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Considerações sobre os crimes contra a Ordem Tributária Diogo Malan SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Crime do colarinho branco – 3. Fundamento político-criminal dos crimes contra a Ordem Tributária – 4. Parte Geral: 4.1 Antecedentes históricos da Lei 8.137/90; 4.2 Conceito de crime contra a Ordem Tributária e bem jurídico tutelado; 4.3 Sujeitos do crime; 4.4 Responsabilidade penal; 4.5 Extinção da punibilidade pelo pagamento – 5. Parte Especial: 5.1 Considerações gerais; 5.2 Artigo 1º da Lei 8.137/90; 5.3 Artigo 2º da Lei 8.137/90; 5.4 Artigo 3º da Lei 8.137/90 – 6. Questões processuais: 6.1 Representação fiscal para fins penais; 6.2 Denúncia genérica; 6.3 Afastamento de sigilos fiscal e financeiro; 6.4 Inviolabilidade domiciliar e privilégio contra a auto- incriminação; 6.5 Suspensão da pretensão estatal punitiva e do prazo prescricional – 7. Conclusão – 8. Referências bibliográficas Resumo: Estudo panorâmico sobre os crimes contra a Ordem Tributária tipificados nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei 8.137/90, incluindo seus principais aspectos criminológicos, político- criminais, penais e processuais penais. Summary: Panoramic study on tax crimes according to articles 1, 2 and 3 of Federal Law 8.107/90, including their main criminological, political, penal and procedural aspects. Palavras-chave: Crimes contra a Ordem Tributária – Lei 8.137/90 – Crime do colarinho branco – “Eticização” do direito penal fiscal Crimes de acumulação (“Kumulationsdelikte”) Key words: Tax Crimes – Federal Law 8.137/90 – White- collar crime – “Ethicalization” of tax criminal law – Accumulation crimes (“Kumulationsdelikte”) 1. Introdução

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Considerações sobre os crimes contra a Ordem Tributária

Diogo Malan SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Crime do colarinho branco – 3. Fundamento político-criminal dos crimes contra a Ordem Tributária – 4. Parte Geral: 4.1 Antecedentes históricos da Lei 8.137/90; 4.2 Conceito de crime contra a Ordem Tributária e bem jurídico tutelado; 4.3 Sujeitos do crime; 4.4 Responsabilidade penal; 4.5 Extinção da punibilidade pelo pagamento – 5. Parte Especial: 5.1 Considerações gerais; 5.2 Artigo 1º da Lei 8.137/90; 5.3 Artigo 2º da Lei 8.137/90; 5.4 Artigo 3º da Lei 8.137/90 – 6. Questões processuais: 6.1 Representação fiscal para fins penais; 6.2 Denúncia genérica; 6.3 Afastamento de sigilos fiscal e financeiro; 6.4 Inviolabilidade domiciliar e privilégio contra a auto-incriminação; 6.5 Suspensão da pretensão estatal punitiva e do prazo prescricional – 7. Conclusão – 8. Referências bibliográficas Resumo: Estudo panorâmico sobre os crimes contra a Ordem Tributária tipificados nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei 8.137/90, incluindo seus principais aspectos criminológicos, político-criminais, penais e processuais penais. Summary: Panoramic study on tax crimes according to articles 1, 2 and 3 of Federal Law 8.107/90, including their main criminological, political, penal and procedural aspects. Palavras-chave: Crimes contra a Ordem Tributária – Lei 8.137/90 – Crime do colarinho branco – “Eticização” do direito penal fiscal – Crimes de acumulação (“Kumulationsdelikte”) Key words: Tax Crimes – Federal Law 8.137/90 – White-collar crime – “Ethicalization” of tax criminal law – Accumulation crimes (“Kumulationsdelikte”) 1. Introdução

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O objetivo do presente artigo é propiciar ao leitor uma visão panorâmica acerca dos crimes contra a Ordem Tributária, abrangendo todas as nuanças desses delitos.

A esse propósito, de início serão analisados os aspectos criminológicos e político-criminais da criminalidade fiscal, incluindo o chamado crime do colarinho branco (“white collar crime”) e o fundamento político-criminal para a incriminação de condutas relacionadas à sonegação fiscal.

Posteriormente, serão abordadas as questões jurídico-penais de caráter mais geral acerca desses crimes, como seu conceito, bem jurídico penalmente tutelado, sujeitos do crime, critérios de imputação e atribuição da responsabilidade penal, formas de extinção da punibilidade etc.

Em seguida, serão investigadas as características dos três principais tipos penais relativos aos crimes contra a Ordem Tributária ora em vigor no ordenamento jurídico brasileiro: os artigos 1º, 2º e 3º da Lei 8.137/90.

Por fim, serão perscrutadas as principais questões processuais que surgem por ocasião da persecução penal desses crimes contra a Ordem Tributária. Nesse diapasão, serão estudados institutos como a representação fiscal para fins penais, denúncia genérica, afastamento dos sigilos fiscal e financeiro do contribuinte, fiscalização tributária e inviolabilidade domiciliar, dever de informar e privilégio contra a auto-incriminação (“nemo tenetur se detegere”) e a suspensão da pretensão estatal punitiva e da prescrição.

A opção pela abordagem de uma ampla gama de questões, se por um lado tem a vantagem de propiciar uma visão mais completa acerca do setor de incriminação ora em estudo, por outro acarreta certa desvantagem em termos da profundidade dogmática jurídico-penal da análise encetada.

Nada obstante, se tentará minimizar tal desvantagem por meio do uso de notas de pé de página contendo fartas referências bibliográficas que permitem ao leitor interessado o aprofundamento do estudo de cada ponto abordado.

2. Crime do colarinho branco

O conceito de “white collar crime” foi cunhado em

1939, por ocasião de palestra homônima proferida pelo

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criminólogo norte-americano Edwin Sutherland na American Sociological Association.

A pesquisa comprovou que das setenta maiores corporações norte-americanas, 100% delas já haviam sido condenadas (em média catorze vezes cada uma), perfazendo um total de novecentas e oitenta condenações pela prática de infrações de natureza penal e administrativa tais como fraudes fiscais, violações à livre concorrência, venda de produtos defeituosos etc. O índice de reincidência verificado nessas condutas foi de 91.7%. 1

Essa palestra causou tamanha inquietação no meio acadêmico que a obra homônima de Sutherland somente viria a ser publicada, na íntegra, trinta e quatro anos mais tarde. 2

Nessa ocasião, Sutherland fez duras críticas à inexistência de punição na esfera penal para infrações praticadas no âmbito empresarial, apresentando um novo perfil de delinqüente que entrava em rota de colisão com a Criminologia daquela época.

Esta última tradicionalmente buscava explicar o fenômeno do crime através de relações de causa e efeito (teorias exógenas), a saber:

a) teoria da ecologia criminal: segundo a Escola de Chicago, as características geográficas favorecem a prática de crimes, pois as pessoas são influenciadas pelas características do meio onde vivem. O fenômeno do crime estaria essencialmente concentrado nas periferias;

b) teoria das subculturas criminais: focada na delinqüência juvenil, defende que jovens pobres praticam crimes pois não se sentem bem sucedidos à luz dos valores sociais predominantes, o que dá ensejo ao surgimento de subculturas criminais, que buscam abraçar outros valores;

c) teoria da anomia social: sustenta que existem determinados objetivos que são comuns aos membros do corpo social, mas como os meios legítimos para alcançá-los não estão ao alcance de todos, surge o fenômeno da criminalidade.

De acordo com Sutherland, nenhuma destas teorias explica de forma satisfatória o crime do colarinho branco, motivo pelo qual todas seriam equivocadas.

1 SANTOS, Cláudia Maria Cruz. O crime de colarinho branco, p. 47. 2 SUTHERLAND, Edwin. White-collar crime: The uncut version.

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O sobredito criminólogo introduziu a teoria da associação diferencial, segundo a qual tanto a motivação quanto o “know-how” necessários para a prática do crime resultam de um processo de aprendizagem dos valores predominantes em um determinado grupo social. 3

O crime do colarinho branco, portanto, comprova que não são diferenças (físicas, psíquicas ou sociais) do criminoso com relação às pessoas comuns que causam o fenômeno da criminalidade, pois os criminosos do colarinho branco são pessoas com boa situação econômica e social, além de perfeitamente capazes física e intelectualmente, até acima da média.

Sutherland adotou um conceito subjetivo de “white collar crime”, centrado nas características pessoais do criminoso. Assim, para ele crime do colarinho branco é aquele crime praticado por pessoa de respeitabilidade e alta condição social, no exercício da sua atividade profissional.

Algumas características do crime do colarinho branco que podem ser alinhavadas são as seguintes: 4

a) complexidade: a prática do crime normalmente exige conhecimentos especializados acerca do mundo dos negócios que estão além do alcance do cidadão comum;

b) opacidade: o crime normalmente é praticado em lugares inacessíveis ou de acesso restrito, ao contrário do crime comum, praticado em locais públicos, à vista de todos;

c) dificuldade estatal na investigação: os órgãos estatais responsáveis persecução penal encontram grandes dificuldades materiais na investigação desse tipo de delito, como conseqüência direta das sobreditas complexidade e opacidade;

d) conflito latente: o crime não envolve a prática de violência ou grave ameaça, logo e a percepção social acerca do nexo de causalidade entre conduta e resultado criminoso é muito tênue;

e) difusão da vitimização: o crime não atinge uma vítima individualizada e sim o Estado ou toda a coletividade, motivo pelo qual é reduzida a consciência social acerca da vitimização e da gravidade do crime;

f) dispersão de responsabilidade: há uma diluição das responsabilidades penais individuais, porque

3 SANTOS, Cláudia Maria Cruz. Op. cit., p. 43 e ss. 4 SANTOS, Cláudia Maria Cruz. Op. cit., p. 100 e ss.

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normalmente o crime é praticado por meio de uma pessoa jurídica e envolve um intrincado procedimento decisório, decorrente da complexa divisão de tarefas entre os diversos órgãos corporativos;

A teoria do “white collar crime” foi importante na evolução do pensamento criminológico, na medida em que ela forçou o abandono da idéia de que o criminoso é uma pessoa anormal do ponto de vista biológico ou intelectual.

Ademais disso, ela é importante para ressaltar as principais características sociológicas dos crimes contra a Ordem Tributária e seus autores. 3. Fundamento político-criminal dos crimes contra a Ordem Tributária

O fundamento político-criminal da punição dos crimes contra a Ordem Tributária é o fenômeno da eticização do direito penal fiscal. 5

Tal fenômeno decorre da conscientização social acerca de que a arrecadação tributária não é um fim em si mesmo. Em vez disso, tal arrecadação é um meio indispensável para que o Estado Social de Direito realize seus objetivos de justiça social distributiva, impostos pelo seu cariz democrático. 6

Nesse diapasão, a obtenção de receitas tem como finalidade a consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, notadamente a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária e a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das desigualdades sociais e regionais (artigo 3º da Carta Política).

Assim, para Anabela Miranda Rodrigues a criminalização de condutas lesivas ao Erário satisfaz o critério político-criminal da necessidade. 7

Resta saber se tal processo de criminalização igualmente satisfaz os critérios da subsidiariedade e da eficácia.

Quanto àquele critério, cumpre indagar se o Estado não dispõe de meios de cariz cível ou administrativo

5 RODRIGUES, Anabela Maria Pinto de Miranda. Contributo para a fundamentação de um discurso punitivo em matéria penal fiscal. 6 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico, p. 399. 7 RODRIGUES, Anabela Maria Pinto de Miranda. Op. cit., p. 482.

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suficientes para tutelar a arrecadação tributária. No que tange a este último critério, o questionamento diz respeito à eficácia da tutela da arrecadação tributária pelo Direito Penal.

A sobredita professora lusitana responde a essas questões da seguinte forma:

“Fundamento da intervenção punitiva penal é, também aqui, no domínio penal fiscal, a conservação ou o reforço da norma violada pelo crime como modelo de orientação do comportamento das pessoas na interação social. Tanto basta para que, no plano legal, não se justifique que se utilize apenas a pena de multa como pena principal. Só uma degradação das infrações penais fiscais em confronto com as infrações penais gerais pode explicar a não inclusão no elenco das penas principais a pena de prisão. À dignidade penal indiscutível dos comportamentos de fuga ilegítima ao fisco deve corresponder a dignidade das penas a aplicar. É testemunho do grau de eticização do direito penal fiscal a categoria das penas que o servem.” 8 Logo, a referida autora vislumbra na incriminação

de condutas lesivas ao Fisco a função de formar uma consciência ética fiscal na sociedade, despertando a percepção social acerca das vantagens oriundas do cumprimento dos deveres fiscais e das reais proporções da vitimização causada pelas condutas criminosas.

Já Susana Aires de Sousa fundamenta a punição dos crimes fiscais partindo de uma concepção sócio-personalista das relações entre o Estado e o contribuinte, segundo a qual a tributação se funda na figura do contribuinte, considerado ser social, possuidor de deveres contributivos ante o corpo social.

Assim, o imposto adquire dimensão ética, se consubstanciando em: (i) instrumento de justiça social; (ii) meio financeiro indispensável ao cumprimento pelo Estado de

8 RODRIGUES, Anabela Maria Pinto de Miranda. Idem, ibidem.

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programa de despesas públicas benéficas à sociedade como um todo. 9

Logo, a incriminação dos crimes fiscais se justificaria na medida em que a impunidade da conduta de um contribuinte individual pode dar azo a uma grande quantidade de condutas assemelhadas, a qual causa vultosos danos sociais. 10

Assim, o discurso punitivo relativo aos delitos fiscais aparenta fincar seus espeques na tese dos crimes de acumulação (“Kumulationsdelikte”), segundo a qual é legítimo se sancionar criminalmente uma determinada conduta por si só inofensiva ao bem jurídico tutelado, desde que haja diversos outros comportamentos idênticos, cujo somatório acarrete lesão ao referido bem. 11

Por outro lado, tal fundamento político-criminal é passível de críticas.

A incriminação de conduta geradora tão-só de um perigo que pode ser considerado presumido, estatístico ou global ao bem jurídico penalmente tutelado rompe com o princípio da culpabilidade individual, justificando-se a sanção criminal com base em fatos praticados por terceiros. Ademais, os crimes de acumulação se relacionam a problemas sociais sistêmicos, os quais não podem ser atribuídos às ações de determinadas pessoas. Por fim, há violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na medida em que a conduta do agente não enseja sequer perigo abstrato para o bem jurídico penalmente tutelado. 12

Uma análise mais aprofundada dessas críticas extrapola o objetivo do presente estudo.

4. Parte Geral 4.1 Antecedentes históricos da Lei 8.137/90

O primeiro diploma a tipificar o crime de sonegação fiscal no País foi a Lei 4.729/65, promulgada em plena

9 SOUSA, Suzana Aires de. Os crimes fiscais: Análise dogmática e reflexão sobre a legitimidade do discurso criminalizador, p. 261-262. 10 SOUSA, Suzana Aires de. Op. cit., passim, especialmente p. 299-301. 11 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais, p. 121 e ss. 12 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Op. cit., p. 112 e ss.

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ditadura militar, que cominava às condutas fraudulentas tipificadas no seu artigo 1º pena de detenção de seis meses a dois anos, além de multa de duas a cinco vezes o valor do tributo. Essa pena privativa de liberdade podia ser substituída pela pena pecuniária de valor correspondente a dez vezes o montante do crédito tributário sonegado, caso o agente fosse primário (artigo 1º, § 1º).

Considerada de péssima técnica legislativa 13, essa lei continha disposições teratológicas como o artigo 2º, parágrafo único, que dispunha “Não será punida com as penas cominadas nos arts. 1º e 6º a sonegação anterior à vigência desta lei”; o artigo 3º, o qual asseverava que “somente os atos definidos nesta Lei poderão constituir crime de sonegação fiscal”; o artigo 4º, que esclarecia que o valor da pena pecuniária imposta seria computado e recolhido integralmente como receita pública extraordinária.

Os dois primeiros dispositivos eram absolutamente redundantes, eis que enunciavam regras decorrentes dos princípios já consagrados como a legalidade penal e a impossibilidade de aplicação retroativa de norma penal mais gravosa – atualmente plasmados nos incisos XXXIX e XL da Constituição da República, respectivamente.

O último dispositivo igualmente continha verdadeiro truísmo, pois seria impossível o cômputo e recolhimento do valor da sanção penal de natureza pecuniária como receita pública ordinária.

No ano de 1990 veio à baila a Lei 8.137, a qual revogou a Lei 4.729/65. O novel diploma se originou do Projeto de Lei nº 4.788/90, de autoria do Poder Executivo, cuja exposição de motivos é de clareza meridiana ao preconizar o recrudescimento das normas incriminadoras e das penas como sendo uma medida idônea a desestimular a sonegação fiscal.

Ademais, há três fatos sintomáticos do caldo de cultura político-criminal autoritário e punitivo no qual foi cozinhada a Lei 8.137/90.

A uma, a inédita nomeação pelo então Presidente Fernando Collor de Mello (acoimado de “caçador de marajás”) de um Delegado de Polícia Federal (Romeu Tuma) para o

13 FRAGOSO, Heleno Cláudio. O novo direito penal tributário e econômico; PIMENTEL, Manoel Pedro. Crime de sonegação fiscal.

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cargo de Secretário da Receita Federal, em meio a discursos de maior rigor punitivo com os sonegadores do Fisco.

A duas, o confisco de ativos dos cidadãos depositados no Sistema Financeiro Nacional, determinado pela Medida Provisória 168, de 15 de março de 1990.

Por fim, a entrada em vigor naquele ano da chamada Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), considerada o marco inaugural da política criminal simbólica e punitivista neste País.

Nesse contexto político-criminal, não causa surpresa que as penas cominadas aos crimes de sonegação fiscal foram substancialmente agravadas: de um máximo de dois anos de detenção (artigo 1º da Lei 4.729/65) passaram a um máximo de cinco anos de reclusão (artigo 1º da Lei 8.137/90).

4.2 Conceito de crime contra a Ordem Tributária e bem jurídico tutelado

Como é cediço, o Direito Penal é um ramo do saber

jurídico considerado de intervenção mínima, no sentido de que ele só deve intervir naqueles conflitos sociais considerados de extrema gravidade, relegando-se aos demais as sanções de natureza cível ou administrativa.

Ademais disso, nosso ordenamento jurídico-constitucional proíbe a prisão civil por dívida, ressalvando tão-somente as hipóteses do alimentante inadimplente e do depositário infiel (artigo 5º, LXVII). Assim, seria flagrantemente inconstitucional qualquer incriminação que incidisse sobre o mero inadimplemento de tributos.

Nessa toada, quando o sujeito passivo da obrigação tributária se abstém do devido recolhimento do tributo, pratica uma infração fiscal que é sujeita a uma sanção de natureza administrativa (normalmente a multa fiscal). Tal fato não se reveste, por si só, de relevância jurídico-penal, sendo consideradas suficientes as sanções existentes no ramo do Direito Administrativo sancionador.

Para que seja revestida de legitimidade a intervenção do Direito Penal, é imprescindível que ela seja seletiva, proporcional e criteriosa. Há uma maior reprovação social na conduta do contribuinte que propositadamente emprega uma fraude para se omitir do recolhimento do

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tributo. Nesse caso, o fato pela sua maior gravidade caracteriza crime fiscal, ficando sujeito a uma sanção mais severa, de natureza penal. 14

Segundo Manoel Pedro Pimentel, “É delito tributário toda conduta que viola dispositivo de lei penal editada para proteger a boa execução da política tributária do Estado.” 15

A nosso sentir inexiste um Direito Penal Tributário cientificamente autônomo em relação ao Direito Penal tradicional. Aquele utiliza por empréstimo a metodologia, o objeto e o arcabouço de princípios pertencentes a este último. Assim, a expressão Direito Penal Tributário somente tem utilidade para fins didáticos, referindo-se ao Direito Penal particularizado a uma área de incriminação específica.

O bem jurídico-penal é instituto de difícil conceituação, dada a variegada e heterogênea gama de bens, valores, relações e interesses sociais que o Direito Penal visa a resguardar. Pode-se conceituá-lo, na esteira de Luiz Regis Prado, como sendo

“um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem em sociedade e, por isso, jurídico-penalmente protegido.” 16 Atualmente parece mais acertada a concepção

material-constitucional de bem jurídico-penal, segundo a qual este deve expressar as condições essenciais da vida humana em sociedade refletidas nos valores inerentes ao Estado Democrático e Social de Direito, sendo adotadas pelo texto constitucional. Tais condições têm que balizar os critérios de seleção das condutas típicas por parte do legislador. 17

Há grande divergência doutrinária no que tange a qual é o bem jurídico tutelado nos crimes contra a Ordem Tributária.

Para Miguel Bajo Fernández e Silvina Bacigalupo, é o Erário, malgrado haja igualmente a tutela indireta da

14 RIOS, Rodrigo Sánchez. O crime fiscal, p. 29. 15 PIMENTEL, Manoel Pedro. Introdução ao estudo do direito penal tributário. 16 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição, p. 52-53. 17 PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 82 e ss.

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política estatal de arrecadação e alocação de recursos públicos. 18

De forma semelhante, Rodrigo Sánchez Rios considera como bem jurídico imediato o Erário, e como mediato “o valor constitucional da solidariedade de todos os cidadãos na contribuição da manutenção dos gastos públicos.” 19

A professora lusitana Susana Aires de Sousa aduz que o bem é o conjunto das receitas fiscais de que o Estado é titular. 20

O Promotor de Justiça Andreas Eisele vislumbra na “relação de disponibilidade (no momento e dimensão material juridicamente discriminados) existente entre o sujeito passivo imediato do crime e a receita tributária que configura expressão do patrimônio público” o bem jurídico penalmente tutelado. 21

Manoel Pedro Pimentel, por outro lado, leciona que o bem jurídico é a “defesa dos interesses do Estado, ligados à política de arrecadação dos tributos devidos e à respectiva fiscalização da sua execução.” 22

O magistrado Rui Stoco identifica “os interesses estatais ligados à arrecadação dos tributos devidos à Fazenda Pública, visando à boa execução da política tributária do Estado” como sendo o bem jurídico tutelado. 23

A “política socioeconômica do Estado, como receita estatal, para obtenção dos recursos necessários à realização de suas atividades” é o bem jurídico, na visão de Luiz Regis Prado. 24

Segundo Cláudio Costa, o bem tutelado é, simplesmente, a arrecadação tributária, na medida em que: (i) a Fazenda não se interessa pela cobrança de tributos de valor desprezível; (ii) o pagamento do tributo devido enseja a extinção da punibilidade do agente. 25

Entendemos que esta última posição é a que melhor se ajusta ao modelo de tipificação de condutas consagrado no bojo da Lei 8.137/90. 18 BAJO FERNÁNDEZ, Miguel, BACIGALUPO, Silvina. Delitos tributarios y previsionales, p. 55. 19 RIOS, Rodrigo Sánchez. Op. cit., p. 50. 20 SOUSA, Suzana Aires de. Op. cit., p. 299. 21 EISELE, Andreas. Crimes contra a ordem tributária, p. 48. 22 PIMENTEL, Manoel Pedro. Op. cit. 23 STOCO, Rui. Sonegação fiscal e os crimes contra a Ordem Tributária. 24 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico, p. 408. 25 COSTA, Cláudio. Crimes de sonegação fiscal, p. 37-38.

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Com efeito, este último diploma legal conferiu ao bem jurídico um cariz patrimonial, que se consubstancia na arrecadação integral e tempestiva da totalidade das receitas oriundas de cada espécie de imposto.

Nesse contexto, o crime contra a Ordem Tributária é tipificado com ênfase no desvalor do resultado da conduta criminosa, despontando como crime material ou de resultado. Vale dizer: a consumação do delito exige a inflição de dano patrimonial ao Fisco, mediante a supressão ou redução do crédito tributário devido. 26

Corrobora tal asserção a previsão em nosso ordenamento jurídico do pagamento do débito tributário e dos acessórios como causa de extinção da punibilidade do agente (item 4.5, infra).

O Erário não é o bem jurídico-penal tutelado e sim o sujeito passivo do crime contra a Ordem Tributária.

A arrecadação tributária é um bem jurídico-penal de cariz supra-individual, eis que de titularidade coletiva ou difusa. 27

Nada obstante, a lesão a esse bem jurídico pode ser de monta tão reduzida que exclua a própria tipicidade do crime de sonegação fiscal.

A esse propósito, é decisivo assinalar que a União está dispensada por lei de ajuizar ações de execução fiscal relativas a débitos de valor inferior ao patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do artigo 20 da Lei 10.255/02 (com a redação da Lei 11.033/04). 28 Esse preceito é repetido pelo artigo 1º, II, da Portaria 49/04 do Ministério da Fazenda.

Logo, é lícito concluir que eventual supressão ou redução de crédito tributário até esse montante deve ser considerada crime de bagatela. Vale dizer: esse fato deve ser considerado atípico por força da chamada teoria da

26 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; COSTA ANDRADE, Manuel da. O crime de fraude fiscal no novo direito penal tributário português: Considerações sobre a factualidade típica e o concurso de infrações, p. 418 e ss.; SOUSA, Suzana Aires de. Op. cit., pp. 68 e 277 e ss. 27 “Trata-se de um bem jurídico coletivo cuja titularidade pertence à comunidade dos indivíduos, por meio do Estado que se compromete a realizar uma gestão adequada e a prosseguir objetivos econômicos e sociais reconhecidos como fundamentais pela sociedade” (SOUSA, Suzana Aires de. Op. cit., p. 299). 28 Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

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insignificância, na medida em que nem mesmo a Fazenda se interessa pela cobrança judicial do valor sonegado. 4.3 Sujeitos do crime

O sujeito ativo – quem comete o fato punível descrito na norma penal – dos crimes tipificados nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 é o particular, que normalmente também é o sujeito passivo da obrigação tributária. De fato, a Seção I do Capítulo I (“Dos crimes contra a Ordem Tributária”) da Lei se intitula “Dos crimes praticados por particulares”.

Não é possível a incriminação da pessoa jurídica por meio da qual o tributo foi sonegado, pois a única hipótese de responsabilidade penal da pessoa jurídica prevista em nosso ordenamento – e mesmo assim altamente controvertida – é a de prática de crime contra o Meio Ambiente, nos termos do artigo 225, § 3º da Constituição, regulamentado pelo artigo 3º da Lei 9.605/98.

A nosso sentir, o artigo 173, § 5º da Constituição não autoriza a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de atos atentatórios à ordem econômica e financeira e à economia popular, pois menciona expressamente que as punições aplicáveis à pessoa jurídica devem ser “compatíveis com sua natureza”. 29

Em algumas hipóteses, o sujeito ativo do crime pode não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, como no caso do artigo 2º da Lei 8.137/90, incisos III e V.

No primeiro inciso, o sujeito ativo pode ser qualquer das partes intervenientes no empreendimento agraciado com isenção fiscal ou até mesmo um intermediário. 30 Na segunda hipótese, pode ser o analista ou técnico de informática que divulga o programa de processamento de dados que permite ao contribuinte possuir escrituração contábil paralela. 31

Por outro lado, o crime do artigo 3º da Lei 8.137/90 é próprio, integrante do Capítulo I, Seção II da Lei (“Dos crimes praticados por funcionários públicos”). Vale dizer:

29 Art. 173 (omissis) § 5º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. 30 COSTA, Cláudio. Op. cit., p. 100. 31 COSTA, Cláudio. Op. cit., p. 102-103.

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somente pode ser praticado por quem ostente a qualidade de servidor público. Esse conceito jurídico-penal de funcionário público é encontrado no artigo 327 do Código Penal. 32 Assim, nas modalidades descritas no artigo 3º da Lei 8.137/90 o sujeito ativo é servidor público integrante da administração tributária do Estado.

O sujeito passivo dos delitos dos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 – quem é titular do bem jurídico lesado pelo crime – é o Erário, ou, mais especificamente, a pessoa jurídica de direito público (União, Estado Federado, Distrito Federal, Autarquia ou Município) titular do crédito tributário sonegado.

Quanto ao crime do artigo 3º da Lei 8.137/90, o sujeito passivo é a Administração Pública. 4.4 Responsabilidade penal

Ao contrário da responsabilidade civil, a penal é

sempre de natureza subjetiva, personalíssima e intransferível. 33

Como o nosso ordenamento jurídico-constitucional adota os cânones da pessoalidade e humanidade da pena (artigo 5º, incisos XLV e XLVI), a responsabilidade penal só pode recair sobre a pessoa física que efetivamente concorre para a prática do delito.

O artigo 29 do Código Penal dispõe textualmente que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Esse preceito é repetido em termos praticamente idênticos pelo artigo 11 da Lei 8.137/90.

Assim, nos crimes de sonegação fiscal a responsabilidade penal recai sobre os agentes que efetivamente empregam, de forma livre e consciente, fraude para fins de suprimir ou reduzir crédito tributário.

32 Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (omissis) 33 CERNICCHIARO, Luiz Vicente, COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal na constituição, p. 89 e ss.

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É decisivo assinalar que inexiste responsabilidade penal objetiva, por presunção, por fato de outrem ou por disposição estatutária.

Por esse motivo, a responsabilização criminal não pode recair sobre uma determinada pessoa pelo simples fato de ela figurar nos estatutos sociais da empresa como gestora ou como responsável pelo recolhimento do tributo. 34

Tampouco pode o Ministério Público denunciar uma pessoa exclusivamente com base nesses critérios, oferecendo a chamada denúncia genérica (item 6.2, infra). 4.5 Extinção da punibilidade pelo pagamento

Quando um agente pratica fato criminoso (típico,

antijurídico e culpável), o abstrato poder-dever de punir do Estado se concretiza, autorizando este a aplicar ao agente uma punição de cariz penal, caso seja comprovada a prática desse fato no devido processo penal.

Ocorre que a nossa legislação estabelece, por razões de política criminal, algumas situações supervenientes à prática do crime cujo advento faz cessar a punibilidade da conduta do agente.

A possibilidade de o contribuinte fazer jus à extinção da sua punibilidade pelo pagamento do débito tributário é antiga em nosso ordenamento jurídico. 35 Com efeito, há mais de quatro décadas a Lei 4.729/65 instituiu a extinção da punibilidade caso o agente promovesse o recolhimento do tributo antes de se iniciar na esfera administrativa a ação fiscal própria (artigo 2º).

Quando do advento da Lei 8.137/90 havia a previsão semelhante, prevendo a extinção da punibilidade caso o contribuinte adimplisse o débito e os acessórios até o momento do recebimento da denúncia (artigo 14).

No ano seguinte, o artigo 98 da Lei 8.383/91 revogou esse dispositivo.

Dois anos depois, o artigo 3º da Lei 8.696/93, que almejava restabelecer o pagamento como causa extintiva da punibilidade, foi vetado pelo Presidente da República.

34 COSTA, Cláudio. Op. cit., p. 39. 35 Sobre esse tema, ver: RIOS, Rodrigo Sánchez. Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos; ROSENTHAL, Sérgio. A punibilidade e sua extinção pela reparação do dano; SCHMIDT, Andrei Zenkner. Exclusão da punibilidade em crimes de sonegação fiscal.

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Posteriormente, o artigo 34 da Lei 9.249/95 re-introduziu tal causa de extinção da punibilidade, em termos idênticos àqueles do revogado artigo 14 da Lei 8.137/90.

Mais recentemente, a Lei do REFIS (Lei 9.964/00) instituiu no seu artigo 15, § 3º a extinção da punibilidade quando a pessoa efetuasse o pagamento integral dos débitos e acessórios que tiverem sido objeto de parcelamento, antes do recebimento da denúncia criminal.

Ademais disso, esse diploma criou uma nova causa de suspensão da pretensão estatal punitiva e do prazo prescricional, a qual será analisada no item 6.5, infra.

Por fim, o artigo 9º, § 2º da Lei do PAES (Lei 10.684/03) eliminou o marco temporal-limite do recebimento da denúncia para que o pagamento do débito e acessórios pelo agente enseje a extinção da sua punibilidade. 36

Assim, atualmente o agente faz jus à extinção da punibilidade caso pague o débito e acessórios a qualquer tempo, independentemente da fase procedimental na qual se encontre o processo criminal.

Esse dispositivo se aplica a todos os crimes contra a Ordem Tributária tipificados nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, referidos textualmente no caput do artigo 9º da Lei 10.684/03.

Por se tratar de norma inquestionavelmente mais benéfica para o acusado, ela se aplica retroativamente a todos os casos em que houve pagamento do débito tributário e dos acessórios, independentemente da fase procedimental em que tal pagamento foi feito. Tal aplicação retroativa da norma penal mais benéfica se encontra prevista no artigo 5º, XL da Carta Política e no artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal. 5. Parte Especial 5.1 Considerações gerais

A pedra de toque dos crimes contra a Ordem Tributária é a existência de uma fraude como modo de

36 Art. 9º (omissis) § 2°. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

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execução do delito, por vezes antecedida de uma falsidade documental.

Em última análise, a maioria das modalidades de sonegação fiscal se assemelha ao estelionato 37, cujo tipo penal incrimina a conduta de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento” (artigo 171 do Código Penal).

O que diferencia os crimes contra a Ordem Tributária do estelionato comum é (i) o bem jurídico penalmente tutelado: neste último é o patrimônio da vítima, ao passo que naqueles é a arrecadação tributária; (ii) o especial fim de agir que anima o atuar do agente: “obter vantagem ilícita em prejuízo alheio” neste último e “suprimir ou reduzir tributo” nos primeiros.

Não obstante, algumas figuras típicas da Lei 8.137/90 guardam maior similitude com o crime de apropriação indébita (artigo 168 do Código Penal), como o artigo 2º, inciso II. Outros crimes contra a Ordem Tributária tipificam condutas que se assemelham aos crimes de falsidade documental previstos nos artigos 297, 298 e 299, todos do Código Penal, embora normalmente tal falsidade seja um meio para a prática da fraude contra o Fisco.

No que tange ao elemento subjetivo do tipo penal, insta repisar que a reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984 encampou a chamada teoria finalista da ação de Hans Welzel, segundo a qual a vontade livre e consciente do agente, finalisticamente dirigida ao resultado criminoso (em se tratando de crime doloso) ou a voluntária e consciente violação do dever objetivo de cuidado (caso o crime seja de natureza culposa), são imprescindíveis para a caracterização da própria tipicidade, encarada sob o prisma do seu elemento subjetivo. 38

Por conseguinte, os crimes contra a Ordem Tributária exigem para fins de conformação da tipicidade o dolo específico, ou seja, a vontade livre e consciente do agente, finalisticamente dirigida ao resultado, nos casos dos

37 EISELE, Andreas. Op. cit., p. 28. 38 WELZEL, Hans. El nuevo sistema del derecho penal: Una introducción a la doctrina de la acción finalista, passim.

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artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, da supressão ou redução do crédito tributário. 39

Isso porque inexiste previsão, nas figuras típicas em questão, de modalidade culposa. Logo, se aplica na hipótese vertente o artigo 18, parágrafo único, do Código Penal: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.

A regularidade na escrituração contábil do contribuinte é prova indicativa da inexistência de dolo no seu atuar, à míngua da prática de uma fraude. 40 5.2 Artigo 1º da Lei 8.137/90

Trata-se de norma penal incriminadora da conduta de “suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas (...)”.

Há pelo menos duas pequenas impropriedades técnicas na redação desse dispositivo.

A uma, a referência a “tributo ou contribuição social”, na medida em que esta última é uma das espécies do gênero “tributo” (artigo 5º do Código Tributário Nacional), motivo pelo qual tal menção é redundante.

A duas, a expressão “crédito tributário” deveria ter sido empregada no lugar de “tributo”, pois este último só pode ser suprimido ou ter sua alíquota reduzida pelo legislador, através do devido processo legislativo. O que o particular pode fazer é suprimir ou reduzir o crédito tributário.

Quanto ao momento da consumação do crime, é lícito aduzir que esse crime é de cariz material ou de resultado, somente se consumando com a efetiva supressão ou redução do crédito tributário devido. 41

Trata-se de uma mera questão de interpretação gramatical do artigo em análise, o qual dispõe que “constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo (...)”

39 CORRÊA, Antonio. Dos crimes contra a ordem tributária, p. 97-99. 40 COSTA, Cláudio. Op. cit., p. 50-51. 41 COSTA JÚNIOR, Paulo José da, DENARI, Zelmo. Infrações tributárias e delitos fiscais, p. 109; EISELE, Andreas. Op. cit., p. 146-147; GOMES, Luiz Flávio, BIANCHINI, Alice. Prévio exaurimento da via administrativa e crimes tributários, p. 91-101; RIOS, Rodrigo Sánchez. Op. cit., p. 72. SILVA, Juary. Elementos de direito penal tributário, p. 184.

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Com efeito, a constituição definitiva do crédito tributário é imprescindível para a caracterização da tipicidade objetiva do crime fiscal.

Não se trata de questão prejudicial (artigo 92 do Código de Processo Penal) 42 e tampouco de condição de procedibilidade da ação penal, que é de iniciativa pública incondicionada (art. 15 da Lei 8.137/90).

A questão se coloca em patamar lógico anterior, especificamente no âmbito do Direito Penal material: trata-se de saber se o tributo é ou não devido para, a partir daí, se averiguar se houve ou não a conduta penalmente relevante de redução ou supressão do crédito tributário devido.

Desde o julgamento do habeas corpus nº 81.611-DF, o Excelso Pretório entende que o delito em apreço é material, somente se consumando com o lançamento definitivo do crédito tributário, considerado elemento normativo do tipo ou condição objetiva de punibilidade desse crime. 43

Trata-se de interpretação correta nas suas linhas gerais. Não obstante, há dois pequenos reparos que devem ser feitos a esse leading case do STF.

O primeiro deles é que o lançamento definitivo do crédito tributário à luz da dogmática jurídico-penal não possui a natureza jurídica de condição objetiva de punibilidade. 44 Isso porque esta última é por definição estranha aos elementos integrantes do tipo penal e independente do dolo do agente, ao passo que o artigo em análise fala expressamente em “suprimir ou reduzir tributo”.

42 GOMES, Luiz Flávio, BIANCHINI, Alice. Op. cit., p. 108-109. 43 “I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.” (STF, Tribunal Pleno, HC 81611-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 13.05.2005, p. 06) 44 GOMES, Luiz Flávio, BIANCHINI, Alice. Op. cit., p. 109-113.

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Por conseguinte, o lançamento definitivo do crédito tributário caracteriza, a bem da verdade, elemento normativo do tipo previsto no artigo 1º da Lei 8.137/90, à míngua do qual a conduta do agente é rigorosamente atípica. 45

Destarte, em razão do manifesto equívoco técnico do legislador em fazer menção à supressão ou redução de “tributo” (o qual, como é cediço, não pode ser suprimido ou reduzido por ato de particular), essa expressão deve ser interpretada restritivamente, sob pena de flagrante desrespeito ao cânone constitucional da legalidade (artigo 5º, XXXIX da Constituição da República).

Via de conseqüência, a conduta incriminada nos artigo 1º da Lei 8.137/90 só pode ser a supressão ou redução do crédito tributário devido, ou seja, definitivamente constituído, líquido, certo e exigível, o que somente se caracteriza no ato de lançamento definitivo.

Ante o exposto, é indispensável que se aguarde a decisão definitiva acerca da existência do crédito tributário para que se possa instaurar inquérito policial ou ajuizar ação penal condenatória por crime contra a Ordem Tributária.

Do contrário, a falta de tipicidade da conduta do agente acarreta falta de justa causa para a persecução e inflige constrangimento ilegal ao cidadão contribuinte, passível de tutela pela via do habeas corpus.

A nosso sentir é igualmente equivocada a afirmação do STF no sentido de haver suspensão do prazo prescricional da pretensão estatal punitiva durante a tramitação do processo administrativo fiscal.

Isso porque o termo do início da fluência do prazo prescricional penal é o momento da consumação do crime, ou seja, quando se reúnem todos os elementos de sua definição legal (artigos 14, I e 111, I, todos do Código Penal).

Logo, o prazo prescricional dos crimes fiscais só começa a correr no ato do lançamento definitivo do crédito tributário, que é, repita-se, elemento normativo do tipo penal, não se podendo suspender antes disso prazo que a rigor sequer começou a fluir.

Em suma: a caracterização da tipicidade objetiva do crime de sonegação fiscal depende da prévia constituição definitiva do crédito tributário que o agente reduziu ou suprimiu. 45 TUCCI, Rogério Lauria. Breve estudo sobre a ação penal relativa a crimes contra a ordem tributária.

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O sistema jurídico permite inferir que o ilícito penal deve, necessariamente, ser também ilícito civil ou administrativo. Com efeito, para que a conduta seja reputada ilícita na órbita penal, também deverá ser ilícita em algum dos outros campos do direito 46, em razão da própria subsidiariedade do Direito Penal. Tal entendimento corrobora a unidade do ordenamento jurídico, que deve ser aplicado de forma lógica e sistemática.

Especificamente no que tange aos crimes contra a Ordem Tributária, vigora o princípio da dupla tipicidade, segundo o qual a ausência de caracterização de infração fiscal na esfera administrativa é prejudicial da configuração de crime de sonegação fiscal. 47

Interessante notar que a denúncia deve, sob pena de inépcia, descrever tanto a espécie de crédito tributário que o agente supostamente reduziu ou suprimiu quanto a exata quantia que se afirma reduzida ou suprimida. 48 A toda evidência, trata-se de informações que dependem do lançamento definitivo do crédito tributário, tudo a corroborar a interpretação ora encampada.

Ademais disso, o contribuinte pode fazer jus à extinção da punibilidade efetuando o pagamento do tributo e acessórios (ver item 4.5, supra). Para poder fazê-lo a tempo hábil de evitar a persecução penal contra si, o contribuinte precisa ter conhecimento do exato montante do seu débito tributário, informação essa que somente se torna disponível no momento do lançamento definitivo.

Destarte, outro ponto importante é que eventual falsificação documental praticada pelo agente com o intuito de viabilizar a prática de crime de sonegação fiscal é fato por si só impunível. Trata-se de um crime-meio que é absorvido pelo crime-fim, por força do princípio da consunção. Nessa hipótese é aplicável por analogia o verbete nº 17 da Súmula do STJ, em textual: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

46 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal, p. 161. 47 “A concretização da situação-tipo descrita no fato gerador é necessária, no âmbito do Direito Penal Tributário, antes mesmo que se cogite da tipicidade penal, sabido que de regra inexiste figura penal tributária sem prévia obrigação dessa natureza, inserindo-se necessariamente o não-pagamento (ou o pagamento tão-só parcial) do tributo no tipo penal, à guisa de elemento normativo do tipo” (SILVA, Juary. Op. cit, p. 89). 48 MACHADO, Hugo de Brito. A denúncia genérica nos crimes contra a Ordem Tributária.

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Exatamente nessa toada soa a jurisprudência do STF. 49

Outro aspecto digno de nota é o parágrafo único do artigo sob exame, que incrimina a conduta do agente que deixa de atender exigência formulada pela autoridade fiscal no prazo por ela assinalado.

Trata-se de dispositivo que aparentemente criou uma espécie de crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal) específico para aquelas hipóteses em que a exigência emana da autoridade fiscal.

Essa norma penal é de constitucionalidade duvidosa, à luz do privilégio contra a auto-incriminação (“nemo tenetur se detegere”) insculpido no artigo 5º, LXIII, da Lei Maior. Isso porque o contribuinte não pode ser forçado a entregar à administração fazendária quaisquer documentos que possam ser usados na sua própria incriminação. 50 Sobre essa garantia mais será dito no item 6.4, infra.

Ademais disso, a pena cominada ao simples não-atendimento a uma exigência fiscal é manifestamente desproporcional, máxime ante a existência de sanções administrativas aplicáveis ao desatendimento de exigências da autoridade fiscal. 51

Essa cumulação de pena criminal com sanção administrativa torna patente a ocorrência de bis in idem. 52 O Egrégio Supremo Tribunal Federal há muito já assentou entendimento no sentido de que: “Não se configura, sequer em tese, o delito de desobediência quando a lei comina para o ato penalidade civil ou administrativa”. 53

Por fim, esse parágrafo único é de péssima técnica legislativa ao ignorar o fato de que todos os incisos do artigo em apreço se interpretam de forma lógico-sistemática com o seu caput, o qual esclarece o especial fim de agir do agente: “suprimir ou reduzir tributo”. 54 5.3 Artigo 2º da Lei 8.137/90

49 “O crime contra a ordem tributária absorve os de falsidade ideológica necessários à tipificação daquele (...)” (STF, 1ª Turma, HC 84453-PB, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 04.02.2005, p. 27). 50 COSTA, Cláudio. Op. cit., p. 46. 51 SILVA, Juary. Op. cit., p. 44. 52 COSTA, Cláudio. Op. cit., p. 94. 53 STF, Rel. Min. Célio Borja, RT 613/413. 54 SILVA, Juary. Op. cit., p. 44-45.

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Os crimes do artigo 2º, em que pesem respeitáveis opiniões em sentido contrário 55, igualmente são de natureza material ou de resultado.

Com efeito, o caput desse artigo 2º diz que “constitui crime da mesma natureza”. Essa locução a toda evidência se refere ao crime do artigo 1º 56, que é de natureza material ou de resultado, como já visto no item 5.2, supra.

Assim, como é inimaginável que um crime formal possa ser considerado da mesma natureza que um crime material, é evidente que o crime do artigo 2º é material ou de resultado, por disposição legal expressa. 57

O inciso I, que tipifica a conduta de “fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo”, não autoriza a conclusão de que se trata de um crime formal.

Pelo contrário, tal dispositivo incrimina a conduta do contribuinte que faz declaração falsa ou omite uma informação para simular uma isenção fiscal à qual ele não tem direito, eximindo-se, assim, do pagamento do tributo. 58

A única hipótese de crime formal encontrada nesse artigo é a primeira modalidade descrita no inciso III, que incrimina a conduta de “exigir (...) para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal.” Nesse caso, a consumação se dá com a mera exigência, independentemente de qualquer resultado naturalístico.

A pena é de seis meses a dois anos, substancialmente menor do que aquela do artigo anterior.

Em razão do patamar de pena máxima abstratamente cominada a esse delito, ele se enquadra no conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, cujo julgamento é da competência dos Juizados Especiais Criminais (artigos 61 da Lei 9.099/95).

55 COSTA JÚNIOR, Paulo José da, DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 132-133; EISELE, Andreas. Op. cit., p. 172-173; PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico, p. 436; SILVA, Juary. Op. cit., p. 220. 56 CORRÊA, Antonio. Op. cit., p. 156. 57 COSTA, Cláudio. Op. cit., p. 48. 58 “Eximir-se é isentar-se e, “in casu”, eximir-se indevidamente, ou seja, o agente faz declaração falsa ou omite informação para insinuar uma isenção que, embora a lei tenha concedido, não se coaduna com a sua real situação” (STOCO, Rui. Op. cit., p. 341).

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Por conseguinte, o procedimento aplicável à espécie é o da Lei 9.099/95, no qual está prevista série de institutos jurídicos que proporcionam ao autor do fato a possibilidade de aceitação imediata de aplicação de penas restritivas de direitos, a transação penal (artigo 76 da Lei 9.099/95) e a suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95).

Logo, com relação a esse crime fiscal é defeso à autoridade policial determinar (i) a instauração de inquérito policial; (ii) a lavratura de auto de prisão em flagrante, caso o investigado se comprometa a comparecer ao Juizado Especial Criminal; (iii) o “indiciamento” de quem quer que seja; (iv) a expedição de mandados de notificação para a colheita de depoimentos em sede policial.

Com efeito, o artigo 69 da Lei 9.099/95 é de uma clareza meridiana ao dispor que a atuação do Delegado de Polícia, ao tomar conhecimento da prática de infração penal de menor potencial ofensivo, se limitará à lavratura de simples termo circunstanciado e o seu imediato encaminhamento ao Juizado Especial Criminal, podendo ele, ainda, requisitar os exames periciais que reputar necessários.

Por sua vez, o teor do artigo 77, § 1º da Lei 9.099/95 torna incontestável a proibição de instauração de inquérito policial na hipótese vertente, ao dispor que a denúncia será elaborada com base no termo circunstanciado, “com dispensa do inquérito policial”.

Da interpretação lógico-sistemática dos sobreditos artigos 69 e 77, § 1º, depreende-se, de forma gritante e insofismável, que não é possível a instauração de inquérito policial para apurar infração penal de menor potencial ofensivo. 59 5.4 Artigo 3º da Lei 8.137/90

O crime em apreço, conforme já salientado no item

4.3, supra, é próprio, só podendo ser praticado por servidor público vinculado à administração tributária do Estado.

59 “Pela ótica da Lei n.º 9.099/95, art. 69, uma das características do procedimento dos crimes de menor potencial ofensivo, submetido à competência dos Juizados Especiais, é a desnecessidade do inquérito policial, significando dizer que o indiciamento do autor do fato não resulta em medida mais coerente, ainda mais quando já aceita proposta de suspensão condicional. Ordem concedida para desconstituir o indiciamento do Paciente.” (STJ, 5ª T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, HC 25557-SP, DJU 24.11.2003, p. 335)

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Evidentemente, tais servidores também podem, em tese, praticar outros delitos, tipificados quer no Código Penal quer em outras leis penais extravagantes. Essa ressalva, embora desnecessária, consta expressamente do caput do artigo 3º.

É admissível o concurso de particular para a prática desses crimes. 60

Observa-se que os delitos previstos no artigo 3º, incisos I, II e III da Lei 8.137/90 muito se assemelham a quatro dos crimes previstos no Capítulo I (“Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração Pública em geral”) do Título XI (“Dos crimes contra a Administração Pública”) do Código Penal.

Trata-se dos crimes de extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento (artigo 314), concussão (artigo 316), corrupção passiva (artigo 317) e advocacia administrativa (artigo 321).

A esse propósito veja-se a seguinte tabela comparativa:

Lei 8.137/90: Código Penal: Art. 3° (omissis) I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social; Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 314. Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Art. 3° (omissis) II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa

Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

60 COSTA JÚNIOR, Paulo José da, DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 145.

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de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 3º (omissis) III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 321. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

Curioso notar que a grande semelhança entre a

redação dos dispositivos legais cotejados acima torna, a rigor, completamente dispensável o artigo 3º da Lei 8.137/90, pois o agente fazendário que praticasse tais condutas já responderia pelos delitos análogos do Código Penal.

Tal fato bem demonstra a precária técnica legislativa que pautou a confecção da Lei 8.137/90, cujo artigo 3º serviu tão-somente para exacerbar as penas cominadas a essas condutas praticadas por agentes fazendários.

Aliás, inexiste qualquer justificativa racional e tampouco guarida constitucional para se estabelecer tratamentos penais diferenciados para condutas idênticas, cominando-se ao servidor fazendário pena substancialmente mais gravosa do que a sanção penal atribuível aos demais funcionários públicos.

O crime do inciso I é material ou de resultado, somente se consumando com o advento do “pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social”. 61

61 COSTA JÚNIOR, Paulo José da, DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 146.

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Já a hipótese do inciso II é de crime formal, bastando que o servidor faça a exigência, solicite ou receba a vantagem indevida. Assim, é indiferente que o servidor público pratique ou deixe de praticar o ato funcional. 62

O contribuinte que oferece a vantagem indevida ao servidor comete o crime de corrupção ativa do artigo 333 do Código Penal.

Por fim, a conduta criminosa descrita no inciso III é igualmente formal, se consumando com a exteriorização da prática de qualquer ato de patrocínio de interesse privado, independentemente de o servidor lograr o êxito desejado ou não. 63 6. Questões processuais penais 6.1 Representação fiscal para fins penais

Os crimes contra a Ordem Tributária são todos de

ação penal de iniciativa pública incondicionada (artigo 15 da Lei 8.137/90), motivo pelo qual o Ministério Público é o órgão estatal com legitimidade para o ajuizamento da ação penal condenatória relativa a esses delitos (artigo 129, I, da Constituição da República).

Ao contrário do previsto no artigo 26, parágrafo único, da Lei 7.492/86 – que admite a assistência do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional praticados no âmbito das suas respectivas esferas de fiscalização – inexiste possibilidade de habilitação dos órgãos integrantes da Administração Pública fazendária como assistentes de acusação nos autos das ações penais condenatórias relativas a crimes contra a Ordem Tributária.

A nosso ver tampouco é azado a esses órgãos ajuizar queixa-crime subsidiária nas hipóteses de inércia ministerial (artigo 5º, LIX, da Carta Política), pois o único legitimado para tanto é o ofendido ou seu representante legal, nos termos do artigo 38 do Código de Processo Penal.

Qualquer cidadão pode noticiar a prática de delito fiscal ao órgão ministerial (artigo 16 da Lei 8.137/90), a quem caberá requisitar à Polícia Judiciária a instauração de

62 COSTA JÚNIOR, Paulo José da, DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 150 e ss. 63 COSTA JÚNIOR, Paulo José da, DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 158.

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inquérito policial para apurar a autoria e materialidade do delito, com base no artigo 129, VIII, da Constituição da República.

Não obstante, em regra essa comunicação ao Ministério Público é feita pelos órgãos estatais responsáveis pela fiscalização tributária, ao ensejo da lavratura de auto de infração, quando a autoridade vislumbra indícios da prática de fraude indicativa de crime fiscal.

Por conseguinte, a chamada representação fiscal para fins penais pode ser conceituada como sendo o ato administrativo por meio do qual a autoridade fazendária noticia ao Ministério Público a prática de crime contra a Ordem Tributária.

A esse propósito, o artigo 83 da Lei 9.430/96 determina que o encaminhamento da representação fiscal para fins penais deve ser feito somente após ser proferida na esfera administrativa a decisão final sobre a existência de crédito tributário.

Contra esse artigo se insurgiu o Procurador-Geral da República por meio da ação direta de inconstitucionalidade nº 1.571-1, cujo fundamento era a tese de que por serem as instâncias administrativa e judicial independentes, o mencionado dispositivo violaria o artigo 129, I, da Constituição da República, porque condicionaria o ajuizamento da ação penal de iniciativa pública incondicionada à existência de prévia comunicação por parte dos agentes fiscais.

Tal ação foi julgada improcedente pelo STF, com fundamento na tese de que a norma do artigo 83 da Lei 9.430/96 se dirige exclusivamente aos agentes fiscais, nada impedindo o Ministério Público de ajuizar a ação penal independentemente do recebimento da representação fiscal para fins penais, desde que ele tenha conhecimento, por quaisquer outros meios, do lançamento definitivo do crédito tributário. 64

A Portaria SRF nº 326, de 15 de março de 2005, é o diploma legal que atualmente disciplina a representação fiscal para fins penais, no que tange aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90.

Determina essa Portaria que, em havendo lavratura de auto de infração para exigência de tributos e contribuições 64 STF, Pleno, ADIN 1571, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 30.04.2004, p. 27.

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ou de auto de apreensão de bens sujeitos à pena de perdimento, o auditor-fiscal da Receita Federal, caso vislumbre indícios da prática dos sobreditos crimes, deverá formalizar a representação fiscal para fins penais em autos apartados, os quais ficam apensados ao caderno do processo administrativo fiscal.

Por força do artigo 3º do ato normativo em análise, os autos da representação em apreço serão remetidos ao Ministério Público Federal tão-somente se o crédito tributário não for extinto pelo pagamento, nem houver parcelamento via REFIS ou PAES, nem for impugnada a exigência tributária.

Assim, no que tange à Receita Federal o encaminhamento da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público foi expressamente condicionado ao trânsito em julgado da decisão administrativa que confirme a existência do crédito tributário e seu não-pagamento.

Logo, é lícito concluir que o teor da sobredita Portaria de uma forma geral se encontra em sintonia com a orientação adotada pelo STF no julgamento do habeas corpus nº 81.611-DF, já analisado no item 5.2, supra.

Em síntese: o advento da Portaria SRF nº 326/05 representou novo impulso de acolhida ao entendimento de que os crimes tributários são de natureza material ou de resultado, ao estabelecer a exigência de término do procedimento administrativo-fiscal como condição para o encaminhamento da representação fiscal para fins penais, tudo isso levando em devida conta a possibilidade de impugnação, parcelamento ou pagamento do tributo devido. 65

6.2 Denúncia genérica

A denúncia é a peça inaugural da ação penal condenatória, a qual deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias (artigo 41 do Código de Processo Penal). Tal exposição é considerada de suma importância para que o acusado possa se defender da imputação em juízo. Por conseguinte, qualquer omissão relevante na denúncia pode acarretar a nulidade do processo

65 SAAD, Marta, MALAN, Diogo. Crimes contra a ordem tributária e a portaria SRF 326/05: Novo esforço para restaurar a lógica do sistema.

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judicial, por ofensa ao direito fundamental à ampla defesa (artigo 5º, LV, da Constituição da República).

No âmbito dos crimes societários – ou seja, aqueles delitos praticados por uma ou mais pessoas, na qualidade de mandatários ou representantes legais de uma pessoa jurídica – por vezes o Ministério Público oferece a “denúncia genérica”. Trata-se de peça processual assim chamada porque no bojo dela os fatos criminosos são imputados a todos os gestores da pessoa jurídica, sem que se faça qualquer individualização das suas respectivas condutas.

A origem desse instituto é decisão proferida no habeas corpus nº 51.451-SP pelo STF na década de 1970. 66 Tratou-se de julgamento sobre crime contra a propriedade imaterial, cujo procedimento tem como principal característica uma diligência preliminar de busca e apreensão (artigo 527 do Código de Processo Penal) que é apta a comprovar a materialidade do crime, mas não a sua autoria.

Como se trata de crimes cuja ação penal é de iniciativa do próprio ofendido e não do Ministério Público, o STF ponderou à época que a vítima não possui os meios e recursos à disposição do Estado para investigar a autoria delitiva, motivo pelo qual deveriam ser abrandados os rigores do artigo 41 do Código de Processo Penal, como forma de se compensar essa inferioridade de recursos do ofendido frente ao Promotor Público.

Com o passar do tempo, todavia, nossos tribunais passaram a aceitar a denúncia genérica também nas hipóteses de crimes de ação penal de iniciativa pública, com base no argumento das reconhecidas dificuldades da Polícia Judiciária para apurar a autoria daquelas infrações penais praticadas no âmbito societário.

Todavia, a atual quadra da evolução doutrinária apresenta forte tendência no sentido de se repudiar essa forma de imputação criminal. Como inexiste infração penal sem conduta humana livre e consciente, dolosa ou culposa (“nullum crimen sine conducta”), a responsabilidade penal, via

66 “Habeas corpus. Crime contra privilégio de invenção. Alegação de inépcia da queixa, pela falta de descrição da participação de cada querelado na ação delituosa. Improcedência. Queixa que contém os requisitos indispensáveis ao conhecimento da imputação e ao pleno exercício da defesa. Não é possível exigir, para a propositura da ação penal por crimes em matéria de propriedade industrial, que a queixa descreva a atividade de cada querelado nas deliberações reservadas tomadas na sociedade: tal exigência tornaria imunes à persecução penal esses delitos. Ordem de habeas corpus indeferida.” (STF, 1ª Turma, HC 51.451-SP, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, j. 19.11.1973)

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de conseqüência, é sempre subjetiva, personalíssima e intransferível.

Por conseguinte, se infere de forma gritante e insofismável que nenhum cidadão pode ser denunciado tão-somente pelo fato de ostentar a qualidade de administrador da pessoa jurídica através da qual a infração penal foi praticada.

A todas as luzes, interpretação diversa acarreta uma mal-disfarçada consagração da responsabilidade penal objetiva, algo que é veementemente repelido pela doutrina mais abalizada. 67

Nessa ordem de convicções, permitindo o ordenamento jurídico a responsabilização única e exclusivamente daqueles administradores que efetivamente contribuíram para a prática do fato criminoso, é conseqüência rigorosamente lógica e inexorável exigir-se que a inicial acusatória contenha a discriminação da contribuição de cada defendente para o cometimento do fato.

Ademais disso, o artigo 41 do Estatuto Processual Penal exige que o acusador exponha o fato criminoso com todas as suas circunstâncias. Tal exposição pressupõe, logicamente, a individualização do atuar dos denunciados.

Nesse diapasão, o STF atualmente demonstra tendência no sentido de exigir a descrição individualizada das condutas dos acusados, consoante demonstra recente julgado. 68

67 “Não nos parece possível, com efeito, que se inicie uma ação penal sem se imputar, individualmente, a cada um dos acusados a prática de fato definido como crime. Não se pode, por outro lado, responsabilizar criminalmente alguém pelo simples fato de ser sócio, diretor ou gerente da empresa. Tampouco se pode, automaticamente, sem se perquirir, no caso concreto, a culpabilidade do agente, atribuir-lhe o ilícito apurado em relação à pessoa jurídica.” (PRATES, Renato Martins. Acusação genérica em crimes societários, p. 12-13). No mesmo sentido: GOMES, Luiz Flávio, Acusações genéricas, responsabilidade penal objetiva e culpabilidade nos crimes contra a Ordem Tributária (jurisprudência comentada); GOMES, Luiz Flávio. Novos julgados sobre a denúncia genérica (jurisprudência comentada); JESUS, Damásio. A denúncia nos crimes cometidos por meio de empresa; MACHADO, Hugo de Brito. Denúncia genérica nos crimes contra a Ordem Tributária; SAAD, Marta. Denúncia nos crimes societários. 68 “1. Habeas corpus. Crimes contra a Ordem Tributária (Lei nº 8.137, de 1990). Crime societário. 2. Alegação de denúncia genérica e que estaria respaldada exclusivamente em processo administrativo. Ausência de justa causa para ação penal. Pedido de trancamento. 3. Dispensabilidade do inquérito policial para instauração de ação penal (art. 46, § 1º, CPP). 4. Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem de algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos. Precedentes: HC no 86.294-SP, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ de 03.02.2006; HC no 85.579-MA, 2ª Turma, unânime, de minha relatoria, DJ de 24.05.2005; HC no 80.812-PA, 2a Turma, por maioria, de minha relatoria p/ o acórdão, DJ de 05.03.2004; HC no 73.903-CE, 2a Turma, unânime, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC no 74.791-RJ, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ

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6.3 Afastamento de sigilos fiscal e financeiro

No curso de investigações policiais cujo objetivo é a

apuração da prática de crimes contra a Ordem Tributária, por vezes se faz necessário o acesso da Polícia Judiciária a dados do contribuinte protegidos pelos sigilos fiscal e financeiro.

O artigo 198, § 1º, I do Código Tributário Nacional autoriza expressamente o afastamento do sigilo fiscal do contribuinte na hipótese de requisição de autoridade judiciária.

O afastamento do sigilo financeiro atualmente é disciplinado pela Lei Complementar nº 105/01, cujo artigo 1º, § 4º autoriza tal medida para a apuração de qualquer ilícito e em qualquer fase do inquérito policial ou do processo criminal.

Não obstante, a nova ordem jurídico-constitucional democrática assegura ao cidadão contribuinte a inviolabilidade tanto da sua intimidade e vida privada (artigo 5º, X) quanto do sigilo de seus dados pessoais, exceto na hipótese de ordem judicial, e naquelas hipóteses e na forma que a legislação processual penal estabelecer (artigo 5º, XII).

Assevere-se, ademais, que o direito à intimidade, o qual representa importante manifestação dos direitos da personalidade, qualifica-se como expressiva prerrogativa de ordem jurídica que consiste em reconhecer, em favor da pessoa, a existência de um espaço indevassável, destinado a protegê-la contra indevidas interferências de terceiros na sua esfera privada. A bem da verdade, o direito à intimidade se destina a resguardar a privacidade em seus múltiplos aspectos, sejam eles profissionais, familiares ou pessoais.

Via de conseqüência é necessário que o acesso do Estado a dados protegidos pelos sigilos fiscal e financeiro respeite os pressupostos e requisitos legais que decorrem do princípio da proporcionalidade.

de 09.05.1997. 5. Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados. 6. Observância dos princípios do devido processo legal (CF, art. 5o, LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Precedentes: HC no 73.590-SP, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.12.1996; e HC no 70.763-DF, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.09.1994. 7. No caso concreto, a denúncia é inepta porque não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta dos pacientes. 8. Habeas corpus deferido.” (STF, 2ª Turma, HC 85327-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 20.10.2006, p. 266)

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Em primeiro lugar, há dois pressupostos: um de ordem formal, a legalidade (exigência de previsão normativa expressa da medida) e outro de natureza material, a justificação teleológica (a restrição deve estar amparada em fins legítimos, socialmente relevantes e com respaldo constitucional).

Além disso, atendidos esses dois pressupostos, deve ainda a medida atender a diversos requisitos, tanto de natureza extrínseca quanto intrínseca.

Aqueles englobam tanto a judicialidade (reserva jurisdicional quanto à decretação da medida) quanto a motivação dessa decisão (artigo 93, IX, da Constituição da República). Os requisitos de natureza intrínseca, por sua vez, são três: (i) a idoneidade (adequação da medida ao fim colimado, independentemente de haver ou não outras medidas mais eficazes do que a escolhida); (ii) a necessidade (dentre várias medidas igualmente aptas à consecução do resultado almejado, deve ser eleita aquela que menos afete os direitos fundamentais, otimizando esses últimos); (iii) a proporcionalidade em sentido estrito (relação de razoabilidade entre o sacrifício do direito fundamental e a importância do interesse estatal que se almeja tutelar através da medida). 69

Somente quando coexistirem todos esses pressupostos e requisitos se torna legítimo o afastamento dos sigilos fiscal e financeiro, não havendo excesso e ilegalidade na ingerência do Estado na vida particular do cidadão. 70

Assim, para afastar os sigilos fiscal ou financeiro do cidadão é imprescindível haver decisão judicial escrita e motivada, proferida por juiz criminal competente nos autos de procedimento investigativo regularmente instaurado.

Ademais disso, é necessária a existência daquilo que o STF denomina causa provável (“probable cause”). 71

Esta última se consubstancia na existência de indícios concretos que apontem a (i) a materialidade de um 69 GONZALEZ-CUELLAR SERRANO, Nicolas. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el proceso penal, p. 69. 70 CLÈVE, Clèmerson Merlin, SEHN, Sólon. Crimes fiscais e sigilo bancário: Pressupostos e limites constitucionais). 71 “A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o ordenamento constitucional, quando fundada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório apóia-se em formulações genéricas, destituídas da necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica como pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Constituição da República. Precedentes. Doutrina.” (STF, Tribunal Pleno, MS 25668-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 04.08.2006, p. 27)

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crime; (ii) autoria desse crime por parte da pessoa cujos sigilos financeiro e fiscal se almeja afastar.

É decisivo assinalar que tal causa provável não se confunde com um mero juízo de suspeita, ilações ou conjecturas por parte do investigador, os quais não são suficientes para autorizar o afastamento dos sigilos em apreço. 72

6.4 Inviolabilidade domiciliar e privilégio contra a auto-incriminação

O Código Tributário Nacional é explícito ao afastar quaisquer dispositivos legais excludentes ou limitativos do direito de a Administração Pública fazendária examinar bens e documentos dos contribuintes (artigo 195), além de facultar aos agentes fazendários a requisição da força pública, na eventualidade de embaraço ou desacato no exercício de suas funções de fiscalização (artigo 200).

Resta saber se tais direitos da Administração são absolutos, ou se, pelo contrário, sofrem limitações.

A esse propósito, de início cumpre salientar que o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro em seu artigo 5º, XI estabelece como regra a inviolabilidade do domicílio dos cidadãos, excepcionando tão-somente as hipóteses de flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou determinação judicial, neste último caso somente durante o dia.

A expressão “casa” objeto dessa proteção constitucional abrange qualquer local não aberto ao público onde se exerce profissão ou atividade, nos termos do artigo 150, § 4º, III, do Código Penal. Assim, o estabelecimento empresarial do contribuinte é protegido pela sobredita inviolabilidade, sendo irrelevante o fato de esse estabelecimento eventualmente possuir algum recinto que seja aberto ao público em geral. 73

72 “Certo é que são necessários indícios que apontem a prática de uma infração penal pelo titular das informações sigilosas afetadas pela decisão. O fato indiciário, que autoriza um juízo de probabilidade ou verossimilhança, não se identifica com a mera suspeita ou com a conjectura sem apoio em elementos fáticos concretos. Estes últimos, que se afastam do campo da probabilidade, aproximando-se mais da mera possibilidade, não são suficientes à decretação da quebra de sigilo financeiro.” (BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: Análise crítica da LC 105/2001, p. 100) 73 “Esses locais de atividade podem conter uma parte aberta ao público, como a saleta de recepção, onde as pessoas podem entrar ou permanecer livremente. No entanto, há os compartimentos com destinação específica ao exercício da profissão ou atividade, que constituem casa, para efeitos penais. Diante disso,

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Por outro lado, é incontroverso que essa inviolabilidade do domicílio não é um direito fundamental absoluto, devendo ser cotejada com o poder-dever estatal de prover a segurança pública da sociedade. Esse cotejo autoriza diligências de busca e apreensão em quaisquer locais onde provavelmente haja objetos de natureza criminosa, desde que presentes os requisitos legais para tanto. 74

O nosso Estatuto Processual Penal prevê uma série de requisitos procedimentais para a legitimidade da busca e apreensão.

Com relação à decretação judicial da medida em apreço, o precitado diploma legal exige a presença de “fundadas razões” que a autorizem (artigo 240, § 1º). Por essa expressão se entende que devem existir fatos concretos comprobatórios da necessidade da diligência. 75

Por conseguinte, é manifestamente ilegal a busca e apreensão autorizada com base em meras suspeitas por parte da autoridade judicial competente. 76

Quanto à validade do mandado judicial de busca e apreensão, avulta a importância da indicação do “motivo e dos fins da diligência” (artigo 243, II), os quais englobam a minuciosa descrição dos objetos cuja apreensão se almeja. 77

Na execução propriamente dita da diligência, a autoridade policial não pode se fazer acompanhar de pessoas

quem neles ingressar sem consentimento do dono cometerá violação de domicílio.” (GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Inviolabilidade do domicílio na constituição, p. 68). 74 “A busca e apreensão tem a natureza jurídica de “meio de prova, de natureza acautelatória e coercitiva, consubstanciado no apossamento de elementos instrutórios, quer relacionado com objetos, quer com as pessoas do culpado e da vítima quer, ainda, com a prática criminosa que tenha deixado vestígios” (TUCCI, Rogério Lauria. Busca e apreensão (direito processual penal)). 75 Tratando da busca pessoal prevista no artigo 244 do Código de Processo Penal, o STF já decidiu o seguinte: “A "fundada suspeita", prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um "blusão" suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder.” (STF, 1ª Turma, HC 81305-GO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 22.02.2002, p. 35). 76 “As “fundadas razões”, a que alude o Código, não se confundem com meras suspeitas. Há que se ter motivos concretos, fortes indícios da existência de elementos de convicção (seja da acusação ou da defesa), que se possam achar na casa, a qual se pretenda varejar. Não guarda cabimento a proteção constitucional da intimidade e inviolabilidade ruírem, ou cederem passo, frente à suspeita, ainda que venha adjetivada de robusta, séria ou grave.” (PITOMBO, Cleunice Valentim Bastos. Da busca e apreensão no processo penal, p. 115) 77 “Não pode haver mandado incerto, vago ou genérico. A determinação do varejamento, ou da revista há de apontar, de forma clara, o local, o motivo da procura e a finalidade, bem como qual a autoridade judiciária que a expediu. É importantíssimo a indicação detalhada do “motivo e os fins da diligência (art. 243, n. II, do CPP), a que se destina. Mandado vazio é perigoso e difícil debelar-se. Autoritário, traz risco ínsito, arraigado na forma.” (PITOMBO, Cleunice Valentim Bastos. Op. cit., p. 171).

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estranhas, na medida em que o inquérito policial possui natureza jurídica de procedimento administrativo de cariz sigiloso. Com efeito, o artigo 20 do Código de Processo Penal obriga a autoridade policial a assegurar no inquérito policial o “sigilo necessário à elucidação do fato”. Trata-se do chamado sigilo externo, cuja finalidade precípua é a de proteger a dignidade do cidadão investigado da exposição degradante na mídia.

Outra imposição legal é o cumprimento do mandado de busca e apreensão de sorte a molestar os moradores o mínimo indispensável para o êxito da diligência (artigo 248). Por força desse dispositivo legal, os agentes policiais devem cumprir o mandado de busca e apreensão com (i) efetivo e aparato bélico proporcionais ao risco oferecido pela diligência; (ii) urbanidade; (iii) discrição.

O desrespeito a qualquer um desses parâmetros legais tem como conseqüências jurídicas: (i) a inadmissibilidade em juízo da prova produzida por meio ilícito, nos termos do artigo 5º, LVI, da Carta Constitucional 78; (ii) a sujeição da autoridade policial às sanções cominadas ao crime de abuso de autoridade (Lei 4.898/65, artigo 3º, b).

Se por um lado é verdade que há inegável interesse social na preservação do poder-dever estatal de investigar, com todos os meios disponíveis, quaisquer fatos em tese criminosos, por outro é igualmente induvidoso que esse poder investigatório estatal é limitado pelo cânone da legalidade, sob pena de transmudar-se em ignominioso arbítrio e, em última análise, na negação do próprio Estado Democrático de Direito.

Cabe ao Poder Judiciário fazer valer as regras do jogo democrático. No particular, expedindo mandados de busca e apreensão em conformidade com a Constituição da República e o Estatuto Processual Penal e, na eventualidade da realização de buscas e apreensões sem amparo legal, declarando ilícitas as provas produzidas.

Nesse diapasão, cabe salientar que as autoridades fazendárias não têm poderes absolutos de acesso aos domicílios dos contribuintes para exercer suas atribuições fiscalizadoras. Pelo contrário, na hipótese de discordância por parte do contribuinte o acesso dos agentes vinculados à

78 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. As nulidades no processo penal, p. 173.

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administração tributária só é legítimo nas hipóteses contempladas pelo artigo 5º, XI da Lei Maior.

Há decisão do STF reputando inadmissível em juízo a prova obtida por servidores fazendários por meio de violação do domicílio do contribuinte. 79

Insta salientar também que o contribuinte tampouco possui qualquer dever de colaborar com a administração tributária do Estado no sentido da sua própria incriminação.

Pelo contrário, o acusado atualmente tem plena liberdade para optar pelo direito ao silêncio insculpido no artigo 5º, LXIII da Constituição da República e no artigo 186 do Estatuto Processual Penal. Tal direito se relaciona a um direito natural mais abrangente, o “nemo tenetur se detegere” segundo o qual ninguém é obrigado a colaborar para a própria incriminação. 80

Assim, ainda que a legislação tributária preveja o dever do contribuinte de informar a Administração Fazendária acerca de um determinado fato, tal dever não se aplica àquelas hipóteses em que tal comunicação pode redundar na incriminação do contribuinte. 81 Em sentido semelhante há precedente do Egrégio Tribunal Pleno do STF. 82 6.5 Suspensão da pretensão estatal punitiva e do prazo prescricional 79 “Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude material.” (STF, 2ª Turma, HC 82788-RJ, Rel. Min. Celso Mello, DJU 02.06.2006, p. 43) 80 “Nesse sentido e resumidamente, o argüido não pode ser fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua condenação, a carrear ou oferecer meios de prova contra a sua defesa. Quer no que toca aos fatos relevantes para a chamada questão da “culpabilidade” quer no que respeita aos atinentes à medida da pena. Em ambos os domínios, não impende sobre o argüido um dever de colaboração nem sequer um dever de verdade” (ANDRADE, Manoel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal, p. 121). 81 ESTELLITA, Heloisa. Dever de colaboração do contribuinte e nemo tenetur se detegere; ESTELLITA, Heloisa. O dever de informar e os crimes contra a ordem tributária. No Direito Comparado, ver: SÁ, Liliana da Silva. O dever de cooperação do contribuinte versus o direito à não auto-incriminação. 82 “(...) a garantia contra a auto-incriminação se estende a qualquer indagação por autoridade pública de cuja resposta possa advir à imputação ao declarante da prática de crime, ainda que em procedimento e foro diversos.” (STF, Tribunal Pleno, HC 79244-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 23.02.2000, p. 38)

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O artigo 15 da chamada Lei do REFIS (Lei 9.964/00) dispunha que caso débitos conexos à prática de crimes contra a Ordem Tributária fossem incluídos no REFIS antes do recebimento de denúncia criminal, suspender-se-iam a pretensão punitiva do Estado e a fluência do prazo prescricional durante o programa de parcelamento. 83

Logo, durante esse período de adimplemento dos débitos tributários o Estado tinha seu poder-dever de punir criminalmente o cidadão suspenso. Na prática, isso significava a impossibilidade de se submeter o contribuinte à persecução penal, seja por meio de instauração de inquérito policial, seja pelo ajuizamento de ação penal condenatória.

Quando do advento do pagamento integral do débito e acessórios, o contribuinte fazia jus à extinção da sua punibilidade, nos termos do artigo 15, § 3º do diploma em análise. Na eventualidade de descumprimento das condições do programa, era possível a retomada da persecução penal contra o contribuinte.

Posteriormente, o artigo 9º da Lei do PAES (Lei 10.684/03) instituiu mecanismo de suspensão da pretensão punitiva e do prazo prescricional semelhante àquele encontrado na Lei do REFIS. 84

Uma diferença significativa é que não há mais a exigência de que a inclusão no programa se dê antes do recebimento da denúncia criminal.

83 Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no REFIS, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal. § 1º. A prescrição criminal não ocorre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º. O disposto neste artigo aplica-se também: I – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, normas estabelecidas nesta Lei; II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13. § 3º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal". 84 Art. 9°. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1°. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2°. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

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Logo, em qualquer etapa do procedimento criminal – inclusive na fase recursal – o agente que aderir ao parcelamento faz jus à suspensão da pretensão estatal punitiva. Agora, o único limite temporal é o trânsito em julgado da sentença condenatória, ocasião ao ensejo da qual a pretensão estatal punitiva é substituída pela pretensão executória.

Todavia, a principal característica do artigo 9º da Lei 10.684/03 é que ele criou um regramento geral disciplinador da suspensão da pretensão punitiva e do prazo prescricional nos casos de parcelamento de débitos de natureza tributária.

Vale dizer: o regramento contido nesse dispositivo se aplica a quaisquer hipóteses de parcelamento de débitos tributários, quer em nível municipal, estadual ou federal, independentemente da espécie de tributo devido e do respectivo regime jurídico do parcelamento. 85

Trata-se, ademais, de norma penal mais benéfica para o acusado, fato a ensejar a sua aplicação retroativa, nos termos do artigo 5º, XL, da Carta Política. 86

A superveniência da Medida Provisória 303/06, que instituiu nova oportunidade de parcelamento de débitos tributários, não afetou a norma geral contida no artigo 9º da

85 “o caput do art. 9º cria uma disciplina geral para os efeitos penais do parcelamento, ou seja, esta disciplina, em nosso entender, aplica-se a qualquer parcelamento, previsto por qualquer lei, em qualquer esfera (federal, estadual e municipal). A esta conclusão se chega, especialmente, através da comparação entre o atual texto e aquele do caput do art. 15 da Lei nº 9.944/00 que limitava a suspensão da pretensão punitiva àqueles casos nos quais a pessoa jurídica estivesse incluída no Refis e desde que a inclusão no Programa ocorresse antes do recebimento da denúncia; isto é, o legislador de 2000 expressamente limitava os efeitos jurídico-penais do parcelamento àquele parcelamento por ele denominado Refis ou Programa de Recuperação Fiscal, criado e disciplinado por aquela específica lei. O mesmo não foi feito na nova disciplina que amplia os efeitos jurídico-penais do parcelamento a qualquer regime de parcelamento, não importa se criado pela própria Lei nº 10.684 ou por outras; não importa se federal, estadual ou municipal.” (ESTELLITA, Heloisa. Pagamento e parcelamento nos crimes tributários: a nova disciplina da lei n. 10.684/03) 86 “AÇÃO PENAL. Crime tributário. Não recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas aos empregados. Condenação por infração ao art. 168-A, cc. art. 71, do CP. Débito incluído no Programa de Recuperação Fiscal - REFIS. Parcelamento deferido, na esfera administrativa pela autoridade competente. Fato incontrastável no juízo criminal. Adesão ao Programa após o recebimento da denúncia. Trânsito em julgado ulterior da sentença condenatória. Irrelevância. Aplicação retroativa do art. 9º da lei nº 10.684/03. Norma geral e mais benéfica ao réu. Aplicação do art. 2º, § único, do CP, e art. 5º, XL, da CF. Suspensão da pretensão punitiva e da prescrição. HC deferido para esse fim. Precedentes. No caso de crime tributário, basta, para suspensão da pretensão punitiva e da prescrição, tenha o réu obtido, da autoridade competente, parcelamento administrativo do débito fiscal, ainda que após o recebimento da denúncia, mas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.” (STF, 1ª Turma, HC 85048-RS, Rel. Min. Cezar Peluso, DJU 01.09.2006, p. 21)

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Lei 10.684, por ser omissa quanto às conseqüências jurídico-penais do parcelamento. 87

7. Conclusão

Ante todo o exposto, é possível sintetizar as principais conclusões às quais se chegou ao longo do presente estudo.

O fundamento político-criminal dos crimes contra a Ordem Tributária se relaciona ao fenômeno da eticização do direito penal fiscal, por força do qual a arrecadação tributária é vista como meio indispensável para que o Estado Social de Direito realize seus objetivos de justiça social distributiva, impostos pela sua dimensão democrática.

Nessa ordem de convicções, os crimes fiscais são vistos como crimes de acumulação (“Kumulationsdelikte”): embora cada delito seja por si só inofensivo ao bem jurídico tutelado, caso haja diversas condutas idênticas seu somatório acarreta lesão considerável ao sobredito bem. Tal teoria é criticável à luz dos princípios da culpabilidade individual e da proporcionalidade na incriminação de condutas.

A Lei 8.137/90 é resultado de uma política criminal autoritária, simbólica e punitiva, que preconiza o recrudescimento das normas penais incriminadoras e das penas respectivas como medida idônea a desestimular a sonegação fiscal.

O crime contra a Ordem Tributária pode ser conceituado como “toda conduta que viola dispositivo de lei penal editada para proteger a boa execução da política tributária do Estado”. 88 Inexiste um Direito Penal Tributário cientificamente autônomo em relação ao Direito Penal tradicional. Aquele utiliza por empréstimo a metodologia, o objeto e o arcabouço de princípios pertencentes a este último. Assim, a expressão Direito Penal Tributário somente tem utilidade para fins didáticos, referindo-se ao Direito Penal particularizado a uma área de incriminação específica.

A Lei 8.137/90 conferiu ao bem jurídico um cariz patrimonial, pois ele se consubstancia na arrecadação integral e tempestiva da totalidade das receitas oriundas de

87 ESTELLITA, Heloisa. O parcelamento previsto na MP 303/06 e a punibilidade nos crimes tributários. 88 PIMENTEL, Manoel Pedro. Introdução ao estudo do direito penal tributário, p. 53-54.

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cada espécie de imposto. O modelo de tipificação de condutas desse diploma privilegia o desvalor do resultado da conduta criminosa, despontando o crime como material ou de resultado. Por conseguinte, a consumação do delito exige a inflição de dano patrimonial ao Fisco, mediante a supressão ou redução do crédito tributário devido. Tal conclusão é corroborada pela previsão do pagamento do débito tributário e dos acessórios como causa de extinção da punibilidade do agente.

Não causa lesão ao bem jurídico penalmente tutelado a supressão e redução de crédito tributário no valor de até R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do artigo 20 da Lei 10.255/02. Tal conduta deve ser considerada crime de bagatela, na medida em que nem mesmo a Fazenda se interessa pela cobrança judicial do valor sonegado.

Os artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 exigem o dolo específico, ou seja, a vontade livre e consciente do agente, finalisticamente dirigida ao resultado da supressão ou redução do crédito tributário. A regularidade na escrituração contábil do contribuinte é prova indicativa da inexistência de dolo no seu atuar, à míngua da prática de uma fraude.

O artigo 1º da Lei 8.137/90 deveria ter empregado a expressão “crédito tributário” no lugar de “tributo”, pois este último só pode ser suprimido ou ter sua alíquota reduzida pelo legislador, através do devido processo legislativo. O que o particular pode fazer é suprimir ou reduzir o crédito tributário.

O crédito tributário devido – ou seja, definitivamente constituído, líquido, certo e exigível – se consubstancia em elemento normativo do tipo previsto no artigo 1º da Lei 8.137/90, à míngua do qual a conduta do agente é rigorosamente atípica. Assim, é indispensável que se aguarde a decisão definitiva acerca da existência do crédito tributário para que se possa instaurar inquérito policial ou ajuizar ação penal condenatória por crime contra a Ordem Tributária.

O crime do artigo 2º da Lei 8.137/90 em regra é natureza material ou de resultado. Com efeito, o caput desse artigo diz que “constitui crime da mesma natureza”, sendo inimaginável que um crime formal possa ser considerado da mesma natureza que um crime material ou de resultado. Ademais, o artigo 2º deve ser interpretado de forma lógico-sistemática com o caput do artigo antecedente, o qual exige

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que o resultado da conduta seja a supressão ou redução de crédito tributário.

A Portaria SRF nº 326/05 condiciona expressamente o encaminhamento da representação fiscal para fins penais ao trânsito em julgado da decisão administrativa que confirme a existência do crédito tributário e seu não-pagamento.

A ordem jurídico-constitucional brasileira impõe a rejeição ao instituto da denúncia genérica, eis que ele só permite a responsabilização penal dos administradores que efetivamente concorrem para a prática do fato criminoso.

O afastamento dos sigilos fiscal e financeiro do contribuinte deve obedecer ao regramento da proporcionalidade, dependendo de decisão judicial escrita e motivada, proferida por juiz criminal competente nos autos de procedimento investigativo regularmente instaurado. Ademais disso, é necessária a causa provável (“probable cause”), consubstanciada na existência de indícios concretos que apontem a (i) a materialidade de um crime; (ii) autoria desse crime por parte do titular dos sigilos financeiro e fiscal.

Nada obstante o Código Tributário Nacional afaste quaisquer dispositivos legais excludentes ou limitativos do direito de a Administração Pública fazendária examinar bens e documentos dos contribuintes (artigo 195), facultando aos agentes fazendários a requisição da força pública, na eventualidade de embaraço ou desacato no exercício de suas funções de fiscalização (artigo 200), tais direitos não são absolutos. Pelo contrário, eles são limitados pelos direitos fundamentais do contribuinte à inviolabilidade domiciliar e ao silêncio.

O artigo 9º da Lei 10.684/03 criou um regramento geral disciplinador da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário e da suspensão da pretensão punitiva e do prazo prescricional nos casos de parcelamento desse débito.

Assim, atualmente o agente faz jus à extinção da punibilidade caso pague o débito e acessórios a qualquer tempo, independentemente da fase procedimental na qual se encontre o processo criminal. Por se tratar de norma mais benéfica para o acusado, ela se aplica retroativamente a todos os casos em que houve pagamento do débito tributário e dos

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acessórios, independentemente da fase procedimental em que tal pagamento foi feito.

A causa de suspensão da pretensão estatal punitiva e do prazo prescricional igualmente aplica-se a todas as hipóteses de parcelamento de débitos tributários, desde que tal parcelamento seja feito até o trânsito em julgado da sentença condenatória, independentemente do nível federativo (municipal, estadual ou federal), da espécie de tributo devido e do respectivo regime jurídico do parcelamento. Trata-se, ademais, de norma penal mais benéfica para o acusado, fato a ensejar a sua aplicação retroativa.

A superveniência da Medida Provisória 303/06, que instituiu nova oportunidade de parcelamento de débitos tributários, não afetou a norma geral contida no artigo 9º da Lei 10.684/03, por ser omissa quanto às conseqüências jurídico-penais do parcelamento.

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