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7/22/2019 Costa, Vc. a Incoerncia Em Machado
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AJESINSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAO DO VALE DO JURUENAISECURSO DE LICENCIATURA PLENA EM LETRAS PORTUGUS - INGLS E
RESPECTIVAS LITERATURAS
A INCOERNCIA HUMANA NOS CONTOS REALISTAS DE MACHADO
DE ASSIS
Vanessa Coimbra da Costa
Dra. Rosangela M. Mantolvani(orientadora)
JUNA/2011
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AJESINSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAO DO VALE DO JURUENAISECURSO DE LICENCIATURA PLENA EM LETRASPORTUGUS/INGLS E
RESPECTIVAS LITERATURAS
A INCOERNCIA HUMANA NOS CONTOS REALISTAS DE MACHADO
DE ASSIS
Aluna: Vanessa Coimbra da Costa
Orientadora: Prof Dr Rosangela Manhas Mantolvani
Trabalho de Concluso de Curso apresentado aoPrograma de Graduao em Letras HabilitaesPortugus/Ingls e Respectivas Literaturas, doInstituto Superior de Educao da AJES, comorequisito parcial para a obteno do ttulo deLicenciatura Plena em Letras.
JUNA/2011
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INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAO DO VALE DO JURUENAISE
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Dr. Cludio Silveira Maia
___________________________________________
Suzana Oliveira Martins
___________________________________________
Dra. Rosangela M. Mantolvani
(orientadora)
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Dedico este trabalho ao Deus que me deu
Foras p ara segu ir em fren te e a m inh a me Nuzeli.
po r tod o o esfo ro, par a que eu chegas se ataqu i.
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AGRADECIMENTO
Prof. Dra. Rosangela M. Mantolvani, minha orientadora, que norteou os meus
passos na realizao deste trabalho e reforou o conceito de como deve agir um verdadeiro
pesquisador.
Ao Prof. doutorando Rafael Elsinger Guimares, verdadeiro mestre que mostrou para
mim o outro lado da literatura.
Ao Prof. Dr. Cludio Silveira Maia, coordenador do curso de Letras nessa instituio,
que nos abriu vrias portas rumo ao conhecimento.
Prof. doutoranda Patrcia Duarte de Brito, que me ensinou o verdadeiro significado
e conceito das palavras Professor e Educao.
Aos Professores Dr. Francisco Curbelo Bermudes, Ms. Solange Raquel Weber, Ms.
Djalma Gonalves Ramires, Ms. Cezar Afonso Borges e prof. Adilson Wagner de Oliveira, que
me ensinaram a importncia de um professor de Lnguas e Literaturas.
minha amiga Rodis, pelo carinho e pacincia, por todos os momentos que esteve
comigo no decorrer destes trs anos.
minha amiga Jeciane, por todas as conversas, por todo o apoio no decorrer deste
perodo.
s minhas amigas, Rafaela, Marcela, Sorraily, Grasiela, Elaine e Cris, por todo o
carinho que me deram e me do.
Aos meus irmos, Raquel e Micael, a minha av Jovita, ao Raimundo (Nego) e a toda
a minha famlia que me incentivaram para chegar at aqui.
Aos meus professores do Ensino Fundamental (Escola 21 de Abril) e Ensino Mdio
(Escola Dr. Artur Antunes Maciel), pois eu no estaria aqui, se no fossem vocs.
equipe da Associao Pestalozzi de Juna, que me ajudaram no Ensino Mdio.
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No co nt ext o h um ano , no h
co ernc ia s em in terr upo; nen hum
sis tema completo .
Paul Dixon
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RESUMO
Este trabalho tem por principal objetivo, analisar os contos realistas de Machado de
Assis e identificar as caractersticas humanas presentes nos mesmos. No entanto, no
se busca caractersticas normais do cotidiano e sim incoerncias/contradies do
homem em suas aes e reaes, ou seja, como as personagens de Machado so
parecidas com o homem de carne e osso em suas atitudes. Para essa anlise sero
abordados os contos O Alienista e A Igreja do Diabo. Em O Alienista, o principal
personagem o Dr. Bacamarte que, por meio dos preceitos da cincia positivista,
acredita que o ser humano deve ser perfeito, no possuindo nenhum desvio deconduta, acabando por encontrar em si o perfeito equilbrio mental que no viu nas
demais pessoas; enfim, tinha a percepo de si mesmo como um ser humano perfeito,
correto e inaltervel. J em A Igreja do Diabo, alm de possuir as incoerentes figuras
humanas, apresenta tambm tais caractersticas nas imagens de Deus e do Diabo, que
apesar de serem seres superiores aos homens, so cativos de suas prprias
condies mticas, eternizando a contradio.
Palavras-Chave: Ser humano, Incoerncia, Machado de Assis e Contos
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ABSTRACT
This work has as main objective to analyze the realistic short stories by Machado de Assis and
identify the human characteristics present in them. However not search features "normal"
everyday but inconsistencies/ contradictions of man in his actions and reactions, that is, as
Machado's characters are similar to the man of flesh and blood in their attitudes. For this
analysis had used the short stories O Alienista (The Alienist)andA Igreja do Diabo(The Church
of Satan). In O Alienista the main character is Dr. Bacamarte that through the precepts of
positivist science believes that human beings must be perfect, I have no bypasses of conduct,
and ultimately find itself the perfect balance of mind that has not seen in others finally in brief tohim was a perfect human being, right and unalterable. In A Igreja do Diabo, besides having the
inconsistent human figures, also has such features in the images of God and the Devil, who
despite being beings "superior" to men, are captives of their own mythical conditions,
perpetuating the contradiction.
Keywords: Human, Inconsistency, Machado de Assis and short stories
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SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................. 9
O CONTEXTO E O CONCEITO DE REALISMO ............................................. 12
UM ESCRITOR ENTRE OS MAIS CRIATIVOS DO MUNDO .......................... 22
A CONTRADIO E A VISO CIENTIFICA EM BACAMARTE ................26
AS FIGURAS DO BEM E DO MAL, E A ETERNA CONTRADIO
HUMANA ........................................................................................................34
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................. 40
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................ 41
SITES CONSULTADOS......................................................................................42
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INTRODUO
Este trabalho tem como meta investigar as contradies humanas na literatura,em especial nos contos realistas A Igreja do Diabo e O Alienista, de Machado de
Assis. Atravs deste trabalho, poderemos perceber como conhecer o ser humano, ou
melhor, nos mesmos por intermdio da literatura. Alem de que o mesmo ter
embasamento da psicanlise, a fim de reforar as criticas literrias.
A escolha deste tema surgiu, pois de fundamental importncia conhecer o que
o homem pensa de si mesmo. Para que esse objetivo seja alcanado por meio da
literatura, no estudo da escola literria realista, buscando destacar nas obras a
realidade humana e as entidades sociais.
A incoerncia uma das caractersticas principais do ser humano, porm pode
ser considerado seu maior problema, pois essa contradio pode causar transtorno
para si prprio e a seus semelhantes atravs do relacionamento. Algumas das questes
que so colocadas em relao a este assunto o porqu o ser humano criado a
semelhana de Deus apresenta constantes instabilidades emocionais em especial
contra o seu prximo, devido a falta de equilbrio e conhecimento do seu eu.
Para muitos, a literatura no passa de simples diverso no possuindo nenhumvalor para a vida profissional e pessoal, no entanto, deve-se lembrar que assim como a
filosofia a literatura uma grandiosa fonte de conhecimento e aprendizado.
Pretende-se, ao longo dessa pesquisa, investigar as contradies em relao
as suas ideologias e crenas ou a insatisfao humana em relao vida, mesmo que
ela j esteja boa ele sempre quer mais. Esta investigao ser feita no mbito literrio.
O presente trabalho ser realizado mediante pesquisa bibliogrfica e leitura
interpretativa com enfoque no perodo realista no meado do sculo XIX, no seu
contexto histrico e tambm analisar as obra terica e como o ser humano visto em
tais obras, por fim comparar os aspectos observados nos contos as atitudes do homem
do passado e da atualidade.
Para conseguir alcanar os objetivos propostos neste projeto, sero utilizados
como principais aportes tericos os crticos literrios Afrnio Coutinho, o qual nos
apresenta a histria da literatura brasileira e sua viso crtica sobre os principais
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escritores que compem o cnone de nossa literatura; Alfredo Bosi, que tambm nos
revela facetas importantes do realismo brasileiro, tecendo idias sobre o panorama
social em que se desenvolveu este realismo, alm de uma abordagem diferenciada
sobre alguns aspectos especficos do realismo em nossa sociedade.
Alm destes dois grandes crticos literrios, usamos Luiz Alberto Freitas, que
trabalhou com o realismo, as obras de Machado e sua relao com a psicanlise
freudiana, de maneira que as personagens do grande mestre realista foram analisadas
sob uma tica que apreende a personagem como representao de certo tipo de ser
humano.
Para iniciar os estudos sobre o escritor Machado de Assis, procuramos nos ater
aos indicativos da obra de Barreto Filho, que nos promete uma iniciao sobre as ideias
dos escritos do autor e nos insere na abordagem de importantes facetas dos trabalhos,
quando analisa sobre os romances. Embora comente rapidamente o trabalho de
Machado nos contos mais conhecidos, foi capaz de nos dizer o quanto so importantes
no cnone da literatura brasileira e como so capazes de retratar a sociedade burguesa
da poca, em seus interesses e ganncias, sua mesquinhez e contradies.
A crtica mais esmiuada, certamente por enfatizar o vis analtico, encontra-se
em Antonio Candido, nome deveras relevante nos estudos de literatura brasileira, o qual
avalia as produes de Machado e delimita alguns traos fundamentais para que se
compreenda as relaes sociais que se revelam nas construes estticas do escritor
realista.
A principal meta deste projeto foi a de salientar a importncia da literatura na
formao dos indivduos, pois atravs da mesma pode-se construir ou ajudar na
formao do carter humano. Os vrios gneros literrios, em especial os contos,
passaram a mostrar, com o decorrer do tempo, um ser humano sem idealizaes,
dando mais efeitos s suas estrias, porm tem-se na figura enigmtica de Machado de
Assis o exemplo mais perfeito de contista realista , tratando-se da alma ou das aes
humanas.
E, como no poderia deixar de ser, o vis da contradio, da incoerncia, uma
caracterstica to humana, vista como uma falha de carter por alguns e como uma
virtude por outros, em Machado ela se apresenta em alguns trabalhos como uma
constante. Vista sob o vis satrico, nem sempre fica evidente a insero dessa
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faculdade humana com o sentido de crtica e censura ou como evidncia de que todo
homem est sujeito a falhas.
Este trabalho constitudo por dois captulos, sendo o primeiro uma sntese do
que foi o Realismo no sculo XIX em nossa sociedade e tambm nas demais
comunidades exteriores, ou seja, procura mostrar as definies de realismo e o que
esta escola artstica possui de diferente dos demais movimentos. Alem disto, traz
tambm a histria de Machado de Assis, no somente em termos pessoais, mas
principalmente em termos profissionais que possam enfatizar suas caractersticas
literrias.
No segundo capitulo, encontra-se o principal objetivo deste enunciado que a
demonstrao das qualidades e defeitos humanos retratados nos contos de Machado e
que esto presentes em nossos dia-a-dia. Para que fosse possvel explanar os dois
contos machadianos este capitulo foi dividido em dois sub captulos, o primeiro deles
tratando do conto O Alienista, que se embasa nas duvidas causadas pelas contradies
entre religio e a cincia. E o segundo tratando das contradies humanas no conto A
Igreja do Diabo.
Atualmente, o ser humano busca cada vez mais se tornar melhor ou ter mais
poder aquisitivo no somente na vida pessoal como profissional, deixando de se
preocupar com seus semelhantes, no entanto sabe se que desde o principio o homem
individualista e que suas incoerncias so normais ou seja fazem parte do verdadeiro
significado da palavra Homem.
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O CONTEXTO E O CONCEITO DE REALISMO
O conceito de realismo no guardara entre os seus significados um que o
remetesse arte e, portanto, no se definia como uma posio esttica. Mas,
em determinado perodo da histria da literatura, especificamente na metade do sculo
XIX, na Europa, surge com um sentido amplificado, de maneira que o conceito de
realismo passa a representar uma forma esttica, cuja expresso artstica busca
aproximar-se o mais nitidamente e intimamente possvel de certa realidade,
retratada nas artes em geral, geralmente, a partir de uma perspectiva que admitia a
viso (ou o olhar) das classes subalternas ou da baixa burguesia, em oposio ao olhar
romntico da primeira e da segunda geraes de artistas, as quais o realismo e sua
esttica, despido de idealismos, procura contestar e superar. Como nos diz Afrnio
Coutinho:
A palavra realista deriva de real, oriundo do adjetivo do baixo latim realis, reale,
por sua vez derivado de res, coisa ou fato. Real+ismo (sufixo denotativo departido, seita, crena, gnero, escola, profisso, vcio, estado, condio,molstia, poro) palavra que indica a preferncia pelos fatos e a tendncia aencarar as coisas tais como na realidade so. Em literatura, Realismo opem-se habitualmente a idealismo (e a Romantismo) em virtude da sua opo pelarealidade tal como e no como deve ser. [...] (COUTINHO, 2002, p. 9)
Esta a definio da tendncia realista que, em meados do sculo XIX,
transformada em escola literria, ou seja, o Realismo como literatura pode ser
determinado como a arte de expressar o real. Apesar de suas caractersticas estarem
presentes ao longo da histria da literatura clssica, com pequenas e simplrias
abordagens de temas sociais, e nos documentos histricos, como os pergaminhos e a
prpria Bblia, no Brasil, somente no momento em que circulam as criaes literrias
da terceira gerao do Romantismo, principalmente nas poesias de Castro Alves, que
elas se intensificam. Coutinho acrescenta, sobre os elementos do realismo:
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[...] antes de se concretizarem numa poca histrica, eles eram categoriasestticas ou temperamentos artsticos, tendncias gerais da alma humana emdiversos tempos, como Classicismo e Romantismo, surgindo o Realismosempre que se d a unio do esprito vida, pela objetiva pintura da realidade.
Dessa forma, h Realismo na Bblia e em Homero, na tragdia e comdiaclssicas, em Chaucer, Rabelais e Cervantes, antes de aparecer em Balzac,Stendhal e Dostoievski. [...] (COUTINHO, 2002, p. 4)
Esta tendncia esttica em que se procura representar a realidade, surge entre
1850 e 1900 nas artes europias, em especial na pintura francesa, desenvolvendo-se
ao lado da crescente industrializao das sociedades, seguindo o fluxo da Revoluo
Industrial que colocara a burguesia no poder.
O homem do antigo continente havia aprendido a utilizar o conhecimentocientfico e a tcnica para interpretar e dominar os fenmenos naturais e convenceu-se
de que precisava ser realista, at mesmo em suas criaes artsticas, deixando de lado
o subjetivismo humano. Esta nova escola artstica no foi apenas uma doutrina comum
e superficial. Para Amora, o Realismo pode ser definido como:
[...] Tanto quanto o Classicismo e o Romantismo foi uma revoluo cultural deamplo e profundo sentido. Em oposio ao passado imediato, e de certo modo
em oposio a todo o passado, o Realismo definiu-se, antes de mais nada, poruma nova atitude do homem perante a realidade fsica e psicolgica, e,consequentemente, por uma nova concepo dessa realidade. [...] (AMORA,1973, p. 123)
Neste mesmo perodo, desponta outra tendncia denominada Naturalismo,
considerada a radicalizao do Realismo, pois os romances naturalistas apresentavam
uma abordagem aberta em relao ao sexo e uma linguagem falada, resultando em um
dilogo vivo e assombrosamente verdadeiro, considerado na poca chocante de to
inovador.
Os naturalistas acreditavam que o indivduo um simples produto da
hereditariedade e o seu comportamento decorrente do meio social em que vive,
sendo por ele influenciado a ponto de no resistir aos apelos inconscientes da libido.
Em ambas as tendncias, buscava-se descobrir o ser humano atravs dos
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personagens, observando que esta busca era feita segundo os preceitos de cada
doutrina.
Amora acrescenta que: [...] o drama da existncia das personagens dos
romances e dos contos realistas e naturalistas , em princpio, ou em sntese, o drama
da vontade em luta com as foras cegas do determinismo biolgico, social e csmico.
[...] (AMORA, 1973, p. 137) Em geral, as principais caractersticas do realismo so o
cientificismo, a valorizao do objeto, o sbrio, o minucioso e a expresso da realidade
e dos aspectos descritivos. Proena Filho, ao discorrer sobre a principal caracterstica
desta escola enfatiza que h nela:
A preocupao com uma verdade no apenas verossmil, mas exata. A verdade procurada atravs da observao e na anlise da Realidade, no que esta temde perene e universal. No a realidade idealizada atravs da Razo, ouimaginada atravs dos sentimentos, mas a realidade materialmente verdadeira.(PROENA FILHO, 1969, p. 208).
Este movimento artstico/literrio realista que desponta em meados do sculo
XIX, como resistncia demasiada idealizao presentes nos movimentos artsticos
que o antecederam, especialmente o Romantismo, este tinha como caractersticas
gerais o nacionalismo, o estoicismo, o individualismo, o egocentrismo, o pessimismo e o
escapismo. contra todos esses ismos que a escola realista vai se debater em suas
composies, na tentativa de instalar uma representao da arte que reflita, na medida
do possvel, a realidade social imediata. Ea de Queirs, arauto do Realismo portugus,
faz a seguinte distino entre o Romantismo e o Realismo:
O Romantismo era a apoteose do sentimento; o Realismo a anatomia docarter. a crtica do homem. a arte que nos pinta a nossos prprios olhos
para nos conhecermos, para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos,para condenar o que houver de mau na nossa sociedade. (QUEIRS apudPROENA FILHO, 1969, p. 207).
No perodo denominado realista/naturalista, a sociedade mundial e, em
especial, a brasileira estavam passando por inmeras mudanas sociais e econmicas.
Entre esses fatos, est a falta de condies para o Brasil manter-se vivel
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economicamente, pois, logo aps tornar-se independente de Portugal, em 1822,
contava apenas com as exportaes do setor agrcola.
Em temos de produo agrria, pode-se destacar a queda da produo
aucareira e o fortalecimento da economia cafeeira. Porm, o fato mais relevante a
luta a favor da abolio da escravatura e a troca, posteriormente, da mo-de-obra
trabalhadora escrava pela assalariada. Todos esses fatores sociais comeavam a
chamar a ateno da classe artstica nacional, particularmente dos escritores, em
especial, no ano de 1860, o final da era romntica.
A dcada de 60 do sculo XIX considerada de suma relevncia, e vista
como um perodo de preparao para a ruptura com o regime escravocrata e a queda
das instituies polticas que o sustentavam.
No Brasil, essa crise se relacionava substituio da monarquia e do poder
dos latifundirios, via substituio de mo-de-obra escrava por livre. A mais importante
dessas crticas j se encontrava nas pginas de um esprito realista e democrtico.
Alfredo Bosi faz a seguinte pontuao em relao a este desenvolvimento no espao da
literatura:
No plano da inveno ficcional e potica, o primeiro reflexo sensvel a descidade tom no modo de o escritor relacionar-se com a matria de sua obra. O liameque se estabelecia entre o autor romntico e o mundo estava afetado por umasrie de mitos idealizantes: a natureza-me, a natureza-refgio, o amor-fatalidade, a mulher-diva, o heri-prometeu, sem falar na aura que cingia algunsdolos como a Nao, a Ptria, a Tradio, etc. O romntico no teme asdemasias do sentimento nem os riscos da nfase patritica; nem falseia depropsito a realidade, como anacronicamente se poderia hoje inferir: a suaforma mental que est saturada de projees e identificaes violentas,resultando-lhe natural a mitizao dos temas que escolhe. Ora, essecomplexo ideo-afetivo que vai cedendo a um processo de crtica na literaturadita realista. H um esforo, por parte do escritor anti-romntico, de acercar-seimpessoalmente dos objetos, das pessoas. E uma sede de objetividade queresponde aos mtodos cientficos cada vez mais exatos nas ltimas dcadas dosculo. (BOSI, 2004, p. 167)
O realismo francs marcado na literatura ocidental pela publicao do
romance Madame Bovary, publicado em 1857, de Gustave Flaubert (1821-1880). Alm
do francs, destacam-se nomes importantes como do russo Fidor Dostoivski (1821-
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1881), cuja obra-prima Os Irmos Karamzov, de 1879, e o ingls Charles Dickens
(1812-1870), autor de Oliver Twist1, publicado entre os anos de 1837 e 1839.
Na literatura brasileira, a obra considerada fundadora deste movimento artstico
o romance Memrias Pstumas de Brs Cubas, de Machado de Assis, publicado em
1881, mesmo ano da publicao da obra O Mulato, de Alusio Azevedo, primeiro
romance naturalista brasileiro. Pereira salienta que:
No momento, impressionou muito mais a novidade do Mulato, sob muitosaspectos ainda to preso s deformaes romnticas do que a do BrsCubas, muito mais completa e audaciosa. [...] Toda a gente se deslumbrououse escandalizoucom O Mulato, sem perceber que o esprito de inovao e derebeldia estava mais nas Memrias Pstumas de Brs Cubas. Aqui,
ousadamente, varriam-se de um golpe o sentimentalismo, o moralismosuperficial, a fictcia unidade da pessoa humana, as frases piegas, o receio dechocar preconceitos, a concepo do predomnio do amor sobre todas asoutras paixes; afirmava-se a possibilidade de construir um grande livro semreconhecer a natureza, [...] colocava-se um autor pela primeira vez dentro daspersonagens; surgiam afinal homens e mulheres, e no brasileiros, ou gachos,ou nortistas, e last but not least- patenteava-se a influncia inglesa em lugarda francesa, introduzia-se entre ns o humanismo. (PEREIRA, 1973, p. 53)
Com as duas publicaes, O Mulato, de Aluzio, e Memrias Pstumas de Brs
Cubas, de Machado, a literatura nacional ganhou novas perspectivas, pois os dois
movimentos, Realismo e Naturalismo, coexistiram sem misturar suas ideologias e,
sobretudo, sem conflitos, sendo que a escola chefiada, como se refere Pereira, por
Aluzio recebeu um grande nmero de adeptos e em compensao o realismo
machadiano no chamou a ateno do pblico e dos demais escritores, constituindo-se
basicamente de dois nomes de peso: Jos Maria Machado de Assis e o escritor Raul
Pompia.
Nascido em 12 de abril de 1863, no Rio de Janeiro, na cidade de Angra dos
Reis, o escritor Raul Pompia publicou seu primeiro livro ainda muito jovem. Leitor
assduo, mais tarde ingressou no curso de Direito, colaborou com jornais e revistas. O
escritor exerceu, ao longo de sua vida, as carreiras de professor, poltico, jornalista,
escritor e de certa maneira de polemista, alem de ter sido abolicionista e republicano,
1 Machado de Assis traduziu este livro no ano de 1870.
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tendo uma vida agitada e cercada de polmicas, inimizades e crises depressivas.
Bastante sensvel, suicidou-se no Natal de 1895, na cidade do Rio de Janeiro,
abandonado pelos amigos, caluniado e humilhado na imprensa. Suas obras no podem
ser enquadradas em um nico estilo, pois sofreram influncias das tendnciasnaturalistas, realistas, expressionistas e impressionistas. Sua principal obra O Ateneu,
publicado em 1888, possui algum carter autobiogrfico.
A principal distino a ser feita entre os escritores desta escola e das
demais a objetividade, citada por Proena Filho, para quem o escritor realista encara
a vida com objetividade, sem intrometer-se na caracterizao dos tipos que cria ou
recria, no sentido de que ele no confunde seus prprios sentimentos com os de seus
personagens. (PROENA FILHO, 1969, p 209).
Machado de Assis, ou melhor, Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na
cidade do Rio de Janeiro, no Morro do Livramento, em 21 de junho de 1839; e nela
viveu por sessenta e nove anos e alguns meses, eternizando-se no somente nela,
mas em todo o pas, pela qualidade de seus escritos.
Filho do operrio Francisco Jos de Assis, e de D. Maria Leopoldina Machado
de Assis, perdeu a irm e a me ainda muito cedo. rfo, o menino foi criado pela
madrasta Maria Ins, tambm mulata, assim, como ele e seu pai. Maria Ins se dedica
a Machado de Assis, matriculando-o na escola pblica, nica que frequentar ao longo
de sua vida. Alm do pouco tempo que frequentou a escola, teve aulas de francs e
latim com o padre Silveira Sarmento. Foi, porm, como autodidata que construiu sua
vasta cultura literria, a qual abrangia autores menos consagrados como Sterne.
Depois da morte do pai, aos exatos quatorze anos, foi ajudar a madrasta a
vender doces para sustentar a casa. Nesta poca, mesmo no tendo frequentado a
escola regularmente, interessava-se pela vida intelectual da Corte, tendo trabalhado
como caixeiro de livraria, tipgrafo e revisor, antes de iniciar sua carreira como jornalista
e cronista.
No dia 12 de janeiro de 1855, a Marmota Fluminense publicou seu primeiro
poema "Ela". O rapaz de sade frgil, epiltico, gago e mestio despertou-se para o
mundo das artes e da comunicao.
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Aos dezesseis anos consegue emprego como aprendiz de tipgrafo na
Imprensa Nacional. Neste jornal, conquistou a proteo de algumas pessoas influentes
como a do diretor Manuel Antnio de Almeida, j conhecido romancista e autor de
Memrias de um sargento de milcias, publicado em 1852-53 em forma de folhetins e,em 1854, como livro, que se torna seu protetor.
Aos dezoitos anos, Machado retorna Livraria Paula Brito e trabalha como
revisor e colaborador da Marmota2 integrando a sociedade ltero-humorstica
Petalgica, fundada por Paulo Brito, ento dono da livraria. Neste perodo, conquista as
amizades de Jos de Alencar, Gonalves Dias e Joaquim Manoel de Macedo.
Em 1859, torna-se revisor e colaborador no Correio Mercantil3e um ano mais
tarde convidado por Quintino Bocaiva para compor a redao do Dirio do Rio de
Janeiro. Escrevia, ainda, para outros segmentos, como a revista O Espelho, onde
estreou e atuou como crtico teatral. Seu primeiro livro foi impresso em 1861, intitulado
de Queda que as mulheres tm para os tolos4, onde aparece somente como tradutor.
No ano de 1862, exercia a funo de censor teatral, cargo este que no lhe rendia
qualquer remunerao, que lhe possibilitou o acesso livre e gratuito aos espetculos
teatrais. Neste perodo, passa a colaborar em O Futuro, rgo sob a direo de seu
amigo Faustino Xavier de Novais.
Em 1864 publica seu primeiro livro de poesias, com o ttulo de Crislidas e,
trs anos mais tarde, nomeado ajudante do diretor de publicao do Dirio Oficial.
Em agosto de 69, morre seu amigo Faustino Xavier de Novais, sendo que em
menos de trs meses, no dia 12 de novembro de 1869, casa-se com a irm do amigo
falecido. A noiva Carolina Augusta Xavier de Novais, com quem foi capaz de manter
uma unio feliz, sem filhos, at o ano desua morte, em 1904. Ao seu grande amor,
Machado de Assis dedicou o soneto Carolina.
2 O Marmotacirculou de maneira sistemtica de 1849 at 1861, com alguns nmeros espaos at1864.
3 O Correio Mercantil foi fundado em 1848, sendo absorvido melancolicamente por seu
concorrente O Dirio do Rio de Janeiroem dezembro de 1868.4 Esta obra foi publicada originalmente pelo francs Victor Hnaux.
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Na dcada de 1870, publica as obras Falenas e Contos fluminenses e seu
primeiro romance Ressurreio e Histrias da meia-noite (contos) e "Notcia da atual
literatura brasileira: instinto de nacionalidade" (ensaio crtico).
Foi nomeado primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministrio da
Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas e anos mais tarde seria nomeado oficial de
gabinete e, posteriormente, diretor da Diretoria do Comrcio no Ministrio do mesmo
rgo. Escreve, para O Globo, em folhetins o romanceA mo e a luva (1874). Alm de
publicar crnicas, contos, poesias e romances para as revistas O Cruzeiro,A Estaoe
Revista Brasileira.
No ano de1880 encenado no Imperial Teatro Dom Pedro II sua primeira pea
teatral a comdia Tu, S Tu, Puro Amor, escrita especialmente para a comemorao do
tricentenrio de Cames, em festividades programadas pelo Real Gabinete Portugus
de Literatura.
A ampla rede de relaes e amizades conquistada por Machado rendeu-lhe a
oportunidade de participar de um novo e grande projeto no meio literrio a criao da
Academia Brasileira de Letras entre os anos de 1896 e 1897, alm da participao
neste projeto, consagrou-se como seu primeiro presidente, permanecendo no cargo at
sua morte, em 29 de Setembro de 1908. Por sua importncia, a Academia Brasileira de
Letras passou a ser chamada de Casa de Machado de Assis.
Publica, no ano de 1881, um livro extremamente original e pouco convencional
para o estilo da poca: Memrias Pstumas de Brs Cubas,considerado o marco inicial
do realismo na literatura brasileira. Essa obra de arte de nossa literatura classificada
como revoluo ideolgica, por apresentar caractersticas muito inovadoras, marcando
rupturas na forma de narrar e na figura do narrador, de tal maneira que inaugura um
novo estilo. Foi avaliada por inmeros crticos, inclusive por Alfredo Bosi, que afirma:
A revoluo dessa obra [Memrias pstumas de Brs Cubas], que parece cavarum fosso entre dois mundos, foi uma revoluo ideolgica e formal:aprofundado o desprezo s idealizaes romnticas e ferindo no cerne o mitodo narrador onisciente, que tudo v e tudo julga, deixou emergir a conscincianua do indivduo, fraco e incoerente. (BOSI, 2004, p. 177)
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Este romance foi publicado primeiramente em folhetim, entre o ms de maro a
dezembro do ano de 1880, na Revista Brasileira e no ano seguinte foi lanado em livro
pela ento Tipografia Nacional. A mesma considerada revolucionria para a poca,
pois seu principal personagem um defunto, ou seja, o personagem que conta a
estria de sua vida j morreu, alm do que, ele comea a contar esta estria do fim
para o comeo, sendo denominado de defunto-autor. Este narrador da grande obra
machadiana aborda temas como a escravido, o cientificismo e o positivismo, e traz o
ser humano como um ser imperfeito, no idealizado.
No mesmo perodo, Machado continua produzindo, at 1897, quando publica
pela Gazeta de Notciasaquelas que foram consideradas suas melhores crnicas. Nos
anos subsequentes, escreve e publica outras obras, entre elas Papis Avulsos e
Histrias sem data.
Sua obra divide-se em duas fases: uma romntica e outra realista, quando
desenvolveu inconfundvel estilo desiludido, sarcstico e amargo. O domnio da
linguagem sutil e o estilo preciso, reticente. O humor pessimista e a complexidade
do pensamento, alm da desconfiana na razo, aspectos estes que fazia com que se
afastasse de seus contemporneos.
Escreveu ao longo de sua vida cerca de nove romances e peas teatrais, cinco
coletneas de sonetos e poemas, alem de duzentos contos e mais de seiscentas
crnicas. Entre as publicaes que podem ser citadas como algumas de suas obras
mais importantes, destacam-se os romances, Helena (1876), alm de outros romances
tambm deste perodo romntico.
Seu perodo de escritos realistas envolve obras de arte como Memrias
Pstumas de Brs Cubas, Memorial de Aires e Dom Casmurro (perodo realista), as
coletneas Falenas e Americanas, as peas No Consultes Mdico e o Caminho da
Porta, entre os contos e crnicas se encontram A Missa do Galo, A Cartomante, Ao
acasoe Bons dias. Muitos de seus contos tambm so considerados trabalhos de alto
valor literrio.
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Machado de Assis soube em suas obras, por meio do humorismo realar as
caractersticas dos personagens, torn-las mais chamativas, em contraposio os
homens de seu tempo lhe mostravam feies ridculas ou desagradveis, alm do qu
soube evidenciar ou distinguir os aspectos de cada gnero em favor de suas estrias.Pereira ressalta em relao a este humor machadiano o seguinte:
[...] Humorista , afinal, quem corrige uns pelos outros os excessos da simpatiae da crtica, quem distingue no drama os aspectos da comedia e na comdia osaspectos dramticos, quem compreende os contrates da vida e das criaturas;correo, distino e compreenso que geram forosamente o equilbrio entreas faculdades emocionais e as intelectuais. [...] (PEREIRA, 1973, p. 97)
Este , sem dvida, um dos maiores nomes de nossa literatura, em
contraposio a quem o defina como um antinacionalista, porque no exaltava em suas
histrias a beleza de nossa fauna e de nossa flora, ou seja, no integrava aos seus
escritos o ufanismo caracterstico do movimento romntico, assim como os costumes
regionais do Brasil, como nos cita Pereira, que contrape sua opinio crtica a outras
anlises:
Tem-se acusado Machado de Assis de ser pouco brasileiro. Acusao gratuita esuperficial, j que a sua obra quer pela lngua, quer pelo ambiente, quer pelandole das personagens, reflete sem copiar servilmente o meio social doImprio e dos primeiros anos da Repblica. Mas acusao que, a ser feita deboa-f, se origina talvez num engano explicvel: se enquadra perfeitamente emsua terra, o romancista destoa da paisagem literria. Dentro dodesenvolvimento da fico que difcil situ-lo. (PEREIRA, 1973, p. 59-61)
Sua importncia reconhecida por renomados crticos literrios, como Alfredo
Bosi, que assinala que o ponto mais alto e mais equilibrado da prosa realista brasileira
acha-se na fico de Machado de Assis (BOSI, 2003, p. 174). Barreto Filho, possuidorda mesma opinio de Bosi, acrescenta ainda que:
A sua importncia, na vida intelectual brasileira, no encontra paralelo, pelaqualidade e abundncia da obra e pelo carter inconfundvel do escritor, queatravessou inclume todos os movimentos e escolas, constituindo um mundo parte, um estilo composto de tcnicas precisas e eficazes, e uma galeria detipos absolutamente realizados e convincentes. (BARRETO FILHO, 2002, p.152)
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Machado de Assis foi considerado o melhor escritor negro da literatura ocidental
e um dos cem maiores gnios da literatura mundial pelo crtico estadunidense Harold
Bloom ao lado de clssicos como Dante, Shakespeare e Cervantes. Alm disto, sua
obra vem sendo estudada por renomados crticos de diferentes pases do mundo, entre
eles, Albert Dessau (Alemanha), Paul Dixon (Estados Unidos da Amrica).
Este artista das palavras foi, sem dvidas, uma exceo no cenrio nacional do
sculo XIX, entretanto devemos lembrar que, ao longo de sua vida, diferentemente de
seus contemporneos, buscou cercar-se de boas influencias do meio literrio mundial,
no ocultando e sim citando os nomes ou frases, trechos das obras de seus escritores
prediletos, como Shakespeare, Swift, Victor Hurgo, Garrett entre outros. Esses literatos
proporcionaram grande contribuio em sua evoluo, porm as influncias que sofreu
no diminuram o seu valor, pois somente so fecundados por aquilo que os leitores
aqueles que tm um intelecto preparado para as receberem tais influncias. Verssimo
acrescenta que:
Efetivamente ningum jamais nesta [terra] contou com to leve graa, to finoesprito, tamanha naturalidade, to frtil e graciosa imaginao, psicologia to
arguta, maneira to interessante e expresso to cabal, historietas, casos,anedotas de pura fantasia ou de perfeita verossimilhana, tudo recoberto erealado de emoo muito particular, que varia entre amarga e prazenteira, masinfalivelmente discreta. Histrias de amor, estados dalma, rasgos de costumes,tipos, fices da histria ou da vida, casos de conscincia, caracteres, gente ehbitos de toda a casta, feies do nosso viver, nossos mais ntimossentimentos e mais peculiares idiossincrasias, acha-se tudo superior eexcelentemente representado, por um milagre de transposio artstica, nosseus contos. E sem vestgio de esforo, naturalmente, num estilo maravilhosode vernaculidade, de preciso, de elegncia. (VERSSIMO, 2011, p. 187)
Apesar do tempo, as obras machadianas so lembradas, chocando ousurpreendendo ainda leitores iniciantes em seu universo, alm de que seus romances e
contos, principalmente, tm sido adaptados para a televiso e cinema, peas teatrais e
histrias em quadrinhos, influenciando, ainda, o meio musical. Sem dvida, Machado
ficou para a histria do meio artstico/literrio nacional, por suas obras revolucionrias e
diferentes, apesar de vir de uma famlia pobre e negra e ter chegado ao alto nvel
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intelectual em que se encontrava, quando veio a falecer. Seus romances e contos
especialmente esto inseridos nos vrios meios sociais brasileiros e internacionais.
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UM ESCRITOR ENTRE OS MAIS CRIATIVOS DO MUNDO
Machado de Assis, em sua fase realista, descobre sua verdadeira vocao:
analisar o ser humano, descrevendo por meio da arte suas dvidas, sua insuficincia
existencial, sua constante luta interior e em especial suas contradies. Estas lutas
internas so representadas em suas obras, incluindo seus contos com tom irnico,
sarcstico, amargo, desiludido e um humor pessimista. Sua escrita apresenta uma
linguagem rebuscada, porm sutil, sobretudo, sem idealizaes em relao ao ser
humano e suas aes, alem de um equilbrio incrvel entre seus personagens e o
ambiente em que eles vivem ou o meio social que os rodeiam. Barreto Filho destaca em
relao a esta evoluo do autor, de suas composies romnticas para as obras
realistas que:
Machado descobriu enfim a sua vocao verdadeira: contar a essncia dohomem, em sua precariedade existencial. As suas personagens noapresentam mais uma estrutura moral unificada e tpica. So antes seresdivididos consigo mesmo, embora sem lutas violentas, j naquele estado emque a ciso interna entra no declive dos compromissos e da instabilidade decarter. O homem no mais aquele ser responsvel dos romances anteriores; um joguete de foras desconhecidas. O seu livre arbtrio est limitado no spelos obstculos que a natureza indiferente oferece, mas pelas contradies eperplexidades internas. (BARRETO FILHO, 2002, p.159).
Em suas obras, Machado de Assis realiza a anlise psicolgica dos seres
humanos atravs de seus tipos e personagens, procurando adentrar o mago de suas
criaes, despindo-as e mostrando-as em suas fragilidades ao leitor, revelando-se
como um mestre da observao psicolgica; pois consegue atravs da visualizao
profunda que realizava nos homens, o mais puro exemplo de como deveriam ser ouparecer suas criaes, realizando; atravs destas transposies do real para o artstico,
uma crtica sociedade da poca.
Para alguns estudiosos, porm, esse procedimento no deveria ser realizado
por escritores literrios, pois acreditam que esta descrio deveria ser feita por
profissionais da psicologia, o que parece ser uma viso bastante restrita da
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abrangncia do espao da anlise literria, principalmente porque o centro de suas
preocupaes o homem.
Luiz Alberto Pinheiro de Freitas, ao citar Sigmund Freud, argumenta:
Dizem que um autor deveria evitar qualquer contato com a psiquiatria e deixaraos mdicos a descrio de estados mentais patolgicos. A verdade, porm, que o escritor verdadeiramente criativo jamais obedece a essa injuno. Adescrio da mente humana , na realidade, seu campo mais legtimo; desdetempos imemoriais ela tem sido um precursor da cincia e, portanto, tambm dapsicologia cientfica (FREUD apud FREITAS, 2004, p. 13).
Suas obras seguem o conceito da ironia trgica, porm no determinado pelo
destino como nas obras romnticas e naturalistas e, sim, pelas escolhas e atos de seuspersonagens, os quais podem escolher entre o bem e o mau, sofrendo em ambas as
escolhas perdas, sejam elas materiais, sentimentais ou psicolgicas. E, a reao dos
mesmos frente a essas perdas, faz lembrar aos leitores a todo o momento as escolhas
realizadas pelos homens de carne e osso.Patrick Pessoa, em uma entrevista, realiza a distino entre o trgico e ironia
trgica:
A ironia da ao trgica o que permite diferenciar a idia de destinopropriamente trgica da idia de destino presente nos mitos que a tragdiatoma como matria-prima. Enquanto nos mitos o destino aparece como umaespcie de necessidade cega, em estado bruto que arrasta gratuitamente oheri, apresentado como marionete dos deuses, na tragdia no h talpassividade. A queda do heri, para ser trgica, precisa, em alguma medida, serauto-infligida. A ironia da ao trgica, como bem mostrou Peter Szondi em seuensaio sobre dipo rei, repousa sobre a unidade de salvao e destruio. Adestruio em si no trgica, mas sim o fato de que a salvao viredestruio. O trgico no se consuma com a queda do heri, mas sim com ofato de o homem naufragar no caminho que tomou justamente para escapar ao
naufrgio. Essa , alis, uma possvel interpretao do que Aristteles chamade Peripcia. (PESSOA, 2007, p. 5/6)
Desde o princpio, o maior interesse do autor era compreender a vida e decifrar
a alma humana, buscando o entendimento em relao s aes e reaes, os amores
e desamores, a euforia e a tristeza do homem, reproduzindo em partes suas
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descobertas em seus personagens, encontrados em todas as suas obras. Pereira
afirma que:
Para entender a vida, comeou por estudar o homem. Mergulhando nosabismos da alma, espreita dos menores movimentos, de l raramenteemergia. No lhe bastava saber como agiam, pensavam ou sentiam as suaspersonagens; o que visava era saber por que o faziam. E ao leitor scomunicava algumas das suas observaes, sem se dar ao trabalho de explicaras relaes entre elas. Quem no fosse capaz de concluir por si mesmo, quefechasse o livro. [...] (PEREIRA, 1973, p. 75)
Para identificarmos algumas das caractersticas humanas, incluindo a
incoerncia ou contradio na obra machadiana, analisaremos dois de seus contos O
AlienistaeA Igreja do Diabo.
O conto uma narrao de curta durao, que apresenta um texto em prosa e
transmite o seu recado em reduzido nmero de pginas ou linhas. Deve proporcionar
em seus leitores um efeito de impacto. Esse efeito tanto pode originar-se da natureza
inslita do que foi contado, da feio surpreendente do episdio ou do modo como foi
exposto. Esta brevidade, no entanto, no pode comprometer a qualidade do texto, que
deve cumprir o seu papel principal de passar uma mensagem junto ao leitor com a
mesma competncia dos contos mais longos.No se sabe ao certo o momento exato em que o conto surgiu, no entanto de
se crer que sua existncia seja to antiga quanto a historia da humanidade ou da
prpria arte, porm acredita se que tenha nascido das pequenas estrias que eram
contadas s crianas, os chamados contos de Fadas ou para os componentes de suas
tribos.
A partir do momento em que o conto deixa de ser simplesmente oral e passa a
ser escrito, ele se torna mais valorizado, em especial no sculo XIV, quando Bocaccioescreve contos erticos em Decameron, exatamente no ano de 1350, escandalizando a
sociedade da poca e rompendo com o tradicionalismo moralista da maior parte dos
contos produzidos na poca.
Apesar de o conto discorrer sobre o cotidiano humano ou sobre suas aes e
estar disposto em uma ordem sucessiva de acontecimentos, ele no tem que
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apresentar fatos verossmeis, ou seja, reais. Em geral, este gnero literrio busca
satisfazer leitores solitrios e no possui como personagens o heri, o perfeito, mas o
imperfeito, assim como pode se observar nos contos de Machado.
Parrine escreve o seguinte em relao ao surgimento do conto no Brasil.
Fato que as origens do conto [no Brasil] esto intimamente envolvidas comum tipo de produo que se dava no jornal em meados do sculo XIX. Quer ouno tivessem qualidade literria, ou qualquer outro critrio que se estabelea,esses textos de cunho ficcional delimitaram os modos e o estilo do contomoderno como seria praticado posteriormente. (PARRINE, p. 473)
Alm de ter sido um grande romancista, critico e cronista Machado de Assis foi,
acima de tudo, um magnfico contista, com personagens e histrias que chegam a tocar
a alma. Possui uma vasta coleo de contos, narrativas de excelente qualidade.
No que se refere a estas consideraes, Barreto Filho diz que:
So algumas obras-primas e numerosas narrativas excelentes indicativas doalto domnio do gnero que o escritor havia alcanado. Uma experinciasubstancial da vida e do homem alimenta as pginas. Tem se a impresso deque tudo fcil para a sua maestria. Um tipo, uma anedota, uma atmosfera lhe
bastam, para que surjam prontos e confeccionados, dos subterrneos daevocao, aqueles exemplares de magnficas narraes. Machado de Assisest pejado de histrias, como as velhas mangueiras quando resolvem fazervingar a sua safra. (BARRETO FILHO, 2002, p.163).
Os contos Machadianos, escritos sobre alguns preceitos realistas, que
exploram e que deixam emergir todos os sentidos dos seres humanos, alm de serem
impregnados de momentos psicolgicos. Alguns de seus contos mais conhecidos so:
O Espelho, A Igreja do Diabo, A Cartomante, Missa do Galoe O Alienista, sendo
o ultimo considerado por muitos como uma novela, pois foi dividido em captulos, e
tambm por sua extenso. Entre muitos outros contos, cerca de oitenta publicados,
Machado relegou um quadro de tipos humanos, um panorama da sociedade carioca do
sculo XIX.
Seus contos possuem, como uma de suas caractersticas principais, a
incoerncia, ou seja, as contradies humanas. Nos dois contos que sero estudados,
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estes aspectos so bastante visveis, pois este autor procura expressar em suas obras
o ser humano sem idealizaes, isto , o real tanto no social, como no psicolgico.
Ao longo de suas obras, em especial nos contos O Alienistae A Igreja do Diabo
analisados neste trabalho, notaremos a incoerncia como uma das caractersticas
principais no comportamento de certos personagens, sejam protagonistas ou
secundrios, e da sociedade com suas divises religiosas, polticas, e entre outras, o
egosmo. Pereira faz o seguinte comentrio em relao a este aspecto:
[...] Cada criatura um mundo fechado, impenetrvel aos outros, que abalroase os encontra em seu caminho. O egosmo, ora cnico, ora hipcrita, oraingnuo, um dos moveis mais freqentes das aes. O universo de Machado
de Assis , em grande parte, uma expresso do egosmo. Egosmo danatureza, que sacrifica o individuo espcie; egosmo da sociedade que, paramanter os seus estatutos, no hesita em acorrentar as criaturas a situaesdesagradveis; egosmo da famlia, tudo subordinado s suas convenincias;egosmo de cada ser, exigindo sempre dos outros muito mais do que lhes d.(PEREIRA, 1973, p. 78)
O alvo principal desta abordagem a analise que Machado faz sobre o ser
humano com suas incoerncias ou contradies, em relao s suas ideologias e
crenas ou sua insatisfao em relao vida nos dois contos de Machado de Assis.
Nada para ele era absoluto, muito menos o carter humano, como nos relata Alfredo
Bosi:
Menos do que pessimismo sistemtico, melhor seria ver como suma dafilosofia machadiana um sentido agudo do relativo: nada valendo comoabsoluto, nada merece o empenho do dio ou do amor. Para a antimetafsica doceticismo, a moral da indiferena. (BOSI, 2004, p. 182)
2.1. A contradio e a viso cientfica em Bacamarte
Em sntese, o conto O Alienista, publicado primeiramente em 1882, no volume
Papis Avulso, conta-nos a estria do Dr. Simo Bacamarte, especialista em doenas
mentais, que apesar do sucesso e da fama que tinha em Portugal, Espanha e na capital
brasileira resolve voltar para a pequena cidade de Itagua, onde cria a Casa Verde,
porm, no decorrer de suas pesquisas, se perde na definio de loucura e incoerncia
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humana. Por fim acaba se trancando no hospcio para estudar por que ele no possua,
segundo o que acreditava, as incoerncias que as demais pessoas apresentavam.
Pacheco ressalta sobre este conto o seguinte:
Se o homem facultado debruar-se sobre a natureza externa, pode tambmmergulhar em si mesmo, onde se ver face a face com a razo, cuja substnciaSimo Bacamarte ( O Alienista Papis Avulsos) investiga para estabeleceras suas lides com a loucura. A princpio v naquela o equilbrio perfeito eabsoluto de todas as faculdades; depois descobre antes a avalancha dos casosclnicos e em vista da comprovao das artsticas, que se encontra justamenteno oposto, isto , no desequilbrio de todas as faculdades. Sob uma formaparadoxal, em que verte o humor, Machado de Assis pesquisa o mecanismo darazo humana, para lhe rastrear os absurdos e contradies, de que seentretece e em que se apoia. (PACHECO, 1968, P. 51)
A ironia de Machado notria neste conto, quando mostra a hipocrisia do ser
humano que s pensa em seu prprio prestgio, em especial de Bacamarte que, em
nome de suas pesquisas, no levou em conta os seus pacientes e fechou os olhos para
caractersticas humanas comuns, ou seja, que todos possuem, que a incoerncia ou
o simples mudar de ideias, ideologias, opinies e at de carter.
O principal objetivo de Machado, ao escrever este conto, criticar as cincias
por diminuir as aes humanas ao campo dos estudos, alm de determinar estas aes
a anormalidades e simplesmente buscar cura para o que ela considera errado. Por este
motivo, no decorrer do conto Bacamarte, busca classificar o homem como um ser
imutvel, ou seja, um ser objetivo e claro sem contradies e imperfeies para
alcanar esta meta, ele faz uso da cincia positivista que no aceita subjetivismo, mais
ou menos ela aceita somente a verdade objetiva, precisa e sem rodeios.
Podemos observar na conversa que Simo tem com o seu amigo Boticrio
sobre os seus planos em relao Casa Verde e o que ele pensava sobre a loucura ou
qualquer desvio de conduta do ser humano; [...] o principal nesta minha obra da Casa
Verde estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus, classifica-lhe os
caso, descobrir em fim a causa do fenmeno e o remdio universal. [...] (ASSIS, 2001,
p. 21)
As definies de loucura e sanidade apresentadas por Bacamarte eram
bastante sistemticas e abrangentes, ou seja, para as pessoas serem consideradas
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normais ou anormais, elas tinham que atender a pontos rigorosos da psicologia
cientfica. O pensamento positivista, com seu cientificismo e sua objetividade, tem por
finalidade nica a exatido do seu objeto de estudo. Esse absolutismo no leva em
considerao o sujeito, com um ser complexo e que determinado por inmerosfatores, como o fsico, o religioso, o cultural, o ambiental e o familiar, e por esses
determinantes um ser nico. Bakhtin tem uma viso diferente da adotada pela
ideologia positivista. Ele assinala que:
Qualquer objeto do conhecimento (incluindo o homem) pode ser percebido econhecido a ttulo de coisa. Mas o sujeito como tal no pode ser percebido eestudado a ttulo de coisa porque como sujeito, no pode, permanecendosujeito ficar mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele s
pode ser dialgico. (BAKHTIN, apud FREITAS 2004, p. 28).
Oliveira acrescenta em relao a este conto que:
O Alienista (1882) surgiu em um contexto em que imperavam as idiascientificistas que procuravam explicar todo o comportamento humano por meioda cincia. Em O Alienista (1882) Machado satiriza a cincia psiquitrica, queinvestida de poder absoluto e tirano na pessoa de Simo Bacamarte, tentamanter uma cidade inteira sob seus comandos alienados. (OLIVEIRA, p. 27)
Um dos principais fatos que nos chamam a ateno em O Alienistana figura
do Dr. Bacamarte , sem dvida, o momento em que ele resolve escolher uma
companheira. Pois, diferentemente das demais pessoas que realizam esta escolha por
amor, paixo, ou seja, por encantamento pelos belos atributos fsicos como lindos
olhos, rosto e corpo e, sobretudo pela beleza interior do outro, ele procurava na mulher
que seria sua futura esposa e companheira caractersticas diferentes como, porexemplo, se ela poderia lhe dar filhos robustos, saudveis, ou at mesmo se ela no
apresentava atributos fsicos, ou melhor, beleza. Encontrou estas caractersticas em D
Evarista: Aos quarenta anos casou com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora
de vinte e cinco anos, viva de um juiz de fora, e no bonita nem simptica. [...]
(ASSIS, 2001, p. 19)
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Porm, ao realizar esta escolha de se casar com Dona Evarista, espantou at
mesmo seu tio que ao lhe questionar tal escolha recebeu a seguinte resposta:
[...] Um dos tios dele, caador de pacas perante o Eterno, e no menos fraco,admirou-se de semelhante escolha e disse-lho. Simo Bacamarte explicou-lheque D. Evarista reunia condies fisiolgicas e anatmicas de primeira ordem,digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista;estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sos e inteligentes, se almdessas prendas, - nicas dignas da preocupao de um sbio, D. Evarista eramal composta de feies, longe de lstimal, agradecia-o a Deus, porquantono corria o risco de preterir os interesses das cincias na contemplaoexclusiva, mida e vulgar da consorte. (ASSIS, 2001, p. 19).
Depois de um determinado tempo que j estavam instalados na pequena
cidade de Itagua e sem ter tido seu to sonhado filho, Simo Bacamarte resolve
dedicar-se cincia e acaba percebendo que os considerados por ele e pela sociedade
doentes mentais no tinham um lugar adequado para serem tratados e viviam soltos
pelas ruas ou trancados. Estas pessoas eram vistas pela comunidade como seres
inferiores e anormais, pois no seguiam suas regras e preceitos, alm do que estes
intitulados loucos nesta poca eram considerados, perante a religio, como seres
pecadores, ou seja, estas pessoas eram escondidas, pois eram causa de vergonha
para suas famlias:
A vereana de Itagua, entre outros pecados de que argida pelos cronistas,tinha o de no fazer caso dos dementes, Assim que cada louco furioso eratraado em uma alcova, na prpria casa, e, no curado, mas descurado, atque a morte o vinha defraudar do beneficio da vida; os mansos andavam soltapela rua. (ASSIS, 2001, p. 20).
Ao criar a Casa Verde assim denominada o hospcio, Simo possua como
principal desejo estudar o comportamento humano e porque apresentavam tais
caractersticas; Sem este asilo, continuou o alienista, pouco poderia fazer; ele d-
me, porm, muito maior campo aos meus estudos. (ASSIS, 2001, p. 20). Para o
mesmo, a caridade considerada simplesmente um aperitivo, sendo assim se a criao
deste ambiente no lhe auxilia em seus estudos, e somente ajuda as pessoas, ele no
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teria lutado para sua construo, pois ele no estava levando em conta se realmente a
criao deste lugar iria ajudar os doentes mentais.
Esta passagem nos mostra que a individualizao uma parte inerente do ser
humano, pois contrariando os preceitos religiosos e sociais que pregam que o outro
deve sempre vir em primeiro lugar ou devemos pensar em primeiro lugar no bem
comum.
Na Casa Verde, encontravam-se indivduos com variados transtornos mentais,
por isso, como procedimento clnico e de sistematizao, o alienista procurou
classificar as enfermidades mentais destes atormentados por categorias, ou seja, se as
pessoas sofriam de mal de amor, cimes, grandeza, entre outros delrios violentos, ou
no.
Dentre esses variados transtornos, podemos citar o de um jovem que andava
sem parar nos corredores e ptios procura de sua esposa, a qual ele havia matado no
dia em que o abandonou. Assassino da mulher, matou-a com requintes de crueldade,
no poupando tambm a vida do amante, .do qual tratou tambm de vingar-se. No
entanto, o inconsciente virou-se contra ele, acusando-o sempre:
Os loucos por amor eram trs ou quatro, mas s dois espantavam pelo curiosodo delrio. [] O outro andava sempre, sempre, sempre, roda das salas ou doptio, ao longo dos corredores, procura do fim do mundo. Era um desgraado,a quem a mulher deixou por seguir um peralvilho. Mal descobrira a fuga, armou-se de uma garrucha, e saiu-lhes no encalo; achou-os duas horas depois, ao pde uma lagoa, matou-os a ambos com os maiores requintes de crueldade.(ASSIS, 2001, p. 22).
Este caso foi classificado por Bacamarte como mal de amor, porm, ao
analisarmos este caso segundo os preceitos da religio, do bem e do mal, iremos nos
perguntar em que momento este homem amou esta mulher. No exato momento em que
o sentido de amor foi distorcido, encontramos uma enorme contradio, pois o ser
humano desde cedo aprendeu que amar perdoar, respeitar, confiar...
Este chamado amor era tamanho que mesmo depois de ter matado os assim
considerados traidores, esse homem os procurava em todos os cantos e desejava
encontr-los at mesmo no fim do mundo. O cime satisfez-se, mas o vingado estava
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louco. E ento comeou aquela nsia de ir ao fim do mundo cata dos fugitivos.
(ASSIS, 2001, p. 22).
Em outro momento, quando a esposa do boticrio Crispim est presa no hospcio
e ele no vem libert-la e muito menos demonstra nenhuma preocupao com a
mesma, ela acaba proferindo inmeras acusaes sobre seu marido. Acusaes estas
que esto em desacordo com o comportamento da personagem ao longo da estria,
pois desde o principio pareceu acatar e respeitar o marido, revelando neste momento
que, na verdade, ela at ento apenas mantinha as aparncias, era cmplice do
marido. Tratante!... velhaco!... ingrato!... Um patife que tem feito casas custa de
unguentos falsificados e podres... Ah! tratante!... (ASSIS, 2001, p. 49).
Porm devemos analisar que neste casamento no somente a esposa era falsa,
mas tambm o Boticrio que no dia da viagem que sua mulher fez ao Rio de Janeiro
junto com a comitiva que acompanhava Dona Evarista, ficou extremamente triste na
hora da despedida Adeus! soluaram enfim as damas e o boticrio. [...] E partiu a
comitiva. Crispim Soares, ao tornar a casa, trazia os olhos entre as duas orelhas da
besta ruana em que vinha montado; [...] (ASSIS, 2001, p. 24). E ainda durante a
ausncia da mesma, ficou triste e preocupado, xingando si mesmo por ter permitido
que ela viajasse, como pode-se verificar no trecho a baixo:
[...] Crispim amava a mulher, e, desde trinta anos, nunca estiveram separadosum s dia. Assim se explicam os monlogos que ele fazia agora, e que osfmulos lhe ouviam muita vez:"Anda, bem feito, quem te mandou consentir naviagem de Cesria? Bajulador, torpe bajulador! S para adular ao Dr.Bacamarte. Pois agora agenta-te; anda, agenta-te, alma de lacaio, fracalho,vil, miservel. Dizes amem a tudo, no ? A tens o lucro, biltre!"E muitosoutros nomes feios, que um homem no deve dizer aos outros, quanto mais a simesmo. [...]. (ASSIS, 2001, p. 25).
Neste conto, enquanto uns so violentos ou falsos, temos em contraposio a
estes o Costa, que como a maioria dos que foram internados no hospcio, somente
por serem diferentes da grande parte da populao. O personagem escrito da
seguinte maneira:
Costa era um dos cidados mais estimados de Itagua. Herdara quatrocentosmil cruzados em boa moeda de El-rei Dom Joo V, dinheiro cuja renda bastava,
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segundo lhe declarou o tio no testamento, para viver "at o fim do mundo". Todepressa recolheu a herana, como entrou a dividi-la em emprstimos, semusura, mil cruzados a um, dois mil a outro, [...] a tal ponto que, no fim de cincoanos, estava sem nada. Se a misria viesse de chofre, o pasmo de Itagua seriaenorme; mas veio devagar; ele foi passando da opulncia abastana, da
abastana mediania, da mediania pobreza, da pobreza misria,gradualmente. [...]. (ASSIS, 2001, p. 27).
Como se percebe, Costa era um ser desapegado dos valores materiais e que
no se importava em emprestar dinheiro aos outros, porm no tinha controle sobre
sua bondade ou ingenuidade, pois perdoava a todos os seus devedores sem se
preocupar qual o valor da dvida. Com o passar do tempo, foi perdendo toda sua
herana, chegando ao ponto de se encontrar na misria e consequentemente as
pessoas que antes elogiavam, enchiam-no de ateno, passaram a desprez-lo e
humilhar-lo salve algumas excees. O que mais nos chama a ateno neste cidado
itaguanensse , sem dvida, o fato de que se apresenta sempre sorridente e feliz, no
se abalando com os maus tratos alheios e ligando menos ainda quando internado,
permanecendo calmo e tranquilo perante tudo. Como se pode observar no trecho longo
abaixo:
[...] E o Costa sempre lhano, risonho. Nem se lhe dava de ver que os menoscorteses eram justamente os que tinham ainda a dvida em aberto; ao contrrio,parece que os agasalhava com maior prazer, e mais sublime resignao. [...]Muita gente correu Casa Verde, e achou o pobre Costa, tranqilo, um poucoespantado, falando com muita clareza, e perguntando por que motivo o tinhamlevado para ali. [...]. (ASSIS, 2001, p. 27-28).
Ao se analisar este caso nota-se ainda que, alm do desapego material do
Costa, de sua ingenuidade e amor desmedidos pelos outros, se encontram pessoas de
mau carter, aproveitadoras, que s buscam beneficiarem-se custa dos seus
semelhantes. Como o caso de um dos devedores do Costa que mesmo depois de ser
perdoado por uma dvida procurou seu bem feitor para lhe pedir outro emprstimo.
Porm, o alienista no percebeu que ele mesmo era uma prova viva da
incoerncia humana, demonstrando essa contradio no decorrer da trama. Em quase
todo desenvolvimento da estria acreditou ser um ser humano excepcional, com
qualidades e valores que no encontrava nas demais pessoas, ou seja, no via em si o
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que considerava defeitos. Porm, o prprio alienista mostrou-se frio em vrios
momentos que certamente a maioria da humanidade perderia a calma, se emocionaria.
Como no dia em que sua esposa lhe disse que mesmo casada com ele parecia ainda
estar viva, Simo reagiu como se ela no lhe tivesse dito nada:
[...] Em todo caso, o alienista no lhe atribuiu inteno. E no se irritou o grandehomem, no ficou sequer consternado. O metal de seus olhos no deixou deser o mesmo metal, duro, liso, eterno, nem a menor prega veio quebrar asuperfcie da fronte quieta como a gua de Botafogo. [...]. (ASSIS, 2001, p. 23).
Ou quando sua mulher viajou para o Rio de Janeiro, onde todos se
emocionaram, mas ele no demonstrou nenhum sinal de tristeza; [...] As despedidasforam tristes para todos, menos para o alienista. Conquanto as lgrimas de D. Evarista
fossem abundantes e sinceras, no chegaram a abal-lo. [...]. (ASSIS, 2001, p. 24).
Alm de que no decorrer da viagem no demonstrou sentir saudades e nem
preocupao, procurando ocupar seu tempo estudando mais e mais, aperfeioando
novas teorias e cuidado de seus doidos.
No entanto, a maior evidncia de contradio o fato de que ele se
considerava uma pessoa totalmente normal e perfeita entre todos, como pode se
observar no trecho abaixo:
Isso isto. Simo Bacamarte achou em si os caractersticos do perfeitoequilbrio mental e moral; pareceu-lhe que possua a sagacidade, a pacincia, aperseverana, a tolerncia, a veracidade, o vigor moral, a lealdade, todas asqualidades enfim que podem formar um acabado mentecapto. Duvidou logo, certo, e chegou mesmo a concluir que era iluso; mas, sendo homem prudente,resolveu convocar um conselho de amigos, a quem interrogou com franqueza. Aopinio foi afirmativa. (ASSIS, 2001, p. 50).
E por fim, passou a ser considerando o nico louco realmente de Itagua e
redondezas, pois depois do fechamento da Casa Verde e de todas as pessoas serem
consideradas normais, ele se trancou no hospcio para estudar a si mesmo e descobrir
porque, segundo suas concepes, ele no apresentava as incoerncias humanas
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encontradas em todos os seres humanos e no nele. Como pode se ver no trecho
abaixo:
Mas o ilustre mdico, com os olhos acesos da convico cientfica, trancou osouvidos saudade da mulher, e brandamente a repeliu. Fechada a porta daCasa Verde, entregou-se ao estudo e cura de si mesmo. Dizem os cronistasque ele morreu dali a dezessete meses no mesmo estado em que entrou, semter podido alcanar nada. Alguns chegam ao ponto de conjeturar que nuncahouve outro louco alm dele em Itagua mas esta opinio fundada em um boatoque correu desde que o alienista expirou, no tem outra prova seno o boato; eboato duvidoso, pois atribudo ao Padre Lopes que com tanto fogo realara asqualidades do grande homem. Seja como for, efetuou-se o enterro com muitapompa e rara solenidade. (ASSIS, 2001, p. 51).
Menezes faz a seguinte ressalva, ao afirmar que:
Porm, como salienta Szasz (1979), o conceito de doena mental relaciona-se,at os dias atuais, a um afastamento de uma norma psicossocial e ticaestabelecida. Logo, seria logicamente absurdo que uma ao mdica fosseimposta resoluo de problemas cuja existncia foi definida em bases nomdicas. O que se observa tambm que o asilo de doentes mentais buscava(e ainda busca) homogeneizar diferenas, extinguir irregularidades,estabelecendo uma oposio entre normal e anormal. (MENEZES, 2011, p.270)
Como pode-se entender que o conceito de normal ou anormal so definidos
no somente pela psicologia, mas tambm pela sociedade que determina em muitas
vezes como uma pessoa deve ser classificada/intitulada, e somente alguns esto
dispostos a compreender as diferenas e os defeitos humanos, parece difcil conceituar
o que ser normal e o que ser anormal. .
2.2. As figuras do Bem e do Mal e a eterna contradio humana
Encontra-se nas obras de Machado de Assis caractersticas inovadoras, tanto
do Realismo/Naturalismo como do Parnasianismo. No entanto, o que percebe-se que
as mesmas so permeadas de surpresas e de muitos fatos curiosos; no somente nas
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estrias, mas tambm nos personagens e fatos. Com personagens carregados de
sentimentos e culpas, porem egostas e individualistas, sendo por fim humanamente
verdadeiros. Magalhes acrescenta que:
[...] Machado de Assis faz surgir o homem que afirma e nega, realando arelao entre individual e social. O sujeito se move, se percebe em algum lugarcom determinadas relaes. Sucumbir ou no a essas contradies so opespossveis. No h determinismo, mas olhar consciente sobre a realidade. Osujeito percebe as possibilidades e limites: [...] (MAGALHES, 1990, p. 75)
Outro conto excelente A Igreja do Diabo tambm possui estes elementos de
contradio, ou seja, a incoerncia humana, as quais sero demonstradas neste
trabalho.No conto A Igreja do Diabo, publicado no ano de 1884, no volume Histrias
sem data, o Diabo resolve fundar uma Igreja e consegue, por um determinado tempo,
obter um nmero considervel de adeptos. A lei mais importante que regia sua igreja
a de que o indivduo integrante dela deveria ter uma vida prazerosa em todos os
sentidos, no precisando ter tica nos negcios e nem tampouco na poltica.
Estas pessoas poderiam fazer uso de qualquer meio para ganhar e alcanar
seus objetivos em termos financeiros ou no, mesmo que fosse de forma desonesta.Tambm no seria preciso ajudar os outros e nem preocupar-se com os amigos e
familiares. Com o decorrer do tempo, por mais apegados que os crentes estivessem ao
novo credo, comearam a no acatar as tais leis. Assim, s escondidas, os adeptos da
nova igreja, entregavam esmolas aos mais pobres e escutavam com certa ateno e
cuidado os lamentos dos conhecidos e ofereciam os seus prstimos e amizade.
Tambm os casados evitavam trair seus parceiros e os comerciantes e polticos
honravam seus compromissos, mesmo que declarassem seguir risca a hedonista lei
do Diabo. Podemos destacar como principal objetivo de Machado, ao escrever este
conto, realizar uma crtica aos sistemas religiosos e seus paradigmas.
O contoA Igreja do Diabo dividido em quatro captulos, de narrativa densa e
em um primeiro momento aparenta ser uma obra banal e de simples interpretao,
mostrando ser de difcil entendimento at mesmo para os leitores munidos de
referencial terico e cultural, ou seja, este conto assim como outros no so totalmente
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objetivos. Este conto integra a obra Histrias sem data, tendo como personagens
principais Deus e o Diabo, enfocando de maneira cmica a relao Deus/religio,
homem/razo.
Em A Igreja do Diabo nota-se que a maior demonstrao de incoerncia
humana est representada pelas figuras de Deus e do Diabo, pois segundo a Bblia, o
homem foi criado semelhana de Deus, ou seja, Ele, assim como o homem no seria
perfeito, de maneira que teria dvidas e at mesmo cometeria erros.
Deus, por outro lado, se possui estas ou aquelas caractersticas, o Diabo
tambm as teria. Isto o que se insinua no conto de Machado de Assis, em que as
figuras de um e outro aparecem sob um modelo maniquesta, de maneira que o bem
aparece ancorado por uma moral de poca, enquanto o mal corresponde quilo que a
sociedade de poca aparentemente refuta ou recusa. Por outro lado, o aspecto
intertextualidade, ilustrado com certas passagens do texto bblico esto explcitas na
criao de Machado.
Tem-se, no primeiro pargrafo do conto A Igreja do Diabo, um elemento que
est em posio antagnica ao tema explorado neste trabalho, pois o mesmo busca as
contradies/incoerncias humanas. Este elemento a inveja que o Diabo sente de
Deus, por ser organizado em seu trabalho de recrutar os homens, e por sua religio
possuir regras e rituais, enquanto o mesmo era desorganizado e no tinha nem religio
e regras.
CONTA um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idiade fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contnuos e grandes,sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde sculos, semorganizao, sem regras, sem cnones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assimdizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obsquios humanos. Nadafixo, nada regular. Por que no teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era omeio eficaz de combater as outras religies, e destru-las de uma vez. (ASSIS,2001, p. 53).
Porm, segundo a Santa Bblia, a inveja um dos pecados capitais e por isso
se contrape s leis principais que regem a vida e as aes humanas; para sintetizar o
preceito deste livro sagrado que nos diz que no se deve ter em nenhum momento o
desejo de possuir as coisas alheias, tm-se as igrejas e religies.
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Como um dos representantes neste conto da incoerncia humana, deve-se
notar que entre o Diabo e Deus h uma mtua admirao e respeito, pois de certa
maneira para dois seres que se odeiam, eles no precisavam comunicar nenhum tipo
de deciso ao outro, como o considerado Maligno o fez: [...] Em seguida, lembrou -sede ir ter com Deus para comunicar-lhe a idia, [...] (ASSIS, 2001, p. 53).
No entanto, deve-se considerar que quando um inimigo, busca pisotear,
humilhar ou desafiar seu rival no realizar a mesma ao que o Demo efetuou, quando
resolveu subir aos cus para anunciar ao todo Poderoso sua deciso: [...] e desafi-lo;
levantou os olhos, acesos de dio, speros de vingana, e disse consigo: - Vamos,
tempo. [...] (ASSIS, 2001, p. 53). Ou seja, ele gostaria de sentir a desaprovao ou a
aprovao de Deus para se sentir superior ou igual ao ser que, de certa maneira, eleadmirava e que, por exaltar, queria destruir ou superar, assim como fazem os seres
humanos uns aos outros: - Tendes razo, acudiu o Diabo; mas o amor-prprio gosta de
ouvir o aplauso dos mestres. Verdade que neste caso seria o aplauso de um mestre
vencido, e uma tal exigncia... [...] (ASSIS, 2001, p. 54).
Deus, como personagem do conto, aparece como um ser sublime, calmo,
tolerante e totalmente bom; e o Diabo surge como um ser desprezvel e mal, porm
ingnuo, o que nos mostra que nada to bom ou mal, que nada pra sempre,deixando claro que ningum possui tais caractersticas, ou seja, ningum
imutavelmente.
O Diabo, em uma de suas conversas com Deus, descreveu, com muita ironia e
provocao ao seu opositor, o ser humano, ou melhor, os seguidores da palavra do
Senhor, da seguinte maneira:
Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos ps, nos templos domundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmop, os lenos cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham decuriosidade e devoo entre o livro santo e o bigode do pecado. [] (ASSIS,2001, p. 54).
Como se pode concluir, os seres que ao mesmo tempo em que buscam a
santidade, acabam por buscar o pecado tambm, ou seja, eles no vivem plenamente o
bem ou mal, esto divididos entre ambos.
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A religio criada pelo Diabo veio para contradizer aos dogmas de Deus, pois ao
contrario das religies crists que pregam as sete virtudes, ou seja, a f, esperana,
caridade (amor), prudncia, justia, fortaleza e temperana, este novo credo aceitam os
Setes Pecados, ou melhor, fazem parte das regras da mesma e repudiava as taisvirtudes dos demais centros religiosos. Os homens poderiam mostrar seu outro lado,
seu lado sbrio ou no aceitvel pela igreja tradicional. Mostrando o homem facilmente
corruptvel e exposto, cativo s influncias malignas ou de qualquer outro tipo de ao
externa ou interna.
Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substitudas por outras, queeram as naturais e legtimas. A soberba, a luxria, a preguia foram reabilitadas,
e assim tambm a avareza, que declarou no ser mais do que a me daeconomia, com a diferena que a me era robusta, e a filha uma esgalgada. Aira tinha a melhor defesa na existncia de Homero; sem o furor de Aquiles, nohaveria a Ilada: "Musa, canta a clera de Aquiles, filho de Peleu"... O mesmodisse da gula, que produziu as melhores pginas de Rabelais, e muitos bonsversos do Hissope; virtude to superior, que ningum se lembra das batalhas deLuculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, aindapondo de lado essas razes de ordem literria ou histrica, para s mostrar ovalor intrnseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir naboca e no ventre os bons manjares, em grande cpia, do que os maus bocados,ou a saliva do jejum? [...], pois no faltaria nunca aos seus com o fruto das maisbelas cepas do mundo. Quanto inveja, pregou friamente que era a virtudeprincipal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a
suprir todas as outras, e ao prprio talento. (ASSIS, 2001, p. 55).
Com todos os estmulos oferecidos por esta religio , no havia no mundo pais,
nao que no conhecesse os preceitos do Maligno, no havia lngua em todo o mundo
que no tinha a traduzido, passando a ser frequentada por pessoas de todos os tipos
sociais, raas, naes, credos e etnias.
Porm, com o passar dos anos o Diabo percebeu que seus fies estavam
praticando boas aes novamente. No entanto, estas boas aes eram praticadas s
escondidas e no corriqueiramente, deixando o Sat admirado e espantado, como pode
se verificar no trecho abaixo:
Um dia, porm, longos anos depois notou o Diabo que muitos dos seus fiis, sescondidas, praticavam as antigas virtudes. No as praticavam todas, nemintegralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, s ocultas. Certosglutes recolhiam-se a comer frugalmente trs ou quatro vezes por ano,
justamente em dias de preceito catlico; muitos avaros davam esmolas, noite,ou nas ruas mal povoadas; vrios dilapidadores do errio restituam-lhe
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pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coraonas mos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavamembaando os outros. (ASSIS, 2001, p. 57).
O ser humano que, atravs da criao do Satans podia, roubar, enganar,
matar, corromper e mentir, estava doando, ajudando, falando a verdade. O Diabo,
contudo, ficou abismado com alguns casos que lhe chegaram ao conhecimento e que
so citados abaixo:
[...] Alguns casos eram at incompreensveis, como o de um droguista doLevante, que envenenara longamente uma gerao inteira, e, com o produtodas drogas, socorria os filhos das vtimas. No Cairo achou um perfeito ladro de
camelos, que tapava a cara para ir s mesquitas. O Diabo deu com ele entrada de uma, lanou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que iaali roubar o camelo de um drogman; roubou-o, com efeito, vista do Diabo e foid-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Al. [...] Um dos seusmelhores apstolos era um calabrs, varo de cinquenta anos, insignefalsificador de documentos, que possua uma bela casa na campanha romana,telas, esttuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se nacama para no confessar que estava so. Pois esse homem, no s nofurtava ao jogo, como ainda dava gratificaes aos criados. Tendo angariado aamizade de um cnego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numacapela solitria; e, conquanto no lhe desvendasse nenhuma das suas aessecretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. [...] (ASSIS,2001, p. 57).
No compreendendo aquela situao, de contradio humana, pois quando os
homens podiam e seguiam os ensinamentos do Senhor eles s escondidas
praticavam o mal, o pecado e agora que eles tinham uma religio que lhes permitiam
realizar/cometer o pecado acabam tambm as escondidas fazendo o bem, ajudando o
prximo. Buscando esclarecer essa dvida procurou imediatamente a Deus que
respondeu a ele com a seguinte frase: - Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de
algodo tm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodo. Que
queres tu? a eterna contradio humana. (ASSIS, 2001, p. 57).
Atravs desta resposta podese verificar que nem Deus sabia o porque de to
atitude humana, revelando que a mente do ser humano ser sempre uma grande
incgnita. No entanto, nota-se que a identidade do homem formada por diversos
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fatores desconhecidos, porm, a sociedade tem uma grande contribuio na formao
do carter e da identidade do mesmo. Como afirma Hall acrescentando que:
A identidade formada na interao entre o eu e a sociedade. O sujeito aindatem um ncleo ou essncia que o eu real, mas este formado e modificadonum dialogo continuo com os mundos culturais exteriores e as identidadesque esses mundos oferecem.(HALL, 2003, p. 11).
Atualmente o ser humano, tem-se corrompido, mesmo com todo o estudo, a
cincia, cultura e informaes adquiridos, possuidor das leis, dos princpios, da moral,
dos bons costumes, do respeito pelo seu prximo, da solidariedade, da caridade e
muitos outros fatores que regem a vida em sociedade, mas esto sendo deixados de
lado por ganncia, orgulho tosco, individualizao e principalmente de muito egosmo.
Lisboa realizar o seguinte diagnstico de que:
Que o homem tem dentro de si um anjo e uma besta no ideia nova. Pascal jafirmou isso, sabiamente, no sculo XVII. Quando somos bons domadores,quando adquirimos boas rdeas pela educao, cultura e religiosidade, o anjoreina. Somos ento criaturas honestas, quase santas. O filsofo famoso jdisse: Inteligncia e vontade so duas faculdades que caracterizam o homem eo distinguem da besta. (LISBOA, p. 1)
Entretanto, ao se falar do hoje, convm lembrar que, desde o princpio da
humanidade, as caractersticas do bem e do mal j existiam, tanto que a ideia de
maniquesmo sustenta-se sobre essa dualidade. E percebe-se tambm que os
aspectos que envolvem as contradies humanas existem desde que o homem sua
vida, nos perodos do Feudalismo, Escravocrata e das Navegaes (ou Colonizao).
preciso compreender, no entanto, que tanto os significados de um conceito s
existe quando posto em comparao com outro. Ou seja, significam em relao a umparmetro. O bem s o bem quando posto em relao com o mal, de maneira que
sua significao tem variado ao longo dos sculos e nas diferentes sociedades. E
Machado bem o percebeu, tanto que relativiza e ironiza tanto o bem quanto o mal, o
certo e o errado, o normal e o anormal.
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CONSIDERAES FINAIS
Machado de Assis soube ao longo de sua vida superar suas dificuldades, no
somente o fato de ter sido mulato, gago e epiltico mas tambm soube superar os
obstculos causados pelas classes econmicas, tornando se um exemplo de
superao.
Muitos estudiosos ao longo da histria da humanidade tentaram e ainda tentam
entender a mentalidade do ser humano, no entanto, sabe se atualmente que o homem
um ser mutvel, ou seja, ele apresenta se em constante evoluo e redefinio decarter, valores e atitudes.
O sexo masculino discorre que as mulheres so seres incompreensveis,
porm, ao se analisar o homem como um todo descobre se que ambos os sexos so
desestruturados se comparar como eles so retratados pela Biblia e pela cincia.
Com a evoluo tecnolgica o homo sapiens passou a ser cada vez mais
individualista, comparando com seus antecessores, que na grande maioria ajudavam
seu prximo e respeitavam-nos, sem segundas intenes. Outro fator eles setornaram alienados com as facilidades encontradas com as novas tecnologias e
deixaram de pensar em coisas to simples do cotidiano.
Estas pessoas so rapidamente influenciadas por uma minoria, ou seja, das
classes econmicas mais elevadas, influncias muitas vezes negativas que corrompem
os poucos valores e crenas existentes nestes indivduos e na sociedade. Nos contos
de Machado de Assis, encontram se em suas personagens atitudes reais que
facilmente podem ser vistas no dia-a-dia.
No conto O Alienista, por exemplo, percebe se na figura do Dr. Bacamarte o
verdadeiro reflexo de incoerncia, pois ele que se considerava um ser perfeito,
completo e inaltervel e que via nas demais pessoas o imperfeito, o incoerente e
irracional descobriu que o que ele considera em si magnfico, no o ajudou a ser feliz.
Pode se concluir que, de certa maneira, a incoerncia traz felicidade ao ser humano.
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J no conto A Igreja do Diabo esta incoerncia representada pelas figuras
de Deus e do Diabo, alm dos prprios homens, que no sabem se querem viver
segundo as leis do bem ou do mal.
Enfim, o homem , sem dvida, metade luz e metade treva e somente assim ele
ser perfeito, ou melhor, se para o narrador machadiano Deus e o Diabo so
imperfeitos, imagine como ele descreve o ser humano.
O narrador de Machado retrata o homem imperfeito, incoerente e contraditrio,
mesquinho e individualista. E Deus e o Diabo como humanistas, tornando os iguais aos
homens.
Conclui se atravs deste trabalho que a incoerncia inerente ao ser humano,
ou seja, no existe ou existira homem normal, se no possuir, em algumas de suas
aes ou momentos da sua vida, a contradio.
Por fim, sabe-se que cada ser humano , ao mesmo tempo, um anjo e uma
besta, o caador e a caa, o urubu e a bomba e que dentro de si existe Deus e o Diabo,
o bem e o mal, o vil e o dcil. Como disse Deus ao Diabo em A Igreja do Diabo esta a
eterna contradio humana.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
AMORA, Antnio Soares. Histria da Literatura Brasileira. 8. ed. ref. e ampl. SoPaulo, Saraiva, 1973.
ASSIS, Machado de. Contos. So Paulo: CT Editora, 2001.
BARRETO FILHO, Jos. Introduo a Machado de