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CRIMES EM ESPÉCIE PONTOS RELEVANTES Prof: Reinaldo Rossano Alves 1 I- Dos Crimes contra a vida 1- Do homicídio. Espécies delitivas: simples; privilegiado; qualificado; culposo e híbrido (qualificado-privilegiado ou privilegiado-qualificado). Homicídio praticado por milícia privada ou por grupo de extermínio (Lei nº 12.720/2012). a) Sujeito ativo: qualquer pessoa; b) Sujeito passivo: idem. Tratando-se das autoridades enumeradas no art. 29 da Lei nº 7.170/83 (Presidente da República, Deputado Federal, Senador ou Ministro do STF), o fato pode constituir crime contra a segurança nacional, a depender da motivação e dos objetivos do agente (art. 2º da Lei nº 7.170/83), e não homicídio; c) Dolo: amimus necandi ou occidendi. d) Consumação: com a morte, tratando-se de crime material (de resultado). O critério legal hoje é o da ―morte encefálica‖ comprovada, criado pela Lei nº 9.434/97 Lei de Transplantes de Órgãos (art. 3º); e) Tentativa: possibilidade; f) Tentativa abandonada (arrependimento eficaz e desistência voluntária): possibilidade. Não repetição de disparos disponíveis. Desistência voluntária e disparo de arma de fogo em via pública: art. 15 da Lei nº 10.826/03 impossibilidade, devendo responder pelo crime do art. 132 do CP. g) Tentativa inidônea (crime impossível): possibilidade. Arma de brinquedo. Arma defeituosa. h) Teoria do dolo geral (dolus generallis) ou erro sucessivo. Aberratio causae (erro sobre o nexo causal). 1 Defensor Público do Distrito Federal. Membro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal. Autor do Livro ―Direito Processual Penal‖ – Editora Impetus 8ª Edição.

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CRIMES EM ESPÉCIE – PONTOS RELEVANTES

Prof: Reinaldo Rossano Alves1

I- Dos Crimes contra a vida

1- Do homicídio. Espécies delitivas: simples; privilegiado; qualificado;

culposo e híbrido (qualificado-privilegiado ou privilegiado-qualificado).

Homicídio praticado por milícia privada ou por grupo de extermínio (Lei nº

12.720/2012).

a) Sujeito ativo: qualquer pessoa;

b) Sujeito passivo: idem. Tratando-se das autoridades enumeradas no art.

29 da Lei nº 7.170/83 (Presidente da República, Deputado Federal, Senador ou

Ministro do STF), o fato pode constituir crime contra a segurança nacional, a

depender da motivação e dos objetivos do agente (art. 2º da Lei nº 7.170/83),

e não homicídio;

c) Dolo: amimus necandi ou occidendi.

d) Consumação: com a morte, tratando-se de crime material (de

resultado). O critério legal hoje é o da ―morte encefálica‖ comprovada, criado

pela Lei nº 9.434/97 – Lei de Transplantes de Órgãos (art. 3º);

e) Tentativa: possibilidade;

f) Tentativa abandonada (arrependimento eficaz e desistência

voluntária): possibilidade. Não repetição de disparos disponíveis. Desistência

voluntária e disparo de arma de fogo em via pública: art. 15 da Lei nº

10.826/03 – impossibilidade, devendo responder pelo crime do art. 132 do CP.

g) Tentativa inidônea (crime impossível): possibilidade. Arma de brinquedo.

Arma defeituosa.

h) Teoria do dolo geral (dolus generallis) ou erro sucessivo. Aberratio

causae (erro sobre o nexo causal).

1 Defensor Público do Distrito Federal. Membro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal. Autor do

Livro ―Direito Processual Penal‖ – Editora Impetus – 8ª Edição.

i) Dolo de primeiro grau e de segundo grau (ou de conseqüências

necessárias);

j) Concurso de pessoas. Teoria monista. Teoria do domínio do fato: co-

autor, autor e partícipe. Autoria mediata ou indireta. Autoria colateral e

autoria incerta.

k) Erro de tipo essencial e acidental. Aberratio ictus e error in persona.

Casos práticos.

l) Descriminantes putativas;

1.1) Homicídio privilegiado (§1º):

a) Privilégio: causa de diminuição de pena, cujo fator de redução as

circunstâncias do art. 59 do CP (1/6 a 1/2);

b) Discricionariedade ou obrigatoriedade do benefício? Júri.

c) Hipóteses: (1) relevante valor moral: quando o fim é individual, ligado a

interesses particulares do agente. É o típico exemplo da eutanásia (ação) ou

da ortotanásia (omissão) que causam a morte, com a finalidade de evitar a

dor; (2) relevante valor social: quando o objetivo é coletivo para o bem da

sociedade, ou seja, o motivo diz respeito aos interesses ou fins da vida coletiva;

(3) emoção: diferença para atenuante genérica do art. 65, III, c, do CP.

d) Comunicação em caso de concurso de agentes: impossibilidade.

e) Paixão: divergência.

1.2) Homicídio qualificado (§2º): interpretação analógica – enumeração

casuística e fórmula genérica. Trata-se de circunstâncias, algumas de caráter

pessoal (subjetivas: I, II e V) e outras de caráter real (objetivas: III e IV).

Comunicabilidade em caso de concurso de pessoas: só as objetivas, desde

que haja ciência (conhecimento) do outro agente.

a) Paga ou promessa de recompensa ou outro motivo torpe: torpe é o

motivo moralmente reprovável, desprezível, abjeto, repugnante. Parâmetro:

senso comum da coletividade.

- Homicídio mercenário: responsabilização do mandante: divergência: STJ

(RHC 14.900/SC (Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em

17.06.2004, DJ 09.08.2004 p. 277; REsp 467.810/SP, Rel. Ministro Felix Fischer,

Quinta Turma, julgado em 20.11.2003, DJ 19.12.2003 p. 576): impossibilidade,

pois é circunstância de caráter pessoal e, portanto, incomunicável.

(*) A 6ª Turma do STJ, no entanto, entende que respondem pela qualificadora

tanto quem paga como quem recebe, em razão de ser esta ―elemento do

tipo qualificado‖, é circunstância que não atinge exclusivamente o executor,

mas também o mandante ou qualquer outro co-autor‖. (HC 99.144-RJ, Rel.

Min. Og Fernandes, julgado em 4/11/2008 – Informativo nº 375). Em recente

decisão, reafirmou esta mesma posição: AgRg no REsp 912.491/DF, Rel. Ministra

Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 09/11/2010, DJe

29/11/2010.

- Vingança: deve ser analisada no caso em concreto, conforme se vê na

seguinte decisão:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO.

MOTIVO TORPE. VINGANÇA. VERIFICAÇÃO. DECISÃO DOS JURADOS.

SOBERANIA. LIMITES DE APRECIAÇÃO NA VIA ELEITA I - A verificação se a

vingança constitui ou não motivo torpe deve ser feita com base nas

peculiaridades de cada caso concreto, de modo que, não se pode

estabelecer um juízo a priori, seja positivo ou negativo. Conforme ressaltou o

Pretório Excelso: a vingança, por si só, não substantiva o motivo torpe; a sua

afirmativa, contudo, não basta para elidir a imputação de torpeza do motivo

do crime, que há de ser aferida à luz do contexto do fato."(HC 83.309/MS, 1ª

Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 06/02/2004).

II - Dessarte, não há como, na via eleita, concluir se a vingança narrada na

denúncia, e submetida a apreciação dos jurados, traduziria hipótese de

configuração do motivo torpe, eis que, para tanto, seria indispensável o

reexame aprofundado do material fático-probatório, incompatível com o rito

do habeas corpus (Precedente). Ordem denegada.

(HC 80.107/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em

08/11/2007, DJ 25/02/2008, p. 339).

b) Motivo fútil: é o motivo insignificante, vil, desproporcional em relação ao

crime praticado. Parâmetro: senso comum da coletividade. Não se confunde

com motivo torpe. Além disso, ambas de repelem. Ação anterior da vítima.

- Futilidade e embriaguez: possibilidade.

- Ciúme: possibilidade de caracterização.

- Ausência de motivo: divergência: doutrina: possibilidade; jurisprudência:

impossibilidade (STJ - REsp 769.651/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA

TURMA, julgado em 04.04.2006, DJ 15.05.2006 p. 281).

c) Meio insidioso e veneno: venefício. O emprego insidioso de outras

substâncias, como o açúcar e o sal, traz a possibilidade de configuração da

qualificadora, pois o que qualifica o homicídio não é o objeto escolhido ou

usado para a prática do crime, mas o modo (meio) insidioso que dificulte ou

torne impossível a defesa da vítima.

d) Meio cruel: Ocorre quando o agente efetua o ato com manifesto intuito

de maldade, impondo à vítima um sofrimento desnecessário (RT 768/559).

Exige-se, ainda, que o agente esteja com o ânimo (mente, espírito) calmo ao

empregar a crueldade, pois só este estado permite ao agente a escolha dos

meios capazes de infligir maior padecimento à vítima.

e) Asfixia: exige-se o conhecimento do agente de que está matando a

vítima mediante este meio. Asfixia é a falta de oxigênio no sangue (anoxemia)

ocasionada por: esganadura (constrição do pescoço da vítima com as mãos);

estrangulamento (constrição muscular com fios, arames, cordas, seguros pelo

agente); enforcamento (constrição pelo próprio peso da vítima); afogamento

(submersão em meio líquido); soterramento (submersão em meio sólido);

sufocação (uso de objetos como travesseiros, mordaças, etc); ou

confinamento (colocação em local onde não penetre o ar).

f) Tortura: diferença para o crime de tortura qualificada pelo resultado

morte previsto no art. 1º, §3º, da Lei nº 9.455/97 (crime preterdoloso): vontade

(dolo) do agente. Possibilidade de concurso de crimes em caso de desígnios

autônomos.

g) Traição: Traição é a quebra de confiança existente entre o agente e a

vítima. Para que a traição qualifique o crime de homicídio é necessário que o

ataque seja brusco e inopinado. Diferença entre ―tiros nas costas‖ e ―tiro pelas

costas‖. Surpresa: possibilidade, quando não houver a quebra de confiança

entre o agente e a vítima (outro recurso que reduza ou impossibilite a

capacidade de resistência da vítima).

h) Emboscada: é a chamada tocaia, que pressupõe necessariamente a

premeditação do delito, a qual, por si só, não mais constitui qualificadora do

delito em exame.

i) Dissimulação: é a ocultação da intenção hostil, para acometer a vítima

de surpresa.

j) Conexão: espécies: teleológica (assegurar a execução), conseqüencial

(assegurar a vantagem, a impunidade ou a ocultação) e ocasional (praticado

por ocasião de outro crime). Previsão do CP.

1.3) Homicídio duplamente/triplamente qualificado: nestas situações,

apenas uma circunstância incidirá como qualificadora. As demais deverão ser

levadas em consideração como circunstâncias judiciais (art. 59) para a

fixação da pena-base, a qual já tomara por base os limites do homicídio

qualificado (12 a 30 anos). Há posição jurisprudencial (RT 641/324; RJTJESP

118/525), todavia, no sentido de que, presentes duas ou mais circunstâncias,

uma deve ser considerada como qualificadora e a (s) outra (s) como

agravante genérica (se prevista no rol do art. 61). Esta última só seria

considerada como circunstância judicial se não prevista no art. 61. Assim, as

demais causas não aplicadas como qualificadoras do homicídio devem ser

consideradas como agravantes genéricas. Nesse sentido: HC 168.481/ES, Rel.

Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 27/03/2012, DJe 03/04/2012; HC

192.824/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 20/03/2012,

DJe 26/03/2012; REsp 139.908/DF, Rel. Ministro José Dantas, Quinta Turma,

julgado em 07.10.1997, DJ 18.05.1998 p. 126; REsp 284.342/DF, Rel. Ministra

Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 16.09.2004, DJ 11.10.2004 p. 367. Ocorre

que todas as qualificadoras do homicídio estão previstas no art. 61 como

agravantes genéricas. A questão, porém, não é pacífica, existindo outras

decisões que reconhecem apenas a aplicação destas circunstâncias na

fixação da pena-base e não como agravantes, pois o "caput" do art. 61 do CP

as excluem da incidência da agravante genérica, quando diz: "são

circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou

qualificam o crime‖. Neste sentido, recente decisão do STJ: HC 163.815/MS,

Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 14/02/2012, DJe

15/03/2012. E, ainda: RHC 7176/MS, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Sexta

Turma, julgado em 19.03.1998, DJ 06.04.1998 p. 163; RJTJSC 72/546.

1.4) Homicídio híbrido ou qualificado-privilegiado ou privilegiado-

qualificado: possibilidade, desde que as circunstâncias sejam compatíveis

(qualificadoras objetivas). Não é hediondo segundo pacífica posição

jurisprudencial.

1.5) Homicídio culposo. Delito de homicídio culposo no trânsito (art. 302 do

CTB). Causas de aumento de pena. Omissão de socorro.

1.6) Causa de aumento de pena (art. 121, §4º, do CP). Homicídio doloso e

culposo.

1.7) Perdão judicial (§5º). Natureza jurídica da sentença concessiva. Efeitos

da condenação.

1.8) Homicídio praticado por milícia privada ou por grupo de extermínio

(§6º). A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for

praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de

segurança, ou por grupo de extermínio. A Lei 12.720/2012 criou essa causa de

aumento, dispondo, ainda, sobre o crime de milícia privada no artigo 288-A do

Código Penal (Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear

organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a

finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: Pena -

reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos).

Em princípio, não há óbice que o agente responda pela causa de aumento

de pena e pelo crime do artigo 288-A de forma autônoma.

Quatro pontos merecem ser destacados: a) a lei não tipifica como crime

hediondo o crime de homicídio praticado por milícia privada (é claro que se o

homicídio for qualificado será hediondo); b) a norma não dispõe sobre o

número mínimo de participantes para a caracterização do crime do artigo

288-A, devendo ser adotada a posição da doutrina de que é necessária a

presença de três ou mais pessoas, como ocorre com o crime de quadrilha do

artigo 288 (redação dada pela Lei 12.850/2013); c) não configura crime de

milícia privada a associação para a prática de crimes não previstos no Código

Penal, como ocorre com o tráfico, tortura, etc, em face da redação final do

artigo 288-A; d) a pena prevista para o delito do artigo 288-A é muito alta, o

que tem levado parte da doutrina a sustentar a sua inconstitucionalidade, por

ofensa ao princípio da proporcionalidade.

2- Participação em suicídio.

a) Suicídio – matar a si mesmo; é o extermínio de si próprio. O Direito Penal

não pune o crime de suicídio por razões de política criminal. Além disso, a

conduta suicida não lesa interesses de terceiros, sendo, por isso, impossível

criminalizá-la, em respeito ao princípio da alteridade ou da

transcendentalidade. Assim, o suicida não comete um fato típico.

b) Tipo Penal: art. 122. Conduta. Importância. No homicídio, autor é quem

pratica o núcleo da ação (―matar‖) e partícipe aquele que de qualquer

forma concorre para produção do resultado. A participação se dá na forma

de instigação, induzimento e auxílio (adoção da teoria restritiva). No delito do

art. 122, o partícipe do suicídio é punido a título de autoria, eis que a

participação (instigação, induzimento ou auxílio) constitui o próprio núcleo do

tipo penal. Ou seja, quem vai ser punido é o partícipe, aquele que contribui de

qualquer forma para produção do resultado, com a instigação, induzimento

ou auxílio. Insta notar que se o agente vier a realizar a conduta ―matar‖ ele

estará cometendo o delito de homicídio (art. 121) e não o de participação em

suicídio (art. 122).

Condutas:

- Induzir (apoio moral): quando o suicida não tem em mente o suicídio por sua

própria vontade, porém alguém o induz a cometer o ato.

- Instigar (apoio moral): quando outra pessoa reforça a idéia do autor de tirar

sua própria vida, sendo que já existia uma predisposição para o ato.

- Prestar auxílio (apoio material): quando o autor é ajudado com meio material

para obtenção do resultado morte.

(*) Se o sujeito praticar a conduta ―matar‖ (ex: puxar o gatilho, abrir a torneira

de gás), responderá por homicídio.

c) Sujeito ativo: é a vítima, que pode ser qualquer pessoa, tratando-se de

crime comum.

d) Sujeito passivo: do suicida exige-se a capacidade de consentir em

dispor de sua vida. Então, torna-se necessário saber a partir de qual idade a

pessoa pode consentir. A presunção penal está no Código Penal que

determina a idade de 14 anos (é o que determina a norma do art. 224 que

trata da presunção de inocência nos crimes contra os costumes). Então, se a

criança for menor de 14 anos o crime será de homicídio (ou de tentativa de

homicídio). O mesmo ocorre com um alienado mental. Assim, nas duas

hipóteses (criança menor de 14 anos ou de pessoa alienada mental).

Causas de aumento de pena: aplica-se o dobro se o induzimento, a

instigação ou o auxílio é ocasionado por: (1) Motivo egoísta – art. 122, I Ex.:

herança, vingança; (2) Vítima com capacidade reduzida de resistência – 122,

II. Ex. embriaguez.

(3) Vítima menor? Qual a idade a ser considerada? - somente quando for

menor entre 14 e 18 anos, porquanto se for menor de 14 anos haverá

homicídio.

e) Consumação e Tentativa. Consuma-se o delito com a lesão grave ou a

morte do agente. É impossível a tentativa, pois se o suicida, mesmo instigado,

induzido ou auxiliado, não conseguir o suicídio, não havendo, ainda, lesão

grave ou morte, o fato será atípico (doutrina dominante).

- Lesão Grave e morte: a doutrina discute acerca da natureza jurídica

destes elementos. Alguns os consideram como condição de punibilidade do

crime do art. 122 (Hungria e Zaffaroni). Deste modo, se o agente induziu,

instigou ou auxiliou a vitima a suicidar-se e esta não tentou o suicídio ou não

sofreu lesões graves ou morte, o fato será típico, antijurídico e culpável, porém

não punível.

No entanto, a doutrina dominante os considera como elementos do tipo.

Desse modo, na hipótese anterior, o fato praticado pelo agente seria atípico.

- Não existe tentativa no crime de participação em suicídio, o crime é

consumado, pois se exige o resultado lesão grave, pelo qual o agente

responde por crime de participação em suicídio, cuja pena é de 01 a 03 anos,

ou o resultado morte, cuja pena é de 02 a 06 anos. Assim, tem-se a seguinte

situação: - A pessoa prestou auxílio, e a outra tentou o suicídio e não morreu

nem sofreu lesão: não responde por crime algum; - Tentou suicídio e sofreu

lesão corporal grave: art. 122, pena de 1 a 3 anos. - Tentou suicídio e morreu:

art. 122, pena de 2 a 3 anos.

3- Infanticídio.

a) Tipo Penal (art. 123).

b) Sujeito ativo e passivo. Trata-se de crime bi-próprio, pois exige qualidade

especial tanto do sujeito ativo (mãe) como da vítima (próprio filho, que deve

ser o nascituro – nascente ou neonato).

(*) Se a mãe, conscientemente, matar outro filho, sob a influência do estado

puerperal, haverá o crime de homicídio e não de infanticídio. Ressalva-se a

possibilidade de erro sobre a pessoa (§3º do art. 20 do CP), quando a mãe

continuará respondendo pelo infanticídio, como se tivesse atingido o próprio

filho.

c) Caracterização do infanticídio. Critérios: - psicológico, pelo qual se justifica

o privilégio, fundado no desejo de preservar-se a honra pessoal por meio da

ocultação da maternidade; e - psicofisiológico, adotado pelo CP, pelo qual se

caracteriza o delito pela influência do estado puerperal.

- De fato, reconhece-se que a presença do puerpério pode: (1) Não produzir

nenhuma alteração na capacidade de entendimento da mulher; (2)

Acarretar-lhe perturbações psicossomáticas que a levem a matar o próprio

filho; (3) Reduzir-lhe a capacidade de entendimento ou de determinação; o

que seria algo superior a mera perturbações psicossomáticas; ou (4) Provocar-

lhe doença mental. No primeiro caso, a mulher responderá pelo homicídio. No

segundo, haverá infanticídio. O terceiro configura infanticídio, respondendo a

mulher, porém, com a pena reduzida (parágrafo único do art. 26), em face de

sua semi-imputabilidade, ou com a imposição de medida de segurança. Na

última hipótese, há exclusão da imputabilidade, ficando a mulher isenta de

pena, na forma do caput do art. 26.

d) Momento do crime: exige-se que o crime seja cometido durante ou

logo após o parto. O início do parto ocorre com o rompimento do saco

amniótico (entendimento dominante). Por sua vez, a expressão ―logo após‖

deve ser entendida nos limites do tempo de duração do estado puerperal,

que vai de 6 (seis) dias a 6 (seis) semanas. Mas não se exclui a possibilidade de

que este prazo de 6 (seis) semanas venha a ser superado. Assim, a existência

ou não do puerpério deve ser analisada em cada caso.

e) Elemento subjetivo do tipo: pune-se o infanticídio somente a título de

dolo. Caso a mãe, sob a influência do estado puerperal, durante ou logo após

o parto, venha a matar, por culpa, o próprio filho, discute-se por qual delito

deve responder a mãe. Noronha, Mirabete, Bitencourt e Capez afirmam que a

mãe deveria responder por homicídio culposo. Para Frederico Marques e

Damásio, o fato é atípico. Entende-se correta esta última posição.

f) Consumação e Tentativa. Consuma-se com a morte do filho. É possível a

tentativa.

g) Concurso de Pessoas. Divergência.

- Comunicabilidade das elementares: é possível um 3º, que atue em concurso

com a mãe da vítima, ser condenado pelo crime de infanticídio? É preciso

distinguir três situações: (1) O terceiro é autor (ele mata a criança) e a mãe é

partícipe (instiga, induz ou auxilia o terceiro a matar a criança); (2) A mãe é

autora (ela mata o filho) e o terceiro é partícipe (instiga, induz ou auxilia); e (3)

Mãe e terceiro são co-autores, realizando o núcleo ―matar‖. É pacífico que, no

primeiro caso, o terceiro deve responder pelo crime de homicídio. Aqui não há

divergências quanto à questão da comunicabilidade das circunstâncias. Ora,

o terceiro é quem pratica, na espécie, a conduta principal que, no caso, se

subsume ao tipo penal de homicídio (art. 121) e não de infanticídio. Quanto à

mãe, entende-se que ela, apesar de ser partícipe do crime praticado pelo

terceiro (homicídio) deve responder pelo infanticídio, face ao princípio da

culpabilidade. Veja: se a mãe que ―mata‖ o próprio filho, sob a influência do

estado puerperal, comete o crime de infanticídio; não poderia ela cometer

crime mais grave - o homicídio (como partícipe) - se não ―mata‖, mas apenas

―instiga, induz ou auxilia‖. Assim, a melhor solução é responder a mãe,

partícipe, pelo crime de infanticídio.

No que se refere à segunda e à terceira hipótese, a doutrina diverge acerca

da possibilidade do terceiro (partícipe ou co-autor) responder pelo infanticídio.

A doutrina dominante (Hungria, Noronha, Damásio, Mirabete, Bitencourt,

Capez,) inclina-se no sentido da comunicabilidade. De acordo com os

adeptos desta corrente, as elementares do tipo penal do infanticídio (estado

puerperal, mãe, próprio filho) comunicam-se aos terceiros, partícipes ou co-

autores, bastando que tenham ingressado na sua esfera de conhecimento.

Aplica-se, no caso, a regra do art. 30 do CP.

A corrente minoritária, encabeçada por Heleno Fragoso, com base na lição

de Hungria (este, em sua última obra, alinhou-se à corrente dominante), não

admite a comunicabilidade, por entender que ―estado puerperal‖, ―mãe‖ e

―próprio filho‖, dados previstos no art. 123, são circunstâncias ―personalíssimas‖,

e, portanto, incomunicáveis, não se tratado de elementares.

Nota-se, em verdade, que a solução pugnada pela doutrina dominante, em

que pese a não ser a mais justa, é a que emprega melhor técnica jurídica.

Ora, os dados ―estado puerperal‖, ―mãe‖ e próprio filho‖ são elementares e

não circunstâncias do tipo infanticídio. Esses elementos integram o crime de tal

forma que, na sua ausência, há o delito de homicídio, e não infanticídio.

Ademais, não há como aceitar a tese de que são circunstâncias

―personalíssimas‖ - e, portanto, incomunicáveis - pois tal espécie de

circunstância (―personalíssima‖) não foi prevista pelo legislador penal pátrio.

Portanto, as elementares do tipo penal do infanticídio (estado puerperal, mãe,

próprio filho) comunicam-se aos terceiros, partícipes ou co-autores, bastando

que tenham ingressado na sua esfera de conhecimento, na forma

determinada pelo art. 30 do CP.

4- Aborto.

a) Conceito: Aborto é a interrupção da gravidez com a morte do produto da

concepção, seja ele ovo, embrião ou feto, pois a lei não restringe a fase de

evolução da vida intra-uterina. No sentido etimológico, aborto significa

privação (ab) do nascimento (ortus).

b) Consumação e tentativa. Consuma-se o aborto, por conseguinte, com

a interrupção da gravidez e morte do feto, sendo possível a tentativa quando

não ocorrer o óbito do feto, por circunstâncias alheias à vontade do agente.

c) Espécies de aborto: provocado, natural e acidental. O primeiro

consiste na interrupção da gravidez por intervenção humana, seja da própria

gestante ou de terceiro. Aborto natural é a interrupção espontânea da

gravidez. Aborto acidental é a interrupção da gravidez por conduta humana

não intencional, isto é, provocada, não por dolo, mas por culpa. Destas, a

única espécie que constitui crime é o aborto provocado.

d) Espécies delitivas: o auto-aborto (aborto provocado pela gestante em si

mesma) ou com o consentimento da gestante (art. 124); o aborto provocado

por terceiro sem o consentido da gestante (art.125); e o aborto provocado por

terceiro com o consentido da gestante (art. 126).

e) Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (art. 124).

- Tipo penal.

- Sujeito ativo. Trata-se de crime de mão própria, dirigido à gestante.

Nada impede, porém, que terceiro venha a praticar o delito, como partícipe,

induzindo, instigando ou auxiliando a gestante a praticar o aborto. Impossível,

no entanto, que terceiro seja co-autor do delito em estudo. Assim, por

exemplo, se o terceiro comprar um remédio abortivo e o entregar para a

mulher, ambos, terceiro e gestante, responderão pelo crime do art. 124, ela

como autora e ele como partícipe. Se, porém, o terceiro colocar o remédio na

boca da gestante, sobrevindo o aborto, a gestante responde pelo crime do

art. 124 (consentir que outrem lho provoque) e o terceiro pelo art. 126 (aborto

consensual). Conclui-se que, quando o terceiro participa do aborto

(instigando, induzindo ou auxiliando a gestante), comete o crime do art. 124.

Quando provocar o aborto, com o consentimento da gestante, responde pelo

art. 126. Se não houver o consentimento da gestante, o delito será o do art.

125.

f) Aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art.

125).

- Tipo penal.

- Sujeito ativo. Trata-se de crime comum, podendo ser cometido por

qualquer pessoa.

- Dissentimento: a ausência de consentimento por de ser real (expresso)

ou tácito (presumido). Será real, quando a vítima expressamente for contrária

ao aborto, ou quando o agente empregar violência, grave ameaça ou fraude

para a obtenção de seu fim. A ausência de consentimento é presumida na

hipótese do parágrafo único do art. 126 do CP, ou seja, quando a gestante

tiver menos de 14 anos ou for alienada ou débil mental. Para a caracterização

do delito, não é necessário que o dissentimento da gestante seja expresso.

Basta que a gestante desconheça a prática abortiva realizada pelo terceiro.

g) Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 126).

- Tipo penal.

- Sujeito ativo. O CP se alinhou, neste caso, à teoria dualista (há um crime

para os autores e co-autores e outro para os partícipes da ação delituosa).

Com efeito, gestante e seus partícipes respondem pelo crime do art. 124

(pena de detenção de 1 a 3anos); e o provocador do aborto e seus partícipes

pelo crime do art. 125 (pena de reclusão de 3 a 10 anos), se ausente o

consentimento da gestante; ou pelo delito do art. 126 (pena de reclusão de 1

a 4 anos), havendo o consentimento da gestante. É necessário que a gestante

tenha capacidade de consentir, pois, em caso contrário, seu dissentimento

será presumido (parágrafo único do art. 126 do CP). Assim, por exemplo, se o

terceiro praticar o aborto com o consentimento de uma gestante de 13 anos

de idade, ainda que venha a responder pelo crime do art. 126 (aborto com o

consentimento da gestante), sofrerá a mesma pena prevista no art. 125. É o

que determina o parágrafo único do art. 126: responde pelo crime de aborto

consensual (art. 126), com a pena do tipo do art. 125.

h) Formas ―Qualificadas‖.

- Natureza jurídica. Trata-se, na verdade, de causas de aumento de

pena, e não de qualificadora, em razão do resultado, já que o CP não

estabelece novos limites, mínimo e máximo de pena, mas apenas majora

aquelas previstas nos artigos 125 e 126. Com efeito, se do aborto resultar lesão

grave na gestante, a pena deve ser aumentada de um terço; se resultar a

morte, a sanção penal será duplicada. Por outro lado, sobrevindo lesões leves

na gestante, estas ficam absorvidas pelo aborto.

- Preterdolo. Cuida-se de figura preterdolosa, na qual o resultado

qualificador (morte ou lesão grave) é obtido a título de culpa. Por sua vez, se

houver dolo do agente em relação à morte ou à lesão grave, responderá ele

por dois delitos em concurso formal: aborto (vítima é o bebê) e lesão grave ou

homicídio (vítima é a gestante).

- Ausência de aborto e existência do resultado qualificador. O aumento

da pena deve ocorrer ainda que o aborto não se consume, pois o resultado

qualificador, na dicção do próprio art. 127, pode ocorrer em conseqüência do

aborto ou dos ―meios empregados para provocá-lo‖. De fato, tratando-se de

figuras preterintencionais não se pode falar em tentativa. Nesse sentido,

pronuncia-se Capez. Entendendo, porém, cuidar-se de hipótese de delito de

aborto ―qualificado tentado‖, manifestam-se, na doutrina, Fragoso e Rogério

Greco.

- Aplicação da causa de aumento de pena. Somente se aplica aos

casos de aborto praticado por terceiro, sem ou com o consentimento da

gestante, previstos nos artigos 125 e 126. Não se aplica, deste modo, ao delito

do art. 124 (auto-aborto e aborto consentido).

- Responsabilização do terceiro partícipe da gestante, havendo morte ou

lesão grave nesta. Questiona-se por qual crime deve responder o partícipe da

gestante, se esta vier a falecer ou sofrer lesão grave em razão da prática

abortiva.

Na doutrina, há três posições: (1) Responde somente por homicídio culposo ou

lesão culposa (Hungria); (2) Responde somente pela participação no crime do

art. 124 (Noronha e Mirabete); (3) Responde pela participação no crime do

art. 124 e por homicídio culposo ou lesão culposa, em concurso formal, sendo

inaplicável, na hipótese, o art. 127. É a posição de Damásio e Capez, com a

qual concordamos.

- Diferença entre aborto ―qualificado‖ pelas lesões graves e lesões graves

qualificadas pelo aborto (art. 129, §2°, V). A diferença reside no dolo do

agente. Com efeito, no delito do art. 129, o agente não quer o aborto, que

resulta a título de culpa. Nesse crime, o sujeito pretende tão-somente lesionar a

vítima. A seu turno, no aborto ―qualificado‖, a intenção do sujeito é provocar o

aborto, sobrevindo a lesão grave na gestante ou a sua morte a título de culpa.

Assemelham-se, por fim, por serem ambos os delitos preterdolosos.

i) Aborto legal (art. 128).

- Espécies. No inciso I, há a figura do aborto necessário (ou terapêutico);

no inciso II, a do chamado aborto sentimental (humanitário ou ético).

- Beneficiário. Em ambos os casos, somente o médico – profissional

registrado no Conselho Regional de Medicina – e sua equipe são os

beneficiários da excludente. É pacífico, porém, que se o aborto for praticado

por outra pessoa - uma enfermeira, por exemplo -, sem a presença de um

médico, para salvar a vida da gestante, será ela beneficiada pelo estado de

necessidade de terceiro (art. 24), não respondendo por nenhum delito, ante a

licitude de sua conduta. Por outro lado, se praticou o aborto na situação do

inciso II, não será beneficiada pela excludente do art. 128 nem pela do art. 24,

pois não está ela salvando vida alguma.

- Natureza jurídica. Trata-se de causas de exclusão da antijuridicidade, e

não de isenção de pena, pois o legislador penal excluiu a punição do fato

(―não se pune o aborto‖), e não do agente (neste caso, o CP usa a frase ―é

isento de pena‖).

Rogério Greco defende que, no aborto sentimental, há causa de excludente

da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa. Discordamos desse

entendimento, porquanto, adotada pelo CP, a teoria da acessoriedade

limitada, que prevê a punibilidade do partícipe quando o fato praticado pelo

autor for típico e antijurídico, os integrantes da equipe médica, ainda que

presentes os requisitos legais, seriam punidos. Veja que, a se adotar a causa

como excludente da culpabilidade, o fato praticado pelo médico seria típico

e antijurídico, o que acarretaria a punição de todo a equipe médica, à

exceção do beneficiário direto da dirimente (médico).

- Aborto necessário. Requisitos. Não impõe o CP qualquer condição para a

prática do aborto necessário, eis que o próprio inciso I do §3° do art. 146

permite a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente

ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.

- Aborto sentimental. São requisitos à sua configuração o consentimento da

gestante, ou de seu representante legal, conforme o caso, e que o médico

esteja convencido de que a gravidez é conseqüência de prática delituosa.

Não exige, assim, o legislador qualquer documento que comprove a

instauração ou encerramento de inquérito policial ou mesmo de processo

relativo ao estupro, para que o médico possa vir a realizar o aborto. É

conveniente, no entanto, que o médico se acautele, exigindo prova cabal do

consentimento e da prática do estupro. Dispensável, porém, autorização

judicial ou prova de condenação do agente pelo crime sexual. Aliás, a

autorização judicial, neste caso, poderá, inclusive, representar pré-julgamento

do delito contra os costumes. Boletim de ocorrência, testemunhos colhidos

perante a autoridade policial são provas hábeis à comprovação da prática

do estupro. Constata-se, no entanto, que dificilmente, na prática, um médico

realiza aborto sentimental sem autorização judicial. Situação igual não ocorre,

se a gravidez resultar do crime de sedução (revogado pela Lei n° 11.106/005)

ou de corrupção de menores, pois estes delitos não possuem a mesma

regência do crime de estupro, não podendo ser a eles equiparados para

efeito de concessão do benefício.

j) Aborto Eugênico. Também chamado de eugenésico ou piedoso ou

antecipação terapêutica do parto (denominação específica para os casos

de anencefalia). Nesses casos, o aborto é realizado para impedir que a

criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável. É conhecida a

situação dos fetos anencéfalos (sem cérebros), cujo tema chegou inclusive, no

final de 2004, a ser debatido no âmbito do Supremo Tribunal Federal que

cassou liminar anteriormente concedida, em sede de argüição de

descumprimento de preceito fundamental, para negar a autorização

requerida para a prática de aborto de feto acometido de anencefalia.

Novamente, a questão foi ao plenário do STF, na ADPF 54, de relatoria do

Ministro Marco Aurélio, que reconheceu como atípica a conduta consistente

na interrupção da gravidez de feto anencéfalo (Informativo nº 661).

II- Das Lesões Corporais (art. 129).

a) Conceito. Lesão corporal é toda ―ofensa à integridade corporal ou

saúde‖, ou seja, ―todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional

do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista

fisiológico ou mental‖ (Exposição de Motivos da Parte Especial do CP, item 42).

b) Bem jurídico tutelado, autolesão e princípio da insignificância. Tutela-se

a integridade física e a saúde da pessoa, as quais são bens jurídicos

indisponíveis. Assim, ainda que a vítima consinta no ato, o crime de lesão

corporal subsistirá. Todavia, tem-se admitido a aplicação do princípio da

insignificância, neste delito, quando a lesão for ínfima, incapaz de ofender de

forma significativa o bem jurídico tutelado. Por outro lado, a autolesão é

penalmente irrelevante, pelas mesmas razões por que não se pune o suicídio.

c) Tipo penal (art. 129).

- Elemento subjetivo. Diferença para homicídio. O crime de lesão

corporal, não obstante ser próximo do homicídio, com ele não se confunde. A

diferença básica entre os dois delitos está na intenção, no dolo do agente. No

homicídio, o elemento subjetivo é o chamado animus necandi ou occidendi.

Na lesão corporal, o elemento subjetivo é o animus laedendi ou nocendi. Em

outras palavras, no crime de lesão corporal, o agente deseja somente lesionar,

e jamais matar a vítima, nem assume o risco de resultado morte. Já, no

homicídio, a intenção do agente é matar a vítima (dolo direto) ou, ao menos,

ser indiferente ao resultado morte (dolo eventual). Somente a prova colhida

nos autos poderá determinar se o agente desejava matar ou lesionar.

Na prática, dois elementos ajudam, mas não resolvem, a descobrir se a

intenção do agente era matar ou apenas lesionar a vítima: a lesividade da

área atingida e a letalidade do instrumento do crime. Assim, por exemplo, um

sujeito, exímio atirador, que dispara arma de fogo (instrumento letal) em

direção à cabeça da vítima (área de alta lesividade), dificilmente poderá

alegar que apenas queria lesioná-la. De fato, somente os elementos do caso

concreto poderão definir a real intenção do sujeito.

d) Espécies delitivas. O caput do art. 129 cuida da lesão corporal de

natureza leve (simples). As lesões corporais de natureza grave, em sentido

amplo, encontram-se descritas nos §§1° e 2° do mesmo artigo.

Doutrinariamente, porém, afirma-se que as hipóteses do §1° referem-se às

lesões graves, em sentido estrito; e as do §2°, às lesões gravíssimas. Para o CP,

todavia, não existem as lesões gravíssimas, mas somente lesões graves. Assim,

quando o legislador penal menciona lesão grave, como ocorre nos casos de

participação em suicídio, aborto e estupro, está referindo-se aos casos dos

§§1° e 2° do art. 129, e não somente aos do §1°. Há, ainda, as lesões corporais

seguidas de morte, o chamado homicídio preterdoloso ou preterintencional,

previstas no §3° do art. 129.

As lesões leves são identificadas por exclusão. Com efeito, não se

enquadrando em nenhum dos casos definidos nos §§1° a 3° do art. 129, a

lesão será leve. Caso contrário, cuidar-se-á de lesão grave em sentido amplo,

sendo grave stricto sensu, se prevista no §1°; gravíssima, se no §2°, ou seguida

de morte (caso este resultado seja previsível), no §3°.

e) Ação penal. As lesões graves, gravíssimas e seguidas de morte sujeitam-

se à ação penal pública incondicionada. Por força do art. 88 da Lei n°

9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), os crimes de lesão corporal leve e

culposa passaram a sujeitar-se à ação penal pública condicionada à

representação. Por fim, com o advento da Lei nº 11.340/2006 (Lei da Violência

Doméstica ou Familiar contra a Mulher), surgiu ponderável parte da doutrina

para a qual, por força do art. 41, que exclui a aplicação da Lei nº 9.099/95 aos

crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,

independentemente da pena prevista, o delito de lesões corporais culposas

ou leves cometidos nesta hipótese (com violência doméstica ou familiar

contra a mulher) passou a se sujeitar a ação penal pública incondicionada.

A nosso ver, entretanto, a novel legislação, por meio do art. 41, somente

desejou excluir a aplicação dos institutos despenalizadores (composição civil,

transação penal e suspensão condicional do processo) aos delitos cometidos

mediante violência doméstica ou familiar contra a mulher, não vedando a

aplicação das demais disposições da Lei nº 9.099/95, em especial o art. 88.

Tanto é assim, que a própria Lei de Violência Doméstica criou procedimento

especial para a renúncia e retratação da representação no art. 16, exigindo

que ambas sejam apresentadas perante o juiz, em audiência especialmente

designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o

Ministério Público. Assim, entendemos que os crimes de lesões leves e culposas

continuam a se sujeitar a ação penal pública condicionada à representação,

ainda que cometidos mediante violência doméstica ou familiar contra a

mulher. É a posição da Damásio.

O STJ havia firmado posição no sentido de que a ação penal, nesta hipótese,

era pública condicionada à representação (Resp 1.097.042/DF). Contudo, o

STF, no julgamento da ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012,

reconheceu a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de

lesão corporal, praticado mediante violência doméstica e familiar contra a

mulher. Nesse contexto, considerando o efeito vinculante da decisão do

Pretório Excelso, o STJ mudou sua posição anterior: HC 222.528/SE, Rel. Ministro

OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 22/03/2012, DJe 11/04/2012; HC

136.333/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em

15/03/2012, DJe 02/04/2012.

f) Consumação. Consuma-se o delito no exato momento em que resulta a

lesão à integridade física ou à saúde da vítima. É crime material, sendo exigida

a produção do resultado (ofensa à integridade corporal ou à saúde da vítima)

para a sua consumação.

g) Tentativa. Ainda que exista certa resistência de parte da doutrina, o

entendimento dominante inclina-se pela possibilidade de tentativa de lesão,

quando ficar evidenciado o animus laedendi do agente, e este, tendo

iniciada a execução do crime, não conseguir o resultado por circunstâncias

alheias à sua vontade. Deve ser admitida inclusive a possibilidade de lesão

corporal grave (ou gravíssima).

h) Lesões qualificadas pelo resultado (§§1º a 3º). Obtenção por dolo ou

culpa. É pacífico que a qualificadora do §3° do art. 129 só pode existir a título

de culpa, tratando-se de crime preterdolodo ou preterintencional. Com efeito,

se o agente tiver desejado ou assumido o risco de produzir a morte da vítima,

o delito será homicídio e não lesão corporal. Por sua vez, os resultados

qualificadores dos §§ 1º e 2º, podem ser obtidos a título de dolo ou culpa. Ou

seja, o agente pode ter desejado ou assumido o risco de produzir o resultado

qualificador, ou ter atuado apenas com culpa. No primeiro caso, há crime

qualificado pelo resultado no sentido estrito; no segundo, crime preterdoloso.

Cumpre destacar que, nas hipóteses, de lesões preterdolosas será impossível a

tentativa. Igual não ocorre no caso de lesão qualificada pelo resultado estrito

sendo, obtido a título de dolo.

i) Lesões Graves e Gravíssimas. As causas dos §§1° e 2° estão inter-

relacionadas, pois as que ensejam a lesão gravíssima são sempre um plus em

relação aos de lesão grave, ou seja, há uma correspondência entre ambos os

parágrafos. Assim, por exemplo, se a vítima fica incapacitada para as

ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias, haverá lesões graves; se

resultar, incapacidade permanente para o trabalho, as lesões são gravíssimas.

Os dados dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 129 são circunstâncias e não elementares

do crime de lesão corporal. E são circunstâncias objetivas, pois nenhuma delas

diz respeito ao motivo do crime. Sendo objetivas, elas se comunicam ao outro

sujeito, desde que tenham ingressado na sua esfera de conhecimento,

principalmente face à sua condição de poder evitar o resultado.

j) Hipóteses. Paralelo entre as lesões graves e gravíssimas. Essa

correspondência facilita a interpretação sobre as qualificadoras. Vejamos.

k) Lesão Corporal Grave (§1°)

a) Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias

(I)

Qualifica o delito em tela o fato de o ofendido, em função das lesões

corporais, ficar incapacitado para as ocupações habituais por mais de trinta

dias. O termo ―ocupações habituais‖ compreende todas as atividades

desenvolvidas pela vítima, como estudo, laser, e não somente aquelas de

natureza lucrativa (RT 526/393-4).

A incapacidade por mais de 30 (trinta) dias deve ser comprovada

por meio de exame de corpo de delito complementar, que atestará,

efetivamente, o período no qual a vítima ficou incapacitada. A perícia poderá

ser suprida por prova testemunhal, na forma prevista no §3° do art. 168 do CPP,

quando desaparecem os vestígios. No entanto, a jurisprudência e a doutrina

somente admitem a substituição do exame complementar direto (realizado

por perito) pelo indireto (feito a partir de testemunhas) quando o primeiro

laudo apresentar, no mínimo, um diagnóstico do perito, no qual se indique a

probabilidade de vir a vítima a ficar mais de 30 (trinta) dias afastada de suas

atividades habituais. Logo, se o perito não fizer esse prognóstico no laudo

inicial, não se pode suprir o exame complementar por testemunhas, apesar da

literalidade do § 3º, do art. 168, CPP.

O exame complementar deve ser realizado logo que decorra o prazo

de 30 (trinta) dias, contados da data do crime (§2° do art. 168 do CPP). Mas tal

prazo não é peremptório, pois apenas visa prevenir que o decurso do tempo

leve ao desaparecimento dos elementos necessários à verificação da

existência de lesões graves. Assim, mesmo transcorrido o prazo, se houver

elementos que permitam a afirmação da ocorrência de lesões graves, nada

impede que se faça o exame complementar (RT 785/634; RJTJERGS 187/97). É

certo, todavia, que quanto mais tempo decorrer, mais difícil será provar a

incapacidade temporal de que trata o inciso I do §1° do art. 129.

b) Perigo de Vida (II)

Havendo risco de vida, ocasionado pelas lesões, estas se tornam

qualificadas. E para qualificá-las, não basta o risco potencial, aferido pela

natureza e sede das lesões. O perigo de vida deve ser reconhecido segundo

critérios objetivos, comprobatórios do perigo real a que ficou sujeita à vítima,

mesmo que por pequeno lapso de tempo (RT 579/431). É necessário que os

peritos médicos, reportando-se ao quadro patológico apresentado pela

vítima, esclareçam os sintomas que os levaram à certeza da probabilidade do

êxito letal (RJTJESP 142/334).

Para a doutrina, esta qualificadora só pode ser obtida a título de

culpa, tratando-se de crime preterdoloso. Assim, se o agente lesionar e

dolosamente causar o perigo para a vida vítima, responderá por tentativa de

homicídio, e não por lesão grave. De fato, se o agente atua com a vontade

de trazer um perigo de vida à vítima há, no mínimo, dolo eventual quando ao

resultado morte, sendo o bastante para caracterizar o delito de homicídio e

não o de lesões corporais.

c) Debilidade Permanente de Membro, Sentido ou Função (III)

Debilidade significa mau funcionamento, redução ou

enfraquecimento. Quando o CP se refere ao termo ―permanente‖ não quis

dizer que se trata de debilidade ―definitiva‖. O termo permanente deve ser

entendido como ―imprevisível‖, significando não se saber quando o membro,

sentido ou função atingido vai voltar ao funcionamento normal ou, mesmo, se

vai voltar a funcionar.

Membros são partes do corpo que se prendem ao tronco,

classificando-se em superiores (braços, antebraços e mãos) e inferiores (coxas,

pernas e pés). Os sentidos são cinco: visão, olfato, paladar, audição e tato.

Função é atividade específica de cada órgão, tais como a respiratória, a

circulatória, a digestiva, entre outras.

A perda de um dedo da mão caracteriza debilidade permanente de

membro. Igualmente, tem-se decidido nos casos de perda de um olho, de

uma orelha, de um rim, mantido o outro órgão íntegro, e não abolida a

função (RT 591/309). É possível, no entanto, que, nos casos de perda de olho e

de orelha, ocorra a hipótese de deformidade permanente, tratando-se de

lesão gravíssima, quando se tratar de dano estético.

Por outro lado, para que se configure a gravidade resultante da

perda de dente é necessário que esta tenha acarretado debilidade

permanente da função mastigatória (RT 612/317). Assim, não havendo esta

debilidade, o crime será de lesão leve.

A qualificadora em estudo ―debilidade permanente de membro,

sentido ou função‖ pode ser produzida pelo agente a título de dolo ou de

culpa.

d) Aceleração do Parto (IV)

A última causa de lesão grave em sentido estrito ocorre quando dela

resulta aceleração do parto, ou seja, quando se antecipa o nascimento,

sendo expulso o feto antes do termo final da gravidez.

Deve-se notar que, apesar de o CP se referir à ―aceleração‖, o termo

significa ―antecipação‖, pois só se acelera aquilo que já está em andamento.

Na verdade, ―aceleração do parto‖ significa ―antecipação‖ do parto,

acarretando o nascimento da criança antes do tempo previsto.

Justifica-se a qualificadora devido ao perigo que o parto prematuro

traz à vida do bebê e da gestante. Imprescindível, ainda, que a criança nasça

com vida, pois se houver aborto a lesão será gravíssima, respondendo o

agente pela qualificadora do inciso V do §2° do art. 129 do CP.

É necessário, por fim, que o agente conheça a gravidez da vítima ou,

ao menos, que o estado gestacional seja previsível, para que incida a

qualificadora, sob pena de responsabilidade objetiva.

l) Lesão Corporal ―Gravíssima‖ (§2°)

a) Incapacidade permanente para o trabalho (I)

A primeira causa que qualifica as lesões, tornando-as gravíssimas, é a

incapacidade permanente para o trabalho. A qualificadora ocorre quando o

ofendido ficar totalmente privado da possibilidade física de se dedicar a

qualquer atividade lucrativa, e não somente daquela que era exercida no

momento das lesões, de acordo com o entendimento dominante na doutrina.

Em sentido contrário, manifesta-se Rogério Greco para quem a qualificadora

subsiste quando a vítima ficar privada da atividade lucrativa que exercia no

momento das lesões.

O termo permanente deve ser entendido como ―imprevisível‖, no

sentido de não se saber quando se vai voltar a exercer atividade laboral, e

não como perpetuidade. Permanente é a incapacidade duradoura no

tempo, sem previsibilidade de cessação.

Observa-se que esta qualificadora possui relação com aquela

definida no inciso I do §1° do art. 129. Diferem-se, no entanto: a definida no §1°

é temporária (mais de 30 dias) e relaciona-se às ocupações habituais, não se

restringindo às de natureza lucrativa, enquanto que a qualificadora do §2° é

de cunho permanente, isto é imprevisível, e refere-se especificamente às

atividades laborais, ou seja, as de natureza lucrativa.

b) Enfermidade Incurável (II)

Enfermidade incurável é aquela que a medicina ainda não

conseguiu conter ou sanar. Basta que a impossibilidade de cura seja relativa,

não estando a vítima, a fim de curar-se da enfermidade, obrigada submeter-

se a intervenção cirúrgica arriscada. Por outro lado, se o ofendido se submeter

com êxito à cirurgia resta descaracterizada a qualificadora.

A qualificadora em tela ocorre quando a saúde da vítima, em

relação ao corpo ou à mente, é atingida de forma permanente, em virtude

da lesão recebida. Não se confunde com a majorante prevista no inciso III do

§1° do art. 129 (debilidade permanente de membro, sentido ou função).

Bitencourt, citando Blinda, afirma que debilidade permanente é o estado

consecutivo a uma lesão traumática, que limita duradouramente o uso, a

extensão e energia de uma função, sem comprometer o estado geral do

organismo.

A enfermidade deve ser entendida como o estado que

duradouramente altera, e progressivamente, agrava o teor de um organismo.

Esta, conforme ressaltado por Bitencourt, é a característica que melhor define

as diferenças entre as duas majorantes, permitindo a solução mais justa para

cada caso concreto.

c) Perda ou Inutilização de Membro, Sentido ou Função

Distingue-se esta qualificadora daquela prevista no inciso III do §1° do

art. 129 (debilidade permanente de membro, sentido ou função). Enquanto

esta última se refere a ―debilidade‖, a majorante em exame menciona ―perda

ou inutilização‖. Perda é a ablação, inutilização, inaptidão do órgão à sua

função específica. Há perda quando um membro ou órgão é extraído ou

amputado ou quando cessa o sentido ou função. Ocorre inutilização quando

cessa ou se interrompe definitivamente a atividade do sentido, função ou

membro, permanecendo este ligado ao corpo, mas inoperante em sua

atividade própria ou função.

A inoperância deve ser total para que se reconheça a majorante. Já

se decidiu pela não-aplicação da qualificadora, quando a vítima teve sua

visão reduzida, mas não inutilizada. O argumento é de que o CP se refere a

perda ou inutilização de membro, sentido ou função, fato que não ocorre se,

embora com diminuto alcance, ainda pode o ofendido usar a vista atingida

pela agressão do réu (RT 404/269).

Como já ressaltado anteriormente, a perda de um dedo da mão não

configura a qualificadora em tela (lesão gravíssima), mas caracteriza

debilidade permanente de membro, sendo caso de lesão grave em sentido

estrito. Da mesma forma, tem-se decidido nos casos de perda de um olho, de

uma orelha, de um rim, mantido o outro órgão íntegro e não abolida a função

(RT 591/309). No entanto, conforme ressaltado anteriormente, nos casos de

perda de olho e de orelha, há de se considerar a hipótese de deformidade

permanente, o que, pode caracterizar, de acordo com o caso concreto,

lesão gravíssima, qualificadora que será analisada a seguir.

d) Deformidade Permanente (IV)

Deformidade é o dano estético de certa monta, permanente, visível,

irreparável e capaz de causar impressão vexatória. É permanente a

deformidade que não se auto-restaura para devolver ao tecido o mesmo e

anterior aspecto, a não ser por cirurgia reparadora (RT 554/329). Constituem

deformidade permanente marcas originadas por lesão, que causem desgosto

a seu portador ou chamem a atenção de qualquer desconhecido, ficando

evidente a impressão vexatória.

Pouco importa, porém, que a deformidade possa ser removida por

cirurgia estética, uma vez que ninguém está obrigado a ela se submeter, além

dos riscos inerentes ao procedimento cirúrgico. Se a vítima de deformidade,

no entanto, voluntariamente e com êxito se submete a cirurgia reparadora, a

figura delituosa deve ser desclassificada (JTACRIM 11/74).

É irrelevante o local da lesão, pois a deformidade permanente não se

limita ao rosto da vítima, podendo localizar-se em qualquer parte do corpo,

desde que visível. Igualmente, o fato de a vítima encobrir, dissimulando o dano

estético, não exclui a qualificadora em exame (RT 522/396).

A perda de um olho ou de uma orelha configura a qualificadora em

tela, quando associada ao dano estético. Conforme ressaltado na

jurisprudência, o dano estético representado pela falta de um olho representa,

sem contestação, uma deformidade permanente que não se descaracteriza

pela implantação de um olho de vidro (RT 480/346; 563/306). O mesmo ocorre

na hipótese de arrancamento com dentada de parte ou de toda a orelha

(JTACRIM 59/161; RT 542/372, 369/198).

Já a perda de dentes não caracteriza a majorante em questão (RT

475/311).

e) Aborto (V)

A última circunstância que configura a lesão gravíssima é o aborto.

Trata-se do chamado aborto preterdoloso ou preterintencional, no qual o

resultado qualificador (aborto) só pode existir a título de culpa. Com efeito, se

o agente atua com dolo, direto ou eventual, em relação ao aborto, há dois

crimes, cometidos em concurso de crimes: um de lesão corporal (que não

pode ser qualificado pelo aborto, em razão deste já constituir crime

autônomo, nada impedindo, porém, a incidência de outra qualificadora) e

aborto (art. 125).

É necessário, por fim, que o agente conheça a gravidez da vítima ou,

ao menos, que o estado gestacional seja previsível, para que incida a

qualificadora, sob pena de responsabilidade objetiva.

m) Lesão Corporal Praticada por grupo de extermínio ou por milícia privada

(§7º). Vide observações sobre homicídio.

III- Dos crimes contra a honra.

a) Honra objetiva e subjetiva. Diferença. A honra objetiva: - refere-se à

reputação da pessoa; - é a idéia que as pessoas têm em relação ao titular da

honra objetiva; - é ferida mediante a imputação de um fato. A honra

subjetiva: - é a idéia que a pessoa faz de si mesmo (qualidade da pessoa); - é

ferida com a imputação de uma qualidade negativa à vítima (diferente da

objetiva quando há a imputação de um fato). Subdivide-se em honra

subjetiva dignidade: diz respeito a um atributo moral (chamar alguém de

ladrão); e em honra subjetiva decoro: diz respeito a honra profissional (chamar

uma pessoa de incompetente).

Assim, quando digo que João é ladrão estou ferindo a sua honra subjetiva

(não imputei fato, mas apenas uma qualidade negativa à vítima). Neste caso,

em tese, estarei cometendo o crime de injúria.

Quando afirmo que vi João roubando a carteira de Maria atinjo a sua honra

objetiva (imputei um fato – roubo da carteira de Maria – que desabona a

honra da vítima). Se o fato imputado constituir um crime, em tese poderei estar

cometendo o delito de calúnia. Não constituindo crime, o delito poderá ser

difamação.

b) Princípio da especialidade: Há crimes contra a honra definidos no CP,

no Código Eleitoral e na Lei de Segurança Nacional. Assim, em atenção ao

princípio da especialidade das leis, antes de se enquadrar o fato em um dos

tipos penais do CP, é necessário verificar se a conduta se amolda em uma das

referidas leis especiais.

c) Elemento subjetivo. A doutrina exige para a configuração dos delitos

em exame que o agente atue com a finalidade específica de ofender a

honra da vítima. É o chamado animus injuriandi vel diffamandi, consistente no

ânimo de denegrir a honra da vítima. Assim, por exemplo, fica excluído o

delito, se o agente atuar com animus jocandi (gracejo, vontade de caçoar,

ausente a seriedade da ofensa – RT 492/355); animus narrandi (relato singelo

do fato – RT 749/565; 768/523-4; 686/393; RT 514/448); animus defendendi

(vontade de se defender em processo - JSTJ 41/309; RT 722/459; RSTJ 109/329);

animus criticandi (crítica justa e não-maliciosa).

1. Da Calúnia (art. 138).

a) Tipo penal. Núcleo:

Caput: caluniar= imputar à vítima fato definido como crime, falsamente

§1º: - propalar= repetir a informação por meio verbal); - divulgar (repetir a

informação por outros meios).

b) Falsidade da imputação.

FALSAMENTE: expressão contida no caput. Significa tanto a certeza (dolo

direito) quanto a incerteza (dolo eventual) que o fato definido como crime é

falso.

SABENDO FALSA: expressão contida no §1º. Refere-se somente ao dolo direto

– o agente tem certeza de que é falsa a informação. Desse modo, se tiver

dúvidas quanto a falsidade da informação e mesmo assim propalá-la ou

divulgá-la o fato não será calúnia, podendo responder por difamação.

c) Sujeito passivo.

- mortos: § 2º - o morto sofre a ação da calúnia, mas os sujeitos passivos

são os parentes do de cujus os quais podem vir a sofrer com a calúnia

perpetrada.

- inimputáveis: a doutrina e a jurisprudência dominantes admitem que os

inimputáveis podem sofrer a ação da calúnia, ou seja podem ser considerados

sujeito passivo do crime de calúnia. É necessário que o titular do bem jurídico

atingido possua capacidade para entender o significado da ofensa. Como

afirma Damásio, é risível dizer que há delito contra a honra no fato de alguém

dizer que um menor, de dois anos de idade, é desonesto ou que praticou um

furto. Conforme leciona Rogério Greco, a razoabilidade deve ser empregada

para afastar a calúnia nesse caso, ante a impossibilidade de entendimento da

vítima da falsa imputação que lhe foi dirigida.

- pessoa jurídica: em tese é possível ser vítima de calúnia desde que seja

possível responsabilizá-la penalmente e não somente a seus administradores. A

Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 9.605/98 (art. 21 e 22) permitem

expressamente a responsabilização criminal da pessoa jurídica pela prática de

crime ambiental. Mesmo assim, existe ponderável corrente que inadmite a

prática delituosa pela pessoa jurídica. Segundo essa corrente, somente

podem ser responsabilizados os administradores (pessoas físicas) das empresas

(pessoas jurídicas). No entanto, o melhor entendimento é aquele que permite

a responsabilização penal das pessoas jurídicas pelos delitos ambientais. Assim,

caso alguém venha a caluniar, falsamente, uma pessoa jurídica da prática de

crime ambiental poderá cometer o crime de calúnia, sendo a pessoa jurídica

sujeito passivo desse delito contra a honra. É certo que a pessoa Jurídica tem

honra objetiva, e, ainda que não se aceite a calúnia, o crime será de

difamação.

(*) Todavia, o STF não admite que a pessoa jurídica seja vítima do crime de

calúnia ou de injúria, somente permitindo no caso a difamação. De acordo

com o STF, a imputação da prática de crime a pessoa jurídica gera a

legitimidade do sócio-gerente para a queixa-crime por calúnia (STF -

RHC 83091 / DF – Rel. Min. Marco Aurélio - DJ 26-09-2003 PP-00013; Pet-AgR 2491

/ BA – Rel. Min. Maurício Corrêa - DJ 14-06-2002 PP-00127). STJ: REsp 53.761/SP,

Rel. Ministro ASSIS TOLEDO, QUINTA TURMA, julgado em 21.11.1994, DJ

12.12.1994 p. 34374.

Atualmente, porém, o STJ não admite que a pessoa jurídica seja vítima de

qualquer crime contra a honra (mesmo difamação). Confira: AgRg no Ag

672.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2005,

DJ 17/10/2005 p. 335; REsp 603.807/RN, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA

TURMA, julgado em 07/10/2004, DJ 08/11/2004 p. 278; HC 29.861/SP, Rel.

Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 09/12/2003, DJ 25/02/2004 p.

198.

d) Imputação falsa de fato definido como contravenção. Configura o

crime de difamação, não constituindo calúnia.

e) Diferença entre calúnia e denunciação caluniosa (art. 339 do CP). Este

último delito protege a Administração da Justiça, enquanto a calúnia a honra.

Assim, na denunciação caluniosa a falsa imputação é formulada com a

inequívoca vontade do agente em ver a instauração de inquérito policial, de

processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de

improbidade administrativa, prejudicando a vítima.

f) Consumação. Ocorre quando um terceiro, que não seja co-autor ou

partícipe do crime, toma ciência do fato. O resultado exige, assim, a presença

de três pessoas: o autor da falsa imputação, a vítima e o terceiro.

g) Tentativa: A possibilidade de tentativa está ligada ao meio de

cometimento do crime. Com efeito, se o delito for cometido por meio verbal

por se tratar de crime unissubsistente, consubstanciado num único ato, não

caberá tentativa. Se o crime for cometido por meio escrito, o iter criminis

poderá ser fracionado (crime plurissubsistente), permitindo-se a tentativa.

h) Exceção da verdade. A exceptio veritatis diz respeito à liberdade da

manifestação. Assim, se o fato imputado, propalado ou divulgado for

verdadeiro não haverá crime de calúnia. Consiste, portanto, no direito de se

provar que o fato imputado não é falso, pois provada a verdade da

imputação, a conduta do réu será atípica. Trata-se de uma exceção

substancial, na qual se permite a discussão acerca do mérito da demanda. No

crime de calúnia, a regra é a admissibilidade da exceptio veritatis. No entanto,

não será admitida quando: (1) o crime imputado for sujeito à ação privada e

não houver condenação irrecorrível por esse delito. Preserva-se, aqui, a

titularidade da ação penal que, no caso, pertence exclusivamente à vítima.

Ora, se fosse admitida a exceção da verdade nessa hipótese, o autor da

imputação estaria usurpando a titularidade da ação penal relativa ao delito

objeto da suposta calúnia; (2) a vítima da calúnia for o Presidente da

República ou Chefe de Governo Estrangeiro. Protege-se o cargo

desempenhado pela vítima. Aqui, há de ser admitida a analogia, para se

vedar a exceção da verdade no caso de Chefe de Estado (figura diversa do

Chefe de Governo, nos regimes Parlamentaristas), para se honrar o cargo

desta autoridade. É a pacífica orientação da doutrina; (3) no crime imputado,

houver absolvição irrecorrível. A exceção da verdade, na espécie, se

admitida, ofenderia à própria coisa julgada.

- Foro especial: Tratando-se de calúnia praticada contra pessoa que

possua foro especial por prerrogativa de função, a exceção da verdade deve

ser julgada pelo respectivo tribunal, conforme dispõe o art. 85 do CPP.

Ressalte-se que a exceptio veritatis deve ser oferecida e processada em

primeira instância, sendo apenas julgada em segundo grau de jurisdição, no

respectivo tribunal.

- Exceção da notoriedade: O CPP (art. 523) prevê, também, a chamada

exceção de notoriedade, figura cabível somente na calúnia, quando o

agente quiser demonstrar que suas afirmações são de conhecimento público.

2. Da Difamação (art. 139).

a) Tipo penal. Núcleo: Imputar. Propalar ou divulgar: em que pese não ter

o CP descrito a conduta do propalador ou divulgador, é pacífico o

entendimento de que o propalador ou o divulgador comete novo crime de

difamação.

b) Falsidade do Fato. O fato imputado não necessita ser falso. Assim,

comete o delito mesmo aquele que faz uma imputação verdadeira de um

fato que ferirá a honra objetiva da vítima. É por essa razão que, em regra, não

se admite a exceção da verdade neste delito.

c) Sujeito passivo: É pacífico que os inimputáveis (com capacidade de

discernimento – v. observações sobre calúnia) e as pessoas jurídicas podem ser

vítimas do delito de difamação. O mesmo ocorre com os desonrados, pois não

há pessoas absolutamente desonradas. Reconhece-se, desse modo, que

sempre há um mínimo de honra que pode ser atingida com a difamação.

Por outro lado, não se pune a difamação cometida contra os mortos, pois o

CP não repetiu, no art. 139, a regra do §2° do art. 138.

d) Consumação e tentativa: são aplicadas as mesmas observações

relativas à calúnia.

e) Exceção da verdade. Regra é a inadmissibilidade da exceptio veritatis.

Exceção: quando a difamação é cometida contra funcionário público e a

ofensa é relativa ao exercício de suas funções. Na Lei de Imprensa, permite-se

a exceção da verdade no crime de difamação também no caso de: a) a

vítima ser órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública; b) o

ofendido permitir a prova.

- Exceção de notoriedade: impossibilidade.

(*) Foro especial. Já se decidiu que a exceção da verdade, na hipótese de

difamação, deverá ser julgada no tribunal competente, caso a vítima tenha

foro especial, nos mesmos moldes do que ocorre no crime de calúnia (STJ -

AgRg na ExVerd. 21/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em

17.11.1999, DJ 30.10.2000 p. 118). Não é essa, todavia, a posição adotada pela

doutrina dominante e pelo STF, que entendem que, no caso de exceção da

verdade, o foro especial somente subsistirá na hipótese de calúnia. A

propósito, vale conferir as seguintes decisões: AP 305 QO-QO/DF, DJ 10-09-1993

p.18374; EV 601/MT, DJ 08-04-1994 p. 07223; EV 522/RJ, DJ 03-09-1993 p. 17742;

ExVerd . 37/PB, DJ 19.12.2003 p. 299; HC 29.862/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti,

Sexta Turma, julgado em 21.09.2004, DJ 06.02.2006 p. 328). Em recente decisão,

porém, o STJ entendeu cabível a aplicação da regra do foro especial em

exceção da verdade ofertada em crime de difamação (ExVerd . 42/ES, Rel.

Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 20.06.2007, DJ

03.09.2007 p. 109).

(*) O crime contra honra cometido contra funcionário público em razão de

suas funções difere-se do desacato (art. 331): neste delito, a ofensa é

cometida na presença do funcionário público. Já a difamação é cometida na

ausência do funcionário público.

3. Da Injúria (art. 140).

a) Tipo penal. Conduta: injuriar.

b) Sujeito Passivo

Inimputáveis: podem ser vítimas de injúria, desde que tenham um mínimo de

capacidade de compreender a injúria.

Pessoas jurídicas: não podem ser vítimas de injúria.

Mortos: não podem ser injuriados. Nada impede que exista a injúria pela via

oblíqua. Mas, neste caso, a vítima é a pessoa viva que tem sua honra atingida

obliquamente. A Lei de Imprensa pune a injúria cometida contra os mortos

(art. 24 da Lei n° 5.250/67).

c) Consumação: quando o sujeito passivo toma ciência da injúria,

independentemente de sentir-se ofendido em sua honra subjetiva e da ofensa

chegar ao conhecimento de terceiros.

d) Tentativa: possibilidade quando cometida por meio escrito.

e) Exceção da verdade e de notoriedade: impossibilidade.

f) Figuras Típicas.

- Simples – caput;

- Qualificada - §2° - Injúria Real.

(*) Emprego de violência ou vias de fato que por sua própria natureza sejam

aviltantes (pequenos) com a intenção de ferir a honra subjetiva da vítima. A

grave ameaça não caracteriza a injúria qualificada, pois o tipo só se referiu a

―violência ou vias de fato‖, embora a grave ameaça (vis compulsiva) seja

inferior à violência (vis absoluta), devendo ser observada a tipicidade estrita.

Para a caracterização do delito, de acordo com a norma do §2°, tanto a

violência quanto as vias de fato devem ser aviltantes por sua natureza, isto é,

em si mesmas; ou em razão do meio empregado. São aviltantes em si mesmas:

a bofetada, o corte ou puxão de barba, a apalpação de certas partes do

corpo (sem fim libidinoso), o levantar a saia de uma mulher ou rasgar-lhe as

vestes, virar-lhe o paletó pelo avesso. Por sua vez, são aviltantes pelo meio

empregado: bater em alguém com chicote ou rebenque, dar-lhe

palmatoadas, ou atirar-lhe excremento ou outra imundice (todos os exemplos

são de Hungria).

(*) Sendo cometida por meio de vias de fato, o agente responde unicamente

pela injúria real. Caso a injúria seja cometida por meio de violência, o agente

deve responder pelo crime de lesão (leve ou grave) em concurso formal com

o delito de injúria real (as penas, no entanto, devem ser somadas, em razão do

§2º).

- Qualificada - §3° - Qualificada por Preconceito de Raça, Cor ou Idade

ou Deficiência (inovação do Estatuto do Idoso – Lei 10.741/2003) - §3º.

(*) Não se confunde com o crime de racismo (Lei 7.716/89). As condutas

caracterizadoras do racismo encontram-se previstas na Lei 7.716/89.

(*) Também difere-se do crime previsto no §1° do art. 96 do Estatuto do Idoso.

De fato, a injúria praticada contra pessoa idosa, por qualquer motivo, que não

em razão da idade da vítima, configura o crime do §1° do art. 96 (pena:

reclusão de seis meses a um ano e multa); no entanto, se a injúria foi cometida

em razão da idade da vítima idosa, há crime de injúria qualificada pelo

preconceito previsto no §3° do art. 141 do CP (pena: reclusão de um a três

anos e multa). Portanto, da expressão ―por qualquer motivo‖ (§1° do art. 96 do

Estatuto do Idoso) deve ser excluída a injúria cometida em razão da idade,

pois ofensa configura delito mais grave: injúria qualificada pelo preconceito

(§3° do art. 141 do CP).

g) Perdão judicial (§1°). Nos casos definidos no §1° do art. 140, prevê o CP

a aplicação do perdão judicial (ver observações realizadas na análise do

crime de homicídio), causa de extinção da punibilidade. Compreendem os

casos de provocação da vítima e de retorsão a uma outra injúria. Na primeira

hipótese, a vítima apenas provoca a injúria, sem ter cometido outra

anteriormente. Na segunda pratica, necessariamente, uma injúria anterior.

Ambas as figuras, provocação e retorsão, devem ser diretas e imediatas, isto é,

cometidas na presença da vítima e sem intervalo de tempo. A provocação

pode consistir em outro crime, como calúnia, difamação, ameaça ou lesão

corporal, mas não injúria, pois, neste caso, há retorsão. Pode ser, ainda, uma

outra conduta reprovável e inoportuna, como, por exemplo, mexer com a

namorada da vítima.

A retorsão não existe apenas na injúria verbal, sendo admitida também na

escrita, como no exemplo clássico de Hungria, em que dois desafetos, à mesa

de refeição de um hotel, trocam, por intermédio do garçom, bilhetes injuriosos.

Não se admite, porém, o perdão judicial quando a retorsão é praticada em

razão de ofensa dirigida a terceiro. Neste sentido, já se decidiu que não se

reconhece a retorsão imediata na conduta do agente que pretendeu revidar

ofensa dirigida a seu irmão, pois somente a este cumpria, em tese, o exercício

daquele direito, vez que ninguém pode exercer em nome próprio direito

alheio, e nem a relação de parentesco confere, por si só, a função de

procurador, máxime quando não há qualquer notícia de que o referido irmão

tenha-se sentido ofendido por algum ato praticado pelo queixoso (RJTACRIM

45/203).

Parte da doutrina (Bitencourt e Capez), a nosso ver corretamente, entende

que a retorsão deve ser proporcional à primeira. Assim, por exemplo, quando

o agente retorquir uma injúria comum praticando uma injúria real (§2°) ou,

principalmente, uma injúria em razão de preconceito (§3°), o perdão judicial

não será concedido, em face da desproporcionalidade da retorsão.

Em nosso entendimento, nada obsta a concessão do perdão judicial à injúria

real (§2°), bastando apenas que a retorsão seja empregada contra outra

injúria real, a fim de que seja observada a exigência da proporcionalidade.

Não deve ser admitida, porém, a retorsão na hipótese de injúria qualificada

pelo preconceito (§3°), pois este delito ofende um dos objetivos fundamentais

da República Federativa do Brasil, previsto no inciso IV do art. 3° da

Constituição Federal (Capez), qual seja ―promover o bem de todos, sem

preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação‖.

4. Disposições comuns.

a) Causas de Aumento de Pena (Art. 141).

Um terço: (1) vítima Presidente da República ou Chefe de Governo

Estrangeiro. Chefe de Estado: predomina o entendimento de ser possível a

aplicação da majorante neste caso, embora discordemos desta posição; (2)

contra o funcionário público, em razão de suas funções; (3) na presença de

várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da

difamação ou da injúria. Exige-se, neste caso, a presença mínima de três

pessoas, excluídos deste quantum o agente, eventuais partícipes e a própria

vítima. Isto porque toda vez que o CP se refere a mais de uma pessoa,

considerando suficiente duas, fê-lo expressamente, o que não ocorreu na

majorante em tela; (4) vítima maior de 60 anos ou portadora de deficiência,

exceto no caso de injúria (neste caso, a injúria já é qualificada).

Dobro: crime cometido mediante paga ou promessa de recompensa.

b) Causas de Exclusão do Crime (Art. 142).

- Natureza Jurídica: Para alguns, liderados por Hungria, trata-se de causas

de exclusão da culpabilidade. Outros entendem que excluem a própria

tipicidade, afastando-se o elemento subjetivo do agente. Por fim, predomina,

a nosso ver com razão, a corrente que as vêem como excludentes da ilicitude.

- Hipóteses:

(1) Ofensa irrogada em juízo: imunidade judiciária.

beneficiários da norma: parte (inclusive o MP, quando atua como parte) ou

seu procurador (advogado, defensor público). Juiz e promotor (custos legis)

têm suas imunidades fixadas nas Leis Orgânicas respectivas.

Requisitos da imunidade judiciária: ofensa em juízo; nexo causal entre a

ofensa e a discussão da causa; injúria ou difamação, estando excluída a

calúnia, portanto.

Limite da imunidade judiciária: juiz ou membro do MP (atuando como custos

legis) não podem ser vítimas da ofensa em juízo, conforme pacífico

entendimento jurisprudencial.

(2) Opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo

quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

(3) O conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação

ou informação que preste no cumprimento de dever de ofício.

c) Retratação (Art. 143).

Cabimento: somente na calúnia e na difamação, sendo inadmitida na

injúria. O crime deve ser sujeito a ação penal privada, eis que o CP refere-se a

―querelado‖. (excluem-se os crimes de calúnia e difamação cometidos contra

o Presidente da República, Chefe de Governo Estrangeiro ou funcionário

público, em razão de suas funções, pois, nesses casos, a ação será pública

condicionada).

Requisito: retratação antes da sentença. Não se trata da sentença

transitada em julgado, mas da primeira condenação, ainda que passível de

recurso.

Comunicabilidade em caso de concurso de agentes: feita a retratação

por um dos agentes, ela não se estende aos demais. Trata-se de ato pessoal

do agente e, portanto, incomunicável.

d) Pedido de Explicações em Juízo (art. 144).

Prazo: antes do prazo decadencial, no caso de crime sujeito a ação

penal privada ou pública condicionada à representação do ofendido.

Foro especial: a interpelação judicial deverá ser oposta no foro

competente em que deva ser julgado o agente.

Ausência das explicações: é entendimento pacífico que o interpelado

não está obrigado a responder ao pedido de explicações, não podendo,

inclusive, ser prejudicado pela ausência das explicações, em que pese a

redação final do art. 144.

(*) O pedido de explicações em juízo não interrompe o prazo decadencial

para oferecimento de queixa ou representação.

e) Ação Penal (Art. 145).

Regra: ação penal privada (a honra é um bem jurídico disponível)

Exceções:

- Injúria real com resultado lesão corporal (ainda que seja leve): ação

penal pública incondicionada.

(*) A injúria qualificada pelo preconceito sujeitava-se à ação penal privada.

Porém, passou a se submeter à ação penal pública condicionada à

representação, a partir da Lei nº 12.033/2009.

- Presidente da República ou Chefe de Governo Estrangeiro como

vítimas: ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça.

- Funcionário público, em razão de suas funções, como vítima: ação

penal pública condicionada à representação, de acordo com o parágrafo

único do art. 145. Ocorre que a jurisprudência entende que a legitimação

para a ação, neste caso, é concorrente, sujeitando-se o crime tanto à ação

penal privada quanto à pública condicionada. É o que diz a Súmula 714 do

Supremo Tribunal Federal. Assim, ao ofendido é facultado oferecer

representação ao MP para que este denuncie o agente (o MP não é obrigado

a denunciar – eficácia objetiva da representação), ou a queixa dando, desde

logo, início a ação penal. Além disso, oferecida a representação, caso o MP

não ofereça a denúncia, a vítima pode oferecer a queixa, respeitado o prazo

decadencial.

IV- Dos crimes contra o Patrimônio.

1. Furto (artigo 156).

a) Tipo Penal (Art. 155 do CP)

- Núcleo: subtrair.

- Elementos Objetivos do Tipo: coisa móvel alheia móvel.

(*) Coisa sem dono (res nullius), abandonada (res derelicta) e de uso comum

(res commune omnium) não podem ser objeto do crime de furto. A coisa

achada (res desperdita) pode dar ensejo ao crime do art. 169, II, do CP

(apropriação de coisa achada).

(*) Furto de coisa própria (proprietário que não tem a posse da coisa):

divergência doutrinária: - Crime do art. 346 do CP: Hungria e Fragoso

(dominante – princípio da especialidade); - crime de furto (a expressão alheia

se refere também à posse alheia - Magalhães Noronha); - não há crime (Cezar

Roberto Bitencourt).

- Elemento Subjetivo do Tipo: ―para si ou para outrem‖ (finalidade especial do

agente – ânimo de assenhoreamento definitivo da coisa alheia). Animus rem

sibi habendi.

(*) Furto de Uso: admissibilidade, desde que a coisa seja entregue nas mesmas

condições em que se encontrava antes da subtração. Constitui causa de

exclusão da tipicidade, pois há ausência de um elemento subjetivo do tipo (v.

TJDFT – APR 1998021000001-6; APR 2002071009644-9).

b) Princípio da Insignificância (Bagatela): possibilidade de aplicação do

princípio, sendo o fato atípico.

c) Sujeito ativo: trata-se de crime comum. Sujeito ativo é aquele que subtrai a

res ou concorre de qualquer modo para que ela seja subtraída. Assim, o

agente que encomenda o furto e recebe a coisa furtada não responde pelo

crime de receptação, mas pelo delito de furto. É evidente que, nesta hipótese

de furto, a coisa era determinada.

d) Consumação.

Diversas teorias procurarm abordar a questão do momento consumativo

do delito. Consoante lição lapidar de Hungria, "em torno do momento

consumativo do crime de furto, debatem-se várias teorias, umas extremadas,

outras temperadas: a da contrectatio, a da aprehensio, a da amotio, a da

ablatio. Se para alguns basta o tocar com as mãos a coisa móvel alheia, cum

affectum furandi, para que o furto se consume, outros, divergindo ex diametro,

entendem que sòmente ocorre a consumação quando a res furtiva é levada

ad locum quo destinaverat fur. Mas há os que buscam um meio-têrmo entre

tais extremos: não basta tocar com as mãos, nem tampouco segurar ou

apreender a coisa, mas também não é necessário que o agente consiga

transportá-la a um predeterminado lugar ad quem: é suficiente a deslocação

da coisa, mas de modo que esta se transfira para a posse exclusiva do ladrão”

(grifo nosso).

Repare que o mestre, no primeiro momento, está se referindo as teorias da

contrectatio e da aprehensio. Com efeito, para a teoria da contrectatio o

crime se consuma quando agente consegue tocar a coisa. Para a aprehensio

(ou apprehensio), é necessário que o agente segure a coisa para o delito

atinja seu momento consumativo.

Por outro lado, na segunda parte, Hungria quis mencionar as teorias da

ablatio e da amotio, aquelas que entendem estar consumado o delito

quando há inversão da posse. De fato, a teoria da ablatio, exige que o agente

tenha a posse tranqüila da res, ainda que por pouco tempo, ou seja, que a

coisa saia da esfera de vigilância da vítima, mesmo que brevemente. Para a

amotio, o crime de furto está consumado quando houver a inversão da posse,

ou seja, quando o agente deslocar, remover a coisa para retirá-la da esfera

de vigilância da vítima, não sendo necessário que o sujeito tenha a posse

tranqüila da coisa furtada. Ou seja, as duas teorias divergem-se acerca do

conceito de inversão da posse. Tal fato foi perfeitamente delineado por

Hungria, veja: ―Mas, aqui, também, há controvérsia. Que se deve entender por

essa transferência de posse, ou, melhor, quando se pode dizer realizada tal

transferência? Afirmam uns que surge a posse do ladrão quando este

consegue afastar-se da esfera de atividade patrimonial, de custódia ou de

vigilância do dominus, ainda que, perseguido, venha a ser imediatamente

despojado. Opinam outros, entretanto, que é necessário estabelecer-se um

estado tranqüilo, embora transitório, de detenção da coisa por parte do

agente. Inclino-me, decididamente, por esta última solução. Penso, aliás, que

é a única aceitável perante o nosso direito positivo. O furto não se pode dizer

consumado senão quando a custódia ou vigilância, direta ou indiretamente

exercida pelo proprietário, tenha sido totalmente iludida. Se o ladrão é

encalçado, ato seguido à apprehensio da coisa, e vem a ser privado desta,

pela fôrça ou por desistência involuntária, não importa que isto ocorra quando

já fora da esfera de atividade patriomonial do proprietário: o furto deixou de

se consumar, não passando da fase de tentativa. Não foi completamente

frustrada a posse ou vigilância do dono. Não chegou êste a perder, de todo, a

possibilidade de contato material com a res ou de exercício do seu poder de

disposição sôbre ela. A sua propriedade sofreu sério perigo, mas não

pròpriamente uma efetiva lesão: a sua posse, como exercício da propriedade

foi perturbada, mas não definitivamente suprimida. Portanto, o mestre

inclinava-se pela adoção da teoria da ablatio”.

Há, ainda, quem se refira a outra teoria chamada de illatio, a qual exige,

para a consumação do delito, que a coisa seja levada ao local desejado pelo

ladrão para tê-la a salvo.

De fato, pode dizer que as duas primeiras teorias – contrectatio e

apprehensio – são extremamente rigorosas com os agentes deste delito. Por

outro lado, as teorias da ablatio e da illatio, bastante favoráveis. E a última –

amotio – constitui uma teoria intermediária entre as quatro anteriores.

Nesse contexto, tem sido extremamente relevante a discussão acerca da

consumação do delito de furto, principalmente nos casos de perseguição

imediata ao agente, quando este não consegue a subtração definitiva da

coisa, vindo a ser preso em flagrante. Suponha a seguinte situação: ―A‖ subtrai

a carteira de ―B‖ que consegue notar a subtração e, ato contínuo, sai em

perseguição ao agente, vindo a alcançá-lo 2 km após, e, contando com a

ajuda de terceiros, consegue recuperar a res. ―A‖ deverá responder por furto

tentado ou consumado?

A resposta acerca da consumação, ou não, do crime de furto, em casos

tais, dependerá de qual das três teoriais forem aplicadas.

Adotada as teorias da contrectatio e da apprehensio ―A‖ deveria

responder por furto consumado, pois conseguiu ―tocar‖ ou ―segurar‖ a coisa.

De acordo com a teoria da ablatio, o furto não se consumou, pois ―A‖

não obteve a posse tranqüila da res, vez que a perseguição se iniciou

imediatamente, só se interrompendo com a recuperação da carteira. Nesse

caso, responderia por tentativa de furto. O mesmo ocorreria ao se aplicar a

teoria da illatio, já que o agente não conseguira levar a coisa para o local

desejado.

Por outro lado, adotando-se a teoria da amotio, o furto estaria

consumado, pois houve a inversão da posse, com o agente removendo a

coisa para retirá-la da esfera de vigilância da vítima.

As teorias da contrectatio, da apprehensio e da illatio não encontram

mais adeptos na doutrina e na jurisprudência.

A jurisprudência, em um passado muito próximo, adotava a teoria da

ablatio, exigindo que a coisa saísse da esfera da vigilância da vítima, com o

agente obtendo a posse tranqüila da res. (STJ - REsp 663900/RS).

No entanto, o STF, após o RE 102.490 (Rel. Min. Moreira Alves, julgado em

17.9.87, DJ 16-08-1991 PP-10787), passou a aplicar a teoria da amotio,

entendendo ser desnecessário a posse tranqüila da res, sendo o bastante que

o agente invertesse a posse para retira-la da esfera de vigilância da vítima. Ou

seja, para a consumação tornou-se desnecessário que a coisa saia da esfera

de vigilância da vítima. Nesse sentido: HC 69753⁄SP, 1ª Turma, Rel. Min.

Sepúlveda Pertence, DJ de 19⁄02⁄1993.

O STJ, então, adotou a mesma teoria da amotio: REsp 808.626/RS, Rel.

Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 02.05.2006, DJ 05.06.2006 p. 316;

REsp 767.584/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em

14.03.2006, DJ 24.04.2006 p. 453; REsp 302632⁄MG, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando

Gonçalves, DJ de 06⁄06⁄2005; REsp 407.162/SP, Rel. Ministro Fernando

Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 18.06.2002, DJ 25.08.2003 p. 378.

Na 6ª Turma do STJ, porém, a questão é tormentosa, porquanto, embora

tenha adotado a teoria da amotio (REsp 302632⁄MG, 6ª Turma, Rel. Min.

Fernando Gonçalves, DJ de 06⁄06⁄2005; REsp 407.162/SP, Rel. Ministro Fernando

Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 18.06.2002, DJ 25.08.2003 p. 378), há

precedentes exigindo para a consumação a posse tranqüila. A propósito, a

seguinte decisão:

Furto (crime consumado/tentado). Pena (circunstância atenuante).

1. Caso de tentativa, e não de crime consumado – "em nenhum momento o

réu deteve a posse tranqüila da res furtiva, porquanto foi imediatamente

perseguido pela vítima").

2. "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da

pena abaixo do mínimo legal" (Súmula 231).

3. Recurso especial do qual se conheceu pela alínea c e ao qual se deu

provimento em parte (item 2).

(REsp 678.220/RS, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Rel. p/ Acórdão Ministro

Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 07.06.2005, DJ 13.03.2006 p. 391).

Nem mesmo no STF pode-se dizer que a questão está pacificada, pois, em

decisão proferida no ano de 2006, a despeito de não ter se afastado da teoria

da amotio, considerou não ter consumado o crime, devido ao fato de o

agente ter sido o tempo inteiro monitorado por policiais. Ou seja, não houve a

inversão da posse, pois a coisa não foi afastada da esfera de atividade

patrimonial, de custódia ou de vigilância do agente, em virtude do

monitoramento feito pela polícia. Confira a decisão:

HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO TENTADO OU CONSUMADO. CONTROVÉRSIA.

Ainda que o agente tenha se apossado da res, subtraída sob a ameaça de

arma de brinquedo, é de se reconhecer o crime tentado, e não o

consumado, considerada a particularidade de ter sido ele a todo tempo

monitorado por policiais que se encontravam no cenário do crime. Hipótese

em que o paciente subtraiu um passe de ônibus, o qual, com a ação dos

policiais, foi restituído imediatamente à vítima. Ordem concedida.

(HC 88259/SP – Rel. Min. Eros Grau - DJ 26-05-2006 p. 039).

Em recente decisão, o STF voltou a aplicar este entendimento. Confira:

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE ROUBO PRÓPRIO. CONCURSO DE PESSOAS.

(CP, ART. 157, § 2º, II). MOMENTO CONSUMATIVO. POSSE MANSA E PACÍFICA.

PRESCINDIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO STF. CASO CONCRETO.

INAPLICABILIDADE. PECULIARIDADE. MONITORAMENTO PELA POLÍCIA.

DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME TENTADO (CP, ART. 14, II). ORDEM

CONCEDIDA. 1. A consumação do crime de roubo, em regra, independe da

posse mansa da coisa, bastando que, cessada a violência ou grave ameaça,

ocorra a inversão da posse; tese inaplicável nas hipóteses em que a ação é

monitorada pela Polícia que, obstando a possibilidade de fuga dos imputados,

frustra a consumação por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, nos

termos do art. 14 do Código Penal. 2. É cediço na jurisprudência da Corte et

pour cause reclama o uso da analogia com o fato punível julgado pela

Segunda Turma no HC 88.259/SP, no qual a ordem foi concedida em acórdão

assim ementado: ―HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO TENTADO OU

CONSUMADO. CONTROVÉRSIA. Ainda que o agente tenha se apossado da res,

subtraída sob a ameaça de arma de brinquedo, é de se reconhecer o crime

tentado, e não o consumado, considerada a particularidade de ter sido ele a

todo tempo monitorado por policiais que se encontravam no cenário do

crime. Hipótese em que o paciente subtraiu um passe de ônibus, o qual, com

a ação dos policiais, foi restituído imediatamente à vítima. Ordem concedida.‖

(HC 88.259/SP, Relator Min. Eros Grau, Segunda Turma, Julgamento em

2/5/2006, DJ 26/5/2006). 3. In casu, os pacientes, em união de desígnios e

mediante violência física, subtraíram da vítima a quantia de R$ 20,00 (vinte

reais), sendo imediatamente perseguidos e presos em flagrante pela Polícia

Militar, que passava pelo local durante o ato delituoso. 4. Ordem concedida,

para desclassificar o delito para roubo tentado, remetendo-se ao juízo de

primeira instância a alteração na dosimetria da pena.

(HC 104593, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 08/11/2011,

ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-230 DIVULG 02-12-2011 PUBLIC 05-12-2011 RB v. 24,

n. 579, 2012, p. 53-56).

De fato, o agente ao remover a coisa (invertendo a posse) já tem a

disponibilidade da res, podendo destruí-la ou mesmo escondê-la, não

havendo razão para se exigir que a posse seja tranqüila, mesmo porque este

requisito não está previsto na lei.

Contudo, a questão da inversão da posse deve ser vista à luz da

razoabilidade. Assim, por exemplo, não se pode concluir pela consumação do

crime se o agente, por exemplo, após já estar com a carteira da vítima, em

um furto cometido no interior de um ônibus, vem a ser preso em flagrante,

antes mesmo que saia do veículo. Não se pode concluir pela consumação de

um crime de furto se o sujeito, em um furto cometido no interior de uma

residência, é surpreendido ainda dentro desta, já estando de posse da res

furtiva. Como bem sustentado pelo Ministro Moreira Alves, “a fuga com a coisa

em seu poder traduz inequivocamente a existência de posse. E a perseguição

- não fosse a legitimidade do desforço imediato - seria ato de turbação

(ameaça) à posse do ladrão” (RE 102.490).

Ora, são diversas as teorias da apprehensio com a da amotio. Inversão da

posse não é o mesmo que apreensão do bem. É certo, porém, que, no próprio

RE 102.490, as duas teorias foram abordadas como sinônimas, o que levou a

jurisprudência a equipará-las (AgRg no REsp 1245318/RS, Rel. Ministro Sebastião

Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 13/09/2011, DJe 28/09/2011;. HC

133.176/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 12/04/2011, DJe

04/05/2011.

e) Tentativa. Possibilidade.

f) Crime impossível.

- Sistemas de vigilância: caso de crime tentado e não de crime impossível (a

impropriedade do objeto ou a ineficácia do meio, nestes casos, são relativas e

não absolutas). É a posição pacífica do STJ, confira: REsp 710.667/RS, Rel.

Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 23.08.2005, DJ

03.10.2005 p. 324; REsp 554.233/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma,

julgado em 23.08.2005, DJ 26.09.2005 p. 436; REsp 633.656/RS, Rel. Ministro José

Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 05.10.2004, DJ 08.11.2004 p.

285.

- Alarmes anti-furto: idem.

- Ausência do objeto do crime: caso de subtração de carteira: (1) bolsos

vazios: crime impossível; (2) carteira em outro bolso: tentativa.

g) Desistência voluntária. Possibilidade.

h) Arrependimento posterior (art. 16 do CP). Possibilidade. Reparação do

dano anterior ao recebimento da denúncia: configura arrependimento

posterior (art. 16 do CP): a pena deve ser reduzida de um a dois terços.

i) Figuras Típicas: (1) Furto Simples: caput; (2) Furto ―Noturno‖ (praticado

durante o repouso noturno): §1º; (3) Furto Privilegiado ou Mínimo: §2º; (4) Furto

de Energia Elétrica: §3º; (5) Furto Qualificado: §4º; (6) Furto de Veículo

Transportado para outro Estado ou para o exterior: §5º.

j) Furto Noturno (Durante o período do repouso noturno - Critério

Psicossociológico – aferido de acordo com os costumes locais, onde a vítima

dorme): não se trata de furto durante a noite (critério físico-astronômico), mas

de furto praticado durante o período do repouso noturno.

Divergência: 1ª Corrente: fato deve ser praticado em casa habitada e os

moradores devem estar repousando no momento da subtração.

Entendimento minoritário na jurisprudência; 2ª Corrente: basta que o furto

ocorra durante o período noturno, sendo irrelevante o local do crime ou que

esteja habitado. Entendimento majoritário na jurisprudência (STF e STJ). O

fundamento da causa de aumento de pena reside na maior vulnerabilidade

que há no período do repouso noturno. (v. STJ – RESP 509590/SP). ―Aplica-se a

majorante prevista no art. 155, § 1º, do Código Penal, se o delito é praticado

durante o repouso noturno, período de maior vulnerabilidade inclusive para

estabelecimentos comerciais, como ocorreu in casu. (Precedentes)‖ (REsp

704.828/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02.08.2005,

DJ 26.09.2005 p. 448). No mesmo sentido: HC 29.153/MS, Rel. Ministro GILSON

DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 02.10.2003, DJ 03.11.2003 p. 335.

(*) Não se aplica esta causa de aumento às figuras qualificadas (§§ 4º e 5º).

Neste caso, o fato de o furto ter sido praticado durante o período noturno

deve ser considerado pelo juiz no momento da fixação da pena-base

(circunstâncias judiciais – art. 59 do CP). Nesse sentido: HC 10.240/RS, Rel.

Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 21.10.1999, DJ

14.02.2000 p. 79.

k) Furto Privilegiado (§2º)

Benefícios: substituição da pena de reclusão por detenção; diminuição de

um a dois terços da pena; aplicação somente de pena de multa.

(*) Cumulativos? Possibilidade (jurisprudência e doutrina).

(*) O juiz, presentes os requisitos ensejadores, está obrigado a conceder o

benefício.

Requisitos: - Réu primário: para a doutrina dominante é o não reincidente.

Maus antecedentes, portanto, não impediriam a concessão do benefício, que

pode só poderia ser afastado com a reincidência. A jurisprudência, no

entanto, exige que as circunstâncias judiciais sejam favoráveis (STJ - RESP

207181/DF; RESP 369816/MA) e, neste caso, maus antecedentes impedem a

concessão do benefício.

- Coisa de pequeno valor: a que não alcança um salário mínimo vigente à

época da subtração. Deve ser aferido no momento da prática do delito e não

da ação penal. Não se trata de pequeno prejuízo sofrido pela vítima, mas de

coisa de pequeno valor. O critério do salário mínimo não é rígido, podendo ser

flexibilizado em determinadas situações.

l) Energia Elétrica (§3º).

Ligação clandestina: furto qualificado pela fraude.

Alteração do medidor de energia: estelionato.

Natureza da subtração: crime permanente (e não instantâneo), não

havendo em que se falar em concurso de crimes, se só houve uma ação

criminosa, ainda que tenha sido subtraída a energia em várias oportunidades.

Água. Possibilidade de aplicação do mesmo entendimento.

Sinal de TV a cabo: o entendimento dominante inclina-se pela ausência de

delito. Nesse sentido, recente decisão do STF: HC 97261/RS, rel. Min. Joaquim

Barbosa, 12.4.2011. Não pode se tratar de furto, pois o sinal de TV a cabo não

é coisa móvel, nem muito menos pode ser equiparado a energia elétrica. Não

se admite a configuração do estelionato, pois não há prejuízo alheio (a

emissora apenas não ganha, mas não se pode afirmar que sofre prejuízo).

(*) O STJ, porém, não tem trancado inquéritos policiais, sob este fundamento,

entendendo tratar-se, em tese, de crime de furto (REsp 1123747/RS, Rel. Ministro

GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 01/02/2011; REsp

1076287/RN, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em

02/06/2009, DJe 29/06/2009; HC 21.175/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA

TURMA, julgado em 03.02.2004, DJ 23.08.2004 p. 276; HC 17.867/SP, Rel. Ministro

GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17.12.2002, DJ 17.03.2003 p. 243).

m) Furto Qualificado (§4º). Aplicação.

(1) Destruição (desfazimento) ou rompimento (abertura) de obstáculo à

subtração da coisa. É pacífico que o dano à própria coisa não qualifica o

crime.

Obstáculo -> proteção, para a doutrina dominante, deve ser externo à

coisa. Sendo ele inerente à coisa não haveria a qualificadora.

Veículos – Destruição de vidros ou do quebra-vento. Divergência:

(a) O STF (v. HC 77675/PR – Rel. Min. Néri da Silveira - DJ 18-08-2000 p. 82)

reconhece que a destruição de vidros ou do quebra-vento para a subtração,

tanto de acessórios como do próprio veículo, qualifica o furto, pois a lei não

exige que o obstáculo seja externo à coisa, podendo ser a ele inerente.

Conforme asseverado pelo Ministro relator no julgado citado: ―não é de ter

como razoável acolher-se o entendimento segundo o qual o arrombamento

de carro para subtrair toca-fitas ou objetos existentes em seu interior qualifica o

furto, o que não sucede se o arrombamento colima subtrair o próprio

automóvel. Sem o arrombamento da porta ou do sistema de segurança do

carro, não se faria possível o furto; sem a violência em foco, o delito não se

consumaria, quer numa situação, quer noutra‖.

(b) O STJ (v. RESP 294503/DF; REsp 743.615/RS, DJ 29.08.2005 p. 436; REsp.

618.236⁄RS, DJ de 07.03.2005; REsp 739.772/DF, DJ 14.11.2005 p. 397) entende

que a referida destruição somente qualifica o furto se a subtração for de

acessórios do veículo. Ou seja, se o agente destruir os vidros do automóvel

para subtraí-lo, o furto será simples, pois o obstáculo deve ser externo à coisa;

se realizou a destruição para subtrair acessórios ou objetos (e não o veículo)

que se encontravam no interior do carro, responderá pelo furto qualificado;

(c) Como a mencionada destruição efetivada para a subtração do veículo

(crime mais grave) não qualifica o furto, vez que o obstáculo deve ser externo

à coisa, a subtração de acessórios (crime menos grave) também não poderá

qualificá-lo. Há recente decisão do STJ nesse sentido: AgRg no REsp

922.395/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em

03/02/2011, DJe 21/02/2011.

Momento da destruição ou rompimento: sempre antes da consumação do

delito (durante o iter criminis). Após a consumação, há concurso material de

crimes (furto simples e dano).

Prova pericial: a prova do rompimento, necessária à condenação, deve ser

realizada por meio de perícia, sob pena de nulidade, consoante

entendimento do STF (v. STF – HC 70519/SP). Assim, sendo possível a sua

realização, a prova do rompimento ou da destruição do obstáculo, deve ser

feita por meio de perícia (exame direto). A propósito, confira: AgRg no REsp

1224372/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado

em 20/09/2011, DJe 28/09/2011; HC 207.588/DF, Rel. Ministro Og Fernandes,

Sexta Turma, julgado em 23/08/2011, DJe 08/09/2011; REsp 1250021/MG, Rel.

Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 28/06/2011, DJe 01/08/2011.

(2) Com abuso de confiança.

Diferença para apropriação indébita (art. 168): neste crime, o agente possui

a posse desvigiada da coisa, enquanto que no furto a posse é vigiada. (ex:

empréstimo de livros). Ademais, na apropriação indébita: o dolo do agente só

surge após a posse da coisa; no furto (e no estelionato), o dolo é inicial (ab

initio), precedendo à posse (ou detenção) da res.

(3) Mediante fraude.

Difere-se da fraude elemento constitutivo do crime de estelionato (art. 171 –

pena: reclusão de 1 a 4 anos). No delito de furto, a fraude qualifica a ação

típica (reclusão de 2 a 8 anos). Releva notar que, enquanto no furto a fraude é

utilizada para que a vítima não pressinta a saída da res de sua posse (no furto

há subtração), no estelionato, ela faz com que a vítima livremente disponha

(entregue) a coisa ao agente.

(*) Diferença entre furto qualificado pela fraude, estelionato e apropriação

indébita: suponha a seguinte situação: o agente deseja apoderar-se de um

livro de uma biblioteca. Para efetuar tal intento poderá, por exemplo: 1)

aproveitar-se da relação de confiança que, em regra, existe entre a biblioteca

e o usuário e colocar o livro dentro de sua bolsa, ―subtraindo-o‘, sem que seja

notado pela bibliotecária; ou 2) tomar por empréstimo o livro e dele

―apoderar-se‖. Na primeira situação, cometerá o delito de furto qualificado

pela fraude, pois ao empregá-la (simulação de ser apenas usuário da

biblioteca) o agente fez com que a vítima não pressentisse a saída da res de

sua posse. No segundo caso, o agente cometeu o crime de estelionato, pois

ao empregar a fraude fez com que a vítima livremente lhe entregasse o livro.

Se o agente só manifestasse a intenção de permanecer com o livro após o

empréstimo (posse da res) haveria o crime de apropriação indébita.

(4) Escalada: escalar significa transpor. No caso, a escalada consistiria na

transposição de algo para à subtração da coisa.

(5) Destreza: é a chamada punga. Punguista é o batedor de carteiras

(Dicionário Aurélio).

O parâmetro para aferir se o agente agiu com destreza é a própria vítima.

Se esta perceber que está sendo furtada, a destreza deve ser desconsiderada

(entendimento pacífico).

(*) Discute-se, na doutrina e na jurisprudência, se é possível o reconhecimento

desta qualificadora quando o agente é surpreendido não pela vítima, mas por

terceiro. Neste caso, a jurisprudência majoritária inclina-se no sentido da

possibilidade de configuração da qualificadora, visto que a vítima não havia

notado a subtração.

(6) Chave Falsa: chave falsa é qualquer espécie de gazua (Nelson Hungria).

Gazua é qualquer ferro com que se pode abrir fechaduras. A qualificadora só

se justifica quando a chave falsa é utilizada externamente a "res furtiva",

vencendo o agente o obstáculo propositadamente colocado para protegê-la

(STJ – REsp 43047/SP). Assim, o uso da chave falsa refere-se ao acesso do

agente à coisa (STJ – 284385/DF). Deste modo, tem-se entendido que o uso de

chave falsa diretamente na ignição não qualifica o delito. Diversa, no entanto,

é a situação quando o agente se utiliza da chave falsa para abrir o veículo e

na seqüência a emprega na ignição, pois, neste caso, a qualificadora deve

existir.

Entretanto, o STJ modificou sua posição entendendo que a qualificadora

incide mesmo se chave for inserida apenas na ignição. Confira: REsp

906.685/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 19/06/2007,

DJ 06/08/2007 p. 683.

(7) Mediante concurso de duas ou mais pessoas.

Divergência: presença in loco dos concorrentes:

(a) Imprescindibilidade: Hungria e Bitencourt e STJ (STJ - HC 16140/PA; REsp

90451/MG)). A qualificadora funda-se na maior dificuldade de defesa da res,

ou seja, no maior risco ao patrimônio, visto que formado o concurso de

agentes reduz-se a possibilidade de defesa da coisa.

(b) Prescindibilidade: Damásio, Capez, Mirabete e STF (HC 70395/RJ). A

qualificadora funda-se na maior periculosidade dos agentes. Ademais, o CP

refere-se a concurso de agentes que engloba, inclusive, a participação

daquele que não está presente no local do crime.

(*) O melhor entendimento é o da primeira corrente. Contudo, como se viu,

esta não é a posição do STF. Nada obstante, não está excluída a possibilidade

de que o concurso ocorra na modalidade participação, desde que o

partícipe se encontre no local do crime (ex: motorista que dará fuga aos

agentes). Cabe lembrar que partícipe é aquele que concorre (instiga, induz ou

auxilia) para a prática do crime, sem realizar o núcleo da ação típica (no

caso, ―subtrair‖).

Absolvição do co-réu: implica na exclusão da qualificadora, devendo o

agente ser condenado por furto simples.

Co-réu inimputável: pode ser computado para a formação do concurso de

agentes.

Crime de quadrilha (art. 288): o reconhecimento da qualificadora de

concurso de agentes não impede a condenação destes pelo crime de

quadrilha, segundo entendimento jurisprudencial e doutrinário dominante. O

delito do art. 288 do CP se consuma com a própria associação e não com a

prática de outra infração pena. Assim, tratando-se de vítimas distintas e de

momentos consumativos diferentes nada impede o reconhecimento da

qualificadora e também do crime de quadrilha.

Prisão de um dos agentes e consumação do delito: na hipótese de um dos

agentes vir a ser preso em flagrante e o outro conseguir escapar trazendo

consigo a res, há a consumação do crime de furto para todos, inclusive para o

que foi preso em flagrante.

Inconstitucionalidade? César Bitencourt e Luiz Lênio Streck argumentam que

a qualificadora do crime de furto é inconstitucional, pois fere o princípio da

proporcionalidade, vez que neste delito (art. 155) a pena é duplicada (passa a

ser de reclusão de 2 a 8 anos), enquanto que no roubo (art. 157), o concurso

de agentes tão somente conduz ao aumento da pena de um sexto a um

terço.

Todavia, essa não é a posição que tem prevalecido na jurisprudência.

Veja, a propósito, as seguintes decisões: REsp 778.813/RS, Rel. Ministro Gilson

Dipp, Quinta Turma, julgado em 06.12.2005, DJ 01.02.2006 p. 606; ). , ao julgar o

REsp 453573/RS, REsp 709.100/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta

Turma, julgado em 28.09.2005, DJ 07.11.2005 p. 364; HC 40.093/RJ, Rel. Ministro

Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 08.03.2005, DJ 12.09.2005 p. 375. Esta,

inclusive, é a inteligência da Súmula 442 do STJ.

n) Comunicabilidade das circunstâncias: tratando-se de circunstâncias

objetivas são comunicáveis, desde que tenham ingressado na esfera de

conhecimento do outro agente.

o) Transporte De Veículo Automotor (§5º).

Conceito de veículo automotor: todo veículo a motor de propulsão que

circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte

viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o

transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados

a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico). – A

definição consta no Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro.

Significado da expressão ―que venha a ser transportado para outro estado

ou para o exterior‖: a qualificadora pressupõe uma subtração anterior

(consumação do furto) e, ato contínuo, a transposição da fronteira estadual

ou internacional (configuração da qualificadora). Há no caso uma dupla

consumação.

A tentativa, em tese, é possível, quando existirem elementos suficientes que

atestem a subtração do veículo e o provável transporte do veículo para outro

estado ou para o exterior. Todavia, há de se admitir que, na prática, é de difícil

configuração.

p) Furto Privilegiado-Qualificado: há pouco tempo, os tribunais superiores não

admitiam esta figura. Sustentava-se que o fato de o furto qualificado (§4º) ter

sido colocado após o privilegiado (§2º) evidencia a vontade do legislador em

não reconhecer o privilégio nas hipóteses previstas no §4º. Nesse sentido: STJ -

HC 102.863/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA,

julgado em 25/09/2008, DJe 20/10/2008; REsp 664.272/SP, Rel. Ministro JOSÉ

ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22.03.2005, DJ 18.04.2005

p. 379; HC 36.331/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em

01.03.2005, DJ 28.03.2005 p. 297; REsp 509.581/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER,

QUINTA TURMA, julgado em 06.05.2004, DJ 28.06.2004 p. 389.

Contudo, os tribunais modificaram sua posição anterior, passando a aceitar o

reconhecimento da figura, havendo compatibilidade entre as qualificadoras e

as privilegiadoras. Nesse sentido: STF - HC 97051/RS, rel. Min. Cármen Lúcia,

13.10.2009; HC 98265/MS, rel. Min. Ayres Britto, 24.3.2010 – STJ: HC 239.262/SP,

Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe

20/06/2012; HC 166.736/ES, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado

em 22/05/2012, DJe 04/06/2012.

Aliás, esta sempre foi a opinião dominante na doutrina, a qual sempre

entendeu possível o reconhecimento do furto privilegiado-qualificado,

havendo compatibilidade entre as circunstâncias.

q) Furto Noturno-Privilegiado: possibilidade de reconhecimento, de acordo

com a jurisprudência e com a doutrina.

r) Furto Duplamente Qualificado: havendo a presença de duas ou mais

circunstâncias do §4º no crime de furto, apenas uma delas deve ser

considerada como qualificadora. As demais deverão ser sopesadas pelo juiz

na fixação da pena-base, sendo, portanto, consideradas como circunstâncias

judiciais(art. 59 do CP).

s) Furto Qualificado (§4º) – Qualificado (§5º): neste caso, somente há que se

considerada a qualificadora do §5º. A circunstância do §4º deve ser levada

em conta apenas na fixação da pena-base (circunstância judicial).

2. Roubo (artigo 157).

a) Tipo Penal (Art. 157 do CP).

- Núcleo: subtrair

- Elementos Objetivos do Tipo: coisa móvel alheia – grave ameaça –

violência – qualquer meio que reduza à vítima a capacidade de resistência

- Elemento Subjetivo do Tipo: ―para si ou para outrem‖ (finalidade

especial do agente – ânimo de assenhoreamento definitivo da coisa alheia).

(*) Roubo de Uso: inadmissibilidade.

(*) Princípio da insignificância. Impossibilidade.

a.

b) Roubo Próprio e Impróprio. Diferenças. Reconhecem-se duas modalidades

de roubo: o próprio, figura prevista no caput do art. 157, e o impróprio,

disposto no §1º. Ambas recebem a mesma sanção penal, todavia distinguem-

se em relação:

(1) ao momento do emprego da violência ou da grave ameaça. No roubo

próprio, a vis é exercida antes ou durante a subtração, ou seja, é empregada

para que o agente consiga a posse da res. Por outro lado, no roubo impróprio,

a violência (moral ou física) é utilizada logo após a subtração, com o fim de

garantir a impunidade do crime ou a detenção da coisa, isto é, a vis é

utilizada para assegurar a posse da res.

(2) aos meios de cometimento do delito. No roubo próprio, permite-se o

emprego da violência própria (violência e grave ameaça) e da imprópria

(outro meio que impossibilite a vítima de exercer a sua capacidade de

resistência). A seu turno, no roubo impróprio, só se admite a utilização da vis

própria (entendimento dominante).

(3) ao momento consumativo.

(4) à possibilidade de tentativa.

c) Roubo Próprio (Caput)

(1) Meios de Execução.

- Grave ameaça: vis compulsiva.

(*) Obs: simulação de arma; arma de brinquedo; defeituosa ou desmuniciada.

Possibilidade de caracterização, pois há intimidação da vítima.

- Violência: vis absoluta.

(*) Trombada e Arrebatamento de preso: violência contra o objeto: furto;

lesões corporais na vítima: caracteriza roubo.

- Violência imprópria: qualquer outro meio que reduza à impossibilidade a

capacidade de resistência da vítima. Ex: bebida alcoólica, narcóticos e

soníferos.

(*) Diferença para violência presumida.

(2) Consumação. Inversão da posse (teoria da amotio). Consuma-se com a

cessação da violência, subtraída a coisa. Entendimento dominante. (v. RESP

311.088/SP – STJ – ERESP 197.848/DF – STJ – HC 21812/SP – STJ – RESP 237.292/SP –

STJ – RESP 417.974/SP – STJ – RESP 579254/RS -- APR 2000.03.1.002415-2 – TJDF).

Veja que a inversão da posse pressupõe, no roubo, a cessação da

clandestinidade. Assim, por exemplo, se o agente é preso no interior de uma

loja quando ainda ameaça as vítimas, não há que se falar em consumação

do crime.

(*) Posse tranqüila da res, ainda que por pouco tempo (teoria da ablatio).

Entendimento minoritário.

(*) Perda ou deterioração da coisa: há a consumação do delito de roubo.

(3) Tentativa. Possibilidade quando não houver a inversão da posse.

(4) Crime impossível. Diversamente do que ocorre no crime de furto, o

delito de roubo não admite a figura do crime impossível nas hipóteses de

ausência do objeto do crime (v. observações sobre crime impossível

expendidas no delito de furto). Isso porque o delito de roubo é crime

complexo, isto é ―crime que, embora juridicamente uno, apresenta na sua

estrutura como essentialia ou circunstâncias qualificativas, em relação de meio

a fim, fatos vários, que, em si mesmos, constituem crimes. No seu tipo

fundamental, o roubo encerra, fundidos em unidade jurídica, o furto (que é o

crime-fim), o constrangimento ilegal e a lesão corporal leve (ou a

contravenção de vias de fato, que, por sua vez, é absorvida pelo

constrangimento ilegal), chamados crimes famulativos" (Hungria). E, nesses

crimes, consumado o crime-meio, é de se reconhecer a tentativa, sendo

irrelevante a discussão acerca da impropriedade ou não do objeto material

da subtração, para fins de caracterização da tentativa. Nesse sentido: REsp

306.739/DF, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em

21.10.2003, DJ 15.12.2003 p. 411. Em sentido contrário, admitindo a figura do

crime impossível no roubo, posiciona-se Capez.

d) Roubo Impróprio (§1º).

(1) Momento da grave ameaça ou da violência (logo após a subtração).

Finalidade Especial (elemento subjetivo do tipo) – Assegurar: a detenção da

coisa; ou a impunidade do crime (que não se confunde com impunidade do

agente).

(2) Modos de execução: só violência e grave ameaça. Violência imprópria:

impossibilidade.

(3) Consumação. Com o emprego da violência ou da grave ameaça, que

ocorre, no roubo impróprio, logo após a subtração. Emprego da violência e

não subtração da coisa: consumação? Para o entendimento dominante o

crime está consumado.

(4) Tentativa: é inadmissível, de acordo com o entendimento majoritário.

Ou o agente emprega a violência ou a grave ameaça, consumando o crime

de roubo, ou desiste do seu emprego, configurando o crime de furto

consumado. (v. TJDF - APR 2000.01.1.022291-2; STF - RE 102391/SP; STJ - HC

39.220/RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 28.06.2005, DJ

26.09.2005 p. 414; REsp 46.275/SP, Rel. Ministro Assis Toledo, Quinta Turma,

julgado em 20.02.1995, DJ 20.03.1995 p. 6137).

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 157, §§ 1º E 2º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL.

ROUBO IMPRÓPRIO MAJORADO. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime previsto no art. 157, § 1º, do Código Penal consuma-se no momento

em que, após o agente tornar-se possuidor da coisa, a violência é

empregada, não se admitindo, pois, a tentativa (Precedentes do Pretório

Excelso e desta Corte).

Recurso provido para restabelecer a r. sentença condenatória que

reconheceu a ocorrência do crime de roubo na forma consumada.

(REsp 1025162/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em

11/09/2008, DJe 10/11/2008).

e) Roubo ―Qualificado‖ (§2º) – Na Verdade Roubo Circunstanciado. Trata-se

de causas de aumento de pena e não de tipo qualificado (não há previsão

de pena mínima e máxima para o delito).

- Comunicabilidade da circunstância em concurso de agentes –

possibilidade se ingressou na esfera de conhecimento do outro agente.

- Roubo Qualificado e crime de quadrilha qualificado - possibilidade de

caracterização de ambos os crimes em concurso material (os delitos

consumam-se em momentos distintos). (v. HC 76213/GO – STF)

- Qualificadoras e roubo impróprio: possibilidade.

- Roubo ―duplamente qualificado‖. Predomina o entendimento segundo

o qual deve o juiz considerar uma só delas como causa de aumento de pena,

admitindo as demais como circunstâncias judiciais (art. 59 do CP), na fixação

da pena-base. Assim, por exemplo, se o roubo tiver sido cometido com

emprego de arma e mediante concurso de agentes, o juiz deverá escolher,

em primeiro lugar, qual das circunstâncias (emprego de arma ou concurso de

agentes) utilizará como causa de aumento de pena, lembrando que a causa

escolhida só será aplicada na 3ª fase da aplicação da sanção penal. Em

seguida, considerará as demais causas na fixação da pena-base (1ª fase da

aplicação da pena). Na 2ª fase, o sentenciante aplica as agravantes e

atenuantes genéricas. Por fim, o magistrado aplica a circunstância

inicialmente escolhida, aumentando a pena de um terço até a metade (3ª

fase da aplicação da pena).

Cabe destacar que o STJ sedimentou o entendimento de que o número de

circunstâncias (critério aritmético) não pode, por si só, ser utilizado como

fundamento para o aumento da pena nesta fase. Nesse sentido, o teor da

Súmula 443 do STJ: “O aumento na terceira fase de aplicação da pena no

crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo

suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de

majorantes”.

(1) Emprego de Arma.

- Espécies de Arma: - Própria (fabricada especificamente para o ataque e

para a defesa. Ex: revólver, fuzil, etc.); e - Imprópria (não fabricada para esse

fim, mas que é capaz de ofender a integridade física. Ex: facão, faca de

cozinha, barra de ferro, etc. O emprego de qualquer delas aumenta a pena

do roubo.

- Fundamentos para a qualificadora: (a) Maior poder de intimidação que

reduz a capacidade de resistência da vítima para defender seu patrimônio;

(b) Perigo real que há para a vida da vítima (entendimento majoritário).

(*) Questões:

(a) Arma de brinquedo, desmuniciada, defeituosa. Cancelamento da

Súmula 174 do STJ (No crime de roubo, a intimidação feita com arma de

brinquedo autoriza o aumento da pena). Observância do fundamento: perigo

real para a vida da vítima. (v. STF – HC 70534/RJ – HC 69515/RJ – HC 71051/MG

--- STJ – RESP 442.075/RS – RESP 323.410/SP).

(b) Simulação. Impossibilidade de agravamento da pena.

(c) Manejo da arma e porte ostensivo. Caracterização da ―qualificadora‖,

ainda que o agente não retire a arma da cintura, desde que o porte tenha

sido ostensivo, criando um perigo real para a vida da vítima, como também

lhe embutido um maior poder de intimidação. (v. APR 2000.07.1.004552-5 –

TJDF)

(d) Apreensão da arma – laudo pericial – necessidade – nem sempre. (v.

AGA 410117/MG – STJ --- APR 2001.07.1.015324-5 – TJDF). REsp 870.574/RS, Rel.

Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 06.03.2007, DJ

19.03.2007 p. 392.

―PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. EMPREGO DE ARMA.

APREENSÃO E PERÍCIA. PRESCINDIBILIDADE. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO

LEGAL. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA MAIS GRAVOSO. RÉU PRIMÁRIO.

GRAVIDADE EM ABSTRATO DO DELITO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM

PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. A jurisprudência majoritária da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça

é no sentido da prescindibilidade da apreensão e perícia da arma de fogo

para a caracterização da causa de aumento de pena do crime de roubo (art.

157, § 2º, I, do Código Penal), quando outros elementos comprovem sua

utilização.

2. Nos termos da Súmula 718/STF, "A opinião do julgador sobre a gravidade em

abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de

regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada".

3. A fixação da pena-base no mínimo legal, por serem favoráveis as

circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, com o estabelecimento do

regime inicial fechado para o cumprimento da reprimenda pela prática do

crime de roubo majorado, com base apenas na gravidade genérica do delito,

constitui constrangimento ilegal, por inobservância do disposto no art. 33, § 2º,

alínea b, do Código Penal.

4. Ordem parcialmente concedida para fixar o regime inicial semi-aberto.

(HC 108.451/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado

em 07/10/2008, DJe 03/11/2008).

(*) Nova posição da 6ª Turma do STJ: imprescindibilidade nos casos em que

não é possível aferir a eficácia da arma por outros meios de prova, quando

não há como se apurar a sua lesividade e, portanto, o maior risco para o bem

jurídico integridade física. Confira: HC 59.350/SP, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI,

Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA,

julgado em 24.11.2006, DJ 28.05.2007 p. 402; HC 115.534/SP, Rel. Ministra JANE

SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado

em 16/10/2008, DJe 03/11/2008; HC 102.785/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES,

SEXTA TURMA, julgado em 02/10/2008, DJe 20/10/2008.

(e) Roubo Qualificado e porte ou posse ilegal de arma (art. 14 e 16 da Lei

nº 10.826/2003). O emprego da arma poderá, de acordo com o caso

concreto, configurar o delito de porte ilegal, previsto no art. 14 (arma de fogo

de uso permitido) ou no art. 16 (uso restrito) da Lei nº 10.826/2003. Inclusive, há

concurso material de crimes quando o agente não adquiriu a arma

especificamente para a prática do delito de roubo (fato que absorveria o

crime de porte ilegal de arma – ato preparatório para o crime de roubo), vez

que os delitos se consumaram em momentos distintos atingindo vítimas

diversas. (TJDF - APR 2001.09.1.006595-5).

(f) Concurso de Agentes. Exige-se a participação efetiva de ambos os

agentes para caracterizar a qualificadora (presença in loco)? Não

(entendimento do STF) e sim (STJ). (v. questão relacionada ao furto).

(g) Se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente

conhece tal circunstância. A causa de aumento só incide na presença destes

dois requisitos: - a vítima deve estar em ―serviço de transporte de valores‖, fato

que exclui a causa de aumento quando os valores pertencem à própria vítima

(ex: motorista de táxi); e - o agente deve conhecer tal circunstância.

(h) Se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado

para outro estado ou para o exterior. Dupla consumação.

(i) Se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.

(*) Seqüestro relâmpago: divergência. O roubo, neste caso, é cometido

mediante a restrição da liberdade da vítima. Esta privação deve ser breve e

utilizada apenas para que o agente consiga a subtração. Assim, se a restrição

da liberdade permanecer mesmo após a subtração, ou por tempo superior ao

necessário a obtenção desta, há concurso de crimes, devendo o agente

responder pelo roubo, com a pena aumentada, em concurso material com o

delito de seqüestro (art. 148 do CP) ou mesmo extorsão mediante sequestro

(artigo 159 do CP).

Por outro lado, reconhece-se que a privação, por curto prazo, pode

ser conseqüência natural da própria consolidação da posse sobre a res furtiva

(Moura Teles) e, nesse caso, o agente responderá pelo crime de roubo com a

causa de aumento de pena.

Há precedentes do TJDFT, contudo, que afastam a ocorrência da

majorante quando a restrição se dá por tempo necessário à subtração da res

furtiva.

Aparentemente, a vontade do legislador, ao criar a causa de

aumento de pena, foi alcançar os casos conhecidos como ―seqüestro

relâmpago‖, em que o agente, mediante violência ou grave ameaça, obriga

a vítima a realizar saques em sua conta-corrente.

Bitencourt sustenta que os casos de ―seqüestro relâmpago‖, nos quais

a vítima é colocada em porta-malas de veículos, pelas mãos de marginais

perigosos, que percorrem horas a fio os mais variados bairros da cidade,

exigindo-lhe mais bens ou valores, às vezes violando-a sexualmente, configura

crime mais grave que a simples majorante da restrição da liberdade, sendo o

caso de responsabilizar os agentes pelo crime mais grave, qual seja o de

extorsão mediante seqüestro, restando absorvidas as demais figuras delitivas,

eis que não passam de mero detalhe acidental ou circunstancial do evento.

Ousamos discordar do mestre. A nosso ver, o ―seqüestro relâmpago‖,

entendido como aquele em que o agente, mediante violência ou grave

ameaça, obriga a vítima a realizar saques em sua conta-corrente configura, a

priori, o crime de extorsão (vide observações sobre a diferença entre roubo e

extorsão). Não se pode olvidar, entretanto, que, atualmente, face às

limitações impostas pelos bancos aos saques em terminais eletrônicos, houve

um plus nestas ações criminosas, pois os agentes passaram, também, a subtrair

outros pertences da vítima. Nestas hipóteses, em nosso entendimento, ele

estará cometendo roubo em concurso material com extorsão. Este, inclusive, é

o entendimento atual do STJ, conforme reiteradas decisões (HC 43.989/SP, Rel.

Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 06.12.2005, DJ 19.12.2005 p. 450;

REsp 697.622/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 22.03.2005,

DJ 02.05.2005 p. 404).

Aliás, a situação não se alterou com a Lei nº 11.923/2009, que criou o

chamado ―seqüestro relâmpago‖ (conforme ementa da norma), porquanto o

legislador o inseriu como figura qualificadora do crime de extorsão,

acrescentando o §3º ao art. 158. Ou seja, atualmente, é possível reconhecer o

concurso de crimes na hipótese prevista no parágrafo anterior, respondendo o

agente pelos delitos de roubo e de extorsão qualificada pela restrição de

liberdade (§3º do art. 158).

E é cabível, conforme o caso, que se apliquem tanto a causa de

aumento de pena do crime de roubo, prevista no inciso V do §2º do art. 157,

quanto a qualificadora do §3º do art. 158, se a restrição da liberdade foi

empregada em ambos os delitos.

Por fim, se a restrição da liberdade ocorrer por tempo considerável,

superior ao necessário para a obtenção do objetivo inicial do agente, aí sim

será cabível falar em sequestro ou mesmo extorsão mediante sequestro,

conforme o caso. Esse período considerável, porém, deve ser analisado

detidamente em cada caso. Por certo, trata-se de lapso inferior a 24 horas,

pois este prazo, inclusive, qualifica a extorsão mediante seqüestro, não

podendo servi-la para caracterizá-la.

f) Roubo Qualificado pelo Resultado (§3º).

(1) Resultados Qualificadores: lesão corporal grave ou morte (latrocínio).

(2) Meio de cometimento do crime: violência (vis absoluta) ―se da

violência resulta (...)‖. Mister que a violência tenha sido utilizada para o fim ou

para garantir a subtração. Inexistente essa finalidade (obter ou garantir a

subtração) há concurso de crimes (roubo e o respectivo crime contra a

pessoa).

Grave ameaça ou outro meio? Impossibilidade do reconhecimento. O

agente, neste caso, deve responder por dois crimes: roubo em concurso

formal com homicídio (culposo ou doloso).

(3) Vítimas diversas: permanece o crime na hipótese da vítima patrimonial

ser diferente daquela que sofre as lesões ou a morte (ainda que esta seja de

um dos agentes do crime, no caso de ter sido morto por um comparsa por erro

na execução – aberratio ictus consideram-se as condições da vítima

―virtual‖ – pessoa contra quem era dirigido o ato).

(4) Pluralidade de vítimas e única subtração patrimonial: há um único

delito.

(5) Aplicação das causas de aumento de pena do §2º impossibilidade.

(6) Crime qualificado pela lesão corporal grave

(a) Consumação: com as lesões, ainda que o agente não consiga a

subtração (Súmula 610 do STF).

(b) Crime Preterdoloso possibilidade

(c) Tentativa: inadmissibilidade quando o crime for preterdoloso.

Possibilidade quando o resultado qualificador for auferido por meio de dolo do

agente.

(d) Crime hediondo? Não.

(e) Concurso de pessoas: todas respondem pelo resultado, se o roubo foi

cometido com emprego de arma, pois assumiram, no mínimo, o risco de

produzir o resultado (lesão corporal grave).

(7) Crime qualificado pela morte (latrocínio)

(a) Consumação: com a morte, ainda que o agente não consiga a subtração

(Súmula 610 do STF). Se o agente conseguir a subtração e a vítima não morrer,

há tentativa de latrocínio.

(b) Crime Preterdoloso possibilidade (STJ - HC 20819/MS; HC 27152/MG - Rel.

Min. Félix Fischer, DJ 30.06.2003 p. 279). Ainda assim, é chamado de latrocínio,

conforme doutrina dominante.

(c) Tentativa: inadmissibilidade quando o crime for preterdoloso. Possibilidade

quando o resultado qualificador for auferido por meio de dolo do agente e

não houver a morte da vítima. Não há necessidade de ocorrência de lesão,

sendo suficiente a comprovação de que o agente tinha a intenção de matar

para subtrair. Nesse sentido:

―[..] 1. Para a configuração da tentativa de latrocínio, é irrelevante a

ocorrência de lesão corporal, seja de natureza leve ou grave, sendo suficiente

a comprovação de que o agente tinha a intenção de matar para subtrair

coisa móvel de outrem e de que o delito não se consumou por circunstâncias

alheias à sua vontade.[...]‖ (HC 80.491/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES

LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 23/09/2008, DJe 03/11/2008).

Igualmente: HC 187.075/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado

em 19/04/2012, DJe 30/04/2012. Confira a recente decisão da 6ª Turma do STJ:

HABEAS CORPUS. PENAL. TENTATIVA DE LATROCÍNIO. OCORRÊNCIA.

POSSIBILIDADE. SUBTRAÇÃO CONSUMADA. ANIMUS NECANDI CONFIGURADO.

EVENTO MORTE QUE NÃO SE CONSUMOU POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À

VONTADE DO AGENTE.

1. Não obstante a existência de eventual posicionamento em sentido

contrário, inclusive do Pretório Excelso, a jurisprudência desta Corte tem

entendimento pacificado no sentido da possibilidade da ocorrência de

latrocínio tentado nas hipóteses em que, configurada a subtração e

demonstrado o animus necandi, o evento morte não se concretizou por

circunstâncias alheias à vontade do agente.

2. Ordem denegada.

(HC 151.920/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em

15/09/2011, DJe 21/11/2011)

O STF, porém, em recentes decisões, não vem admitindo a tentativa de

latrocínio. Nesse sentido: RHC 94775, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira

Turma, julgado em 07/04/2009, DJe-121 DIVULG 30-06-2009 PUBLIC 01-07-2009

EMENT VOL-02367-03 PP-00532; HC 91585, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO,

Segunda Turma, julgado em 16/09/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-

12-2008 EMENT VOL-02346-03 PP-00817. No primeiro caso, o STF reconheceu a

ocorrência da figura do crime de roubo qualificado pela lesão grave; no

segundo, crimes autônomos de tentativa de homicídio e roubo, o que reclama

a competência do júri.

- Concurso de crimes ou delito único?

a) Assalto a várias pessoas com mais de uma subtração: no caso de em um só

contexto (bancos, supermercados, etc), o agente vir a subtrair bens de várias

pessoas, haverá tantos crimes, em concurso formal, quantas vítimas forem

lesadas. Nesse sentido: STJ- REsp 723.568/RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido,

Sexta Turma, julgado em 31.08.2005, DJ 14.11.2005 p. 412; REsp 662.999/RS, Rel.

Ministro Felix Fischer, DJ 21.02.2005 p. 224; REsp 476349/RN, Rel. Ministro Paulo

Medina, Sexta Turma, julgado em 03.06.2003, DJ 04.08.2003 p. 467 – TJDF:

20030910041883APR, Relator Sérgio Bittencourt, 1ª Turma Criminal, julgado em

05/05/2005, DJ 14/09/2005 p. 113; 20020510000870APR, Relator Lecir Manoel da

Luz, 1ª Turma Criminal, julgado em 02/10/2003, DJ 05/11/2003 p. 57;

20010610043629APR, Relator Waldir Leôncio Junior, 1ª Turma Criminal, julgado

em 19/09/2002, DJ 12/02/2003 p. 63. Possibilidade de aplicação do concurso

formal imperfeito, devendo ser as penas somadas? Não para o entendimento

dominante.

b) Assalto a várias pessoas com uma única subtração: segundo Capez, há um

único crime de roubo, pois só houve uma subtração.

c) Ameaça a uma única pessoa que traz consigo bens pertencentes a outras

pessoas: havendo a subtração de todos os bens, entende-se que há crime

único, pois, segundo a doutrina, o que se tutela é a posse. Na verdade, o

agente deve responder por um único crime, pois seu dolo (vontade e

consciência) era subtrair bens pertencentes à vítima. No HC 18321/RJ, o STJ

entendeu haver crime único no roubo cometido contra instituição securitária,

que abriga valores de diversos clientes, em cofres, e não concurso formal, em

virtude de a guarda de valores estar confiada apenas à pessoa jurídica (Rel.

Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 27.11.2001, DJ 25.02.2002 p.

420). Assim, suponha que o sujeito, mediante grave ameaça, exercida com

emprego de arma de fogo, subtraia bens da vítima e de seus patrões que

trazia consigo. Há crime único. Considera-se, que a vítima do crime foi apenas

aquela contra a qual foi exercida a grave ameaça. Para que ocorra o

concurso formal em casos tais é preciso ao menos duas vítimas presentes na

cena do crime. Nesse sentido: 20020810005142APR, Relator Edson Alfredo

Smaniotto, 1ª Turma Criminal, julgado em 29/04/2004, DJ 23/06/2004 p. 56.

d) Subtração dividida: o agente que, no mesmo contexto, ante a

impossibilidade de levar consigo todos os objetos, imobiliza as vítimas,

retornando ao local do crime para terminar a subtração, deve responder por

crime consumado, ainda seja preso antes de conseguir a subtração de todos

os objetos.

e) Roubo e quadrilha: da mesma forma do que ocorre no furto, tem-se

reconhecido a possibilidade de concurso entre o delito de roubo, majorado

pelo concurso de agentes, e o de quadrilha. Afirma-se que o ―delito tipificado

no artigo 288 do Código Penal e aqueloutros que a quadrilha venha a praticar

são autônomos, até porque aquele se aperfeiçoa e é punível

independentemente da prática de crimes subseqüentes da quadrilha, pelos

quais respondem especialmente os seus agentes e, não, o bando todo‖ (HC

31.687/MS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em

17.02.2005, DJ 25.04.2005 p. 365). Nesse sentido: RHC 14.152/MS, Rel. Ministro

Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 03.05.2005, DJ 06.02.2006 p. 310;

HC 29.400/RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 15.09.2005, DJ

10.10.2005 p. 398. O STF possui o mesmo entendimento, admitindo a

possibilidade de concurso entre os referidos delitos: HC 84669/SP, Rel. Min.

Joaquim Barbosa, DJ 17-06-2005 p. 007; HC 76.213, Rel. Min. Sepúlveda

Pertence, DJ 14.04.1998.

Contudo, há decisões em contrário, no sentido da impossibilidade de

cumulação: STF - HC 65717/SP – Rel. Min. Octavio Gallotti - DJ 24-06-1988 p.-

16113.

f) No crime de latrocínio, havendo uma única subtração patrimonial, com dois

resultados qualificadores (morte), há concurso formal impróprio (artigo 70,

parte final, do Código Penal). Nesse sentido: STJ - HC 33.618/SP, Rel. Ministro

Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 31.05.2005, DJ 06.02.2006 p.

333); STF - RE 103094/PR – Rel. Min. Djalci Falcão - DJ 15-04-1988 PP-08400. Há

outra decisão do STJ nesse sentido, confira:

―[...] 1. Na esteira da já consolidada jurisprudência desta Corte Superior, no

caso de latrocínio (artigo 157, parágrafo 3º, parte final, do Código Penal), uma

única subtração patrimonial, com dois resultados morte, caracteriza concurso

formal impróprio (artigo 70, parte final, do Código Penal). Precedentes. [...] (HC

56.961/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2007,

DJ 07/02/2008 p. 1)‖.

Em recente decisão, o STJ reafirmou este entendimento. Confira:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE ROUBO

CIRCUNSTANCIADO E DE LATROCÍNIO. VERBETE SUMULAR N.º 284 DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO QUANTO AOS CRIMES DO

ART. 157, § 3.º, IN FINE, DO CÓDIGO PENAL. CONSTATADO PELAS INSTÂNCIAS

ORDINÁRIAS QUE OS CRIMES RESULTARAM DE DESÍGNIOS AUTÔNOMOS.

OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A

SENTENÇA. RECONHECIMENTO DE PESSOAS. LEGALIDADE. ELEVAÇÃO DA PENA-

BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE, SE AS CIRCUNSTÂNCIAS

JUDICIAIS DO CRIME EXTRAPOLAM CONSIDERAVELMENTE AS NORMAIS À

ESPÉCIE. PLEITO DE DIMINUIÇÃO DA PENA-BASE DE WENDER SANTOS SANTANA.

AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E,

NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

[...]

2. Aplica-se o concurso formal impróprio entre os delitos de latrocínio (artigo

70, parte final, do Código Penal), pois ocorreram dois resultados morte, ainda

que apenas uma subtração patrimonial tenha sido efetivada. Na hipótese em

exame, restou comprovado que os Agentes não se voltaram apenas contra

um patrimônio, mas que, ao contrário, os crimes resultaram de desígnios

autônomos.

3. Com efeito, as instâncias ordinárias, após o cotejo minucioso das provas

produzidas ao longo da instrução criminal, decidiram que os Réus desejavam

"praticar mais de um latrocínio, tendo em cada um deles consciência e

vontade, quando efetuaram os disparos contra as vítimas".

[...]

(REsp 1164953/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em

27/03/2012, DJe 03/04/2012)

Todavia, há decisões do STJ em sentido contrário, considerando que nos casos

de uma única subtração patrimonial com dois ou mais resultados

qualificadores (morte) há crime único de latrocínio, devendo os homicídios

serem considerados como circunstância judicial para aumentar a pena-base.

Nesse sentido:

―[...] 2. A morte de mais de uma pessoa com a subtração de um só patrimônio,

ao tempo que caracteriza o latrocínio como crime único, autoriza a fixação

da pena-base acima do mínimo legal, porquanto desfavoráveis as

circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal (consequências do crime).

3. Ordem denegada. (HC 91.231/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA,

QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe 03/08/2009)‖.

―[...] 1. Relativamente às matérias comuns a ambos os réus, e de caráter não

pessoal, como é o caso do reconhecimento da unidade do crime de

latrocínio, quando, mesmo sendo diversas as vítimas, for atingido um único

patrimônio, há de ser estendida a mesma solução ao co-réu.[...]‖ (HC

88.200/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado

em 02/09/2008, DJe 22/09/2008).

Na verdade, deve ser analisado o caso concreto. Assim, se o agente praticou

a conduta visando a ofender mais de um patrimônio, o caso é de se

considerar o concurso de crimes. No entanto, se a intenção era lesar apenas

um patrimônio (ex: roubo a um banco, resultando morte de dois seguranças),

há crime único de latrocínio.

g) No crime de latrocínio, havendo uma única morte e várias subtrações

patrimoniais: há concurso entre o latrocínio e os respectivos roubos em

concurso formal.

h) Roubo e latrocínio: impossibilidade de reconhecimento de continuidade

delitiva, pois não se tratam de crimes da mesma espécie. Assim, deve ser

reconhecido o concurso material de crimes. Nesse sentido: AgRg no REsp

961.928/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA,

julgado em 08/02/2011, DJe 28/02/2011; HC 161.595/RJ, Rel. Ministro VASCO

DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA,

julgado em 13/03/2012, DJe 26/03/2012. Mas, em recente decisão, o STJ

reconheceu o concurso formal, quando, em um mesmo contexto fático e

circunstancial, por meio de uma única ação, abordou vítimas distintas,

atingindo-lhes os patrimônios material e emocional (HC 192.927/SP, Rel. Ministro

MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe

23/04/2012).

(d) Crime hediondo? Sim.

(*) v. art. 9º da Lei nº 8.072/90: acréscimo de metade da pena, quando a

vítima estiver em uma das situações do art. 224 do CP. Trata-se de majorante

revogada com o advento da Lei nº 12.015/2009.

(e) Concurso de pessoas: todos respondem pelo resultado, se o roubo foi

cometido com emprego de arma, pois assumiram, no mínimo, o risco de

produzir o resultado (morte). É a posição do STJ: HC 35895/DF, Rel. Ministro Felix

Fischer, Quinta Turma, julgado em 02.09.2004, DJ 04.10.2004 p. 334; REsp

418.183/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 03.06.2003, DJ

04.08.2003 p. 362; HC 31.169/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma,

julgado em 16.12.2004, DJ 06.02.2006 p. 330.

3. Extorsão (artigo 158).

b.

a) Tipo Penal (art. 158).

- Meios de Execução: (1) Violência; (2) Grave ameaça (aquela que

efetivamente é idônea e necessária à intimidação da vítima). A vítima que

serve como parâmetro para aferir se a ameaça é grave, e não o homem

médio como dizem alguns doutrinadores.

(*) Violência imprópria? Não há previsão.

(*) Ameaça de divulgação de fato difamatório à honra da vítima

(chantagem): caracteriza a grave ameaça. Igualmente, a ameaça de

divulgação de segredo e de delação à polícia.

- Finalidade Especial: vantagem econômica e indevida.

(*) Vantagem devida: configura o crime de exercício arbitrário das próprias

razões, sem prejuízo do crime relacionado à pessoa (lesão corporal ou

homicídio).

(*) Vantagem não econômica: configura o delito de constrangimento

ilegal.

- Conduta: é dirigia a obrigar a vítima a: - fazer (ação); - não fazer

(omissão); ou – tolerar que se faça (permissão).

b) Consumação. Configura-se o delito de extorsão quando realizados os

elementos do tipo penal respectivo que, na lição de Hungria são "(...) a)

emprego de violência física ou moral (grave ameaça); b) coação, daí

resultante, a fazer, tolerar ou omitir alguma coisa; c) intenção de obter, para si

ou para outrem, indevida vantagem econômica" (Nelson Hungria,

Comentários ao Código Penal, Vol. VIII, Editora Forense, 3º Edição),

independentemente da obtenção da vantagem. Súmula 96 do STJ.

Simulação de seqüestro (v. RESP 303792/RS, STJ). Configura extorsão.

c) Tentativa. Possibilidade. Quando a grave ameaça (nesse caso escrita) não

chegar ao conhecimento da vítima; ou quando a vítima não se intimidar com

a grave ameaça ou violência, não conseguindo o agente que aquela faça,

deixe de fazer ou tolere que se faça alguma coisa.

d) Formas Típicas. (1) Simples (caput); (2) Causa de Aumento (§ 1º); (3)

Qualificada (§2º) – resultado lesão grave ou morte; (§3º) Qualificada pela

Restrição da Liberdade (§3º) – Lei nº 11.923/2209.

(*) Crime hediondo? Só a forma qualificada com o resultado morte (lesão

grave não). Por equívoco do legislador, a figura inserida no §3º, pela Lei nº

11.923/2009, não pode ser considerada como crime hediondo.

e) Distinções

(1) Extorsão e concussão: emprego de violência ou grave ameaça só

existe na extorsão, sendo ausente na concussão. Logo, o funcionário público

que, empregando violência ou grave ameaça, em razão de sua função exige

vantagem indevida, pratica o crime de extorsão (pena maior) e não o de

concussão (art.316 do CP).

(2) Extorsão e constrangimento ilegal: a vantagem buscada no

constrangimento ilegal não é econômica.

(3) Extorsão e Exercício arbitrário das próprias razões: neste, a vantagem

almejada pelo agente é devida.

(4) Extorsão e Roubo: existem 3 critérios: (a) a diferença consiste em que, na

extorsão, a vítima entrega o bem ao agente, enquanto que, no roubo, o bem

é subtraído (Nelson Hungria); (b) a diferença consiste em que, na extorsão, o

mal prometido e a vantagem são futuros, enquanto que, no roubo, são

contemporâneos; (c) a diferença está no comportamento da vítima: na

extorsão, é imprescindível a atuação da vítima (ex: fornecimento da senha

para saques em conta-corrente); no roubo, não (ex: subtração de bolsa).

(*) Seqüestro relâmpago: em princípio, só havendo saques na conta-corrente

configura extorsão.

(*) Concurso material entre roubo e extorsão: possibilidade.

4. Extorsão Mediante Sequestro (artigo 159).

c. a) Tipo Penal Fundamental

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

- Natureza da vantagem. Expressão ―qualquer vantagem‖. Econômica? Caso

concreto: STJ: REsp 9922/PB, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Sexta Turma,

julgado em 15.03.1993, DJ 17.05.1993 p. 9363. Vítima sequestrada e morta no

caso de ―queima de arquivo‖.

- Sujeito passivo. Vítimas sequestrada e patrimonial.

- Meio de cometimento. Cárcere privado?

c) Momento da Consumação do Delito.

d) Tentativa

e) Formas Qualificadas

e.1) Qualificadoras do §1º

- Contagem do prazo de 24 horas: da privação da liberdade ou da exigência

da vantagem?

- Diferença para o lapso majorante do sequestro (art. 148, §1º, III, CP).

- Idade da vítima: menor de 18 anos ou maior de 60 anos de idade. Vítima

menor de 14 anos. Momento de aferição da idade: arrebatamento.

Impossibilidade de aplicação da causa do artigo 9º da Lei nº 8.072/90.

- Sequestro cometido por bando ou quadrilha. Bis in idem?

e.2) Qualificadoras dos §§2º e 3º

- Resultados qualificadores: lesão grave ou morte. Possibilidade de

reconhecimento a título de dolo ou culpa.

- Resultados advindos dos maus-tratos. Possibilidade, pois a lei não exigiu que

decorressem apenas da violência.

- Vítima: só a sequestrada. Caso contrário: concurso de crimes.

f) Delação Premiada (§4º)

5. Extorsão Indireta (Art. 160)

d. a) Tipo Penal

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

- Exigência. Ausência de violência e grave ameaça.

- Abuso da situação de necessidade do devedor.

c) Momento da Consumação do Delito e Tentativa

d) Instauração do Procedimento Criminal. Possibilidade de concurso com o

crime de denunciação caluniosa? Divergência.

e) Crime de Usura (art. 4º da Lei nº 1.521/51). Absorção.

6. Apropriação Indébita (Art. 168)

e. a) Tipo Penal Fundamental

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

- Diferença para furto e estelionato.

- Animus rem sibi hadendi. Apropriação indébita de uso: conduta atípica.

- Coisa imóvel. Não pode ser objeto destes crimes, podendo o agente

responder pelo crime de estelionato, na modalidade de disposição de coisa

alheia como própria (art. 171, §2º, I, CP).

c) Espécies de Apropriação Indébita

- Apropriação indébita propriamente dita e por negativa de restituição.

d) Consumação e Tentativa

- De acordo com a espécie de apropriação.

e) Apropriação Indébita ―Qualificada‖.

f) Apropriação Indébita Privilegiada.

7. Apropriação Indébita Previdenciária (Art. 168-A)

f. a) Tipo Penal Fundamental

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

- Antigo artigo 95 da Lei nº 8.212/91. Princípio da Continuidade Normativa

Típica.

- Conduta mista. O agente primeiro recolhe a contribuição do contribuinte

(ação) para, na seqüência, deixar de repassá-la à previdência (omissão).

- Animus rem sibi habendi. Prevalece a orientação que é irrelevante a

destinação que o sujeito tenha dado às contribuições não repassadas à

previdência social, ou mesmo o dolo específico do agente em fraudar a

previdência social, pois o que se exige é o não repasse daqueles tributos no

prazo legal. Nesse sentido, é o entendimento do STJ (REsp 1194510/SP, Rel.

Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, Dje 01/02/2011; REsp 510.742/RS, Rel. Ministro

Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, julgado em 09.12.2005, DJ 13.02.2006 p.

855; RHC 17.354/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em

18.10.2005, DJ 21.11.2005 p. 297; REsp 714.327/RJ, Rel. Ministro Felix Fischer,

Quinta Turma, julgado em 02.06.2005, DJ 01.08.2005 p. 544; RESP 501935 / PR –

Rel. Min. Laurita Vaz – DJ 30.08.2004 Pg 00319; RESP 309970/AL – Rel. Min. Gilson

Dipp – DJ 28.06.2004 Pg 00382; ERESP 331982/CE – Rel. Min. Gilson Dipp – DJ

15.12.2003 Pg 00179) e do STF (HC 87107/SP – Rel. Min. Cezar Peluso – julgado

em 02/06/2009).

(*) Corrente contrária: necessidade do elemento subjetivo. Confira: STJ – AgRg

no REsp 1041306/CE – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 31/08/2011).

- Princípio da insignificância: o STF não tem admitido a aplicação do princípio

neste delito. Confira: STF: HC 98021/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski,

22.6.2010; HC 102550/PR, rel. Min. Luiz Fux, 20.9.2011. Contudo, o STJ vem

reconhecendo a possibilidade de aplicação deste princípio no crime em

questão, levando em conta o mesmo parâmetro utilizado no delito de

descaminho, correspondente ao quantum que a Fazenda Nacional não

executa (R$ 10.000,00 – artigo 20 da Lei 10.522/2002). Confira: HC 195.372/SP,

Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 12/06/2012, DJe 18/06/2012;

AgRg no REsp 1214866/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em

07/02/2012, DJe 22/02/2012. Isso em razão da Lei nº 11.457/2007, que passou a

considerar os débitos decorrentes de contribuições previdenciárias como

dívida ativa da União.

c) Condutas Assemelhadas (§1º)

d) Consumação e Tentativa

- O STF, entretanto, passou a entender ser o delito em exame omissivo material,

exigindo para a consumação do crime a quantificação do prejuízo. Assim,

enquanto não decidido, na via administrativa, o valor do débito não há que

se falar em consumação, inviabilizando tanto a propositura da ação penal

quanto a manutenção do inquérito. Nesse sentido: Inq 2537 – Rel. Min. Marco

Aurélio – Informativo nº 498. O STJ seguiu este mesmo entendimento: Rcl

5.064/BA, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em

23/05/2012, DJe 01/06/2012; HC 170.459/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia

Filho, Quinta Turma, julgado em 02/12/2010, DJe 13/12/2010.

- É inadmissível a tentativa.

e) Estado de Necessidade e Inexigibilidade de Conduta Diversa

g) Causa de Extinção de Punibilidade (§2º do artigo 168-A – atualmente

inaplicável).

- Pagamento do tributo e parcelamento do débito: extinção da punibilidade e

suspensão da pretensão punitiva. Artigo 9º da Lei 10.684/2003 – artigos 68 e 69

da 11.941/2009 - artigo 83 da Lei 9.430/95 (redação dada pela Lei

12.350/2010).

h) Perdão Judicial ou Multa (§3º)

8. Estelionato (Art. 171)

g. a) Tipo Penal Fundamental

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

- Significado de ―stellio‖: camaleão.

- Fraude: são espécies o artifício e o ardil.

- Idoneidade da fraude: necessidade, sob pena de crime impossível.

- Fraude bilateral: caracterização do crime.

- Natureza da vantagem: deve ser indevida. Patrimonial? Divergência.

- Falsificação como meio para o estelionato: é comum que o agente se valha

de uma falsificação como meio de cometimento do crime de estelionato.

Nestes casos, há relevante divergência, se o agente responderia por ambos os

delitos, falsificação e estelionato, em concurso, ou por apenas um deles. Na

verdade, podem-se apontar as seguintes correntes: a) a falsidade de

documento público (art. 297 do CP) absorve o estelionato, por ser mais grave

do que este (RT 581/312); b) o estelionato absorve o falso, quando este se

exaurir com a prática daquele (é a posição expressa na Súmula 17 do STJ); a

contrario sensu, admite-se o concurso de crimes, se a falsificação permanecer

potencialmente idônea para a prática de outros delitos (Mirabete). Neste

sentido: CC 107.100/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em

26/05/2010, DJe 01/06/2010; HC 45.900/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta

Turma, julgado em 11.10.2005, DJ 28.11.2005 p. 323; HC 146.521/SP, Rel. Ministra

Maria Thereza De Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 15/04/2010, DJe

07/06/2010; HC 125.331/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Rel. p/ Acórdão Ministro

Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 09/02/2010, DJe 08/03/2010; HC

24.059/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em

27.05.2003, DJ 12.08.2003 p. 261; c) há concurso formal de crimes (é a posição

atual do STF – RT 737/545; 735/532; 582/399; RHC 83990/MG, Rel. Min. Eros Grau,

DJ 22-10-2004 p. 018; HC 73386/RJ, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 13-09-1996 p.

33232); d) há concurso material (era o entendimento anterior do STF – RTJ

85/491).

(*) A solução dependerá do caso concreto.

- Sujeito passivo: é imprescindível que o enganado tenha capacidade de

discernimento. Assim, se a fraude for empregada contra menor ou contra débil

mental, restará configurado o crime de abuso de incapazes (art. 173), delito

mais grave do que o estelionato, ante a maior reprovação social da conduta

do agente neste caso.

c) Consumação e Tentativa

d) Estelionato Privilegiado (§1º)

e) Reparação do Dano no Estelionato

- Artigo 16 do CP.

- Súmula 554 do STF.

f) Figuras Assemelhadas ao Estelionato (§2º)

g) Estelionato ―Qualificado‖ (§3º)

9. Receptação.

a) Tipo Penal (art. 180).

- Modalidades: receptação própria e imprópria.

- Sujeito ativo: sujeito ativo do crime é qualquer pessoa, com exceção da

que praticou o delito anterior, regra que vale tanto para a receptação própria

como para a imprópria.

- receptação em cadeia (―receptação da receptação‖): possibilidade.

- receptação de coisas objetos de diversos crimes: - Em momento único:

apenas uma receptação; - Em mais de um momento: receptação

continuada.

- Receptação e Favorecimento Real (art. 349): na receptação, o agente

tem a intenção de lucrar (animus lucrandi). No crime de favorecimento real,

inexiste esta intenção do agente, que apenas deseja auxiliar o criminoso.

b) Receptação Própria

- Condutas: adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar.

- Objeto do delito: coisa (móvel ou imóvel) proveniente de crime (exclui a

contravenção).

(*) Há ponderável corrente doutrinária (Hungria, Noronha, Damásio,

Bitencourt, Capez, Moura Teles, Nucci, entre outros) e jurisprudencial (STF – RTJ

97/148, 102/48; RT 546/413, 554/425) no sentido de que somente as coisas

móveis podem ser objeto do delito em questão, pois só estas (e não as

imóveis) podem provir de crime anterior. Além disso, o termo ―receptáculo‖,

do qual provém o tipo receptação, significa abrigo, esconderijo, e somente as

coisas móveis podem ser ocultadas. Por fim, a conduta descrita no tipo penal

pressupõe o deslocamento da coisa, o que exclui, por questão lógica, os bens

imóveis.

No entanto, há de se lembrar que o CP, diversamente do que fez com outros

delitos (furto e apropriação indébita, por exemplo), não se referiu

exclusivamente à coisa móvel, o que, à evidência, indica não ter sido à

vontade do legislador excluir, de plano, os bens imóveis do delito em tela.

É certo que nas modalidades ―conduzir‖, ―transportar‖ e ―ocultar‖ faz-se

necessário o deslocamento da coisa, mas nas demais (―adquirir‖ e ―receber‖)

não há motivo para impor este requisito à consumação do delito.

- Dolo do agente: exige-se que o agente saiba (dolo direto) que a coisa

é proveniente de crime e que a utilize em proveito próprio ou alheio.

(*) A má-fé (conhecimento da procedência criminosa da coisa) do adquirente

ou recebedor deve ser aferida no momento em que a coisa é adquirida ou

recebida. No entanto, caso o agente venha saber que a coisa é proveniente

de crime somente após a aquisição (recebimento) e mesmo assim continuar

com ela estará cometendo o delito de receptação própria, na modalidade

―ocultar‖. Nesta situação, podem surgir as seguintes hipóteses: (1) o agente

dispõe da coisa antes de saber que ela é proveniente de crime: não comete

nenhum crime; (2) o agente dispõe da coisa após conhecer que ela é

proveniente de crime: comete, em tese, o crime de estelionato, na

modalidade disposição de coisa alheia como própria (art. 171, §2º, I, CP); (3) o

agente oculta a coisa após saber que a coisa é proveniente de crime:

comete o crime de receptação por ocultar coisa que sabe ser proveniente de

delito.

- Consumação: com a tradição da res.

- Tentativa: possibilidade.

c) Receptação Imprópria.

- Condutas: influir que 3º de boa-fé adquira, receba ou oculte a coisa.

- Objeto do delito: coisa (móvel ou imóvel) proveniente de crime (exclui a

contravenção)

- Dolo do agente: exige-se que o agente saiba (dolo direto) que a coisa

é proveniente de crime e que o 3º adquirente, receptor ou ocultador esteja de

boa-fé.

(*) Se estiver de má-fé (sabendo que a coisa é proveniente de delito), o 3º

deve responder pelo crime de receptação própria (como autor), enquanto

que o agente influenciador responderá pela receptação própria a título de

participação (induzir, instigar ou prestar auxílio).

(*) O fato de o agente influir 3º de boa-fé a ―transportar‖ ou ―conduzir‖ coisa

que sabe ser produto de crime não configura o delito de receptação

imprópria, eis que tais condutas não foram incluídas no tipo penal.

- Consumação: com a o ato de influir, não sendo necessário que o

terceiro de boa-fé adquira, receba ou oculte a coisa.

- Tentativa: inadmissibilidade.

d) Delito Anterior: exige-se prova do delito anterior (boletim de ocorrência, por

exemplo), sem que seja necessária a condenação por esse delito. Nesse

sentido, dispõe o §4º do art. 180 do CP.

e) Receptação ―Qualificada‖ – na verdade, trata-se de um tipo autônomo,

pois amplia as condutas descritas no caput, incluindo os núcleos ―ter em

depósito‖, ―desmontar‖, ―montar‖, ―remontar‖, ―vender‖, ―expor à venda‖.

- Tipo penal.

- Crime próprio: trata-se de um crime próprio que só pode ser cometido

por comerciante (no exercício de sua profissão) ou equiparado na forma do

§2º do art. 180 do CP.

- Elemento subjetivo do tipo. Na receptação própria e na imprópria,

definidas no caput do art. 180, o agente sabe que a coisa é produto de crime.

Na receptação qualificada (§1º), o agente adquire (recebe, etc.) a coisa que

deve saber ser produto de crime. Parte da doutrina (Hungria) entende que o

termo sabe indica certeza, constituindo o dolo direto do agente. Já o termo

deve saber significa incerteza, referindo-se ao dolo eventual. Na verdade, os

termos sabe e deve saber são elementos do tipo penal, indicando o primeiro a

certeza do agente, enquanto o segundo a incerteza.

Damásio entende que o comerciante que sabe ser a coisa proveniente de

delito deve responder pelo tipo penal do caput, vez que o §1º (receptação

qualificada) só previu a conduta daquele que deve saber. Nesse mesmo

sentido, afirma o mestre que, caso o comerciante (ou equiparado), no

exercício de sua função, venha a adquirir (receber, etc.) coisa que deve saber

ser proveniente de crime, deverá responder pelo tipo do §1º, utilizando-se, no

entanto, a pena do caput, em obediência ao princípio da individualização da

pena.

Porém, a posição que tem prevalecido nos tribunais é a de que o §1º, ao

dispor a conduta daquele que deve saber (dolo eventual), também previu a

do agente que sabe (dolo direto). Neste caso, apenas se faz uma

interpretação declarativa e não extensiva.

f) Receptação Culposa (§3º)

- Indícios – a culpa está expressa no termo devia presumir-se, manifestando-se

quando: a natureza da coisa (ex: relógio rolex marcado com nome de 3ª

pessoa); a desproporção entre o valor e o preço da coisa (o preço deve ser

vil); a condição de quem oferece a coisa evidenciarem ser produto de

crime.

- Tipo fechado: em regra o tipo culposo é aberto, ou seja, o legislador não

descreve a conduta que o configura (ex: homicídio culposo: ―se o homicídio é

culposo‖). Porém, no caso de receptação culposa, o tipo é fechado, pois o

Código Penal enumera as condutas do receptador culposo. Assim, a culpa se

manifesta quando o agente, tendo em vista a natureza, a desproporção

entre o valor e o preço da coisa ou a qualidade de quem a oferece, devia

presumir ser ela proveniente de um crime. Se o agente sabe ou deve saber

que a coisa é proveniente de delito, o crime é de receptação dolosa.

g) Receptação Privilegiada (§5º).

- Receptação culposa: o juiz deve aplicar o perdão judicial se as

circunstâncias forem favoráveis ao agente.

- Receptação dolosa: se a coisa é de pequeno valor (no máximo, 1 salário

mínimo) e o agente é primário (não reincidente, ainda que de maus

antecedentes), o juiz deve: substituir a pena de reclusão por detenção;

diminuí-la de um a dois terços; ou aplicar somente a pena de multa.

h) Causa de Aumento de Pena (§6º).

10. Disposições Gerais dos Crimes contra o Patrimônio – Arts. 181 A 183.

a) Imunidade Penal Absoluta (Art. 181). Trata-se de escusa penal absolutória,

por meio da qual o Estado, mesmo diante de um fato típico, antijurídico e

culpável, deixa de aplicar a pena, por razões de política criminal. Estas

escusas absolutórias possuem a mesma natureza jurídica das causas de

extinção da punibilidade, tendo o condão de impedir a instauração de

inquérito policial ou mesmo a propositura de ação penal.

- Casos: crimes contra o patrimônio cometidos contra: (1) cônjuge, na

constância da sociedade conjugal: ainda que exista separação de fato (e

não a judicial ou a medida cautelar de separação de corpos) subsiste a

imunidade absoluta. De igual modo, esta escusa penal absolutória é conferida

ao companheiro (a), na constância da união estável. (2) ascendente ou

descendente.

- Inaplicabilidade da imunidade absoluta: quando o crime contra o patrimônio

for de roubo ou extorsão (inclusive a indireta, de acordo com o entendimento

dominante), ou cometido com violência ou grave ameaça a pessoa. Além

disso, a imunidade não se estende a terceiro que tenha praticado o delito em

concurso com o beneficiado, ou quando a vítima for maior de 60 anos. É o

que determina o art. 183 do CP.

b) Imunidade Penal Relativa (Art. 182).

- Conseqüência: o delito passa a ser sujeito à ação penal pública

condicionada à representação.

- Casos: crimes contra o patrimônio cometidos contra: (1) cônjuge separado

judicialmente (desquitado); (2) irmão; (3) tio ou sobrinho, com que o agente

coabita.

- Inaplicabilidade da imunidade relativa: idem à imunidade absoluta.

V- Dos Crimes contra a Administração Pública

No Título XI da Parte Especial, o CP dispõe acerca dos crimes

contra a administração pública. Referido título é, atualmente, depois das

alterações promovidas pelas Leis n° 10.028/2000 e 10.467/2002, composto por

cinco capítulos, quais sejam.

Capítulo I – Dos crimes praticados por funcionários públicos

contra a administração em geral (artigos 312 a 327);

Capítulo II – Dos crimes praticados por particular contra a

administração em geral (artigos 328 a 337-A);

Capítulo II-A (acrescentado pela Lei n° 10.467/2002) – Dos

crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira

(artigos 337-B a 337-D);

Capítulo III – Dos crimes contra a administração da justiça

(artigos 338 a 359); e

Capítulo IV (acrescentado pela Lei n° 10.028/2000) – Dos

crimes contra as finanças públicas.

O termo administração pública é utilizado pelo CP no sentido

de proteção ao interesse da normalidade funcional, probidade, prestígio,

incolumidade e decoro (Hungria). Atinge, desse modo, não só as atividades

do Poder Executivo, como também a dos demais poderes constituídos.

Os crimes podem ser cometidos por funcionários públicos e por

particulares.

O conceito de funcionário público é aquele conferido pelo art.

327 do CP. Trata-se de definição bem mais ampla do que a apresentada pelo

Direito Administrativo, que emprega, atualmente, a denominação ―servidor

público‖. Isso porque, para fins penais, é o bastante o exercício de uma

função de natureza e interesse público.

Com efeito, estende-se a qualidade a todas as pessoas que

exerçam qualquer atividade com fins próprios do Estado, ainda que estranhas

à administração pública, com ou sem remuneração (Mirabete). Na lição de

Hungria, ―não é propriamente a qualidade de funcionário público que

caracteriza o crime funcional, mas o fato de que é praticado por quem se

acha no exercício de função pública, seja esta permanente ou temporária,

remunerada ou gratuita, exercida profissionalmente ou não, efetiva ou

interinamente, ou per accidens (ex.: o jurado, a cujo respeito achou de ser

expresso o art. 438 do Código de Processo Penal; o depositário nomeado pelo

juiz, etc.)‖.

Cumpre transcrever o referido dispositivo:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem,

embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou

função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou

função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora

de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da

Administração Pública.

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes

previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de

função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta,

sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo

poder público.

O caput alcança inclusive os que exercem cargo, emprego ou

função de caráter transitório ou sem remuneração (jurado, depositário judicial,

etc). Refere-se aos agentes que desempenhem cargo, emprego ou função na

administração direta (ministérios, secretarias, etc) e indireta (autarquias,

fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas),

pois, para fins criminais, não há a divisão da administração pública nestes

ramos.

Originariamente, a primeira parte do §1° (funcionário público

por equiparação) constava no parágrafo único do art. 327, sendo

posteriormente renumerado pela Lei n° 6.799/1980 que inseriu ainda o atual

§2°, que contém uma causa de aumento de pena. A Lei n° 9.983/2000, por sua

vez, alterou a redação do §1° para incluir a atual segunda parte do

dispositivo.

A despeito da clareza da redação, há grande divergência na

doutrina em relação à norma do art. 327 do CP. Há quem entenda que os

empregados das entidades paraestatais não são considerados como

funcionários públicos para efeitos penais, tendo em vista o fato de tais entes

não desempenharem funções próprias do Estado. O entendimento, porém, só

subsiste de lege ferenda.

Outros aduzem que, em relação aos entes previstos no §2°,

somente os dirigentes (ocupantes de cargos em comissão ou de função de

direção ou assessoramento) são considerados funcionários públicos para os

efeitos penais. Tal posição, com a devida vênia, contrasta com a orientação

ampliativa da expressão funcionário público, utilizada pelo Direito Penal.

De fato, a norma não deixa dúvidas: são funcionários públicos,

para efeitos penais, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade da

administração direta ou indireta, bem como em entes paraestatais, mesmo

que transitoriamente ou sem remuneração. Se o delito for cometido por

ocupante de cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento

de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa

pública ou fundação instituída pelo poder público, sobre a pena incidirá o

aumento de um terço. Porém ante a ausência de previsão legal, os dirigentes

de autarquias não sofrerão a incidência da majorante do §2°.

Além disso, por força da parte final do §1°, também é

funcionário público quem trabalha para empresa prestadora de serviço

contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da

Administração Pública, como serviço de iluminação, saúde, transporte,

segurança pública, energia elétrica, etc. Como afirma Damásio, a norma não

alcança a contratos e convênios firmados sem a finalidade de exercício de

atividades típica da a Administração, o que exclui os funcionários de empresas

contratadas para a execução de obras ou serviços de interesse da própria

Administração Pública, como a construção, reforma ou mesmo limpeza de um

edifício público.

Não são funcionários públicos para efeitos penais as pessoas

que exercem um munus público, em casos nos quais prevalece um interesse

privado, e que não se confundem com função pública. São as hipóteses do

tutor, curador, inventariante e depositário judicial, síndico e liquidatário, entre

outras.

Divergem-se, ainda, doutrina e jurisprudência acerca da

seguinte questão: o conceito do art. 327 só se aplica aos crimes previstos no

Capítulo I ou também aos delitos previstos no Capítulo II? Ou seja, somente se

adota o conceito do art. 327 quando o ―funcionário público‖ for sujeito ativo

do delito, ou também se ele for vítima da ação delituosa? Assim, por exemplo,

questiona-se se o desacato cometido contra funcionário público por

equiparação constitui o delito do art. 331 do CP?

Há ponderável corrente doutrinária (Hungria, Noronha, Capez,

Moura Teles) e jurisprudencial (JSTJ 8/244; RT 483/312; 378/181; 409/70; 606/449)

no sentido de que a equiparação ocorre apenas com relação ao sujeito ativo

do crime, fundamentando-se na disposição topográfica do art. 327, inserido

no Capítulo I, que trata dos crimes cometidos por funcionário público contra a

administração.

Acredita-se, no entanto, que a razão está com Fragoso e

Mirabete, para o qual ―referindo-se a lei genericamente a ‗efeitos penais‘, não

há porque se excluir do conceito de sujeito passivo do crime aqueles que a lei

equipara ao funcionário público como agente do delito (RT 655/324), máxime

quando se admite como vítima de crimes praticados contra funcionários

públicos, aqueles que não o são no sentido estrito‖. Este é, inclusive, o

entendimento do STF (RT 788/526; 606/449; HC 79.823-RJ, Informativo n° 183).

Cumpre registrar, ademais, que é pacífica a orientação de

que o conceito do art. 327 do CP é aplicado a outros tipos previsto na

legislação penal brasileira. A divergência, portanto, restringe-se aos crimes do

Capítulo II.

Doutrinariamente, denomina-se crime funcional o que

somente pode ser cometido por funcionário público, tratando-se de delito

próprio. São, por exemplo, os definidos no Capítulo I. Os crimes funcionais

dividem-se em próprios e impróprios. No primeiro caso, retirado o elemento

funcionário público, o fato deixa de ser típico, configurando a hipótese de

atipicidade absoluta, como ocorre nos casos de prevaricação e

condescendência criminosa. Na hipótese de crime funcional impróprio,

ausente a elementar funcionário público, ocorre uma tipicidade relativa, pois

o agente responde por outro delito. É o caso do peculato, no qual a exclusão

da ementar funcionário público não retira a possibilidade de existir outro crime,

como apropriação indébita ou furto, conforme o caso.

Cumpre destacar que, mesmo nos crimes funcionais, não se

pode deixar de se reconhecer a possibilidade de o particular responder pelo

delito em caso de concurso de agentes. É que, tratando-se de elementar (e

não circunstância), a qualidade de funcionário público comunica-se ao outro

agente, à luz do art. 30 do CP, desde que tenha ingressado na esfera de seu

conhecimento. Neste sentido: RT 683/333; 513/391-2; 712/465; RTJ 71/354.

Neste curso, somente serão analisados os principais delitos

contra a administração pública, previstos nos Capítulos I e II.

1. Peculato (Art. 312)

a) Tipo Penal Fundamental

Art.312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

[...]

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

O crime de peculato possui diversas figuras típicas. Cuida o

caput do peculato próprio, contendo o peculato-apropriação (1ª parte) e o

peculato-desvio (2ª parte); no §1°, há o peculato impróprio, chamado de

peculato-furto; no §2°, o peculato culposo; e no §3°, uma norma permissiva,

que extingue a punibilidade ou diminui a pena.

Doutrinariamente, reconhece-se, ainda, a figura do peculato-

malversação, quando o bem apropriado ou furtado pelo funcionário público

pertencer a terceiro particular, encontrando-se, porém, na posse lícita da

Administração. Observa-se que o próprio caput prevê a possibilidade de

apropriação de bem particular.

O tipo penal do peculato próprio é formado pelos núcleos

―apropriar-se‖ ―desviar‖ e pelos elementos ―funcionário público‖, ―dinheiro,

valor ou qualquer outro bem móvel‖, ―público ou particular‖, ―de que tem a

posse em razão do cargo‖, ―em proveito próprio ou alheio‖.

Na modalidade ―apropriar-se‖, há o chamado peculato-

apropriação; na ―desviar‖, o peculato-desvio. No primeiro caso, assim como

ocorre no crime de apropriação indébita, atua o agente com o chamado

animus rem sibi hadendi, que consiste na vontade do agente de se tornar

dono da coisa, o chamado ânimo de assenhoreamento definitivo. No

peculato-desvio, o sujeito visa a obter proveito próprio ou alheio.

Apropriar-se significa fazer a coisa como sua, passando a agir

como se fosse seu proprietário, quando somente tem a sua posse ou

detenção. É imprescindível que o agente tenha a posse do bem em razão do

cargo (rationi oficii).

Desviar é alterar o destino ou aplicação, dando a coisa

destinação diversa, em proveito próprio ou alheio. Deste modo, quando o

desvio se verifica em favor da própria administração, mas com utilização

diversa da prevista em lei, ocorre o crime de emprego irregular de verbas

públicas (art. 315) e não peculato (RT 520/347; 490/293).

Sujeito ativo do crime é o funcionário público (art. 327), nada

impedindo, conforme já ressaltado, na hipótese de concurso de agentes, a

responsabilização criminal de terceiro que não se revista desta qualidade.

Exige-se que o particular conheça não só a condição de funcionário público,

como também que o bem apropriado se encontra na posse deste em razão

do seu cargo.

Na hipótese de funcionário usurpador, indivíduo que não é

funcionário público, mas executa ilegalmente atos próprios da função pública,

não haverá o crime de peculato, mas dois delitos, usurpação de função

pública e apropriação indébita em concurso material (Hungria, Noronha). Não

impede, porém, a configuração do peculato o fato de o agente, legalmente

nomeado, ter deixado de tomar posse ou prestar compromisso. Reconhece-

se, inclusive, que o agente nomeado irregularmente ou ilegalmente, até que

se anule sua nomeação, pode cometer o crime de peculato (Noronha,

Mirabete, Capez).

Sujeito passivo do delito é o Estado, como também o

particular, na hipótese de peculato-malversação.

O autor apropria-se ou desvia de dinheiro, valor ou qualquer

outro bem móvel. Dinheiro é moeda corrente; valor é título, documento que

represente uma importância pecuniária. Exige o CP que ao bem seja móvel.

Assim, havendo disposição de coisa imóvel pelo funcionário público,

configurado estará o crime de estelionato, na modalidade de disposição de

coisa alheia como própria (art. 171, §2º, I, CP), podendo, conforme o caso,

incidir a majorante do §3° do art. 171.

A utilização se serviços de um funcionário público em proveito

próprio ou alheio não configura peculato, pois a apropriação deve recair

sobre bens e não pessoas (JTJ 201/324; RT 506/326). Igualmente, a mera

utilização de veículos ou equipamentos pertencentes à Administração Pública,

eis que inexiste a figura de peculato de uso (RT 749/669-70; 796/716; 541/342).

Diversa, porém, deve ser a solução no caso de crime de responsabilidade de

prefeito, pois o Decreto-Lei n° 201/67, art. 1°, II, tipifica o peculato uso (RJTJESP

60/373).

Tem-se admitido a adoção do princípio da insignificância,

com forças para excluir a própria tipicidade do fato, na hipótese de bens e

valores insignificantes e inservíveis, sem qualquer proveito próprio ou alheio (RT

736/705).

Mas a aplicação do princípio da insignificância em crimes

contra a administração pública é discutível, especialmente na jurisprudência

dos Tribunais Superiores.

c) Peculato Impróprio (§1°)

Art.312 -

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

[...]

Prevê o §1° uma hipótese de peculato impróprio, chamado de

peculato-furto. Há dois núcleos do tipo: ―subtrair‖ e ―concorrer‖. No primeiro

caso, o verbo é o mesmo do crime de furto, qual seja ―subtrair‖. Na segunda

hipótese, o agente concorre para que terceiro realiza a subtração, o qual,

ainda que não funcionário público, responderá também pelo peculato, desde

que conheça a qualidade de seu comparsa.

Trata-se de situação inusitada, pois o terceiro, a despeito de

realizar a subtração, responderá como partícipe do crime de peculato, já que

a conduta principal, ―concorrer‖, pertence ao funcionário público.

No peculato-furto, o funcionário público não tem a posse do

bem em razão do cargo, o que só ocorre no peculato próprio (caput). No

entanto, é necessário que à subtração o agente tenha se valido da facilidade

que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Ausente a elementar da

facilitação, restará configurado o crime de furto.

d) Peculato Culposo (§2°)

Art.312 -

§ 2º Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

[...]

Neste caso, o agente, com sua conduta culposa, cria uma

oportunidade para a prática de um crime doloso, funcional ou não, por parte

de outrem.

Imprescindível que exista relação entre o ato culposo do

funcionário e o crime praticado por outrem, evidenciando-se que este só

ocorreu devido à culpa do agente. Ou seja, o autor do delito doloso deve ter

se aproveitado pelas facilidades proporcionadas pela conduta culposa do

agente.

Não se trata, como é pacífico, na doutrina, de hipótese de

concurso de agentes, pois não há participação culposa em crime doloso. Na

existência de vínculo subjetivo, ambos os sujeitos responderão por peculato

doloso, próprio e impróprio, não havendo no que se falar em peculato

culposo.

e) Momento da Consumação do Delito

A consumação variará de acordo com a espécie de peculato.

Com efeito, no peculato-apropriação, consuma-se o delito

quando o agente se apropria do dinheiro, valor ou bem móvel e desvia em

proveito próprio ou alheio, ou seja, no momento em que o sujeito passa a

dispor do objeto material como se fosse seu. Trata-se de delito material.

Observam, porém, doutrina e jurisprudência que, não se

tratando de delito contra o patrimônio, o dano inerente ao peculato é aquele

inerente à violação do dever de fidelidade para a administração, associado

ou não ao patrimonial. Assim, a restituição do objeto ou a sua apreensão

posterior não descaracteriza o delito. Ademais, pouco importa que o sujeito

aufira vantagem do crime.

Por sua vez, na modalidade peculato-desvio, o crime estará

consumado no instante em que o funcionário público der à coisa destinação

diversa da prevista em lei, sendo irrelevante a obtenção do proveito próprio

ou alheio.

No peculato-furto, a consumação ocorrerá com a subtração do

bem pelo funcionário público ou por terceiro, nos mesmos moldes do que

ocorre no crime de furto, sendo desnecessária, portanto, a posse tranqüila da

res, bastando a sua inversão (teoria da amotio). Não haverá o delito

consumado, mas tentativa, quando o funcionário público, concorrendo para

que terceiro realize a subtração do bem, esta não ocorrer, por circunstância

alheia à vontade dos agentes.

O peculato culposo estará consumado quando houver a

apropriação, desvio ou subtração do bem por terceiro, motivado por sua

negligência, imprudência ou imperícia.

e) Tentativa

A tentativa é admissível em todas as espécies dolosas de

peculato, quando o agente, iniciada a execução do delito, não conseguir o

resultado (apropriação, desvio ou subtração) por circunstâncias alheias à sua

vontade.

Será incabível na hipótese de peculato culposo. Assim, não se

consumando o crime anterior (peculato-apropriação/desvio/furto) por parte

do terceiro, inexistirá o peculato culposo. Neste caso, a despeito de não se

poder responsabilizar penalmente o agente pelo peculato culposo, o terceiro

será responsabilizado por tentativa de peculato doloso, próprio ou impróprio.

f) A Reparação do Dano no Peculato (§3°)

Art. 312. [...]

§ 3º No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Prevê o CP que, no caso de peculato culposo, o agente terá a

punibilidade extinta se a reparação do dano ocorrer até o trânsito em julgado

da sentença condenatória. Sendo posterior, a reparação reduz a pena pela

metade.

Mas a reparação do dano também incide no peculato doloso.

Com efeito, se realizada antes do recebimento da denúncia, configura

arrependimento posterior (art. 16 do CP), reduzindo obrigatoriamente a pena

de um a dois terços. Levada a efeito após o recebimento da denúncia e

efetivada antes da sentença faz incidir a atenuante genérica do art. 65, II, b,

do CP; na instância recursal, a reparação do dano poderá fazer exsurgir a

atenuante inominada do art. 66 do CP.

Além disso, atualmente, após a inserção do §4° ao art. 33 do

CP, pela Lei n° 10.763/2003, a reparação do dano constitui, para o condenado

por crime contra a administração pública e cometidos depois da alteração

legislativa, requisito para a progressão de regime.

2. Concussão e Excesso de Exação (Art. 316)

a) Tipo Penal Fundamental

Art.316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

[...]

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

Dispõe o CP, no art. 316, sobre os crimes de concussão (caput)

e excesso de exação (§§1° e 2°).

O termo concussão deriva do latim concutare que, de acordo

com Carrara (citado por Noronha), significa sacudir uma árvore, para fazer os

seus frutos caírem.

O tipo do caput é formado pelo núcleo ―exigir‖ e pelos

elementos ―para si ou para outrem‖, ―direta ou indiretamente‖, ―ainda que

fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela‖, ―vantagem

indevida‖.

Exigir significa ordenar, reivindicar, impor como obrigação. Vale-

se o agente de sua qualidade (funcionário público), incutindo na vítima um

temor de represálias, imediatas ou futuras, relacionadas à função por ele

exercida.

Se a exigência for acompanhada de grave ameaça ou

violência, a conduta caracterizará o crime de extorsão (art. 158) e não

concussão. Assim, se o funcionário público, mediante violência ou grave

ameaça, constranger a vítima com o objetivo de obter indevida vantagem,

praticará o delito de extorsão.

A concussão, igualmente, não se confunde com o crime de

corrupção passiva. Com efeito, na concussão, o agente exige; na corrupção,

solicita. ―Exigir implica obrigar a alguma coisa, sob certa pena. Solicitar é

simples pedido. Enquanto no primeiro caso a vítima é levada pelo medo a

atender à exigência, no segundo satisfaz o pedido livremente, recebendo ou

não, em contrapartida, alguma vantagem‖ (RT 564/327).

São exemplos de condutas que configuram o delito de

concussão: aliviar sanções impostas em decorrência de infração de posturas

municipais (RT 534/343); promessa de libertar preso (RT 512/345, 597/365);

promessa de dar andamento a procedimento administrativo (RT 783/775),

inclusive para deferir aposentadoria (RT 796/745).

Cuidando-se de exigência de vantagem feita pelo funcionário

do Fisco com o fim de deixar de cobrar ou lançar o tributo ou cobrá-lo

parcialmente, o agente deve responder por crime funcional contra a ordem

tributária, previsto no art. 3º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, em face do princípio

da especialidade.

O CP prevê a exigência direta, chamada de explícita, e a

indireta, conhecida como implícita. No primeiro caso, a concussão é realizada

abertamente pelo agente, por meio de represálias; no segundo, o sujeito

encobre a exigência da vantagem indevida, ao empregar malícia, ou deixa

entender à vítima que a vantagem é devida.

Reconhece-se, inclusive, que a vantagem pode ser exigida por

terceiro intermediário que atue em concurso com o funcionário público.

Diversa é a hipótese, porém, quando o agente simula ser funcionário público,

como no caso daquele que se faz passar por policial e exige dinheiro para

não prender a vítima. Afirma Victor Rios Gonçalves que, na espécie, haveria o

crime de extorsão. De fato, não há de se falar em concussão.

Porém, só será correto falar em extorsão quando a simulação

vier acompanhada de violência ou grave ameaça (o que ocorreu naquela

situação), meios configuradores da extorsão. Caso contrário, havendo apenas

a simulação e não o emprego da vis o delito será o de estelionato (art. 171).

O fim buscado pelo agente é auferir vantagem indevida. Assim,

se for devida a vantagem, não haverá o delito de concussão, podendo haver

outro delito, como, por exemplo, excesso de exação.

Diverge-se a doutrina acerca da natureza desta vantagem.

Prevalece o entendimento de que a vantagem deve ser necessariamente

econômica. Neste sentido, posicionam-se Hungria, Noronha, Damásio,

Bitencourt e Delmanto.

A posição minoritária (Mirabete, Bento de Faria, Capez), a nosso

ver com razão, entende que a vantagem pode ter qualquer natureza, que

não necessariamente patrimonial, pois o delito tutela primordialmente a

Administração Pública e não o patrimônio, visando ao regular funcionamento

de suas atividades e a moralidade administrativa.

É imprescindível que o agente se valha de sua função, que

exerce ou vai exercer, sendo irrelevante, no entanto, que dela esteja

afastado, por férias ou qualquer licença. Conforme previsto no tipo, a

vantagem é buscada em razão da função.

c) Consumação

O crime consuma-se com a exigência da vantagem indevida,

pouco importando que venha a recebê-la, o que constitui mero exaurimento

da conduta, conforme pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial.

Trata-se, deste modo, de delito formal.

Questão interessante refere-se aos em que a vítima avisa a

polícia da concussão, sendo orientado a marcar dia, local e hora para

entregar a vantagem indevida, sendo o agente preso em flagrante no

momento do recebimento.

Discute-se, inicialmente, se houve o delito ou se trata de crime

impossível, incidindo, na espécie, a Súmula 145 do STF.

De fato, não há que falar em crime impossível, pois o delito,

conforme visto, se consumou com a exigência, o que, no caso, ocorreu antes

mesmo da comunicação à polícia. É a posição francamente majoritária da

jurisprudência (RT 780/540, JSTF 260/372).

Outro tema de relevo diz respeito à legalidade do flagrante. A

jurisprudência dominante inclina-se pela ilegalidade do flagrante, sob o

argumento de que o ―crime de concussão é eminentemente formal e

consuma-se com o simples fato da exigência da indébita vantagem. Assim

sendo, se a prisão dos pacientes se verificou dias depois, não há falar em

flagrância‖ (RT 487/271). No mesmo sentido: RT 780/540, JSTF 260/372.

Acredita-se, no entanto, que o flagrante em casos tais é legal.

Ainda que já consumado, os efeitos do delito se estenderam da exigência até

o recebimento, o que autorizou a prisão. Além disso, não há de se reconhecer

a figura do flagrante preparado, mas sim esperado, pois não houve qualquer

intervenção policial na fase da exigência. Por fim, há de se cogitar que, a

partir do momento em que o agente comparece ao local marcado, nova

exigência está sendo feita pelo agente, autorizando o flagrante. Neste

sentido: RT 691/314.

d) Tentativa

A exigência pode ser feita verbalmente ou por meio de escrito.

No primeiro caso, a tentativa é inadmissível, pois se trata de crime

unissubsistente.

Na segunda situação, a tentativa é, em tese, possível, pois o iter

criminis pode ser fracionado, cuidando-se de delito plurissubsistente.

e) Excesso de Exação (§1°)

Art. 316. [...]

§ 1º Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 2º Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

No §1° do art. 316, prevê o CP uma forma especial de

concussão chamada de excesso de exação. A pena, nessa figura, mantém o

mesmo quantum máximo de 8 (oito) anos do tipo do caput, o que não ocorre

com a sanção mínima a qual é aumentada de 2 (dois) para 3 (três) anos

(redação dada pela Lei n° 8.137/1990).

Por sua vez, o §2° dispõe sobre um tipo especial de excesso de

exação quando o tributo recolhido é desviado em proveito próprio ou alheio,

não sendo recolhido aos cofres públicos. A sanção penal, neste caso, é

elevada para o máximo de 12 (doze) anos. No entanto, por descuido do

legislador (a Lei n° 8.137/1990 somente alterou a pena da figura do §1°), a

pena mínima (2 anos) deste tipo penal, que é mais grave do que o anterior, é

menor do que a do §1° (3 anos). Neste contexto, Mirabete afirma, com razão,

que, por coerência lógica, o julgador, quando se tratar da forma qualificada,

não poderá impor pena inferior a 3 (três) anos de reclusão, mínimo fixado para

o crime simples.

Exação é a cobrança rigorosa de uma dívida ou imposto, ou a

exatidão, pontualidade, correção. Com efeito, o CP não pune a exação, mais

o seu excesso, o qual se configura de duas formas.

Na primeira, o funcionário exige tributo que sabe ou deve saber

indevido. Para Mirabete, o termo ―sabe‖ indica o dolo, direto e eventual, do

agente, enquanto ―deveria saber‖ representa a culpa do sujeito, que incide

na falta do dever de cuidado objetivo, cobrando um tributo indevido. No

entanto, o melhor entendimento é de Damásio (Capez), para quem a

expressão ―deveria saber‖ indica a incerteza, o dolo eventual: o sujeito ―não

tem plena certeza da natureza indevida da cobrança (dolo direto;

modalidade anterior), mas tem conhecimento de fatos e circunstâncias que

claramente a indicam‖.

Na segunda, o tributo é devido, mas o agente emprega na sua

cobrança meio vexatório ou gravoso que a lei não autoriza. Vexatório é o

meio que expõe o contribuinte à vergonha, à humilhação, ferindo a sua

dignidade. Gravoso é o que lhe impõe maiores despesas. Trata-se, por óbvio,

de meios não autorizados pela lei para a cobrança do tributo.

Imprescindível, porém, nos dois casos, que o tributo recolhido se

reverta para os cofres públicos. Caso contrário, desviando o valor em proveito

próprio ou de terceiro, o agente responderá pela figura do §2°.

O CP refere-se, por cautela, a exigência de tributo ou

contribuição social. É que, no Direito Tributário há divergência, que atualmente

venha sendo dissipada, acerca das espécies de tributo previstas no

ordenamento jurídico pátrio. Alguns entendem que tributos são apenas os

previstos nos incisos I, II e III do art. 145 da Constituição Federal, quais sejam

impostos, taxas e contribuições de melhoria. Para a maioria, porém, são

tributos além daqueles, as contribuições sociais e o empréstimo compulsório.

Sujeito ativo do crime é o funcionário público, ainda que não

seja encarregado da arrecadação. Neste sentido: Noronha, Capez. Em

sentido contrário, porém, manifesta-se a doutrina dominante para quem o

delito só pode ser cometido por funcionário público encarregado da

arrecadação. Nesse caso, não exercendo essa função, a conduta pode

caracterizar o crime de extorsão ou mesmo o previsto no §2º do art. 316.

Por sua vez, são vítimas do delito o Estado e, secundariamente,

o contribuinte.

Consuma-se o crime com a exigência indevida ou com o

emprego do meio vexatório na cobrança do tributo. Trata-se de crime formal,

no qual é irrelevante o pagamento do tributo.

No tipo qualificado do §2°, a consumação ocorre com o desvio

do valor recolhido, em proveito próprio ou alheio.

A tentativa é possível em todas as modalidades.

f) Aspectos Diferenciadores

Tarefa árdua dirigida ao intérprete é aquela consistente na

tipificação da conduta do agente. No caso dos crimes contra a

administração pública, a dificuldade aumenta, pois há grande semelhança

entre os delitos. Todavia, há de se ter, em primeiro lugar, uma visão geral,

acerca desses delitos, a fim de que o trabalho dessa tipificação seja menos

dificultado.

Com efeito, nas infrações em questão, o fator inicial

diferenciador encontra-se na finalidade específica do agente ao praticar a

conduta. Nesse contexto, podemos separar, de um lado, os delitos nos quais o

sujeito atua com a intenção de obter uma indevida vantagem, e, de outro,

aqueles em que não possui essa finalidade.

No primeiro grupo, encontram-se os crimes de peculato,

corrupção passiva, concussão e tráfico de influência. Assim, quando o agente

objetivar uma indevida vantagem sua conduta caracterizará um desses

delitos. No crime de peculato, o sujeito se apropria do bem que tem em seu

poder na qualidade de funcionário público (peculato próprio) ou subtrai ou

concorre para que a res seja subtraída, neste último caso, quando não tem a

posse, valendo-se, porém, da qualidade de funcionário público (peculato

impróprio).

A seu turno, nos delitos de corrupção passiva e de concussão, o

funcionário público possui atribuição para praticar o ato, infringindo, desse

modo, o seu dever funcional. Ou seja, exige, solicita, recebe ou aceita

promessa de indevida vantagem, sob a condição de que irá infringir seu dever

funcional. A diferença entre esses dois delitos reside na ação do agente:

quando solicita (mero pedido sem imposição de qualquer condição), recebe

ou aceita a promessa de indevida vantagem incide no crime de corrupção

passiva; se exige (ordena, reivindica, impõe como obrigação) estará

praticando o delito de concussão.

Já no tráfico de influência, embora objetive uma indevida

vantagem, o agente não possui atribuição para a prática daquele ato, não

havendo infração de dever funcional. É por isso que essa infração criminal não

se encontra prevista no capítulo pertinente aos crimes praticados por

funcionário público, mas no dos delitos praticados por particular contra a

administração pública. Até mesmo um funcionário público poderá ser sujeito

ativo do crime de tráfico de influência, desde que não possua atribuição para a

prática do ato funcional motivador da indevida vantagem, sendo, nesta

hipótese, tratado como particular.

Por outro lado, não visando à obtenção de uma indevida

vantagem, a conduta do sujeito poderá configurar os crimes de corrupção

passiva privilegiada, prevaricação, condescendência criminosa ou advocacia

administrativa.

3. Corrupção Passiva (Art. 317)

a) Tipo Penal Fundamental

Art.317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (um) a 12 (oito) anos, e multa.

[...]

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

O tipo é formado pelos núcleos ―solicitar‖, ―receber‖ e ―aceitar‘

e pelos elementos ―para si ou para outrem‖, ―direta ou indiretamente‖, ―ainda

que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela‖, ―vantagem

indevida‖.

A pena máxima do delito foi aumentada de 8 (oito) para 12

(doze) anos pela Lei n° 10.763/2003.

Como se observa, a norma do art. 317 é formada praticamente

pelos mesmos elementos do tipo de concussão. Difere-se, no entanto, a

concussão da corrupção passiva. Com efeito, na concussão, o agente exige;

na corrupção, solicita. ―Exigir implica obrigar a alguma coisa, sob certa pena.

Solicitar é simples pedido. Enquanto no primeiro caso a vítima é levada pelo

medo a atender à exigência, no segundo satisfaz o pedido livremente,

recebendo ou não, em contrapartida, alguma vantagem‖ (RT 564/327). Ou

seja, na corrupção a vítima cede por sua própria vontade, e não pelo temor a

represálias, o que ocorre na concussão.

Solicitar é pedir, buscar, manifestar o desejo de receber. A

solicitação pode ser direta ou indireta. Isto é, explícita ou implícita; feita pelo

próprio agente ou por intermediário, que, no caso, também responde pela

corrupção passiva como partícipe. Nesta modalidade, não se faz necessária a

prática de qualquer ato do terceiro (extraneus), pois o tipo se aperfeiçoa tão

só com a solicitação do funcionário público (intraneus). Por esta razão, a

doutrina afirma que a bilateralidade (existência de dois delitos) não é requisito

indispensável do crime de corrupção passiva.

Receber é tomar, obter, acolher, entrar na posse. Aceitar é

consentir, concordar, estar de acordo. Aqui, não há o recebimento da

vantagem por parte do intraneus. Nas duas modalidades, o oferecimento

anterior de vantagem indevida por parte do extraneus é pressuposto essencial

para a configuração do delito.

A conduta do terceiro, na espécie, é tipificada

autonomamente, optando o CP por excetuar a teoria unitária, para aplicar,

na espécie, a teoria dualista. Embora exista concurso de agentes, intraneus e

extraneus respondem cada qual por delito autônomo; o primeiro pela

corrupção passiva (art. 317); o segundo, pela corrupção ativa (art. 333).

Ressalte-se que o delito do intraneus permanecerá mesmo quando o

extraneus foi inimputável ou não for identificado.

Do mesmo modo que ocorre na concussão, é imprescindível

que o agente se valha de sua função, que exerce ou vai exercer, sendo

irrelevante, no entanto, que dela esteja afastado, por férias ou qualquer

licença. Conforme previsto no tipo, a vantagem é buscada em razão da

função. Mister, deste modo, que o ato a ser praticado, em face da indevida

vantagem, se insira na competência do intraneus.

Assim, não há corrupção passiva, mas tráfico de influência (art.

332), quando a vantagem visada não decorre da atribuição do intraneus (RT

505/296, 526/356, 538/324), a não ser que este atue em conjunto com o

funcionário com a competência para a prática do ato, sendo, então, o

intermediário (partícipe). Igualmente, se o agente retarda ou deixa de praticar

o ato, sem que tenha havido qualquer proposta do extraneus, mas agindo por

interesse ou sentimento pessoal, o delito será de prevaricação (art. 319).

O sujeito que se faz passar (simulação) de funcionário público

para solicitar ou receber indevida vantagem não comete o crime de

corrupção passiva, podendo, em tese, responder pelo delito de estelionato (RF

215/291). Se a solicitação tiver sido feito a pretexto de influir em ato praticado

por outro servidor, o delito será de tráfico de influência (art. 332).

Fala-se em corrupção própria quando o ato que o intraneus

pratica é ilegítimo, injusto ou ilícito. Neste último caso, responderá o funcionário

público pelo respectivo delito e pela corrupção passiva, em concurso, formal

ou material. Por sua vez, corrupção imprópria é aquela na qual o ato a ser

praticado é legítimo, lícito, justo. Em ambos os casos, há o crime de corrupção

passiva.

Quando a indevida vantagem é entregue ao intraneus antes

da prática do ato, há a figura conhecida, doutrinariamente, por corrupção

antecedente. Ocorrendo a entrega após este momento, existe a corrupção

subseqüente. Reconhece-se, assim, que o funcionário pode praticar o ato na

esperança ou convicção de obter a indevida vantagem. Nesta hipótese, não

é preciso um prévio acordo de vontades entre o intraneus e o extraneus.

A vantagem buscada pelo agente deve ser indevida. Sendo

devida, o fato será atípico. Do mesmo modo, conforme leciona Hungria,

gratificações usuais de pequena monta por serviço extraordinário (não se

tratando de ato contrário à lei) e pequenas doações ocasionais, como as

costumeiras ―boas festas‖ de natal ou ano novo, não podem ser consideradas

corrupção passiva.

Permanece neste delito, como menor intensidade, é verdade, a

questão acerca da natureza da vantagem. Diferentemente, porém, do que

ocorre no crime de concussão, a posição majoritária é no sentido de que a

vantagem pode ter qualquer natureza, que não necessariamente patrimonial,

pois o delito tutela primordialmente a Administração Pública e não o

patrimônio, visando ao regular funcionamento de suas atividades e a

moralidade administrativa. Neste sentido, posicionam-se Fragoso, Noronha,

Mirabete, Bento de Faria, Damásio e Bitencourt.

Hungria, por sua vez, entende que a vantagem deve ser

necessariamente econômica.

Por fim, é imprescindível que a vantagem indevida se destina ao

próprio agente ou a terceiro, pois se esta se reverte em benefício do próprio

serviço não há o crime em exame. Neste sentido, não se entendeu

caracterizado o crime na conduta do delegado de polícia que, embora

aceitara a oferta em dinheiro, a aplicou na aquisição de gasolina para

viatura, a fim de intensificar o policiamento da cidade (RT 527/407).

c) Consumação e Tentativa

A corrupção passiva consuma-se com o ato de solicitar,

receber ou aceitar. No primeiro caso, é irrelevante que o extraneus entregue a

vantagem indevida ao funcionário. No núcleo aceitar, da mesma forma, é

dispensável que o intraneus receba a vantagem.

Em ambos os casos, é prescindível que o ato funcional seja

praticado, omitido ou retardado pelo intraneus. Se isto ocorrer, há mero

exaurimento da conduta, o qual, entretanto, faz incidir a causa de aumento

prevista no §1°.

A tentativa é possível, nos mesmos moldes da concussão.

d) Causa de Aumento de Pena – Exaurimento da Conduta (§1°)

Art. 317. [...]

§ 1º A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

Como visto anteriormente, é irrelevante à configuração da

corrupção passiva que o ato funcional seja praticado, omitido ou retardado

pelo intraneus, o que constitui mero exaurimento da conduta.

No entanto, o exaurimento da conduta, na espécie, faz incidir a

causa de aumento em tela, majorando a pena em um terço.

e) Corrupção Passiva Privilegiada (§2°)

Art. 317. [...]

§ 2º Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Trata o §2° da chamada corrupção passiva privilegiada, a qual

é punida com pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um ) ano ou multa.

Nesta modalidade, o intraneus não pratica o ato ou deixa de

praticá-lo na intenção de receber indevida vantagem, mas por outro

sentimento. Apenas cede ao pedido do extraneus. E é a atuação deste que

diferencia a corrupção passiva privilegiada da prevaricação, pois, neste

último crime não há qualquer proposta do extraneus, agindo o funcionário por

interesse ou sentimento pessoal.

4. Facilitação de Contrabando ou Descaminho (Art. 318)

a) Tipo Penal

Art.318 - Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334):

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

O tipo é formado pelo núcleo ―facilitar‖, e pelos elementos

―com a infração de dever funcional‖, ―prática de contrabando ou

descaminho‖.

Mais uma vez o CP, do mesmo modo que fez na corrupção

passiva, excepciona a teoria unitária, tipificando autonomamente as condutas

do funcionário público, que facilita o contrabando ou o descaminho, e do

terceiro que realiza o próprio contrabando ou descaminho. Com efeito,

embora exista concurso de agentes, respondem cada qual por delito

autônomo; o funcionário pela facilitação (art. 318); o terceiro, pelo crime de

contrabando ou descaminho (art. 334).

Facilitar é tornar fácil, auxiliar, afastar os obstáculos que

impediriam a prática do contrabando ou descaminho. A facilitação pode

ocorrer por ação ou omissão. Conforme leciona Mirabete, tanto aquele que

indica ao contrabandista as vias mais seguras para a entrada ou saída da

mercadoria, como o que, dolosamente, não efetua regularmente as

diligências de fiscalização destinadas a evitar o contrabando ou o

descaminho, incide no delito em tela. É necessário, porém, o dolo do agente,

consubstanciado na vontade de facilitar o contrabando ou o descaminho,

bem como na consciência de estar violando o seu dever funcional (o tipo se

refere a ―infração do dever funcional‖). Ausente este último elemento, o

funcionário será partícipe do crime de contrabando ou descaminho (art. 334).

Não se pune, desse modo, a conduta culposa do funcionário

que deixa de tomar as cautelas necessárias hábeis a impedir o contrabando

ou descaminho. Por outro lado, não se exige que o agente facilite o

contrabando ou descaminho visando a receber vantagem.

Contrabando é a importação ou exportação fraudulenta de

mercadoria, cuja entrada ou saída seja absoluta ou relativamente proibida.

Por sua vez, descaminho é o ato fraudulento que se destina a evitar, total ou

parcialmente, o pagamento de direitos e impostos previstos pela entrada,

saída ou consumo de mercadorias.

Sujeito ativo do delito é o funcionário público que, por lei, tem o

dever funcional de reprimir o contrabando ou o descaminho. Assim, não

pratica o delito em questão o funcionário em cujas atribuições não se incluir a

repressão ao crime do art. 334 do CP (RT 771/711). Neste caso, todavia, e na

hipótese de, tendo a competência, não realizar a conduta no exercício de

sua função, responderá como partícipe do crime de contrabando ou

descaminho (art. 334), assim como ocorre com qualquer particular.

A facilitação pode ocorrer inclusive nas modalidades

equiparadas previstas no §1° do art. 334.

c) Consumação e Tentativa

Cuida-se de crime formal. Assim, consuma-se com a prática da

facilitação pelo agente, ainda que não se realize o contrabando ou o

descaminho. Conforme ressalta a doutrina, é possível a ocorrência do crime

de facilitação sem que esteja até mesmo iniciada a execução do

contrabando ou do descaminho.

A tentativa somente é cabível na conduta comissiva, não

havendo o conatus na hipótese de omissão.

5. Prevaricação (Art. 319)

a) Tipo Penal

Art.319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

―Prevaricação é a infidelidade ao dever de ofício, à função

exercida. É o não cumprimento das obrigações que lhe são inerentes, movido

o agente por interesse ou sentimento próprios‖ (Noronha).

O tipo é formado pelos núcleos ―retardar‖, ―deixar de praticar‖

e ―praticar‖, e pelos elementos ―indevidamente‖, ―ato de ofício‖, ―contra

disposição expressa de lei‖, ―para satisfazer interesse ou sentimento pessoal‖.

No primeiro caso, o funcionário público retarda ou deixa de

praticar indevidamente ato de ofício. Na segunda modalidade, pratica o ato

contra disposição expressa de lei.

Em ambos os casos, porém, o agente atua movido para

satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Com efeito, se o funcionário visava a

obter indevida vantagem o delito será de corrupção passiva. Além disso, é

imprescindível que o terceiro não apresente qualquer proposta ao funcionário

público, pois se esta existir o crime também será de corrupção passiva. Ou

seja, não pode existir pedido ou intervenção do extraneus.

Interesse pessoal, que, no crime de prevaricação, não pode ser

patrimonial, é a relação de reciprocidade entre um indivíduo e um objetivo

que corresponde a determinada necessidade daquele. Sentimento pessoal é

um estado afetivo ou emocional, decorrente de uma paixão ou emoção,

amor, ódio, vingança, simpatia, caridade, etc.

Retardar é atrasar, protelar, protair. Difere-se do núcleo ―deixar

de praticar‖. Neste, o agente não tem a intenção de praticar o ato; naquele,

a vontade do sujeito é apenas prolongar ou procrastinar a prática do ato,

deixando de executá-lo no prazo previsto ou em tempo útil para que produza

seus normais efeitos. Nas duas modalidades, o crime é cometido por omissão.

Trata-se de omissão indevida, ou seja, injusta, ilegal. Indevido é

o ato reprovável, contra o senso comum de moralidade. Todavia, não basta

que o ato seja indevido, sendo necessário que seja ―de ofício‖. Este é o que se

insere nas atribuições ou competência do agente. Deste modo, se o ato

refoge ao âmbito da competência funcional do funcionário não há de se falar

em prevaricação.

Por sua vez, no núcleo ―praticar‖ a conduta é comissiva, por

meio da qual o agente executa o ato de formal ilegal, contra disposição

expressa de lei. Imprescindível, deste modo, que exista uma norma jurídica em

sentido estrito (o que exclui, por conseqüência, portarias, regulamentos,

resoluções), não se punindo o agente quando o ato for praticado em

violação ao princípio da moralidade. O ato, da mesma forma do que ocorre

nas condutas omissivas, também se insere no âmbito da competência

funcional do agente (―ato de ofício‖).

Como elementares que são, o interesse ou o sentimento pessoal

devem restar descrito na denúncia do MP, conforme pacífico entendimento

jurisprudencial.

c) Consumação e Tentativa

Consuma-se com o retardamento, omissão ou prática do ato.

A tentativa é inadmissível nas condutas omissivas (―retardar‖ e

―deixar de praticar‖), sendo cabível no núcleo ―praticar‖.

6. Condescendência Criminosa (Art. 320)

a) Tipo Penal

Art.320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente:

Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

Todo funcionário público tem o dever legal de responsabilizar o

subordinado que tenha cometido infração administrativa, ou então, de levar o

fato ao conhecimento da autoridade competente para aplicar a punição.

Não fazendo isto, viola o funcionário ato de ofício. Esta violação

poderá ocorrer por interesse ou sentimento pessoal, quando restará

caracterizado o crime de prevaricação.

Mas o CP reconhece que a omissão no dever de punição do

funcionário público pode ter ocorrido por indulgência, que é um estado

anímico de tolerância, clemência, complacência, dó. E, nesta hipótese, pune

o agente com menos rigor do que no crime de prevaricação.

O tipo é formado pelos núcleos ―deixar‖ e ―não levar‖, e pelos

elementos ―funcionário‖, ―indulgência‖, ―responsabilizar subordinado que

cometeu infração no exercício do cargo‖, ―quando lhe falte competência‖,

―autoridade competente‖.

Neste contexto, a condescendência criminosa é uma espécie

de prevaricação privilegiada, na qual o agente deixar de agir movido por

indulgência. Ausente este motivo, o crime será de prevaricação.

Mas é necessário lembrar que o sujeito pode, inclusive, ser

responsabilizado pela corrupção passiva privilegiada se na espécie houver

intervenção ou pedido do funcionário faltoso, ou mesmo por corrupção

passiva, simples ou qualificada, quando, na situação anterior, o agente atuar

visando um interesse patrimonial.

O tipo estabelece duas condutas omissivas. Na primeira, o

agente deixa de responsabilizar o subordinado faltoso, quando era

competente para aplicar-lhe a punição. Na segunda, o sujeito, não possuindo

atribuição legal para aplicar a punição, deixa de comunicar o fato à

autoridade competente.

Exige-se, porém, que o sujeito ativo seja superior hierárquico do

agente, pois o próprio tipo se refere a ―subordinado‖. Pressupõe, ainda, que

este tenha praticado uma infração, que tanto poderá consistir um mero ilícito

administrativo como um crime funcional. Imprescindível, porém, que a

infração do subordinado se relacione ao exercício do cargo. Conforme

aponta a doutrina (Hungria, Noronha, Mirabete e Capez), ficam de fora do

âmbito do tipo penal os crimes não funcionais e as faltas disciplinares que

importam demissão de cargo, como a de procedimento irregular ou

incontinência pública e escandalosa, vícios de jogos proibidos e embriaguez,

as quais não se relacionam ao exercício do cargo.

c) Consumação e Tentativa

Consuma-se com a omissão, a qual se caracteriza quando o

agente, ciente da infração funcional de seu subordinado não lhe

responsabiliza ou deixa de comunicar o fato à autoridade competente.

A tentativa é inadmissível, pois trata-se de crime omissivo

próprio.

7. Tráfico de Influência (Art. 332)

a) Tipo Penal

Art.332 - Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.

Pena - Reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

O objeto na tutela penal é o interesse público em seu mais

amplo sentido, o qual é ferido pelo agente que expõe a honra e o prestígio da

Administração Pública à situação de mercadejamento, transformando o

funcionário em aparentemente corruptível (RJTJESP 16/471).

Com efeito, o sujeito vale-se de um suposto prestígio junto à

Administração Pública para buscar uma vantagem.

O tipo é formado pelos núcleos ―solicitar‖, ―exigir‖, ―cobrar‖ e

―obter‖, e pelos elementos ―para si ou para outrem‖, ―vantagem ou promessa

de vantagem‖, ―a pretexto de influir em ato praticado por funcionário no

exercício da função‖.

Solicitar é pedir, buscar, manifestar o desejo de receber. Exigir

significa ordenar, reivindicar, impor como obrigação. Cobrar é pedir

pagamento; e obter é receber ou adquirir.

Trata-se de uma espécie de estelionato, acrescido da ofensa

ao prestígio e a honra, ferindo a imagem da Administração Pública.

É imprescindível que o sujeito não goze realmente de influência

junto à Administração Pública. De fato, se o autor do crime realmente gozar

de influência e dela se utilizar, poderá haver outro crime, como, por exemplo,

corrupção ativa, que absorverá o delito em exame.

Exige-se, ainda, que o agente alardeie prestígio, atribuindo-se

influência sobre o funcionário, não sendo necessário a menção de seu nome,

mas somente da função, cargo ou emprego que ocupa. Assim, não se pode

cogitar do delito quando não se sabe junto a que funcionário pretextava influir

na obtenção de vantagem (JTACRIM 27/108).

Neste contexto, utiliza-se o autor do delito de fraude contra o

comprador da influência, que deve ser apta a influenciar a vítima, pois, caso

contrário, não haverá o delito pela absoluta ineficácia do meio, tratando-se

de hipótese de crime impossível.

Cumpre ressaltar que não há qualquer participação do

funcionário público na ação criminosa, o qual é apenas envolvido pela fraude

do agente. Nem é necessário que o agente afirme ao comprador da

influência que a vantagem se reverterá também ao funcionário. Havendo esta

insinuação, porém, o agente responderá pelo crime com a pena aumentada

da metade, na forma do parágrafo único do art. 332, uma vez que, na

espécie, o desprestígio para a Administração Pública é maior.

A vantagem buscada pelo agente pode ser de natureza

material, moral ou mesmo sexual, sendo irrelevante à configuração do delito

se o fim objetivado é lícito ou ilícito.

Sujeito ativo do delito é o particular, mas nada impede que o

funcionário público também seja autor do crime.

Por sua vez, sujeito passivo é o Estado. Reconhece-se que o

comprador também é vítima secundária do delito, mesmo que o fim por ele

buscado seja ilícito. Nesta hipótese, supõe ele estar praticando um crime de

corrupção ativa, que só existirá se realmente houver a influência efetiva sobre

o funcionário, Conforme ensina a doutrina, há, na espécie, crime putativo

quanto à participação na corrupção ativa.

Entende-se que o termo ―funcionário público‖ deve ser

interpretado nos mesmos moldes do art. 327 do CP, em que pese a

divergência já apontada acerca da aplicação ou não do conceito deste

artigo aos crimes previstos no Capítulo II do Título XI da Parte Especial. A

jurisprudência, porém, neste crime, não tem aceitado a ocorrência deste

delito quando se trata de pessoa equiparada a funcionário público (§1° do

art. 327). Neste sentido: RF 235/307; RT 409/70.

Quando se trata de juiz, jurado, órgão do Ministério Público,

funcionário da justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha, o crime passa

a ser o de exploração de prestígio (art. 357).

c) Consumação e Tentativa

Nas modalidades solicitar, exigir e cobrar, o crime consuma-se

com a prática de uma dessas ações, sendo irrelevante o recebimento da

vantagem. Trata-se de crime formal.

No núcleo obter, o crime se consuma no momento em que o

agente recebe a vantagem ou sua promessa. Cuida-se de crime material.

A tentativa é admissível em todas as modalidades.

8. Corrupção Ativa (Art. 333)

a) Tipo Penal

Art.333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

Pune o CP, neste delito, a conduta do extraneus, do particular,

ou do funcionário público que não haja nesta qualidade, que oferece ou

promete vantagem indevida a funcionário público.

Conforme já ressaltado, corrupto e corruptor, a despeito de

agirem em concurso são responsabilizados cada qual por um delito. O primeiro

responde pelo crime de corrupção ativa; o segundo, pela corrupção ativa.

Cuida-se de exceção à teoria unitária.

Oferecer é colocar à disposição, apresentar. Prometer é

obrigar-se, anunciar, fazer promessa.

As observações expendidas quando da análise do crime de

corrupção passiva, às quais se remetem o leitor, são inteiramente aplicáveis ao

presente delito.

Reconhece-se que a oferta ou promessa de vantagem não

precisa ser feita diretamente ao funcionário público, podendo haver a figura

de um intermediário (STJ – HC 2.467/RJ, DJU 25/04/94; RT 542/323).

A vantagem buscada pelo agente pode ter qualquer natureza,

que não necessariamente patrimonial, pois o delito tutela primordialmente a

Administração Pública e não o patrimônio, visando ao regular funcionamento

de suas atividades e a moralidade administrativa. Apenas se exige que ela

seja indevida. Esta é a não prevista em lei, a que o funcionário não tem direito.

O delito configura-se com a oferta ou promessa, sendo

prescindível que o funcionário público a aceite. Caso ocorra a aceitação,

haverá corrupção passiva por parte do funcionário.

O termo ―funcionário público‖ deve ser interpretado nos

mesmos moldes do art. 327 do CP, incluindo os funcionários equiparados.

Se a conduta for dirigida a testemunha, perito, tradutor ou

intérprete, não haverá o crime em exame, mas o do art. 343.

A conduta do agente é dirigida ao funcionário público para

―determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício‖. Assim, não há que se

falar em corrupção ativa quando a oferta ocorre após a atuação ou omissão

voluntária do ato de ofício pelo funcionário público (RT 508/439). Ou seja,

exige o delito uma promessa anterior de recompensa (RT 792/626). Como

ensinam Noronha e Damásio, não se pune a corrupção ativa subseqüente.

Como visto anteriormente, é prescindível à configuração da

corrupção ativa que o ato funcional seja praticado, omitido ou retardado

pelo intraneus, o que constitui mero exaurimento da conduta.

No entanto, o exaurimento da conduta, na espécie, faz incidir a

causa de aumento do parágrafo único, majorando a pena em um terço.

c) Consumação e Tentativa

O crime consuma-se com a oferta ou promessa de

vantagem do extraneus ao intraneus, não sendo necessário que este a aceite,

ou mesmo que infrinja o seu dever funcional. Trata-se de crime formal.

A tentativa é admissível.

9. Contrabando ou Descaminho (Art. 334)

a) Tipo Penal

Art.334 - Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;

b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho;

c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;

d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3º A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo.

b) Elementos do Crime – Adequação Típica

Mais uma vez o CP, do mesmo modo que fez na corrupção

passiva, excepciona a teoria unitária, tipificando autonomamente as condutas

do funcionário público, que facilita o contrabando ou o descaminho, e do

terceiro que realiza o próprio contrabando ou descaminho. Com efeito,

embora exista concurso de agentes, respondem cada qual por delito

autônomo; o funcionário pela facilitação (art. 318); o terceiro, pelo crime de

contrabando ou descaminho (art. 334).

Contrabando é a importação ou exportação fraudulenta

de mercadoria, cuja entrada ou saída seja absoluta ou relativamente

proibida. Por sua vez, descaminho é o ato fraudulento que se destina a evitar,

total ou parcialmente, o pagamento de direitos e impostos previstos pela

entrada, saída ou consumo de mercadorias.

No §1° do art. 334, o CP dispõe acerca dos fatos

assemelhados a contrabando ou descaminho.

O tipo é formado pelos núcleos ―importar‖, ―exportar‖ e

―iludir‖, e pelos elementos ―mercadoria proibida‖, ―no todo ou em parte,

pagamento de direito ou imposto‖, ―devido pela entrada, pela saída ou pelo

consumo de mercadoria‖.

A primeira parte do artigo refere-se ao contrabando; a

segunda, ao descaminho.

Importar significa trazer para o país; exportar é levar para

fora do país.

Não há que se falar, assim, em contrabando ou

descaminho, quando a mercadoria de origem brasileira apenas circula no

território nacional, de um estado a outro, sem que venha a sair do país. Isto

porque é requisito à configuração do delito em exame a entrada ou saída da

mercadoria do país, conclusão que decorre das próprias condutas (importar e

exportar) previstas no tipo. Este entendimento deve ser aplicado, inclusive, na

figura do descaminho, pois a normal penal se refere a imposto ―devido pela

entrada ou pela saída ou pelo consumo‖.

Exige-se que a mercadoria seja proibida. Esta adquire esta

qualidade, por razões de ordem pública, que leva o Estado a proibi-la. Cuida-

se de norma penal em branco, que deve ser complementada por outra, de

cunho não penal, que indique quais mercadorias são proibidas. A proibição

pode ser absoluta (mercadoria proibida em si mesma) ou relativa (proibida

apenas em determinadas circunstâncias).

Na hipótese de mercadoria fabricada no Brasil e destinada

exclusivamente a exportação, tendo em vista ser proibida sua

comercialização no país, a sua posterior introdução clandestina no território

nacional, configura contrabando ou descaminho.

Diverge-se, no entanto, a jurisprudência quanto à sua

capitulação. Já se decidiu que ―a reintrodução no País de pacotes de cigarros

nacionais, fabricados exclusivamente para exportação, caracteriza o crime

de contrabando‖ (TRF 1ª Região - RT 776/695) e que ―caracteriza o crime de

contrabando e não o de descaminho a reintrodução no país de produtos de

fabricação nacional destinados, exclusivamente, à exportação e de venda

proibida no Brasil (TRF 1ª Região - RT 755/735).

No STF, porém, tem prevalecido a orientação que a

conduta constitui descaminho, na forma das alíneas ―c‖ e ―d‖ do §1° do art.

334 (RT 559/443; RTJ 100/853).

De fato, conforme ensina Damásio, ―a capitulação do fato

pode ser feita em face do caput do art. 334, uma vez que a norma fala em

‗mercadoria proibida‘ e não ‗mercadoria estrangeira‘. E também pode

adequar-se o fato às incriminações das alíneas c e d., tendo em vista a

presença da elementar ‗mercadoria de procedência estrangeira‘. Note-se

que o tipo não descreve como elemento ‗mercadoria estrangeira‘, mas

‗mercadoria de procedência estrangeira‘. Importa saber se a mercadoria,

sendo proibida, procede do exterior, tornando-se irrelevante a circunstância

de ser nacional ou estrangeira‖.

Ressalte-se que, quando a importação de determinadas

mercadorias constituir outro ilícito penal previsto em legislação penal especial,

o agente deve responder somente por este crime, o qual absorve o

contrabando ou descaminho. É o que ocorre, por exemplo, no tráfico ilícito de

entorpecentes.

No tocante ao tráfico de armas de fogo, previa a Lei n°

9.437/97 (art. 10, §2°) que, tratando-se de contrabando ou descaminho de

armas de fogo ou acessórios de uso proibido ou restrito, devia o agente ser

responsabilizado inclusive pelo crime do art. 334 do CP. Entretanto, a Lei n°

10.826/2003, que rege atualmente o tema, criou a figura do tráfico

internacional de arma de fogo (art. 18), não prevendo mais a

responsabilização criminal do agente também pelo crime de contrabando ou

descaminho.

No descaminho, a conduta é iludir, que significa empregar

fraude para evitar o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou

saída de mercadoria não proibida. Com efeito, iludir ―traduz idéia de enganar,

mascarar a realidade, simular, dissimular; o agente vale-se de expediente para

dar impressão de não praticar conduta tributável. Há, pois, fraude, por ação

ou omissão. No primeiro caso, ilustrativamente, procura evidenciar a

mercadoria a, como b; no segundo, se a pessoa indagada pelo agente

fazendário porta objeto tributável, figurando não compreender, deixa de

responder, ou não toma a iniciativa de evidenciar o fato‖ (RSTJ 97/423).

Ou seja, não basta a entrada ou a saída da mercadoria

sem o recolhimento do imposto devido, sendo necessário o emprego da

fraude, pois só assim se pode falar em ato capaz de ―iludir‖ a autoridade

fazendária. Ausente o meio fraudulento, a conduta caracteriza mero ilícito

fiscal.

O próprio STF já decidiu que: ―Apreensão de bagagem

depois de normalmente liberada pela fiscalização fazendária. Fraude alegada

que não se configura, pois em nenhum momento se caracterizou o dolo.

Flagrante preparado, sem qualquer indício e que tenha sido iludido o

pagamento de impostos acaso incidentes na liberação da mercadoria de

ingresso não proibido no país. Recurso provido para trancar a ação penal‖ (RT

642/366).

Sujeito ativo do delito é o particular, podendo o crime

também ser cometido por funcionário público, que não possua o dever

funcional de impedir o contrabando ou descaminho. Tendo o funcionário o

dever funcional de repressão ao contrabando ou descaminho, responderá

pelo crime de facilitação (art. 318).

Se o contrabando ou descaminho é praticado em

transporte aéreo a pena é aplicada em dobro, incidindo a causa de aumento

de pena do §3°. Justifica-se a majorante pela maior dificuldade de

fiscalização das mercadorias transportadas. Assim, entende-se que os vôos

regulares não estão incluídos na espécie, pois nestes há fiscalização

alfandegária. Portanto, a causa de aumento de pena só incide nos vôos

internacionais clandestinos. Neste sentido: Damásio, Delmanto, Bitencourt e

Capez.

c) Consumação e Tentativa

Conforme ensina Capez, é preciso distinguir duas situações:

ingresso ou saída do território nacional pelos caminhos normais; e ingresso ou

saída clandestinamente.

No primeiro caso, o contrabando consuma-se no momento

em que ultrapassada a zona fiscal, mesmo que a mercadoria não tenha

chegado ao seu destino (RT 728/511; RSTJ 54/26). O descaminho, por sua vez,

está consumado com a liberação da mercadoria pela alfândega (RT 728/511).

Na hipótese de entrada ou saída clandestina, o

contrabando e o descaminho consumam-se com a transposição da fronteira

do território nacional.

A tentativa é admissível tanto no contrabando como no

descaminho.

PROCESSO PENAL – INQUÉRITO POLICIAL

1- Inquérito Policial. Persecução criminal. Fases: investigação e processual.

a. Natureza jurídica: procedimento administrativo de cunho inquisitivo e

sigiloso, que objetiva servir de base para a denúncia ou queixa (apuração

da infração penal e de sua autoria).

b. Início: ofício ou requisição do Juiz, do MP ou de requerimento do ofendido.

- Espécie de ação penal. Identificação: artigo, capítulo ou seção. Ação

penal nos contra a honra (art. 145, parágrafo único, do CP; Súmula 714 do

STF). Lei 12.033/2009. Ação penal nos crimes contra o patrimônio (artigos 182

e 183 do CP).

- Notitia criminis: (a) cognição direta ou imediata (conhecimento direto

pela autoridade policial, por meio de suas atividades rotineiras ou

comunicação não formal. Ex: jornais, investigação realizada por subalternos

ou pela polícia ostensiva); (b) cognição indireta, mediata ou provocada

(comunicação formal da existência do delito); (c) coercitiva (prisão em

flagrante).

- Delatio criminis: qualquer do povo ou vítima. Simples: mero aviso de

ocorrência; postulatória: pedido de instauração da persecução penal.

- Delatio criminis anônima (noticia criminis inqualificada): possibilidade,

com as devidas cautelas, de acordo com a doutrina dominante e STJ (RHC

7.329-GO, DJU 04/05/1998, p. 208; HC 38.093/AM, Rel. Ministro GILSON DIPP,

QUINTA TURMA, julgado em 26.10.2004, DJ 17.12.2004 p. 589).

―Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso

ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos

de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou não

elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as

devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado‖. (HC

44.649/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 11.09.2007, DJ

08.10.2007 p. 322).

(*) O STF, no entanto, já entendeu que a ―denúncia anônima‖ não pode

servir para o (Informativo nº 475 – HC-84827 – Rel. Min. Marco Aurélio):

‖Entendeu-se que a instauração de procedimento criminal originada

apenas em documento apócrifo seria contrária à ordem jurídica

constitucional, que veda expressamente o anonimato. Salientando-se a

necessidade de se preservar a dignidade da pessoa humana, afirmou-se

que o acolhimento da delação anônima permitiria a prática do

denuncismo inescrupuloso, voltado a prejudicar desafetos, impossibilitando

eventual indenização por danos morais ou materiais, o que ofenderia os

princípios consagrados nos incisos V e X do art. 5º da CF. Ressaltou-se, ainda,

a existência da Resolução 290/2004, que criou a Ouvidoria do STF, cujo

inciso II do art. 4º impede o recebimento de reclamações, críticas ou

denúncias anônimas‖.

Na verdade, a atenta leitura dos votos proferidos no julgamento do referido

habeas corpus permite divisar que, no entendimento da Suprema Corte, a

delação anônima, desprovida de qualquer base empírica, não pode servir

de base para o início da persecução criminal. Ou seja, por si só, a notícia-

crime anônima não pode sustentar o inicio de um procedimento de

investigação. Portanto, a delação anônima não deve ser rejeitada de

plano, podendo, inclusive, sustentar o início de um IP, quando existirem

indícios da ocorrência do delito, a narrativa for séria e objetiva ou o

anonimato ter servido para evitar risco à vida do comunicante ou de sua

família, não constituindo, nestes casos, um ―denuncismo irresponsável‖, mas

uma notícia crime de deve ser investigada pela autoridade policial.

c. Indiciamento: constrangimento ilegal? Possibilidade de configuração em

caso de manifesta ilegalidade (STF: HC 86149/SP; HC 86120/SP). Diferença

entre suspeito e indiciado. Juízo de possibilidade e de probabilidade:

existência de fatores positivos indicativos da prática do delito e de sua

autoria.

- Necessidade de fundamentação – Lei nº 12.830/2013 – artigo 1º, §6º;

- Requisição de indiciamento: impossibilidade.

- Indiciado menor de 21 anos e maior de 18 anos. Nomeação de curador.

Desnecessidade.

- Agente com prerrogativa de função: o STF passou a entender

recentemente que a autoridade policial não pode indiciá-lo sem

autorização prévia do Ministro-Relator do inquérito. Na verdade, sequer

pode proceder a abertura de inquérito em que envolvido titular de

prerrogativa de foro sem a mencionada autorização. Nesse sentido: Inq

2411 QO/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, 10.10.2007 (Informativo n° 483).

d. Finalidade. Servir de base para a denúncia. Recebimento da denúncia:

avaliação da existência da materialidade e de indícios de autoria (Juízo de

Prelibação). Recebida a denúncia, tem-se por iniciada a ação penal,

sendo o inquérito policial mantido nos autos.

- Dispensabilidade e indisponibilidade do inquérito.

e. O inquérito policial visto como garantia do cidadão em não ser processado

sem a presença de elementos mínimos indicativos da autoria. Manutenção

no processo: constitucionalidade?

f. Atos de investigação (elementos de informação) e prova em sentido estrito.

Atos repetíveis e irrepetíveis (de contraditório diferido). A repetição do ato

necessária para a transformação do indício em prova em sentido estrito,

colhida esta última sob o crivo do contraditório. Provas técnicas: são

irrepetíveis, sendo dado a elas um contraditório diferido. O contraditório

diferido foi acolhido pela Lei n° 11.690/2008, que deu nova redação ao art.

159, §5°, do CPP: ―Art. 159. [..] §5° Durante o curso do processo judicial, é

permitido às partes, quanto à perícia: I – requerer a oitiva dos peritos para

esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o

mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas

sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias,

podendo apresentar as respostas em laudo complementar; II – indicar

assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser

fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. [..]‖.

g. Condenação com base apenas nos elementos colhidos durante o IP:

impossibilidade. Aliás, cumpre destacar a nova redação ao art. 155 do CPP

(dada pela Lei n° 11.690/2008), segundo a qual ―o juiz formará sua

convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório

judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos

elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas

cautelares, não repetíveis e antecipadas‖.

h. Contraditório e ampla defesa. Inexistência. Exceções: inquérito judicial na

falência (não existe mais – Lei 11.101/2005); expulsão de estrangeiro (art. 71

da Lei nº 6.815/80 c/c art. 103, §§4º a 7º do Dec. 86.715/81 – Regulamento

único caso – esgota-se em si mesmo).

i. Sigilo: Art. 20 do CPP. Sigilo externo (publicidade versus intimidade, honra e

imagem dos investigados) e interno (investigado e seu advogado).

j. Sigilo frente ao advogado. Art. 20 do CPP versus art. 7º, inciso XIV, Lei nº

8.906/94.

O STF, colocando uma pá de cal sobre o tema, em sessão realizada no

dia 3.2.2009, resolveu editar a Súmula Vinculante nº 14, com o seguinte teor:

―É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo e

irrestrito aos elementos de prova que, já documentado em procedimento

investigatório, realizado por órgão de competência de polícia judiciária,

digam respeito ao exercício do direito de defesa‖.

Consequências do descumprimento do direito de acesso aos autos do

IP: Súmula 523 do STF: falta de defesa. Posição dominante: mera

irregularidade, pois vícios do IP não contaminam a ação penal.

k. Vícios. Repercussão no processo. Inexistência. Repercute:

- Prisão cautelar: relaxamento.

- Prova ilícita. Repercussão. Desentranhamento. STF: HC 73.271-2; STJ: RHC

12.717.

l. Identificação criminal: conflito entre art. 5º, LVIII, CF versus art. 6º, VIII, do CP

e Súmula 568 do STF. Regulamentação: Lei nº 10054/00 (atualmente

revogada pela Lei nº 12.037/2009). Sem identificação civil (prazo de 48

horas para apresentá-la); civilmente identificado: hipóteses (a) crimes:

homicídio doloso, contra o patrimônio cometidos mediante violência ou

grave ameaça à pessoa, receptação qualificada, contra a liberdade

sexual ou de falsificação de documentos públicos; (b) suspeita de

falsificação ou adulteração do documento; (c) má conservação do

documento ou distância temporal da expedição do documento; (d)

existência de outros nomes em registros que impossibilitem a completa

identificação do indiciado; (e) existência de registro de extravio do

documento. Nova hipótese: Lei n° 11.340/2006 – art. 12, inciso VI (violência

doméstica). De acordo a Lei nº 12.037/2009, o civilmente identificado (art.

2º) não será submetido à identificação criminal, salvo nos casos previstos

em seu art. 3º, quais sejam: ―Art. 3º [...] I – o documento apresentar rasura ou

tiver indício de falsificação; II – o documento apresentado for insuficiente

para identificar cabalmente o indiciado; III – o indiciado portar documentos

de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; IV – a

identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo

despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou

mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da

defesa; V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes

qualificações; VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da

localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a

completa identificação dos caracteres essenciais‖.

m. Nemo tenetur se detegere. Participação em reprodução simulada de

crime. Acareação. Fornecimento de padrões de escrito para exame

grafológico. Recusa. Possibilidade. Hipóteses não alcançáveis pelo direito

ao silêncio: - interrogatório de qualificação; - exame de reconhecimento de

pessoas; e – identificação criminal.

n. Maus antecedentes. IP em andamento. Doutrina e STJ e STF impossibilidade.

Súmula 444 do STJ . Questão submetida ao Plenário do STF (RE 595519).

o. Incomunicabilidade: conflito entre art. 136, §3º, CF versus art. 21 do CPP.

Impossibilidade. Divergência. Com o advogado: impossibilidade.

p. Encerramento: relatório da autoridade policial. Prazo.

- Réu preso: regra: 10 dias, contados da data da prisão (em flagrante ou

preventiva) ou do término da prisão temporária. Exceções: Justiça federal:

15 dias prorrogáveis por mais 15 (art. 66 da Lei nº 5.010/66); Nova lei de

drogas - Lei nº 11.343/2006 – de acordo com a lei, os crimes definidos no

Capítulo II da novatio legis (artigos 33 a 39) deverão se encerrar em 30 dias,

se o réu estiver preso, e 90 dias, se solto, prorrogáveis, em ambos os casos,

por igual período (art. 51).

- Prazo penal ou processual penal? Posição dominante: penal.

- Réu solto: regra: 30 dias, prorrogáveis; exceção: crime contra economia

popular: 10 dias (art. 10, §1º, Lei nº 1.521/51).

(*) Crime sujeito à ação penal privada: emprego da analogia.

(*) Descumprimento do prazo: relaxamento da prisão. Não repercute,

porém, na ação penal ou mesmo na validade do IP. Denúncia já oferecida:

superação do constrangimento.

q. Destino do IP.

- Crime sujeito à ação penal pública: imediato: MP; mediato: juiz.

- Crime sujeito à ação penal privada: encaminhamento ao juízo

competente, onde aguardarão providência do ofendido (art. 19 do CPP).

r. Providências do destinatário.

- Juiz: remete os autos ao MP (ação penal pública) ou aguarda

providência do ofendido (ação penal privada).

- Vítima (ação penal privada): oferecer queixa, requisitar diligências ou

requerer o arquivamento (neste caso, o pedido equivale a renúncia,

devendo ser obrigatoriamente atendido pelo juiz).

- Ministério Público: no prazo legal (réu preso: 5 dias; réu solto: 15 dias),

deve: oferecer denúncia, requisitar diligências ou requerer o arquivamento.

(*) Descumprimento do prazo: conseqüências: oportunidade da vítima

oferecer a queixa subsidiária, relaxamento da prisão. Ação privada:

relaxamento da prisão (não repercute no processo, pois só há perempção

quando se tem por iniciada a ação penal).

2- Arquivamento do IP. Ação penal pública.

a. Sujeitos: MP (requer) e Juiz (determina o arquivamento). Delegado de

polícia: impossibilidade. Arquivamento de ofício pelo juiz ou delegado de

polícia: impossibilidade.

b. Razões de arquivamento:

- inexistência de base empírica para a denúncia (ausência de provas);

- atipicidade do fato. Princípio da insignificância. STJ: possibilidade (RHC

18.099/SC, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, julgado em

07.03.2006, DJ 27.03.2006 p. 333).

- extinção da punibilidade. Causas extintivas: art. 107 do CP (rol

exemplificativo).

(*) Prescrição antecipada (retroativa, em perspectiva, projetada).

Impossibilidade. STF e STJ. Doutrina.

- excludente de antijuricidade. Divergência: doutrina e jurisprudência.

- excludente de culpabilidade. Impossibilidade para o entendimento

dominante.

- ausência de condição de procedibilidade.

c. Decisão de arquivamento e coisa julgada:

- Regra: não faz. Desarquivamento. Súmula 524 do STF e art. 18 do CPP.

Novas provas. Novas pesquisas. Procedimento. Procurador-Geral ou

decisão do Juiz.

- Exceção: faz coisa julgada. Nem novas provas são capazes de fazer

ressurgir o inquérito policial. Hipóteses:

(1) Atipicidade do fato: mesmo em caso de decisão proferida por juiz

absolutamente incompetente (STF: HC 83346/SP); reconhecida a

atipicidade em razão do princípio da insignificância, mesmo em caso de

equívoco na apuração do valor do tributo (STJ - RHC 18.099/SC, Rel. Min.

Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, julgado em 07.03.2006, DJ 27.03.2006 p.

333).

(2) Extinção da punibilidade: mesmo em caso de nova qualificação

acerca dos mesmos fatos, ocasionando um novo prazo prescricional,

impede nova persecução, ainda que surjam novas provas (STF: HC

84253/RO). Mesmo em caso de reconhecimento da prescrição em

perspectiva.

(*) Morte do agente e certidão de óbito falsa. Possibilidade de

desarquivamento. Fato falso. STF (HC 84525/MG).

(*) Excludente de ilicitude: não faz coisa julgada (REsp 738.338/PR, Rel.

Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 25.10.2005, DJ 21.11.2005 p.

292; RHC 16.788/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em

02.12.2004, DJ 09.02.2005 p. 204). Ou seja, novas provas são capazes de

proporcionar o desarquivamento do IP, bem como o ajuizamento da ação

penal.

(*) Nova posição do STJ: faz coisa julgada, ainda que prolatada por juiz

absolutamente incompetente. Confira:

―RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA

AÇÃO PENAL. ARQUIVAMENTO DO FEITO. RECONHECIMENTO DE CAUSA

EXCLUDENTE DE ILICITUDE. DECISÃO PROFERIDA POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE

INCOMPETENTE. INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL PERANTE O JUÍZO

COMPETENTE. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. PRECEDENTES.

1. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação

penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é

admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência

do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.

Precedentes do STJ.

2. No caso, resta evidenciada essa excepcionalidade. O arquivamento do

inquérito policial no âmbito da Justiça Militar se deu em virtude da

promoção ministerial no sentido da incidência de causa excludente de

ilicitude.

3. Embora o inquérito policial possa ser desarquivado em face de novas

provas, tal providência somente se mostra cabível quando o arquivamento

tenha sido determinado por falta de elementos suficientes à deflagração

da ação penal, o que não se verifica na espécie. Precedentes.

4. Ainda que se trate de decisão proferida por juízo absolutamente

incompetente, nos termos do disposto no art. 9.º do Código Penal Militar,

porquanto praticado por militar fora do exercício da função, produz coisa

julgada material.

5. Recurso conhecido e provido para determinar o trancamento da ação

penal n.º 200420500013, em trâmite na 5.ª Vara Criminal do Tribunal do Júri

da Comarca de Aracajú/SE.

(RHC 17.389/SE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em

20.11.2007, DJe 07.04.2008).

STF: não faz. Confira: Informativo nº 538. ―A Turma, por maioria, indeferiu

habeas corpus no qual pleiteado o trancamento de ação penal

instaurada a partir do desarquivamento de inquérito policial, em que

reconhecida excludente de ilicitude. No caso, o citado inquérito apurava

homicídio imputado ao paciente, delegado de polícia, e a outros policiais,

sendo arquivado a pedido do Ministério Público do Estado do Espírito

Santo, que reputara configurado o estrito cumprimento do dever legal.

Passados dez anos da decisão judicial, fora instalado, pelo parquet, o

Grupo de Trabalho para Repressão ao Crime Organizado - GRCO naquela

unidade federativa — que dera origem, posteriormente, a Comissões

Parlamentares de Inquérito em âmbito estadual e nacional —, cujos

trabalhos indicariam que o paciente e os demais policiais não teriam agido

em estrito cumprimento do dever legal, mas sim supostamente executado

a vítima (―queima de arquivo‖). A partir disso, novas oitivas das mesmas

testemunhas arroladas no inquérito arquivado foram realizadas e o órgão

ministerial, concluindo pela caracterização de prova substancialmente

nova, desarquivara aquele procedimento, o que fora deferido pelo juízo

de origem e ensejara o oferecimento de denúncia. A impetração alegava

que o arquivamento estaria acobertado pelo manto da coisa julgada

formal e material, já que reconhecida a inexistência de crime, incidindo o

Enunciado 524 da Súmula do STF (―Arquivado o inquérito policial, por

despacho do Juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a

ação penal ser iniciada, sem novas provas.‖).[...] No mérito, também por

maioria, denegou-se a ordem. Aduziu-se que a jurisprudência da Corte

seria farta quanto ao caráter impeditivo de desarquivamento de inquérito

policial nas hipóteses de reconhecimento de atipicidade, mas não

propriamente de excludente de ilicitude. Citando o que disposto no

aludido Verbete 524 da Súmula, enfatizou-se que o tempo todo fora

afirmado, desde o Ministério Público capixaba até o STJ, que houvera

novas provas decorrentes das apurações. Ademais, observou-se que essas

novas condições não afastaram o fato típico, o qual não fora negado em

momento algum, e sim a ilicitude que inicialmente levara a esse pedido de

arquivamento. Vencidos os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio que

deferiam o habeas corpus por considerar que, na espécie, ter-se-ia coisa

julgada material, sendo impossível reabrir-se o inquérito

independentemente de outras circunstâncias. O Min. Marco Aurélio

acrescentou que nosso sistema convive com os institutos da justiça e da

segurança jurídica e que, na presente situação, este não seria observado

se reaberto o inquérito, a partir de preceito que encerra exceção (CPP, art.

18).

HC 95211/ES, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.3.2009. (HC-95211)‖.

d. Concordância do pedido. Arquivamento direto (explícito).

e. Discordância do pedido. Aplicação do art. 28 do CPP. Princípio da

devolução. Transferência da palavra final do Poder Judiciário ao Chefe do

MP (ou Câmara de Revisão). Promotor designado: longa manus,

obrigatoriedade de denunciar (entendimento dominante).

f. Arquivamento em Feitos de Competência Originária. Revisão da decisão do

Procurador-Geral. Colégio de Procuradores de Justiça (art. 12, inciso XI, Lei

n° 8.625/93) ou Câmara de Coordenação (Lei Complementar n° 75/93).

(*) Pedido realizado pelo próprio Procurador-Geral (Justiça ou da

República). Atendimento compulsório? Doutrina e jurisprudência. STF: Pet

3297; 3197; INQ 1538. Nova posição. Só há atendimento compulsório nas

hipóteses em que o arquivamento não faz coisa julgada (falta de base

empírica para a denúncia). Requerido o arquivamento com base na

atipicidade do fato ou em causa extintiva da punibilidade, o STF entende

que o Tribunal deve avaliar o pedido. Discordância do tribunal:

providências?

(*) O STJ, porém, vem mantendo a mesma posição entendendo que o

pedido de arquivamento, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça (ou

por outro membro agindo em seu nome) em feitos de competência

originária dos tribunais é de atendimento compulsório. Nesse sentido: HC

64.564/GO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em

13.03.2007, DJ 09.04.2007 p. 259.

g. Inquérito Policial Legislativo. Deve ser obervado o Regimento Interno.

TÍTULO IX

DA ADMINISTRAÇÃO E DA ECONOMIA INTERNA

CAPÍTULO III

DA POLÍCIA DA CÂMARA

Art. 267. A Mesa fará manter a ordem e a disciplina nos edifícios da Câmara e suas adjacências.

Parágrafo único. (Revogado pela Resolução nº 25, de 2013)

Art. 268. Se algum Deputado, no âmbito da Casa, cometer qualquer excesso que deva ter repressão

disciplinar, o Presidente da Câmara conhecerá do fato e requisitará à Corregedoria Parlamentar a

abertura de sindicância ou inquérito destinado a apurar responsabilidades e propor sanções

cabíveis. (Artigo com redação dada pela Resolução nº 25, de 2013)

Art. 269. Quando, nos edifícios da Câmara, for cometido algum delito, instaurar-se-á inquérito

a ser presidido pelo diretor de serviços de segurança ou, se o indiciado ou o preso for membro

da Casa, pelo Corregedor ou Corregedor substituto.

§ 1º Serão observados, no inquérito, o Código de Processo Penal e os regulamentos policiais

do Distrito Federal, no que lhe forem aplicáveis.

§ 2º A Câmara poderá solicitar a cooperação técnica de órgãos policiais especializados ou

requisitar servidores de seus quadros para auxiliar na realização do inquérito.

§ 3º Servirá de escrivão funcionário estável da Câmara, designado pela autoridade que

presidir o inquérito.

§ 4º O inquérito será enviado, após a sua conclusão, à autoridade judiciária competente.

§ 5º Em caso de flagrante de crime inafiançável, realizar-se-á a prisão do agente da infração,

que será entregue com o auto respectivo à autoridade judicial competente, ou, no caso de

parlamentar, ao Presidente da Câmara, atendendo-se, nesta hipótese, ao prescrito nos

arts. 250 e 251.

Art. 270. O policiamento dos edifícios da Câmara e de suas dependências externas, inclusive de blocos

residenciais funcionais para Deputados, compete, privativamente, à Mesa, sob a suprema direção do

Presidente, sem intervenção de qualquer outro Poder.

Parágrafo único. Este serviço será feito, ordinariamente, com a segurança própria da Câmara ou por esta

contratada e, se necessário, ou na sua falta, por efetivos da polícia civil e militar do Distrito Federal,

requisitados ao Governo local, postos à inteira e exclusiva disposição da Mesa e dirigidos por pessoas

que ela designar.

Art. 271. Excetuado aos membros da segurança, é proibido o porte de arma de qualquer espécie nos

edifícios da Câmara e suas áreas adjacentes, constituindo infração disciplinar, além de contravenção, o

desrespeito a esta proibição.

Parágrafo único. Incumbe ao Corregedor, ou Corregedor substituto, supervisionar a proibição do porte

de arma, com poderes para mandar revistar e desarmar.

Art. 272. Será permitido a qualquer pessoa, convenientemente trajada e portando crachá de

identificação, ingressar e permanecer no edifício principal da Câmara e seus anexos durante o

expediente e assistir das galerias às sessões do Plenário e às reuniões das Comissões.

Parágrafo único. Os espectadores ou visitantes que se comportarem de forma inconveniente, a juízo do

Presidente da Câmara ou de Comissão, bem como qualquer pessoa que perturbar a ordem em recinto da

Casa, serão compelidos a sair, imediatamente, dos edifícios da Câmara.

Art. 273. É proibido o exercício de comércio nas dependências da Câmara, salvo em caso de expressa

autorização da Mesa.

___________________________________________________________________________________

____________________

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:

I - desde a expedição do diploma:

a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública,

sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato

obedecer a cláusulas uniformes;

b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad

nutum , nas entidades constantes da alínea anterior;

II - desde a posse:

a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato

com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada;

b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum , nas entidades referidas no inciso I, a ;

c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso I, a ;

d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa

a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

§ 1º É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso

das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens

indevidas.

§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou

pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou

de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de

ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no

Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos

termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e

3º. (Parágrafo acrescido pela Emenda Constitucional de Revisão nº 6, de 1994)

5- Da prisão preventiva.

a. Competência (art. 311 do CPP):

(1) Anteriormente à Lei 12.403/2011: só o juiz, de ofício (só durante a

instrução criminal, de acordo com a doutrina dominante) ou a

requerimento (no curso do IP ou da instrução criminal). Todavia, nos

termos do art. 311 do CPP, pode ser determinada de ofício pelo juiz

mesmo durante o IP. Violação ao sistema acusatório? Divergência

na doutrina e na jurisprudência.

(2) Após a Lei 12.403/2011: vedou-se a decretação, de ofício, da

prisão preventiva no curso do inquérito, só o permitindo durante a

ação. Desse modo, a segregação no curso do inquérito só será

cabível se for precedida de provocação dos legitimados.

Não se pode esquecer, por outro lado, que o inciso II do art. 310

(redação dada pela Lei nº 12.403/2011) permite ao magistrado, no

caso de prisão em flagrante, a conversão desta em preventiva. E

esta conversão, por certo, poderá ser efetivada de ofício, presentes

os requisitos do art. 312 (v. item 9.1).

Na verdade, a Lei nº 12.403/2011 criou três espécies (tipos,

modalidades ou formas de decretação) de prisão preventiva: -

inicial, autônoma ou originária; - convertida ou derivada; e -

substitutiva de outra medida cautelar descumprida.

A primeira (inicial) encontra-se prevista no art. 311, e não poderá ser

decretada de ofício no curso do inquérito, só se admitindo a sua

decretação, nessa fase da persecução, se houver requerimento do

Ministério Público ou do querelante ou representação da autoridade

policial.

Por sua vez, a derivada (convertida do flagrante) tem seu berço no

inciso II do art. 310. Aqui, não se veda ao magistrado a conversão,

de ofício, do flagrante em prisão preventiva.

Finalmente, a prisão preventiva substitutiva de outra medida cautelar

não cumprida decorre do parágrafo único do art. 312 e do §4º do

art. 282 do CPP. Neste caso, entendemos não ser possível a

decretação no curso do inquérito sem que haja provocação, diante

da inteligência do §2º do art. 282, segundo o qual ―as medidas

cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento

das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por

representação da autoridade policial ou mediante requerimento do

Ministério Público‖. Ademais, a decretação de ofício da cautelar,

neste caso, ofenderia, a nosso ver, o sistema acusatório.

Portanto, no regime instituído pela Lei nº 12.403/2011, só será válida a

decretação de ofício da preventiva, no curso do inquérito policial,

quando decorrer da conversão do flagrante, na forma do inciso II do

art. 310 do CPP, vedando-se a prisão preventiva inicial e da

substitutiva de outra medida cautelar descumprida, nesta fase da

persecução penal, sem que o magistrado seja provocado. Questão

relevante: recebendo o auto de prisão em flagrante, poderá o

magistrado relaxar a prisão (por considerá-la ilegal) e no mesmo ato

e, de ofício, decretar a prisão preventiva?

b. Legitimidade e momento de decretação (art. 311 do CPP):

(1) Anteriormente a Lei 12.403/2011: delegado de polícia (no IP) ou

promotor de justiça (no IP ou na instrução criminal) ou do querelante

(no IP ou na instrução criminal). Decretação na fase recursal?

Possibilidade, pois o termo deve ser entendido como processo. Prisão

decorrente de sentença condenatória recorrível ou de pronúncia:

possibilidade. Razão histórica: o CPP, em sua redação original, previa

a decretação automática da prisão cautelar quando o réu era

condenado na primeira instância. Tornava-se, deste modo,

desnecessária a decretação da prisão preventiva, após a sentença

condenatória. A discussão perdeu importância com a Lei

11.719/2008, a qual, dando nova redação ao art. 387, parágrafo

único, do CPP, permitiu a decretação da prisão preventiva no

momento da prolação da sentença condenatória.

(2) Após a Lei 12.403/2011: o assistente passou também a ter

legitimação para requerer a prisão preventiva. Evidente que essa

possibilidade restringe-se ao curso da ação penal, porque a

assistência, em processo penal, não é admitida no curso do

inquérito, mas apenas no curso da lide. A prisão pode ser decretada

em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal.

c. Requisitos: subdividem-se em pressupostos (prova da existência do

crime e indícios suficientes de autoria), o chamado fumus comissi

delicti, e em fundamentos (garantia da ordem pública, da ordem

econômica, da conveniência da instrução criminal e da garantia da

aplicação da lei penal), isto é, no periculum libertatis.

(1) Pressupostos: trata-se do chamado fumus comissi delicti,

caracterizado pela prova da existência do crime (materialidade do

fato) e pelos indícios suficientes de autoria (são cumulativos). A partir

da Lei nº 12.403/2011, foi criado um terceiro pressuposto para a

decretação da prisão cautelar, qual seja a impossibilidade de sua

substituição por outra medida cautelar menos gravosa prevista no

art. 319 do CPP, evidenciando-se o espírito da nova legislação de

colocar a prisão no seu devido lugar, como medida de exceção.

- Pedido de novas diligências no curso de IP e indiciado preso: a

prisão torna-se ilegal, devendo ser revogada, pois, se ainda não há

indícios de autoria suficientes para a denúncia, também não há

para a manutenção da custódia cautelar.

(2) Fundamentos: cuida-se do periculum libertatis, consubstanciado

na garantia da ordem pública, da ordem econômica, da

conveniência da instrução criminal e da garantia da aplicação da

lei penal (são alternativos). A Lei 12.403/2011 criou um quinto

fundamento apto a decretação da preventiva, consistente no

descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de

outras medidas cautelares alternativas à prisão (art. 319), quando da

impossibilidade de substituição ou cumulação destas com outras

(art. 282, §4º).

- Garantia da ordem pública. Neste ponto, a prisão cautelar possui

mais um cunho social do que propriamente cautelar, pois cerceia

um direito individual para proteger a coletividade. Aspectos:

(*) Gravidade do crime (genérica ou abstrata): impossibilidade: STJ -

HC 39.879/PA, Rel. Min. Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em

16.05.2006, DJ 01.08.2006 p. 550.

(*) Gravidade concreta (específica): a jurisprudência permite a

prisão cautelar quando fundada na chamada ―gravidade

concreta‖ do delito, que faz denotar a periculosidade em concreto

do agente. São situações nas quais a ação do agente (modus

operandi) transcende à conduta descrita no tipo penal, fazendo

surgir a necessidade da prisão como garantia da ordem pública.

Assim, por exemplo, se não se pode prender cautelarmente alguém

pelo só fato de estar sendo acusado de um crime de latrocínio

(gravidade genérica), é possível a segregação quando o agente

tiver, por exemplo, matado a vítima, que não oferecia resistência à

subtração, esquartejada. Ou seja, o caso concreto serviu para

demonstrar a periculosidade do agente, surgindo a necessidade da

prisão. Nesse sentido: HC 120.108/ES, Rel. Ministra Jane Silva

(Desembargadora Convocada do TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em

23/06/2009, DJe 10/08/2009; HC 112.329/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz,

Quinta Turma, julgado em 26/05/2009, DJe 15/06/2009. O STF tem a

mesma posição, conforme se vê na seguinte decisão:

Prisão Preventiva e Fundamentação

A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que pronunciado por 2 homicídios qualificados e lesão corporal de

natureza grave alegava falta de motivação da prisão cautelar contra ele decretada. Pleiteava o direito de aguardar em

liberdade até a conclusão do processo-crime e aduzia que a gravidade em abstrato do delito não justificaria a sua

custódia. Reputou-se que a justificativa da garantia da ordem pública seria apta para sustentar o decreto de prisão

preventiva do paciente, mantido pela sentença de pronúncia. Realçou-se a dificuldade de formulação conceitual

para a expressão “ordem pública” e consignou-se que, quando a situação for de evidente necessidade de

acautelamento do meio social, não haveria como rejeitar-se a aplicabilidade do conceito de ordem pública.

Entendeu-se, no caso, que o juízo processante — ao fazer a identificação entre a necessidade de preservação da

ordem pública e o resguardo do meio social — dera razões capazes de atestar a evidente necessidade de

acautelamento do meio social, tendo em conta o contexto empírico da causa, o qual revelaria a gravidade

concreta — periculosidade — da conduta protagonizada pelo paciente, de violência incomum. Nesse sentido,

enfatizou-se que sempre que sobressair da forma de execução do crime a extrema periculosidade do fato

increpado ao agente, confere-se, ao decreto de prisão, a possibilidade de estabelecer um vínculo funcional entre

o modus operandi do suposto delito e a garantia da ordem pública. Por fim, assinalou-se que o decreto

prisional, além de apontar o paciente como investigado em vários outros crimes, encontraria apoio, ainda, na

fuga do acusado logo após o cometimento do delito, a demonstrar o intento de se frustrar a aplicação da lei

penal. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia o writ para relaxar a prisão ao fundamento de que as premissas

lançadas pelo juízo não seriam enquadráveis no art. 312 do CPP, porquanto apenas aludiriam à gravidade da

imputação, à periculosidade do paciente (sem antecedentes criminais) e a sua fuga do distrito da culpa. Ademais,

salientando que a custódia provisória já extravasara o período de 2 anos, considerava configurado o excesso de prazo.

HC 97688/MG, rel. Min. Carlos Britto, 27.10.2009 (Informativo nº 565).

(*) Crime hediondo: só se presentes os pressupostos e os

fundamentos da cautelar, de acordo com a doutrina. A gravidade

do crime, conforme se viu, não serve, por si só, para justificar a prisão.

(*) Clamor popular: impossibilidade. O Poder Judiciário ficaria a

mercê da mídia sensacionalista.

(*) Credibilidade da justiça: divergência – possibilidade: HC 89143/PR

– Rel. Min. Ellen Gracie - Julgamento: 10/06/2008; Órgão Julgador:

Segunda Turma - DJe-117 DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008;

HC 92848 / PR - Rel. Min. Ellen Gracie - Julgamento: 10/06/2008;

Órgão Julgador: Segunda Turma - DJe-157 DIVULG 21-08-2008

PUBLIC 22-08-2008; STJ: HC 109.563/GO, Rel. Ministro NAPOLEÃO

NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe

28/10/2008 – impossibilidade: HC 93315/BA – Rel. Min. Cezar Peluso;

Julgamento: 27/05/2008; Órgão Julgador: Segunda Turma; DJe-117

DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008; HC 93641/RJ – Rel. Min. Eros

Grau - Julgamento: 20/05/2008; Órgão Julgador: Segunda Turma;

DJe-152 DIVULG 14-08-2008 PUBLIC 15-08-2008.

(*) periculosidade concreta do acusado – evitar a reiteração da

prática de atos criminosos: possibilidade. Crítica garantista.

(*) Folha de antecedentes penais: é comumente utilizada na prática

para justificar o decreto de prisão, fundado na garantia da ordem

pública. Nesse sentido: STJ - HC 119.391/CE, Rel. Ministra MARIA

THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 31/05/2011, DJe

08/06/2011; HC 184.321/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA

FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 31/05/2011, DJe 27/06/2011. A

questão, entretanto, é divergente, pois existem decisões no sentido

contrário, inadmitindo o tão só uso dos antecedentes penais para

fundamentar a decretação da prisão preventiva. Confira as

seguintes decisões:

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE ROUBO QUALIFICADO. QUADRILHA. APELO EM

LIBERDADE NEGADO. MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA. CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA.

ARGUMENTO QUE NÃO SE PRESTA A RESPALDAR A CUSTÓDIA. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI

PENAL. POSSIBILIDADE DE FUGA. MERA CONJECTURA. MAUS ANTECEDENTES. MOTIVAÇÃO

INIDÔNEA. RÉU QUE PERMANECEU SOLTO DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. REGULAR

ANDAMENTO DO FEITO. APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA. NECESSIDADE DA SEGREGAÇÃO NÃO

DEMONSTRADA. ORDEM CONCEDIDA.

[...]

V. A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento no sentido de que a suposta configuração de maus

antecedentes, e até mesmo de reincidência, por si só, não basta para respaldar a decretação de prisão cautelar quando

da prolação de sentença condenatória, sendo indispensável a presença de concreta fundamentação para o óbice ao

direito de apelar em liberdade, com base nos pressupostos exigidos para a prisão preventiva, na hipótese de o réu ter

permanecido solto durante a instrução processual, sem ter criado qualquer obstáculo ao regular andamento do feito.

Precedentes.

[...]

VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

(HC 183.426/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 01/02/2011).

Informativo 559 - Prisão Cautelar e Fundamentação

A mera sujeição de alguém a simples investigações policiais ou a persecuções criminais ainda em curso não basta, por

si só, para justificar a decretação de prisão cautelar. Ao aplicar esta orientação, a Turma concedeu habeas corpus para

invalidar decreto de prisão exarado contra a paciente fundamentado na existência de inquéritos e procedimentos

penais que tramitam em seu desfavor. Assentou-se que a prisão processual, de ordem meramente cautelar, mesmo que

mantida ou decretada em sentença condenatória recorrível, tem, como pressuposto legitimador, a existência de

situação de real necessidade — não configurada na espécie —, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente

ocorrente, a adoção — sempre excepcional — dessa medida constritiva de caráter pessoal. Ressaltou-se que a

submissão de uma pessoa a meros inquéritos policiais — ou, ainda, a persecuções criminais de que não haja derivado,

em caráter definitivo, qualquer título penal condenatório — não se reveste de suficiente idoneidade jurídica para

autorizar a formulação, contra o indiciado ou o réu, de juízo (negativo), em ordem a recusar, ao que sofre persecutio

criminis, o acesso a determinados benefícios legais. Observou-se que tal entendimento — que se revela compatível

com a presunção constitucional juris tantum de inocência (CF, art. 5º, LVII) — ressalta, com apoio na jurisprudência

dos tribunais, que processos penais em curso, ou inquéritos policiais em andamento ou, até mesmo, condenações

criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de

pronunciamento judicial absolutório, como elementos evidenciadores ou justificadores da restrição ou supressão do

direito de permanecer em liberdade.

HC 100091/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 15.9.2009. (HC-100091)

(*) Folha de antecedentes infracionais (menor): também vem sendo

utilizada em casos excepcionais, em razão da idade do agente. Por

exemplo, réu com dezoito anos, primário e portador de bons

antecedentes, possuindo, no entanto, várias passagens por atos

infracionais. Confira:

HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ROUBO DUPLAMENTE AGRAVADO. EXISTÊNCIA DE

ANOTAÇÃO PELO COMETIMENTO DE ATO INFRACIONAL. INCLINAÇÃO PARA A PRÁTICA DELITIVA.

GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. SEGREGAÇÃO JUSTIFICADA E NECESSÁRIA. CONDIÇÕES

PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO.

1. Embora atos infracionais não possam ser considerados como maus antecedentes e nem se prestem para induzir a

reincidência, tais elementos demonstram a inclinação para a prática delitiva, o que, por si só, é suficiente para

justificar a medida constritiva antecipada, a bem da ordem pública, a fim de evitar-se a reiteração.

2. Condições pessoais, mesmo que realmente favoráveis, em princípio, não têm o condão de, por si sós, garantirem a

revogação da preventiva, se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a imprescindibilidade da sua

continuação, como ocorre na hipótese.

3. Ordem denegada.

(HC 156.329/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 24/05/2010)

(*) proteger a integridade física de terceiros: possibilidade.

(*) preservação da integridade física do preso: impossibilidade. No

entanto, confira a seguinte ementa deste julgado o STF:

“3. Quanto ao requisito da garantia da ordem pública, em linhas

gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas as possibilidades

normativas de sua aplicação judicial, destaco as seguintes

circunstâncias principais: i) a necessidade de resguardar a

integridade física do próprio paciente ou dos demais cidadãos; ii) o

imperativo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde

que tal objetivo esteja lastreado em elementos concretos expostos

fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e iii) para

assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do

Poder Judiciário, quanto à visibilidade e transparência de políticas

públicas de persecução criminal e desde que diretamente

relacionadas com a adoção tempestiva de medidas adequadas e

eficazes associadas à base empírica concreta que tenha ensejado a

custódia cautelar. Precedentes: HC nº 82.149/SC, 1ª Turma, unânime,

Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 13.12.2002; HC nº 82.684/SP, 2ª Turma,

unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 1º.08.2003; HC nº

83.157/MT, Pleno, unânime, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 05.09.2003;

e HC nº 84.680/PA, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de

15.04.2005.” (HC 89090/GO – Rel. Min. Gilmar Mendes - Julgamento:

21/11/2006; Órgão Julgador: Segunda Turma – DJe-117 DIVULG 04-

10-2007 PUBLIC 05-10-2007).

- Garantia da ordem econômica: quando a conduta tenha por

objeto ou possa limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a

livre concorrência ou a livre iniciativa; dominar mercado relevante

de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; e exercer de

forma abusiva posição dominante.

- Conveniência da instrução criminal: visa a obstar que o criminoso

desapareça com provas do crime, seja apagando vestígios, seja

subornando, aliciando ou ameaçando testemunhas. Deve apoiar-se

em fatos concretos e não em meras suposições. Cabe lembrar que o

acusado não é obrigado a colaborar com a investigação ou

produção de provas, em razão da consagração do princípio nemo

tenetur se detegere. Pode, portanto, portar-se de maneira passiva na

instrução sem que isso implique na sua prisão. O que lhe é vedado é

a atuação ativa, com o fito de destruir provas.

- Garantir a aplicação da lei penal: quando houver risco de fuga do

sujeito. Conforme decidido pelo STF, a simples fuga do acusado do

distrito da culpa, tão logo descoberto o crime praticado, já justifica o

decreto de prisão preventiva (RT 497/403). Porém, a decisão não

pode ser fundada na condição econômica do acusado, seja ele

mais ou menos abastado. Ademais, a ausência de documento

comprobatório de residência não pode servir, por si só, para a

decretação ou manutenção da prisão sob a justificativa de ser

necessária a segregação para assegurar a aplicação da lei penal.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão

noticiada no Informativo nº 558, concedeu liberdade provisória a

acusado, morador de rua, que fora preso para assegurar a

aplicação da lei penal, sob a justificativa de não possuir residência

fixa nem ocupação lícita. A questão, no entanto, é polêmica, pois

há vários julgados, especialmente do TJDFT, no sentido de que é

legítima a exigência de documento comprobatório de residência

para afastar o periculum libertatis.

e. Condições de admissibilidade (art. 313):

(1) Anteriormente a Lei 12.403/2011: crime doloso punido com

reclusão. Contravenção ou crime culposo? Impossibilidade. Crime

doloso punido com detenção: só nas hipóteses dos incisos II a IV do

art. 313, quais sejam: quando se apurasse que o agente era vadio

ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecesse ou não

indicasse elementos para esclarecê-la, ou se o réu tivesse sido

condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em

julgado. Permitia-se, ainda, a prisão preventiva em casos de

violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei

específica, para garantir a execução das medidas protetivas de

urgência.

(2) Após a Lei 12.403/2011: só é cabível a prisão preventiva nos

crimes dolosos punidos com reclusão cuja pena máxima seja superior

a 4 anos. Continua não sendo admitida nas contravenções e em

crimes culposos.

Excepcionalmente, porém, permite-se a prisão preventiva mesmo

em crime doloso cuja pena máxima seja igual ou inferior a 4 (quatro)

anos, ou em crime culposo, quando o acusado já tiver sido

condenado por outro crime doloso, ressalvado o disposto no inciso I

do art. 64 do CP (lapso superior a 5 anos do cumprimento ou

extinção da pena e a prática da nova infração). Ou, ainda, se o

crime envolver violência doméstica e familiar não somente contra a

mulher, mas também em detrimento de criança, adolescente, idoso,

enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das

medidas protetivas de urgência deferidas.

O CPP aqui passa a se adaptar ao Código Penal. Ora, o acusado,

primário e de bons antecedentes, que vem a ser condenado por

crime doloso a pena não superior a 4 (quatro) anos, ou por crime

culposo qualquer que seja a pena cominada, não cumprirá pena

privativa de liberdade, porque o art. 44 do Código Penal permite (na

verdade, obriga) a substituição da reprimenda por sanção restrita de

direitos. Nesse sentido, não há motivos para prender alguém antes

da condenação, para depois desta colocá-lo em liberdade. Para

essas situações, a Lei nº 12.403/2011 reserva outras medidas

cautelares diversas da prisão (art. 319), as quais também só devem

ser aplicadas se adequadas e necessárias (art. 282). Assim, se desde

o primeiro momento, já se tem a certeza da não imposição de pena

privativa de liberdade, porque o réu é primário e o crime pelo qual

está sendo acusado, sendo doloso, possui pena máxima não superior

a 4 (quatro) anos, ou é culposo, não é cabível a sua prisão cautelar,

pois seria heterogênea, desproporcional.

Admite-se, também, a prisão preventiva quando houver dúvida

sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer

elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser

colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo

se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

As condições de admissibilidade do art. 313 do CPP devem ser

afastadas (embora a lei não seja expressa nesse sentido) em caso de

prisão preventiva decretada por descumprimento de qualquer das

obrigações impostas por força de outras medidas cautelares

anteriormente fixadas, diante da impossibilidade de substituição ou

cumulação destas com outras, na forma dos artigos 312, parágrafo

único, e 282, §4º. De fato, fixada uma medida cautelar e sendo esta

descumprida imotivadamente a prisão preventiva poderá ser

decretada, se, claro, for necessária e adequada. Mas, aqui, não se

pode impedir a segregação só pelo fato de o crime doloso não ter

pena máxima superior a 4 (quatro) anos e ou ser culposo. A prisão,

nesta hipótese, é medida excepcionalíssima, e será decretada

diante da falta de compromisso do agente com a sociedade. E a

proporcionalidade, neste caso, restaria observada, por ser medida

adequada, diante da desídia do acusado.

f. Outras hipóteses de vedação da prisão preventiva: a prisão

preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas

provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato sob o

abrigo de uma causa excludente da ilicitude (legítima defesa,

estado de necessidade, exercício regular de um direito e estrito

cumprimento do dever legal), conforme dispõe o art. 314 do CPP. A

prisão preventiva também não poderá ser decretada se à infração

não for isolada, cumulativa ou alternativamente, cominada pena

privativa de liberdade (art. 283, §1º, CPP).

Eugênio Pacelli cita, ainda, outras duas hipóteses, não reguladas na

legislação, nas quais a prisão preventiva também não seria cabível,

ante a sua desproporcionalidade, quais sejam: nas infrações de

menor potencial ofensivo e nos casos de cabimento da suspensão

condicional do processo (infrações de médio potencial ofensivo).

g. Fundamentação. A decisão deve ser necessariamente

fundamentada, e para a fundamentação não bastam meras

citações de artigos de lei, sendo imprescindível a demonstração,

caso a caso, da existência dos requisitos legais.

- Fundamentação Per Relationem: técnica por meio da qual o

magistrado se utiliza da manifestação do órgão acusador para a

decretação da prisão, invocando o famoso ―adoto como razões de

decidir‖. A nosso ver, neste caso, imprescindível se mostra a

transcrição, na decisão judicial, dos fundamentos indicados no

requerimento. A Suprema Corte, todavia, possui posição diversa

admitindo a simples remissão ao pleito acusatório. Nesse sentido: HC

102864, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em

03/08/2010, DJe-173 DIVULG 16-09-2010 PUBLIC 17-09-2010 EMENT

VOL-02415-02 PP-00424. Evidente que a segregação só será lícita se a

aludida manifestação tiver baseada em elementos aptos

necessários à decretação da preventiva. Mas, seguindo a posição

pretoriana, se o pleito ministerial estiver apoiado em elementos

concretos indicativos da periculosidade do agente, não haverá

nulidade na decisão que o acolheu, mediante simples remissão aos

seus termos.

- Supressão da fundamentação pelo Juízo ad quem: impossibilidade.

h. Princípio da proporcionalidade: deve ser aplicado no campo das

prisões provisórias, inclusive, no tocante a seus três subprincípios:

necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

Portanto, a prisão deve ser adequada (presença do fumus comissi

delicti), necessária (periculum libertatis) e proporcional

(homogeneidade), sob pena de ser relaxada. Aliás, o postulado da

proporcionalidade foi acolhido expressamente pela Lei nº

12.403/2011, ao conferir nova redação ao art. 282 do CPP, ao

estabelecer a necessidade e a adequação como critérios de

imposição de medida cautelar pessoal (prisão ou outra cautelar

alternativa à prisão).

i. Princípio da homogeneidade: ―A medida cautelar a ser adotada

deve ser proporcional a eventual resultado favorável ao pedido do

autor, não sendo admissível que a restrição à liberdade, durante o

curso do processo, seja mais severa que a sanção que será aplicada

caso o pedido seja julgado procedente. A homogeneidade da

medida é exatamente a proporcionalidade que deve existir entre o

que está sendo dado e o que será concedido‖ (Paulo Rangel).

Levando-se a termo a homogeneidade não se pode admitir que

um indiciado ou um réu seja preso preventivamente, quando se

constatar que ao final do processo o mesmo não será submetido ao

regime de prisão para cumprimento de sua pena. É a aplicação do

princípio da razoabilidade/proporcionalidade no campo da prisão

provisória. Assim, é heterogênea a prisão preventiva concedida em

processo cujo crime fatalmente permitirá a aplicação de pena

restritiva de direitos.

j. Fixação do regime semiaberto de cumprimento de pena e

manutenção da prisão preventiva: divergência na doutrina e na

jurisprudência:

- impossibilidade, por ser desproporcional, implicando um regime de

cumprimento mais gravoso do que aquele decidido na sentença.

Nesse sentido:

―RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO QUALIFICADO. PRISÃO

EM FLAGRANTE. NEGATIVA DO BENEFÍCIO DA LIBERDADE PROVISÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO

INIDÔNEA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL.

CONDENADO QUE FAZ JUS AO REGIME INICIAL SEMIABERTO. MANUTENÇÃO DO CÁRCERE.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

1. Quando a negativa do apelo em liberdade utiliza-se dos mesmos fundamentos da decisão que indeferiu anterior

pedido de liberdade provisória, é possível examinar a legalidade da custódia preventiva mantida na sentença

condenatória prolatada após a impetração do habeas corpus.

2. A situação flagrancial e a gravidade em abstrato do delito, dissociadas de qualquer outro elemento concreto e

individualizado, não têm, por si sós, o condão de justificar a custódia cautelar. É imprescindível, portanto, que a

prisão provisória seja decretada ou mantida com motivação válida e aliada a um dos requisitos legalmente previstos

no art. 312 do Código de Processo Penal. Precedentes.

3. O Recorrente, ademais, teve a pena-base fixada no mínimo legal, com o reconhecimento de circunstâncias judiciais

favoráveis, fazendo jus ao regime inicial semiaberto, motivo pelo qual a negativa do apelo em liberdade se constitui

em constrangimento ilegal 4. Recurso provido para assegurar ao Paciente o benefício da liberdade provisória, com a

consequente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, sob a condição de comparecimento

a todos os atos processuais e não mudar de endereço sem a permissão da autoridade judiciária.

(RHC 21.361/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 08/02/2010)‖.

Sentença penal condenatória (prolação). Prisão (provisória). Fundamentação (necessidade). Regime semiaberto

(aplicação). Apelação em liberdade (possibilidade).

1. A prisão provisória só há de ser imposta por meio de decisão fundamentada, por exemplo, no caso da preventiva, o

despacho (ou a decisão) que a decretar "será sempre fundamentado".

2. Tal é o que, de igual sorte, acontecerá com a sentença penal, se e quando o juiz entender que o réu, para apelar,

haverá de ser recolhido à prisão.

3. A gravidade abstrata do delito e mera conjectura sobre a possibilidade de reiteração criminosa, por si sós, não

justificam se imponham restrições ao direito de apelar em liberdade.

4. São incompatíveis na sentença condenatória o estabelecimento do regime inicial semiaberto e a negativa ao réu de

apelar em liberdade.

5. Faltando à sentença persuasiva motivação, o melhor dos entendimentos é o de que o réu, já em liberdade, pode

apelar em liberdade.

6. Ordem concedida a fim de se permitir ao paciente aguardar em liberdade o julgamento da apelação.

(HC 119.880/MG, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 24/08/2009, DJe 19/10/2009)

- possibilidade: não há incompatibilidade de manutenção da prisão,

se presentes os requisitos legais. Nesse sentido: HC 184.002/PA, Rel.

Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 14/04/2011, DJe

16/05/2011; HC 89.773/RJ, Rel. Ministro Nilson Naves, Rel. p/ Acórdão

Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 18/09/2008, DJe

28/10/2008.

k. Prazo: até o trânsito em julgado da condenação ou até a

sentença absolutória. No entanto, o prazo para encerramento da

instrução criminal pode intervir na prisão cautelar, caso venha a ser

desrespeitado sem motivo razoável, tornando a segregação

processual ilegal.

(*) Prazo para encerramento da instrução criminal: - anteriormente a

Lei 11.719/2008: 81 dias. Conseqüência da superação do prazo:

ilegalidade da prisão que deveria ser relaxada. Flexibilização do

prazo. Princípio da razoabilidade: Súmula 52 do STJ (instrução já

encerrada); contribuição da defesa para o atraso no feito; causa

complexa; - após a Lei 11.719/2008: razoabilidade, não tendo a

jurisprudência, até o presente momento, eleito um prazo parâmetro,

diversamente do que ocorria anteriormente.

(*) Para parte da doutrina, reconhecida a alegação de excesso de

prazo e relaxada a prisão, não é possível nova decretação da prisão

preventiva. Em sentido contrário, já se manifestou o STJ (HC

17.256/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em

16.08.2001, DJ 17.09.2001 p. 180). Confira, a propósito, a recente

decisão do STF (Informativo 598):

Prisão Cautelar: Excesso de Prazo e Nova Decretação

O relaxamento de prisão preventiva, por excesso de prazo, não impede sua decretação por outros fundamentos

explicitados na sentença. Com base nessa orientação, a Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se

pleiteava o direito de recorrer em liberdade. No caso, o paciente, preso em flagrante delito por transportar e trazer

consigo substâncias entorpecentes, tivera sua constrição relaxada em virtude do excesso de prazo. Após a prolação da

sentença condenatória (Lei 11.343/2006, artigos 33 e 35), o juiz decretara nova segregação cautelar, invocando os

fundamentos do art. 312 do CPP. A impetração sustentava a falta de motivação da custódia, bem como a ausência dos

seus pressupostos autorizadores. Reputou-se que o réu, por ostentar a suposta condição de líder de grupo de tráfico, se

solto, representaria fundado risco à ordem pública e que, por se tratar de crime hediondo, caberia ao magistrado,

motivadamente, decidir sobre eventual direito de o sentenciado recorrer em liberdade. Vencido o Min. Marco Aurélio,

que deferia a ordem por entender que essa nova prisão, com aparência de cautelar, configuraria execução precoce da

pena imposta. Reputava não ser possível, num mesmo processo, considerado o mesmo quadro, ter-se novamente uma

prisão, uma vez reconhecido o anterior excesso de prazo, o qual seria definitivo e não se interrompera com a liberdade

do acusado.

HC 103881/MG, rel. Min. Dias Toffoli, 31.8.2010. (HC-103881)

l. Nova decretação ou revogação: possibilidade. Aplicação da

cláusula rebus sic stantibus (as coisas permanecem como estão se

mantidas as mesmas condições).

m. Recurso. Indeferimento: RSE; Deferimento: não cabe, podendo ser

impetrado habeas corpus. O RSE, neste caso, é secundum eventum

litis, só sendo cabível contra a decisão de indeferimento da

preventiva.

6- Da prisão em flagrante

a) Natureza jurídica: é medida administrativa (outrora tida como

prisão cautelar) que visa a resguardar a ordem social, servindo de

meio preventivo para inibir a prática de outros delitos. Até a Lei nº

12.403/2011, era vista como espécie de prisão cautelar, sendo

mantida no decorrer do processo quando presentes os motivos

autorizadores da prisão preventiva. Todavia, com o advento da

novel norma, o flagrante não mais subsistirá, devendo o juiz

convertê-lo em prisão preventiva, caso decida por manter a

segregação (art. 310, inciso II, do CPP), ou, relaxar a prisão, se ilegal,

ou conceder liberdade provisória. Assim, a prisão em flagrante agora

terá vida efêmera e natureza eminentemente administrativa.

b) Atos: detenção – voz de prisão – encaminhamento à DP –

Lavratura do APF (auto de prisão em flagrante) – encarceramento.

Da prisão captura e da prisão custódia.

c) Da atuação do DP: lavratura do APF ou liberação do conduzido.

Verificação da existência de crime e de indícios de autoria, bem

como da situação de flagrante. Existência do crime: para a doutrina

dominante, a análise, neste caso, restringe-se à chamada tipicidade

aparente (processual), não devendo o delegado adentrar no exame

de eventuais excludentes da ilicitude ou da culpabilidade (salvo

menoridade).

d) Da atuação do juiz: controlador da legalidade. Manutenção da

prisão, por meio da conversão do flagrante em prisão preventiva,

relaxamento ou concessão de liberdade provisória (necessidade da

prisão). Deve o magistrado, desse modo, analisar a legalidade e a

necessidade da prisão. A segregação só será mantida se presentes

os requisitos do art. 312 do CPP, oportunidade em que o juiz

converterá o flagrante em prisão preventiva. Caso contrário, o

magistrado deverá optar pela concessão da liberdade provisória,

com ou sem fiança, na hipótese de prisão legal, ou relaxar a prisão

ilegal. A análise deve ser realizada independentemente de

provocação.

e) Modalidades de flagrante.

- Quanto ao momento da prisão (art. 302): (1) próprio, perfeito,

real, propriamente dito (I e II); (2) impróprio, imperfeito ou quase-

flagrante (III): perseguição imediata e incontinenti: momento da

perseguição, logo após o crime e não à notícia do crime; duração:

não há prazo (24 horas: mito da mídia); (3): presumido ou ficto (IV): a

expressão ―logo depois‖ indica um lapso maior do que ―logo após‖;

instrumentos ou objetos do crime; análise no caso concreto.

- Quanto à pessoa que realiza a prisão (art. 301): (1) facultativo:

qualquer do povo; juiz e promotor; (2) obrigatório (compulsório):

policiais; (*) retardado, diferido, prorrogado, protelado ou ação

controlada: art. 2º, II, da Lei nº 9.034/95. Lei nº 11.343/2006 (tráfico).

Exceção ao flagrante obrigatório.

- Quanto à legalidade da prisão: (1) esperado: sistemas de vigilância

de lojas; tráfico; extorsão; (2) forjado: ilegalidade; (3) preparado,

esperado, quase-crime, delito de ensaio, delito putativo praticado

por obra do agente provocador: requisitos: a) instigação do agente

(colocação de isca); e (b) monitoramento da ação, impedindo de

forma absoluta a consumação do crime. Trata-se de hipótese de

crime impossível, nos termos da Súmula 145 do STF, sendo ilegal a

prisão neste caso.

- Sujeito passivo do flagrante: qualquer pessoa. Exceções: a) pessoas

que não podem ser presas em flagrante delito: menores de 18 anos;

agentes com imunidade diplomática; presidente da república (art.

86, §3°, CF – somente pode ser preso após o trânsito em julgado da

sentença condenatória). Situações excepcionais: (a) magistrados

(art. 33, II, LOMAN), membros do ministério público (art. 40,III, LOMP),

do congresso nacional (art. 53, §1°, CF) e deputados estaduais e

distritais (art. 27, §1°, CF): somente podem ser presos em caso de

flagrante por crime inafiançável (não podem ser presos em razão de

outra prisão cautelar); (b) advogados (art. 7°, §3°, Lei n° 8.906/94):

somente podem ser presos por atos praticados no exercício da sua

função, em razão de crimes inafiançáveis.

e) Apresentação espontânea: impede a prisão em flagrante, pois

não há a chamada prisão por apresentação, mas não a

decretação de uma prisão preventiva ou de temporária.

f) Auto de prisão em flagrante. Peça inicial do inquérito policial.

Requisito à legalidade da prisão.

- Local da lavratura: onde foi realizada a prisão. Lavratura em local

diverso (da prática do crime): inexistência de nulidade, pois não se

fala em competência para autoridades policiais.

- Autoridade com atribuição para lavrá-lo: delegado de polícia ou

juiz (impedimento para ação).

- Aspectos: informativo (serve de base para a denúncia) e

coercitivo (legitima a prisão).

- Diligências realizadas: depoimentos (ordem: condutor - pessoa

que deu voz de prisão -; testemunhas; vítima; conduzido); perícias;

atos de investigação. Presença de advogado. Inexistência de

contraditório. Nenmo tenetur se detegere. Lei nº 11.113/2005:

assinatura após cada depoimento.

- Nota de culpa (art. 306): requisitos. Prazo: 24 horas.

- Prazo para lavratura: imediatamente (prazo máximo: mesmo da

nota de culpa). Razoabilidade.

- Lei nº 11.449, de 15 de janeiro de 2007: passou a exigir, no prazo

de 24 horas contados da prisão, o encaminhamento do auto de

prisão em flagrante ao juiz competente. Além disso, passou-se a

prever a obrigatoriedade, no caso de o autuado não informar o

nome de seu advogado, de se encaminhar cópia integral para a

Defensoria Pública do APF. A providência tem por objetivo permitir

que o autuado possa requerer ao Poder Judiciário, de imediato, o

relaxamento da prisão ou a concessão de liberdade provisória,

evitando, com isso, que indiciados e acusados permaneçam presos

durante a persecução penal, quando não estiverem presentes os

motivos da custódia cautelar. Por outro lado, caso venha a ser

desrespeitada acarretará a ilegalidade da prisão.

- Lei nº 12.403/2011: a nova redação trouxe a obrigatoriedade de

comunicação da prisão ao Ministério Público, o que já ocorria antes

mesmo da novel norma, por força do art. 10 da Lei Complementar nº

75/93, Lei Orgânica do Ministério Público da União, mas aplicável,

por analogia, aos Ministérios Públicos Estaduais. Houve, ainda, a

troca da expressão ―dentro de 24 horas‖ para ―em até 24 horas‖,

realçando o legislador que o prazo previsto deve ser interpretado

como um lapso temporal máximo, só se admitindo a sua superação

à luz da razoabilidade, consoante já mencionado anteriormente.

- Vícios. Caráter coercitivo e informativo. Repercussão na ação

penal: prova e prisão.

(*) Uso de algemas: Súmula vinculante nº 11 – Só é lícito o uso de

algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de

perigo a integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou

de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de

responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da

autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se

refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

QUESTÕES DE CONCURSO (CESPE):

(Cespe – TJ/AL –2012 - Analista) 1. A coação moral irresistível e a obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico são causas de exclusão da A imputabilidade. B tipicidade subjetiva. C ilicitude. D culpabilidade. E tipicidade objetiva.

(Cespe – STJ – 2012 – Analista Judiciário) 2. Considere a seguinte situação hipotética. Luís trafegava a 65 km/h por uma via cujo limite máximo de velocidade era de 50 km/h. Augusto, que trafegava pela mesma via a 50 km/h, tendo ignorado o sinal luminoso vermelho indicativo de “Pare”, colidiu seu veículo contra o dirigido por Luís. Em decorrência da colisão, Paulo, um pedestre que passava pelo local do acidente, foi atropelado. Os três, Luís, Augusto e Paulo, ficaram gravemente feridos. Nessa situação, deve-se aplicar a Luís e a Augusto a concorrência de culpas. (Cespe – STF – 2008 – Analista Judiciário) 3. Uma vez aplicado o princípio da insignificância, que deve ser analisado conjuntamente com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado, a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material, é afastada ou excluída.

(Cespe – MPU – 2010 – Analista Processual) 4. Diógenes desferiu, com animus necandi, golpes de faca em Jacó e fugiu do local dos fatos. Jacó foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros e levado ao hospital, onde foi constatado que as lesões sofridas não eram graves, tendo sido a vítima submetida a rápido procedimento médico e liberada em seguida. Entretanto, Jacó faleceu dois dias após o atendimento médico. Feita a perícia, comprovou-se a morte por infecção generalizada decorrente de contaminação por bactéria encontrada nos instrumentos hospitalares. Nessa situação, como todos os fatos que antecederam o resultado foram indispensáveis à sua ocorrência, evidenciando-se a relação de causalidade entre as lesões sofridas e o resultado morte, de acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes causais, adotada pelo Código Penal brasileiro, Diógenes deve responder por homicídio consumado. 5. No sistema penal brasileiro, o arrependimento posterior, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz são causas obrigatórias de diminuição de pena, previstas na parte geral do Código Penal, exigindo-se, para sua incidência, que o fato delituoso tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa. 6. O indulto, incidente na execução penal, resulta na extinção da pena privativa de liberdade. (Cespe – STM – 2011 – Analista Judiciário) A respeito da tipicidade, ilicitude e culpabilidade, julgue os itens subsequentes. 7. As causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa incluem a estrita obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico. Caso o agente cumpra ordem ilegal ou extrapole os limites que lhe foram determinados, a conduta é culpável. 8. Por expressa disposição legal, não há crime quando o agente pratica o fato no exercício regular de direito ou em estrito cumprimento de dever legal.

(Cespe – DPAC – 2012 – Defensor) 9. O médico que, em procedimento cirúrgico, tiver esterilizado uma paciente devido à inobservância de regra técnica, impossibilitando-a de engravidar, responderá por lesão corporal A culposa, porque agiu contrariamente à regra técnica da profissão. B dolosa leve, pois não era possível prever a perda da função reprodutora da paciente. C dolosa leve, uma vez que não era possível prever a debilidade permanente da função reprodutora da paciente. D dolosa grave, visto que causou debilidade permanente da função reprodutora da paciente. E dolosa gravíssima, já que causou a perda da função reprodutora da paciente. 10. Uma mulher grávida, prestes a dar à luz, chorava compulsivamente na antessala de cirurgia da maternidade quando uma enfermeira, condoída com a situação, perguntou o motivo daquele choro. A mulher respondeu-lhe que a gravidez era espúria e que tinha sido abandonada pela família. Após dar à luz, sob a influência do estado puerperal, a referida mulher matou o próprio filho, com o auxílio da citada enfermeira. As duas sufocaram o neonato com almofadas e foram detidas em flagrante. Nessa situação hipotética, A a mulher e a enfermeira deverão ser autuadas pelo crime de infanticídio; a primeira na qualidade de autora e a segunda na qualidade de partícipe, conforme prescreve a teoria monista da ação. B a mulher e a enfermeira deverão ser autuadas pelo crime de infanticídio; a primeira na qualidade de autora e a segunda na qualidade de coautora, visto que o estado puerperal consiste em uma elementar normativa e se estende a todos os agentes. C a mulher deverá ser autuada pelo crime de infanticídio e a enfermeira, pelo crime de homicídio, já que o estado puerperal é circunstância pessoal e não se comunica a todos os agentes. D a mulher e a enfermeira deverão ser autuadas pelo crime de homicídio, consoante as determinações legais estabelecidas pelas reformas penais de 1940 e 1984, que rechaçam a compreensão de morte do neonato por honoris causae. E a mulher deverá ser autuada pelo crime de infanticídio e a enfermeira, pelo crime de homicídio, uma vez que o estado puerperal é circunstância personalíssima e não se comunica a todos os agentes. 11. No crime de calúnia, a procedência da exceção da verdade é causa A de exclusão de culpabilidade, uma vez que, sendo verdadeiro o fato imputado, a conduta não será considerada reprovável. B de extinção de punibilidade, já que, se verdadeiro o fato imputado, não será necessário aplicar a pena. C de exclusão de crime, porque, se o fato imputado for verdadeiro, não haverá crime, já que nunca existiu a falsidade da imputação. D de exclusão de ilicitude, pois, caso o fato imputado seja verdadeiro, a conduta não se caracterizará como antijurídica. E irrelevante, visto que, caso seja verdadeiro o fato imputado, a conduta deverá ser analisada com base em teses eventualmente obtidas mediante defesa escrita. (Cespe – TRE/MS –2013 - Analista) 12. Em relação aos crimes contra a honra, assinale a opção correta. A A lei penal prevê a impossibilidade de arguição da exceção da verdade no crime de calúnia se o fato imputado for crime de ação privada e o ofendido não tiver sido condenado por sentença irrecorrível. B O crime de difamação não admite a exceção da verdade, mas permite que o agente ofereça a exceção de notoriedade do fato, de modo a demonstrar que, para o agente, o fato era de domínio público, afastando o dolo da conduta. C A configuração do crime de calúnia prescinde da imputação falsa de fato definido como crime ou contravenção, podendo ser suprida mediante a determinação e a presença do animus caluniandi. D A consumação do crime de calúnia se dá com o conhecimento, por parte do sujeito passivo, da imputação falsa de fato definido como crime, independentemente da ciência ou divulgação por parte de terceiros.

E O autor de imputação falsa de fato descrito como infração penal que, na mesma circunstância, der causa à instauração de investigação policial e de processo judicial contra a vítima responderá em concurso material pelos crimes de calúnia e denunciação caluniosa. (Cespe – AGU – 2012 – advogado) Julgue os itens subsecutivos, a respeito dos efeitos da condenação criminal e de crimes contra a administração pública. 13. Em regra, não se concede o direito de recorrer em liberdade ao réu que tiver permanecido preso durante toda a instrução do processo, pois a manutenção do réu na prisão constitui um dos efeitos da respectiva condenação. 14. O tipo penal denominado peculato desvio constitui delito plurissubsistente, podendo a conduta a ele associada ser fracionada em vários atos, coincidindo o momento consumativo desse delito com a efetiva destinação diversa do dinheiro ou valor sob a posse do agente, desde que haja obtenção material do proveito próprio ou alheio. 15. É inaplicável o princípio da insignificância aos crimes contra a administração pública, pois a punição do agente, nesse caso, tem o propósito de resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas, principalmente, a moral administrativa. 16. Considera-se efeito genérico e automático da condenação a restrição ao exercício de cargo público. (Cespe – MPPI – 2012 – Analista Processual) 17. Nos crimes praticados por servidor público contra a administração, a exoneração da função pública, decorrente de condenação criminal, resulta como efeito automático da sentença, desde que reconhecida a existência de abuso de poder ou violação de dever funcional, consoante tratamento diferenciado estabelecido no Código Penal (Cespe – STM – 2011 – Analista Judiciário) Sobre os crimes contra a administração pública, julgue os próximos itens! . 18. Nos crimes de favorecimento pessoal e real, caso o sujeito ativo seja ascendente ou descendente do criminoso, fica isento de pena! . 19. A pessoa que exige para si vantagem a pretexto de influir em ato praticado por servidor público no exercício da função comete crime de tráfico de influência. Caracteriza-se a exploração de prestígio quando a solicitação é feita a pretexto de influir, por exemplo, sobre juiz ou funcionário da justiça. 20. Caso o indivíduo X, servidor público, aceite dinheiro oferecido pelo indivíduo Y para retardar o andamento de processo que tramita na vara onde X exerce suas funções, os dois deverão responder por corrupção passiva, em concurso de pessoas. (Cespe – TJDFT – 2008 – Analista Judiciário – Cargo 3) Julgue os itens que se seguem, relacionados aos crimes contra a administração pública. 21. Pratica crime de prevaricação o funcionário público autorizado que insere dados falsos nos sistemas informatizados ou banco de dados da administração pública, com o fim de causar dano a outrem. 22. No crime de peculato culposo, se o sujeito ativo reparar o dano até a data da sentença irrecorrível, sua punibilidade será extinta. (Cespe – TJDFT – 2008 – Analista Judiciário – Cargo 2) A respeito dos crimes contra a administração pública, julgue os itens seguintes.

23. Pratica crime de advocacia administrativa quem patrocina, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário, sendo que, se o interesse for ilegítimo, a pena será mais grave. Trata-se de crime de mão própria, isto é, que somente pode ser praticado por advogado ou bacharel em direito. 24. Pratica crime de excesso de exação o funcionário público que pratica violência no exercício de função ou a pretexto de exercê-la. (Cespe – MPPI – 2012 – Analista Processual) 25. Os inquéritos policiais ou ações penais em andamento não podem, em razão do princípio constitucional do estado presumido de inocência, ser considerados para fins de exasperação da pena-base, seja a título de maus antecedentes, seja de má conduta social ou personalidade, salvo motivação judicial específica, com lastro em elementos concretos existentes nos autos. (Cespe – TRE/RJ –2012 - Analista) A respeito das provas e das normas procedimentais para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, julgue o item abaixo. 26. O firme e coeso depoimento da vítima é suficiente para comprovar o emprego de arma de fogo pelo réu no delito de roubo. (Cespe – TRE/MS –2013 - Analista) 27. Assinale a opção correta a respeito da prisão e da liberdade provisória. A Decretada de ofício ou a requerimento das partes, a prisão preventiva por descumprimento a medida cautelar anteriormente imposta não se submete aos requisitos fáticos e normativos previstos no CPP, pois, nesse caso, se trata de prisão cautelar subsidiária. B A decretação da custódia preventiva de acusado reincidente em crime doloso — que prescinde da observância do requisito de ser a infração crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos — requer, tão somente, que a infração penal seja dolosa e que estejam presentes os requisitos fáticos previstos no CPP. C A prisão preventiva, como medida constritiva da liberdade, poderá ser decretada de ofício pelo juiz em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, presentes os requisitos autorizadores. D A prisão preventiva, na atual sistemática processual penal, poderá ser decretada como conversão da prisão em flagrante ou por descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta. E A prisão preventiva é admitida quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o acusado permanecer preso, após a identificação, se for recomendada a manutenção da medida, mesmo que ele tenha praticado crime culposo. (Cespe – MPU – 2010 – Analista Processual) 28. Tratando-se de crimes de menor potencial ofensivo para os quais não haja previsão de pena privativa de liberdade, em hipótese alguma se imporá a prisão em flagrante ao autor da infração. 29. As prisões decorrentes de pronúncia e de sentença penal condenatória com recurso pendente de julgamento pela instância superior não estão elencadas entre as hipóteses de prisão cautelar, visto que se sustentam em instrumento jurídico distinto, isto é, em sentença. (Cespe – PF – 2012 – Agente) 30. A prisão preventiva, admitida nos casos de crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, pode ser decretada em qualquer fase da persecução penal, desde que haja prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Cespe – TJES – 2011 – Analista Judiciário)

31. Caberá prisão preventiva na persecução penal para a apuração de crimes dolosos e culposos sujeitos à punição com pena de reclusão ou detenção. (Cespe – PF – 2012 – Agente) 50. A legislação processual obsta a decretação da prisão preventiva e temporária no caso de o acusado apresentar-se espontaneamente em juízo ou perante a autoridade policial, prestar declarações acerca dos fatos apurados e entregar o passaporte, assim como no caso de o juiz verificar, pelas provas constantes dos autos, que o agente praticou o fato em estado de necessidade, legítima defesa ou no estrito cumprimento do dever legal. (Cespe – TJDFT – 2008 – Analista Judiciário – Cargo 2) A respeito das prisões em flagrante, preventiva e temporária, julgue os próximos itens. 51. Nas infrações permanentes, entende-se o sujeito ativo do crime em flagrante delito nas primeiras 24 horas após o início da execução do crime.

Gab: 1-d; 2- Anulada; 3-c; 4- Anulada; 5-C; 6-e; 7-c; 8-c; 9-a; 10-b; 11-c; 12-a;

13-e; 14-e; 15-Anulada; 16-e; 17-e; 18-e; 19-c; 20-e; 21-e; 22-c; 23-e; 24-e; 25-e;

26-c; 27-b; 28-c; 29-e; 30-c; 31-e; 32-e; 33-e