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Cotas partidárias e sub-representação feminina na América do Sul: Um estudo comparado entre Brasil e Bolívia Diandra Avila Martini 1 Resumo: O baixo número de mulheres em esferas decisórias na política, fez com que organismos internacionais cobrassem dos Estados, meios de eliminar as barreiras que limitassem a entrada das mesmas na política. Desse modo, o sistema de cotas, já existente em alguns países europeus, foi a melhor solução encontrada pelos dirigentes. No entanto, ao analisar os países individualmente, notamos uma realidade que preocupa. O Brasil, demograficamente o maior país da América do Sul, é ainda o que possui menor índice de mulheres no Congresso Nacional. Em contramão, a Bolívia vem aumentando cada vez mais o número de mulheres dentro do Parlamento nacional, ocupando desde o início deste ano, o segundo lugar no ranking mundial de representação. Assim, este estudo realizou uma comparação entre os sistemas de cotas do Brasil e da Bolívia, através de uma breve análise do panorama geral dos países sul-americanos, mostrando que a implementação das cotas, deve estar associado a mudanças nas estruturas sociais, para que assim, se alcance uma efetiva representação política feminina. Palavras-chave: Sub-representação Feminina; Cotas; América do Sul Introdução A proposta deste trabalho é investigar se a adoção das cotas partidárias permitiu um acréscimo no número de mulheres nos parlamentos do Brasil e da Bolívia, bem como realizar uma breve análise nos demais países sul-americanos, visto que grande maioria ainda se encontra em uma posição baixa no ranking mundial (Rwanda em 1º lugar com 60% enquanto demais países encontram-se abaixo de 50%), de acordo com os dados da União Interparlamentar (IPU, 2014). A aplicação dessas cotas se deu de diferentes maneiras, assim como seus efeitos, chamando atenção para o caso da Bolívia, que através das eleições paritárias, vem contando com uma participação equilibrada da mulher na política conforme publicado pelo Observatório de Género (2014). A partir dessa mudança que ocorreu no cenário político boliviano, foi traçado um comparativo com o Brasil, onde os níveis de representatividade são sempre baixos. A escolha do Brasil e da Bolívia se deu, devido à disparidade no número de mulheres que compõem esses parlamentos, contando o Brasil com 10,7% e a Bolívia com 62%, de 1 Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pelotas. Bacharel em Relações Internacionais pela mesma Universidade. <[email protected]>

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Cotas partidárias e sub-representação feminina na América do Sul:Um estudo comparado entre Brasil e Bolívia

Diandra Avila Martini1

Resumo:O baixo número de mulheres em esferas decisórias na política, fez com que organismos internacionaiscobrassem dos Estados, meios de eliminar as barreiras que limitassem a entrada das mesmas na política. Dessemodo, o sistema de cotas, já existente em alguns países europeus, foi a melhor solução encontrada pelosdirigentes. No entanto, ao analisar os países individualmente, notamos uma realidade que preocupa. O Brasil,demograficamente o maior país da América do Sul, é ainda o que possui menor índice de mulheres no CongressoNacional. Em contramão, a Bolívia vem aumentando cada vez mais o número de mulheres dentro do Parlamentonacional, ocupando desde o início deste ano, o segundo lugar no ranking mundial de representação. Assim, esteestudo realizou uma comparação entre os sistemas de cotas do Brasil e da Bolívia, através de uma breve análisedo panorama geral dos países sul-americanos, mostrando que a implementação das cotas, deve estar associado amudanças nas estruturas sociais, para que assim, se alcance uma efetiva representação política feminina. Palavras-chave: Sub-representação Feminina; Cotas; América do Sul

Introdução

A proposta deste trabalho é investigar se a adoção das cotas partidárias permitiu um

acréscimo no número de mulheres nos parlamentos do Brasil e da Bolívia, bem como realizar

uma breve análise nos demais países sul-americanos, visto que grande maioria ainda se

encontra em uma posição baixa no ranking mundial (Rwanda em 1º lugar com 60% enquanto

demais países encontram-se abaixo de 50%), de acordo com os dados da União

Interparlamentar (IPU, 2014). A aplicação dessas cotas se deu de diferentes maneiras, assim

como seus efeitos, chamando atenção para o caso da Bolívia, que através das eleições

paritárias, vem contando com uma participação equilibrada da mulher na política conforme

publicado pelo Observatório de Género (2014). A partir dessa mudança que ocorreu no

cenário político boliviano, foi traçado um comparativo com o Brasil, onde os níveis de

representatividade são sempre baixos.

A escolha do Brasil e da Bolívia se deu, devido à disparidade no número de mulheres

que compõem esses parlamentos, contando o Brasil com 10,7% e a Bolívia com 62%, de

1 Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pelotas. Bacharel em Relações Internacionais pelamesma Universidade. <[email protected]>

acordo com os dados da última eleição, disponibilizados pelo jornal “O Estadão” de São

Paulo (2014). A análise realizada previamente mostra que o Brasil, mesmo sendo um país

demograficamente grande, tem seu nível de representação feminina muito baixo em

comparação ao índice boliviano. Desse modo, esse estudo busca analisar por que motivo há

tamanha disparidade entre Brasil e Bolívia, partindo da hipótese de que a forte participação

social neste último, foi um fator crucial a instauração do sistema de cotas paritárias.

Assim, o trabalho está inserido na temática de gênero e representação política, e

apresenta uma abordagem qualitativa e teórica a partir um levantamento de dados, obtidas na

plataforma da União Interparlamentar2, visando obter o número real de mulheres que atuam

tanto no Senado, quanto na Câmara Federal. Os dados foram relacionados com o movimento

feminista, a partir do estudo de obras de autores do campo da Ciência Política, que tem em

sua área de pesquisa, a preocupação em definir a participação da mulher na política,

permitindo assim a relação com os dados previamente coletados e uma melhor apreciação do

contexto analisado. Além do levantamento de dados, foram também utilizadas as técnicas de

observação e documental. Esse processo foi investigado a luz de conceitos sobre

representação feminina e cotas partidárias e aborda as teorias feministas, construtivistas e a

inserção da mulher na política.

A importância deste artigo se dá ao analisar a eficácia das cotas partidárias na Bolívia a

partir do progresso no número de mulheres nos parlamentos, ao passo que busca as razões

para a sub-representatividade feminina no Brasil. Partindo de uma justificativa intuitiva de

que o parlamento visa representar a sociedade, é inaceitável a ideia de que mais de cinquenta

por cento da população não se faça presente. A população feminina brasileira já domina

diversos campos profissionais, desempenha muitas vezes o papel de “chefe” de família,

exerce seu direito político a partir do voto, mas ainda é minoria no congresso. No momento

que se cria a lei de cotas, ela surge como uma forma de possibilitar a entrada das mulheres na

carreira política e se estabelece de maneiras distintas3 já que cada sistema eleitoral funciona

de forma diferente. No entanto, essa exclusão da mulher do cenário político é tradicional e a

ideia de que “política não é coisa de mulher” já é cultural, ocasionando assim, o baixo número

de mulheres presentes nas esferas decisórias. É preciso destacar ainda que esse baixo número

independe de ideologias ou partidos políticos, mesmo que seja possível concluir que a grande

maioria seja oriunda dos partidos de esquerda, que foram os primeiros a se voltar para as

2 Foram consultados também, observatórios de gênero da América Latina, bem como plataformas governamentais.

3 Ver item 1.3 Cotas.

causas das minorias, conforme Phillips (1998). Assim sendo, o primeiro fator a ser analisado,

são os motivos que vêm mantendo as mulheres afastadas da política.

1. Sub-representação parlamentar feminina

O número de mulheres no mundo vem crescendo cada vez mais e há muito tempo elas

deixaram de ser minoria. De acordo com as pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE, 2014) as mesmas já formam mais de cinquenta por cento da

população. Deixando as questões demográficas de lado, desde o movimento feminista pelo

sufrágio universal4, iniciado nas últimas décadas do século XIX as mulheres conquistaram seu

espaço, saindo da esfera privada para atuar na esfera pública. Com a garantia do direito ao

voto, elas passaram a se envolver em questões políticas, e neste caso, o Brasil foi um dos

pioneiros (MIGUEL; BIROLI, 2013, p.12). Conforme Céli Pinto (2010) o segundo momento

de grande atuação do movimento feminista foi a partir da década de 1960, principalmente na

Europa e nos Estados Unidos, onde se passou a debater a questão da autonomia da mulher e a

busca por uma nova relação entre os sexos, buscando libertar-se da opressão sexual5.

No entanto, nesse mesmo período, o Brasil sofria um retrocesso com a opressão política

instaurada com o regime militar, sendo apenas na década seguinte que o país presenciaria uma

forte atuação do movimento feminista. Claro que tal manifestação não foi bem vista pelo

militarismo, mas, segundo Céli Pinto (2010), obteve apoio da Organização das Nações

Unidas, através da declaração da década da Mulher, na I Conferência Internacional, no

México em 1975. Com o fim do regime militar e com um maior conhecimento acerca do

movimento feminista europeu6, proporcionado pelo exílio de algumas ativistas ou

simpatizantes do movimento, o Brasil presencia na década de 1990 uma “efervescência na

luta pelos direitos das mulheres” (PINTO, 2010, p.17) que ampliou o rol de temas tratado

pelas ondas anteriores, dando espaço também à incorporação do tema de violência contra a

mulher na agenda internacional. Dessa forma, com o aumento da luta por direitos iguais,

surgiam novas questões a serem debatidas, e uma delas era a demanda por uma maior

participação feminina na política, agora em cargos decisórios.

4 A luta pelo direito ao voto é considerada a Primeira onda do Feminismo

5 Considerada a segunda onda feminista, o movimento foi pautado na libertação da mulher.

6 A terceira onde teve início na década de 1980.

O tema acabou ganhando espaço na agenda internacional, quando em Pequim (1995),

realizou-se uma Conferência para tratar da questão de desigualdade de gênero. Um dos

principais pontos do encontro foi o debate sobre a necessidade de garantir a igualdade de

gênero em todas as esferas, principalmente na política7. A sugestão foi adotada por grande

parte do mundo, mas principalmente pela América Latina, onde se pode analisar um avanço,

mesmo que lento, em comparação à média mundial. De acordo com Htun (2001), foram onze

os países sul-americanos a adotarem o uso de cotas partidárias, e quando analisados

individualmente é possível perceber grandes mudanças. Assim, cada vez mais se busca

entender a disparidade existente entre o percentual brasileiro e o boliviano, já que este último

se encontra em segundo lugar no ranking mundial de representação feminina, devido às

eleições paritárias realizadas esse ano8.

1.1 Por trás das cotas: a inserção da mulher na política

Quando começam a ter forma os ideais democráticos, é intrínseca a ideia de que o

homem deve ser o responsável pelo encaminhamento da sociedade, criando assim, um

distanciamento histórico entra a mulher e a política. Luís Felipe Miguel (2001) apresenta três

justificativas para essa exclusão, a partir dos principais autores contratualistas. Segundo ele,

Thomas Hobbes justificou esse afastamento das mulheres já na formulação do contrato social,

através de diferenças naturais que submetiam a mulher ao homem. Dessa forma, quando os

homens abrem mão de seus direitos em troca da proteção de um soberano, as mulheres já o

haviam feito por estarem submetidas a esse homem (pai ou marido). Na visão de John Locke,

as mulheres são inaptas a participar da vida pública, porque o homem é “naturalmente” mais

capaz e mais forte que elas. Dessa forma, o consentimento à autoridade do marido é

oficializado através do contrato de casamento. Já para Rousseau, as mulheres possuem uma

limitação natural da razão e da capacidade de julgamento moral e por esse motivo o ideal é

que permaneçam na esfera doméstica.

Porém, não foi apenas a política que se desenvolveu com certo distanciamento das

mulheres, elas também ficaram à mercê da evolução dos Direitos Humanos, tornando-se parte

da organização apenas na década de 90, quando o tema de violência contra a mulher passa a

fazer parte das agendas internacionais, abordando a ideia de Direitos da mulher como Direitos

7 Ver Plataforma de ação Pequim 1995.

8 O tema será aprofundado no item 2.2

Humanos (KECK; SIKKINK; 1998). Em 1791, Olympe de Gouges propõe a criação da

Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, sem muito sucesso, embora a obra seja ainda

hoje reconhecida como um importante documento escrito da história do feminismo. A

alegação de Gouges para essa transcrição do documento é de que “já que pode subir ao

cadafalso, a mulher pode igualmente subir à tribuna” (MIGUEL, BIROLI, 2013. p. 9).

No entanto o movimento feminino que buscava o direito ao voto ganha reconhecimento

só mais tarde, já no século XIX. Segundo Miguel e Biroli (2013), no mundo ocidental, a

plataforma feminista foi efetivada ao longo do século XX, portanto o direito ao voto foi

obtido ainda nas décadas iniciais do mesmo século, embora países como a Suíça e

Luxemburgo tenham esperado até os anos 70 para fazer uso desse direito. Com a conquista da

franquia eleitoral, as mulheres adquiriram juntamente o direito de candidatura, mas inserir

igualdade em um cenário masculinizado pode não ser tão fácil. De acordo com a Professora

da Universidade Federal do Maranhão, Mary Ferreira (2004), essa conquista não significou

uma mudança nos valores sociais, já que essas mulheres continuaram submetidas a uma

estrutura patriarcal conservadora:

As mulheres, pela trajetória como se inseriram na política, precisavamde um tempo maior para se adaptar à nova realidade. A insegurança, odesconhecimento das regras do mundo público, os condicionamentosculturais e psicológicos, as práticas partidárias excludentes,continuavam atuando sobre as mulheres, mantendo-as afastadas daestrutura formal do poder político. (FERREIRA, 2004, online).

Essa estrutura vem sendo questionada em vários níveis, não apenas ao que diz respeito a

questão de gênero, mas principalmente quando se trata de mecanismos representativos, que

para alguns autores é o que tem dado ênfase ao tema da exclusão política. Qual seria a

representatividade mais adequada?

Baseada na interrogação acima e levando em consideração que a democracia

representativa pode super-representar algumas opiniões bem como sub-representar outras,

Phillips (1995) analisa que a demanda por presença política, seja pela representação igual de

homens e mulheres, por uma participação maior de grupos étnicos, ou então de novos grupos

que passam a se reconhecer como excluídos, acaba desafiando a política de ideias,

subordinando-a a uma política de presença. Considerando que essas diferentes opiniões têm

sido cada vez mais percebidas, a política de ideias passa a ser inadequada para resolver os

problemas da exclusão política. Ainda de acordo com Anne Phillips (1995), nada impede que

um homem substitua uma mulher quando se trata de representação política, programas ou

ideais em comum, mas como um homem vai substituí-la quando a demanda em questão é a

representação feminina?

Esses questionamentos, no entanto, acabam muitas vezes levando a um ideal de

representação simplesmente inviável, onde um parlamento deveria representar um cenário

fidedigno da sociedade, com representantes de diversos grupos de interesses. Porém, para

Phillips (1995), não se trata de quem melhor representa o quê, mas de garantir que os

indivíduos desses grupos tenham condições iguais a todos os outros para representar seus

ideais. Deste modo, o sistema de cotas é um mecanismo de fácil acesso, que surge como

rápida solução para diminuir a disparidade de representação nos parlamentos. Conforme

Drude Dahlerup (2005) na América Latina, a Argentina foi um dos primeiros países a adotar

esse instrumento, visando o aumento da representação feminina na Câmara, ainda em 1991.

No entanto, mesmo com a criação de um sistema que permita a participação da mulher,

o envolvimento da mesma com a política ainda é muito baixo em países como o Brasil, que se

encontra atrás de 150 nações no ranking mundial9, levando assim à análise de outras questões

que podem estar relacionadas a esse fator. Alguns motivos foram levantados por Luís Felipe

Miguel e Flavia Biroli (2011, p.88) partindo da análise das “estruturas de oportunidade”.

Nesse ponto a questão doméstica (dupla jornada) foi avaliada como um fator importante, mas

não decisivo para que as mulheres ingressem na carreira política10, destacando assim, a

necessidade de “ambição política” (MIGUEL; BIROLI; 2011 p.91). Por esse conceito,

entende-se o desejo do indivíduo ir além de um simples eleitor, passando a exercer cargos

públicos. Assim sendo, pesquisas realizadas anteriormente, avaliadas pelos autores,

mostraram que a motivação a participar de uma disputa eleitoral se concentra em um

percentual da população – aquela com maior nível de escolaridade – e desse modo, “o que

afeta a ambição política é a avaliação da própria qualificação, muito mais rigorosa no caso das

mulheres” (MIGUEL; BIROLI; 2011, p. 93). Mesmo com alto nível de escolaridade, e

condições semelhantes à dos homens que se julgam capazes de exercer cargos públicos, o

pensamento de que não estão preparadas para esse tipo de tarefa, ainda impera entre as

mulheres, fazendo com que muitas optem por não concorrer a cargos políticos. No entanto, os

autores acreditam que este autojulgamento de incapacidade em lidar com questões de domínio

público que a maioria das mulheres tem de si mesmas, está ligado ao fato da política parecer

existir em um universo completamente distante daquele que vivemos, com homens bem

9 O Brasil se encontra em 112ª posição. Nações que ocupam a mesma porcentagem ocupam a mesma classificação.

10 Ver também ARAÚJO; BORGES, 2010.

vestidos, poderosos, com importantes contatos e que tem o mundo na palma de suas mãos11.

Este cenário cinematográfico da política não surge do nada. Ao buscar entender o motivo

disso, encontra-se um importante fator que irá influenciar o julgamento de quem é capaz ou

não de participar da política: a mídia. Segundo Miguel e Biroli:

É possível dizer que os meios de comunicação de massa contribuempara este sentimento de incompetência, ao construir a política comoum universo separado, de acesso limitado a uns poucos e fracamenteconectado com outras esferas sociais. Por outro lado, pode-se pensarque isso aumenta a importância dos próprios meios de comunicação,que apresentam como a si mesmos canais privilegiados de acesso aessa esfera e como tradutores competentes daquilo que nela se dá.(MIGUEL, BIROLI, 2011, p. 162)

Assim sendo, é possível notar que muito além do que alguns autores afirmam, de que a

mulher não se interessa por política, há uma série de fatores que acabam influenciando esse

desejo de não fazer parte do jogo. Fatores esses que são consequência de uma estrutura

patriarcal que não evoluiu com seu tempo, e que deixou lacunas a serem preenchidas pela

sociedade. No entanto, a mídia não pode ser retratada apenas como vilã da história, já que

muitas vezes acabou curvando-se diante de reivindicações que ganharam o espaço público, de

maneira que seria impossível evitá-las para sempre. É o caso da representação feminina. A

questão de desigualdade de gênero ganhou tanto espaço que acabou sendo tratada em

encontros internacionais sobre a mulher, para que se alcançasse uma solução. E foi o que

aconteceu, quando em 1995, se realizou a conferência que solidificou questões que já vinham

sendo tratadas, levando a mudanças não apenas na estrutura política de alguns países, como

também na social e econômica.

A Conferência de Pequim (ou Beijing 95) foi o 4º encontro internacional a tratar do

tema mulher e também, um dos mais importantes, pois além de solidificar a questão da

violência contra a mulher sobre o rol dos Direitos Humanos, abordou a preocupação com a

desigualdade de gênero nas esferas públicas e privadas.12

1.2 Conferência de Pequim 1995

11 Ver mais em MIGUEL; BIROLI; 2011. Cap. IV

12 Ver mais em KECK; SIKKINK, 1998

Os temas de interesse do público feminino já vinham ganhando espaço até que em

1970, alguns partidos noruegueses, certos da importância de incluir mulheres em suas listas de

candidatos, realizaram fortes campanhas na tentativa de convencê-las a se afiliarem, atitude

essa que foi seguida por muitos outros países conforme Alice Lee (2014). É necessário

destacar que, de acordo com Keck e Sikkink (1998), as conferências que antecederam a de

Pequim sucedidas em 1975 no México, 1980 em Copenhagen, 1985 em Nairóbi, abordaram

questões que já vinham sendo tratadas por grupos regionais desde os anos 1970, até que o

tema fosse incorporado a agenda internacional na década de 90. Para a conferência de 1995,

seguiu-se o rol de temas que já vinham sendo debatidos desde o encontro em Nairóbi que

versou sobre igualdade, desenvolvimento e paz, reforçando o compromisso de se atingir os

objetivos para o avanço da mulher antes do fim do século, segundo o item 22 da plataforma

de ação de Pequim. A questão aqui, é que após a adoção da Convenção de Eliminação de

Todas as Formas de Violência contra a Mulher13 (CEDAW - sigla em inglês) pela Assembleia

Geral da ONU em 1969, esse tema ganhou muita importância nos espaços públicos, levando a

uma série de eventos relacionados a mulher, inclusive as já citadas Conferências

Internacionais, sendo a última a Conferência de Pequim. A adoção da CEDAW pela ONU

acaba trazendo o tema de discriminação da mulher à arena internacional, pressionando, de

certa forma, os países a voltarem sua atenção para os direitos da mulher buscando evitar a

violação dos mesmos. Tal ação pode ser considerada o ponto decisivo para implantação do

tema de igualdade de gênero na agenda internacional, já que o princípio da Convenção é a

eliminação da discriminação de gênero, previsto como uma forma de violência contra a

mulher. Mas além disso, pode-se considerar como outro fator influente para a adoção do tema,

o que nas relações internacionais é conhecido como Transnational Networks, que são grupos

que através de profissionais especializados, causam pressão sobre os governos, mas

principalmente, sobre a sociedade, chamando atenção para a causa e gerando uma

conscientização social, de maneira a influenciar mudanças nas políticas públicas.14

Essas “redes” são criadas em nível regional, a partir de eventos na maioria das vezes

internacionais, como é o caso dos grupos que atuam no tema de violência contra a mulher.

Mas o que se faz necessário aqui, é a forma como o tema de igualdade entrou para agenda

internacional. Partindo do que já foi anteriormente explicado, sobre a adoção da CEDAW, a

década de 1976 foi reconhecida como “Década das Nações Unidas para as Mulheres”

13 Para mais informações sobre a Convenção Confira: www.un.org/womenwatch/daw/cedaw.

14 A obra de KECK e SIKKINK; 1998 aborda o desenvolvimento das Transnational networks acerca do tema de violência contra a mulher e sua incorporação no hall dos Direitos Humanos.

((KECK; SIKKINK; 1998), pois foi um período onde ocorreram vários eventos relacionados

ao tema, mas principalmente, tratando da violência contra a mulher. Segundo Keck e Sikkink

(1998, p.168) a convenção (CEDAW) considerava como discriminação “qualquer exclusão ou

restrição à mulher com base no sexo, nos campos políticos, econômicos, social, cultural, civil

ou qualquer outro”, mas “em nenhum momento fez referência à violência contra a mulher” de

fato. Por esse motivo, se disseminaram nesse período uma série de grupos que lutavam pelos

direitos da mulher e dessa forma, o termo ganhou cada vez mais espaço, auferindo patrocínio

de grandes empresas e conseguindo dessa forma elevar suas pautas a agenda internacional. As

Conferências mundiais sobre a mulher que aconteceram nesse período foram importantes

eventos que proporcionaram o crescimento dessas redes internacionais. Quando ocorreu a

conferência de Pequim, o tema já tinha conquistado seu espaço e nesse evento foi possível

consolidar tais redes (KECK; SIKKINK; 1998 p.169).

Realizada no quinquagésimo aniversário da Organização das Nações Unidas (ONU), a

IV Conferencia Mundial da Mulher foi considerada uma das mais importantes por destinar-se

a remover obstáculos que impedissem a participação da mesma em todas as áreas, permitindo

que elas tivessem acesso igualitário nas esferas de tomada de decisão, mas principalmente,

porque o tema “Direitos Humanos da Mulher” fazia agora parte da estrutura da Organização

dos Direitos Humanos, deixando de ser apenas uma campanha momentânea. Desde a adoção

da CEDAW, já partia-se do princípio de que a igualdade é a melhor ferramenta para se

eliminar qualquer injustiça social15. Por igualdade podemos considerar dois conceitos, aquele

que segue os preceitos da teoria liberal e o que é fornecido segundo a teoria feminista:

A noção clássica liberal de igualdade é a noção de “oportunidades iguais” e“competitividade igualitária”. Remover as barreiras e dar a mulher o direitoao voto foi considerado o suficiente, o resto seria por conta das mulheres.Seguindo a forte pressão feminista nas últimas décadas, um segundoconceito de igualdade ganhou relevância e apoio – a noção de “igualdade deresultados”. O argumento é que só remover barreiras não produz de fatooportunidades iguais. [...] se barreiras existem, o argumento é que medidascompensatórias devem ser introduzidas como meios de alcançar igualdadede resultados. (DAHLERUP, 2005. p.144-145)

É a partir deste aspecto que o capítulo IV da Plataforma de Ação desta conferência traz

um item que trata sobre a mulher no poder e na tomada de decisão. De acordo com o que é

abordado neste artigo, para que se atinja a igualdade na esfera pública, a eliminação das

barreiras que impedem a participação feminina se faz necessária, mas não apenas isso. O

documento lembra que a participação na vida política do país é um direito previsto na

15 Plataforma de Ação, Pequim, 1995.

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no entanto, para que isso seja possível,

também se faz necessária a autonomia individual e melhoria nas condições de vida das

mulheres, tanto social quanto economicamente. Dentre as medidas adotadas na Conferência

para se atingir o objetivo supracitado, além das iniciativas que permitam maior participação

da mulher, estão entre as sugestões a possibilidade dos partidos incorporarem questões de

gênero em seus programas políticos; o desenvolvimento de programas de promoção na

carreira para mulheres; o incentivo a participação de mulheres indígenas e a criação de uma

massa crítica de mulheres em pontos estratégicos de tomada de decisão.

Com tanta importância quanto o princípio de mulheres nas esferas decisórias, a ideia

de capacitação das mesmas também foi abordada no documento. Para que isso seja possível,

questões como desenvolvimento da autoestima, formação visando o estímulo à participação

da mulher nos processos eleitorais além de critérios transparentes na nomeação aos postos de

tomada de decisão, foram pautadas como metas, considerando sempre o equilíbrio de gênero.

Além desses itens, é também importante ressaltar o “incentivo a aquisição de conhecimentos

jurídicos básicos” (Plataforma de Ação, 1995, p. 231) que versa sobre a importância de se dar

publicidade a leis e programas referentes a questões de gênero, bem como fornecer, nos

idiomas locais, os documentos que versem sobre igualdade de direitos humanos e

principalmente aqueles aqui já citados.

Essa conferência buscou reforçar temas tratados anteriormente como os direitos

humanos da mulher, sua capacitação e sobre a eliminação de todas as formas de violência,

mas principalmente, sobre o compromisso dos estados em implantar a Plataforma de ação

adotada, através de leis nacionais, políticas, programas e estratégias voltadas a alcançar a

igualdade entre o homem e a mulher em todas as esferas públicas e privadas. Contando com a

presença de mais de 17.000 pessoas, dentre essas 6.000 representantes de governos e 4.000 de

ONGs a Conferência de Pequim foi adotada por 189 países16 e entrou para história por

consolidar avanços legais na temática de gênero, além de ser seguida por uma série de

mudanças nas legislações eleitorais dos países, que visando possibilitar o aumento da

candidatura de mulheres, acabaram optando pela instauração da lei de cotas, que atinge

diretamente, os partidos políticos.

1.3 Cotas de Gênero

16 Dados disponíveis em:< http://www.unwomen.org/en/how-we-work/intergovernmental-support/world-conferences-on-women>

De acordo com Drude Dahlerup (2005, p.141) as cotas de gênero foram implantadas

como meio para se alcançar uma representação mais equilibrada, excluindo assim, culturas

discriminatórias de partidos políticos e limitando tendências que pudessem impedir a mulher

de disputar cargos elegíveis, já que as práticas excludentes dessas instituições são uma das

principais razões para sub-representação feminina. Ela ainda ressalta que “as cotas acabariam

colocando a responsabilidade justamente sobre aqueles que irão recrutar os futuros

representantes, ou seja, os partidos”. Assim, eles serão obrigados a chamar e preparar as

mulheres para a atuação neste cenário, “garantindo a elas o direito de participar ativamente da

política, o que ainda não acontece em alguns lugares do mundo”.

Mais que evitar a discriminação, as cotas têm o objetivo de cessar uma injustiça social

que há muito tempo existe causada pela estrutura patriarcal, instaurada ainda na fundação da

sociedade que hoje conhecemos17. É quase unanimidade entre os autores da área que a baixa

presença das mulheres no congresso não pode ser considerada apenas uma coincidência, já

que a maioria da população é formada pelo sexo feminino, é impossível crer que essa sub-

representação não esteja ligada a outros fatores sociais e, não apenas, à ideia de que a mesma

não se interessa pela política. Para Anne Phillips (1995), além da justificativa de que a mulher

representa a maior parte da sociedade, outras também são identificadas, de forma a comprovar

a necessidade de se ter um aumento da presença feminina no congresso. Um dos demais

motivos é o fato da mulher ser a melhor defensora de seus interesses, pois como dito

anteriormente, o homem até pode defender os interesses da mulher quando se tratam de

interesses em comum (transporte público, educação, saúde), mas não quando se trata de

defender questões provenientes do sexo feminino. Dessa forma, assuntos que dizem respeito à

mulher como aborto, igualdade de gênero, saúde da mulher, por exemplo, seriam mais bem

tratados se houvesse maior presença dessas nas esferas decisórias, pois permitiria, no mínimo,

um debate a respeito, já que não se pode considerar que todas as mulheres tenham a mesma

opinião acerca de determinados assuntos. Seguindo nesta mesma linha, outro motivo seria

aquilo que é atribuído a mulher como política do desvelo, ou seja, a ideia de que por ter como

característica natural o cuidado com o outro, acabaria exercendo uma nova forma de política.

Mas, independentemente de justificativas, a busca pela maior presença da mulher no

campo político se tornou uma grande preocupação e levou muitos países a encararem essa

realidade e adotar o sistema de cotas. Alguns apenas para cumprir seu dever perante a

comunidade internacional, outros por que buscavam reais mudanças. No entanto, a

17 Ver mais em PHILLIPS, 1995, cap. III

preocupação com questões de gênero surge um pouco antes do tema ganhar espaço no cenário

internacional. Segundo Anne Phillips (1995) quando se notou o efeito das cotas de gênero

adotadas pelo Partido da Esquerda Socialista da Noruega em 1970, os demais partidos

acabaram seguindo o exemplo nas décadas seguintes, já que aderir à causa da mulher poderia

lhes garantir uma vantagem eleitoral. Do mesmo modo, partidos britânicos foram a favor de

aumentar o número de candidatas mulheres, até que na década de 90 o tema tomou conta das

agendas internacionais. Neste período, segundo Mala Htun (2001), onze países da América do

Sul adotaram cotas partidárias, com exceção do Uruguai, que ainda hoje mostra certa

resistência na aprovação das mesmas. A Argentina foi o primeiro país a incorporá-las em sua

legislatura eleitoral e também em sua Constituição, tornando-as obrigatórias já em 1992. Com

a intenção de analisar os bons resultados obtidos por esse país, em 1995, as Parlamentares da

América Latina se reuniram em São Paulo, onde guiadas pela plataforma de ação da

Conferência de Pequim, garantiram a obrigatoriedade das cotas em seus sistemas eleitorais

(HTUN, 2001, p.226).

Porém, o sistema de cotas surge muito antes disso. De acordo com Phillips (1995), o

precursor deste sistema foi o movimento pela representação do trabalho entre os séculos XIX

e XX, que mais tarde originaria o partido trabalhista. Como já foi citado, os partidos de

esquerda e centro-esquerda foram os primeiros a implantar as cotas de gênero e lutar por

direitos das minorias na Europa. A partir disso, começam a se instaurar ao redor do mundo

diferentes maneiras de utilização das mesmas, dependendo do sistema eleitoral de cada país.

Conforme Drude Dahlerup (2005, p.142) são dois os tipos mais comuns: as cotas de

candidatura e as cotas de assentos reservados. O primeiro modelo estabelece uma

porcentagem mínima de candidatura que deve ser destinada as mulheres. Essas cotas podem

ser legais, quando inseridas na constituição do país e em suas legislações eleitorais, ou

também voluntárias, quando os partidos as adotam espontaneamente. Já o segundo tipo, os de

assentos reservados, tem sua aplicação de diferentes formas, seja por distrito (dos eleitos em

cada distrito 1 deve ser mulher), por assentos reservados aos partidos (os partidos devem ter

um determinado número de candidatas elegíveis) ou até mesmo por nomeação para completar

os assentos, porém, há a discussão sobre esse padrão não representar exatamente um sistema

de cotas eleitorais.

Um modelo que também é ressaltado pela autora são as cotas neutras, onde o partido

estabelece que nenhum gênero deverá ocupar mais de 60% ou menos de 40% das posições nas

listas de candidatura. Segundo ela, esse tipo de cotas é utilizado como estratégia para derrubar

argumentos de opositores, que alegam que os homens passariam a ser discriminados com a

utilização de cotas para mulheres, dessa forma, esse sistema acaba estabelecendo um limite

máximo para ambos os sexos, sem discriminar nenhum gênero.

Além dos modelos anteriormente citados, há também o que a autora chama de “fast

track”, ou seja, são cotas instauradas em países que já são bem-sucedidos no quesito

representação feminina, mas que optam por legalizá-las de forma a evitar um retrocesso.

Alguns exemplos de países que mostraram um bom resultado e da mesma forma recorreram à

legalização das cotas são Argentina e Rwanda (DAHLERUP, 2005, p.143), países esses que

estão sempre bem colocados no ranking mundial, sendo que o último ocupa o primeiro lugar

na classificação deste ano18.

Porém, não se pode analisar a eficácia do sistema de cotas apenas pelos modelos

utilizados. Htun (2001) ressalta que existem outros fatores que irão interferir diretamente no

sucesso das mesmas, como os sistemas eleitorais dos países por exemplo. A autora explica

que no caso da América Latina, a aplicação se dá de acordo com as listas partidárias, que

podem ser “abertas”, quando o voto é dirigido ao candidato, gerando assim uma competição

dentro do próprio partido, ou podem ser listas fechadas, nesse caso o voto é no partido. Cria-

se uma lista de candidatos e de acordo com o número de votos que o partido recebe, eles serão

eleitos seguindo a ordem da mesma. No caso das listas abertas, é estipulada uma porcentagem

de candidaturas que deverá ser composta por mulheres. Porém, no caso das listas fechadas, a

implantação foi mais complicada, pois como a lista é feita em ordem crescente, as mulheres

acabavam ficando em posições onde não havia chance de serem eleitas. Essa diferença é um

dos motivos que acaba influenciando os resultados entre Brasil e Bolívia já que, além das

diferenças demográficas, os países apresentam diferentes modelos de cotas e de sistemas

eleitorais.

Pensando nisso, Mala Htun (2001) estabeleceu quatro fatores para avaliar a eficiência

das cotas nos sistemas eleitorais. O primeiro é referente ao modelo de listas partidárias de

cada país, analisados anteriormente. O segundo relaciona-se com o que vinha sendo discutido

anteriormente, sobre a posição que as candidatas ocupam. Como solução para esse fator a

autora relembrou uma ação da Argentina a qual chamou de “Norma de Obrigatoriedade de

Posição Competitiva” (p.227), que significa que as mulheres devem ocupar uma posição de

possível elegibilidade. O sistema eleitoral argentino funciona seguindo o sistema de listas

fechadas e para evitar discriminações, o movimento feminista na época exigiu que se criasse

um meio que garantisse que cada terceira posição da lista devesse ser ocupada por uma

18 Disponível em: < http://www.ipu.org/wmn-e/classif.htm>

mulher, ou se no caso do partido eleger apenas dois candidatos, um deve ser mulher. De modo

similar, o movimento de mulheres na Bolívia fez a mesma cobrança, já que o sistema eleitoral

boliviano funciona sob a mesma regra, e portanto, as candidatas ocupavam baixas posições,

dificultando assim, a eleição das mesmas, diferente do Brasil, que por funcionar sob um

sistema de lista aberta, o voto é direcionado à candidata.

Para Htun (2001), “em países com sistema de lista fechada, mas sem esta norma de

obrigatoriedade de posição competitiva para mulheres, como a Costa Rica, a República

Dominicana e a Venezuela, a eficácia de cotas tem sido menor” (HTUN, 2001, p.229). Um

terceiro fator a ser analisado segundo a autora é o tamanho da circunscrição eleitoral, pois

quanto menor for o distrito, menor a possibilidade de eleição de mulheres. Por último, e talvez

um dos fatores mais importantes, é o compromisso partidário, pois o sentido não é o de

“preencher vagas”, mas sim, inserir a mulher na vida política, chamá-las a participarem como

candidatas que buscam a eleição, empenhando-se e envolvendo-se em campanhas, fazendo

parte do partido pelo qual concorrem. Os partidos precisam ter responsabilidade para

compreender o real sentido das cotas e não apenas para cumprirem uma lei, pois do contrário,

o sistema acaba sendo estigmatizado. Dessa forma, as cotas têm o objetivo de ser um

instrumento para fazer com que mais mulheres passem a ingressar na política, de maneira que

com o tempo, os partidos não necessitem mais “completar” seu quadro de candidatos, ou seja,

que as cotas sejam um meio, mas nunca um fim em si mesmas.

2. América Latina: o efeito das cotas

É a partir da década de 90 que o tema de violência contra a mulher é inserido na

agenda Internacional, dando ênfase a questão de igualdade de gêneros19. Como se sabe, para

que isso fosse possível os grupos regionais que lutavam pelos direitos da mulher já vinham

trabalhando desde muito antes disso, e no sul da América Latina não foi diferente, inclusive,

os grupos latino-americanos são frequentemente reconhecidos pelos seus esforços para

adoção do tema pelas Nações Unidas. De acordo com Maria Elisabeth Rocha (2010) os países

da América do Sul já lutavam pelos seus direitos civis e políticos desde o início do século

XX:

A trajetória foi marcada pela reivindicação das mulheres no México eBrasil, nos anos 30, ao direito ao voto e à cidadania ativa; pelasmanifestações na Colômbia, em 1912, a favor dos direitos civis da

19 Ver mais em KECK; SIKKINK; 1998.

mulher casada; e pela demanda judicial, no Equador, em 1928, emprol da extensão dos direitos políticos à mulher. Outrossim, deve serlembrado o Chile dos anos 60 e a luta das mulheres contra as distintasformas de opressão jurídica, econômica e política, enfatizando-se osurgimento, em 1952, da União das Mulheres do Chile e da eleição,em 1953, de Maria de la Cruz como deputada por Concepción, com51% dos votos, pelo Partido Feminino Chileno (ROCHA, 2010,online).

Segundo Clara Araújo (2001) um dos motivos que pode ter influenciado a adoção de

cotas pelos países da América Latina seria a forte participação das mulheres na trajetória de

redemocratização dos países, possibilitando-lhes espaços políticos mais favoráveis. Desse

modo, Ramirez e Eheaney (1998, apud ARAÚJO, 2001) acrescentam que países que se

encontram com estruturas menos consolidadas, têm maior facilidade em aderir a processos

inovadores.

Até pouco tempo a América latina quase que de forma generalizada apresentava

índices muito baixos de representação feminina, mas atualmente, esse cenário vem mudando.

De acordo com os últimos dados lançados pela plataforma da União Interparlamentar (2014) o

continente americano já está à frente dos demais continentes, principalmente da Europa, que

até 2006 dominava o ranking com 29% de parlamentares do sexo feminino (RANGEL, 2008).

Esse crescimento no número de mulheres parlamentares pode ser analisado na tabela abaixo:

Tabela: Participação feminina na América do Sul (%)

Países Dados de Dados de 1999 2015

Argentina 26,5 36,5Bolívia 8,3 63,2Brasil 5,6 10,7Chile 10,8 15,8Colômbia 11,8 20,8Equador* 17,4 41,6Guiana* 18,5 35,1Paraguai 2,5 16,8Peru* 10,8 22,3Suriname** - -Uruguai 7,1 19,2Venezuela* 12,1 16,9

Fonte: ARAÚJO (2001); MONTEIRO (2014); IPU (2015).* Países com sistema unicameral.** Dados não disponíveis.

Pode-se observar na tabela acima que dentre todos os países da América do Sul, o

Brasil é o que apresenta menor crescimento ao longo dos anos, comparado principalmente ao

Uruguai, país cujo sistema de cotas não foi adotado, porém, os demais países têm

demonstrado um bom crescimento, sem grandes oscilações.

Dessa forma, pode-se considerar que mesmo a passos lentos, o crescimento da

representação feminina nesses países é um fato que proporciona uma visão otimista quanto às

perspectivas futuras na área de política e gênero. Visto que as cotas são um instrumento

eficaz, mesmo que na maioria dos casos mostre um desenvolvimento um tanto lento, é

necessário analisar o que faz do Brasil uma exceção e o que vem impedindo as mulheres de

participarem da vida política, já que o país vem fazendo a sua parte, tornando a lei obrigatória

e colocando a responsabilidade sobre aqueles que representam a porta de entrada para o

Congresso, os partidos políticos.

2.1 Brasil

O Brasil conferiu às mulheres o direito ao voto apenas em 1932, mas segundo Clara

Araújo (2001) por mais tardio que isso tenha ocorrido ainda estaria à frente de muitos países

europeus e até mesmo americanos. No entanto, a mesma lembra que nesses 82 anos de

conquista do voto feminino, o país passou por dois períodos ditatoriais, entre 1937 e 1945 e

depois em 1964 e 1984, o que dificultou a entrada da mulher na política, já que não condizia

com a estrutura da época. Esse fator, porém, também foi encarado por demais países na

América do Sul, tais como a Bolívia e a Argentina, que não apresentam números tão baixos

de mulheres nos parlamentos, ou crescimento tão lento desse número como no Brasil. Assim,

Araújo (2001) acrescenta que outros fatores que podem influenciar a baixa adesão de

mulheres à política no Brasil, possa ser a cultura política “marcada por práticas como o

clientelismo20”, e também por questões socioeconômicas que acabam refletindo na

“participação política e na cidadania em geral”.

Conforme analisado por Araújo (2001) na época da adoção da lei, não houve

contestação já que não foi necessário realizar grandes mudanças no cenário político. As cotas

foram aprovadas no Brasil em 1995 definindo que 20% das vagas das candidaturas seriam

destinadas às mulheres, ao mesmo tempo em que as vagas relacionadas ao total de cadeiras

disponíveis aumentaram de 100% para 120%. Mais tarde em 1997, com a modificação da lei

nº 9.50421 o número foi elevado para 30% e novamente, as vagas aumentaram para 150%. Foi

20 Ver CARVALHO, 1997 (nota da autora).

21 Disponível em:<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm>

nesse período que o país pode constatar um leve acréscimo no número de mulheres eleitas

para cargos legislativos, no entanto, os anos seguintes foram de declínio. Porém, é preciso

lembrar que tal acréscimo se deu sem afetar diretamente o cenário político, comprovando a

teoria da autora de que por esse motivo não tenha havido contestação da mesma.

Tanto representantes de partidos considerados de esquerda, como osde centro e de direita apoiaram e até mesmo defenderam a proposta,sem que fossem registrados questionamentos importantes à suaconstitucionalidade. O "senso de oportunidade" e a agilidade políticaque parecem ter caracterizado a "Bancada do Batom" foram decisivospara a aprovação da legislação. Além disso, é provável que o apeloeleitoral da proposta - simpatia pela causa das mulheres - possa terinibido iniciativas de contestação. Contudo, a análise do processo nocampo institucional, dos partidos e do Congresso, permite sugerir quetais fatores não teriam sido suficientes para garantir a aprovação casoessa estratégia implicasse de imediato a alteração da engenhariapolítica eleitoral, deslocando efetivamente certos atores em favor deoutros, isto é, das mulheres. E isto, até o momento, não aconteceu [...].(ARAÚJO, 2001, online)

Ainda de acordo com a autora, há outro fator a ser acrescentado que irá influenciar

diretamente a eleição das candidatas: o quociente eleitoral22. Esse fator permite que um

candidato que não tenha obtido muitos votos, acabe por se eleger em função das vagas

disponibilizadas àquele partido, devido ao número de votos que um candidato da mesma

legenda tenha recebido. Por outro lado, esse sistema pode parecer um tanto injusto, já que

também permite que um candidato que tenha recebido muitos votos, não consiga se eleger se

a legenda do partido não tiver votos suficientes23. Tal fator pode prejudicar candidaturas em

geral, de homens e mulheres, porém, por já se encontrarem em baixo número, desde a

candidatura, em comparação aos homens, pode-se considerar que as mulheres são

prejudicadas em maior grau nesse aspecto.

Desde a criação das cotas o número de mulheres no congresso brasileiro não sofreu

grandes alterações, atingindo no máximo 10,7% esse ano. Era consenso entre os autores que

um dos motivos para isso seria a não obrigatoriedade da lei, ou seja, o partido precisava

destinar 30% das candidaturas às mulheres, não podendo completá-las com candidatos do

sexo masculino, no entanto, eles não eram obrigados a preencher todas as vagas oferecidas

(ARAÚJO, 2001). Porém, a lei passou por uma reforma em 2009 que substituiu o termo

22 O quociente eleitoral é um fator que afeta a eleição de qualquer indivíduo, independente de gênero. No entanto, se somado aos fatores abordados anteriormente, as mulheres serão as mais prejudicadas.

23 Cf. TRE. Disponível em: <www.tre-ce.jus.br/eleicao/quociente-eleitoral>

“reservar” por “preencher” tornando-a assim obrigatória24. Contudo, não se pode descontar o

problema de sub-representatividade sobre o sistema, afinal, as cotas são um meio de diminuir

a sub-representação, não a solução para a desigualdade de gênero, além disso, com os 10,7%

de mulheres no parlamento em comparação aos 8,58% com que contava até ano passado25,

podemos verificar um acréscimo, mesmo que baixo, que vêm ocorrendo a passos lentos. A

questão a ser levada em conta no Brasil, é a falta de interesse das mulheres somada aos altos

custos de lançar uma candidatura e não a suposta ineficácia das cotas. A estrutura patriarcal

brasileira bem como a mentalidade conservadora de grande parte da população ainda são

questões que preocupam e que devem ser debatidas.

2.2 Bolívia

As bolivianas conquistaram o direito ao voto um pouco mais tarde que o Brasil, em

1952, mas conforme Lurdes Monteiro (2014) o país teve sua primeira deputada quase trinta

anos mais tarde, em 1979. Nesse período alguns sindicatos de mulheres já vinham se

organizando, em busca da recuperação da democracia, e em 1980 deram início a

Confederação Nacional de Mulheres Campesinas e Indígenas da Bolívia Bartolina Sisa26. No

entanto, mesmo em um contexto de emergência da autonomia feminina, o número de

mulheres no congresso ainda era muito baixo (2,5% em 1985 e 8,3% em 1993), tendo um

aumento visível apenas em 2002 com a aplicação das cotas, passando a contar com 17,8% de

mulheres parlamentares27.

A forte atuação dos movimentos sociais na Bolívia e sua busca pela garantia de

direitos políticos e sociais pode ser um fator determinante na conquista das mulheres na lei de

paridade, o que garantiu a reformulação das cotas, instauradas em 1997. O sistema quando

instaurado, funcionava de maneira semelhante à do Brasil, devendo os partidos destinar 30%

das candidaturas às mulheres, porém essas ficavam com vagas de suplentes ou em posições

que não possibilitariam uma eleição, conforme Monteiro (2014). Assim, ao passo que a

Bolívia enfrenta um processo de refundação em 2009 é também instaurada a política de

24 Disponível em: < http://www.tse.jus.br/noticias-tse/2014/Setembro/faltam-23-dias-partidos-devem-respeitar-cota-de-genero-para-candidaturas>

25 Ver tabela item 2.1.

26 Bartolina Sisa era esposa de Túpac Katari, importante líder do movimento indígena.

27 Dados em MONTEIRO, 2014.

“paridade e alternância”28 que estabelecia que as listas de candidatura deveriam apresentar

uma candidata titular mulher para cada candidato titular homem, seguindo a mesma regra para

candidatos suplentes29. Tal política foi aplicada nas eleições nacionais deste ano, permitindo a

incorporação de 50% de mulheres no congresso, dando à Bolívia o segundo lugar no ranking

mundial de representação feminina, segundo nota da Coordenadoria da Mulher publicada na

página do Observatório de gênero30. O período que se passou entre a efetivação da lei de

cotas em 1997 e a lei de paridade em 2009, foi marcada pela luta das mulheres em prol da

evolução desse sistema, pois de forma semelhante à da Argentina, a cada evolução, uma

limitação se apresentava. Assim, o sistema de cotas paritárias alcançou o objetivo de colocar

mais mulheres no parlamento, além de se mostrar uma boa estratégia a países que funcionam

sob um sistema de lista fechada.

Esse processo em prol da representação feminina pode ser associado aos demais

movimentos sociais que ocorreram no país, buscando o reconhecimento e a igualdade de

direito à toda população. No entanto essas demandas existem há mais tempo, na verdade,

desde a independência do país, como dito por Iñigo Galván (2009, p.118) “El Estado

republicano nacido de la independencia resultó así oligárquico y excluyente, amén de

considerablemente débil”. Ainda segundo o autor, as lutas de trabalhadores e indígenas pela

igualdade foram constantes até a eleição de Evo Morales em 2005, que veio a assumir as

reivindicações dos movimentos sociais. Nesse processo as organizações femininas tiveram um

importante papel, elevando a questão da desigualdade de gênero a outro patamar. Conforme

consta no site da Agencia Plurinacional de Comunicación, a Confederação Bartolina Sisa

surge a partir da “dupla discriminação” sofrida pelas mulheres campesinas, que passaram a

sentir a necessidade de lutar pelos direitos fundamentais e pela participação feminina na

tomada de decisão. Desta forma, entre os objetivos seguidos pelo grupo estão a “adoção da

igualdade de gênero como forma de vida entre homens e mulheres” e também a eliminação de

“barreiras mentais discriminatórias”. Tais questões foram levadas em consideração na

Assembleia constitutiva que originou a nova constituição boliviana.31

28 Ver mais em OBSERVATÓRIO DE GÊNERO, 2013.

29 Art. 11.

30 Ver mais em COORDINADORA DE LA MUJER.

31 A preocupação com a igualdade de gênero ficou clara na constituição que pode ser consultada online.

Desde então, a Bolívia vem incentivando projetos das agências nacionais que busquem

o envolvimento da mulher em políticas públicas32, com o ideal de excluir qualquer forma de

discriminação, baseados nos princípios constitucionais de construção de um estado justo e

plurinacional. Assim, devido há anos de lutas, podemos considerar que a efetivação da lei de

paridade recebeu uma percepção positiva por parte da sociedade, fazendo valer ainda mais a

sua efetividade. Além disso, por se tratar de um sistema de lista fechada, onde a população

vota na legenda do partido, a modificação da lei, colocando uma candidata mulher para cada

candidato homem, não gerou uma abrupta modificação do sistema, como ocorreria no Brasil,

caso a 50% das cadeiras do congresso, fossem destinadas às mulheres.

Considerações finais

A mudança ocorrida na Bolívia comprova um princípio que é consenso entre os autores

construtivistas, a existência de uma correlação entre estrutura e agentes trazendo a ideia de

que a estrutura é importante aos agentes, bem como esses são importantes à estrutura e que

não existe na verdade uma “antecedência ontológica” entre ambos (NOGUEIRA; MESSARI;

2005 p. 176). Desse modo, analisando as mudanças geradas a partir das demandas levantadas

pelo movimento indígena boliviano, bem como a inserção da temática sobre igualdade de

gênero na agenda internacional, pode-se concluir que as relações sociais, principalmente em

nível doméstico, são hoje o melhor meio de se definir mudanças na sociedade em que

vivemos e é a partir do melhor desenvolvimento dessas relações, que será possível buscar a

eliminação de ideais discriminatórios e então falar de igualdade de gênero.

Analisando ainda o que já foi tratado é possível afirmar que os sistemas de cotas de

representação têm mostrado um bom resultado, principalmente nos países, que contam com

maior atuação dos grupos de mulheres. Foi a partir da busca pelos direitos da mulher, que

muitas perceberam na atuação política uma forma institucionalizada de representar seus

interesses, influenciando diretamente políticas públicas, como foi o caso da Bolívia.

Dessa forma, é preciso levar em conta que no Brasil, a falta de envolvimento com a

política local é quase cultural e não apenas um mal relacionado às mulheres, porém, os

homens acabam vendo maiores possibilidades na carreira política enquanto, devido questões

anteriormente levantadas como a dupla jornada e a falta de interesse político, as mulheres

tendem a buscar outras áreas de atuação. Assim sendo, não se pode imaginar que uma

modificação no sistema político seria o mais apropriado, como a alteração de cotas partidárias

32 Ver mais em COORDINADORA DE LA MUJER.

para cotas de acentos reservados por exemplo. Pelo contrário, não ocasionaria grandes

mudanças, pois não haveria alteração na estrutura, seria algo imposto e não modificado,

podendo assim ocasionar a ocupação das cadeiras, por mulheres que não venham a defender

interesses femininos. Do mesmo modo, a cultura patriarcal fortemente enraizada na população

brasileira somada a um sistema eleitoral de lista aberta, afeta diretamente a eleição das

mulheres. Ou seja, a prática comum de “preencher” as vagas destinadas às mulheres, acaba

colocando nas listas, mulheres que nem sempre têm um histórico de atuação na política, ou

em causas inerentes ao público feminino, ou a sociedade em geral. Desse modo, a criação de

cotas de assento no Brasil, poderiam apenas alterar o cenário dessa prática, de dentro dos

partidos para as assembleias legislativas. Assim, a chamada para atuação das mulheres na

política deve se dar de forma mais complexa e anterior a filiação das mesmas. A elaboração

de projetos e incentivos a criação de grupos regionais que tratem de temas importantes à

mulher, são formas de se criar uma boa base para a autonomia política feminina, além de dar

espaço para discutir o papel exercido pela mulher na sociedade. Os países analisados já

provaram que organizações de mulheres têm exercido importante influência nas políticas

públicas e feito valer a lei de cotas. O Brasil já deu o primeiro passo com a adoção da lei,

agora é hora de tornar público questões de interesse das mulheres que há muito vêm sendo

pautadas pelo movimento feminista, instigando a classe a dialogar a respeito e posicionarem-

se.

Ao passo que no Brasil ainda se faz necessária a conscientização social da importância

da participação feminina, na Bolívia as mulheres têm atuado cada vez mais em projetos

pautados neste tema, buscando maior participação nas esferas decisórias, interesse esse que

surge a partir do momento que percebem que sua atuação no mercado de trabalho é tão

importante para a economia local quanto é a do homem, e que por esse motivo deveriam ser

tratadas como cidadãs, com o mesmo respeito que era dado aos demais. Ou seja, fica claro

que é a partir do “empoderamento” feminino que surge a conscientização de que a igualdade

de gênero é necessária, e que um meio de se alcançar isso seria através da política. Do mesmo

modo, a atuação dos movimentos sociais é de grande importância para uma percepção

positiva da sociedade em relação as modificações que devem ser realizadas. Quanto aos

países que adotaram a lei de cotas partidárias, mas ainda não presenciaram grandes mudanças,

como é o caso do Brasil, se faz necessário fortalecer projetos voltados para diminuição da

desigualdade de gênero e dar maior atenção as demandas levantadas pelo movimento

feminista de forma a permitir que as mulheres tomem consciência de sua importância nas

bancadas e passem a se envolver cada vez mais na esfera política. Se deve considerar também,

a plataforma de ação das candidatas mulheres e o que vem sendo proposto nessas campanhas,

com o objetivo de analisar se questões de interesse do público feminino vêm sendo abordadas,

de modo que essas quando eleitas, exerçam uma política de ideias e não apenas de presença,

conforme sustenta Anne Phillips (1995). Assim, outro fator a ser analisado é a relativa rapidez

com que se deu a evolução do sistema de cotas partidárias boliviano em relação ao brasileiro,

que ao que parece, não apresenta evolução, já que, ao considerarmos que toda estrutura

eleitoral foi “modificada” junto da implementação e adaptação da lei de cotas, não se pode

garantir que exista de fato uma mudança, mas sim, uma aceitação das mulheres no cenário

político.

Contudo, conclui-se que muito antes a modificação do sistema de cotas brasileiro, uma

maior atenção a questões de igualdade de gênero se faz necessária, do mesmo modo que uma

melhor análise da presença de mulheres dentro dos partidos, também é importante, já que,

uma vez que existam filiadas e candidatas, mesmo que em número inferior aos homens, logo,

o problema não está na entrada de mulheres nesse meio. De fato, há um problema a ser sanado

no Brasil, no entanto, há de se considerar que possivelmente este problema esteja presente

com maior força na sociedade e na percepção da mesma quanto a mulher, do que unicamente

no sistema eleitoral.

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