibilidade, conseguiu derrotá-lo, mantendo-o no ar. Torga, no Diário XI, afirma que de todos os mitos que conhece é o de Anteu o que mais admira, pois sempre que se sente desanimado e sem forças, toca o solo e todas as energias perdidas começam a correr-lhe nas veias. REGRESSO

Correção Poesia Contemporânea

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Português 10º ano

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Miguel Torga (1907-1995)

Temticas da sua Poesia: 1. SENTIMENTO TELRICO

A ligao Terra lugar concreto e natural do Homem. Para Torga, o homem deve unir-se Terra, ser-lhe fiel, para que a vida tenha sentido e o prprio sagrado se exprima. A terra surge como o ventre materno , o cho duro que recebe a semente e que procria. O sentimento telrico de Torga exprime-se no seu amor terra o a terra que lhe traz alegria e lhe d fora, como a Anteu, a terra que lhe d esperana.

1.1 Mito de Anteu

Anteu, gigante da mitologia grega, filho de Posdon e de Gea (Terra), vivia na regio de Marrocos e era invencvel enquanto estivesse em contacto com a me-terra. Desafiava todos os recm-chegados em luta at morte. Hrcules, de passagem pela Lbia, entrou em combate contra Anteu e, descobrindo o segredo da sua invencibilidade, conseguiu derrot-lo, mantendo-o no ar.

Torga, no Dirio XI, afirma que de todos os mitos que conhece o de Anteu o que mais admira, pois sempre que se sente desanimado e sem foras, toca o solo e todas as energias perdidas comeam a correr-lhe nas veias. REGRESSO

Regresso s fragas de onde me roubaram.

Ah! minha serra, minha dura infncia!

Como os rijos carvalhos me acenaram,

Mal eu surgi, cansado, na distncia!

Cantava cada fonte sua porta:

O poeta voltou!

Atrs ia ficando a terra morta

Dos versos que o desterro esfarelou.

Depois o cu abriu-se num sorriso,

E eu deitei-me no colo dos penedos

A contar aventuras e segredos

Aos deuses do meu velho paraso.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

Nascida no Porto, no seio de uma famlia aristocrata de ascendncia dinamarquesa por parte do pai, a sua educao decorreu num ambiente catlico e culturalmente privilegiado que influenciou a sua personalidade e a sua obra.

Tendo frequentado em Lisboa o curso de Filologia Clssica, o seu fascnio pela cultura grega e levou-a a viajar por toda a Grcia e pela regio mediterrnica. Pela sua constante ateno aos problemas do homem e do mundo, criou uma literatura de empenhamento social e poltico, de compromisso com o seu tempo e de denncia da injustia e da opresso.

Aps o seu casamento, fixou-se em Lisboa, dedicando-se poesia e lutando contra o regime ditatorial de Salazar, tendo sido co-fundadora da Comisso Nacional de Socorro aos Presos Polticos.

Temticas da sua Poesia:

O acto potico um acto mgico capaz de projectar, por palavras mgicas, a realidade e a relao ntima com as coisas, com o Universo. O poeta deve ser como um sacerdote que revela o real, permitindo a aliana do homem com o Universo. Sophia canta a natureza, convocando os seus quatro elementos primordiais ar, terra, gua e fogo - para mostrar ao Homem a necessidade de encontrar o seu equilbrio e harmonia. O ser humano quebrou a aliana com a natureza, devendo, por isso, tentar reconstruir o Universo, onde o caos est presente. Muitas vezes recorre ironia para caracterizar um espao onde falta a liberdade, se apagou o sorriso e se esqueceram os valores, denunciando os problemas sociais e polticos, de injustias e desigualdades. Intertextualidade com a Bblia.

A praia, o mar, o jardim e a casa espaos ligados infncia e juventude.

Neste poema, o sujeito no hesita em denunciar a opresso e em acusar os opressores e os hipcritas que sugam o trabalho dos outros e se apresentam, religiosamente, cheios de devoo. Recorrendo a aluses bblicas, o sujeito denuncia a situao dos trabalhadores que secam a roupa no prprio corpo porque no tinham outra e acusa todos aqueles que os exploram. Na primeira quadra, numa expresso irnica, coloca a duplicidade das pessoas que se dizem sensveis por serem incapazes de matar galinhas (ou qualquer ser indefeso), mas sempre prontas para as comer. Na segunda estrofe, a denncia da explorao dos mais pobres e miserveis evidente. O dinheiro cheira a pobre e cheira / roupa do seu corpo. Na 3 estrofe h uma grande expressividade no recurso citao bblica - Ganhars o po com o suor do teu rosto que se ope a Com o suor

dos outros ganhars o po. Numa verdadeira denncia explorao, afirma haver homens que, com o suor dos outros, ganham o p. So esses os verdadeiros vendilhes do templo, que vivem custa dos outros, que tentam iludir, usando a devoo religiosa para disfarar a falta de conscincia moral.

Sophia condena, assim, a hipocrisia, recorrendo imagem dos vendilhes do templo que frequentam a Igreja mas, na vida prtica, constroem grandes esttuas balofas e pesadas e s se interessam pelo seu proveita custa dos desfavorecidos. Estas esttuas so balofas, isto , falsas, imorais e pesadas, pois simbolizam o trabalho rduo e penoso dos trabalhadores que as fabricaram.

O dstico final, iniciado com a apstrofe Perdoai-lhes, Senhor, revela a ironia de todo o poema. Alterando a afirmao de Jesus Cristo Perdoai-lhes, Senhor porque no sabem o que fazem -, acusa as pessoas sensveis (pessoas poderosas que, hipocritamente, frequentam a igreja mas esquecem os seus ideais religiosos, quando se trata de explorar as classes desfavorecidas) de terem conscincia dos seus actosDATA ( maneira de Eustache Deschamps)

Tempo de solido e de incerteza

Tempo de medo e tempo de traio

Tempo de injustia e de vileza

Tempo de negao.

Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo de escravido.

Tempo dos coniventes sem cadastro

Tempo de silncio e de mordaa

Tempo onde o sangue no tem rasto

Tempo de ameaa.

In Livro Sexto, 1962

O poema surge como arma de denncia, num verdadeiro compromisso com o tempo. Esse tempo pode ser encontrado na sugesto do ttulo (Data), que remete para os anos 60 do sculo XX, com Portugal a viver sob o regime salazarista. A epgrafe ( maneira de Eustache Deschamps (poeta francs do sc. XIV que denunciou a falta de patriotismo e a traio dos monarcas) contribui para a acusao feita no poema. Sophia considera tempo dividido o tempo do comportamento humano tempo marcado pelo dio e pela ameaa constante, pela mentira, pela incerteza e pelo Mal- , que se ope ao tempo absoluto da harmonia, da verdade, da pureza, da justia e do Bem. A funo do poeta buscar a justia e a verdade e lutar contra as foras do Mal.

PAISAGEM

Eugnio de Andrade (1923-2005)

Pseudnimo de Jos Fontinhas, Eugnio de Andrade nasceu na Pvoa da Atalaia, no seio de uma famlia de camponeses. A sua infncia foi passada com a me e, em 1932 muda-se para Lisboa onde escreve os seus primeiros poemas.

Prosseguiu os estudos em Coimbra, tendo convivido com Miguel Torga e outros escritores contemporneos. A partir de 1950 fixou residncia no Porto, onde residiu at ao fim da sua vida.

Temticas da sua Poesia:

1. IMPORTNCIA DAS PALAVRAS NA TRANSFIGURAO DA VIDA

Para Eugnio de Andrade, o poeta aquele que, atravs da palavra, celebra o corpo e a terra, sinnimo de vida. Nas palavras h msica, silncio, rumor, luz e sombra. Eugnio de Andrade canta a Terra como origem do Homem, privilegiando a memria da infncia, da figura materna, a fertilidade e a fecundidade.

CANO BREVE

Tudo me prende terra onde me dei:

o rio subitamente adolescente,

a luz tropeando nas esquinas,

as areias onde ardi impaciente.

Tudo me prende do mesmo triste amor

que h em saber que a vida pouco dura,

e nela ponho a esperana ou o calor

de uns dedos com restos de ternura.

Dizem que h outros cus e outras luas

e outros olhos densos de alegria,

mas eu sou destas casas, destas ruas,

deste amor a escorrer melancolia.

URGENTEMENTE

urgente o amor.

urgente um barco no mar.

urgente destruir certas palavras,

dio, solido e crueldade,

Alguns lamentos,

Muitas espadas.Importncia do campo lexical que se refere terra;

As referncias directas so fragas, minha serra, terra morta e colo dos penedos, rijos carvalhos cada fonte.

Modos pelos quais o eu alude sua infncia;

- as fragas de onde me roubaram uma aluso infncia, como o segundo verso confirma (Ah! minha serra, minha dura infncia!)

- o sorriso aberto do cu e o colo dos penedos simbolizam a dimenso maternal da terra

- a referncia dura infncia remete para um aspecto menos agradvel nesta recordao.

Traos que definem esse eu como poeta;

O eu caracterizado como poeta:

- por cada fonteque canta o poeta voltou!

- pela referncia aos versos esfarelados sobre a terra morta, assim definida como aquela que, no sendo a terra natal , pois, o desterro;

Integrao no universo potico de Torga.

A poesia de Torga est ligada ao canto da terra, ao sentimento telrico.

5. Diviso tripartida do poema:

! parte ( versos 1 e 2): evocao do regresso terra natal.

2 parte ( versos 3-9): recepo acolhedora da natureza ao poeta

3 parte (3 ltimos versos): entrega e comunho total do poeta com a natureza.

6. Levantamento dos recursos expressivos.

Apstrofe: Ah! minha serra, minha dura infncia!

Personificao: Como os rijos carvalhos me acenaram

Metfora: Dos versos que o desterro esfarelou

AS PESSOAS SENSVEIS

As pessoas sensveis no so capazes

De matar galinhas

Porm so capazes

De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira

roupa do seu corpo

Aquela roupa

Que depois da chuva secou sobre o corpo

Porque no tinham outra

O dinheiro cheira a pobre e cheira

A roupa

Que depois do suor no foi lavada

Porque no tinham outra

Ganhars o po com o suor do teu rosto

15 Assim nos foi imposto

E no:

Com o suor dos outros ganhars o po

vendilhes do templo

construtores

20 Das grandes esttuas balofas e pesadas

cheios de devoo e de proveito

Perdoai-lhes Senhor

Porque eles sabem o que fazem

Eram os caminhos num ir lento,

Eram as mos profundas do vento,

Era o livre e luminoso chamamento

Da asa dos espaos fugitiva.

Eram os pinheiros onde o cu poisa,

Era o peso e era a cor de cada coisa,

A sua quietude, secretamente viva,

E a sua exaltao afirmativa.

Era a verdade e a fora do mar largo,

Cuja voz, quando se quebra, sobe,

Era o regresso sem fim e a claridade

Das praias onde a direito o vento corre.

Passavam pelo ar aves repentinas,

O cheiro da terra era fundo e amargo,

E ao longe as cavalgadas do mar largo

Sacudiam na areia as suas crinas.

Era o cu azul, o campo verde, a terra escura,

Era a carne das rvores elstica e dura,

Eram as gotas de sangue da resina

E as folhas em que a luz se descombina.

RELAO TTULO/POEMA: Evocao de uma paisagem, num poema que se assume como um hino Natureza. Os elementos da paisagem so as aves, a terra, as cavalgadas do mar largo, a areia, o cu, o campo, as rvores, a resina, a luz, o vento, os pinheirais.

RECURSOS EXPRESSIVOS: Adjectivao dupla e expressiva (Era o livre e luminoso chamamento/ Era o cu azul, o campo verde, a terra escura), enumerao (Era o cu azul, o campo verde, a terra escura), anfora (Era o cu azul, o campo verde, a terra escura, /Era a carne das rvores elstica e dura), personificao (Eram as mos profundas do vento )

1. Importncia do ttulo (carcter festivo canto; brevidade do texto e da vida.

O ttulo aponta para dois caminhos: um indicado pelo nome cano e outro pelo adjectivo breve. O primeiro remete-nos para a ideia de canto, de musicalidade e o segundo aponta para a brevidade, por um lado, do poema e, por outro, para a efemeridade da cano (metfora da vida)

Relao entre o passado e o presente.

- as f O passado, assinalado pelas formas do pretrito perfeito (dei, ardi) representado como um tempo de paixo, de intensidade e de impacincia, sentimentos prprios da adolescncia. A presena do advrbio subitamente refora a rapidez com que tudo passa na juventude. O presente, tempo da conscincia da efemeridade da vida, expresso pelas formas verbais prende, h, dura, ponho, dizem, sou. O sujeito afirma-se, no presente, profundamente ligado terra que foi, no passado, o lugar viveu experincias plenas de amor e das quais, agora, restam apenas, restos de ternura.

3. Levantamento dos recursos expressivos.

Personificao: a luz tropeando nas esquinas

Metfora: deste amor a escorrer melancolia

4. Diviso tripartida do poema:

! parte ( 1 verso ): afirmao da ligao afectiva terra natal.

2 parte ( versos 3-8): explicitao das razes dessa ligao afectiva.

3 parte (3 estrofe): reafirmao da posio inicial do sujeito, por contraposio a outras opinies.

NOTA

A importncia das palavras surge reforada neste poema, uma vez que cabe a certas palavras a responsabilidade de construir a prpria realidade. O tema do poema o apelo urgente construo do a________, luz da poca em que foi publicado (1956), em pleno regime salazarista, marcado pela necessidade de um futuro de liberdade e democracia.

urgente inventar a alegria

Multiplicar os beijos, as searas,

urgente descobrir rosas e rios

E manhs claras.

Cai o silncio nos ombros e a luz

Impura, at doer.

urgente o amor, urgente

Permanecer