Crescimento de microalgas em sistema autotrófi co estacionário

Embed Size (px)

Citation preview

Biotemas, 21 (2): 7-18, junho de 2008 ISSN 0103 1643

7

Crescimento de microalgas em sistema autotrfico estacionrioSilvana Ohse1* Roberto Bianchini Derner2 Renata vila Ozrio3 Maurcio Villela da Costa Braga3 Paulo Cunha4 Claudia Pavan Lamarca4 Mrcia Estevo dos Santos41 Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Campus Uvaranas Av. Carlos Cavalcanti, 4748, CEP 84030-900, Ponta Grossa PR, Brasil 2 Departamento de Aqicultura, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 3 Curso de Engenharia de Aqicultura, UFSC 4 CENPES/Petrobrs *Autor para correspondncia [email protected]

Submetido em 18/09/2007 Aceito para publicao em 13/03/2008

ResumoCom o objetivo de avaliar o crescimento de diferentes microalgas, testou-se nove espcies marinhas (Nannochloropsis oculata, Thalassiosira pseudonana, Phaeodactylum tricornutum, Isochrysis galbana, Tetraselmis suecica, Tetraselmis chuii, Chaetoceros muelleri, Thalassiosira uviatilis e Isochrysis sp.) e uma de gua doce (Chlorella vulgaris), em cultivo autotrco estacionrio, utilizando-se recipientes contendo 800mL de meio de cultura, iluminao constante fornecendo densidade de uxo de ftons nos cultivos em torno de 150mol m-2.s-1, temperatura de 252oC e aerao constante. O experimento foi conduzido em sala de cultivo sob delineamento em blocos casualizados no tempo com trs repeties. A espcie Nannochloropsis oculata foi a que apresentou maior valor de densidade celular mxima, porm num perodo maior de tempo e com uma velocidade de crescimento menor que as demais espcies estudadas. Isto ocorreu, provavelmente, devido ao seu tamanho diminuto das clulas, necessitando de um nmero maior de clulas/mL para que se inicie a competio por luz, nutrientes e espao. J a espcie Thalassiosira uviatilis, apesar de ter apresentado um dos menores valores de densidade celular mxima, esta alcanou o pico em menor tempo e com velocidade de crescimento maior. A nica espcie de gua doce (Chlorella vulgaris) apresentou baixo desempenho para todas as variveis analisadas. Unitermos: microalgas, cultivo, crescimento autotrco

Revista Biotemas, 21 (2), junho de 2008

8

S. Ohse et al.

AbstractGrowth of microalgae in autotrophic stationary systems. In this paper we evaluate the growth of nine marine microalgae species (Nannochloropsis oculata, Thalassiosira pseudonana, Phaeodactylum tricornutum, Isochrysis galbana, Tetraselmis suecica, Tetraselmis chuii, Chaetoceros muelleri, Thalassiosira uviatilis and Isochrysis sp.) and one freshwater species (Chlorella vulgaris) under stationary autotrophy conditions, using erlenmeyers asks with 800mL of culture medium exposed to constant light intensities providing a photon ux density of about 150mol.m-2.s-1 and 252oC temperature and constant air ow. The experiment was carried out in a controlled environment considering a block delineating randomized over time with three replicates. The Nannochloropsis oculata showed the highest value of maximum cellular density, but with a longer period of time and a lower growth rate. This was probably due to its tiny cell size, demanding a large number of cells per volume to attain its optimum conditions for light, nutrients, water and atmospheric carbon dioxide. In addition, in spite of showing one of the lowest values of maximum cellular density, Thalassiosira uviatilis was the species that reached its maximum in a short period of time at the highest growth rate. Chlorella vulgaris was the only freshwater species tested and it showed the poorest performance for all the variables analyzed in the current study. Key words: microalgae, culture, autotrophic growth

IntroduoAs microalgas pertencem a um grupo muito heterogneo de organismos, predominantemente aquticos e geralmente microscpicos unicelulares, que podem formar colnia, com pouca ou nenhuma diferenciao celular. So caracterizadas pela presena de pigmentos, responsveis por colorao variada e por mecanismo fotoautotrco. Filogeneticamente, as microalgas so compostas de espcies procariticas ou eucariticas, antigas ou mais recentes, conforme o perodo em que surgiram no planeta (Raven et al., 2001). Segundo Henrikson (1994) e Vonshak (1997) a biomassa da microalga Spirulina (Arthrospira) j era utilizada na produo de alimentos pelos povos antigos que habitavam margens de lagos da frica e do Mxico. Todavia, somente no sculo XX, pesquisadores desenvolveram tecnologias de cultivo, usando tanques abertos, fotobiorreatores fechados (PBRs) e reatores (tipo fermentadores), que permitiram a sua produo comercial (Olaizola, 2003). Segundo esse mesmo autor, as microalgas so consideradas uma fonte potencialmente rica de vrios produtos qumicos, os quais podem ser aplicados na indstria alimentcia, cosmtica, farmacutica, bem com, na obteno de biocombustveis. O cultivo pode ser aberto ou fechado, circulante ou estacionrio. No caso de tanques abertos, reatores do tipo fermentadores e recipientes pequenos utilizados na manuteno de cultivos, ou mesmo, aqueles utilizadosRevista Biotemas, 21 (2), junho de 2008

para aumentar o volume de inculo geralmente so do tipo estacionrio (Borowitzka e Borowitzka, 1988; Richmond, 2004). O cultivo de microalgas pode ser considerado um sistema biolgico muito eciente no armazenamento de energia solar, atravs da produo de compostos orgnicos via processo fotossinttico, sendo que a maioria das espcies apresenta crescimento mais rpido que as plantas terrestres, possibilitando maior rendimento de biomassa (Vonshak, 1990). As plantas apresentam composio qumica diferenciada para cada rgo, j as microalgas so organismos unicelulares, apresentando a mesma composio qumica em toda a biomassa numa cultura (Raven et al., 2001). Apesar dessas vantagens e da exibilidade (operacional e tecnolgica) do sistema de produo de biomassa, as unidades produtivas necessitam de investimentos altssimos, tanto em relao ao custo de implantao quanto produo de biomassa (nutrientes, energia, mo-de-obra, separao etc.), alm disso, h risco de contaminao dos cultivos (Richmond, 1990 e 2004; Borowitzka, 1994; Molina et al., 1995). Tanto no ambiente natural quanto nos cultivos o crescimento de uma populao de microalgas resultado da interao entre fatores biolgicos, qumicos e fsicos (Falkowski e Raven, 1997). Os fatores biolgicos esto relacionados s prprias taxas metablicas da espcie cultivada, bem como com a possvel inuncia

Crescimento de microalgas em sistema autotrco estacionrio

9

de organismos contaminantes. Quanto aos fatores fsico-qumicos que afetam o crescimento das microalgas so principalmente reportados estudos sobre luz, temperatura, salinidade e disponibilidade de nutrientes (Guillard, 1975; Richmond, 2004). A espcie Chlorella vulgaris uma alga unicelular de gua doce pertencente classe Chlorophyceae, ordem Chlorococcales e famlia Oocystaceae (Hoek et al., 1995). Apresenta forma de vida unicelular ou colonial, e pode acumular pigmentos como clorola a e b, -caroteno e xantolas. A principal forma de reserva o amido, porm sob certas condies podem armazenar leo. A reproduo pode ser por diviso binria, esporos assexuais e reproduo sexual (Hoek et al., 1995; Lee, 1995; Falkowski e Raven, 1997; Esteves, 1998; Tomaselli, 2004). As espcies Tetraselmis suecica e T. chuii so algas unicelulares ageladas, pertencente classe Prasinophyceae, ordem Chlorodendrales e famlia Chlorodendracea (Hoek et al., 1995; Tomaselli, 2004). Habitam ambientes marinhos, exibem altas taxas de crescimento e so usadas em cultivos como alimento para larvas de moluscos bivalves (Laing e Ayala, 1990). Sob condies de cultivo mixotrco, podem alcanar densidade celular considervel (Xie et al., 2001). A espcie Nannochloropsis oculata pertence classe Eustigmatophyceae (Xanthophyceae), ordem Eustigmatales e famlia Monopsidaceae (Hoek et al., 1995). Podem ser produzidas em cultivo batch ou estacionrio, sendo usadas na cadeia alimentar de rotferos (Okauchi, 1991). A espcie Chaetoceros muelleri uma alga unicelular marinha pertencente classe Bacillariophyceae, ordem Centrales e famlia Chaetoceraceae (Hoek et al., 1995). J as espcies Thalassiosira pseudonana e T. uviatilis pertencem famlia Thalassiosiraceae (Hoek et al., 1995). A espcie Phaeodactylum tricornutum pertence ordem Bacillariales e famlia Phaeodactylaceae (Hoek et al., 1995). As algas desta classe so tambm conhecidas como diatomceas, responsveis por cerca de 25% da produo primria no planeta, tornando-se o maior produtor de biomassa (Raven et al., 2001). As espcies Isochrysis galbana e Isochrysis sp. so algas unicelulares marinhas pertencentes clas-

se Prymnesiophyceae, ordem Isochrysidales e famlia Isocrysidaceae (Hoek et al., 1995; Tomaselli, 2004). Apresentam boas caractersticas nutritivas, sendo de substancial interesse na aqicultura, principalmente na alimentao de moluscos, peixes e crustceos em estgios iniciais de crescimento (Bougaran et al., 2003). Visando a obteno de informaes relativas ao cultivo de diferentes espcies de microalgas considerando as mesmas condies experimentais foi desenvolvido este estudo, com o objetivo de determinar o crescimento de dez espcies de microalgas cultivadas autotrocamente sob regime estacionrio.

Material e MtodosO experimento foi desenvolvido em sala de cultivo, no Laboratrio de Biotecnologia Alimentar (BIOTEC), Departamento de Cincia e Tecnologia de Alimentos (CAL), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As microalgas estudadas foram: Chlorella vulgaris (microalga de gua doce, cepa oriunda da Universidade Federal de So Carlos), Nannochloropsis oculata, Thalassiosira pseudonana, Phaeodactylum tricornutum, Isochrysis galbana, Tetraselmis suecica, Tetraselmis chuii, Chaetoceros muelleri, Thalassiosira uviatilis e Isochrysis sp. (microalgas marinhas, de cepas oriundas do Laboratrio de Camares Marinhos/UFSC). O experimento foi delineado em blocos casualizados no tempo, com trs repeties. A temperatura da sala de cultivo foi mantida em 252oC e as culturas foram desenvolvidas com iluminao articial (lmpadas uorescentes de 40 W), sendo submetidas a fotoperodo integral e radiao de 75mol m-2 s-1 no primeiro dia de cultivo e de 150mol m-2 s-1 a partir do segundo dia. Para o cultivo da espcie Chlorella vulgaris, de gua doce, foi utilizado o meio de cultura W.C. (Tabela 1) e, para as espcies marinhas o meio F/2 Guillard (Tabela 2), numa salinidade de 29 (29). As culturas foram mantidas com agitao (aerao) constante, com um uxo de ar atmosfrico de 0,3L min-1.

Revista Biotemas, 21 (2), junho de 2008

10

S. Ohse et al.

TABELA 1: Meio de cultura W.C., modicado de Guillard e Lorenzen (1972). ReagentesCaCl2.2H2O MgSO4.7H2O Na2HCO3 K2HPO4.3H2O NaNO3 Na2SiO3.5H2O Soluo de Ferro Soluo de micronutrientes Soluo de vitaminas gua destilada-1

Soluo-estoque (g 100 mL-1)36,8 37,0 12,6 11,4 85,0 21,2 (g 1000 mL-1 de gua destilada); Na2EDTA = 4,36; FeCl3.H2O = 3,15 (g 1000 mL de gua destilada) CuSO4.5H2O = 0,01; ZnSO4.7H2O = 0,022; CoCl2.H2O = 0,01; MnCl2.4H2O = 0,18; Na2MoO4.2H2O = 0,006; H3BO3= 1,0 (g 1000 mL-1 de gua destilada) Tiamina HCl= 0,1; Biotina= 0,0005

Meio de cultura1mL 1mL 1mL 1mL 1mL 1mL 1mL 1mL 1mL 1000mL

Correo do pH para 6,5 com soluo de HCl 10% (aproximadamente 2 mL).

TABELA 2: Composio do Meio F/2 modicado de Guillard (1975), empregado no cultivo de microalgas marinhas.1. Soluo de nitrato NaNO3 FeCl3.6H2O EDTA Na2 Sol. Traos de Metais gua destilada (Adicionar 0,65 mL para cada litro de gua do mar) ZnCl2.7H2O CoCl2.6H2O (NH4)6Mo7O24.4H2O Soluo de traos de metais: CuSO4.5H2O MnCl2.6H2O gua destilada para cada soluo 2. Soluo de fosfato NaH2PO4.H2O gua destilada (Adicionar 0,65 mL para cada litro de gua do mar) 3. Soluo de silicato Silicato de sdio (H-300, QUIMIDROL) gua destilada (Adicionar 1,0 mL para cada litro de gua do mar) 4. Soluo de TRIS Tris (Hidroximetil) Aminometano cido clordrico PA gua destilada (Adicionar 5,0mL para cada litro de gua do mar, quando houver a necessidade de esterilizar o meio em autoclave) 150,0g 8,0g 10,0g 2,0mL (de cada soluo) a 1,0L 1,65g 1,50g 0,60g 1,47g 27,0g a 150,0mL 16,0g a 1,0L

80,0g a 1,0L

50,0g 35,0mL 470,0mL

Vitaminas: Biotina: 0,1g para 100mL, deste adicionou-se 1mL na soluo de Fosfato. Cianocobalamina: 0,1g para 100mL, deste adicionou-se 1mL na soluo de Fosfato. Tiamina: 0,2g, adicionados na soluo de Fosfato.

Revista Biotemas, 21 (2), junho de 2008

Crescimento de microalgas em sistema autotrco estacionrio

11

As curvas de crescimento foram elaboradas com a densidade celular diria da mdia das trs repeties de cada tratamento ou espcie estudada. Com auxlio do programa estatstico Curveexpert foram ajustadas pela aproximao curva logstica segundo Pindich e Rubenfeld (1981), aplicando-se a seguinte frmula: Y = P1/1 + (P2-N0/N0.e-kt, onde: Y= densidade celular (cel./ L); P1 e P2= primeiro e segundo parmetros da curva logstica, respectivamente; N0= densidade celular inicial (cel./L); k= velocidade de crescimento (d-1); t= tempo (em dias). Os dados das curvas obtidas e aqueles das curvas ajustadas foram considerados correspondentes quando o coeciente de determinao (r2) foi igual ou superior a 0,80 (Costa Neto, 1977). A velocidade de crescimento especco (k) que representa o nmero de divises celulares da populao por unidade de tempo (dia), foi determinada atravs da seguinte equao, citada por Stein (1973): k= (3,322/(T2 T1).(Log N2/N1), onde: k= velocidade de crescimento; 3.322= fator de converso do logaritmo base 2 a base 10; (T2 T1) = intervalo de tempo em dias; N1 = densidade celular inicial; N2 = densidade celular nal; Log = Logaritmo em base 10. A velocidade ou taxa de crescimento especca de cada unidade experimental foi obtida considerando o dia de cultivo no qual a populao alcanou a mxima densidade celular. Para avaliar os parmetros de crescimento (densidade celular mxima alcanada, tempo de cultivo at alcanar a mxima densidade e velocidade de crescimento) foram desenvolvidas anlises de varincia (ANOVA) simples com P