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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania. Manuel Jacinto Sarmento [email protected] UNICEF Lisboa, 27 de outubro de 2015

Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania. · •As crianças transformam em lugares os espaços urbanos, constituem-nos em ... os impactos da crise arrastam consequências sociais

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Manuel Jacinto Sarmento

[email protected]

UNICEF

Lisboa, 27 de outubro de 2015

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidade

• Na sociedade contemporânea, a imensa maioria das crianças vive na cidade

• As crianças transformam em “lugares” os espaços urbanos, constituem-nos em contextos de interação revestidos de sentido e de emoções.

• Esses espaços ora se apresentam como “espaços para crianças”, onde é suposto estarem e entre os quais circulam (bairros habitacionais, escolas, lugares de recreio) ora como “espaços das crianças”, furtivos ao olhar adulto, produzidos na ordem social das crianças e nas suas culturas de pares

Porto, Serralves. Foto: Manuel Sarmento

Tarragona. Foto: Manuel Sarmento

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidade

• Entre a casa, a escola, o lugar institucional do lazer, as crianças urbanas são transportadas, circulando entre “ilhas urbanas” (Zeiher, 2003), no testemunho vivo da fragmentação urbana das cidades modernas. Espaços socialmente estratificados e divididos, com zonas exclusivas e zonas de exclusão, com condicionamentos e formas de ocupação restrita, a cidade contemporânea é dual(Castells,1989) em múltiplos sentidos. Barcelos

Desenho de criança de 7 anos

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidade

•A circulação (frequentemente em transporte público ou privado) entre os espaços i, faz das cidades lugar de ilusão, deslumbramento, mas também de desidentificação e de estranheza. •As cidades procedem a interdições

formais e simbólicas às crianças -de circulação, acesso, mobilidade, interação, práticas sociais. Mas as crianças, que é suposto não estarem na rua, fazem transgressões a essas regras no quotidiano.

ParisFoto: Manuel Sarmento

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidade

• A criança é o habitante urbano “estrangeiro” (G. Simmell), mas dificilmente circula com a liberdade aparente do flanneur (W. Benjamin).

• O fascínio da cidade global, com as suas marcas, os neóns, os convites ao consumo, os apelos dos múltiplos sinais dos centros dos poder económico, promove nas crianças a transfiguração imaginária do espaço urbano num lugar comunicacional, emergencial, polifónico e fantasista.

• Os espaços urbanos são sempre, para as crianças, as cidades imaginárias de ItaloCalvino.

Barcelona . Foto: Manuel Sarmento

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidade

• A construção de políticas públicas urbanas para as crianças constitui um imperativo de cidadania e um fator decisivo de bem-estar.

• Podemos definir bem-estar como a condição de satisfação pessoal e inclusão plena, dos indivíduos e das comunidades sociais.

• No bem-estar infantil estão presentes aspetos de satisfação individual– acesso a alimento, a água potável, a um ambiente saudável, a uma família ou a condições de acolhimento, à educação, ao lazer, à proteção contra todo o tipo de negligências ou maus-tratos, à informação e ao atendimento da sua opinião, etc. – e de inclusão social plena na sociedade das crianças como cidadãos específicos.

• A crise económica e social vem ameaçar profundamente as condições de bem-estar das crianças e desafiar as políticas urbanas para a infância.

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

A infância e a crise da “cidade”

• Vários relatórios internacionais (Harper

et al. 2009, UNICEF, 2014), que analisam numa perspetiva simultaneamente histórica e sincrónica os efeitos das crises económicas na situação da infância, convergem numa mesma ideia: os impactos da crise arrastam consequências sociais especialmente graves na pobreza infantil, na perturbação da saúde, designadamente da saúde mental, na violência intrafamiliar e na negligência de cuidados aos mais novos.

Genebra. Foto: Manuel Sarmento

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

A infância e a crise da “cidade

• Perante a crise importa dizer enfaticamente: se talvez se possa perceber a defesa de uma moratória no desenvolvimento do país, numa conjuntura de dívida e de crise, não há moratória possível com as crianças. Os riscos do presente são irreversíveis. Por isso, face à incidência da crise social na infância são absolutamente indispensáveis políticas de contraciclo, que defendam as crianças no presente para não comprometer definitivamente o seu futuro. As crianças não podem esperar. Isto implica uma agenda nas políticas públicas para a infância absolutamente em contraponto com a agenda atual. Uma agenda para a cidadania da infância

Rodes e FlorençaFotos: Manuel Sarmento

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidadania

• Cidadania: “Identidade oficial” dos membros de uma comunidade com capacidade soberana de auto governação.

• O estatuto de membro da comunidade impõe, ao mesmo tempo, obrigações e deveres do cidadão para com a comunidade: • cidadania civil (direitos de liberdade individual, de expressão,

de pensamento, de crença, de propriedade individual e de acesso à justiça)

• cidadania política (direito de eleger e ser eleito e de participar em organizações e partidos políticos)

• cidadania social (acesso individual a bens sociais básicos). (Marshall,1966)

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidadania

• Uma conceção ampliada da cidadania da infância implica uma visão multiplicada das possibilidades de cidadania• Cidadania Social

• Cidadania Participativa

• Cidadania Organizacional/Institucional

• Cidadania Cognitiva

• Cidadania Íntima

Guimarães Foto:ADCL

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidadania

•Cidadania social• Condições estruturais para uma

inclusão social plena de todas as crianças;

• Garantia das condições básicas da vida com dignidade: alimentação, habitação, saúde, educação, lazer, proteção social;

• Instituições respeitadoras do melhor interesse das crianças.

A cidade é um espaço de inclusão sem discriminação

Sinais. Fotos: Manuel Sarmento

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidadania• Cidadania Participativa

• Fazer com que a voz das crianças (essa voz que nunca deixou de ecoar, mesmo baixinho, nos espaços intersticiais onde a deixam exprimir) seja verdadeiramente ouvida.

• Envolver as crianças em processos de tomada de decisão.

• A participação política das crianças não pode ser pensada através de modos de imitação “macaqueada” dos comportamentos políticos adultos.

A cidade é um lugar de participação cidadã das criançasGuimarães: grupos focais de construção da Carta da cidadania

Infantojuvenil. Foto: ADCL

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidadania

• Cidadania organizacional/institucional

• As crianças são codecisoras nas organizações sociais e isso supõe:• i) Uma lógica de ação

organizacional assente nos direitos da criança

• ii) Uma pedagogia de participação• iii) A “imaginação organizacional”

na elaboração das regras e na criação de recursos de participação

• iv) Uma nova competência profissional dos técnicos sociais

A cidade estrutura uma rede social de organizações que corporizam uma política de infância

Aveiro. Caderno das DecisõesFoto: Gabriela Trevisan

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Infância e cidadania

• Cidadania cognitiva• As crianças vivem num universo saturado de

formas e de sentidos. Mas elas realizam interpretações singulares, criativas e frequentemente críticas dessas formas e conteúdos, expressando-se nos seus quotidianos, nos seus jogos e brincadeiras e nas suas interações com os outros.

• A incorporação do imaginário no conhecimento do mundo, inerente às gramáticas das culturas da infância, corresponde a um resgate do sensível na interação com a natureza e com os outros.

A cidade das culturas infantis abre-se à ação criativa das crianças na sua agenda cultural, no seu mobiliário urbano, nos seus equipamentos.

Porto, Portugal Foto: Paula Nogueira

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Infância e cidadania

• Cidadania íntima

• A criação de um espaço-tempo democrático para as crianças implica-se no domínio das interações sociais, atravessa o espaço estrutural doméstico e familiar e articula-se com relações intergeracionais, em todos os domínios da vida social, sustentadas no reconhecimento de uma diferença não menorizante. A cidadania íntima (Plummer, 2005) exprime-se nas relações face-a-face.

A cidade abre-se ao diálogo intergeracional

ParisFoto: Manuel Sarmento

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Políticas urbanas

• A cidadania na infância tem no espaço urbano um lugar problemático de potenciação e de restrição. • Potenciação, porque é em torno da participação das crianças na

construção coletiva das políticas urbanas que de forma mais impressiva se vêm afirmando os direitos participativos das crianças no espaço público.

• Restrição, porque a cidade é, na sociedade de risco, potencialmente mais restritiva da autonomia das crianças, mais limitadora dos espaços, mais ameaçadora da segurança, mais indutora de formas globalizadas de colonização pelo consumo, mais potenciadora das desigualdades (nomeadamente, no acesso a espaços, a bens e a serviços urbanos).

Esta restrição constitui-se como um desafio a contornar pela ação política dos municípios.

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Políticas urbanas

• Procurar ouvir a voz em que as crianças “revelam” as formas de vida da (na) cidade torna-se indispensável para compreender e interpretar os modos de cidadania nas políticas públicas urbanas.

•As políticas públicas urbanas para as crianças apresentam-se como incontornáveis, porque a cidade ocupa um lugar central no poder e na governança no contexto da globalização e porque a cidade é o espaço da inclusão ou exclusão na cidadania

PortoFoto: Manuel Sarmento

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Políticas urbanas

• A promoção de programas e projetos de política urbana para a infância é hoje um dos domínios mais prometedores de construção da participação infantil, de afirmação da cidadania e da construção de cidades de rosto humano

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Políticas urbanas

A cidade das crianças é a utopia realizável da cidadania da infância:

• na integração das políticas urbanas

• na participação

• nos equipamentos e no mobiliário urbano

• na mobilidade

• na sutura social do território

• na programação cultural para ascrianças

• nas políticas sociais contra a crise: nem uma só criança com fome, nem uma só criança desprotegida por falta de recursos, nem uma só criança fora da escola.

Guimarães

Foto: serviço educativo do

Centro Cultural Vila Flor

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Crianças, Cidade e Políticas de Cidadania.

Epílogo

• Rui Belo escreveu um dia:

“as crianças todas as crianças quando são crianças

e só mais tarde sabem tê-lo sido e ter perdido

a incidente ciência de sabê-lo ser

as crianças belas dizia eu como um navio à vela todas as crianças

nunca são menos públicas que o sol dos últimos jardins

desprezados decerto pela cupidez dos construtores civis

destas nossas assépticas cidades…”.

• O reconhecimento do estatuto moral “público” das crianças é certamente a condição da construção, com elas, de• cidades menos assépticas, • jardins mais ensolarados, • cidadãos menos cúpidos…