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Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

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Page 1: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Leandro Pires Salvador

Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo3054 da TAM à sombra da mídia

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO

2008

Page 2: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Leandro Pires Salvador

Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo3054 da TAM à sombra da mídia

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examina-dora como exigência parcial para obtençãodo título de MESTRE em Comunicação e Se-miótica pela Pontifícia Universidade Católicade São Paulo, sob a orientação do Prof. Dou-tor Norval Baitello Júnior.

SÃO PAULO

2008

Page 3: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

Dissertação de Mestrado sob o título Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo

3054 da TAM à sombra da mídia, defendida por Leandro Pires Salvador, no Programa de

Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, na área de concentração Signo e Signi�cação nas Mídias, sob a linha de

pesquisa Cultura e Ambientes Midiáticos, perante a banca examinadora constituída pelos

doutores:

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Aos meus pais, pelo apoio incondicional.

Page 5: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

Agradecimentos

Ao CNPq e ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela concessão de bolsa de estudo que

possibilitou a realização desta pesquisa.

A Norval Baitello Júnior, Milton Pellegrini e Múcio Whitaker, pelas idéias.

A Adriana Ortiz, Eric Calderoni, Jorge Miklos, Karin Thrall, Lilian Muneiro, Priscila

Magossi, Rafael Repolho, Suzete D'Ávila e todos aqueles que estiveram presentes, com

idéias, apoio e amizade.

A Jorge de Albuquerque Vieira e Eugênio Trivinho, pelas aulas marcantes.

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Assim como a árvore está na semente, os �ns estão nos meios.

Se cuidamos dos meios, o �m cuidará de si mesmo.

Sempre temos controle sobre os meios, nunca sobre os �ns.

É impossível atingir-se �ns nobres por meios condenáveis.

(Gandhi)

Page 7: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

Resumo

Esta pesquisa busca compreender de que modo a mídia é capaz de distorcer, ampli�-car, minimizar ou criar e ocultar realidades, segundo a linha ideológica (chamada �linhaeditorial�) adotada pelo veículo, embora freqüentemente não assumida. Entendemos exis-tir uma relação entre o Estado, o mercado e a mídia como instituições que detêm podersobre a sociedade. A mídia corporativa, enquanto conjunto de empresas, apresenta-se du-plamente alinhada ao mercado: seja pelos �ns lucrativos que tem em comum a qualqueroutra corporação tipicamente capitalista, seja por servir como representante de interessesideologicamente ocultados. Com este foco, o presente trabalho de pesquisa investigou asraízes do contexto cultural atual, dentro do qual ocorreu uma grave crise no mercado detransporte aéreo brasileiro que teve como ápice um acidente com 199 vítimas fatais. Acobertura midiática deste evento permite concluir que o mercado venceu o Estado tantono que diz respeito à primeira realidade (respeito a regulamentos e limitações físicas)quanto à segunda (enfraquecimento do Estado e defesa da hipótese de que o mercadose auto-regula de acordo com leis naturais, ideologicamente construídas). Investigamoscomo métodos que são adequados à análise de fenômenos físicos e biológicos, ao seremaplicados no jornalismo, escondem as causas essenciais daquilo que é investigado, bemcomo de possíveis interesses em jogo, e como esta abordagem tem sido ideologicamenteutilizada tanto por pesquisas realizadas em in�uentes Escolas de Comunicação, quantopela própria praxis jornalística. A pesquisa focou a cobertura do jornal Folha de SãoPaulo, em sua versão eletrônica Folha Online, sobre o desenvolvimento da crise aérea atéo acidente do Vôo 3054 da TAM. A partir daí, focou sobre três fatos que, da maneiracomo foram cobertos pela mídia em geral, não puderam ser claramente compreendidos ouinterpretados pelo público em geral.

Palavras-chave: (1) Mídia e ideologia; (2) Cultura e poder; (3) Teorias da comunica-ção; (4) Jornalismo informativo.

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Abstract

This research work attempts to comprehend the way through which the media is ca-pable of distorting, amplifying, minimizing, creating or hiding perceived realities, as itfollows the ideological line (named �editorial line�), although usually it is not assumed. Itis understood that there is a relationship between the State, the market and the mediaas institutions that maintain power over society. Corporate media, as a group of compa-nies, is aligned with the market in two ways: through means of pro�t, common to anycapitalist corporation, and as a representative of ideologically hidden interests. With thisin mind, the research work investigated the roots of the contemporary cultural context,focusing on a serious crisis in the Brazilian airline market, a crisis which culminated in anairplane accident with 199 deaths. In this event, the media made it clear that the marketdominated over the State, with respect to the �rst reality (to the following of regulationsand physical limitations) as well as the second reality (weakening of the State and de-fending the hypothesis that the market regulates itself following natural laws, which areideologically built). We investigated how the methods that are appropriate to the analy-sis of physical and biological phenomena, when applied in journalism, hide the essentialcauses of that which is investigated, well as the possible interests, and how this approachhas been ideologically used in di�erent Communication Schools as well as by journalisticwork. The research work focused on media coverage by the electronic version of the Folhade São Paulo newspaper (Folha Online) related to the developments of the airline crisisup to the point of the TAM Flight 3054 disaster. Thereafter, it focused on three factswhich, as covered by the general media, could not be clearly understood or interpretedby the general public.

Keywords: (1) Media and ideology; (2) Culture and power; (3) Communication the-ories; (4) Informative journalism.

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Sumário

Introdução p. 17

1 A crise aérea à luz da mídia p. 25

1.1 Da origem ao estopim: da quebra da Varig ao acidente da Gol . . . . . p. 25

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM . . . . . . . . . . . p. 28

2 O acidente da TAM à sombra da mídia p. 67

2.1 Episódio I: o seguro de US$ 1,5 bilhão . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 68

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� . . . . . . . . . . . . p. 78

2.3 Episódio III: a norma que não era norma . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 99

3 Mídia e cultura p. 115

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideologias . . . . . . . . . . p. 116

3.1.1 A primeira e a segunda realidade . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 116

3.1.2 A cultura da ciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 124

3.1.3 Comunicação: um novo paradigma cultural . . . . . . . . . . . . p. 132

3.2 A emergência da cultura capitalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 134

3.2.1 ...na Inglaterra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 134

3.2.2 ...nos Estados Unidos da América . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 139

3.2.3 ...na França . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 140

3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire . . . . . . . . . . . . . . p. 145

3.3.1 A democracia como estratégia comunicativa . . . . . . . . . . . p. 146

3.3.2 Estratégias ideológicas do Estado moderno . . . . . . . . . . . p. 154

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3.3.3 O neoliberalismo como cultura dominante . . . . . . . . . . . . p. 160

3.3.4 Mídia e difusão ideológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 166

4 Mídia e ideologia p. 171

4.1 Comunicação e ideologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 172

4.1.1 A cultura pelo �ltro biológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 172

4.1.2 A comunicação pelo �ltro empírico . . . . . . . . . . . . . . . . p. 176

4.1.3 Neoliberalismo: a ideologia empiricamente justi�cada . . . . . . p. 180

4.2 Neoliberalismo aplicado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 183

4.2.1 A praxis do jornalismo informativo . . . . . . . . . . . . . . . . p. 183

4.2.2 Aviação civil no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 196

Conclusão p. 203

Referências Bibliográ�cas p. 213

Referências Online p. 215

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17

Introdução

�Aquele que olha por um vidro de cor vê todos os objetos da cor desse vidro;se o vidro é vermelho, tudo lhe parece rubro;

se é amarelo, tudo se lhe apresenta completamente amarelado;a paixão está para nós como a cor do vidro para os olhos;se alguém nos agrada, tudo lhe louvamos e desculpamos;

se, ao contrário, nos aborrece,tudo lhe condenamos ou interpretamos de modo desfavorável.�

(Beremiz, O Homem que Calculava)

O presente trabalho é um estudo de caso que pretende encontrar as relações existen-

tes entre a visão de mundo predominante nos tempos atuais e a forma como as notícias

são produzidas pelo jornalismo informativo. A hipótese formulada é a de que as em-

presas difusoras de informação favorecem a consolidação e a reprodução do principal

paradigma ideológico predominante atualmente, em detrimento de outras perspectivas

possíveis, servindo não apenas como um de seus pilares de sustentação, mas dele também

bene�ciando-se. Sendo assim, o objetivo deste trabalho de pesquisa é compreender as

origens ideológicas do atual contexto cultural e sua relação com o modus operandi do

jornalismo informativo. Para atingir este objetivo foi escolhido como objeto do trabalho,

no contexto da crise aérea, o acidente do vôo 3054 da TAM. A cobertura midiática da

crise aérea foi aqui analisada por meio de uma abordagem narrativa, que deu destaque

à espetacularização do caos, principalmente no período compreendido entre 29.09.2006 e

17.07.2007, datas em que ocorreram, respectivamente, os acidentes do vôo 1907 da Gol e

3054 da TAM: o estopim e o auge da crise.

Na análise aqui realizada procurou-se dar ênfase a aspectos polêmicos da cobertura

midiática, como por exemplo à diferença de enfoque entre o �motim dos sargentos con-

troladores de vôo� e a �entrega da che�a das salas de controle aéreo pelos o�ciais da

Aeronáutica�, tratada no Capítulo 1. Após o acidente da TAM, a abordagem aqui utili-

zada deixou de ser narrativa e passou a ser crítica, e o foco da análise deixou de ser sobre a

crise aérea em si, para investigar três episódios decorrentes do acidente, com notícias ana-

lisadas principalmente a partir de 17.07.2007. O primeiro episódio é relativo à indenização

de US$ 1,5 bilhão que a TAM passou a ter à sua disposição em virtude do acidente. O

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18 Introdução

segundo, refere-se à trajetória da �caixa-preta� de voz da aeronave acidentada. O terceiro,

diz respeito a um documento produzido pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC),

a IS-RBHA 121-189, que �cou conhecido como �a norma que não era norma�.

O corpus de análise foi, principalmente, notícias da versão online do jornal Folha

de S. Paulo, a Folha Online, compreendidas entre 29.09.2006 e 29.09.2007; sempre que

notícias produzidas por outras empresas pudessem, entretanto, enriquecer esta pesquisa

com informações não cobertas pela Folha Online, as mesmas também foram consideradas

para os efeitos deste estudo. O período analisado corresponde a aproximadamente um

ano de crise, e se encerrou quando os três episódios sobre o acidente da TAM deixaram

de ser notícias para, ocasionalmente, serem referidos como história já consolidada.

O problema de pesquisa a ser estudado deseja saber até que ponto informações produ-

zidas como produtos aparentemente imparciais e livres de qualquer subjetividade, ganham

credibilidade e podem in�uenciar a compreensão da realidade, a própria realidade em si,

e a versão da história que se consolida sobre ela. Até o presente momento não existem

trabalhos envolvendo todo o percurso da crise aérea, que apresente o contexto em que esta

se desenvolveu e, a partir daí, focalize os três episódios ocorridos após o acidente do vôo

3054 da TAM analisados nesta pesquisa. Assim, este trabalho pretende contribuir para

a compreensão de como se dá o processo de ocultação do real pela praxis do jornalismo

informativo, quando não investiga e não aborda criticamente sua própria matéria-prima:

os fatos e as versões dos fatos. Para isso, a pesquisa procurou saber o que motivou a

mídia a adotar, nos três episódios analisados, uma das versões disponíveis, em detrimento

das demais, e como isto ocorreu. Foram desenvolvidos quatro capítulos com o objetivo

de melhor compreender os fatos analisados e o contexto em que eles ocorreram.

Capítulo 1 � A crise aérea à luz da mídia

Neste capítulo é apresentado um panorama dos acontecimentos que levaram à gestação

da crise aérea, levando-se em consideração alguns acontecimentos relevantes que levaram a

empresa Varig a dominar o mercado de transporte aéreo regular brasileiro, tanto nas rotas

nacionais quanto internacionais, até sucumbir diante do novo cenário político e econômico,

em que as empresas TAM e Gol se tornaram líderes deste mercado. Aproximadamente

dois meses após este novo cenário ter se consolidado, ocorreu o acidente do vôo 1907 da

Gol, e a cobertura midiática relativa ao setor foi transferida do caderno Dinheiro para

o Cotidiano, quando a crise aérea se tornou um espetáculo midiático. A abordagem

narrativa sobre os acontecimentos da crise aérea, tal qual os mesmos eram reportados

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Introdução 19

principalmente pela Folha Online, foi realizada até o momento do acidente do vôo 3054

da TAM.

Capítulo 2 � O acidente da TAM à sombra da mídia

Este capítulo deixa de realizar uma abordagem narrativa sobre a crise aérea, e passa

a realizar uma abordagem crítica e investigativa sobre três episódios que, da maneira

como foram cobertos pela mídia em geral, tiveram suas histórias consolidadas segundo

perspectivas que consolidaram certas versões em detrimento de outras. Desta forma, o

capítulo se baseia em informações disponibilizadas pela própria mídia, além de alguns

documentos de domínio público, para investigar outras faces destes episódios. O primeiro

episódio trata de diversos aspectos que não foram aprofundados ou questionados sobre

�o seguro de US$ 1,5 bilhão� que a TAM possuía por evento (acidente). O segundo

episódio diz respeito a dois desaparecimentos ocorridos com a �caixa-preta� de voz do avião

acidentado: o primeiro logo após o acidente, em que o equipamento �cou desaparecido por

aproximadamente 41 horas; o segundo, quando a transcrição de seu conteúdo se tornou

pública, e �desapareceram� aproximadamente 22 dos 30 minutos da transcrição. O terceiro

episódio aborda as polêmicas que giraram em torno de um documento produzido pela

agência reguladora do setor, a ANAC, que foi apresentado à Justiça, disponibilizado no

sítio o�cial da Agência na Internet, mas cujo conteúdo apesar de ter sido implementado

pela empresa Gol, foi desconsiderado pela concorrente TAM. Neste documento, a IS-

RBHA 121-189, há passagens que fazem referência à necessidade de que em aeroportos

especiais, como o de Congonhas, em operações com a pista molhada, não pousassem

aeronaves com o reverso inoperante, que foi justamente o caso da aeronave que foi enviada

para realizar o vôo 3054 da TAM.

Capítulo 3 � Mídia e cultura

O terceiro capítulo realiza uma retrospectiva que busca compreender os fundamentos

culturais da visão de mundo atualmente reproduzida pela mídia. Procurou-se realizar uma

re�exão teórica sobre as origens do modelo de mundo atual, em que os mitos sobrenaturais

enquanto explicações sobre o funcionamento do mundo gradativamente perderam espaço

para explicações baseadas nas ciências naturais. Este ponto de ruptura foi signi�cativo

para o deslocamento de poder, antes dividido entre Igreja e reis absolutistas, para o atual

modelo de Estado republicano e democrático, projetado já em sua origem como guardião

do modelo econômico liberal. Buscou-se compreender, com isso, as origens do Estado

moderno e da economia neoliberal, que atualmente regulam, entre outras, as relações no

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20 Introdução

mercado de transporte aéreo brasileiro. Tendo em mente esta perspectiva, investigamos

a relação que a mídia possui enquanto base de sustentação desse modelo, por meio da

construção de uma visão de mundo que defende a �Hipótese da E�ciência dos Mercados�,

em que o livre mercado e a política de laissez-faire in�uenciam signi�cativamente as

relações entre mídia, mercado e Estado atualmente. O setor aéreo no Brasil, bem como

a cobertura midiática sobre a crise aérea e sobre o acidente do vôo 3054 da TAM, são

exemplos do modus operandi que norteia essa relação.

Capítulo 4 � Mídia e ideologia

O quarto e último capítulo trata das origens ideológicas do contexto cultural atual.

Ao longo do capítulo analisou-se a relação que os novos paradigmas cientí�cos tiveram na

consolidação do mundo atual. Neste sentido, pesquisou-se a in�uência da Escola Empírica

tanto nas pesquisas em Comunicação, quanto na praxis jornalística. Desta forma, buscou-

se compreender a relação existente entre mídia, mercado e Estado, sob uma perspectiva

que teve em vista a essência comum que conecta a lógica de funcionamento dessas três

poderosas instituições nos tempos atuais.

Para fundamentação teórica desta pesquisa, buscamos autores que nos auxiliassem a

compreender: o atual contexto cultural; a in�uência do método cientí�co na consolidação

de uma nova visão que deslocou a compreensão sobrenatural do mundo, para outra que

priorizou o empirismo como método para analisar os fenômenos naturais; a apropriação

desta nova visão cientí�ca da natureza para a construção de um modelo de mundo so-

cial, político, econômico e cultural ideologicamente inspirado; a compreensão do que é a

ideologia e qual é seu modus operandi.

Em Tópicos de Semiótica da Cultura, Ivan Bystrina realiza, entre diversas re�exões

sobre Semiótica da Cultura, uma cujo raciocínio serve de apoio a esta pesquisa: as dife-

renças entre primeira e segunda realidade. Por primeira realidade o autor compreende o

mundo material, físico, biológico e social; por segunda, o mundo imaginário, cultural. A

relação entre as duas realidades é, portanto, de reciprocidade, e não de linear continui-

dade. Ambas se complementam, interagem, mas não se desenvolvem da mesma forma. A

primeira realidade pode ser apreendida por métodos empíricos; a segunda, exige estraté-

gias que não dependam apenas de evidências empiricamente comprováveis, especialmente

quando se analisa con�itos de interesse e poder. Para aprofundar a compreensão sobre

isso, buscamos apoio em outros autores.

Em O Que É Ideologia e em Simulacro e Poder: uma análise da mídia, Marilena

de Souza Chauí faz uma análise sobre a origem do termo ideologia, como ela funciona,

Page 15: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

Introdução 21

quem dela pode se bene�ciar, e como a mídia é ideologicamente utilizada para consolidar

uma visão de mundo que, apesar de inspirada em fatos reais, acaba por produzir no

imaginário de seus clientes uma compreensão distorcida da realidade. A autora se inspira

na concepção que Karl Marx faz de ideologia, segundo o qual este mecanismo esconde

a realidade e bene�cia os interesses econômicos dominantes, a um custo muito inferior

ao uso da força e da coerção para manter-se o status quo. Para dar suporte a este

assunto, consideramos também algumas contribuições de Terry Eagleton, com Ideologia:

uma introdução, e John B. Thompson, com Ideologia e Cultura Moderna.

Em Relações de Poder e Formas de Gestão, José Henrique de Faria relaciona a questão

da ideologia ao modelo de Estado democrático. Segundo o autor, as principais instituições

sociais são utilizadas como mecanismos de legitimação de todo o poder, contando para

este �m com a negação da divisão de interesses. Os interesses dominantes, desta forma,

tendem a cooptar o aparelho estatal, mantendo assim o controle sobre o poder coercitivo.

A coerção, entretanto, devido ao seu alto custo, ao fato de ser muito evidente e de criar

resistência por parte dos coagidos, não é tão e�ciente quanto o uso da ideologia para

legitimar a estrutura de poder, segundo o autor. Sob esta ótica, o autor contribui para

a compreensão das relações existentes entre ideologia e aqueles que se bene�ciam com a

manutenção do status quo.

Em Jornalismo e Desinformação, Leão Serva faz um diagnóstico de algumas distorções

de informações que ocorrem na praxis do jornalismo. Tais distorções levam não apenas

à compreensão equivocada de um fato mas, quando em conjunto com outras distorções

que interagem entre si, acabam por levar à inadequada compreensão de fatias enormes da

realidade. Neste sentido, as estruturas que se bene�ciam com o status quo permanecem

inacessíveis pela ótica do jornalismo, além do que desinformar, segundo o autor, se torna

uma e�ciente estratégia para aumentar a demanda por novas informações e, portanto, o

lucro das empresas que vendem notícias.

Em História das Teorias da Comunicação, Armand e Michèle Mattelart fazem, entre

várias retrospectivas, uma sobre o surgimento das teorias funcionalistas da comunicação, e

mostram de que forma os estudos nesta área procuraram utilizar os meios de comunicação

como instrumentos voltados à gestão das opiniões da sociedade, de modo a fabricar, na

medida do possível, consensos que mantenham as relações sociais estabilizadas. Esta visão

funcionalista das ciências da comunicação levou muitas das pesquisas realizadas na área a

buscarem não meramente o desenvolvimento cientí�co, mas a própria tecnociência, ou seja:

a aplicação de técnicas que permitam in�uenciar, ou mesmo manipular, as consciências

Page 16: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

22 Introdução

e os comportamentos sociais, algo que é central para o que a presente pesquisa pretende

analisar.

Em Sociologia da Comunicação, Philippe Breton e Serge Proulx analisam os efeitos

da abordagem empírica na busca pela e�ciência da mídia. Partindo do pressuposto de

que fenômenos sociais podem ser investigados com a mesma exatidão que os fenômenos

físicos ou biológicos, as pesquisas empíricas na área de comunicação buscam compreender

os impactos imediatos e a curto prazo produzidos pela mídia. Assim, o empirismo como

método de análise aos fenômenos da comunicação tende a enfocar os efeitos, e não as

causas, o que acaba por levar ao ocultamento da essência dos fenômenos, bem como dos

interesses que de alguma forma se bene�ciam com essa falta de foco nas causas.

Em O Fim da Pré-História: um caminho para a liberdade, Tomás Hirsch faz uma

análise crítica sobre o atual modelo cultural, social e econômico baseado na ideologia neo-

liberal. Para isso, leva em consideração as relações existentes entre mercado e Estado, e

desenvolve o raciocínio sobre a atual estratégia de enfraquecimento do Estado, em detri-

mento de um mercado livre e desregulado. Aborda também as estratégias utilizadas pelo

capital �nanceiro internacional para enfraquecer os Estados nacionais, tanto �sicamente

(por meio de estratégias macroeconômicas que limitam seu poder de decisão), quanto

ideologicamente (por meio de seu desprestígio sistematicamente alimentado pela mídia).

Em História Moderna e Contemporânea e em Pequena História da Civilização Oci-

dental, José Jobson de A. Arruda e Idel Becker, respectivamente, apresentam o contexto

histórico em que nasceu o capitalismo, desde o desenvolvimento do comércio e dos burgos

(cidades medievais), que deram origem à classe social conhecida como burguesia, pas-

sando pelas novas descobertas cientí�cas; pelo deslocamento do poder da Igreja para a

burguesia; pela contribuição que os novos paradigmas cientí�cos tiveram tanto para ques-

tionar os alicerces sobre os quais a Igreja se apoiava, quanto para desenvolver um novo

modelo de poder; até as revoluções que impulsionaram a ruptura com a Igreja e com as

monarquias absolutistas, em favor de um modelo de Estado republicano e democrático,

criado pela burguesia. Esta perspectiva histórica contribui para a compreensão sobre o

modo como o poder econômico nasceu com uma burguesia comercial, foi impulsionado

pela burguesia industrial e, atualmente, se consolida com o capitalismo �nanceiro que,

num mundo globalizado, é internacional (ou seja, não tem vínculo com qualquer pátria

ou nação). A compreensão sobre as raízes do capitalismo atual exige uma visão que vá

além dos paradigmas econômicos e sociológicos, e é esta compreensão multifacetada sobre

suas origens que os autores oferecem.

Page 17: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

Introdução 23

Em virtude da natureza da dissertação, optou-se por um estudo de caso que envolve

levantamento de dados. Porém, como este trabalho envolve também uma abordagem

crítica, foi elaborada uma pesquisa bibliográ�ca que permitisse compreender as relações

profundas existentes entre a mídia, o mercado e o Estado. Nessa perspectiva, analisou-

se o surgimento do atual modelo de Estado republicano e democrático, bem como do

modelo de economia liberal que junto com ele foi desenvolvido. Procurou contextualizar a

mídia com o fato de as empresas difusoras de informação serem, elas próprias, elementos

que compõe o mercado, e de que forma a relação de pertencimento e de interdependência

destes três elementos acaba por prejudicar a compreensão da realidade cultural, econômica

e social. Pesquisou-se também sobre o modus operandi da ideologia, do empirismo e do

funcionalismo na construção da visão de mundo atual, bem como a in�uência de tais

estratégias tanto no jornalismo quanto nas pesquisas em Comunicação.

Esta dissertação não pretende, entretanto, criar novas versões para os episódios ana-

lisados no estudo de caso, ou forçar uma conexão inexistente entre a mídia, o mercado

e o Estado. O que procurou-se realizar no presente trabalho foi encontrar as raízes que

podem auxiliar na compreensão sobre de que forma essas três instituições se relacionam,

uma vez que com o desenvolver da pesquisa observou-se que a mídia teve um papel fun-

damental para que algumas perspectivas sobre a crise aérea e o acidente do vôo 3054 da

TAM não fossem difundidas ao público. Em última instância, isto pode ter levado à ocul-

tação das causas que levaram as instituições do Estado que possuem autoridade sobre o

setor de aviação civil, a assumirem posições passivas em relação às empresas do setor, que

puderam operar livremente segundo os princípios do laissez-faire, centrais na ideologia

neoliberal. O presente trabalho também não tem a intenção de apresentar inocentes ou

culpados tanto pela crise aérea, quanto pelo acidente do vôo 3054 da TAM, ou mesmo de

investigar suas causas. O foco desta pesquisa está na cobertura midiática sobre as pos-

síveis diferenças entre a versão da história narrada pela mídia, e outras versões possíveis

que estavam disponíveis mas que, por motivos nem sempre claros, entraram para aquilo

que aqui chamamos de não-história.

As citações às referências foram organizadas da seguinte forma: nos dois primeiros

capítulos, devido à grande quantidade de notícias analisadas, optou-se por realizar ci-

tações numéricas, por facilitarem a identi�cação das notícias nas �Referências Online� e

permitirem uma leitura mais dinâmica e agradável. Exclusivamente no Capítulo 2, nas

notícias em que apenas as manchetes foram utilizadas, optou-se por disponibilizar o ende-

reço do sítio na Internet apenas por meio de notas de rodapé. Nos dois últimos capítulos,

Page 18: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

24 Introdução

por tratarem de pesquisa bibliográ�ca, o estilo de citação adotado foi o autor-data, para

facilitar ao leitor a identi�cação da obra nas �Referências Bibliográ�cas�.

Page 19: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

25

1 A crise aérea à luz da mídia

�À mulher de César não basta ser honesta,

tem também de parecer honesta.�

(Júlio César)

1.1 Da origem ao estopim: da quebra da Varig ao aci-

dente da Gol

A Varig foi fundada em 07.05.1927 e, com a instituição da ditadura militar no Brasil

em 01.04.1964, aliada à falência da Panair em 10.02.1965, tornou-se a maior empresa

aérea brasileira, ao assumir instantaneamente as linhas desta que, até então, era a líder

do mercado nacional e internacional. Em 1986 o Plano Cruzado congelou a principal fonte

de receita das companhias aéreas, as passagens, mas não seus custos que, com a in�ação

crescente, continuaram em ascensão. Este controle de tarifas permaneceu até 1992 (1). Em

1990 o governo Collor implementou uma política neoliberal e abriu as rotas internacionais,

que até então eram monopólio da Varig, para as empresas nacionais Vasp e Transbrasil,

e incentivou a entrada de empresas estrangeiras através de isenções tributárias. À partir

deste momento a Varig começou a apresentar prejuízo em seu balanço �nanceiro, o que

foi agravado pela Guerra do Golfo em 1991, que aumentou o preço do petróleo e causou

recessão no setor aéreo. Ainda na década de 1990, em 1999, a crise cambial do governo

Fernando Henrique Cardoso impactou negativamente os resultados �nanceiros da Varig

(2).

Se a década de 1990 marcou o setor aéreo por crises �nanceiras, a primeira metade da

década de 2000 caracterizou-se por falências e surgimento de novos líderes de mercado. A

Transbrasil parou de operar em 03.12.2001, após um processo que culminou com a falta

de dinheiro para pagar combustível (3). Em 26.01.2005 a Vasp teve cassadas as licenças

Page 20: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

26 1 A crise aérea à luz da mídia

das últimas linhas que ainda operava (4) e, em 21.03.2005, por decisão judicial, teve suas

instalações lacradas (5).

Enquanto as três principais empresas aéreas brasileiras, Transbrasil, Vasp e Varig

encaminhavam-se no sentido de encerrarem suas operações, TAM e Gol ocupavam o mer-

cado deixado para trás por aquelas e expandiam suas operações. O Ministro da Fazenda

da época, Antonio Palocci, teria defendido a entrada de novas empresas no setor, o que

garantiria, segundo ele, um ambiente favorável para a livre concorrência e a expansão

do setor. O Ministro teria a�rmado que �[...] a concorrência promoverá naturalmente o

aumento da e�ciência do setor e se traduzirá em passagens mais baratas e no aumento

do turismo doméstico�. Relativamente ao que �cou conhecido como �guerra tarifária� no

período, devido aos baixos preços cobrados pelas passagens aéreas, o Ministro teria dito

considerar tal fenômeno como concorrência, e não como �guerra tarifária. Segundo ele,

�É lógico que o setor deve ter regras, mas é a concorrência que vai dar a solução para

as empresas� (6). Se por um lado o controle tarifário prejudicou as empresas aéreas da

década de 1990, por outro a solução de mercado bene�ciou aquelas que surgiram nos anos

2000.

A TAM, que passou a operar a nível nacional à partir de 1996 e internacional à partir

de 1998, caracterizou-se por percorrer uma trajetória crescente de liderança de mercado.

A Gol, por sua vez, cujas operações iniciaram-se em 15.01.2001, viria a ser em breve a

maior concorrente da TAM. Em janeiro de 2001 a participação do mercado nacional estava

dividido em 40,28% para a Varig, 29,5% para a TAM, 14,83% para a Vasp, 12,77% para

a Transbrasil e 1,13% para a Gol (7). Em setembro de 2001 a TAM pela primeira vez

desbancou a Varig e assumiu a liderança no mercado doméstico, com 31,5% de participação

(8). A situação voltou a se repetir em julho de 2003, mês em que a TAM assumiu 34,5%

do mercado doméstico, contra 31,1% da Varig (9). Em janeiro de 2004, a TAM deteve

33,87% de participação, contra 29,73% da Varig, 23,06% da Gol e 11,46% da Vasp (10).

Em junho de 2004 a Gol elaborou um relatório para atrair investidores e estrear

a negociação de suas ações na Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (BOVESPA),

constava um alerta sobre os riscos do investimento em caso de acidentes aéreos. Segundo

o relatório �reivindicações substanciais resultantes de um acidente que forem superiores

às coberturas de nossos seguros podem prejudicar nossos negócios e resultados�, além de

chamar a atenção para o fato de que qualquer acidente ou incidente aéreo, ainda que

totalmente coberto por seguro, pode prejudicar a imagem da empresa junto ao público

(11).

Page 21: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.1 Da origem ao estopim: da quebra da Varig ao acidente da Gol 27

Em abril de 2005 foi a vez da Gol ultrapassar a Varig na participação do mercado

doméstico, com 27,81% (680.074 passageiros), contra 27,61% da Varig (675.373); a lide-

rança, entretanto, permaneceu com a TAM, que transportou 1.034.566 passageiros (12)

(13). A disputa pelo segundo lugar na participação do mercado doméstico entre Gol e

Varig arrastou-se até setembro de 2005, quando a Varig teve 25,4%, contra os 28,8% da

Gol, e con�rmou-se em outubro de 2005, com 25,1% para a Varig e 28,7% para a Gol. A

TAM manteve a liderança em setembro e outubro de 2005, com 43,2% e 43,82% respec-

tivamente (14). 2005 caracterizou-se pela liderança da TAM com 43,52%, seguida pela

Gol com 27,29%, e pela Varig com 26,71%. A vice-liderança foi consolidada pela Gol em

dezembro de 2005, com 29,79% de participação contra 21,73% da Varig; desde então, a

Varig nunca mais obteve a segunda colocação no ranking nacional (15).

O Ministro da Fazenda de então, Guido Mantega, teria rea�rmado a política do go-

verno Lula de livre mercado, defendida pelo colega Antonio Palocci, ao dizer que �não é

papel do governo dar socorro à Varig [que] é uma empresa privada e tem autonomia para

tentar uma saída para a crise que ela se encontra� (16).

Em 2005 o lucro da Gol foi de R$ 424,5 milhões, enquanto o da TAM foi de R$

187 milhões, apesar da maior fatia ocupada por esta tanto no mercado interno quanto

externo (17). Apesar da perda crescente de espaço no mercado doméstico, no mercado

internacional, em julho de 2005 a Varig liderava o ranking com 74,84%, contra 20,73%

para a TAM, 2,19% para a BRA e 2% para a Gol. A liderança da Varig permaneceu até

junho de 2006, quando obteve 53,78%, contra 37,91% da TAM e 5,61% da Gol. Em julho

de 2006, porém, mais uma mudança histórica ocorreu no setor aéreo brasileiro, quando

a Varig perdeu de�nitivamente a liderança no mercado internacional. Nesse mês a TAM

assumiu 52,64% contra 29,96% da Varig e 10,92% da Gol. A perda de espaço no mercado

internacional foi acompanhado de uma queda ainda mais abrupta no mercado nacional,

quando ainda em julho de 2006 o ranking �cou dividido entre 51,22% para a TAM, 36%

para a Gol, 4,38% para a BRA, 3,54% para a Varig e 2,27% para a OceanAir (18).

Em 20.07.2006 a Varig foi �nalmente arrematada em leilão por US$ 24 milhões pela

empresa VRG Linhas Aéreas, proprietária da VarigLog (19), cujo principal acionista era

o fundo de investimento americano Matlin Patterson (20). Logo após o leilão da Varig,

em agosto de 2006, a TAM liderava o mercado doméstico com 51,34% dos vôos, contra

37,35% da Gol. Neste mesmo período, a distribuição dos vôos internacionais foi de 54,55%

para a TAM, contra 12,5% para a BRA e 10,75% para a Gol (21) (22). A competitividade

entre TAM e Gol tornou-se ainda mais agressiva após o leilão da Varig.

Page 22: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

28 1 A crise aérea à luz da mídia

Em 29.09.2006 por volta das 17h00 um Boeing 737-800 da Gol, com 154 pessoas a

bordo, que realizava o vôo 1907 de Manaus para Brasília, colidiu com um jato executivo

Embraer Legacy, em São Félix do Xingu, no estado do Pará, a aproximadamente 200 km

da Serra do Cachimbo, entre o norte do Mato Grosso e o sul do Pará (23).

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM

Em 30.09.2006, um dia após o acidente, segundo o secretário da Segurança do Estado

do Mato Grosso, Célio Wilson de Oliveira, tudo indicava para que a causa tivesse sido

falha humana, e levantou também a hipótese de que tivesse havido erro por parte dos

controladores de tráfego aéreo responsáveis pelo monitoramento da região no momento

do acidente. A previsão para a remoção dos corpos era de 3 dias (24).

Em 01.10.2006 outras hipóteses para as causas do acidente foram levantadas. O jato

Legacy desapareceu dos radares aeronáuticos do Centro Integrado de Defesa Aérea e

Controle do Tráfego Aéreo (CINDACTA) e, para isto, foram levantadas 3 hipóteses: a

mudança de rota de uma das aeronaves, pane no sistema elétrico de uma das aeronaves e

falha dos radares. Devido ao fato de ambos os aviões envolvidos na colisão serem novos

e certi�cados, o Boeing pela Agência Federal de Aviação estadunidense (FAA - Federal

Aviation Agency) e o Legacy pelo Centro Tecnológico da Aeronáutica brasileiro (CTA), a

hipótese de falha técnica seria improvável. A probabilidade de falha material seria muito

pequena, segundo o presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária,

brigadeiro José Carlos Pereira. Assim, a alternativa mais provável seria falha humana

(25).

Na tarde de 02.10.2006 as caixas-pretas da aeronave foram encontradas e, também,

levantou-se a hipótese de homicídio culposo por parte dos pilotos do Legacy e dos con-

troladores de tráfego aéreo responsáveis pelo controle dos aviões envolvidos no acidente

(26).

Em 03.10.2006 surgiu uma nova hipótese para o acidente, a de que os controladores de

tráfego aéreo teriam tentado estabelecer contato com os pilotos do Legacy, mas que não

teriam conseguido devido a uma falha das freqüências de comunicação conhecida pelos

controladores como buraco-negro, que ocorreria constantemente exatamente na região do

acidente (27). Os controladores, por sua vez, ao comentarem sobre a hipótese de que o

acidente tivesse sido provocado por falhas do controle de tráfego aéreo, denunciaram as

condições de trabalho que poderiam levar a erros, como a sobrecarga de trabalho cuja

Page 23: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 29

rotina seria de 18 dias por mês com plantões de 8 a 9 horas por dia, o que desrespeitaria o

regime correto que seria de 2 horas de trabalho seguidos por 2 horas de folga. Denunciaram

também o salário baixo para esta atividade de alta responsabilidade, que seria em torno

de R$ 1.600 (28).

O pagamento de indenizações aos familiares das vítimas �cou estimado à priori num

total de R$ 19,3 milhões, relativos a uma expectativa de R$ 125 mil para cada uma das

154 famílias, que seriam pagas, independente da comprovação de culpa, pela Gol, através

da seguradora Sul América. A seguradora, por sua vez, poderia acionar na Justiça a

empresa Excel Air, �em caso de culpa [dos pilotos do] do Legacy�, ou o governo brasileiro,

em caso de culpa dos controladores (29).

Em 05.10.2006 um dos ocupantes do Legacy, o repórter do jornal estadunidense The

New York Times, escreveu uma reportagem na qual levantava a hipótese de que o trans-

ponder 1 do Legacy poderia não estar funcionando, o que explicaria o motivo pelo qual os

pilotos do Boeing da Gol não teriam recebido o alerta através do transponder deles, e por-

que os controladores não teriam sido alertados através dos radares deles de que as duas

aeronaves estavam em rota de colisão (30). Segundo o coronel da Aeronáutica Ramon

Bueno, chefe do Serviço Regional de Proteção ao Vôo (SRPV) de São Paulo, a aerovia

na qual estavam o Embraer Legacy da Excel Air e o Boeing 737-800 da Gol era de mão

dupla, ou seja, as altitudes de vôo dividem-se entre pares para quem vai num sentido, e

ímpares para quem vem no outro, com intervalos de mil pés (equivalente a 300 metros).

Neste caso, o Boeing voava corretamente a 37 mil pés de altitude, enquanto o Legacy

deveria estar voando a 36 ou 38 mil pés, mas jamais a 37, que foi o caso. Deste fato

surgiram outras hipóteses, com diferentes níveis de probabilidade: de que o plano de vôo

autorizado para o Legacy poderia estar incorreto, e de que o plano de vôo poderia estar

correto e não ter sido cumprido corretamente pelos pilotos do Legacy (31).

Os pilotos do Legacy, Joseph Lepore e Jan Paladino, mostraram-se indignados com

outra hipótese que havia sido levantada e estava sendo veiculada pelo noticiário brasileiro,

a de que eles teriam desligado propositalmente o transponder, o que ganhava força devido

ao fato de que logo após a colisão o equipamento voltou a funcionar normalmente. A

outra hipótese seria a de que o transponder pudesse estar com algum problema, como um

mau contato (32). O Legacy, entretanto, tem dois sistemas de transponders, o que enfra-

queceria a possibilidade de pane. Uma especulação, negada pelos pilotos, ganhou corpo

na imprensa: a de que eles poderiam �ter desligado o transponder para fazer manobras

1Transponder é um equipamento que envia dados de um avião para o outro e para o centro de controle.

Page 24: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

30 1 A crise aérea à luz da mídia

com o avião sem alertar o controle aéreo, com o objetivo de apresentar a aeronave aos

novos donos� (33).

Em 06.10.2006 o diretor-geral do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA),

tenente-brigadeiro Paulo Roberto Cardoso Vilarinho, teria descartado a hipótese de ha-

ver �buracos negros� no espaço aéreo brasileiro. Segundo o tenente-brigadeiro, �não houve

falhas nos radares e nem nas torres de controle de vôo que pudessem comprometer a

comunicação com o jato Legacy no período em que o avião deixou de fazer contatos�,

e disse acreditar na hipótese de que poderia ter havido falha no transponder do Legacy

(34), o que não explicaria, de qualquer forma, o motivo pelo qual os controladores de vôo

não conseguiram estabelecer contato tanto com os pilotos do Legacy, quanto do Boeing,

e vice-versa.

Em 08.10.2006 algumas autoridades da Aeronáutica brasileira lançaram mais uma

acusação contra os pilotos do Legacy: a de que estes poderiam não ter respondido às

chamadas do controle de vôo porque poderiam ter saído da cabine de comando para con-

fraternizar com os passageiros. Como resposta, os diretores da ExcelAire argumentaram

que se esta hipótese estava sendo levantada para os pilotos, ela deveria ser levantada

igualmente para os controladores, que também poderiam estar distraídos e fora de suas

posições. Conforme o plano de vôo, o Legacy deveria ter voado a 37 mil pés de altitude

de São José dos Campos até Brasília, à partir de onde deveria ter descido para 36 mil pés

e seguir nesta altitude até a posição Teres aonde, �nalmente, deveria ter subido para 38

mil pés e mantido esta altitude até as proximidades de Manaus. Segundo a Aeronáutica,

os pilotos deveriam ter cumprido o plano de vôo independentemente de terem conseguido

estabelecer contato com o controle de vôo. Segundo a ExcelAire, a mudança de altitude

só poderia ocorrer com autorização do controle de vôo, o que necessariamente só poderia

ter ocorrido caso tivessem conseguido estabelecer contato. Além destas divergências, en-

tre as próprias autoridades da Aeronáutica, surgiram ataques: o brigadeiro José Carlos

Pereira, presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO),

teria admitido a possibilidade de falhas no Cindacta-1. O brigadeiro Luiz Carlos Bueno,

comandante da Aeronáutica, teria reclamado �Ele entende de aeroporto. Quem fala de

Aeronáutica sou eu� (35).

Em 09.10.2006 mais dois con�itos despontaram; desta vez foi o ministro da Defesa,

Waldir Pires, quem teria classi�cado como �não pertinentes� tanto as acusações feitas

pelos controladores de vôo sobre as condições de trabalho deles próprios, quanto a crítica

feita pelo jornalista Joe Sharkey de que o controle aéreo brasileiro seria �péssimo�, e de

Page 25: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 31

que os investimentos em segurança de vôo seriam insu�cientes. Segundo o ministro, a

melhor resposta seria o fato de os índices de acidentes aéreos no Brasil serem baixos se

comparados à média mundial (36).

Em entrevista concedida pelo ministro Waldir Pires ao jornal Folha de S. Paulo, à

respeito da percepção dele sobre a situação denunciada e criticada à respeito das condições

de trabalho dos controladores de vôo, e sobre a de�ciência de comunicação em algumas

regiões do espaço aéreo brasileiro, o ministro deixou claro que do ponto de vista dos

índices de acidentes aéreos no Brasil em relação ao resto do mundo, a situação que ora se

apresentava não poderia ser verdadeira.

Folha - A informação é que os controladores raramente trabalham emturnos alternados de duas horas, o que seria o mais indicado.Pires - Mas veja bem, a verdade é que os nossos números, os episódiosde acidentes, estão entre os melhores do mundo. Rivalizamos em nívelde acidente com a Europa, com os Estados Unidos. Vou examinar isso,mas não creio que essas críticas sejam pertinentes, não. Na realidade, oêxito é extraordinário, nós temos índices admiráveis, competitivos comos índices dos EUA e da Europa.Folha - Mas não são assustadores os relatos de pilotos que dizem que hááreas do espaço aéreo brasileiro em que a comunicação é de�ciente?Pires - Não é o que me dizem as autoridades atualmente. Mas vamosfazer um inquérito que tenha a garantia de uma investigação completa.Não posso antecipar testemunhos que sejam dados, por exemplo, por esserapaz lá nos Estados Unidos [o colunista do �The New York Times�, JoeSharkey, que estava no Legacy]. É evidente que a mim me parece queele tem uma personalidade um pouco leviana, porque com os índices quenós temos e as a�rmações que ele faz, é algo absolutamente inadequado.[...]Folha - O sr. citou as declarações do jornalista Joe Sharkey, que criticouo controle do espaço aéreo brasileiro. A imagem de segurança de vôo noBrasil lá fora �ca afetada?Pires - A melhor forma de dizer dessa imagem são nossos índices deacidente. É até uma forma de responder, pois esse rapaz é um leviano.Não há nem como ainda saber. A caixa-preta do Boeing não foi aberta.Por cautela não abrimos, e mandamos essa caixa-preta, que estava dani-�cada, para o Canadá, que é o que os tratados internacionais de aviaçãocivil presumem. Esse rapaz me parece uma dessas personalidades razoa-velmente irresponsáveis por �car antecipando as coisas. (36, grifo nosso)

Em 17.10.2006 o ministro Waldir Pires protagoniza mais uma contradição envolvendo

a Aeronáutica. Segundo apurou a Folha Online, �os peritos da Aeronáutica admitem a

possibilidade de ter havido também um mal-entendido na comunicação entre a tripulação

do jato e os controladores de Brasília� (37). No mesmo dia, o ministro teria negado a

existência deste mesmo diálogo que a Aeronáutica acabava de admitir, e a�rmou que

Page 26: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

32 1 A crise aérea à luz da mídia

recebeu uma �informação categórica� do departamento da Aeronáutica responsável pelo

sistema de controle de tráfego de que o diálogo não ocorreu (38).

Em 18.10.2006 o chefe da Divisão de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáu-

ticos (DIPAA), coronel Ru�no Antônio da Silva Ferreira, retornou do Canadá após ter

acompanhado as leituras das caixas pretas do Legacy e do Boeing (39); esta última foi

encontrada em 02.10.2006.

Em 19.10.2006 foi anunciado que um diretor-técnico da Embraer, a empresa fabricante

do Legacy, seria ouvido pelo delegado da Polícia Federal responsável pela investigação do

acidente, Renato Sayão, no dia seguinte. Segundo apurou a Folha Online, o delegado

questionaria a Embraer sobre a revisão dos equipamentos do Legacy, e sobre a elaboração

do plano de vôo que foi passado aos pilotos (40).

Em 21.10.2006 ocorreu uma pane não identi�cada no centro de processamento de

dados do Cindacta-2 que ocasionou o desligamento de todo o sistema de radares da região

Sul do país, �o que provocou atrasos de até 3 horas e 40 minutos em pelo menos 146 vôos

comerciais na região� (41).

Em 24.10.2006 a Aeronáutica encontrou a caixa-preta de voz do Boeing, a qual seria

levada, segundo informou o ministro da Defesa, para o Canadá no dia 27.10.2006, a �m

de ser analisada como já haviam sido as duas caixas-pretas do Legacy, e a caixa-preta

de dados do Boeing, a qual já havia sido encontrada no dia 02.10.20062 (42). Neste

mesmo dia a Folha Online noticiou que o CENIPA, órgão responsável pela investigação

aeronáutica do acidente, negou à Polícia Federal o acesso aos conteúdos das caixas-pretas

do Boeing e do Legacy. O argumento utilizado pelo ministro da Defesa, Waldir Pires,

foi a Convenção de Chicago, da qual o Brasil é signatário. Segundo a Convenção, que

rege a aviação internacional, as investigações aeronáuticas não devem poder ser utilizadas

para embasar as investigações policiais, uma vez que aquelas têm caráter preventivo e

estas, punitivo. As caixas-pretas, portanto, deveriam poder ser utilizadas apenas pela

Aeronáutica, e não pelas polícias Federal ou Civil (43).

Em 26.10.2006 um dos controladores responsáveis pelo tráfego aéreo da torre do ae-

roporto de Curitiba sofreu um infarto e, por conseqüência, o sistema permaneceu parado

das 07h40 até 08h15, o que atrasou um total de 26 vôos até as 10h, quando a situação

�nalmente voltou à normalidade (44). Neste mesmo dia ocorreu uma reunião no Palácio

2Ao contrário do que a�rmou a imprensa, no dia 02.10.2006 foi encontrada apenas a caixa-preta dedados; conforme �cou comprovado posteriormente, a caixa-preta de voz foi encontrada apenas no dia24.10.2006.

Page 27: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 33

do Planalto, convocada pela ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousse�, em que com-

pareceram o ministro da Defesa, Waldir Pires, o presidente da INFRAERO, brigadeiro

José Carlos Pereira, e o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos Bueno, onde um dos

assuntos tratados foi a saturação do tráfego de aeronaves ocorrido nos últimos dias na

região de Brasília, controlada pelo Cindacta-5. Tal saturação teria ocorrido ou por um

�aumento do tráfego de aeronaves de pequeno porte nos últimos dias na região�, ou devido

ao fato de o número de aeronaves que trafegaram pela região ter sido maior do que o li-

mite de 14 aeronaves por controlador de vôo, que é o máximo permitido segundo normas

internacionais de segurança3 (45).

Em 27.10.2006 o ministro da Defesa, Waldir Pires, con�rmou a contratação de novos

controladores de tráfego aéreo para suprir a grande demanda de aeronaves em operação

no país. O ministro não deixou claro, entretanto, se a demanda é que teria aumentado

repentinamente além da capacidade nos últimos dias, ou se a foi a readequação para 14

aeronaves por controlador, conforme determinam as normas internacionais, que teria re-

duzido a capacidade e, por isso, não estaria mais sendo su�ciente para suprir a demanda

já existente até então. O diagnóstico para os atrasos, na ocasião, foi �a grande quantidade

de jatinhos e aviões pequenos vem provocando atrasos de 30 minutos a duas horas nos

pousos e decolagens nos aeroportos de Congonhas e de Brasília� (46). Em Brasília, con-

troladores de vôo reuniram-se para discutir as di�culdades do setor e a possibilidade de

iniciarem uma greve branca, ou seja, um movimento que poderia ir desde o atraso delibe-

rado de vôos, ou então uma operação padrão, que seria o estrito cumprimento de todas

as regras operacionais, ou até mesmo a paralisação das atividades por parte controladores

civis (47). Ainda neste dia, um total de 32 vôos atrasaram até 4 horas para decolagens

e até 2 horas para pousos, nos aeroportos de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, o que

poderia ser conseqüência de uma �operação-padrão�4 por parte dos controladores de vôo,

a qual não seria de conhecimento do ministro da Defesa, Waldir Pires (48).

Em 28.10.2006 �nalmente foi revelada a �operação padrão� por parte dos controlado-

res de vôo. Segundo noticiou a Folha Online, �os cerca de 60 operadores de baixa patente

militar que trabalham em Brasília combinaram aplicar com exatidão as regras internacio-

nais de espaçamento entre pousos e decolagens�. Uma vez que tais regras internacionais

prevêem que cada controlador não deve operar com mais do que 14 aeronaves simulta-

3Neste momento não estava claro, ainda, se o aumento de tráfego ocorreu em números absolutos ourelativos ao número de controladores.

4Esta �operação-padrão� consistiu na obediência às normas internacionais, desobedecidas até então,as quais estabelecem que um controlador de vôo não pode controlar mais do que 14 aeronaves simulta-neamente.

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34 1 A crise aérea à luz da mídia

neamente, o �uxo de aeronaves entre Brasília e a região Sudeste chega a atingir até o

dobro desta proporção, e o fato de não haver controladores disponíveis para suprir esta

de�ciência operacional, então o estrito cumprimento das regras internacionais causou os

atrasos do dia anterior5 (49).

Em 29.10.2006 vôos com origem em Brasília e São Paulo desencadearam atrasos tam-

bém em Belo Horizonte, Porto Alegre e Manaus, com média de 2 e máximo de 4 horas

de atraso. Segundo a INFRAERO os atrasos ocorreram por conseqüência da �operação-

padrão� ocorrida no centro de tráfego aéreo de Brasília. A Aeronáutica, entretanto, negou

que o motivo fosse a �operação-padrão�, e a�rmou que o motivo foi o excesso de tráfego

aéreo6 (50).

Em 30.10.2006 novas divergências sobre as causas dos atrasos nos vôos surgiram. O

presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo, Jorge Carlos Bo-

telho, a�rmou que os controladores de vôo decidiram começar a cumprir as determinações

recomendadas internacionalmente, as quais garantiriam maior segurança à população.

A�rmou ainda que �Trabalhando com um número a mais de aviões você acaba colocando

em risco a segurança. Por isso nós resolvemos que não vamos mais trabalhar nessas con-

dições�. Já o diretor-geral do Departamento do Controle de Espaço Aéreo (DECEA),

tenente-brigadeiro-do-ar Paulo Roberto Vilarinho, negou a existência desta �operação-

padrão�, e a�rmou que o verdadeiro motivo para os atrasos foi o aumento de tráfego aéreo

causado pelas eleições somado com problemas meteorológicos (51). Numa reportagem

concedida à Folha de S. Paulo, Jorge Carlos Botelho a�rmou que �O volume de tráfego

aéreo na verdade é o mesmo. O que ocorre é que nós estávamos controlando um número

de vôos acima do que a nossa própria regulamentação recomenda�, o que explicaria com

mais clareza o motivo pelo qual os atrasos passaram a acontecer nos últimos dias. Em

relação à sobrecarga de trabalho, Botelho denunciou que antes da �operação-padrão� os

controladores trabalhavam com até 20 aeronaves por setor, mas que à partir daquele mo-

mento não trabalhariam com mais do que 14, o que, por conseqüência, poderia causar

futuros atrasos (52).

Em 31.10.2006 a Aeronáutica ainda negava a �operação-padrão� e a�rmava que os

atrasos estavam ocorrendo por conseqüência do controle de �uxo aéreo e devido ao desfal-

5Neste momento não levantou-se o fato de que a aparente normalidade apresentada até então baseava-se no descumprimento de regras de segurança de vôo internacionais, as quais previam não mais do que14 aeronaves por controlador.

6Não foi apurado se o excesso de tráfego aéreo aumentou em números absolutos, ou relativos ao máximode 14 vôos controlados por cada controlador de vôo, o que caracterizaria a operação como padrão, porseguir rigorosamente as normas internacionais.

Page 29: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 35

que ocorrido com o acidente da Gol, após o qual 8 dos controladores do Cindacta-1 foram

afastados da operação (53).

Em 01.11.2006 a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) anunciou a ampliação

por 30 dias do horário de pousos e decolagens no aeroporto de Congonhas, em São Paulo,

que até então eram permitidos até as 23h, e passariam a ir até 01h30m, sob o argumento

de que tal medida diminuiria os atrasos generalizados que tomaram conta de diversos

aeroportos pelo país. Segundo o presidente da ANAC, Milton Zuanazzi, �O horário era

um limitador em Congonhas. Isso é um ganho para a população�. Já Jorge Carlos Botelho,

presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo, denunciou que a

infra-estrutura, inclusive humana, não era su�ciente para suportar a demanda e a oferta

de vôos existentes, e a�rmou que �Não tem jeito. A população e o setor de aviação têm

que se adequar. A aviação cresceu demais e a estrutura do espaço aérea não foi atualizada

para suportar� (54).

Em 02.11.2006, início do feriado prolongado de Finados, os atrasos chegaram a até

15 horas no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, e geraram um efeito cascata que com-

prometeu diversos aeroportos em todo o país (55). Neste mesmo dia o comandante da

Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, a�rmou que a situação da malha de tráfego

aéreo brasileiro já estava normalizada e que os atrasos ainda existentes seriam conseqüên-

cia não só dos atrasos ocorridos no dia anterior mas, também, do overbooking7 praticado

pelas empresas aéreas. O brigadeiro teria a�rmado também, desta vez em entrevista co-

letiva, que �Todos os aeroportos estão livres para pousos e decolagens e estão operando

normalmente� (56). A Aeronáutica organizou uma força-tarefa através da qual a convocou

aproximadamente 150 controladores e militares da reserva para trabalharem no Cindacta-

1, em Brasília, a �m de normalizar a situação de atrasos provocada pela �operação-padrão�

dos controladores de vôo (57).

Em 03.11.2006 a situação foi considerada como �normal� pela INFRAERO, apesar

de 31 cancelamentos registrados ao longo do dia: 20 vôos cancelados em Brasília, 4 no

aeroporto Tom Jobim no Rio de Janeiro, 3 no aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro,

3 no aeroporto de Pampulha em Belo Horizonte e 1 no aeroporto Tancredo Neves também

em Belo Horizonte (58).

Em 04.11.2006 a situação começou a ser tratada como �uma inesperada crise militar�,

devido às acusações da Aeronáutica de que o Ministério da Defesa estaria �incentivando

7Overbooking é um procedimento ilegal praticado por empresas aéreas ao venderem mais passagensdo que os assentos realmente disponíveis.

Page 30: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

36 1 A crise aérea à luz da mídia

a anarquia� e abrindo um �grave precedente� ao sugerir a hipótese de negociação direta

entre o Ministério e os sargentos controladores de vôo que lideravam a �operação-padrão�

que, até então, era negada pela Aeronáutica. O temor dos militares de alta patente é

que tal negociação pudesse estimular reações em cadeia, à partir dos 2.112 militares e

571 civis que exercem funções diretas de controle de vôo, irradiando aos 10.327 militares

que exercem funções em áreas como engenharia, comunicações, informática e aviação, e

atingisse por �m muitas outras baixas patentes não só da Aeronáutica, mas também da

Marinha e do Exército. O ministro da Defesa, Waldir Pires, argumentou por sua que

em regimes democráticos negociar é fundamental. Nos aeroportos brasileiros, a situação

manteve-se normal segundo a INFRAERO (59).

Em 05.11.2006 a Folha Online noticiou que, segundo a INFRAERO, os aeroportos de

Congonhas, Santos Dumont e Brasília receberam mais passageiros do que suas capacidade

em 2005. Congonhas, em especial, tem capacidade para receber até 12 milhões de passa-

geiros por ano, mas recebeu 17,1 milhões em 2005, o que equivale a um excesso de �uxo

de 42,5% que, também segundo a INFRAERO, �não interfere na segurança dos vôos�.

A situação nos aeroportos permaneceu tranqüila ao longo do dia, mas não foi possível

de�nir-se se foi devido à diminuição no número de vôos, ou à força-tarefa organizada pela

Aeronáutica para compensar a �operação-padrão� promovida pelos controladores (60). A

mesma Folha Online chegou à conclusão, ao �nal do dia, de que �O reforço no controle

de tráfego aéreo brasileiro implantado pela Aeronáutica quinta-feira (2), no começo deste

feriado prolongado de Finados, impediu o caos previsto para este domingo� (61).

Em 09.11.2006 recomeçaram os atrasos em alguns aeroportos, causados pelo aumento

do intervalo entre as operações de decolagem, que antes costumava ser de até 5 minutos

e passou a ser de 20 minutos. Esta operação, chamada de �gerenciamento de �uxo�

pelo setor de Comunicação Social da Aeronáutica, não seria, segundo esta, devido a uma

nova �operação-padrão� por parte dos controladores de vôo (62). Esta rotina de atrasos

ocorridos devido ao maior espaçamento prolongou-se até 12.11.2006, quando uma nova

onda de grandes atrasos, de até 8 horas, tomou conta de alguns aeroportos (63).

Em 13.11.2006 dos 1.487 vôos programados, 629 sofreram atrasos, o equivalente a

42,3% do total. Segundo a Aeronáutica, tais atrasos não foram causados devido a uma

eventual nova �operação-padrão� por parte dos controladores, ou mesmo devido ao �ge-

renciamento de �uxo�8 (64). Aproximadamente às 15h uma aeronave civil e outra militar

sofreram um incidente grave, ao cruzarem-se a uma distância de apenas 2 milhas náu-

8�Operação-padrão refere-se à redução do número de vôos controlados por pro�ssional; �gerenciamentode �uxo� refere-se ao aumento no intervalo entre os vôos.

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1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 37

ticas (3,7km), segundo relatos de controladores de Brasília. A Aeronáutica, entretanto,

negou em nota, onde a�rmou que �não há nenhum registro de qualquer tipo de incidente

envolvendo aeronaves civis ou militares e o sistema de controle de tráfego aéreo� (65).

Em 14.11.2006 este conjunto de atrasos foi chamado pela Folha Online de �nova crise

aérea�. A chamada �primeira crise� corresponderia aos atrasos do feriado de Finados

(02/11) ; esta �nova crise� seria a do feriado da Proclamação da República (15/11). O

presidente da ANAC, Milton Zuanazzi, culpou os atrasos ao desfalque de controladores

de tráfego aéreo em Brasília, o que foi negado pela Aeronáutica que, além disso, negou

também a existência de qualquer �operação-padrão� por parte dos controladores (66).

Em 15.11.2006 a Folha de S. Paulo noticiou que �A crise no Cindacta-1, em Brasília,

gerou, nas últimas duas semanas, um ambiente de animosidade entre controladores mi-

litares de vôo (sargentos e subo�ciais) e o�ciais responsáveis pelo sistema. Em menores

patentes na hierarquia militar, os controladores também têm se insurgido contra deter-

minações de seus superiores para, segundo eles, não quebrarem normas internacionais de

segurança de vôo.� Este con�ito entre controladores de vôo e seus respectivos superiores

hierárquicos, o�ciais da Aeronáutica, aliado à determinação da Aeronáutica de negar no-

vas dispensas médicas e ao endurecimento militar, caracterizou uma situação que, segundo

alguns controladores de vôo, causaria estresse e poderia colocar em risco a segurança de

vôo (67). Às 18h30m a Aeronáutica suspendeu o aquartelamento de 149 controladores de

vôo que teriam sido convocados no dia anterior para suprir a demanda de controladores

necessários para normalizar os atrasos nos aeroportos brasileiros. Os atrasos, entretanto,

permaneciam numa média de 40 minutos (68).

Em 17.11.2006 o ministro da Defesa, Waldir Pires, defendeu publicamente que a defesa

do espaço aéreo deveria permanecer sob controle militar, mas que o tráfego aéreo comercial

deveria ser gerenciado por um órgão civil e público, a ser criado, de modo que a atividade

militar tivesse foco apenas naquilo que lhe diz respeito (69).

Em 19.11.2006 um avião de pequeno porte deslizou na pista principal do aeroporto

de Congonhas e parou no gramado, interrompendo as operações de pouso e decolagem

nesta pista por aproximadamente duas horas, o que teria causado re�exos em todo o

tráfego aéreo (70). No período da tarde um temporal que atingiu Curitiba provocou o

rompimento de um cabo de �bra ótica no Cindacta-2, localizado nesta cidade e responsável

pelo controle aéreo de toda a região Sul do país. Tal rompimento prejudicou parte da

comunicação aérea da região e provocou atrasos em diversos vôos com origem ou passagem

pela região, e gerou um efeito cascata (71). No aeroporto Afonso Pena, localizado na

Page 32: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

38 1 A crise aérea à luz da mídia

região metropolitana de Curitiba, um grupo de 40 passageiros que deveria ter embarcado

às 23h30 invadiu a pista na manhã de 20.11.2006 como forma de protesto pelo atraso e

por terem passado a noite no terminal de passageiros (72).

Em 22.11.2006 o Instituto Médico Legal (IML) de Brasília concluiu a identi�cação do

corpo da única vítima do acidente do vôo 1907 da Gol que não havia sido identi�cada até

19.10.2006 (73).

Em 23.11.2006 a Folha de S. Paulo noticiou que �a equipe de controladores de tráfego

responsável por monitorar o jato Legacy estava atuando sem supervisão na parte da tarde

em que ocorreu a colisão com o vôo 1907 da Gol�. O controlador responsável pela pri-

meira etapa do vôo do Legacy, apesar de quali�cado para a função, era pouco experiente,

o que, aliado à ausência de supervisão, pode ter colaborado para não impedir o acidente

(74). Noticiou-se também que a Aeronáutica criou rotas alternativas para os vôos que

partem do Sul para o Nordeste, de maneira que ao invés de sobrevoarem o espaço aéreo

controlado pelo Cindacta-1, de Brasília, sobrevoariam o Atlântico, �cando fora do radar e

sendo acompanhados apenas por rádio e satélite. Se por um lado estes vôos contornariam

os problemas relativos ao Cindacta-1, por outro exigiriam desvios em torno de 242 quilô-

metros e um incremento com o custo de combustível e tempo de vôo, o que diminuiria o

lucro das empresas aéreas. Paulo Castello Branco, representante do Sindicato Nacional

das Empresas Aeroviárias (SNEA), a�rmou que �a solução foi considerada inviável pelas

empresas�. A Aeronáutica acabou por não implementar esta solução, mas apresentou ou-

tras propostas que receberam o aval das empresas aéreas: transferir para os Cindactas de

Manaus e Recife o controle de uma região sobre Cuiabá e Espírito Santo, respectivamente;

criar um �tubulão� entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro (75).

Em 26.11.2006 a Folha de S. Paulo noticiou que o diretor-geral do Departamento do

Controle de Espaço Aéreo (DECEA), tenente-brigadeiro-do-ar Paulo Roberto Cardoso

Vilarinho, e seu vice-diretor, major-brigadeiro-do-ar Ailton dos Santos Pohlmann, teriam

sido exonerados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva �por conta da crise aberta entre

a Aeronáutica e os controladores de vôo�, em 24.11.2006. Sobre os motivos que levaram

às exonerações, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno,

preferiu não comentar, ao contrário do ministro da Defesa, Waldir Pires, o qual a�rmou

que os afastamentos aconteceram por �uma medida de rotina�, e não tinham relação com

a crise no setor. No mesmo dia o major-brigadeiro-do-ar Paulo Hortênsio Albuquerque e

Silva, que até então era o chefe do Terceiro Comando Aéreo Regional, passou a comandar

o DECEA, por nomeação do presidente publicada no Diário O�cial do mesmo dia 24 (76).

Page 33: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 39

Em 29.11.2006 a Folha de S. Paulo noticiou que, segundo o Jornal Nacional da Rede

Globo, os dois militares exonerados e que controlavam o DECEA, já haviam previnido o

Comando da Aeronáutica sobre os problemas enfrentados pelo controle de vôo no país,

através de três documentos. No primeiro deles, de 14.02.2006, o tenente-brigadeiro-do-ar

Paulo Roberto Cardoso Vilarinho informou que para 2006 estava prevista a contratação

de 65 controladores de vôo, mas que eram necessários 180. No segundo, de 30.03.2006,

Vilarinho informou que no Cindacta-4, de Manaus, havia falta de pessoal capacitado

para a manutenção de equipamentos. No terceiro, de 31.10.2006, o major-brigadeiro-

do-ar Ailton dos Santos Pohlmann informou que o DECEA �trabalhava com número

bem abaixo do 'mínimo dispensável� '. Sobre estes documentos, a Aeronáutica informou

que providências já estavam sendo tomadas, enquanto o Ministério da Defesa alegou

desconhecê-las (77).

Em 01.12.2006 a Folha de S. Paulo noticiou que o Centro Nacional de Investigação e

Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), que é o órgão principal do Sistema de

Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER), elaborou um documento

preliminar e de caráter reservado em 08.08.2006, segundo o qual era necessária a elabo-

ração e implantação, até no máximo 2008, de um novo sistema de gestão integrada de

dados, uma vez que desde 1997 todos as informações sobre quase-acidentes, situações de

risco no espaço aéreo e relatórios de perigo deixaram de compor o banco de dados do

SIPAER. Segundo o documento, �o banco de dados com pequena amostragem se torna

incapaz de indicar os aspectos relevantes para a prevenção, o que pode vir a comprometer

todo o esforço despendido pelo SIPAER�, e conclui que o atual sistema �tem se mostrado

ine�caz� (78).

Em 05.12.2006 houve uma falha nas freqüências de rádio do Cindacta-1, de Brasília,

a qual inviabilizou a comunicação entre controladores de vôo e pilotos que sobrevoariam

a região controlada pelo Centro. Apesar de as aeronaves aparecerem nos radares dos

controladores, os mesmos não conseguiam entrar em contato com os pilotos, e vice-versa.

As operações do aeroporto de Brasília foram suspensas, o que causou uma reação em

cadeia de atrasos por todo o país, além de transtornos para todos os vôos que utilizariam

o espaço aéreo controlado pelo Cindacta-1. Nos demais aeroportos da região foi adotado

um procedimento denominado gerenciamento de tráfego, o qual amplia o espaçamento en-

tre as aeronaves para 20 minutos, enquanto em situações de normalidade o espaçamento

costuma ser de 5 minutos (79). No período da noite a Agência Nacional de Aviação Civil

(ANAC) cancelou todas as operações do aeroportos de Brasília e Con�ns (Minas Gerais).

No aeroporto de Congonhas (São Paulo) todas as operações, com exceção da ponte aérea

Page 34: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

40 1 A crise aérea à luz da mídia

com o Rio de Janeiro, também foram canceladas, e o horário de funcionamento, que na

ocasião estava limitado até 0h30, foi estendido para toda a madrugada. Segundo Milton

Zuanazzi, presidente da ANAC, �Nunca houve um colapso desse tamanho� (80). Ainda na

mesma noite, o presidente Lula criou um gabinete de crise, sob o comando da Ministra-

Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, com verba ilimitada, cuja função seria centralizar

as informações sobre a crise do sistema de tráfego aéreo, identi�car as causas, apontar

soluções e sugerir um conjunto de medidas que permitissemm superar a crise aérea o mais

rapidamente possível. O gabinete foi instalado à priori até que fossem formalmente substi-

tuídos o ministro da Defesa, Waldir Pires, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz

Carlos Bueno, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando

Félix que, na opinião do presidente Lula, teriam perdido o controle da situação (81).

Em 07.12.2006 o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, e o

comandante do Cindacta-1, Carlos de Aquino, convocaram os diretores da Associação

Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo (ABCTA) para uma reunião na qual os sar-

gentos controladores teriam sido acusados pelo brigadeiro como culpados por uma eventual

�perda de poder�, caso o controle do tráfego aéreo civil viesse a ser desmilitarizado, ou

seja, deixasse de ser controlado pela Aeronáutica (82). O presidente da ABCTA, primeiro

sargento Wellington Rodrigues, foi alvo de um inquérito militar no qual o procurador Gi-

ovanni Rattacaso, responsável pelo mesmo, o acusou de ser o mentor de uma greve branca

ilegal, a qual levou à operação-padrão dos controladores que teria desencadeado o caos

aéreo. A operação-padrão surgiu, segundo noticiou a Folha de S. Paulo, após o trauma

e o desfalque gerados após o acidente com o vôo da Gol, que levaram os controladores a

deixar de assumir �riscos� como faziam até então, até que �nalmente passaram a seguir

estritamente as regras de segurança de vôo, o que �cou conhecido como �operação-padrão�

(83).

Em 08.12.2006 a Folha de S. Paulo noticou que a crise aérea estava sobrecarregando

não só os controladores de vôo, mas também as tripulações das aeronaves. A presidente

do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Graziela Baggio, a�rmou que no último

mês as denúncias de sobrecarga na jornada de trabalho haviam triplicado, totalizando

perto de uma centena. Segundo a presidente, �as empresas já trabalham no limite da

escala prevista. Se tem atraso, afeta�. Este desrespeito praticado pelas empresas aéreas

aumenta a possibilidade de cansaço acumulado. O coordenador de segurança de vôo do

Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (SNEA), por outro lado, con�rmou que a falta

de tripulação tem cancelado alguns vôos, mas negou a existência de pressão por parte das

empresas ou o desrespeito às normas, ainda que, segundo ele, �em situações excepcionais

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1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 41

pode até haver algum pequeno acréscimo, mas é só um ou outro caso e sempre há uma

justi�cativa� (84). Neste mesmo dia os pilotos do Legacy da Excel Aire, envolvido no

acidente com o Boeing da Gol, Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, que estavam impedidos

de deixar o Brasil desde o acidente, tiveram seus passaportes devolvidos e embarcaram

para os Estados Unidos (85).

Em 09.12.2006 a Folha de S. Paulo noticiou que segundo o relatório técnico enviado

para o Ministério da Defesa, pelo técnico da empresa que fabrica o sistema de rádio que

teve problemas no Cindacta-1 em 05.12.2006, concluiu que não houve sabotagem, mas sim

falha humana quando técnicos responsáveis pela manutenção do próprio Centro tentaram

efetuar uma troca devido a �zumbidos estranhos� nas freqüências de rádio e que, neste

instante, de fato causaram uma queda geral no sistema (82). Neste mesmo dia a Folha

Online noticiou literalmente o seguinte:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a�rmou neste sábado, emCochabamba, na Bolívia, que a crise aérea no Brasil foi resolvida. `Achoque a situação já está normalizada. Podemos sofrer quando há muitachuva ou quando uma torre cai, mas, por falta de aparelhos para contro-lar os vôos, não sofreremos nunca mais'. (86)

Em 12.12.2006 o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou um relatório prelimi-

nar sobre o sistema de controle de tráfego aéreo brasileiro, no qual o ministro Augusto

Nardes, que o assina, a�rma que �as autoridades agiram de forma pouco dirigente. A

crise não foi obra do acaso, mas de má gestão, da sucessão de equívocos, da indolência, da

incapacidade de expandir o setor e do contingenciamento de recursos� (87). A ministra-

chefe da Casa Civil, Dilma Rousse�, em resposta à a�rmação do relatório do TCU de

que a Casa Civil também teria responsabilidade pela precariedade da aviação brasileira,

transferiu a responsabilidade para o ministério da Defesa, o Comando da Aeronáutica e

a Casa Militar. Segundo a ministra, �quando foi formado o Ministério da Defesa [...] a

Casa Militar passou para o Ministério da Defesa. A Casa Civil não gere e nem coordena

as diferentes forças. As diferentes forças são algo coordenado estritamente pela Defesa�

(88).

Em 13.12.2006 o ministro da Defesa, Waldir Pires, negou o contingenciamento de

recursos federais para o setor aéreo brasileiro nos anos de 2004, 2005 e 2006 que, segundo o

relatório do TCU, totalizariam R$ 522 milhões (89). O Titular da Secretaria de Economia

e Finanças da Aeronáutica, brigadeiro Neimar Dieguez Barreiro, contestou as informaçõs

do ministro da Defesa, a quem é subordinado (90).

Page 36: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

42 1 A crise aérea à luz da mídia

Em 14.12.2006 o presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, Milton Zuanazzi,

a�rmou em discurso que:

`Nesta crise do setor que estamos passando e estamos debelando valeutudo. Só não valeu o que estamos fazendo para corrigir. E não venhame dizer que bem informar a população é dar apenas notícias negativas.Isso é terrorismo. Grá�co e televisivo. [...] Quanto mais ampliamos asnossas comunicações, as redes mundiais e as liberdades que damos a elas,maiores são os pré-julgamentos e as esteriotipagens.' (91)

Em 20.12.2006 o aeroporto de Congonhas permaneceu fechado por aproximadamente

50 minutos no período da noite, devido às condições meteorológicas, o que gerou uma

onda de atrasos na manhã de 21.12.2006, à partir de Congonhas. Somado ao efeito do

fechamento da pista na noite anterior, a rede de dados entre a TAM e a INFRAERO no

aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, teve problemas que teriam atrasado outras deze-

nas de vôos da empresa (92). Segundo o comandante do DECEA, major-brigadeiro-do-ar

Paulo Hortênsio Albuquerque Silva, �os vôos estão atrasados porque as aeronaves estão

esperando para saírem lotadas� e, em entrevista à Folha de S. Paulo, culpou especialmente

a TAM pelos atrasos iniciados na noite do dia 20 (93).

Em 21.12.2006 foi lido na Câmara dos Deputados o relatório �nal de uma comissão

criada para acompanhar a crise aérea. O relator, deputado Carlos Willian, considerou

questionáveis as informações fornecidas pela Aeronáutica e pelo Ministério da Defesa, e

a�rmou no relatório que �as evidências mostram nitidamente que não há uma responsa-

bilidade direta da Presidência da República, pois a mesma é de caráter exclusivamente

administrativo nos limites do comando da Aeronáutica�. Apesar de ter sido concluído,

o relatório não foi e não será votado, devido a trâmites burocráticos internos da Casa

Legislativa (94). O presidente da ANAC, Milton Zuanazzi, a�rmou que a nova onda de

atrasos não aconteceu apenas por motivos metereológicos que levaram à interdição do ae-

roporto de Congonhas, mas também por problemas em seis aeronaves da TAM que foram

recolhidas para manutenção. O presidente da TAM, Marco Antonio Bologna, justi�cou

a retirada das aeronaves a�rmando que �a empresa tem como prioridade garantir a segu-

rança dos passageiros�, e que �a TAM tem 85 aviões na frota nacional e, normalmente, só

1% deles deixam de operar em nome da segurança. Ontem, esse índice foi maior� (95).

Em 22.12.2006, sexta-feira, a ANAC determinou que a TAM suspendesse a venda de

passagens em todo o país até o domingo 24.12.2006 (96), e determinou que o aeroporto

de Congonhas permanecerá aberto durante a madrugada de sábado 23.12.2006, sendo que

desde o início da crise aérea o horário de funcionamento passou a ser até no máximo 0h30,

exceto no mês de novembro, em que foi até 01h30 (97).

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1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 43

A nova onda de atrasos provocou protestos violentos nos principais aeroportos bra-

sileiros por parte de passageiros revoltados. Em 19.12.2006 uma passageira quebrou um

computador da TAM no aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, e foi presa pela Polícia

Federal. Em 21.12.2006, um passageiro de 53 anos invadiu o balcão da TAM e a�rmou que

só sairia de lá preso e, de fato, ele foi detido pela Polícia Federal, também no aeroporto

Tom Jobim. No aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, passageiros agrediram funcio-

nários ao invadir o balcão da TAM. Em 22.12.2006 as Polícias Militar e Federal foram

acionadas diversas vezes para conter as agressões vindas de passageiros revoltados. Duas

passageiras, mãe e �lha, foram presas após brigar com um agente da Polícia Federal. No

aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, em 21 e 22.12.2006, grupos de passageiros

invadiram a pista e foram retirados pela polícia (98).

Em 23.12.2006 o presidente Luis Inácio Lula da Silva acusou as empresas aéreas de

praticarem overbooking, ou seja, de venderem mais passagens do que a sua capacidade, e

que parte dos atrasos e cancelamentos mais recentes são conseqüência desta prática (99).

Em 24.12.2006 a Folha Online noticiou que as concorrentes da TAM disponibilizaram-

lhe aeronaves para tentar amenizar os atrasos e cancelamentos recentes. Desde 21.12.2006

a Varig teria transportado mais de 2000 passageiros da TAM em vôos extras, além daqueles

acomodados em vôos regulares. A BRA disponibilizou seis aeronaves para transportar

passageiros da TAM com destino ao Nordeste, e a Gol fretou um Boeing 737-700 com 144

lugares também com destino ao Nordeste (100).

Entre 22 e 25.12.2006 os aviões da Força Aérea Brasileira transportaram um total de

2615 passageiros da aviação comercial, num total de 21 vôos. Em 26.12.2006 a ANAC

iniciou uma auditoria na TAM �para conhecer os motivos dos transtornos registrados nos

últimos dias� (101). Ao longo do dia a ANAC começou a �scalizar a venda de passagens em

todas as companhias aéreas para o Ano Novo, a �m de evitar os transtornos ocorridos no

Natal. As di�culdades para reagendar vôos e reacomodar passageiros levantou a suspeita

de que a TAM estivesse cometendo overbooking9 (102).

Em 27.12.2006 aproximadamente 30 passageiros de um vôo da TAM com destino a

Recife invadiram a pista do aeroporto de Guarulhos, ao perceberem que não poderiam

embarcar após o comandante do vôo fechar a porta da aeronave, que não tinha mais lu-

gares disponíveis. A Polícia Federal retirou os passageiros que protestavam na pista, e a

TAM informou em nota que �38 passageiros embarcariam para Recife em um vôo extra,

na noite desta quarta, [...] porque não foi possível embarcá-los no JJ 3508, que decolou

9Overbooking é a venda de passagens acima da capacidade dos aviões.

Page 38: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

44 1 A crise aérea à luz da mídia

às 15h45� (103). Em relação à auditoria realizada pela ANAC na TAM, a Agência teria

constatado a prática de overbooking, mas os números ainda estariam sendo investigados.

Segundo noticiou a Folha de S. Paulo, �a TAM estaria operando no limite de sua capaci-

dade para um sistema sem condições de operar no mesmo ritmo�, e que apesar de toda

a crise veri�cada nos meses anteriores, a empresa não estaria trabalhando com uma mar-

gem de erro adequada, mas sim no limite de sua capacidade, num �`excesso de ousadia'

na busca por e�ciência�, o que diminui a margem para lidar de forma satisfatória com

imprevistos. Contribui com esta di�culdade o fato de a TAM possuir uma alta concen-

tração de sua malha no aeroporto de Congonhas, que esteve sujeito a fechamentos por

motivos meteorológicos nos últimos dias. Além disso, �o modelo de otimização da frota,

com aviões que voam em média 14 horas/dia, requer também maior e�ciência operacio-

nal, não só da empresa, mas de todo o sistema aéreo, que enfrentou sucessivas crises nos

últimos meses� (104). O Ministro da Defesa, Waldir Pires, a�rmou que ocorreram �falhas

graves em relação a fretamento e a overbooking�, que as causas estavam sendo analisadas,

e que haveriam �sanções sérias� contra as empresas que praticasse o overbooking, as quais

incluem multas de R$ 3000 a R$ 4000 (105).

Em 28.12.2006 o presidente da INFRAERO, brigadeiro José Carlos Pereira, a�rmou

que �Não há regulamentação em relação a isso [overbooking]. Quando não se estabelece

limites, quem se interessa acaba estabelecendo os seus limites. Isso precisa ser corrigido.

Esse assunto precisa ser tratado.�, e que a resolução deste problema é de competência da

ANAC (106).

Em 29.12.2006 o presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo, José

Zuquim, rechaçou o ministro da Defesa, Waldir Pires: �O ministro falou besteira. Queria

fazer uma nota de repúdio. Ele nos prejudicou, fez terrorismo.� Sobre a forma como a

mídia veiculou a frase do ministro, a�rmou que �a imprensa não tem interesse em agenda

positiva� (107).

Em 30.12.2006 a ANAC liberou o relatório da auditoria realizada nos dias anteriores

nas companhias aéreas. Segundo o documento, a prática de overbooking não foi respon-

sável pela crise aérea do Natal, e não teriam sido identi�cados �nos sistemas de vendas

e reservas das concessionárias mencionadas níveis capazes de comprometer a �uidez das

respectivas operações�: dos 4842 vôos entre 18 e 25.12.2006, 2,6% teriam apresentado

overbooking. Os fretamentos não foram sequer citados no relatório. O problema apon-

tado foi que a TAM não tinha um plano de contingência para a situação em que �cou com

seis aeronaves simultaneamente em manutenção não-programada. Segundo teria dito um

Page 39: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 45

executivo entrevistado - mas não revelado - pela Folha de S. Paulo, �na prática são quatro

aviões, já que a manutenção de dois deles estava programada, ou seja, a companhia já

trabalhava com essa possibilidade� (108). Os controladores de tráfego aéreo da Argentina

suspenderam a operação-padrão que durou uma semana, cuja principal reivindicação era

que fosse transferido o comando da aviação civil argentina da Força Aérea para a Secre-

taria Nacional de Transportes, cujo anúncio foi feito em setembro de 2006 pela ministra

da Defesa, Nilda Garré, mas que não teve o decreto de mudança assinado pelo presidente

Néstor Kirchner até então (109).

Em 02.01.2006 a ANAC decidiu não aplicar nenhuma multa às companhias aéreas

pelos 231 cancelamentos e 322 atrasos de vôos superiores a 60 minutos ocorridos no

período do Réveillon. Segundo a Folha de S. Paulo apurou com as empresas aéreas, �na

prática [...] continuou tudo como antes: as empresas davam a palavra �nal sobre as

decolagens e os aviões com baixa ocupação não saíam do chão, para evitar prejuízos. Os

passageiros eram deslocados para outros, mais tarde.� (110).

Em 04.01.2007 a ANAC anunciou a realização de uma nova auditoria na TAM, desta

vez com o objetivo de investigar o estado das seis aeronaves que entraram em manutenção

não-programada, diferentemente da auditoria anterior que se focou nas centrais de reserva,

para veri�car a prática de overbooking (111). A Folha Online noticiou que a ANAC está

elaborando uma resolução que deverá ser publicada antes do Carnaval, e ser implementada

em no máximo seis meses, segundo a qual as empresas aéreas terão de elaborar planos

de contingência, com o objetivo de evitar futuros transtornos aos passageiros devido a

overbookings e falhas operacionais. O plano conta até mesmo com a possibilidade de as

empresas terem de manter aviões de reserva no solo, o que segundo as empresas aéreas

seria um procedimento muito custoso, uma vez que TAM e Gol mantêm seus aviões voando

em média 13 horas por dia, e há casos em que chega a 18 horas, que seriam inutilizadas

no caso da obrigatoriedade de manter-se um avião de backup (112).

Em 07.01.2007 foram suspensas por aproximadamente uma hora no aeroporto de

Congonhas, em São Paulo, as operações de pouso e decolagem na pista principal devido ao

acúmulo de água causado pelo excesso de chuva. Por medida de segurança, a INFRAERO

anunciou que passará a interditar esta pista sempre que a lâmina d'água acumulada na

pista ultrapassar três milímetros10 (113).

Em 12.01.2007 o sistema de rádio-comunicação do Cindacta-2, em Curitiba, perma-

neceu fora do ar das 14h às 14h15 e das 18h às 20h. Devido à falha os controladores de

101 milímetro de lâmina equivale a 1 litro d'água em 1 metro quadrado.

Page 40: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

46 1 A crise aérea à luz da mídia

vôo, que são responsáveis por todos os vôos que passam pela região Sul, não conseguiram

se comunicar com os pilotos em vôo e, conseqüentemente, diversos vôos que passariam

pela região atrasaram. Durante o dia 13, de 196 vôos programados para pousar ou de-

colar pela região, 63 sofreram atrasos e 11 foram cancelados pelas respectivas empresas

aéreas. Devido à reação em cadeia, o aeroporto de Congonhas também sofreu atrasos e

�cou aberto até 01h do dia 13 para minimizar os efeitos da falha (114).

Em 14.01.2007 o sistema de rádio-comunicação do Cindacta-2 novamente apresentou

problemas, das 14h20 às 15h20, e das 625 decolagens previstas para acontecer em 12

aeroportos até as 16h, 97 sofreram atrasos e 40 foram canceladas (115).

Em 17.01.2007 um Boeing da Varig derrapou às 17h48 no aeroporto de Congonhas,

causando o fechamento do terminal por mais de uma hora e, conseqüentemente, gerando

atrasos inclusive em outros aeroportos. Para diminuir as conseqüências da derrapagem,

a ANAC determinou que o aeroporto deveria permanecer aberto até 01h da madrugada

seguinte. Segundo a Agência, no momento da derrapagem não havia chuva e o índice de

atrito da pista estava dentro do padrão de segurança (116).

Em 18.01.2007 às 16h08 a pista principal do aeroporto de Congonhas foi interditada

devido à forte chuva, e causou o atraso de 44 pousos e 10 decolagens (117).

Em 20.01.2007 novo atraso em Congonhas, que desta vez causou o atraso de 13 pousos

e 12 decolagens até as 17h20 (118).

Em 21.01.2007 em Congonhas 25 pousos e 19 decolagens estavam atrasadas às 15h40

por causa da chuva (119).

Em 22.01.2007 entre as 06h17 e 06h45 as operações em Congonhas foram novamente

suspensas (120), o que gerou atrasos em 160 vôos (121).

Em 24.01.2007 o Ministério Público Federal (MPF) entrou com um pedido de liminar

exigindo que a pista principal do aeroporto de Congonhas fosse fechada até que sofresse

uma reforma, com base nos derrapamentos que ocorreram nos dias anteriores, os quais

segundo o MPF �ameaçam a vida de passageiros, tripulantes e moradores da região� (122).

Em 26.01.2007 o juiz-substituto responsável pela 22a Vara Cível da Justiça Federal de

São Paulo, Ronald Carvalho Filho, determinou que em 72 horas a ANAC e a INFRAERO

deveriam fornecer informações técnicas sobre o aeroporto Congonhas (123).

Em 28.01.2007 um militar que voava como passageiro no vôo 8023 da TAM testemu-

nhou e registrou um comunicado aos passageiros, efetuado pelo comandante do vôo, no

Page 41: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 47

qual este teria dito em três idiomas que o atraso de meia hora foi causado pela �greve de

três meses dos controladores�, e pela �situação caótica dos aeroportos�. No embarque dos

passageiros no aeroporto de Guarulhos, teria dito ainda que �havia `risco de acidente' e

caos em Cumbica pois a pista de taxiamento estava em obras�, e em relação à pista de

Congonhas teria dito que �a situação é de insegurança e que deveria ser fechada porque

causará um acidente� (124).

Em 05.02.2007 o juiz-substituto Ronald Carvalho Filho determinou a suspensão de

todas as operações de pouso e decolagem, realizadas no aeroporto de Congonhas, pelos

modelos de aeronave Fokker-100, Boeing 737/700 e Boeing 737/800, à partir do primeiro

minuto de 08.02.2007. A procuradora do Ministério Público Federal, Fernanda Taubem-

blatt, a�rmou em relação à decisão do juiz que já �caria feliz �porque retirando essas

aeronaves diminui os riscos de derrapagem e acidentes�. A Folha de S. Paulo noticiou que

a ANAC, INFRAERO e Aeronáutica, ao contrário, �avaliam que há segurança su�ciente

para a operação de todas as aeronaves na pista principal de Congonhas� (125).

Em 06.02.2007 entre as 07h12 e 08h04 novamente o aeroporto de Congonhas teve suas

operações suspensas (126). A Folha Online noticiou que o Ministério Público Federal

recorrerá da decisão da Justiça Federal de São Paulo, por considerar que a única maneira

de se garantir a segurança no aeroporto de Congonhas é através do fechamento total da

pista principal até a conclusão de sua reforma, e não apenas restringindo-se as operações

de alguns modelos de aeronaves de grande porte (127).

Em 07.02.2007 o desembargador do Tribunal Regional Federal da 3a Região, Antônio

Cedenho, revogou a decisão da Justiça Federal de São Paulo que proibiria as operações de

três modelos de aeronave no Aeroporto de Congonhas à partir do dia 08.02.2007, alegando

que aquela decisão �extrapola as situações de risco ao determinar a interrupção das ativi-

dades de pouso das aeronaves mencionadas na decisão hostilizada independentemente do

panorama meteorológico�. Com a revogação, o desembargador decidiu que permaneceria

válida apenas a determinação de suspenderem-se as operações na pista principal do aero-

porto de Congonhas quando a lâmina d'água atingisse 3 milímetros. Caso a determinação

da Justiça Federal permanecesse, uma vez que Congonhas é utilizado como centro de

distribuição de vôos entre o Sul e o Norte do país por todas as companhias, conseqüen-

temente as operações no aeroporto seriam reduzidas, o que provavelmente desencadearia

um efeito dominó em todos os vôos do país, uma vez que a infra-estrutura disponível seria

ainda mais insu�ciente para suprir a oferta de vôos comerciais (128).

Page 42: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

48 1 A crise aérea à luz da mídia

Em 08.02.2007 a chuva levou à suspensão das operações de pouso e decolagem em

Congonhas, das 06h40 às 06h54, das 07h56 às 08h09, das 09h36 às 09h50, das 11h35

às 12h35, das 17h38 às 18h57 e das 20h34 às 20h46. Às 19h30 haviam 40 pousos e 30

decolagens com atraso médio de três horas (129).

Em 09.02.2007 passageiros que deveriam ter embarcado na noite anterior, em Con-

gonhas, foram transferidos para Guarulhos, devido aos atrasos ocorridos com as seis sus-

pensões das operações na pista por causa da chuva. Após sete horas de espera, dos

duzentos passageiros de cinco vôos da Gol que estavam no local, cerca de sessenta deci-

diram protestar contra o atraso e saíram da sala de embarque com destino à pista, mas

foram impedidos pela Polícia Federal (130). O Ministério Público do Trabalho elaborou

um relatório preliminar sobre as condições de trabalho dos controladores de tráfego aéreo

brasileiros, e constatou que �há um decréscimo de 3% ao ano no número de pro�ssionais

do setor em comparação com um acréscimo de 9% ao ano no aumento do trafego aéreo�,

o que caracteriza uma defasagem entre o número de pro�ssionais necessários em relação

à necessidade real (131).

Em 12.02.2007 a Agência Nacional de Aviação Civil publicou uma portaria que es-

tendeu em duas horas o horário de funcionamento do aeroporto de Congonhas, que antes

era das 06h às 23h, para até 01h. O prazo de vigência da portaria �cou para 26.02.2007,

mas com a possibilidade de extensão até o �nal das obras na pista principal do aeroporto,

caso haja uma boa absorção do tráfego aéreo durante o Carnaval (132).

Em 13.02.2007 o governo federal convocou uma reunião com as autoridades aero-

náuticas para a discussão de �planos de emergência para enfrentar as duas principais

`ameaças': a de novas falhas operacionais de empresas aéreas e uma nova radicalização na

operação-padrão dos controladores�. Além disso, o governo decidiu prorrogar novamente a

decisão de desmilitarizar o controle de tráfego aéreo civil, proposta em dezembro de 2006,

o que criou um descontentamento entre os controladores de vôo, e que pode desencadear

uma reação por parte de aproximadamente 40 sargentos controladores do Cindacta-1, em

Brasília, com o objetivo de pressionar o governo para desmilitarizar a atividade (133).

Em 14.02.2007 o inquérito elaborado pelo Ministério Público do Trabalho sobre as

condições de trabalho dos controladores de vôo, apontou que �há `riscos reais' de um novo

acidente aéreo no país, devido às más condições de trabalho dos controladores de vôo�.

Alguns dos itens apontados como causas para o incremento do risco são (134):

• Treinamento indevido a pro�ssionais que já estão em atividade;

Page 43: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 49

• Desrespeito aos quinze minutos de descanso a cada duas horas de trabalho, conforme

recomenda a Organização Internacional do Trabalho;

• Ausência de um operador-auxiliar para cada operador;

• Colocação de auxiliares que, muitas vezes, são assistentes de comunicação, os quais

têm um treinamento de apenas 80 horas, enquanto o dos controladores é de 180, e

que não os torna aptos a auxiliar de fato os operadores;

• Cancelamento de folgas.

Em 16.02.2007 a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3a Região, Cecília

Marcondes, determinou que a ANAC apresentasse até 26.02.2007 um estudo sobre o peso

das aeronaves que operam no aeroporto de Congonhas. Nos casos de o estudo não ser

entregue, ou de a desembargadora entender que as operações no aeroporto de Congonhas

não atendessem aos padrões de segurança, a decisão tomada pelo juiz-substituto respon-

sável pela 22a Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, Ronald Carvalho Filho, em

05.02.2007, que suspendia as operações de pouso e decolagem no aeroporto de Congonhas

para três modelos de aeronaves, voltaria a valer (135). O procurador geral da República,

Sérgio Monteiro Medeiros, a�rmou que �a situação da pista principal de Congonhas é da

maior gravidade! A Anac e a Infraero dizem ter condições de evitar acidentes, fechando

a pista em dias de chuva. Não é o que se tem visto� (136).

Em 18.02.2007 as operações de pouso e decolagem no aeroporto de Congonhas foram

suspensas das 15h15 às 16h06, mas por ser um domingo de Carnaval, o movimento de

passageiros e número de vôos era menor e, conseqüentemente, não houveram atrasos

signi�cativos (137).

Em 19.02.2007 o aeroporto de Congonhas teve suas operações suspensas das 17h58 às

18h08 para que fosse feita a medição da lâmina d'água, mas não gerou impactos signi�-

cativos em nenhum vôo (138).

Em 20.02.2007 as operações foram suspensas no aeroporto de Congonhas, para medi-

ção da lâmina d'água na pista, das 16h11 às 16h40 (139).

Em 22.02.2007 o presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, Milton Zuanazzi,

a�rmou que �[nós da ANAC] somos muito mais rigorosos que a Justiça�, e que �nós [da

ANAC] estamos baseados em leis internacionais. E ele [o juiz], está baseado em quê?�.

Disse também que espera �com toda a convicção� que a desembargadora Cecília Marcondes

mantenha suspensa a decisão do juiz-substituto Ronald Carvalho Filho, que proíbe três

Page 44: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

50 1 A crise aérea à luz da mídia

modelos de aeronaves de operarem no aeroporto de Congonhas. Zuanazzi argumentou

que a restrição foi cogitada devido a uma interpretação errada do juiz, e que não estava

fundamentada em �aspectos técnicos relevantes� (140).

Em 23.02.2007 a desembargadora Cecília Marcondes desistiu de suspender as ope-

rações previstas na decisão do juiz-substituto Ronald Carvalho Filho. O presidente da

ANAC, Milton Zuanazzi, disse acreditar que a desembargadora desistiu após a Agência

ter entregue os documentos exigidos, e a�rmou que �[nós da ANAC] estamos satisfeitos

porque prevaleceram as questões técnicas. Acredito que a desembargadora �cou satisfeita

com o que apresentamos. Mostramos que Congonhas é seguro dentro de suas limitações�.

A questão de que os modelos de aeronave Fokker-100, Boeing 737/700 e Boeing 737/800

utilizam mais do que 80% da pista principal para pousar e decolar, e que a margem

de segurança de 20% não estaria, portanto, sendo respeitada, não foi comentada pelo

presidente da ANAC (141).

Em 25.02.2007 o aeroporto de Congonhas �cou por uma hora com as operações sus-

pensas (142).

Em 26.02.2007 as operações em Congonhas foram suspensas das 15h às 15h55, e 48

vôos registravam atrasos (143).

Em 27.02.2007 iniciaram-se as obras para a reforma da pista auxiliar do aeroporto

de Congonhas, cuja previsão de término é de 120 dias. O horário de funcionamento do

aeroporto, que antes era das 06h30 às 23h, passou a ser das 05h30 à 0h30. A grade horária

de 129 vôos comerciais teve que ser alterada (144). Das 16h40 às 17h07 a pista principal do

aeroporto de Congonhas foi fechada para que fosse realizada a medição da lâmina d'água

e, às 19h, 358 dos 1.473 vôos programados para o dia estavam com atrasos superiores a

45 minutos (145). O Senado aprovou uma Medida Provisória que autoriza a contratação

de 60 controladores de tráfego aéreo pelo Ministério da Defesa por um período de até 2

anos, prorrogáveis por mais 2, sem a necessidade de realização de concurso público. Ao

invés disso o critério de seleção deverá ser feito por análise de currículo, considerando-se

a �notória capacidade técnica pro�ssional� dos candidatos (146).

Em 28.02.2007 tomou posse o novo Comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti

Saito, que assumiu o lugar do brigadeiro Luiz Carlos Bueno. Saito a�rmou que a Aero-

náutica �não pleiteia exclusividade do controle do espaço aéreo nacional mas, por outro

lado, não pode `fugir à sua responsabilidade de manter a soberania nacional em um pa-

tamar condizente com a importância do Brasil� ', além de que estaria disposto a discutir

a desmilitarização do controle de tráfego aéreo civil (147). O ministro da Defesa, Waldir

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1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 51

Pires, a�rmou que �o controle do espaço aéreo é da Força Aérea Brasileira, que tem como

meta garantir a nossa soberania. Aviação civil é outra coisa, é transporte do cidadão.

Vamos ter que estudar isso de modo mais competente possível�. O grupo de trabalho

interministerial, responsável pela análise do sistema de controle de tráfego aéreo nacional

e que busca estratégias para acabar com a crise aérea, foi prorrogado por mais 30 dias

(148). O aeroporto de Congonhas permaneceu fechado das das 15h07 às 15h20, e às 17h

haviam 10 pousos e 5 decolagens com atrasos entre 30 e 90 minutos (149).

Em 03.03.2007 a Folha de S. Paulo noticiou que a INFRAERO optou por alargar a

pista auxiliar do aeroporto de Congonhas dos 49 metros atuais para 54, e que esta medida

acabaria �elevando a margem de segurança para o pouso de aviões maiores�, além de que �o

alargamento da pista auxiliar permitirá o pouso de um número maior de jatos comerciais,

como os Boeings e Airbus utilizados pelas principais empresas aéreas nacionais�. A outra

opção preterida era a de ampliar o comprimento da pista, mas isto exigiria o investimento

de bilhões de reais, devido à desapropriação de residências da área, o que além de tudo

�causaria forte impacto na opinião pública, sobre um setor já combalido politicamente

pela crise aérea�, segundo noticiou a Folha (150).

Em 08.03.2007 o aeroporto de Guarulhos �cou fechado das 19h50 às 20h10, para que

o avião presidencial dos Estados Unidos pousasse às 20h04, com o presidente George W.

Bush, e causou atrasos em 38 pousos e 13 decolagens (151).

Em 09.03.2007 o aeroporto de Congonhas teve as operações suspensas das 20h às

20h50, devido à chuva; 51 pousos e 44 decolagens estavam atrasadas às 21h20 (152).

Em 14.03.2007 as operações em Congonhas foram suspensas, por causa da chuva, das

16h26 às 18h03 (153).

Em 16.03.2007 Congonhas teve novamente suas operações suspensas, das 16h06 às

17h22, o que causou atrasos superiores a 30 minutos em 90 vôos (154).

Em 17.03.2007 as operações em Congonhas foram suspensas das 14h15 às 14h25, das

18h23 às 18h33 e das 19h38 às 19h47, o que gerou atrasos (155).

Em 18.03.2007 o aeroporto de Congonhas �cou fechado das 07h às 08h49 devido à

chuva. Aproximadamente três horas depois um dos sistemas de software do Cindacta-1

entrou em colapso e teve que sofrer uma reinicialização que durou sete minutos. Durante

este intervalo todas as operações de pouso e decolagem sob o controle do Cindacta-1,

que abrange as regiões Sudeste e Centro-Oeste e corresponde a cerca de 70% dos vôos do

país, foram suspensas. Em seguida, quando o sistema voltou a funcionar, os controladores

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52 1 A crise aérea à luz da mídia

aumentaram os intervalos entre as decolagens como medida de segurança. A interdição

de Congonhas por quase duas horas, em conjunto com a falha no Cindacta-1, levou a uma

grande saturação nos principais aeroportos brasileiros, apesar de ser um domingo, dia em

que o tráfego costuma ser reduzido (156).

Em 19.03.2007 um cachorro invadiu a pista do aeroporto de Congonhas e interrompeu

as operações das 07h49 às 08h17. O aeroporto de Brasília sofreu os efeitos da falta de luz na

cidade, o que causou uma queda do sistema de visualização do aeroporto que surpreendeu

a INFRAERO, segundo a�rmou seu presidente, brigadeiro José Carlos Pereira. Estes dois

fatos somados aos do dia anterior contribuíram para que 30,5% dos vôos sofressem atrasos

(157). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que autorizou o ministério

da Defesa a contratar 6o controladores de tráfego aéreo, e que já havia sido aprovada pelo

Senado em 27.02.2007 (158).

Em 20.03.2007 os atrasos nos principais aeroportos do país registraram atrasos supe-

riores a uma hora em 241 dos 1554 dos vôos programados, o que corresponde a 15,5% do

total. Em parte, estes atrasos são re�exo da crise que eclodiu no dia 18 (159).

Em 21.03.2007 uma pane no Cindacta-2, que é responsável pelo tráfego aéreo da re-

gião Sul e parte de São Paulo, sofreu uma pane técnica às 07h30 que só foi normalizada

duas horas depois, conforme informações da INFRAERO. Segundo a Aeronáutica, a pane

fez com que fosse necessário efetuar a reinicialização do sistema de tratamento de pla-

nos de vôo às 10h40. Por questão de segurança, o espaçamento entre as aeronaves sob

controle do Cindacta-2 passou de cinco para dez minutos, mas o movimento nos aero-

portos foi considerado normal pela INFRAERO: 51 dos 507 vôos entre 0h e 09h tiveram

espera superior a uma hora (160). O ministro do Turismo, Walfrido dos Marges Guia,

responsabilizou as empresas aéreas pelos atrasos e cancelamentos de vôos no �nal de 2006

e nos últimos meses. Segundo noticiou a Folha Online, �ele [o ministro] negou uma crise

no setor�, além de ter atribuído �os problemas ocorridos desde o �m do ano passado ao

aumento dos passageiros� (161).

Em 22.03.2007 o governo federal anunciou a criação de um gabinete de crise para

avaliar semanalmente o caos aéreo (162).

Em 23.03.2007 as operações no aeroporto de Congonhas foram interrompidas das

14h23 às 14h39, para a medição da lâmina d'água na pista, mas a operação não gerou

atrasos (163).

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1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 53

Em 24.03.2007 um nevoeiro causou o fechamento do aeroporto de Guarulhos por

aproximadamente seis horas durante o período matutino, provocou o desvio de 16 vôos

para outros aeroportos e causou atrasos em aproximadamente 100 decolagens (164).

Em 25.03.2007 pelo mesmo motivo Guarulhos �cou fechado das 05h17 às 08h20, e 11

vôos tiveram que ser desviados. Os fechamentos ocorreram apesar de o aeroporto contar

com um equipamento11 que precisava ter sido certi�cado por um avião da FAB, o qual

teve problemas durante o teste e, conseqüentemente, o sistema permaneceu desabilitado.

Duas semanas antes este equipamento foi dani�cado por um raio e, apesar de ter sido

consertado em seguida, dependia da certi�cação da FAB para voltar a funcionar. O

ministro da Defesa, Waldir Pires, �pediu investigação e demissão dos responsáveis pelos

atrasos ocorridos�, conforme noticiou a Folha Online (165).

Em 26.03.2007 o aeroporto de Guarulhos fechou novamente por causa da neblina das

05h25 às 07h40, mas somente para pousos: as decolagens foram permitidas. Devido ao

fechamento, 11 aeronaves tiveram que pousar em outros aeroportos e outras 63 sofreram

atrasos. A nível nacional, 227 dos 1511 vôos programados sofreram atrasos superiores a

uma hora (166).

Em 27.03.2007 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a�rmou que quer, segundo

notícia da Folha Online, �prazo, dia e hora para a gente anunciar ao Brasil que não vai

ter mais problemas nos aeroportos brasileiros�. Disse também que �essa coisa [a crise no

setor aéreo] vem se arrastando desde março do ano passado com o problema da Varig, se

agravou em outubro do ano passado, com o problema do Legacy e do avião da Gol�, e

que �os controladores de tráfego aéreo seriam apenas `um item' entre `muitas falhas' que

precisam ser corrigidas� (167).

Em 29.03.2007 a Gol comprou a Varig, que em 20.07.2006 havia sido arrematada por

US$ 24 milhões, por US$ 320 milhões. Em fevereiro de 2007 o mercado internacional

permaneceu liderado pela TAM com 61,01%, seguida pela Gol com 18,94%, pela Nova

Varig com 11,82% e pela BRA com 7,89% (168). A compra da Nova Varig pela Gol

caracterizou um momento histórico em que o setor aéreo saiu de um período de competição

de antigas empresas com di�culdades �nanceiras, com novas empresas enxutas e melhor

adaptadas à lógica de mercado, livres dos traumas que marcaram o setor principalmente

nas décadas de 1980 e 1990.

11ILS, Instrument Landing System, Sistema de Aproximação (para pouso) por Instrumento; permiteque as aeronaves pousem mesmo que a pista não esteja em condições visuais.

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54 1 A crise aérea à luz da mídia

Em 30.03.2007 o Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo divulgou

um manifesto em nome dos controladores de tráfego aéreo, com reivindicações para que

o governo federal realizasse melhorias no setor. O ministro da Defesa, Waldir Pires, em

resposta ao manifesto, sinalizou que o governo estaria preparando medidas para desmi-

litarizar o controle de tráfego aéreo civil brasileiro, mas também exigiu disciplina dos

controladores militares e pediu paciência à categoria: �as soluções institucionais não são

simples, não são fáceis [...] Não podemos admitir impaciência para a solução de problemas

institucionais�. (169). Ao longo do dia os controladores reuniram-se com o comandante

do Cindacta-1, que teria dito que caso fosse caracterizado um motim por parte dos con-

troladores, seriam aplicadas as punições previstas no regulamento militar. Após a reunião

os controladores do Cindacta-1 iniciaram a paralização que havia sido prometida no ma-

nifesto divulgado pela manhã. À partir das 17h o espaçamento entre os vôos começou

a aumentar e, às 18h40, o Cindacta-1 passou a monitorar apenas os vôos que já esta-

vam no ar; nenhuma nova decolagem foi autorizada desde então (170). O comandante

da Aeronáutica, Juniti Saito, foi até o Cindacta-1, em Brasília, com a intenção de dar

voz de prisão a todos os cerca de 200 controladores de vôo que estavam de braços cru-

zados, mas o presidente Luis Inácio Lula da Silva designou o ministro do Planejamento,

Paulo Bernardo, para negociar em nome do governo com a categoria. O gabinete de crise

instalado no palácio do Planalto para lidar com a crise aérea conta com o ministro do

Planejamento, o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, e o chefe de gabinete

da Presidência, Gilberto Carvalho. A decisão do presidente Lula foi tomada enquanto ele

estava em viagem para os Estados Unidos, através do telefone que �ca a bordo do avião

presidencial. Enquanto ocorria o gerenciamento da crise, a Infraero con�rmou que não

haveria mais qualquer decolagem em aeroportos nacionais até o �nal do dia (171).

Em 31.03.2007 chegou ao �m a paralisação dos controladores de vôo iniciada no dia

anterior, devido a um acordo com o governo federal �rmado durante a madrugada e

assinado pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo Silva, e pela secretária-executiva

da Casa Civil, Erenice Guerra. O governo comprometeu-se com os seguintes itens:

1. Fazer revisão dos atos disciplinares militares [...], assegurar que não haverão quais-

quer �punições em decorrência da manifestação ocorrida no dia [30]�;

2. �Abrir um canal permanente de negociação com representantes, inclusive dos con-

troladores militares, para o aprimoramento do tráfego aéreo brasileiro, tendo como

referência de início dos trabalhos a implantação gradual de uma solução civil a partir

de [03.04.2007]�;

Page 49: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 55

3. �Abrir um canal de negociação sobre remuneração dos controladores civis e militares

a partir de [03.04.2007]�. (172).

A Agência Nacional de Aviação Civil estimou que 18 mil passageiros foram prejudicadas

com a paralisação dos controladores de vôo (173).

Em 01.04.2007 o presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias, José

Márcio Monsão Mollo, declarou um prejuízo estimado superior a R$ 100 milhões nos úl-

timos seis meses, devido à crise aérea, e que na semana anterior havia se reunido com o

presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, Milton Zuanazzi, �para de�nir a meto-

dologia de cálculo que será empregada para o ressarcimento� do governo federal para as

empresas (174).

Em 02.04.2007 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a respeito da paralisação dos

controladores de vôo em 30.03.2007, declarou considerar muito grave o ocorrido, e que

achava grave e irresponsável o que eles haviam feito, por estarem lidando com milhares

de pessoas. Disse ainda que:

A gente não pode �car assistindo na televisão todo dia milhares de pes-soas sofrendo, esperando cinco ou seis horas, passando privações, [...]chorando porque uma categoria se dá o direito de poder fazer isso. (175)

Se por um lado os sargentos controladores de vôo retornaram às atividades após o

compromisso assinado pelo governo federal, os o�ciais, que são chefes dos controladores,

abandonaram os seus postos. A Folha de S. Paulo noticiou que os o�ciais cumpriram

o que, em nota o�cial emitida em 31.03.2007, o Alto Comando da Aeronáutica decidiu:

entregar a che�a das salas de controle aéreo. Os controladores chamaram esta �entrega�

de �abandono�, e o presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao

Vôo, Jorge Carlos Botelho, a�rmou que �isso é revanchismo. A responsabilidade ainda é

da Aeronáutica, não houve ainda o ato legal de transferência�. Segundo o diretor de mo-

bilização da Associação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo, sargento Edleuzo

Souza Cavalcante, �a FAB largou de vez o tráfego aéreo. Abandonaram mesmo, está por

conta do nosso pessoal. Em Recife o chefe rasgou a escala. Em Manaus mandaram o pes-

soal se vestir de civil� (176). Após assembléia realizada à noite no Sindicato Nacional dos

Trabalhadores de Proteção ao Vôo, os controladores civis decretaram estado de greve12

(177).

12Estado de greve signi�ca que toda a categoria está mobilizada e que uma nova assembléia pode sermarcada a qualquer momento para chamar a votação pela greve.

Page 50: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

56 1 A crise aérea à luz da mídia

Em 03.04.2007 o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, após reunião com os con-

troladores de vôo civis e militares, a�rmou que ��ca muito difícil negociar com constantes

ameaças do movimento e com ameaças de fazer greve, de transformar a Páscoa em um

inferno�, e negou que teria feito um acordo de não-punição dos envolvidos no movimento

de paralisação13. Ao invés disso, o ministro disse que �rmou apenas um compromisso de se

cancelar algumas transferências, e que isso teria sido feito sob autorização do comandante

da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, apesar de ter assinado com os controladores o

acordo em que �o governo federal [...] assegura que não serão praticadas punições em

decorrência da manifestação ocorrida no dia de hoje (30)� (178).

A Folha de S. Paulo noticiou que na noite do dia 02.04.2007 o presidente Lula se reuniu

com os comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha, e teria dito que �reavaliou�

a decisão tomada anteriormente de não punir os controladores de vôo que teriam se

amotinado em 30.03.2007. Com isso a Aeronáutica aceitou retomar em 03.04.2007 o

controle do tráfego aéreo, e os o�ciais retornaram aos postos de che�a que abandonaram

em 31.03.2007, em reação ao acordo assinado pelo governo com os controladores. O

comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, voltou com isso a ter poder de decisão

sobre as eventuais punições e estimulou, segundo noticiou a Folha de S. Paulo, a abertura

de Inquéritos Policiais Militares pelo Ministério Público Militar14. O presidente Lula

justi�cou-se pela decisão de impedir que o comandante da Aeronáutica desse voz de prisão

aos controladores com o argumento de que as informações que havia recebido durante

sua viagem para os Estados Unidos foram �precárias e incompletas�, e que o brigadeiro

havia lhe apresentado um �quadro mais completo�. Este novo �quadro� teria levado o

presidente a �reavaliar� a situação e descumprir o acordo. Segundo a Folha noticiou, a

Aeronáutica considerou o andamento independente dos Inquéritos Policiais Militares como

�fator crucial para o restabelecimento da ordem�, e que �se a impunidade aos sargentos

rebeldes fosse garantida pelo governo, como havia sido acertado [...], não haveria condições

de enviar [os] o�ciais de volta às salas de controle�. O brigadeiro Juniti Saito alertou o

presidente Lula de que �o motim dos controladores poderia ter um efeito-cascata sobre

as demais categorias do controle aéreo e provocar uma contaminação no Exército e na

Marinha�. O presidente Lula decidiu chamar os três comandantes militares15 para uma

nova reunião no �nal da tarde, os quais lhe disseram que a �a quebra de hierarquia

de [30.03.2007] afetava a autoridade deles e a do próprio presidente� (179). O vice-

13A paralisação dos controladores foi chamada de `motim' em diversas notícias.14O Ministério Público Militar atua na esfera do Poder Judiciário, e não está subordinado nem ao

Poder Executivo e nem às Forças Armadas.15Comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito; Comandante do Exército, general Enzo Martins

Peri; e Comandante da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura neto.

Page 51: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 57

líder do governo na Câmara, deputado Beto Albuquerque, a�rmou que �qualquer tipo

de negociação está sob o comando da Aeronáutica a partir de agora�, e que �isso na

prática signi�ca que o governo optou por substituir Pires, um civil, por um militar, o

brigadeiro Juniti Saito, da Aeronáutica, na tarefa de controlar a crise�, segundo teria dito

um governista não identi�cado pela Folha Online (180).

Em 05.04.2007 a Associação Brasileira dos Controladores [militares] de Tráfego Aéreo

emitiu uma nota o�cial em que a categoria, entre outras questões, rea�rmava sua �con-

�ança e respeito ao Governo Federal, ao Comando da Aeronáutica e principalmente nas

bases do militarismo: hierarquia e disciplina� (181).

Em 06.04.2007 o ex-Presidente do Superior Tribunal Militar de 2004 a 2005, almirante-

de-esquadra José Júlio Pedrosa, a�rmou que a atitude dos controladores militares foi uma

afronta aos princípios da hierarquia militar, e que lhe parecia �mais preocupante é que fatos

desta ordem podem transformar integrantes das Forças Armadas em grupos de rebeldes�.

Em relação à desmilitarização do controle de tráfego aéreo civil, o almirante disse que �é

muito caro para o Brasil manter uma estrutura que acabou militarizada por questão de

economia�, e quanto ao fato de os controladores militares não terem direito a horário �xo

de trabalho, folgas de rotina e contarem com salários mais baixos, argumentou: �mas isso

faz parte da nossa pro�ssão� (182).

Em 08.04.2007 a Folha de S. Paulo noticiou que a Federação Internacional das Asso-

ciações dos Controladores de Tráfego Aéreo (IFATCA), apontou em outubro de 2006 que

o sistema de controle de tráfego aéreo brasileiro é falho, tem um baixo nível de segurança,

que os controladores não têm preparo, que os equipamentos são velhos, que não há suporte

técnico, que a cobertura de rádio é ruim e que os sistemas operacionais são inadequados, e

teria enviado uma carta oferecendo assessoria e consultoria ao governo federal na mesma

época (183).

Em 10.04.2007 foi divulgada uma pesquisa de opinião16 que mostrou que 82% dos

brasileiros acompanharam ou ouviram falar da crise no setor aéreo do país; deste total,

as responsabilidades foram distribuídas da seguinte forma (184):

• 25,8% - Governo Federal

• 15,1% - Controladores de Tráfego Aéreo

• 10,9% - Companhias Aéreas

16Pesquisa �CNT Sensus�, realizada em 136 municípios brasileiros entre 02 e 06.04.2007, com 2000pessoas entrevistadas.

Page 52: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

58 1 A crise aérea à luz da mídia

• 10,0% - Aeronáutica

• 10,0% - Infraero

• 10,0% - Aumento no número de passageiros

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nacional, Cezar Britto, se reuniu

com representantes do Sindicato Nacional dos Trabalhadores na Proteção ao Vôo e da

Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo. O presidente da OAB declarou

em nota, após a reunião, que �o entendimento preliminar é de que a crise não é militar,

mas gerencial. Dentro dela, a questão salarial é apenas um componente, mas não sua

essência�, e aceitou que a entidade sirva como intermediária das negociações entre os

controladores de tráfego aéreo e o governo federal (185).

Em 11.04.2007 o ministro da Defesa, Waldir Pires, defendeu o presidente Lula e disse

que �quando o presidente assume uma posição, ele assume como titular da soberania

popular. Quando ele assume o comando supremo das Forças Armadas, ele tem o mandato

oriundo de cada cidadão do Brasil. É a mais alta voz do Brasil, assume legitimamente�,

e quanto ao fato de ter designado o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, para

negociar com os controladores, defendeu que �quando o presidente atribui diretamente a

outros ordens de presença nas instituições, ele faz isso com legitimidade�. Em relação ao

controle de tráfego aéreo no país, a�rmou que a responsabilidade não é do ministério da

Defesa, mas sim do Comando da Aeronáutica (186). O presidente da Agência Nacional de

Aviação Civil, Milton Zuanazzi, a�rmou que �a crise no transporte aéreo está longe de ser

uma crise. Nós a superamos a partir de 2004�, e argumentou que isto pode ser comprovado

pelo crescimento da oferta de vôos, que subiu de 12% em 2004 para 17% em 2007. Segundo

ele, �as empresas não sentem a crise, pelo contrário, estão em franco investimento� (187).

O procurador da Justiça Militar, Giovanni Rattacaso, disse que o Inquérito Policial Militar

�foi instaurado para apurar o movimento do dia 30.03.2007�, e o promotor Jaime de

Cássio Miranda a�rmou que �o objetivo é identi�car se houve o descumprimento de ordens

superiores por parte dos controladores de vôo�. Eles explicaram que não havia qualquer

intenção de instaurar-se processos contra os o�ciais que participaram do abandono de

postos de comando no dia 31.03.2007. Enquanto no caso dos controladores o foco seria

a quebra da hierarquia militar, os o�ciais só seriam responsabilizados caso as apurações

indicassem �que o caos aéreo também envolveu a prática de crime por parte de brigadeiros�,

mas que nesse caso um novo Inquérito Policial Militar deveria ser instaurado, e isso só

ocorreria por iniciativa da procuradora-geral da Justiça Militar, Maria Ester Tavares, ou

do próprio Comando da Aeronáutica, que foi justamente quem �orientou os o�ciais que

Page 53: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 59

supervisionam a atividade a abandonar as salas de controle� no dia 31.03.2007. Segundo

noticiou a Folha de S. Paulo, a assessoria de imprensa da procuradora-geral informou que

ainda não havia �indícios que justi�cassem a abertura de um IPM em relação aos o�ciais�,

apesar do abandono dos postos de comando (188).

Em 15.04.2007 a Folha de S. Paulo noticiou que o comandante da Aeronáutica, briga-

deiro Juniti Saito, �atribuiu toda a crise no setor aéreo brasileiro aos controladores de vôo�

e, com isso �o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria decidido adiar qualquer processo

de desmilitarização do controle do espaço aéreo por prazo indeterminado, enquanto não

houver garantias de que está afastada a hipótese de novos apagões aéreos que paralisem

os aeroportos, como ocorreu em 30.03.2007� (189).

Em 17.04.2007 o presidente da Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aé-

reo, Wellington Rodrigues, a�rmou que em relação à paralisação dos controladores em

30.03.2007, é importante �nunca analisar somente as conseqüências, e sim as causas�, e

disse ter sido um erro a Aeronáutica �negar no começo que havia falhas de comunicações,

que havia falhas de radar. Isso deixou o controlador desamparado pela sua instituição�,

pois neste caso de fato o problema seriam os próprios controladores. Em relação à desmi-

litarização do controle de tráfego aéreo civil, a�rmou que existe �uma incompatibilidade

entre ser militar, a carreira militar e a carreira de controlador de tráfego aéreo. Muitas

vezes a regra da vida militar está acima da regra do controle, isso não pode existir.�

Exempli�cou com o endurecimento a que os controladores foram submetidos após a insu-

bordinação, segundo ele, é normal na vida militar, mas que não deveria ser no controle de

tráfego aéreo civil. Em relação ao movimento de operação padrão de que os controladores

foram acusados, defendeu que �nossa pro�ssão [de controlador de vôo] tem que ser padrão

mesmo�, e que enquanto os controladores aceitavam excesso de tráfego e recebiam �tapi-

nha nas costas� de seus o�ciais, ao mesmo tempo assumiam, junto com seus supervisores,

a responsabilidade civil por agir com �negligência, imperícia e imprudência�, e que os

con�itos surgiram quando os controladores abriram mão de assumir esta responsabilidade

para que o sistema funcionasse, ainda que precária e perigosamente. Quanto à acusação

de que os controladores realizaram um motim, ele esclareceu que esta denominação está

errada: �motim seria pegar armas para tomar o controle da situação. Não foi isso. Foi

uma insurgência de não cumprir as ordens17� (190).

17Apesar desta explicação oferecida pelo próprio entrevistado sobre a diferença entre motim e insurgên-cia, ainda assim a manchete da reportagem foi �Para presidente de associação de controladores, motimfoi `erro estratégico� '.

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60 1 A crise aérea à luz da mídia

Em 18.04.2007 os agentes da Polícia Federal realizaram uma operação padrão que

causou duas �las de dois quilômetros cada, no aeroporto de Guarulhos (191).

Em 21.04.2007 os advogados da ExcelAire, José Carlos Dias e Theo Dias, a�rmaram

que a empresa não havia sido �informada pela Embraer de que um dos componentes onde

são instalados o transponder e parte do sistema de rádio do Legacy já havia apresen-

tado defeito antes, numa aeronave agora fora de linha. `Foi devolvido pela Embraer à

Honeywell, voltou ao Brasil e foi instalado no Legacy� ' (192).

Em 22.04.2007 o aeroporto de Curitiba �cou fechado da 01h30 às 09h devido a um

nevoeiro, e às 10h três vôos estavam atrasados em meia hora (193).

Em 26.04.2007 o aeroporto de Congonhas �cou fechado das 16h40 às 17h22, devido à

chuva (194).

Em 27.04.2007 o fechamento da pista de Congonhas ocorreu das 06h29 às 07h14, e o

aeroporto Santos Dumont foi fechado às 14h50 para decolagens e às 15h22 para pousos;

às 16h01 algumas decolagens começaram a ser autorizadas. Dos 1369 vôos programados

para o dia em todo o país, 436 tiveram atrasos superiores a uma hora (195).

Em 28.04.2007, o primeiro dia do feriado prolongado do Dia do Trabalho, dos 1528

vôos programados, 309 registraram atrasos e 18 cancelamentos. Nos dois critérios este

feriado sofreu desempenho pior do que o do feriado de Páscoa, ocorrido no começo do mês

(196).

Em 08.05.2007 a pista auxiliar do aeroporto de Congonhas foi reaberta, após 70 dias

de obras que estavam previstas para durar mais 30, a �m de que gradualmente fosse

executado o grooving18 (197).

Em 14.05.2007 a pista principal do aeroporto de Congonhas foi interditada para as

obras de reforma, cujo principal objetivo era acabar com o acúmulo de água durante as

chuvas, que aumentava o risco de derrapagem das aeronaves e, conseqüentemente, causava

as interdições da pista quando a lâmina d'água ultrapassava três milímetros. Devido à

obra 106 vôos foram suspensos e 51 foram transferidos para o aeroporto de Guarulhos

(198). O horário de funcionamento foi alterado: de segunda a sexta-feira das 05h30 à 0h,

aos sábados das 06h às 23h, e aos domingos das 07h às 0h. Até as 12h, dos 109 vôos

programados para o aeroporto, 25 sofreram atrasos superiores a uma hora (199).

18Groovings são ranhuras longitudinais feitas no asfalto para ajudar no escoamento da água em diasde chuva.

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1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 61

Em 22.05.2007 as operações no aeroporto de Congonhas foram suspensas das 09h06

às 09h15, para a veri�cação das condições da pista auxiliar, e das 10h30 às 11h, aproxi-

madamente. Até as 14h15, dos 145 vôos programados, 40 sofreram atrasos superiores a

45 minutos; 6 foram alternados para o aeroporto de Guarulhos; 1 foi cancelado (200).

Em 25.05.2007 o procurador do Ministério Público Federal, Thiago Lemos de Andrade,

denunciou pelo acidente do vôo 1907 da Gol, os dois pilotos do Legacy, Joe Lepore e

Jan Paul Paladino, por imperícia ao usarem incorretamente o transponder que teriam

acidentalmente desativado; e quatro controladores de tráfego aéreo por expor aeronave

a perigo19: Felipe Santos dos Reis, que segundo o procurador �[desprezou] os elementos

básicos da autorização, sobretudo o concernente às mudanças de altitude�; Jomarcelo

Fernandes dos Santos, que �consciente e dolosamente� teria informado ao controlador que

assumiu seu posto, Lucivando Tibúrcio de Alencar, que o Legacy estava a 36000 pés de

altitude, quando na verdade estava a 37000; além de não ter alertado os pilotos de que eles

deveriam descer de nível após passar por Brasília. O controlador Lucivando foi denunciado

por demorar dez minutos para começar a tentar entrar em contato com o Legacy, mesmo

sabendo que seu transponder estava inoperante. O controlador Leandro José Santos de

Barros, que auxiliava Lucivando, também foi denunciado (201).

Em 02.06.2007 a pista auxiliar do aeroporto de Congonhas teve as operações suspen-

sas das 11h06 às 11h40, devido à chuva, o que ocasionou o atraso de 23 dos 117 vôos

programados para até as 14h (202).

Em 03.06.2007 o trem de pouso dianteiro de um jato da empresa Líder quebrou en-

quanto pousava em Congonhas, às 11h29, e provocou o fechamento da pista até as 12h04,

quando o avião foi �nalmente rebocado (203).

Em 07.06.2007 a Folha Online noticiou que o comandante da Aeronáutica, brigadeiro

Juniti Saito, já havia recebido �relatório da Aeronáutica que condena controladores de

tráfego aéreo pelo motim do dia [30.03.2007]�, e que �agora, caberá à [Aeronáutica] decidir

quem será indiciado por insubordinação� (204).

Em 16.06.2007 foi divulgada uma falha em um radar da Aeronáutica que já havia sido

detectada no dia anterior, e que levou ao aumento do espaçamento entre os vôos de todo

o país. Dos 1169 vôos programados, 271 sofreram atrasos superiores a uma hora, e 48

foram cancelados (205).

19O crime de expor aeronave a perigo prevê de dois a cinco anos de reclusão.

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62 1 A crise aérea à luz da mídia

Em 19.06.2007 o Cindacta-1 determinou a suspensão das decolagens no aeroporto

Tom Jobim e aumentou o espaçamento entre os vôos para 30 minutos. A Folha Online

noticiou que o fato gerador seria uma �operação-padrão `velada' dos controladores de

tráfego aéreo do Cindacta-1�, e que os controladores alegavam �problemas nos consoles

(monitores) de controle de vôos de Brasília para o Rio e São Paulo�, mas que negavam

qualquer operação-padrão. Segundo hipótese levantada pela Folha:

O protesto seria uma reação às informações não con�rmadas de que aAeronáutica irá punir um número maior de controladores pelo motimdo dia [30.03.2007] e ganhou força com a decisão do comandante daAeronáutica, Juniti Saito, de prorrogar o prazo de conclusão do InquéritoPolicial Militar [, que] já havia sido concluído, mas foi reaberto.

A Folha Online noticiou também �que os controladores alegam que a visualização dos

consoles estaria prejudicada. Os equipamentos estariam com as imagens `embaçadas', sem

nitidez.� Os técnicos da Aeronáutica, por sua vez, ao chegarem para reparar os consoles

não teriam encontrado o defeito. A notícia a�rmou também que, segundo informações

da Aeronáutica, �os técnicos trabalham para solucionar o problema [...]�, e também que

�a Aeronáutica negou o problema e alega que a pane no radar ocorreu no �m de semana

e que, em caso de falha, os radares são sobrepostos [...]� (206). Às 21h15 o Cindacta-1

voltou a operar normalmente (207).

Em 20.06.2007 o diretor do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA),

brigadeiro Ramon Borges Cardoso, a�rmou que dez monitores de controle do Cindacta-1

foram �nalmente trocados, e que �era do conhecimento de todos [os controladores de vôo]

que haveria a troca�, a qual já estaria prevista para aquele mesmo dia. A Folha Online

noticiou que �para o Comando da Aeronáutica, os controladores não pararam por motivos

técnicos, mas sim para protestar�, mas o brigadeiro disse �que não fará `especulações'

sobre a realização de uma operação-padrão por parte dos controladores� (208).

Das 17h14 às 17h48 ocorreu uma queda de freqüência da empresa Embratel que pre-

judicou as comunicações no Cindacta-1. De acordo com a Folha de S. Paulo, �a pane

sinalizou uma nova crise�, e exceto os aeroportos de Goiânia e Palmas, todos os aero-

portos brasileiros tiveram suas operações suspensas durante o período. Dos 1484 vôos

programados para ocorrerem entre 0h e 18h30, 373 apresentaram atrasos superiores a

uma hora, e 85 foram cancelados (209).

O Comando da Aeronáutica determinou a prisão por 4 dias, a começar em 25.06.2007,

do presidente da Federação Brasileira das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo,

Carlos Trifílio, por ter dado entrevista à imprensa. Segundo a Aeronáutica, �a detenção

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1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 63

foi determinada porque o controlador é um militar e precisa de autorização para falar a

qualquer veículo de comunicação� (210).

Em 21.06.2007 foi o vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Contro-

ladores de Tráfego Aéreo, Moisés Gomes de Almeida, quem foi comunicado pelo Comando

da Aeronáutica de que a partir de 25.06.2007 viria a cumprir dez dias de detenção, por

ter dado declarações à imprensa sobre a crise aérea (211).

Em 22.06.2007 a Folha Online noticiou que:

[...] o presidente Lula disse internamente querer `dar um basta' no caosaéreo e autorizou o Comando da Aeronáutica a `endurecer' com os contro-ladores. O�cialmente, o Planalto divulgou que Lula disse ao comandanteda FAB, brigadeiro Juniti Saito, que `a Aeronáutica deve tomar todas asmedidas que considerar adequadas para estabelecer o �uxo e a norma-lidade do tráfego aéreo'. Na FAB, as medidas consideradas `adequadas'são as prisões administrativas imediatas (212).

O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, emitiu uma nota o�cial na

qual acusou os controladores do Cindacta-1:

De forma intransigente, um pequeno grupo desses sargentos controlado-res passou a recusar o trabalho em equipamentos disponibilizados paraa atividade de controle, mesmo em �agrante choque com os pareceresda área técnica, que asseguravam a plena qualidade do serviço, diz notaassinada pelo comandante da Aeronáutica, Juniti Saito (213).

O Comando da Aeronáutica transferiu 14 sargentos controladores do Cindacta-1, em

Brasília, da função de controladores de tráfego aéreo civil, para o Comando de Defesa

Aérea Espacial Brasileira, que controla os vôos militares. Para substituí-los, foram trans-

feridos controladores que atuavam no Rio de Janeiro. A Agência Folha divulgou que

presidente da Associação de Controladores de Tráfego Aéreo de Manaus, sargento Wilson

Aragão, �endossou a decisão da Aeronáutica de afastar controladores de vôo do trabalho�,

e que ele teria dito que �eu não faria crítica à Aeronáutica porque creio que as autoridades

militares estão tomando um caminho que eles julgam ser o certo. E a justiça deve preva-

lecer.� A notícia não esclareceu, entretanto, se o apoio à punição a que a manchete20 se

referia, dizia respeito às transferências ou às prisões.

O procurador do Ministério Público do Trabalho, Alessandro Miranda, divulgou que

o Cindacta-4 possui 132 controladores de vôo, enquanto deveria ter 170. O comandante

do Cindacta-4, coronel Eduardo Carcavalo, contestou o procurador e a�rmou que o centro

�está dentro das normas de segurança� (214).

20�Presidente de associação de controladores apóia punição da Aeronáutica�

Page 58: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

64 1 A crise aérea à luz da mídia

Em 26.06.2007 foi divulgada uma pesquisa21 de opinião que mostrou que 43,8% dos

entrevistados acredita que o comando do tráfego aéreo tem de ser feito por civis, enquanto

42,2% acredita que deva ser realizado por militares.

Procuradores do trabalho do Distrito Federal visitaram o Cindacta-1 e informaram à

Folha Online que �os militares montaram tendas no lado externo do prédio do Cindacta-1

de onde alguns controladores da Defesa Aérea farão o monitoramento militar, vigiando,

por exemplo, a entrada de aviões não autorizados nos céus do país. Eles usarão equipa-

mentos de emergência, que são usados durante batalhas, no front.� A�rmaram ainda que

�controladores também da Defesa Aérea foram desviados para controlar aviões comerci-

ais. Eles serão responsáveis pelo chamado tubulão, corredores aéreos ligando as regiões

Sudeste e Nordeste e operam em freqüências especiais, que começaram a funcionar hoje�

(215).

Em 27.06.2007 a Folha de S. Paulo noticiou que �controladores de tráfego aéreo ava-

liaram ontem que vivem `um inferno' desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva

(PT) deu autonomia para a Aeronáutica controlar a crise� (216).

Em 28.06.2007 a Folha Online noticiou que, no dia anterior, foi entregue um docu-

mento sigiloso pelo Comando da Aeronáutica à Comissão Parlamentar de Inquérito do

Apagão Aéreo do Senado, onde reconheceria que �os equipamentos usados no controle do

tráfego aéreo são obsoletos e que o serviço está se aproximando do limite de sua capaci-

dade operacional, em termos de equipamento e pessoal�. Além disso, o relatório atribuiria

a culpa pelos indesejáveis con�itos de tráfego aéreo ao crescente aumento no número de

vôos. Em resposta, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) a�rmou que

os equipamentos utilizados no controle do espaço aéreo �atendem plenamente aos quesitos

de segurança e e�ciência�, e que isso permitiria �que nosso espaço aéreo �gure entre os

melhores do mundo�. Segundo a reportagem, o relatório estava com data de 2006 (217).

O analista de sistemas do Instituto de Controle do Espaço Aéreo (ICEA), que apesar

de ser funcionário da Aeronáutica é civil, a�rmou ter informado ao Comando da Aeronáu-

tica, três meses antes do acidente com o Boeing da Gol, que haviam falhas no sistema de

controle de tráfego aéreo. Segundo ele, o sistema utilizado não abrangeria todo o territó-

rio nacional, além de induzir os controladores a erro e, conseqüentemente, comprometer

a segurança de vôo. Conforme avaliação do analista, a crise aérea teria sido provocada

21Pesquisa �CNT Sensus�, realizada em 136 municípios brasileiros entre 18 e 22.06.2007, com 2000pessoas entrevistadas, e margem de erro de mais ou menos três pontos.

Page 59: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

1.2 Do estopim ao auge: do acidente da Gol ao da TAM 65

não por falta de dinheiro, mas por �incompetência administrativa, má gestão de recursos

públicos, falta de visão estratégica e de planejamento de longo prazo� (218).

Em 29.06.2007 a pista principal do aeroporto de Congonhas foi reaberta, às 12h,

após reforma de 45 dias. A Agência Nacional de Aviação Civil estimou que o aeroporto

retomaria 48 operações por hora, ao invés das 33 que ocorriam durante a reforma (219).

Em 30.06.2007 dos 1411 vôos previstos para operar em todo o país da 0h às 19h30,

639 registraram atrasos e 178 foram cancelados, devido a um forte nevoeiro que levou ao

fechamento do aeroporto de Congonhas. O horário de funcionamento do aeroporto deixou

de ser das 05h30 à 0h, para ser das 06h às 23h (220).

Em 01.07.2007 dos 1337 vôos programados das 0h às 19h30, 481 tiveram atrasos

superiores a uma hora (221).

Em 02.07.2007 dos 1411 vôos programados para ocorrer entre 0h e 19h30, 638 sofreram

atrasos superiores a uma hora (221).

Em 04.07.2007 a Folha Online noticiou que representantes das empresas aéreas, em

reunião com diretores da Agência Nacional de Aviação Civil e representantes do Comando

da Aeronáutica, alegaram que ��zeram investimentos nos últimos anos para atender o

crescimento da demanda, mas que o governo não fez os aportes necessários em infra-

estrutura para garantir o atendimento�. A Folha revelou ainda que:

A mudança na forma de utilização das aeronaves é resultado de umcenário de maior concorrência e busca por redução de custos. Desde1999, mais de 40 aeroportos do país deixaram de ser servidos por vôosregulares. Os 15 principais aeroportos concentram 73% dos vôos

As empresas aéreas argumentam que a ANAC, apesar de ser o órgão regulador do

setor, não teria �o direito de impor uma mudança na estrutura de vôos�, segundo a repor-

tagem (222).

Em 05.07.2007 o juiz da 2a Vara Cível Federal, Paulo Cezar Neves Júnior, determinou

através de uma liminar que o aeroporto de Congonhas obedeça a portaria 188/DGAC, de

08.03.2005, e proibiu as operações de pouso e decolagem entre as 23h e as 06h; proibiu

também o funcionamento de motores das aeronaves entre as 22h e as 07h. O pedido foi

movido pela Associação de Moradores e Amigos de Moema (AMAM). As exceções �caram

para aeronaves engajadas em operações de busca e salvamento, ou que transportem en-

fermos, feridos graves ou órgãos vitais para transplante humano. O juiz estabeleceu uma

multa de R$ 50.000 no caso de descumprimento da decisão, a ser pago pelas empresas

diretamente ligadas aos fatos (223).

Page 60: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

66 1 A crise aérea à luz da mídia

Em 07.07.2007 a Folha Online noticiou que a ANAC, em parceria com a INFRAERO

e com o Comando da Aeronáutica, desenvolveu um plano para desafogar o tráfego aéreo

em Congonhas, cuja prioridade viria a ser o aumento da e�ciência no aeroporto, mas que

não interviria na malha aérea das empresas (224).

Em 09.07.2007 a ANAC anunciou a redução no número de operações no aeroporto

de Congonhas, e disse em nota o�cial que o objetivo seria �assegurar mais comodidade

aos usuários do transporte aéreo�. Com a medida, o número de pousos e decolagens que

antes da reforma da pista principal era de 48 por hora, e durante a reforma foi de 33 por

hora, �caria em 44 por hora, distribuídos entre 38 para a aviação comercial e até 6 para

a aviação geral. A medida causou alterações em 134 vôos (225).

Em 11.07.2007 a Folha Online noticiou que o ministro da Defesa, Waldir Pires, pre-

tende mobilizar esforços para �convencer as empresas concessionárias de linhas aéreas a

alterar os horários de pico�, ainda que, segundo ele, �concessionárias de serviços públi-

cos devem seguir regras [, e que ele quer] fazer tudo isso sem que perturbe o horário

estabelecido� (226).

Em 15.07.2007 a Folha Online noticiou que �a situação nos aeroportos de Congonhas

[...] e de [...] Guarulhos [...], é tranqüila neste domingo. [...] Em Congonhas, 14 vôos

foram cancelados e ao menos cinco estão atrasados. Em Cumbica, há ao menos sete

atrasos�, às 14h17 (227).

Em 16.07.2007 às 12h43 um avião da empresa Pantanal derrapou na pista principal

do aeroporto de Congonhas, durante chuva. A pista �cou interditada até as 13h02 (228).

Em 17.07.2007 o superintendente regional da INFRAERO, Edgard Brandão Júnior,

descartou problemas na pista principal do aeroporto de Congonhas e qualquer relação

direta entre a ausência de grooving na pista, com a derrapagem ocorrida no dia ante-

rior, além de ter a�rmado que a lâmina de água no momento da derrapagem era de 0,8

milímetros, inferior aos 3 milímetros que seriam necessários para suspender as operações

(229).

Às 19h35 a Folha Online noticiou que um avião da TAM, que partia de Porto Alegre

com 170 passageiros, bateu contra um depósito da empresa TAM Express, após ter derra-

pado na pista principal do aeroporto de Congonhas e atravessado a avenida Washington

Luís (230).

Page 61: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

67

2 O acidente da TAM à sombra da

mídia

�Nada substitui o lucro.�

(1o dos 7 mandamentos da TAM1)

A relação existente entre mídia, mercado e Estado é muito evidente na história da

crise aérea como um todo e, em especial, após o acidente do vôo 3054 da TAM. Na crise

aérea alguns dos principais problemas apontados foram que havia menos infra-estrutura

do que o necessário, que o aeroporto de Congonhas era menor do que o necessário, ou

ainda que havia menos controladores de vôo do que o necessário. O foco da mídia �cou

voltado principalmente à incapacidade do Estado em adequar a infra-estrutura física às

necessidades do mercado, e não o inverso: que o Estado havia sido incapaz de adequar o

mercado à infra-estrutura disponível. No mercado de transporte aéreo, a crise permitiu

compreender o signi�cado prático do laissez-faire, sobre o qual trataremos mais adiante.

O acidente tratado no presente capítulo, especialmente no que se refere aos três episódios

abordados, con�rma a relação existente entre o Estado e o mercado num contexto neoli-

beral: aquele tem a função de garantir que este tenha total liberdade para se auto regular.

No caso estudado, o Estado é representado por diversas instituições, como a Agência Na-

cional de Aviação Civil (ANAC), que é responsável por regular o setor; o Centro Nacional

de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), que apesar de ser uma

instituição militar, tem autoridade para investigar acidentes aeronáuticos civis; além da

Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que instalaram Comissões Parlamentares de

Inquérito (CPI) sobre a crise aérea; e de diversas instâncias do Judiciário. O mercado,

por sua vez, tem como principal representante no presente estudo a empresa aérea TAM

Linhas Aéreas, líder de mercado em número de passageiros transportados.

1Disponível em: <http://www.tam.com.br/b2c/jsp/default.jhtml?adPagina=517&adArtigo=6053>.

Page 62: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

68 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

2.1 Episódio I: o seguro de US$ 1,5 bilhão

O transporte aéreo no Brasil é um serviço público, sujeito à concessão e regulação por

parte do governo executivo federal, ao qual faremos referência aqui como Estado. (2003),

no livro �O Sonho Brasileiro: como Rolim Adolfo Amaro criou a TAM e sua �loso�a de

negócios�, descreve entre diversas, uma passagem da história desta empresa aérea que diz

respeito especi�camente à questão do �golpe de sorte� que foi o recebimento do seguro

que permitiu a Rolim adquirir a TAM.

Em 1958 �de�nira-se que era preciso diminuir o número de empresas aéreas como forma

de aumentar a rentabilidade�, o que levou o setor a seguir um �regime de `competição

controlada� '. Dessa forma, era o governo federal que, enquanto poder concedente, decidia

para onde as empresas aéreas concessionárias poderiam realizar vôos em escalas regulares.

O controle se acentuara a partir de 1967, quando o regime militar trans-ferira o DAC [(Departamento de Aviação Civil)] da área civil para a mi-litar. O órgão, criado por Getúlio Vargas em 1931 no antigo Ministérioda Viação e Obras Públicas, foi encampado pelo Ministério da Aeronáu-tica. A mão do Estado militarizado se apertou em torno de todas asáreas consideradas estratégicas ou de `interesse nacional'. Os preços co-meçaram a ser controlados, em busca da `tarifa justa'. E a `competição'se tornava cada vez mais `controlada' e menos lucrativa. (GUARACY,2003, p. 101-102, grifo nosso)

Com a crescente introdução dos jatos de grande porte no Brasil, especialmente da

fabricante estadunidense Boeing, �o interesse de todas as companhias aéreas se voltou

para as rotas de longo alcance. [Além disso, ] os aviões eram maiores, precisavam de

mais infra-estrutura e tecnologia, e não podiam pousar em pistas curtas.� A conseqüência

disto foi que �das 352 cidades atendidas por linhas aéreas regulares na década de 1960,

restaram menos de 70 em 1973. O número de companhias também diminuiu.� O que se

pode perceber com isto é que apesar da aviação civil brasileira à época não obedecer às leis

do livre mercado e estar submetida àquilo que os militares da Aeronáutica classi�cavam

como �interesse nacional�, ainda assim as empresas aéreas tiveram relativa liberdade para

escolher quais cidades desejariam atender, possivelmente as mais lucrativas. (GUARACY,

2003, p. 102)

Para um dos sócios da TAM, o comandante Rolim Adolfo Amaro, �entrar na era do

[avião com motores a] jato era fundamental� e para quem, além disso, deveriam entrar

no mercado de aviação regular, pois �a vida do táxi aéreo era muito irregular [, e sua em-

presa] precisava de uma receita regular, porque as despesas, essas sim, eram constantes.�

(GUARACY, 2003, p. 101)

Page 63: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.1 Episódio I: o seguro de US$ 1,5 bilhão 69

A alternativa encontrada pelo regime militar para atender a falta de capilaridade da

malha aérea civil, foi encomendar à empresa Multiplan um �projeto do sistema de aviação

regional regular, de maneira a recuperar o tráfego entre cidades do interior [, que levou à

criação do] Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional, SITAR�. (GUARACY, 2003,

p. 104)

A Multiplan recomendou que o governo dividisse o Brasil em cinco árease criasse cinco novas empresas regionais de linhas regulares, que explo-rariam a faixa que lhes cabia como uma reserva de mercado. A medidaeliminava a competição e, com a exploração exclusiva de cada �lão, ha-veria mais probabilidade de sobrevivência. No mercado, logo se diriaque o governo acabava de recriar na aviação o sistema de `capitaniashereditárias'. (GUARACY, 2003, p. 105)

Feito isso, o general Ernesto Geisel, presidente do Brasil em 11.11.1975, �anunciou

o�cialmente as cinco empresas regionais a serem formadas. Uma delas, pela (tsc) TAM.�

(GUARACY, 2003, p. 105)

Um ano antes, em 1974 o piloto Rolim Adolfo Amaro, o usineiro Orlando Ometto e

Sebastião Ferreira Maia, conhecido por Tião Maia, �o maior pecuarista do Brasil e um

dos maiores do mundo�, haviam estabelecido um acordo em que cada um dos três �caria

com um terço das ações da TAM, e �caso alguém saísse da sociedade, comprometia-se a

vender sua cota aos dois sócios remanescentes em partes iguais, para restabelecer os 50%

de cada um.� (GUARACY, 2003, p. 99-100). Em 1975, �entre conversas amistosas, Tião

vendeu a Orlando seus 33% na TAM. Seria, para Rolim, uma traição [, pois isto acabara]

destruindo o antigo equilíbrio entre os sócios.� (GUARACY, 2003, p. 110).

A partir deste momento, �de 1975 a 1977, Rolim lutou para comprar a parte de

Orlando Ometto na TAM, que exerceu de fato a maioria.� Desta forma, Rolim �estava

numa situação difícil. Não tinha como tocar uma empresa com 33% das ações que não

lhe davam direito a nada, exceto a continuar como minoritário. `Dirigia a companhia,

mas com uma espada na cabeça, mantida por Orlando e seus 67%.� '. (GUARACY, 2003,

p. 111-112). Num certo dia, Rolim perguntou a Orlando qual ele considerava ser o valor

de suas ações majoritárias na empresa, e este �falou em algo equivalente a 2 milhões de

dólares.� Num gesto simbólico, até mesmo porque �ele de fato não tinha o dinheiro�,

Rolim �puxou o talão de cheques, separou uma folha do canhoto e a preencheu.� Apesar

de não ter efeito legal, naquele momento foi fechado o negócio entre ambos: �Orlando

fez um preço, Rolim respondeu que pagava. Para eles, era o que contava.� (GUARACY,

2003, p. 113-114)

Page 64: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

70 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

�Apesar da ousadia ao sacar o talão de cheques, o fato é que Rolim não sabia de onde

tirar o dinheiro. A TAM Táxi Aéreo Marília estava endividada, vergava sob os dé�cits de

sua controlada, a TAM Linhas Aéreas Regionais. Rolim precisava de uma mágica.� Após

algumas atitudes voltadas à otimização das rotas concedidas à TAM, e de ter juntado todo

o patrimônio da empresa que pudesse ser vendido, ainda assim, o dinheiro era insu�ciente

para pagar a dívida. (GUARACY, 2003, p. 114)

[...] Havia uma alternativa, que lhe pareceu a mais simples e sedutora:se não pagasse o seguro dos aviões, teria mais da metade do dinheiro quedevia a Orlando, ao longo de dois anos. O seguro de aeronaves, porém, éum assunto delicado: muito caro, mas fundamental. Um pool de bancossegurava a TAM. Rolim anunciou que não iria renová-lo. E o segurovenceu.Não estava certo de sua decisão. Toda vez que mergulhava em dúvidas,Rolim conversava com um de seus conselheiros mais próximos. Na se-mana em que o seguro havia vencido, procurou por eles, mas não achouninguém. [...] (GUARACY, 2003, p. 114-115)

Alguns dias depois, numa conversa com Richard Hodger, um executivo de aviação

na época recém transferido para a Boeing, �Rolim revelou[-lhe] que deixara de pagar o

seguro dos aviões para quitar as dívidas com Orlando.� (GUARACY, 2003, p. 115) O

autor narra aqueles que teriam sido os diálogos entre Hodger e Rolim, a respeito do dilema

deste em relação à decisão sobre o cancelamento dos seguros:

� Queria saber o que você acha. Por um lado, estou com medo de quecaia um avião sem seguro. Por outro, se não acontecer nada, terei gastotodo esse dinheiro em vão.Sem rodeios, Dick respondeu:� Nessa situação recomendo deixar os aviões no chão e depois vendê-los. Não se opera na aviação dessa forma. Nos Estados Unidos, é assim:se você não tem dinheiro para pagar o seguro de um negócio, é melhorfechá-lo. (GUARACY, 2003, p. 115)

A conversa teria surtido efeito, segundo o autor, pois Rolim �saiu do almoço e telefonou

para a empresa, em São Paulo. Mandou que Daniel [Mandelli Martin, cunhado de Rolim e

gerente �nanceiro da TAM] re�zesse imediatamente todos os seguros dos aviões da TAM.�

Em resposta, �Daniel ponderou que era sexta-feira, não daria tempo.� Rolim disse-lhe que

�se não conseguirem fazer o seguro, parem todos os aviões. Mas tratem de fazer, porque

os aviões não podem parar.� Dada a ordem, �Daniel correu às seguradoras e produziu

o milagre. Na mesma noite, todos os aviões estavam segurados.� (GUARACY, 2003, p.

115, grifo nosso, comentários do autor)

Rolim pressentiu que �zera algo importante, mas não calculava quanto.No sábado pela manhã, 24 de setembro de 1977, um LearJet da TAM

Page 65: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.1 Episódio I: o seguro de US$ 1,5 bilhão 71

mergulhou na baía da Guanabara [...]. Não houve feridos, mas o aviãofoi perdido.Sem o seguro, Rolim teria no bolso menos 1 milhão de dólares, o su�cientepara quebrar. A decisão de segurar os aviões da companhia, na últimahora, salvou-o do desastre completo. Assim que o prêmio2 foi pago, tinhaem caixa dinheiro su�ciente para arcar com as prestações da dívida comOrlando. Devia sua salvação, literalmente, a um desastre. (GUARACY,2003, p. 116, grifo nosso)

Em 1997 foi publicada uma entrevista concedida por Rolim à revista Playboy, em que

este mesmo episódio foi abordado e apresentado da seguinte forma:

[...]Playboy � A propósito da queda do Fokker 100, a imprensa lembrou umoutro acidente com a TAM, ocorrido há vários anos e cujas indenizaçõesainda não teriam sido pagas.Rolim � [Cortando.] As pessoas se equivocam. Não é a TAM que pagaa indenização. Quem paga é a companhia de seguros, que ela contratapara lhe dar cobertura, e essa empresa paga ou não. Naquele caso, acompanhia entende que o outro lado está exorbitando nas suas reivindi-cações. Se eu contar o que é o outro lado dessa questão você vai cair decostas. Neste acidente de agora, tem gente que mora numa casinha de40 metros quadrados e já mandou a conta de dezoito ternos que pegaramfogo. Eu tenho dezoito ternos, só que estou indo morar em uma casa de1000 metros quadrados.Playboy � Certamente não é o caso atual, mas o senhor já enfrentouum acidente que acabou sendo um golpe de sorte, não é?Rolim � Verdade. Eu tinha acabado de assumir o controle da TAM, em1976, e não tinha como pagar ao [falecido usineiro de açúcar] OrlandoOmetto a parte que comprei dele, 49 milhões de cruzeiros, uns 2 milhõesde dólares. A menos que não renovasse o seguro dos aviões � e foi o quedecidi fazer.Playboy � Não renovar seguro é um procedimento comum entre com-panhias aéreas?Rolim � Não. Mas eu estava desesperado e mandei desfazer o pool debancos que tinha formado para renovar o seguro. Ia vencer à meia-noitede uma sexta-feira, e na quinta eu estava na maior dúvida, não conseguiadormir. Aí me ligou um americano amigo meu, o Dick Rogers, que estavano Rio de Janeiro. Resolvi me aconselhar com ele, fui ao Rio e o Dickme disse: �Olha, Rolim, nos Estados Unidos nós temos um ditado: sevocê tem um negócio e ele não tem rentabilidade su�ciente para fazero seguro, fecha o negócio�. Sempre fui um homem que se deixa pegarpor frases. Essa me pegou e �quei com ela na cabeça. Aí pelas 11 danoite liguei para um funcionário meu e mandei formar de novo o pool, oque era uma operação complicadíssima. No �m da tarde da sexta-feira

2O autor comete uma confusão comum entre prêmio e indenização. Num contrato de seguro, oprêmio é o valor pago primeiro que tudo, logo na assinatura da apólice, pelo segurado à seguradora.Etimologicamente: prêmio em português; premio em italiano; prime em francês; prima em espanhol;premium em inglês. A indenização sim é o valor pago pela seguradora ao segurado no caso de ocorrênciade um sinistro.

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72 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

o seguro estava renovado. E no sábado, 8 horas da manhã, um Learjetmeu mergulhou na Baía de Guanabara, com três passageiros a bordo.Felizmente não morreu ninguém. Quarenta dias depois, recebi o seguro[1,8 milhão de dólares] e paguei ao Ometto [risos].[...] (231, p. 36-37, grifo nosso, comentários do autor)

A questão que consideramos importante ressaltar deste acontecimento é que no aci-

dente de 1976, o valor recebido com o seguro foi utilizado com �nalidade distinta à de

comprar outra aeronave, conforme as informações disponibilizadas tanto pela entrevista da

revista Playboy, quanto pela biogra�a realizada por Guaracy No acidente de 17.07.2007,

Rolim já não estava mais no comando da empresa que fundou, pois faleceu em um aci-

dente aéreo em 08.07.2001, e a presidência da TAM Linhas Aéreas era exercida por Marco

Antonio Bologna, que nela permaneceu até 28.10.2007, quando foi substituído pelo vice-

presidente técnico da empresa concorrente Gol Transportes Aéreos, David Barioni Neto.

No dia seguinte ao acidente, em 18.07.2007, a revista eletrônica Consultor Jurídico,

especializada em informações sobre Direito e Justiça, produziu uma notícia entitulada

TAM receberá pelos prejuízos que causou com acidente, em que a�rmou-se o seguinte:

A TAM Linhas Aéreas, responsável pelo acidente que causou a mortede pelo menos 186 pessoas, na noite de terça-feira (17/7), também terádireito de receber seguro pelos prejuízos sofridos, a�rmam especialistas.[...]A questão que gira em torno do acidente é se as seguradoras da TAMterão de pagar indenização à companhia por um prejuízo causado porela. De acordo com Roberto Godoy Júnior, especialista em Direito Ad-ministrativo do escritório Maluly Jr. Advogados, a empresa, assim comoos familiares das vítimas, têm direito a receber o seguro.Explicou que isso é possível porque a empresa paga por vários seguros, in-clusive o de responsabilidade civil. O seguro cobre os danos patrimoniaisou não patrimoniais causados pela exploração da prestação de serviçosaos terceiros e à própria companhia. [...] (232, grifo nosso)

Em 19.07.2007 foi publicada uma notícia em um jornal especializado em negócios, a

Gazeta Mercantil, também relativa à cobertura do seguro que protegia a empresa, desta

vez fazendo referência ao valor que poderia ser recebido pela empresa segurada, a TAM,

para custear despesas conseqüentes deste acidente. A notícia não deixou claro, entretanto,

se tal valor cobriria apenas danos a terceiros, apenas à própria companhia, ou a ambos:

A TAM tem uma apólice de responsabilidade civil, para indenizar danosmateriais, corporais e morais causados a terceiros com valor de US$1,5 bilhão e outro contrato que cobre os danos da aeronave, estimadoem aproximadamente US$ 50 milhões, segundo informação de fontes domercado de seguros. [...] (233)

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2.1 Episódio I: o seguro de US$ 1,5 bilhão 73

Em 02.08.2007 Bologna prestou depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito

promovida pela Câmara dos Deputados, onde a�rmou sobre esta mesma questão do modus

operandi do pagamento de indenizações, do seguro, e das responsabilidades relativas a isso,

que:

[...] Em termos de seguros, a TAM e a nossa subsidiária mantêm cober-turas de seguros por montantes acima dos valores mínimos obrigatórios.Nós temos a nossa apólice, que está, inclusive, totalmente descrita emnota explicativa do nosso balanço, que é publicado e auditado por audi-toria independente e pela Price Waterhouse e pela KPMG. Ela possui,em nota explicativa, lá está dito, nós temos um valor por evento, umvalor máximo indenizável de até 1,5 bilhão de dólares, cobrindo vidas,cobrindo o próprio avião e cobrindo danos materiais ao local, não sóquem estava no vôo, como também quem estava no local do acidente eos bens do acidente. [...] Ela [a apólice] é absolutamente ampla e su�ci-ente para cobrir todos os danos às pessoas, a terceiros ou aos bens. Háregras de sigilo nessa relação de segurado, seguradora, resseguradores edos indenizados. A apólice contratada tem característica de um segurocompreensivo, isto é, conjuga várias coberturas em uma só, portanto,não é uma verba especí�ca e única com uma determinada circunstânciaou garantia. O limite máximo, ele depende de diversos requisitos, não sedestina a um único evento, mas todos os possíveis eventos que venham aocorrer neste período, desde o acidente até o período de 1 ano. [...] (234,p. 13)

E continua nesta linha de raciocínio, em que procura deixar claro aos deputados da

audiência que:

[...] Com relação ao seguro, nós tomamos a decisão de levar nessa reunião[com os familiares das vítimas do acidente] o segurador. O segurador é oUNIBANCO AIG. É ele que pode dar a cláusula de con�dencialidade quenós temos com ele. Então, para evitar, da nossa parte, criar qualquerconstrangimento com relação à apólice, nós estamos levando o própriosegurador para explicar e dar o conforto às famílias. O que eu lhe garantoé que essa apólice ela garante o evento desse acidente, independentementede quais tenham sido os motivos. Então, a indenização não muda se foipor um ou por outro motivo, quais foram os fatores condicionantes desseacidente. Ela garante o evento; ela garante o acidente na sua plenitude.E lembro mais: esse é um seguro que nós temos, mas que não exime daresponsabilidade da TAM de qualquer outro tipo de complementação seessa apólice... Como eu falei, ela é muito ampla, ela é uma apólice quetem um valor declarado de 1 bilhão e meio de dólares, ela cobre todos ostipos de danos, inclusive aqueles danos que venham a ser pleiteados porqualquer familiar e no campo também moral, está certo? Então quantoa isso eu transmito total tranqüilidade. [...] (234, p. 76, grifo nosso)

No que se refere à presente pesquisa, compreendemos o presidente da TAM como

um agente que atua naquilo que até aqui consideramos sendo o mercado, e os deputados

Page 68: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

74 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

como sendo representantes de um dos poderes da república federativa do Brasil, ou seja, do

Estado. Ao analisarmos o que foi dito pelo presidente da TAM aos deputados, percebemos

que a cobertura midiática no que se refere especi�camente a esta questão foi insigni�cante,

apesar do alto valor �nanceiro em questão. Quando muito, conforme o levantamento que

realizamos nos principais veículos da mídia impressa brasileira, tal cobertura se restringiu

a poucas notícias informativas que citavam un passant o que foi dito por Bologna sobre

�dar o conforto às famílias�:

Na versão eletrônica do jornal Folha de S. Paulo, a Folha Online, duas notícias contem-

plaram o assunto, ambas veiculadas no mesmo dia em que Bologna prestou depoimentos

à Comissão Parlamentar de Inquéritos da Crise do Sistema de Tráfego Aéreo, 02.08.2007.

O que destacamos na cobertura midiática sobre o seguro de 1,5 bilhão de dólares, é que de

todo o depoimento prestado por Bologna, apenas alguns dos trechos que dizem respeito

à tranqüilização quanto ao pagamento de indenizações foram, de alguma forma, trazidas

à tona:

[...] `É um amplo valor para cobrir danos às pessoas e aos bens. A TAMvai se responsabilizar integralmente pelo pagamento da indenização. Oque nos consola é a fé e a crença. A gente não consegue ter de voltanossos entes queridos, mas podemos as necessárias condições de apoio',a�rmou. [...]`Os valores serão amplos para cobrir todos os direitos do vitimados emvôo e em solo', disse. [...] (235, grifo nosso)

O apelo à fé e à crença é uma sensibilidade expressada por Bologna que, dentre tudo

que foi dito em seu amplo depoimento, foi destacado junto com a segurança material

que se desejou transmitir aos vitimados. Percebe-se aí claramente o uso de argumentos

referentes à tranqüilização do imaginário das vítimas, lastreada na garantia oferecida pelo

montante de 1,5 bilhão de dólares disponíveis pela apólice. Este enfoque na cobertura da

Folha Online continua:

O presidente da TAM, Marco Antonio Bologna, disse hoje que a in-denização aos parentes das vítimas do acidente com o Airbus-A320 dacompanhia aérea estará assegurada independentemente das causas quetenham provocado [o acidente]. Bologna a�rmou à CPI do Apagão Aé-reo que a apólice de US$ 1,5 bilhão que vai cobrir as indenizações `nãomuda de acordo com os motivos que provocaram o acidente'.Os familiares de vítimas do vôo 3054 temem que a empresa não pague aindenização caso �que constatado que o choque foi provocado por falhahumana. O administrador de empresas Luiz Fernando Moisés, que per-deu a esposa no acidente, disse que há especulações de que a apólice nãoprevê indenização em casos de falha humana.

Page 69: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.1 Episódio I: o seguro de US$ 1,5 bilhão 75

`Uma das coisas que queremos saber é se existe algo na apólice de seguroque diga que, se foi culpa do piloto, isso isenta a empresa de pagar seguro.Essa é a nossa grande dúvida e nossa grande preocupação', a�rmou.Bologna disse que a apólice vai garantir todos os gastos necessários paracobrir os prejuízos da tragédia � tanto humanos quanto materiais. `Aapólice de US$ 1,5 bilhão cobre qualquer tipo de dano. Quanto a isso, eutransmito total tranqüilidade', a�rmou.[...]Bologna negou também, durante depoimento à CPI, que a TAM tenhaomitido dos familiares o conteúdo da apólice. `Tomamos a decisão delevar na primeira reunião [com os familiares] o próprio segurador paraevitar da nossa parte criar constrangimentos em relação à apólice', disse.(236, grifo nosso)

Não encontramos nesta cobertura outros questionamentos possíveis, além da dúvida

do administrador Luiz Fernando Moisés, por exemplo, que comentou sobre a existência

de �especulações de que a apólice não prevê indenização em casos de falha humana�, e se

todas as despesas e indenizações seriam realmente cobertas. Esta é uma evidência de que

os critérios de noticiabilidade, a pretendida objetividade e esta herança empírica adotada

pela praxis do jornalismo informativo, permitem que questões essenciais não sejam levan-

tadas, assim como pode ocorrer nas pesquisas empíricas aplicadas às ciências sociais em

geral, que são capazes de apreender muitos dos aspectos super�ciais, perceptíveis, mas não

necessariamente de compreender o que ocorre em profundidade. Por uma abordagem que

pretende perceber criticamente esta questão, percebemos que alguns aspectos relevantes

não foram contemplados pela mídia em geral.

O seguro é uma operação de natureza privada, realizado entre a empresa aérea e a

empresa seguradora que, por sua vez, transfere uma parte do risco e do prêmio recebido

com outras seguradoras, numa operação conhecida como resseguro. A apólice e o contrato

do seguro, da mesma forma, são documentos privados, não públicos, e a isto o presidente

da TAM se referiu no depoimento à CPI, quando mencionou a �cláusula de con�denciali-

dade� existente entre a segurada (TAM) e sua seguradora (Unibanco AIG). Desta forma,

nenhuma das duas empresas tem qualquer obrigação de dar publicidade aos termos do

contrato de seguro efetuado entre elas, e nem mesmo a detalhes da apólice. Portanto,

o seguro é uma proteção feita pela empresa contratante, opcional em alguns segmentos

de mercado, mas obrigatório no caso de empresas aéreas3. A vantagem de uma empresa

custear um seguro é que sua sobrevivência �nanceira não �ca ameaçada devido aos altos

3Para maiores informações, ver Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei n. 7.565, de 19.12.1986, em seuTítulo VIII (Da Responsabilidade Civil), Capítulo VI (Da Garantia de Responsabilidade), em seu Artigo281.

Page 70: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

76 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

custos com indenizações humanas e materiais, próprios e para terceiros, decorrentes de

um eventual acidente.

A responsabilidade pelo pagamento de indenizações no caso de um acidente aéreo é,

por de�nição jurídica4, da empresa aérea, independentemente das causas, ou ainda de

possuir ou não responsabilidades pelo sinistro. Isto rea�rma que a responsabilidade pelo

pagamento de indenizações é do transportador5, e não da seguradora. No entanto, não

encontramos este questionamento nas buscas realizadas na mídia em geral.

Salvo disposições em contrário, na ocorrência de um sinistro a indenização é paga,

conforme os termos do contrato, a quem o assinou e pagou o prêmio pelo seguro. No caso

do obrigatório �seguro para garantir eventual indenização de riscos futuros�6, como disse

o próprio presidente da TAM, Bologna, para a CPI:

[...] O limite máximo de indenização não é um valor que está obrigadoa pagar às vítimas. O limite não signi�ca o valor máximo, mas o valormáximo que a seguradora poderá vir a reembolsar o segurado, ou seja,a TAM é a responsável, é ela que é a pagadora desses compromissos etem o seguro. Portanto, qualquer não cobertura feita pelo seguro é com-plementado pela própria operadora. As indenizações podem resultar emvalor superior, portanto, ou inferior ao limite máximo da indenização, ea TAM se responsabiliza integralmente pelo pagamento dessas indeniza-ções. [...] (234, p. 13-14)

Uma vez que tanto o contrato quanto a apólice do seguro de US$ 1,5 bilhão por

evento são privados e sigilosos, não foram encontrados traços na cobertura midiática

desde o acidente, relativos à possibilidade da existência de alguma cláusula que pudesse

prejudicar o recebimento deste seguro por parte da TAM. Entendemos que uma questão

é a empresa aérea ter a responsabilidade objetiva e, por isso, ter de pagar todas as indeni-

zações, independentemente das responsabilidades; outra questão é a empresa seguradora

ter que indenizar a empresa segurada sob qualquer circunstância. Na mídia analisada,

não encontramos qualquer citação sobre se o pagamento desta indenização bilionária era

absolutamente incondicional, e nem se havia a possibilidade de existir alguma eventual

cláusula do contrato de seguro ter sido descumprida: este é o ponto central que a análise

de Serva auxilia a compreender.

Além disso, também não encontramos na mídia questionamentos sobre qual seria a

�nalidade dada à diferença entre a indenização de US$ 1,5 bilhão recebida pela TAM4Ver mesma Lei, em seu Título VIII (Da Responsabilidade Civil), Capítulo I (Da Responsabilidade

Contratual), Seção I (Disposições Gerais), do Artigo 246 ao 250, inclusive; e na Seção III (Da Responsa-bilidade por Dano a Passageiro), em seu Artigo 256.

5Conforme Artigo 246 da mesma Lei.6Conforme Artigo 281 da mesma Lei.

Page 71: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.1 Episódio I: o seguro de US$ 1,5 bilhão 77

(paga pelo Unibanco AIG), e todas as indenizações pagas pela TAM. Consideramos que

este fator contribuiu na falta de estímulo a qualquer re�exão sobre a hipótese de, por

exemplo, a empresa aérea não só ter todos os custos relativos ao sinistro assegurados,

como também de se lhe seria possível obter alguma vantagem �nanceira em virtude do

acidente. Ou se, por outro lado, o controle do dinheiro permaneceria com a própria

seguradora, e a indenização paga à TAM estaria, por sua vez, diretamente vinculada às

indenizações pagas por esta.

De todo o corpus analisado, o interesse não era no que foi coberto, mas ao contrário, no

que não foi coberto pela mídia. A cobertura que se limita apenas àquilo que está acessível

empiricamente, que se contenta com o discurso o�cial, pode di�cultar a compreensão de

possíveis jogos de interesses, mesmo que estes façam referência a um montante signi�cativo

de dinheiro. Em relação ao conteúdo analisado, veri�camos uma tendência da mídia em

transmitir, ao reproduzir apenas algumas frases selecionadas ditas pelo presidente da

TAM à CPI, que a empresa aérea �terceirizou� a responsabilidade pelo pagamento de

indenizações, e que as conversações e negociações deveriam ocorrer entre os familiares

das vítimas e a seguradora, além do que apenas no caso de o �amplo valor� não ser

su�ciente, a TAM participaria com capital próprio. Pelas palavras de Bologna à CPI:

�[...] esse é um seguro que nós temos, mas que não exime da responsabilidade da TAM

de qualquer outro tipo de complementação se essa apólice... [...]�, e encerra a frase,

deixando-a incompleta. Entendemos portanto que neste ponto, a cobertura midiática

pode ter provocado distorções jornalísticas, conforme o que foi tratado por Serva (2001)

O ponto crítico que aqui pretendemos destacar é o fato de todas as questões que

colocamos acima não só não terem sido respondidas como, sequer, terem sido formuladas

pelas notícias que analisamos, dado o histórico do acidente de que tratamos anteriormente,

ocorrido em 24.09.1977, em que, conforme (2003, p. 116): �[...] assim que o prêmio foi

pago, [Rolim] tinha em caixa dinheiro su�ciente para arcar com as prestações da dívida

com Orlando. [Rolim] Devia sua salvação, literalmente, a um desastre.� Mantidas as

devidas diferenças entre o acidente de 1977 e o de 2007, em que se passaram 30 anos

e onde no primeiro o prêmio foi de US$ 1,8 milhão, enquanto que no outro foi de US$

1,5 bilhão, não veri�camos na cobertura midiática qualquer re�exão também sobre este

paralelo:

• Assim que o prêmio de 2007 foi pago, Bologna (ou a TAM) passou a ter dinheiro em

caixa para arcar inclusive com custos que pudessem nada ter a ver com o acidente?

Page 72: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

78 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

A dúvida suscitada por esta questão levou a presente pesquisa a se aprofundar em dois

episódios que, por uma análise que pretende ser crítica, levou a outra questão:

• Existia alguma cláusula que, se descumprida, poderia colocar em risco o recebimento

da indenização de US$ 1,5 bilhão pela empresa TAM?

Um destes episódios é o percurso de uma das �caixas-pretas�; o outro, é a mudança de

status de um documento produzido pela ANAC com colaboração das empresas aéreas

(inclusive da própria TAM), cujas instruções, caso tivessem sido cumpridas pela TAM,

teriam impedido o pouso da aeronave acidentada no aeroporto de Congonhas e, con-

seqüentemente, evitado o acidente com o vôo 3054.

Na Folha Online a última notícia que encontramos sobre esta questão do seguro aqui

tratado foi veiculada em 02.08.2007. Pelo que a presente pesquisa constatou, �[...] a

decisão de levar na primeira reunião [com os familiares] o próprio segurador [Unibanco-

AIG] para evitar da nossa parte [TAM] criar constrangimentos em relação à apólice� (236),

foi su�ciente para que o assunto deixasse de ser notícia.

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta�

A fabricante de aeronaves Airbus desenvolve, entre outros modelos, o A-320. Antes

do acidente ocorrido em Congonhas em 17.07.2007, três outros acidentes com este mesmo

modelo de aeronave tiveram os seguintes fatores contribuintes em comum:

1. Um dos dois reversores estava travado7;

2. O manete de potência do motor cujo reversor estava pinado, estava em posição mais

à frente do que a de marcha lenta (idle);

3. Não havia qualquer alarme que chamasse a atenção dos pilotos para a posição equi-

vocada do manete.

Alguns sítios na Internet disponibilizam dados referentes às aeronaves fabricadas por

diversas empresas, como Boeing e Airbus. Para a análise que se pretende realizar logo

7Reversor é um dispositivo que inverte o �uxo de ar do motor de um avião, ajudando em sua desace-leração; quando ele está travado, ou pinado, essa inversão no �uxo de ar não ocorre.

Page 73: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� 79

abaixo, selecionamos algumas informações sobre os quatro Airbuses que se acidentaram

com o �reverso travado� 8:

# 1o Vôo Acidente Local Operadora Vôo Vítimas MSN

1 23.06.1997 22.03.1998 Filipinas (Bacolod) Philippine 137 3 708

2 17.11.1989 28.08.2002 EUA (Phoenix) America West 794 0 092

3 12.02.1998 18.10.2004 Taiwan (Taipei) TransAsia 536 0 791

4 13.02.1998 17.07.2007 Brasil (São Paulo) TAM 3054 199 789

Fonte: Planesregister.com9

Os aviões de maior porte geralmente possuem dois gravadores: um para dados de

vôo (o FDR, Flight Data Recorder, ou Gravador de Dados de Vôo), que pode utilizar

tecnologia digital (o DFDR, Digital Flight Data Recorder, ou Gravador de Dados de Vôo

Digital); outro para o ambiente auditivo da cabine de comando (o CVR, Cockpit Voice

Recorder, ou Gravador de Voz da Cabine). Ambos os gravadores são destinados a facilitar

as investigações em caso de acidentes ou incidentes graves e, o conjunto deles, é conhecido

erroneamente como �caixa-preta�, ou corretamente como �caixas-pretas�, por geralmente

se tratarem de dois dispositivos distintos (existem os modelos combo, que integram DFDR

e CVR num único hardware) . No caso do Airbus A-320, os dois equipamentos �cam

instalados na parte traseira da aeronave, conhecida como cauda, e são conectados à cabine

e outros sensores por cabos. Esta localização das caixas-pretas na cauda da aeronave se

deve ao fato de que, em caso de colisão, esta tende ser a parte menos afetada, o que de

fato ocorreu no acidente do vôo 3054: a aeronave colidiu frontalmente com o prédio da

empresa TAM Express, e a única parte que não entrou profundamente na estrutura da

edi�cação, �cando inclusive visível externamente foi, justamente, a cauda. Segundo uma

das manchetes de notícias sobre o acidente: � `Do avião só restou a cauda', diz Serra após

vistoria do acidente�10.

Seria de se esperar, portanto, que as �caixas-pretas� estivessem entre os primeiros

itens a ser retirados da aeronave. Conforme a história das �caixas-pretas� era contada

pelas manchetes de notícias online, pode-se ter uma razoável noção do percurso por que

passaram estes dois dispositivos. Constatou-se posteriormente pela transcrição do CVR,

que este interrompeu a gravação exatamente às 18h48 de 17.07.2007, no momento exato da

8MSN é o Manufacturer Serial Number, ou o Número de Série do Fabricante. Diz respeito ao númerode produção daquela aeronave na linha de montagem do fabricante.

9Disponível em: <http://www.planesregister.com/aircraft/list-a320.htm>.10Disponível em: <http://estadao.com.br/cidades/not_cid20275,0.htm>.

Page 74: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

80 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

colisão. Abaixo segue o desenrolar deste fragmento da história, contada pelas manchetes

de algumas notícias:

• 18.07.2007, às 04h36: �Caixa-preta de Airbus que caiu em SP é encontrada�.11

• 18.07.2007, às 08h55: �Bombeiros acham caixa-preta de avião; mortos devem passar

de 180�.12

• 18.07.2007, às 11h15: �Caixa-preta do avião da TAM já foi enviada para análise nos

EUA, diz Aeronáutica�.13

• 19.07.2007, às 12h51: �Cenipa reúne informações para começar investigação sobre

acidente da TAM�.14

• 19.07.2007, às 14h03: �CPI deve enviar deputados para acompanhar exames de

caixas-pretas nos EUA�.15

• 19.07.2007, às 18h56: �Órgão dos EUA se diz pronto para receber caixa-preta�.16

• 21.07.2007, às 12h00: �Após engano, FAB localiza segunda caixa-preta do avião da

TAM�.17

• 21.07.2007, às 12h21: �Leia a íntegra da nota da FAB sobre as caixas-pretas do avião

da TAM�.18

• 21.07.2007, às 13h21: �FAB encontra caixa-preta em meio aos destroços�.19

No dia 18.07.2007 �a caixa-preta� (no singular) foi anunciada como tendo sido encontrada

pelos bombeiros. No dia 21.07.2007 o CVR foi anunciado como tendo sido encontrado

pela FAB, em meio aos destroços no Hangar 1 da TAM:

[...] Na quarta-feira (18), um dia depois do acidente, a Aeronáuticachegou a informar que havia localizado uma das caixas-pretas do aviãoda TAM. A segunda caixa-preta só foi localizada hoje [em 21.07.2007],

11Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u312856.shtml>.12Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u312890.shtml>.13Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u312939.shtml>.14Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u313315.shtml>.15Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u313345.shtml>.16Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u313440.shtml>.17Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u313933.shtml>.18Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u313938.shtml>.19Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u313951.shtml>.

Page 75: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� 81

de acorco com o Cenipa. A Aeronáutica tirou do ar a nota que infor-mava que um dos equipamentos enviados para análise nos EUA não erauma caixa-preta após a publicação da notícia. `O resultado mostrouque um deles não se tratava do Gravador de Voz da Cabine (CVR). Talfato se con�gurou por conta das deformações signi�cativas sofridas pe-los materiais em função do impacto e das altas temperaturas atingidas',informava a nota retirada do ar. O CVR só foi encontrado no início damadrugada deste sábado. A assessoria de imprensa da Aeronáutica in-formou que a segunda caixa-preta foi encontrada em meio aos destroços.Ela será enviada ainda neste sábado ao laboratórios do NTSB. O outroequipamento levado é, de fato, o FDR (Gravador de Dados de Vôo),ainda segundo a Aeronáutica. [...] (237)

Na primeira seqüência de notícias analisadas, entre 04h36 do dia 18 até as 18h56

do dia 19, as informações veiculadas tratavam da �caixa-preta�, no singular, não fazendo

qualquer menção à existência de, na verdade, duas �caixas-pretas�. Aproximadamente 41

horas depois, às 12h00 do dia 21, é feita a primeira menção à existência de duas �caixas-

pretas� distintas. Em nossa interpretação do teor desta notícia, percebemos um esforço

em explicar este episódio como uma grande confusão, evidenciando que na verdade �a Ae-

ronáutica chegou a informar que havia localizado uma das caixas-pretas�, e o que não foi

dito, mas que entendemos que �cou subentendido, é que a outra das �caixas-pretas� havia

�cado por ser localizada. Em seguida, essa mesma notícia da Folha Online menciona o

fato de que, realmente, foi enviado um equipamento para análise nos EUA que não era o

CVR, e que isso só foi possível de ser descoberto devido a um �resultado�. Entendemos

por essa notícia que se foi necessário um �resultado� para esclarecer aos técnicos da Ae-

ronáutica que o que eles levaram aos EUA não era o CVR, é porque possivelmente teria

sido realizada alguma investigação, pois tal constatação não teria sido possível de ser feita

visualmente, ou com o auxílio de instrumentos adequados, ainda no Brasil. Evidenciamos

neste momento que as �caixa(s)-preta(s)�, na verdade, são equipamentos muito caracte-

rísticos: possuem um formato próprio muito peculiar, cor laranja, faixas re�exivas ao seu

redor, um farol localizador subaquático, e emitem um pulso numa freqüência especí�ca.

Pela lógica de produção de novidades que, acreditamos, orienta a grande mídia,

quando foi �descoberto� simultaneamente que, em primeiro lugar, não era �a caixa-preta�,

mas sim �as caixas-pretas�; e que, em segundo lugar, uma delas não tinha sido enviada

para os EUA, já era tarde demais para a criação de uma novidade: essa �caixa-preta�

perdida já havia sido encontrada. Uma explicação possível para a falta de notícias en-

volvendo essa questão pode ser a hipótese de não haver mais nada de novo para causar

espetáculo, ou mesmo algo que cumprisse os critérios de noticiabilidade. O caso já chegou

resolvido e, talvez por isso, não obteve mais atenção por parte da mídia.

Page 76: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

82 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

No corpus analisado, não encontramos questionamentos sobre como seria possível

que técnicos da Aeronáutica pudessem ter simplesmente confundido o CVR com algum

outro equipamento, ou sobre como um pedaço da fuselagem poderia teria adquirido um

formato semelhante ao de uma �caixa-preta� devido a �deformações signi�cativas sofridas

pelos materiais em função do impacto e das altas temperaturas atingidas�, a ponto de ser

confundido por especialistas da própria Aeronáutica. A resposta o�cial foi simplesmente

noticiada e aceita como versão de�nitiva, possivelmente porque havia outros assuntos mais

espetaculares a serem cobertos.

Do dia seguinte (22.07.2007) em diante, o assunto �caixas-pretas� (agora já no plural)

muda de foco: não encontramos notícias sobre a confusão por parte dos técnicos da Aero-

náutica, e nem mesmo sobre o desaparecimento do CVR em meio aos destroços recolhidos

no hangar da TAM, por aproximadamente 41 horas. A versão divulgada o�cialmente pelo

CENIPA aparentemente não foi questionada:

Segunda caixa-preta é encontrada entre destroços [...] Equipamento es-tava no galpão da TAM, entre o material recolhido na área do acidente.No lugar dele, um gravador destruído no desastre foi enviado aos EUApara análise. [...] De acordo com o brigadeiro [Jorge Kersul Filho, chefedo CENIPA], a falsa identi�cação de equipamentos é comum. O mate-rial legítimo estava entre os destroços recolhidos ao galpão da TAM, emCongonhas, e será enviada para os Estados Unidos ainda na noite destesábado [21.07.2007]. [...] (238)

O assunto neste momento passou a ser uma questão de Estado: os membros da

Comissão Parlamentar de Inquérito apelidada pela mídia como �CPI do Apagão Aéreo na

Câmara� (havia outra no Senado), queriam acompanhar as investigações do acidente e ter

acesso ao conteúdo das �caixas-pretas�; a partir deste momento entendemos que a história

passou a se desenrolar como uma disputa de poder entre duas instituições públicas: CPI

e Aeronáutica; uma civil e a outra militar, respectivamente. Uma possível conseqüência

do acompanhamento das investigações por parte de membros da CPI seria o aumento da

exposição midiática dos parlamentares envolvidos, uma vez que o acidente do vôo 3054

da TAM passou a ser um dos assuntos de maior destaque na época. O desaparecimento

do CVR por aproximadamente 41 horas foi citado un passant e, então, veri�camos que

o assunto �caixas-pretas� mudou de�nitivamente de foco: neste momento, o dispositivo

físico (o hardware) saiu de cena, e o que passou a ser relevante foi o seu conteúdo, que a

CPI se encarregou de tornar público:

Page 77: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� 83

• 22.07.2007, às 16h14: �CPI vai acompanhar análise de caixas-pretas e espera res-

postas para acidente�.20

• 23.07.2007, às 18h22: �Presidente da Infraero duvida de vazamento de informações

sobre caixa-preta�.21

• 24.07.2007, às 17h38: �FAB diz que conteúdo da caixa-preta �cará em sigilo durante

investigação�.22

• 25.07.2007, às 16h36: �Relator da CPI diz que pedirá à Aeronáutica transcrição de

caixas-pretas�.23

• 26.07.2007, às 12h52: �Brigadeiro recua e diz que vai entregar dados da caixa-preta

para a CPI�.24

• 27.07.2007, às 04h46: �Termina nos EUA a extração de informações de caixas-

pretas�.25

• 27.07.2007, às 11h31: �Caixas-pretas do vôo 3054 voltam para o Brasil�.26

• 27.07.2007, às 12h36: �Dados das caixas-pretas do Airbus-A320 devem chegar na

segunda à CPI�.27

• 27.07.2007, às 17h45: �Cenipa diz que caixa-preta registrou claramente últimos 30

minutos de diálogos�.28

• 27.07.2007, às 19h46: �Presidente da CPI admite manter sigilo sobre dados da caixa-

preta�.29

• 31.07.2007, às 11h36: �CPI na Câmara recebe diálogos entre pilotos do Airbus e

torre de controle�.30

• 31.07.2007, às 14h29: �CPI do Apagão na Câmara recebe dados das caixas-pretas

de Airbus da TAM�.31

20Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u314153.shtml>.21Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u314438.shtml>.22Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u314734.shtml>.23Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u315044.shtml>.24Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u315304.shtml>.25Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u315509.shtml>.26Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u315585.shtml>.27Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u315607.shtml>.28Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u315701.shtml>.29Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u315749.shtml>.30Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u316467.shtml>.31Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u316521.shtml>.

Page 78: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

84 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

• 31.07.2007, às 15h34: �Em sessão secreta, CPI de�ne rumo das investigações sobre

acidente da TAM�.32

• 31.07.2007, às 16h26: �CPI pode divulgar nesta quarta dados das caixas-pretas de

Airbus da TAM�.33

• 01.08.2007, às 08h43: �CPI pode divulgar dados de caixas-pretas da TAM nesta

quarta-feira�.34

• 01.08.2007, às 09h50: �CPI defende que Aeronáutica abra IPM para investigar va-

zamento de dados�.35

• 01.08.2007, às 10h27: �CPI na Câmara abre reunião sobre caixas-pretas de Airbus

da TAM�.36

• 01.08.2007, às 11h25: �CPI vai divulgar transcrição dos diálogos dos pilotos do

Airbus da TAM�.37

• 01.08.2007, às 12h08: �Leia trechos da transcrição das caixas-pretas do Airbus da

TAM�.38

• 02.08.2007, às 09h37: �Aeronáutica �ca contrariada com sessão pública promovida

por CPI�.39

• 02.08.2007, às 16h59: �Parlamentares trocam acusações sobre vazamento de dados

da caixa-preta�.40

• 02.08.2007, às 18h47: �CPI quer investigação sobre vazamento de informações das

caixas-pretas�.41

• 02.08.2007, às 19h17: �Chefe do Cenipa critica vazamento de informações das caixas-

pretas�.42

32Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u316543.shtml>.33Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u316556.shtml>.34Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u316706.shtml>.35Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u316727.shtml>.36Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u316739.shtml>.37Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u316766.shtml>.38Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u316779.shtml>.39Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u317043.shtml>.40Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u317198.shtml>.41Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u317234.shtml>.42Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u317253.shtml>.

Page 79: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� 85

• 07.08.2007, às 11h39: �Coronel do Cenipa diz que França formalizou queixa contra

vazamento de dados�.43

A CPI que inicialmente havia sido criada para investigar a crise aérea, mudou de foco

e passou a investigar o acidente aéreo: um evento trágico ocorrido no contexto da crise.

Num primeiro momento, o Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Ae-

ronáuticos (CENIPA), uma instituição militar subordinada ao Comando da Aeronáutica

que investiga tanto acidentes aeronáuticos militares quanto civis, liberou à CPI, aparen-

temente sob protesto, a transcrição do áudio obtido do CVR, com o compromisso da CPI

mantê-la em sigilo. No entanto, algum dos parlamentares que teve acesso à transcrição

do CVR �vazou� a informação para a imprensa. Finalmente, em 01.08.2007, a transcrição

estava disponível a quem pudesse interessar nos próprios portais de notícias na Internet,

como a Folha Online. O assunto neste momento passou a ser o �vazamento� da trans-

crição. A trajetória do CVR, pela nossa interpretação, consolidou-se como não-história,

e o conteúdo da transcrição �cou em segundo plano. Não encontramos outros possíveis

questionamentos pela mídia em geral como, por exemplo, os seguintes:

1. Havia necessidade técnica de enviar-se tanto o CVR quanto o FDR à agência de

investigação de acidentes dos Estados Unidos da América, o National Transportation

Safety Board (NTSB)?

2. Seria possível realizar a leitura dos dois gravadores nas instalações da TAM, do

CENIPA/Aeronáutica, da ANAC ou de algum representante do fabricante no Brasil?

3. Existia algum equipamento portátil que permitisse extrair as gravações do CVR ou

os dados do FDR?

Da mesma forma que ocorreu com a cobertura da trajetória do CVR, não encontramos

nas notícias analisadas respostas para essas questões, tampouco o levantamento delas pela

mídia em geral. Um dos comentários noticiados foi o proferido pelo chefe do CENIPA,

que questionou os �interesses por trás do vazamento�:

O chefe do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de AcidentesAéreos [tsc]), brigadeiro Jorge Kersul Filho, criticou hoje a divulgaçãode dados das caixas-pretas do Airbus-A320 da TAM que se acidentouem São Paulo. Durante depoimento à CPI do Apagão Aéreo no Se-nado, o brigadeiro questionou os `interesses por trás do vazamento' das

43Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u318226.shtml>.

Page 80: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

86 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

informações pela CPI do Apagão da Câmara. Kersul disse que recebeureclamações de órgãos internacionais por estar comentando dados da in-vestigação. `Estamos passando por um momento até de descrédito donosso próprio órgão', declarou o brigadeiro. [...] (239)

A partir da análise das notícias, concluímos que neste momento o caso passou a ser

contado por uma perspectiva que apresentava a Aeronáutica/CENIPA, como tendo ini-

cialmente tido predisposição em colaborar com os trabalhos da CPI realizada pela Câmara

dos Deputados, mas que a traição por parte de um de seus elementos teria prejudicado

enormemente a imagem do Brasil internacionalmente. A partir desse momento, veri�ca-

mos que o CENIPA rompeu as relações de colaboração com a CPI, e o assunto dos dias

seguintes passou a girar em torno do con�ito de autoridades entre estas duas instituições

do Estado. Todas as outras questões apresentadas acima somaram-se à lista daquelas que

entraram para a não-história. A cobertura midiática seguiu o seguinte curso:

• 07.08.2007, às 11h18: �Procuradores e policiais federais fazem buscas no Cindacta-1

e em aeroportos�.44

• 07.08.2007, às 12h28: �Militares se recusam a entregar documentos a agentes da PF

em Congonhas�.45

• 07.08.2007, às 13h41: �Especialista em aviação deve acompanhar investigação da

CPI do Apagão�.46

• 07.08.2007, às 15h14: �Militar do Cenipa recusa informações à CPI da Câmara�.47

• 07.08.2007, às 18h25: �Governo tenta suspender decisão que liberou apreensão de

registros, diz Saito�.48

• 09.08.2007, às 11h12: �CPI ouve conversas entre pilotos da TAM e controle de

Congonhas�.49

• 09.08.2007, às 14h18: �Ouça a conversa entre pilotos da TAM e a torre de controle

de Congonhas�.50

Em 09.08.2007 o CENIPA já havia entregue à CPI:

44Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u318219.shtml>.45Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u318251.shtml>.46Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u318282.shtml>.47Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u318310.shtml>.48Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u318376.shtml>.49Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u318827.shtml>.50Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u318878.shtml>.

Page 81: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� 87

1. A transcrição da conversa extraída do gravador de voz da cabine (CVR);

2. O áudio da conversa gravada minutos antes do acidente entre os controladores de

vôo e os pilotos do vôo 3054;

3. Os grá�cos dos dados extraídos do gravador digital de dados de vôo (DFDR).

Entretanto, o áudio da conversa extraída do gravador de voz da cabine (CVR) propria-

mente dito, permaneceu em sigilo apesar de já em 27.07.2007, o chefe do CENIPA, briga-

deiro Jorge Kersul Filho, ter declarado que:

[...] os dados das caixas-pretas do Airbus-A320 da TAM registraram deforma clara os últimos 30 minutos de diálogos dos pilotos da aeronave.Segundo o brigadeiro, os 15 minutos �nais das conversas entre os pilotosserão su�cientes para desvendar o que ocorreu na cabine da aeronaveantes do choque [...]. O brigadeiro disse que vai manter sob sigilo os dadospresentes nas caixas-pretas até que as investigações sejam concluídas.Kersul a�rmou que o Cenipa vai concentrar os trabalhos na análise dosúltimos minutos de diálogos dos pilotos. [...] (240)

A transcrição dos �últimos 30 minutos de diálogos dos pilotos da aeronave� foi dispo-

nibilizada pelo CENIPA à CPI que, por sua vez, a repassou à mídia em 01.08.2007. Esta,

então, a tornou pública por meio de diversos portais de notícias, como a Folha Online.

Algo relevante sobre esta questão da transcrição do CVR é que ela foi disponibilizada por

diversos portais de notícias vinculados a grandes empresas de comunicação brasileiras,

ainda que em diferentes con�gurações:

• O portal Folha Online, vinculado ao jornal Folha de S. Paulo, disponibilizou a versão

traduzida para o português, mas sem os horários das falas51;

• O portal G1, vinculado ao grupo Globo, disponibilizou a versão com os horários das

falas, mas em inglês52;

• O portal Estadao.com.br, vinculado ao jornal O Estado de S. Paulo, disponibili-

zou a versão traduzida para o português, com os horários das falas e, ainda, com

obsevações feitas pelo piloto Carlos Camacho53.

Ao analisar-se a transcrição na versão completa, com os horários das falas, pode-se notar

que não estão registrados �de forma clara os últimos 30 minutos de diálogos� e, nem

51Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u316779.shtml>.52Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0�MUL81396-5601,00.html>.53Disponível em: <http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid28234,0.htm>.

Page 82: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

88 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

mesmo, os �15 minutos �nais�, conforme declarou o chefe do CENIPA. Na verdade, o que

foi disponibilizado foram apenas 2m15 iniciais e 5m47 �nais, entre os quais existe um

vazio de 22m25:

18h18m24.5 � Piloto fala com os passageiros pelo sistema de som[+2m15 de conversa.]18h20m39.3 � Comissário: É Congonhas? Legal, então. Ela deve terouvido. Obrigado.[Intervalo de 22m25 em branco.]18h43m04.3 � Piloto: Lembre-se, nós só temos um reverso.[+5m47 de conversa.]18h48m51.4 � Fim da transcrição.54

Sobre o vazio de 22m25 numa transcrição de 30 minutos, não encontramos notícia

desde 01.08.2007, quando foi disponibilizada ao público, até 16.08.2007, quando �nalmente

houve um acontecimento que atendeu aos critérios de noticiabilidade: um ministro de

Estado tomou conhecimento publicamente e se manifestou sobre o assunto à mídia.

• 16.08.2007, às 19h21: �Parentes de vítimas do vôo 3054 dizem que dados da caixa-

preta sumiram�:

Famílias entregaram documento com a informação ao ministro Nelson Jo-bim. `Fiquei sabendo disso agora', a�rmou o ministro durante encontroem SP. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, a�rmou nesta quinta-feira(16) que �cou surpreso com a informação de que 23 minutos de grava-ções da caixa-preta do vôo 3054 da TAM teriam sido apagados. `Fiqueisabendo dessa notícia agora', disse ele, após o encontro com cerca de 175parentes de vítimas [...] A informação foi apresentada em um documentoque está nas mãos dos familiares das vítimas, mas a fonte não foi reve-lada. [...] A assessoria da TAM informou que desconhece a informaçãodos parentes das vítimas sobre a caixa-preta. (241)

• 16.08.2007, às 20h48: �Parentes de vítimas do Airbus dizem a ministro que 23

minutos da gravação da caixa-preta sumiram�:

[...] De acordo com [Cristofer] Haddad, a transcrição se inicia com umadas comissárias con�rmando ao piloto que a cabine estava ok para oprocedimento de pouso. Em seguida, ela pergunta ao piloto onde iriampousar e ele con�rma que será em Congonhas. A partir deste ponto,

54Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/20070802-transcript_tam_a320_saopaulo.pdf> e: <http://download3.globo.com/�ash/jornalismo/politica/2007/Transcript_TAM_A320_SaoPaulo1.pdf>.

Page 83: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� 89

segundo Cristofer, haveria um `branco' de 23 minutos, como se não hou-vesse diálogo na cabine. Para ele, os pilotos deveriam ter se falado nesseperíodo, já que estavam em procedimento de aterrissagem.� O branco nesses 23 minutos de gravação poderiam ajudar a esclareceros reais motivos do acidente. Esse trecho pode ter sido apagado � dizCristofer.[O ministro] Jobim não comentou a informação já que ela faz parte deprocesso de investigação. (242)

• 16.08.2007, às 22h46: �Famílias contestam 23 minutos sem gravações na caixa preta

do avião da TAM�: �[...] Haddad ressaltou que os familiares não têm certeza se

nesses 23 minutos, de fato, não houve diálogos, ou se as conversas foram ocultadas.

`A gente quer esses 23 minutos. [...]� ' (243)

• 21.08.2007, às 13h58: �Deputados querem acesso a trecho que falta na degravação

da caixa-preta do Airbus�:

[...] Segundo o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), um dos integrantesda CPI, a ausência dos 23 minutos na degravação do áudio da caixa-pretafoi questionada ao chefe do Cenipa, brigadeiro Jorge Kersul Filho. Se-gundo o brigadeiro, o órgão americano apenas transcreveu os parâmetros� como são chamados cada registro de dados ou voz nas caixas-pretas� que eram relevantes à investigação. [...] Os parentes alegam que aconversa com a comissária é suspeita e poderia esclarecer se houve ahipótese de o Airbus da TAM, que vinha de Porto Alegre, pousar emoutro aeroporto devido à chuva que caia na região, à pista escorregadiado Aeroporto de Congonhas e à falta de um dos reversos. [...] (244)

• 22.08.2007, às 16h26: �CPI pede íntegra da caixa-preta do Airbus à Aeronáutica em

48h�:

Deputados da CPI do Apagão aprovam pedido e alegam que antes re-ceberam apenas 8 dos 30 minutos gravados. Os deputados da CPI doApagão Aéreo aprovaram na tarde desta quarta-feira, 22, o envio, noprazo de 48 horas, da totalidade dos dados da transcrição do áudio dacaixa-preta [...] `Só foram disponibilizados 8 minutos a esta CPI, sendoque é sabido que foram gravados no mínimo 30 minutos', declarou [odeputado Eduardo] Cunha. [...] (245)

Na análise das notícias entre 16 e 22.08.2007 veri�camos os questionamentos sobre o vazio

de 22 minutos e 25 segundos. Foram veiculadas frases ditas por autoridades da CPI,

da Aeronáutica, e por familiares das vítimas, em relação a este assunto. Este vazio na

Page 84: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

90 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

degravação foi justi�cado em 21.08.2007 pelo chefe do CENIPA (que era a instituição

com responsabilidade e autoridade para investigar o acidente), Jorge Kersul Filho, como

tendo ocorrido porque �o órgão americano [NTSB] apenas transcreveu os parâmetros

[...] que eram relevantes à investigação�. (244) Entretanto, em 27.07.2007, Kersul havia

declarado que �os 15 minutos �nais das conversas entre os pilotos serão su�cientes para

desvendar o que ocorreu na cabine da aeronave antes do choque� (240), e não apenas os

5 minutos e 47 segundos �nais, conforme a transcrição disponibilizada publicamente. Os

25 dias de distância entre as duas frases contraditórias, proferidas pelo chefe do CENIPA,

possivelmente tenham sido um fator contribuinte para que ambas não fossem confrontadas

pela mídia, uma vez que não encontramos questionamentos sobre essa contradição nas

reportagens analisadas. Assim, a complexidade desta história aparentemente se encaixou

na descrição da praxis jornalística de quem, �isolada de seu ambiente original, a notícia

se torna mais compreensível por autor e consumidor � mas distancia-se da sua essência.�

Enquanto por um lado em 02.08.2007 o chefe do CENIPA �questionou os `interesses

por trás do vazamento' das informações pela CPI do Apagão da Câmara� (239), por outro,

em 31.08.2007, na opinião do deputado Gustavo Fruet, �a Aeronáutica não ocultou da CPI

detalhes considerados relevantes nas investigações. `Eu não acredito que a Aeronáutica

tenha suprimido dados importantes para a investigação. Não teria razões para isso' [...]�

(246) Outras notícias con�rmam que após a visita ao CENIPA em que �nalmente tiveram

acesso aos 30 minutos de áudio do gravador de voz da cabine, outros deputados �caram

com a mesma convicção de Fruet.

• 31.08.2007, às 17h20: �CPI quer divulgar diálogo sigiloso entre pilotos do vôo 3054�:

A CPI do Apagão Aéreo da Câmara quer divulgar na próxima terça-feira[04.09.2007] a transcrição dos diálogos entre os pilotos do Airbus-A320 daTAM que foram mantidos até agora sob sigilo pela Aeronáutica. O obje-tivo da comissão é tornar públicos os 22 minutos de conversa registradospela caixa-preta da aeronave que precedem o momento do acidente emCongonhas [...]. Os parlamentares reconhecem, no entanto, que o restantedos diálogos não deve contribuir de forma consistente para as investiga-ções � já que apenas no �nal das conversas os pilotos demonstram deforma clara que tinham problemas no vôo. `Acho que vai acrescentarmuito pouco. A expectativa é que revele detalhes sobre as manobras eprocedimentos técnicos', disse o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR).[...] (246, grifo nosso)

• 04.09.2007, às 17h15: �Houve falha do Airbus da TAM, dizem deputados da CPI�:

Page 85: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� 91

O relator e o vice-presidente da CPI do Apagão Aéreo da Câmara, res-pectivamente deputado Marco Maia (PT-RS) e deputado Eduardo Cu-nha (PMDB-RJ), a�rmaram hoje que as indicações são de que falhas noequipamento do Airbus A320 da TAM foram as causas do acidente noAeroporto de Congonhas, no dia 17 de julho, e não erros dos pilotos.Eles �zeram a a�rmação após visita ao Centro de Investigação e Preven-ção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), em Brasília, onde ouviram osdados da caixa-preta da aeronave nos 30 minutos anteriores à explosão.`A minha maior convicção é de que houve uma falha no equipamento doAirbus', disse Maia. [...] `A sensação efetiva é de que os pilotos agiramcorretamente', a�rmou Eduardo Cunha. Essa foi a primeira vez em queparlamentares da CPI tiveram acesso ao áudio dos 30 minutos anterioresao desastre com o Airbus da TAM, vôo 3054, que deixou 199 mortos.(247, grifo nosso)

• 04.09.2007, às 17h22: �Deputados ouvem caixa-preta e falam em falha no Airbus�:

[...] Depois de ouvir a gravação da caixa preta do Airbus A320 da TAM[...] os integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Apa-gão Aéreo da Câmara estão convictos que o acidente ocorreu por falha doequipamento e não por erro humano. Parte da CPI esteve na tarde destaterça-feira, [04.09.2007], no Centro de Investigação e Prevenção de Aci-dentes Aeronáuticos (Cenipa) do Ministério da Aeronáutica ouvindo osúltimos 30 minutos de gravação da caixa preta do Airbus. Segundo inte-grantes da CPI, não há novidades nos diálogos da caixa preta. [...] Alémde saírem convencidos de que os equipamentos do Airbus falharam, osdeputados da CPI do Apagão Aéreo deixaram o Cenipa comovidos comos últimos momentos que antecederam a colisão do avião com o pré-dio da TAM. [...] Os primeiros 20 minutos de gravação da caixa pretado Airbus são praticamente inaudíveis, segundo integrantes da CPI. Opiloto aparece reclamando de dor de cabeça e há momentos de silêncioabsoluto, que duraram cerca de quatro minutos. Isso chamou a atençãodo deputado Eduardo Cunha. `Ficamos com um vazio. A sensação deque está faltando alguma coisa', observou o peemedebista. `Em muitosmomentos realmente não há dialogo, mas as autoridades da Aeronáuticanos explicaram que esse é um procedimento normal. É pouco provávelque eles tivessem muito o que conversar ', disse Gustavo Fruet. `Não temdiálogo, mas há o som ambiente, ruídos de fundo. Não suspeito que te-nham apagado parte do som', a�rmou a deputada Luciana Genro. (248,grifo nosso)

Não encontramos, nas notícias analisadas, indicações sobre se as suposições e sensações

pessoais dos deputados que visitaram o CENIPA eram fundamentadas em conhecimentos

técnicos sobre aviação, sobre o funcionamento de uma aeronave, ou sobre os procedi-

mentos de pouso, a ponto de se tornarem su�cientemente críveis para darem opiniões

aparentemente técnicas. Da mesma forma, não encontramos em qualquer das notícias

Page 86: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

92 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

analisadas, indicações sobre se os deputados em questão eram ou não leigos no assunto.

O nível de credibilidade técnica dos deputados, que poderia ser levado em consideração

pelo leitor das notícias, não foi informado junto com as opiniões e sensações dos legislado-

res. O fato é que existem duas considerações distintas: uma delas é a autoridade inerente

à função legislativa ocupada pelos deputados; a outra, é se estas autoridades são leigas ou

entendidas sobre o assunto em questão. Não encontramos, nestas notícias, re�exões ou

questionamentos críticos sobre os fundamentos das convicções dos parlamentares. Dessa

maneira, entendemos que o fato de serem autoridades in�uenciou na credibilidade téc-

nica das notícias que, ao �nal, contribuiram para fortalecer uma das possíveis versões da

história.

Ainda segundo estas notícias, os deputados reconheceram que �o restante dos diálogos

não deve contribuir de forma consistente para as investigações�; passaram a achar �que [a

transcrição dos diálogos] vai acrescentar muito pouco�; declararam qual era �a minha maior

convicção�, ou qual era �a sensação efetiva�, em relação às causas do acidente; �caram

�convictos que o acidente ocorreu por falha do equipamento e não por erro humano�;

sairam �convencidos de que os equipamentos do Airbus falharam�; mas, apesar de tudo,

um deles ainda �cou �com um vazio [e com] a sensação de que está faltando alguma

coisa�. Todas essas sensações e convicções surgiram apenas após parte dos membros da

CPI ter visitado o CENIPA, onde possivelmente os técnicos da Aeronáutica tenham tido

a oportunidade de oferecer-lhes os subsídios necessários para que saissem de lá com as

convicções sobre as quais nos referimos acima.

Uma questão que merece re�exão é o fato de que todas estas convicções por parte

dos deputados se consolidaram em 04.09.2007: 49 dias após o acidente cuja investigação

ainda estaria longe de ser concluída. Apesar disso, acreditamos que essas opiniões foram

su�cientes para fechar mais uma fase da não-história da �caixa-preta�: o vazio de 22

minutos e 25 segundos da transcrição aparentemente passaram a não ter mais qualquer

importância, segundo a convicção dos deputados.

Se a a�rmação do chefe do CENIPA de que �o órgão americano [NTSB] apenas trans-

creveu os parâmetros [...] que eram relevantes à investigação� (244) é verdadeira, não

encontramos na mídia em geral questionamentos sobre como poderia o fato de um dos

pilotos ter reclamado de dor de cabeça, segundo a�rmou o deputado Eduardo Cunha na

notícia acima, não ser um �parâmetro relevante à investigação�. A a�rmação do deputado

Eduardo Cunha de que �há momentos de silêncio absoluto, que duraram cerca de quatro

minutos�, confrontada com sua percepção de que �[...] �camos com um vazio. A sensação

Page 87: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� 93

de que está faltando alguma coisa�, de fato foi citada pela notícia, mas entendemos que

ela foi imediatamente neutralizada pela percepção da deputada Luciana Genro: �não tem

diálogo, mas há o som ambiente, ruídos de fundo. Não suspeito que tenham apagado

parte do som.� (248) E no tom de tranqüilização transmitido pela sensação da deputada

Luciana Genro, a notícia encerrou esta versão da história.

Desta forma, tanto a história do desaparecimento físico da �caixa-preta� de voz por

aproximadamente 41 horas, quanto a do desaparecimento de 22 minutos e 25 segundos de

gravação, foram consolidadas segundo a versão o�cial anunciada pelo chefe do CENIPA,

brigadeiro Jorge Kersul Filho. Quando a trajetória do CVR é confrontada com a pos-

sibilidade de ter havido algum diálogo na cabine que, de alguma forma, pudesse colocar

em risco o recebimento da indenização de US$ 1,5 bilhão pela TAM, as questões acima

levantadas passam a poder ser mensuradas em termos �nanceiros. Em relação a isso, há

pelo menos três perspectivas possíveis:

1. A certeza de que não existe a possibilidade de qualquer diálogo na cabine poder

prejudicar a empresa;

2. A certeza de que esta possibilidade existe;

3. A ignorância quanto a existir ou não esta possibilidade.

Uma vez que o contrato de seguro que analisamos em 2.1 foi mantido em sigilo tanto pela

empresa seguradora (Unibanco AIG) quanto pela segurada (TAM), a possibilidade de ha-

ver cláusulas cujo descumprimento pudesse inviabilizar o pagamento da indenização torna

esta trajetória do CVR uma questão que poderia levantar dúvidas e que , curiosamente,

não encontramos nas pesquisas realizadas na mídia em geral.

Existe outra questão que também poderia ser levantada sobre os gravadores de dados

de voz do Airbus A-320. Em 18.10.2004, o Airbus A-320 operado pela TransAsia no vôo

536 ultrapassou os limites da pista na cidade de Taipei, em Taiwan. Este acidente teve

fatores contribuintes muito semelhantes aos do acidente do vôo 3054 da TAM. Entre as

várias informações disponíveis sobre uma aeronave, duas são relevantes para o que preten-

demos apresentar aqui: o tipo de avião e seu Número de Série do Fabricante (Manufacturer

Serial Number � MSN). Conforme a tabela disponível no início desta seção, temos que o

número de série da aeronave operada pela TransAsia é 791, e o da aeronave operada pela

TAM é 789. A aeronave 789, da TAM, teve seu primeiro vôo em 13.02.1998; já a aeronave

791, da TransAsia, teve seu primeiro vôo em 12.02.1998, ou seja: com um dia de diferença.

Page 88: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

94 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

Acreditamos ser razoável aceitarmos que ambas as aeronaves foram produzidas, se não

exatamente ao mesmo tempo, aproximadamente na mesma época, até mesmo porque 789

e 791 são seus números de série e, até onde esta pesquisa pôde investigar, não houve um

Airbus A-320 com número de série 790.

Esta comparação é importante para compreendermos que, considerada a proximidade

temporal em que foram produzidas, é possível que as �caixas-pretas� pudessem ser de

modelos se não idênticos, ao menos muito semelhantes. Quando as investigações do

acidente da aeronave 791 da TransAsia foram concluídas, o Aviation Safety Council de

Taiwan produziu um relatório de investigação que continha a seguinte informação sobre

o CVR da aeronave acidentada:

1.11 Gravadores de Vôo (Flight Recorders)1.11.1 Gravador de Voz da Cabine (Cockpit Voice Recorder)Esta aeronave era equipada com um Gravador de Voz da Cabine emEstado Sólido (CVR), modelo Fairchild A200S, part number S200-0012-00, serial number 01471. A gravação com duração de 120 minutos foidevidamente baixada. A qualidade da gravação estava boa.Os últimos 30 minutos da gravação foram transcritos como no Apêndice1. [...]55 (249, p. 32)

As empresas aéreas têm plena liberdade para a qualquer momento trocar diversas

partes de seus aviões por outras devidamente autorizadas e homologadas, inclusive os

gravadores de cabine. No entanto, não foram encontradas nesta pesquisa quaisquer infor-

mações sobre o fato de a aeronave cujo número de série era 789, que se acidentou no vôo

3054 da TAM, possuir um CVR com 30 minutos de duração, enquanto outra aeronave

produzida na mesma época, com número de série 791, possuía um CVR com 120 minutos.

Não encontramos em relação a estas informações, apesar de serem públicas e estarem

disponíveis na Internet a qualquer interessado, questionamentos levando-se em conta as

seguintes considerações:

1. O desaparecimento por aproximadamente 41 horas do CVR, que teria �cado perdido

em meio aos destroços do Hangar 1 da TAM;

2. A exclusão de aproximadamente 22 minutos da gravação do CVR para a transcrição

disponibilizada pelo CENIPA/Aeronáutica à CPI e à mídia;

55No original: This aircraft was equipped with a Solid State Cockpit Voice Recorder (CVR), modelFairchild A200S, part number S200-0012-00, serial number 01471. The recording of 120-minute durationwas downloaded properly. Quality of the recording was good. The last 30 minutes of the recording wastranscribed as in Appendix 1. [...]

Page 89: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� 95

3. As medidas tomadas pelo CENIPA/Aeronáutica para manter o áudio do CVR em

sigilo (disponibilizando apenas parte de sua transcrição);

4. O fato de a agência brasileira responsável por investigar acidentes aeronáuticos civis

(o CENIPA) fazer parte de uma estrutura militar e, portanto, não estar submetida

ao controle de órgãos civis como os Ministérios Públicos, a Polícia Federal e o próprio

Congresso Nacional;

5. O desenvolvimento da cobertura midiática em torno do CVR, que aceitou as respos-

tas dadas pelo chefe do CENIPA como su�cientes para consolidá-las como versões

o�ciais;

6. A existência da possibilidade de ter havido algum diálogo por parte dos pilotos que

porventura pudesse colocar em risco o recebimento da indenização de US$ 1,5 bilhão

por parte da TAM.

Por último, mas não menos importante, existe um fato que reforça a idéia de que o CVR

do vôo 3054 da TAM poderia, talvez, ter sofrido algum tipo de acesso durante as 41 horas

em que teria �cado desaparecido. Em 31.10.1996, uma aeronave fabricada pela Fokker

em 07.02.1993, modelo F28MK0100, conhecida como Fokker-100, matrícula PT-MRK, no

vôo 402 também operado pela TAM Linhas Aéreas, projetou-se ao solo após um problema

com um dos reversores. No relatório �nal deste acidente, produzido pelo mesmo órgão

com responsabilidade e autoridade para investigar o acidente do vôo 3054 da TAM que

atualmente está em andamento, o CENIPA, produziu a seguinte informação relativa ao

CVR daquele vôo:

11. Gravadores de Vôoa. `Cockpit Voice Recorder'A aeronave estava equipada com um gravador de voz da cabine de co-mando (CVR), fabricado pela `Allied Signal', modelo AV 557C, SerialNumber 11976, Part Number 980-6005-076, localizado no `AFT CargoCompartment Hatch'.Foi encontrado praticamente intacto e examinado por um representante,na cidade de São Paulo.Devido à característica auto-reverso deste tipo de gravador, não foi pos-sível efetuar sua leitura, em virtude do representante não possuir o equi-pamento adequado.Em conseqüência, houve necessidade de enviá-lo para análise no Labo-ratório de Gravadores de Vôo do `National Transportation Safety Board� NTSB', na cidade de Washington-DC, EUA.A gravação, com um total de 35 (trinta e cinco) minutos registrados,tem seu início coincidindo com o momento da aproximação �nal do vôoanterior ao acidente. (250, p. 17, grifo nosso)

Page 90: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

96 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

A �Allied Signal�, fabricante do CVR do vôo 402 da TAM, fez parte de um conglome-

rado de empresas que sofreram diversos processos de fusão e incorporação que, atualmente,

formam a �Honeywell International Inc�56.

No Brasil o �Relatório Final� de investigação de um acidente aeronáutico não está

disponível à consulta pública com a mesma facilidade e transparência oferecida por outros

países, como Taiwan, que disponibilizam este conteúdo na Internet. Segundo a Norma de

Sistema do Comando da Aeronáutica (NSCA) 3-6, que trata da �Investigação e Prevenção

de Acidentes Aeronáuticos�; em seu item 4.10, �Relatório Final (RF)�; subitem 4.10.3,

�Divulgação�; subsubitem 4.10.3.1, consta que: �O RF é divulgado [...] a todo órgão

ou pessoa física que objetive utilizar os ensinamentos colhidos exclusivamente para a

prevenção de acidentes e de acordo com a �loso�a do SIPAER57; [...]� (251, p. 27)

No primeiro parágrafo do Relatório Final do vôo 402 da TAM, consta a seguinte

advertência:

O objetivo único da investigação de acidentes é a prevenção de futurosacidentes ou incidentes. O propósito dessa atividade não é determinarculpa ou responsabilidade, princípio este contido no art. 3.1 do Anexo 13da Organização de Aviação Civil Internacional � OACI, do qual o Brasilé signatário.Recomenda-se o seu uso para �ns exclusivos da prevenção de acidentesaeronáuticos. (250, p. 1)

Para o que pretendemos demonstrar, as informações contidas neste �Relatório Final�

do vôo 402 da TAM servem como subsídios para que as seguintes questões sejam colocadas:

1. Teria o CVR do vôo 3054 da TAM também sido examinado na cidade de São Paulo?

2. Ou esta tentativa só foi feita, de fato, com o CVR do vôo 402 da TAM?

Tendo por base o �Relatório Final� de um acidente, o CENIPA produz também uma

�Síntese de Relatório Final�. Enquanto o �Relatório Final� do vôo 402 da TAM tem

48 páginas, sua �Síntese� tem 14. A seleção do que deve constar na versão sintética é

feita por técnicos do próprio CENIPA e, da mesma forma que a versão expandida, esta

também possui a advertência: �Recomenda-se o seu uso para �ns exclusivos da prevenção

de acidentes aeronáuticos.� (252, p. 1) Veri�camos que ao longo de toda a �Síntese�,

entretanto, não há qualquer referência à tentativa de acesso ao conteúdo do CVR por

56Disponível em: <http://www51.honeywell.com/honeywell/about-us/our-history.html>.57SIPAER é a sigla para �Sistema Integrado de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos�.

Page 91: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.2 Episódio II: os desaparecimentos da �caixa-preta� 97

parte de um �representante�, e nem a quem este estaria representando: se a Allied Signal,

que fabricou o CVR; ou a TAM, que operou a aeronave; ou o CENIPA, que investigou o

acidente.

Levando-se em consideração que �devido à característica auto-reverso deste tipo de

gravador [CVR do vôo 402 da TAM], não foi possível efetuar sua leitura, em virtude do

representante não possuir o equipamento adequado� (250, p. 17), surge outro questiona-

mento que pode entrar no leque de perguntas sem respostas sobre o CVR do vôo 3054 da

TAM:

• Uma vez tendo sido encontrado o CVR, havia alguma característica que tornasse

sua leitura possível apenas nos laboratórios do NTSB?

Com esta questão em mente, consideramos também a a�rmação do deputado Eduardo

Cunha após ouvir a gravação do CVR no CENIPA, segundo o qual �há momentos de

silêncio absoluto, que duraram cerca de quatro minutos. [...] Ficamos com um vazio.

A sensação de que está faltando alguma coisa.� (248) Com base nisso, colocamos uma

última pergunta relativa a este episódio:

1. Existia em 17.07.2007 algum recurso tecnológico, com custo inferior a US$ 1,5 bilhão,

por meio do qual seria possível que, num intervalo inferior a 41 horas, o áudio do

CVR do vôo 3054 da TAM pudesse ser de alguma forma editado, apagado, ou

substituído por ruído branco58?

2. No caso de esta resposta ser a�rmativa, quem teria condições técnicas, autoridade

jurídica e interesse para investigar a possibilidade de uma eventual adulteração no

conteúdo ou no próprio CVR, caso isto porventura tivesse ocorrido?

A �Honeywell International Inc�, atual controladora da �AlliedSignal� (a empresa que

fabricou o CVR do vôo 402 da TAM), desenvolve, entre diversos aviônicos (equipamentos

eletrônicos para aeronaves), um CVR com a tecnologia de �Estado Sólido� (ou �Solid

State�), o Solid State Cockpit Voice Recorder (SSCVR), que, segundo a fabricante, �[...]

retém os mais recentes 30 minutos ou 2 horas de áudio [...]� e, além disso, informa que

possui entre diversos recursos, os seguintes59:

58Ruído branco é um tipo de ruído que combina simultaneamente sons de diversas freqüências, podendoser utilizado, entre diversas aplicações, para mascarar outros sons.

59Disponível em: <http://www.honeywell.com/sites/aero/Recorders3_CA4774DFC-9703-886F-69D3-2F3420ADBE58_HBFDDA6B6-909E-334F-5E66-1CB6EA4AA463.htm>.

Page 92: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

98 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

- SSCVRs de 30 minutos são facilmente atualizáveis para 120 minutos.- Deve ser removido da aeronave para download.[...]- Ferramentas de Leitura e Reprodução Superiores � RPGSE, HATS ePlayback-32.

Sobre essas três ferramentas (RPGSE, HATS e Playback-32) no próprio sítio da

Honeywell é possível saber-se o que segue60:

O RPGSE (�Teste de Gravador e Equipamento de Suporte em Solo, ou�Recorders Portable and Ground Support Equipment (GSE)�, ou ainda�Ruggedized Portable Ground Support Equipment�) é um laptop único,comum e robusto, para dar suporte e receber as aplicações de softwarespara suporte em solo, necessárias para o download funcional, teste, re-produção e análise de dados da família de gravadores em estado sólidoda Honeywell. O computador RPGSE inclui uma placa de áudio, auto-falantes e fones de ouvido. Também inclui interfaces padrão PC paratransferência de dados (por exemplo, USB, interface serial, CD-ROM).61

O HATS (�Sistema de Teste Automatizado da Honeywell�, ou �HoneywellAutomated Test System�) é uma aplicação de software que realiza tes-tes de retorno ao serviço em gravadores. Muitas aplicações de softwaredo HATS podem ser instaladas no RPGSE permitindo uma plataformaúnica capaz de oferecer suporte para múltiplos gravadores.62

O Playback-32 é um pacote de softwares que permite às empresas aéreasdescomprimir e reproduzir as informações de áudio gravadas [...]63

Cada equipamento produzido para o setor aeronáutico recebe um número de identi-

�cação que o torna único, o Part Number. Sob um mesmo Part Number são fabricados

diversos equipamentos com características idênticas, diferenciados pelo número de série

que recebem ao sairem da linha de produção, o Serial Number. A fabricante de aviôni-

cos Honeywell desenvolve um CVR (ou SSCVR) de 30 minutos que pode ser identi�cado

pelo Part Number 980-6020-00164. Em 08.08.2008, quando realizamos esta pesquisa, este

equipamento estava sendo comercializado por aproximadamente US$ 25 mil65. O lap-

60Disponível em: <http://www.honeywell.com/sites/aero/Recorders3_CA4774DFC-9703-886F-69D3-2F3420ADBE58_H8CDFA5AE-9DF4-79FA-4171-82EC53E64F9C.htm>.

61No original: RPGSE is a single, common, rugged laptop to support and host the ground supportsoftware applications needed for functional download, test, playback and data analysis of the Honeywellfamily of solid state recorders. The RPGSE computer includes an audio card, speakers & speaker jacks.It also includes standard PC interfaces for transferring data (e.g., USB, serial interface, CD ROM.)

62No original: Honeywell Automated Test System (HATS) is a software application that performsreturn-to-service test for recorders. Several HATS software applications may be installed on the RPGSEthereby enabling a single platform to have the capability of providing support for multiple recorders.

63No original: Playback-32 is a software package that enables the airlines decompression and playbackof the recorded audio data, including the optional rotor speed and GMT/FSK time indication.

64Disponível em: <https://commerce.honeywell.com/webapp/wcs/stores/servlet/EProductDisplay?storeId=10651&productId=528918>.

65Disponível em: <http://www.avionicszone.com/cgi-bin/ncommerce3/ExecMacro/search_result.d2w/report?keyword=980-6020-001>.

Page 93: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.3 Episódio III: a norma que não era norma 99

top RPGSE, também fabricado pela Honeywell, possui o Part Number 952-0035-00266,

e na mesma data em que esta pesquisa foi realizada, poderia ser adquirido por aproxi-

madamente US$ 30 mil67 em um fornecedor de aviônicos, ou por em torno de US$ 24

mil68 em outro. Tais considerações são relevantes como fundamento para outro possível

questionamento:

• Caso o CVR do vôo 3054 da TAM tivesse sido fabricado pela Honeywell, portanto,

a um custo próximo ao do próprio CVR, seria possível que tanto a TAM, quanto o

CENIPA/Aeronáutica, ou a ANAC, já possuissem ou viessem a adquirir um laptop

RPGSE com hardware e software apropriados para realizar download, teste, repro-

dução e análise do áudio armazenado no CVR, nas 41 horas em que este equipamento

teria �cado �desaparecido�?

Na Folha Online a última notícia relativa à questão da �caixa-preta� de voz sobre a qual

tratamos acima, foi veiculada em 04.09.2007, às 19h02: �Após ouvir áudio da caixa-preta,

CPI descarta falha humana�.69

2.3 Episódio III: a norma que não era norma

A essência deste terceiro episódio sobre o acidente do vôo 3054 da TAM diz respeito

à versão, ou inversão, de uma história inicialmente polêmica que, �nalmente, se tornou

um consenso junto à opinião pública. Também aqui é possível realizar-se, logo de início,

alguns questionamentos:

1. Existe a possibilidade de haver alguma cláusula no contrato de seguro estabelecido

entre TAM e Unibanco AIG que, caso fosse descumprida, pudesse inviabilizar o

recebimento da indenização de US$ 1,5 bilhão?

2. Esta cláusula poderia estar vinculada à obediência das normas estabelecidas pela

agência reguladora e demais autoridades aeronáuticas?

66Disponível em: <https://commerce.honeywell.com/webapp/wcs/stores/servlet/EProductDisplay?storeId=10651&productId=526442>.

67Disponível em: <http://www.avionicszone.com/cgi-bin/ncommerce3/ExecMacro/search_result.d2w/report?keyword=952-0035-002>.

68Disponível em: <http://www.seaerospace.com/lc/cart.php?target=productDetails&model=RPGSE&substring=RPGSE>.

69Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u325745.shtml>.

Page 94: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

100 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

Em 06.02.2007 o juiz-substituto Ronald Carvalho Filho, da Justiça Federal de São Paulo,

decidiu proibir as aeronaves Boeing 737-700, Boeing 737-800 e Fokker-100 de utilizarem

o aeroporto de Congonhas a partir de 08.02.2007, conforme requerimento feito pelo Mi-

nistério Público Federal. Em 07.02.2007 o desembargador Antônio Cedenho, do Tribunal

Regional Federal da 3a Região, decidiu revogar esta decisão e manter apenas a �de fechar

a pista principal do terminal em dias de chuva, para evitar derrapagens.� (253)

Em 16.02.2007 a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3a Região, Cecília

Marcondes, determinou que a ANAC apresentasse até 26.02.2007 um estudo sobre o peso

das aeronaves que operam no aeroporto de Congonhas. (135)

Em 23.02.2007 a desembargadora Cecília Marcondes desistiu de suspender as ope-

rações previstas na decisão do juiz-substituto Ronald Carvalho Filho. O presidente da

ANAC, Milton Zuanazzi, disse acreditar que a desembargadora desistiu após a Agência

ter entregue os documentos exigidos, e a�rmou que �[nós da ANAC] estamos satisfeitos

porque prevaleceram as questões técnicas. Acredito que a desembargadora �cou satisfeita

com o que apresentamos. Mostramos que Congonhas é seguro dentro de suas limitações�.

(141)

Em 17.07.2007 ocorreu o acidente do vôo 3054 da TAM.

• 19.07.2007, no Informe Econômico do Jornal do Brasil:

Responsabilidades � Os diretores das empresas seguradoras estão aguar-dando as conclusões dos inquéritos para saber as responsabilidades. Sehouve negligência da empresa, que desceu com um avião inadequado aoaeroporto � parece que ele era pesado demais para aterrissar em umapista inacabada e pequena � a seguradora não vai querer pagar os US$650 milhões, que é o valor do prejuízo estimado ontem no mercado segu-rador do Rio de Janeiro.Seguradoras � A seguradora da TAM é a Unibanco-AIG, que recolocoua apólice para um grupo de oito resseguradoras da Europa e dos EstadosUnidos. Pelas previsões de seus diretores, o problema pode ser superadofacilmente, pois a empresa brasileira vai responder por apenas 10% doprejuízo. Se a responsabilidade for do aeroporto, ou seja, a pista foiusada sem estar concluída e com risco para a aeronave, a seguradorae a TAM vão exigir uma indenização mínima de US$ 700 milhões. AInfraero vai ter de vender um aeroporto para pagar a indenização. (254)

Se no dia anterior, em 18.07.2007, o �mercado segurador do Rio de Janeiro� estimou o

valor do prejuízo em US$ 650 milhões, foi no dia 19.07.2007 que veio à tona a notícia de

que o limite máximo de indenização contratado entre a TAM e a Unibanco-AIG era de

Page 95: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.3 Episódio III: a norma que não era norma 101

US$ 1,5 bilhão por evento, ou seja, se ocorresse um novo acidente (evento) no dia seguinte,

outros US$ 1,5 bilhão estariam disponíveis, e assim sucessivamente.

• 01.08.2007, às 09h29: Pilotos dizem que Gol proibiu pousar sem reverso sob chuva:

A posição da TAM, de que pousar aeronaves com reverso bloqueado noaeroporto de Congonhas em dias de chuva é um procedimento seguro,não é um consenso entre as companhias aéreas. A Gol proíbe operaçõesnessas circunstâncias no local, segundo depoimento de três pilotos daempresa à Polícia Civil, ontem. [...] Em depoimento, os pilotos a�rma-ram que o veto da Gol ao pouso de aeronaves com reverso bloqueado estáentre as restrições determinadas pela empresa ao aeroporto de Congo-nhas em dias de chuva. `Esse dado é importante e precisa ser investigado.Temos de saber por que uma empresa adota essa medida de segurança eoutra não', a�rmou o promotor Mário Luiz Sarrubbo. A Gol não operacom Airbus � modelo do acidente �, apenas com Boeing. Os manuaisdos fabricantes dos dois modelos a�rmam que o reverso bloqueado nãocompromete pousos e decolagens. (255)

A empresa Gol Transportes Aéreos, concorrente da TAM Linhas Aéreas, possui um manual

denominado Standard Operating Procedures (SOP), que faz parte do Manual Geral de

Operações (MGO) da empresa. Logo na introdução do SOP, há a seguinte determinação:

�Este manual deverá ser seguido e cumprido por todos os tripulantes da Gol Transportes

Aéreos S/A em todas as atividades relacionadas com as operações de transporte aéreo

executadas pela Empresa.� (256, p. 0-5) No capítulo 9 deste manual, denominado �Folhas

Verdes�, há a seguinte explicação: �Estas folhas relacionam os procedimentos necessários

para as operações em aeroportos com restrições operacionais (Item 4.5) e aeroportos com

operações especiais (Item 4.6).� (256, p. 9-2, grifo do autor) O aeroporto de Congonhas é

um dos que se encaixam neste per�l e possui uma �folha verde�, na qual consta o seguinte

(256, p. 9-42, grifo do autor):

[...]- não pousar sob chuva moderada ou forte.- cancelada a utilização de tankering nos vôos de e para SBSP.- proibido o pouso com reversor inoperante e pista molhada,independente do tipo de aeronave.- recomendamos que nas etapas de e para São Paulo (Congonhas) sejautilizado combustível mínimo requerido.

Uma informação importante sobre esta �Revisão 19� do SOP da empresa Gol é que

o mesmo é datado de 10.03.2007, ou seja: anterior ao acidente do vôo 3054 da TAM em

17.07.2007, e posterior à divulgação da IS-RBHA 121-189, aquela que �cou conhecida

como �a norma que não era norma�, em 31.01.2007, às 19h30 no sítio o�cial da Agência

Nacional de Aviação Civil.

Page 96: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

102 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

• 02.08.2007, às 15h45: Relator da CPI quer investigar se TAM descumpriu orientação

da Anac:

O relator da CPI do Apagão Aéreo da Câmara, deputado Marco Maia(PT-RS), quer investigar se a TAM descumpriu orientação da Anac(Agência Nacional de Aviação Civil) editada em janeiro deste ano que re-comenda a utilização da força máxima do reverso da turbina para pousosem pistas molhadas. Maia pediu que a assessoria técnica da CPI apurese a empresa aérea é obrigada a cumprir a resolução, uma vez que oAirbus-A320 que se acidentou no aeroporto de Congonhas (SP) estavacom apenas um reverso em funcionamento. `Com o estudo, vamos apurarse há descumprimento dessa orientação. Precisamos saber se são obriga-ções das companhias ou se outra legislação se sobrepõe', disse Maia. [...]O vice-presidente de operações da TAM, Ruy Amparo, explicou que asaeronaves possuem um manual que reúne todas as orientações necessáriassobre a segurança de vôo. Segundo Amparo, a resolução da Anac não sesobrepõe a esse manual. O presidente da TAM, Marco Antonio Bologna,chegou a a�rmar que o manual é a `bíblia' das aeronaves. A Anac a�rma,na resolução, que as companhias aéreas devem seguir preferencialmenteas orientações presentes no texto, mas abre brechas para que também seguiem por outros manuais. `Esta não é a única forma para o atendimentodos requisitos, porém as operadoras que seguirem as disposições desta[resolução] estarão cumprindo o determinado no regulamento brasileirode homologação aeronáutica. As operadoras que optarem por atender es-ses requisitos de outra forma poderão fazê-lo, mas devem provar a Anacque seus métodos alternativos provêm o nível adequado de segurança',diz o texto. Amparo disse que os manuais disponíveis nas aeronaves sãocapazes de garantir a segurança dos vôos. `O que vai a bordo e que valepara os pilotos e está em todos os manuais, tem que ser único. Cabeà empresa e à Anac compilarem todas as técnicas de segurança que es-tão em um único manual a bordo. Não existe nenhum con�ito entre osmanuais da Airbus e o que a Anac preconiza', rebateu Amparo. (257)

A �orientação da Anac� a que se refere a notícia acima é aquela que �cou conhecida como

IS-RBHA 121-189 (Instrução Suplementar � Regulamento Brasileiro de Homologação Ae-

ronáutica). Em seu item 5 (258, p. 9-11, grifo nosso), �Pista Molhada � Recomendações

Operacionais�, existem diferentes recomendações para cada departamento de uma em-

presa aérea. Em 5.1, �Operações�, há a seguinte recomendação: �Preparar instruções

especí�cas aos pilotos para operação com a pista molhada com ênfase em determinados

aeroportos que, por suas características físicas, possam ser considerados como aeroportos

especiais (por ex.: SBRJ e SBSP).� Em 5.2, �Engenharia de Operações�, consta que �A

engenharia de operações do Operador deve: [...] Preparar a MEL70 do operador apre-

sentando a restrição para operação em pista molhada com `antiskid' e/ou com reverso

70MEL é a Minimum Equipment List, ou Lista Mínima de Equipamentos. Trata-se de uma lista quecontém os equipamentos da aeronave que necessariamente devem estar funcionando para que ela possaser operada.

Page 97: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.3 Episódio III: a norma que não era norma 103

inoperante. [...]� Em 5.3, �Despacho Operacional�, consta que �O despacho operacional

do Operador deve: Certi�car-se de que, quando houver previsão meteorológica de chuva,

os aviões despachados estejam com os sistemas e equipamentos em condições de operar em

pista molhada. [...]� Em 5.5, �Orientações para os Tripulantes�, consta que �[...] Quando

o aeroporto de pouso estiver com a pista molhada a tripulação deve: [...] Após o toque

con�rmar a abertura dos `ground spoilers' e usar o máximo reverso assim que possível �.

(258, p. 9-11)

Segundo esta �orientação da Anac�, portanto, algumas responsabilidades podem ser

claramente deduzidas:

1. Existem recomendações operacionais que podem (opcionalmente), ou devem (obri-

gatoriamente), ser adotadas pelas empresas aéreas;

2. Algumas destas recomendações/determinações aplicam-se a pistas molhadas;

3. Os pilotos devem receber, e cumprir, instruções especí�cas para operações realizadas

em pistas molhadas, como por exemplo Congonhas (SBSP);

4. A responsabilidade por elaborar estas instruções aos pilotos é do Departamento de

Operações da empresa aérea;

5. Os pilotos devem receber a Lista Mínima de Equipamentos (MEL) com esta restrição

adicional, e obedecer todas as restrições estabelecidas;

6. A responsabilidade por adicionar à MEL da empresa aérea a �restrição para operação

em pista molhada [...] com reverso inoperante� é da Engenharia de Operações;

7. O Despacho Operacional tem a responsabilidade de não despachar (direcionar) ae-

ronaves que estejam com �reverso inoperante� para aeroportos cujas pistas estejam,

ou possam vir a estar, molhadas;

8. Em operações de pouso em pistas molhadas os tripulantes (pilotos) devem ser ori-

entados a �usar o máximo reverso assim que possível�.

Deve-se considerar que a obrigação de implementar as recomendações operacionais de

uma norma como a IS-RBHA 121-189 é devidamente atribuída a diversos departamentos

da empresa aérea. As instruções relativas aos pilotos devem ser operacionalizadas por

meio da Lista Mínima de Equipamentos (MEL), cuja formulação é de responsabilidade

Page 98: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

104 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

da área de Operações da empresa. Assim, levando-se em conta as �recomendações opera-

cionais� da IS-RBHA 121-189 formulada pela ANAC, com as �informações operacionais�

do SOP elaborado pela Gol, podemos concluir que esta empresa aparentemente cumpriu

as determinações da agência reguladora, pelo menos, desde 10.03.2007.

Segundo a notícia acima mencionada (257), o vice-presidente de operações da TAM,

Ruy Amparo, �explicou que as aeronaves possuem um manual que reúne todas as orien-

tações necessárias sobre a segurança de vôo [, e que] a resolução da Anac não se sobrepõe

a esse manual.� Este manual a que se refere Ruy Amparo é justamente o Manual Geral

de Operações (MGO), dentro do qual consta a Lista Mínima de Equipamentos (MEL).

Do ponto-de-vista do piloto, o documento que tem validade é o MGO/MEL da empresa.

Documentos elaborados pela ANAC devem ser devidamente �instalados� pelos departa-

mentos responsáveis, de forma a inclusive resultarem em alterações no MGO/MEL se for

necessário. Quando a ANAC publica uma norma que exija modi�cações no MGO/MEL,

portanto, cabe a estes departamentos implementá-las. Se por um lado o SOP da Gol deixa

claro que as �recomendações operacionais� da ANAC foram devidamente implementadas,

por outro o depoimento do vice-presidente de operações da TAM não deixa claro se a

interpretação dos dirigentes desta empresa são de que:

1. A IS-RBHA 121-189 exige alterações em seus procedimentos operacionais, de forma

a complementar as instruções da fabricante Airbus;

2. A IS-RBHA 121-189 não exige quaisquer alterações em seus procedimentos operaci-

onais, por interpretarem que as instruções do fabricante são su�cientes para garantir

uma operação segura;

3. Se os dirigentes da TAM não tomaram conhecimento do conteúdo da IS-RBHA

121-189;

4. Se os dirigentes da TAM tomaram conhecimento da IS-RBHA 121-189, mas não

implementaram seu conteúdo por não reconhecerem o documento como uma norma

obrigatória, mas sim como um conjunto de recomendações apenas opcionais;

5. Se a decisão de não implementar o conteúdo da norma teria sido baseada em critérios

mais �nanceiros do que técnicos.

A�nal, segundo o vice-presidente, �não existe nenhum con�ito entre os manuais da Airbus

e o que a Anac preconiza�. É neste ponto que surge uma contradição sobre a qual não

encontramos menção na mídia em geral:

Page 99: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.3 Episódio III: a norma que não era norma 105

• Os manuais da Airbus possuiam �recomendações operacionais� para operações de

�pouso em pista molhada�, em que absolutamente todas as recomendações ou deter-

minações estipuladas pela IS-RBHA 121-189 já estivessem implementadas?

Não seria impossível que os manuais dos Boeings, operados pela Gol, fossem muito di-

ferentes dos da Airbus, operados pela TAM. Apenas seria improvável que os detalhes

especí�cos fossem idênticos.

• 03.08.2007, às 00h43: �TAM: Airbus sofreu panes antes do acidente. Bologna nega

que reversor tenha sido decisivo�:

Ainda na Câmara, pela manhã, foi pedido a Bologna que lesse o manualda Anac que dá orientações para a tripulação em caso de pista molhada.Nele, são citados vários equipamentos de segurança que têm de estarfuncionando. Entre eles, o reverso, justamente o equipamento que nãofuncionava no Airbus da TAM acidentado. Durante a leitura, o executivoomitiu o trecho que determina o uso dos dois reversos e de `todos ossistemas necessários' em caso de pouso em pista molhada. A resolução,de janeiro de 2007, diz que, após o toque na pista, os pilotos devem `usaro máximo reverso' possível. Como o avião não tinha um dos reversos,não deveria ter pousado na pista de Congonhas, que, além de molhada, écurta. O deputado Vic Pires (DEM-PA) foi quem percebeu que Bolognanão leu o trecho, o que causou constrangimento na CPI. Bologna a�rmouque o avião tinha condições de pousar com segurança, mesmo com a pistamolhada e escorregadia. Ele admitiu [admitiu?], porém, que a existênciade grooving (ranhuras que facilitam o escoamento da água) poderia terfacilitado a frenagem. (259, grifo nosso)

Pela lógica de apenas relatar un passant alguns fatos, a constrangedora omissão feita pelo

presidente da TAM não foi confrontada com os motivos que poderiam tê-lo motivado a

omitir �o trecho que determina o uso dos dois reversos [...] em caso de pouso em pista

molhada�. Se houvesse por parte do presidente da TAM, Marco Antonio Bologna, e pelo

vice-presidente da TAM, Ruy Amparo, a mesma convicção, tal omissão não teria sido

uma estratégia possivelmente razoável para desviar a atenção ao fato de a TAM não

ter cumprido a IS-RBHA 121-189, ou sequer ter implementado qualquer uma de suas

recomendações que poderiam ter evitado o acidente do vôo 3054 da TAM.

• 15.08.2007, no jornal O Estado de S. Paulo: �Agora, Anac diz que restrição a pouso

não era o�cial�:

Recomendação para que pilotos não pousassem com reverso travado empistas molhadas não virou norma A recomendação da Agência Nacional

Page 100: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

106 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

de Aviação Civil (Anac) para que os pilotos usem `o máximo reversoassim que possível' após o pouso em pistas molhadas, editada no dia31 de janeiro deste ano, nunca passou de uma intenção e jamais foitransformada em norma a ser cumprida pelas empresas aéreas. A Anacinformou ontem à CPI e con�rmou por meio de nota que o documentoIS-RBHA (Informação Suplementar do Regulamento Brasileiro de Ho-mologação Aeronáutica) 121-189 `não foi imposta pela Anac às empre-sas aéreas'. Esse documento enumera uma série de recomendações parapousos e decolagens em pistas molhadas, entre outras medidas. Em vá-rios depoimentos de representantes da TAM, os deputados cobravam ocumprimento da norma, já que o Airbus acidentado no dia 17 de julhotinha um dos reversos travados, ou seja, não cumpriria a regra de usaro máximo reverso. / Ontem, o deputado Vic Pires Franco (DEM-PA),da CPI, disse ter recebido informação o�cial da Anac que o documento`não passou de uma minuta'. O documento, no entanto, pode ser en-contrado no portal da Anac, anexado a uma nota da agência publicadano dia 31 de janeiro deste ano. `Fomos feitos de bobos', protestou Vic.O relator da CPI, Marco Maia (PT-RS), disse que era `uma insensatez'a Anac fazer crer que um de seus documentos era norma, quando, naverdade, tratava-se apenas de recomendações sem validade. Em nota,a Anac disse ontem que `a proposta de IS-RBHA 121-189 se prestava aacrescentar recomendações de excesso de cautela, que vão além dos regra-mentos internacionais para evitar eventuais ocorrências indesejáveis comaeronaves, no período que antecedeu à recuperação das pistas do Aero-porto de Congonhas'. Segundo a agência, os procedimentos tornaram-se`inócuos' depois da reforma da pista principal. Nem no período ante-rior à reforma, a IS teve força de norma a ser cumprida pelas empresas.A confusão sobre a validade do documento começou quando o diretorde Segurança da TAM, Marco Aurélio Castro, e o chefe de equipamentodos Airbus A320, Alex Frischmann, disseram, em depoimento à CPI, quejamais a empresa tinha sido noti�cada da IS-RBHA 121-189. Os depu-tados descon�aram, pediram uma informação o�cial da agência e foraminformados que as regras não tinham qualquer validade. [...] (260)

A partir de 15.08.2007 a versão da história que dizia que a IS-RBHA 121-189 �não passou

de uma minuta�, que �tratava-se apenas de recomendações sem validade�, que �se prestava

a acrescentar recomendações�, que �os procedimentos tornaram-se `inócuos' depois da re-

forma da pista principal�, que nunca �teve força de norma a ser cumprida pelas empresas�,

passou a ser sistematicamente repetida e consolidada como a versão verdadeira. Neste

instante o foco da cobertura midiática mudou do questionamento sobre se a IS-RBHA

121-189 era uma norma válida (obrigatória) ou apenas um guia de sugestões (opcional),

para o questionamento sobre se a diretora da ANAC, Denise Abreu, teria ou não mentido

ao apresentar a �falsa norma�. A notícia abaixo, que comentaremos com interpolações, dá

o tom daquela que viria a ser uma espécie de versão o�cial da opinião pública.

• 18.08.2007, às 10h47: �Anac usou norma inexistente contra restrição a Congonhas:

Page 101: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.3 Episódio III: a norma que não era norma 107

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) utilizou uma norma ine-xistente [havia algum indício disso, ou era apenas uma das possíveisversões?] de segurança sobre pousos de aviões em pista molhada comoargumento para impedir a Justiça Federal de impor restrições às opera-ções no aeroporto de Congonhas em fevereiro. O documento, que nãotem validade legal [não tem de fato, ou não tem segundo uma das ver-sões?], proíbe o pouso de aviões com um reversor inoperante em pistasmolhadas. Caso estivesse em vigor [de fato não estava, ou alguém disseque não estava?], teria impedido o acidente do vôo 3054 da TAM, jáque a aeronave estava com o reversor direito inoperante, e a pista deCongonhas estava molhada no dia. Na última semana, a Anac veio apúblico para esclarecer [esclarecer um fato, ou apenas apresentar sua pró-pria versão da história?] que o documento, chamado IS-RBHA 121-189,não tem validade legal. Isso só ocorreu porque a TAM foi questionadasobre a suposta infração legal. Anteontem, a diretora da Anac, DeniseAbreu, disse em depoimento no Senado que a IS (Informação Suplemen-tar) era apenas um `estudo interno' que foi publicado no site de internetda agência por `falha da área de informática' [a falha foi de fato da áreade informática?]. [...] Em petição de 22 de fevereiro, assinada por doisprocuradores da Anac, Paulo de Araújo e Adriana Ikeda, a IS é anexadae descrita como um laudo que `demonstra a absoluta segurança na opera-ção do aeroporto de Congonhas'. [...] Caso fosse válida [não era válida,ou alguém disse que não era?], a norma obrigaria as empresas aéreasa modi�car os manuais de fabricantes de forma a apresentar restriçãopara operação em pista molhada com `antiskid e/ou reversor inoperante'[a empresa Gol fez exatamente isso, por que?]. O A320 da TAM quefez o vôo 3054 estava operando com um reversor inoperante, conformeinstruções da Airbus aprovadas pela Anac [são duas questões distintas:uma diz respeito a um Airbus poder ou não operar com um reversorinoperante; outra diz respeito a esta operação acontecer em Congonhascom a pista molhada]. Em entrevista à Folha publicada em 22 de julho,Denise Abreu a�rmou que a norma era válida. Mas para eximir a Anacde responsabilidade, a�rmou que valeria apenas para antes da reformada pista [a norma a�nal já foi válida alguma vez, ou nunca foi?]. `Nomomento em que editamos essa regra [regra ou estudo interno?], a pistade Congonhas ainda não tinha sido reformada, e o índice de atrito estavabaixo', a�rmou. (261, grifo nosso, comentários nossos)

A desembargadora Cecília Marcondes, por sua vez, aceitou a versão da história sustentada

pela diretora da ANAC, Denise Abreu, e ampli�cada pela mídia em geral, de que a norma

�não estava em vigor�. Deste momento em diante, percebemos nas notícias analisadas que

a norma, ainda em questionamento, passou a ser chamada por `norma', entre aspas, em

uma possível referência à versão adotada pela mídia. Esta foi também a versão acatada

pela CPI. Concluímos que estava então consolidada a versão da história absolutamente

fundamentada nas palavras proferidas por Denise Abreu, diretora da ANAC, e pelos chefes

da TAM, Marco Aurélio Castro e Alex Frischmann, que con�rmaram que a IS-RBHA 121-

189 tanto não era uma norma válida, que nem sequer teriam tomado conhecimento dela.

Page 102: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

108 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

• 21.08.2007, às 09h38: �Fui enganada sobre Congonhas, diz juíza�.71

• 22.08.2007, às 19h05: �Desconhecimento sobre aviação acirra debate sobre norma

que não existe�.72:

• 22.08.2007, às 21h43: �Anac não explica entrega de norma sem validade à Justiça�:

�[...] Benefício à TAM � Para Vic Pires, a suspensão da validade da instrução da

Anac só bene�cia a TAM. `Na minha opinião, esse documento tinha validade. Passou

a não ter validade depois do acidente. Porque, se esse documento tem validade, não

vejo nenhuma companhia de seguro no mundo que possa pagar esse acidente aéreo,

porque a responsabilidade passa a ser somente da TAM', disse o deputado. [...]�

(262, grifo nosso)

• 23.08.2007, às 10h19: �Diretora da Anac nega que norma evitaria acidente com vôo

da TAM�.73

• 24.08.2007, pelo Ministério Público Federal: Ação Civil Pública Nº 2007.61.00.001691-

0:

[...] A Desembargadora destaca que a Diretora é muito contundentequando fala e fazia questão de estar presente em todas as vezes quea ANAC se manifestou pessoalmente, quando despachava as petições.Ressalta-se que toda a argumentação a �m de que fosse proferida decisãode �s. foram em cima do laudo de �s. 429, assim como a decisão pro-ferida pela Desembargadora literalmente indicava o referido documentocomo habilitado para a concessão do pedido. Perguntado à Desembarga-dora sobre o noticiado nos últimos dias, sobre o desconhecimento da Dra.Denise sobre este documento, ou um erro da informática em publicá-lo,a Desembargadora informa que a Diretora Denise tinha total conheci-mento do documento que estava sendo apresentado bem como de suavalidade. (Trecho da declaração prestada pela Desembargadora Federal,Dra. Cecília Marcondes ao Ministério Público Federal em 23 de agostode 2007.) (263)

• 24.08.2007, no jornal Folha de S. Paulo: �Falsa norma foi divulgada à imprensa pela

própria agência�.74

• 24.08.2007, às 08:48: �Dossiê mostra que empresas e Anac discutiram norma�:

71Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u321710.shtml>.72Disponível em: <http://www.anac.gov.br/imprensa/desconhecimento.asp>.73Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u322406.shtml>.74Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/�2408200710.htm>.

Page 103: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.3 Episódio III: a norma que não era norma 109

Documentos entregues ontem pela diretora da Agência Nacional de Avi-ação Civil (Anac), Denise Abreu, à CPI do Apagão Aéreo da Câmaracontradizem a versão apresentada por ela mesma de que a Instrução Su-plementar (IS) sem validade legal encaminhada à Justiça paulista paratentar liberar a pista principal de Congonhas era um `estudo interno'restrito aos técnicos da agência e que foi divulgado no site da Anac nainternet `por engano'. Cópias de e-mails e da ata75 de uma reuniãorealizada no dia 13 de dezembro do ano passado, no Rio, mostram queas empresas aéreas tiveram conhecimento da IS e foram convidadas adar sugestões para o documento, que deveria estabelecer normas parapouso em pista molhada. Denise repassou para técnicos da agência aresponsabilidade pela divulgação da IS, ao divulgar mensagens eletrôni-cas trocadas entre eles no dia 31 de janeiro, quando as normas entraramno site. Em um dos e-mails, o superintendente de Infra-Estrutura Aero-portuária, Luiz Kacumi Miyada, diz que a determinação da inserção nosite era de Denise. Diante de Miyada, presente à sessão da CPI, Denisedesmentiu a informação. Miyada não quis responder e disse que vai semanifestar somente na sindicância interna aberta na Anac. (264)

• 24.08.2007, 15h06: �Ata revela que Anac sabia de risco 7 meses antes do acidente

da TAM�:

A ata de uma reunião realizada pela Agência Nacional de Avião Ci-vil (Anac) mostra que as autoridades aeronáuticas e empresas aéreassabiam que a pista do Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de SãoPaulo, apresentava risco para o pouso de grandes aeronaves sob chuva.[...] A ata da reunião realizada no Rio de Janeiro [em 13.12.2006] entreas 10h e as 12h15 [...] De acordo com a ata, `a TAM mostrou preocu-pação quando foi citado pelo comandante Gilberto Schittini a de�niçãode pista contaminada e solicitou o fornecimento de informações corretaspara permitir o planejamento dos vôos.' [...] A Gol destacou que reduziuo payload de suas aeronaves para ter uma margem de segurança maior,considerando inclusive a situação de uma decolagem abortada. A mesmaempresa informou que determinou aos seus pilotos para que, em caso dedesconforto ou dúvidas deve prosseguir para o aeroporto de alternativa.(265, grifo nosso)

Das notícias acima o que se pode depreender é que em 13.12.2006 houve uma reunião no

Rio de Janeiro, nas dependências da Agência Nacional de Aviação Civil, da qual participa-

ram representantes de diversas empresas aéreas, em que foram discutidos os assuntos que

serviram de subsídio ao engenheiro Gilberto Schittini, funcionário da ANAC, para elabo-

rar a IS-RBHA 121-189. Portanto, duas questões distintas poderiam ser consideradas a

partir daí:

75ATA N. 06-RJ/SIE � GGCO/06.

Page 104: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

110 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

1. As empresas aéreas que operavam em Congonhas tinham a obrigatoriedade de cum-

prir a IS-RBHA 121-189?

2. A TAM tinha conhecimento do conteúdo da IS-RBHA 121-189?

Pelo que a Ata citada na notícia acima indica, tanto a TAM, quanto a Gol e a BRA,

não apenas tinham conhecimento de seu conteúdo, como colaboraram ativamente para

formulá-lo. Quando a notícia destaca que �a Gol [...] reduziu o payload de suas aeronaves

[...]�, �ca claro que as duas empresas, Gol e TAM, optaram por estratégias operacionais

diferentes: a primeira reduziu a margem de lucro nas operações realizadas em Congonhas,

para �ter uma margem de segurança maior�; a segunda, entretanto, optou por não reduzir

o payload das aeronaves dela, e não mudou a forma de operá-las em Congonhas. Isto leva

a um outro questionamento:

1. Teria a TAM optado por continuar operando em Congonhas sem efetuar qualquer

modi�cação na MEL após a publicação da IS-RBHA 121-189, a �m de não ter que

reduzir o payload das aeronaves dela?

2. Caso a resposta seja a�rmativa: o fato de haver um seguro de US$ 1,5 bilhão por

evento (acidente) disponível, in�uenciaria de alguma forma a decisão por não �ter

uma margem de segurança maior�, a �m de manter a rentabilidade das operações

realizadas em Congonhas no mesmo nível de antes?

• 24.08.2007, no jornal O Estado de S. Paulo: �MPF apura três crimes ligados ao uso

do documento�:

Os responsáveis na Anac pela norma `extra-o�cial' para pousos em pis-tas com chuva não devem escapar de um processo. Caso con�rmem queo documento não era válido, o Ministério Público Federal (MPF) podeacusá-los de falsidade ideológica pelo fato de ele ter sido incluído no pro-cesso em que o Tribunal Regional Federal da 3aRegião (TRF-3) analisavase mantinha aberto ou não o Aeroporto de Congonhas. Mas, segundo aprocuradora Thaméa Danelon Valiengo, se a Anac voltar atrás e disserque a norma era válida, dois outros crimes serão apurados. O primeiroserá o falso testemunho de Denise Abreu, diretora da agência, na CPIdo Apagão Aéreo. O outro é o crime de expor a perigo aviões, cuja penaem caso de acidente com morte é semelhante à de homicídios. (266)

• 27.08.2007, às 19h01: � `Não sabia da invalidade da norma', diz gerente da Anac�:

Page 105: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.3 Episódio III: a norma que não era norma 111

O gerente de Padrões de Avaliação de Aeronaves da Agência Nacionalde Aviação Civil (Anac), comandante Gilberto Schittini, disse que �-cou surpreso, há duas semanas, com a informação da ex-diretora DeniseAbreu de que a Instrução Suplementar RBHA 121-189 não estava emvigor. `A instrução foi para o site da Anac e eu achei que ela valia',revelou. [...] Ata de uma reunião da Anac com a Empresa Brasileirade Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) e as empresas aéreas, no dia13 de dezembro, mostra que Schittini alertou para os riscos de `ocor-rências mais graves' na pista principal do Aeroporto de Congonhas, emSão Paulo, `com ultrapassagem do �nal da pista (varar a pista)'. / Namesma reunião, o comandante comunicou às empresas que estava ela-borando uma Instrução Suplementar `relativa às operações com pistamolhada'. Cópia da ata foi distribuída aos deputados da CPI do ApagãoAéreo da Câmara pela própria Denise Abreu na quinta-feira passada. Ocomandante con�rmou que a IS foi elaborada com sugestões de compa-nhias aéreas, como revelam e-mails trocados entre ele e técnicos da Anace das empresas, entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano. `Asempresas são sempre consultadas, é natural. Esses documentos são feitosa quatro mãos', a�rmou. [...] (267)

• 28.08.2007, no jornal O Estado de S. Paulo: �Para técnico da Anac, norma que

evitaria tragédia estava valendo�:

Na CPI do Apagão da Câmara, quinta-feira, Denise insistiu que a ins-trução autorizava pousos com um único reverso inoperante. Schittinicontestou a versão: `Tem que ser feito com dois, três, quatro reversos,com quantos reversos a aeronave tiver.' [...] Para Denise, a norma querdizer máximo reverso `disponível'. Mas o termo não consta do texto. [...]`Agora, se quisessem mudar as regras, deveriam ter incluído no MEL. É anossa Bíblia dentro da cabine [ponderou um comandante].' [...] A TAMinformou que a `proposta jamais foi convertida em norma e, portanto,não foi encaminhada e muito menos imposta à empresa.' (268)

• 28.08.2007, às 16h24: �Norma sem validade in�uiu na decisão, diz desembargadora�:

�Segundo o senador Demóstenes Torres, ex-diretora da Anac `mentiu ou para a

Justiça ou para a CPI' [...] (269)

• 29.08.2007, no jornal O Estado de S. Paulo: �Norma sobre reverso não tinha validade,

a�rma coronel�:

O superintendente de Segurança Operacional da Anac, coronel-aviadorTarcísio dos Santos, a�rmou ontem que a Instrução Suplementar (IS)publicada no dia 31 de janeiro no site da agência, da maneira como es-tava redigida, não poderia ser considerada uma norma aeronáutica, pois

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112 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

faltava clareza em alguns pontos. O coronel disse não saber o motivopara a divulgação na internet. O o�cial informou que mesmo a ver-são preliminar admitia o pouso em pista molhada com um dos reversostravados. [...] O coronel desmentiu o gerente de Padrões de Avaliaçãode Aeronaves, comandante Gilberto Schittini, seu subordinado. [...] AAssessoria de Imprensa da ex-diretora da Anac Denise Abreu rebateuontem as declarações de Schittini. Em nota, a assessoria de Denise ar-gumentou que, para ser aprovada, a norma teria de receber o aval daSuperintendência de Segurança Operacional da Anac, o que não ocor-reu. Alega que se tratava de um documento preparatório do processo dereforma de Congonhas, não um estudo ou norma técnica. (270)

• 29.08.2007, no jornal O Estado de S. Paulo: �Juíza rea�rma crítica a Denise�:

A desembargadora Cecília Maria Piedra Marcondes, do Tribunal Regi-onal Federal da 3a Região, con�rmou ontem, à CPI do Apagão Aéreodo Senado, que a instrução normativa apresentada pela Anac in�uenciousua decisão de liberar a pista principal do Aeroporto de Congonhas. Anorma, que a agência a�rma não ter validade legal, tinha como objetivoderrubar a interdição da pista de Congonhas, determinada em fevereiropela Justiça Federal. Segundo a juíza, a então diretora da Anac DeniseAbreu e outros três representantes da agência estiveram em seu gabi-nete assegurando que a norma, além de válida, era mais rígida do queas existentes em outros países. `O mote da defesa era de que as normasestavam em vigência e eram normas mais rígidas que as internacionais',a�rmou Cecília. [...] Na semana passada, em depoimento à mesma CPI,o procurador da Anac, Roberto Gomes de Araújo, a�rmou que a normafora dividida ao meio e que apenas um pedaço dela (a que se referia aotamanho da pista e não ao trecho que tratava dos reversos) tinha vali-dade. Antes dele, Denise Abreu declarou que a norma se tratava de umestudo interno e que fora publicada no site da Anac por erro. (271)

Diante do cenário apresentado pelo leque de informações acima, �ca claro que a questão

relativa à validade da norma IS-RBHA 121-189 foi pautada tendo por base as falas de

diversas autoridades. Entretanto, diferentemente da cobertura relativa ao seguro de US$

1,5 bilhão, e à da �caixa-preta� de voz, sobre as quais tratamos anteriormente neste

capítulo, a cobertura sobre a norma IS-RBHA 121-189 foi, de longe, a que recebeu maior

atenção entre as três. O ponto que percebemos como crítico, ao longo desta pesquisa,

foi o fato de a cobertura ter se pautado, de forma geral, com maior peso para uma das

versões: aquela defendida pela então diretora da ANAC, Denise Abreu. O possível con�ito

de interesses que poderia prejudicar eventuais interesses por parte da empresa TAM, foi

deslocado de uma polêmica inicial, para a denúncia de que Denise Abreu teria mentido

para a desembargadora Cecília Marcondes. Finalmente, percebemos que também em

Page 107: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

2.3 Episódio III: a norma que não era norma 113

relação a este episódio do que �cou à sombra da mídia na cobertura do acidente do vôo

3054 da TAM, o único momento em que houve a menção ao risco de a indenização de

US$ 1,5 bilhão não ser paga, devido ao descumprimento de uma norma como a IS-RBHA

121-189, foi a fala do deputado Vic Pires, em 22.08.2007, segundo o qual:

[...] a suspensão da validade da instrução da Anac só bene�cia a TAM.`Na minha opinião, esse documento tinha validade. Passou a não tervalidade depois do acidente. Porque, se esse documento tem validade,não vejo nenhuma companhia de seguro no mundo que possa pagar esseacidente aéreo, porque a responsabilidade passa a ser somente da TAM',disse o deputado. [...] (262)

Essa perspectiva oferecida pela fala do deputado Vic Pires foi, pelo que a presente

pesquisa constatou, a única re�exão veiculada pela mídia sobre este eventual con�ito de

interesses. Faz sentido, desta forma, a análise da praxis do jornalismo informativo segundo

a perspectiva oferecida por Serva (2001) que se mostrou verdadeira também neste episódio.

Na Folha Online a última notícia que encontramos sobre esta questão da IS-RBHA

121-189 foi veiculada em 19.09.2007, às 12h53: �PSDB defende indiciamento de toda a

diretoria da Anac�, em que se consolidou a versão da história de que a IS-RBHA 121-189

era, de�nitivamente, falsa:

[...] No início do ano [de 2007], ela [a ex-diretora da ANAC, DeniseAbreu] encaminhou à juíza Cecília Marcondes, do Tribunal Regional Fe-deral da 3a Região, uma norma falsa de segurança aérea na tentativa deimpedir restrições ao uso do aeroporto de Congonhas (zona sul de SãoPaulo) � a instrução (IS-RBHA 121-189) proibia pouso em pista molhadacom um reversor inoperante. [...] (272)

Desta forma, a história passou a ser contada segundo a perspectiva de que a ANAC

seria dirigida por pessoas incopetentes, falsárias ou omissas; já a TAM teria sido vítima

desta incompetência, não apenas por não ter desobedecido qualquer norma, mas também

por sequer ter tomado conhecimento das recomendações de segurança que esta continha.

Finalmente, a ex-diretora da ANAC, Denise Abreu, encerrou sua carreira pública no

setor aéreo como tendo mentido ao poder Judiciário, mas tendo falado a verdade ao

poder Legislativo, ou seja: a IS-RBHA 121-189 de�nitivamente se tornou falsa, ainda que

porventura não fosse.

Page 108: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

114 2 O acidente da TAM à sombra da mídia

Page 109: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

115

3 Mídia e cultura

�Ninguém é mais escravo do que aqueleque se julga livre sem sê-lo.�

(Goethe)

A compreensão adequada sobre como se dão, nos dias atuais, as relações entre a

mídia, o mercado e o Estado, está diretamente relacionada à compreensão do modo como

surgiu e desenvolveu-se a visão de mundo impulsionada pelo Capitalismo atual. Este,

por sua vez, não deve ser reduzido à abordagem econômica, relacionada especialmente ao

modo de produção e ao �uxo de capital, ou apenas ao enfoque sociológico, que dá ênfase

às relações sociais. Pela abordagem da cultura, o Capitalismo é analisado como uma

visão de mundo mais profunda do que a compreendida pela economia e pela sociologia.

Neste contexto, a comunicação se torna uma estratégia que permite tanto in�uenciar

a construção dessa visão de mundo, como melhor perceber e compreender as camadas

profundas que a formam. Esta visão, que atualmente é in�uenciada principalmente por

paradigmas econômicos, já o foi por religiosos, e o olhar da cultura permite transitar por

entre processos que di�cilmente seriam percebidos, em sua complexidade, por qualquer

outro paradigma.

Assim como a história da humanidade é formada por uma sucessão de acontecimentos

que se entrelaçam e que desencadeiam efeitos muitas vezes imprevisíveis e incalculáveis,

também isso acontece com as formas de pensar e de compreender o mundo pelas quais

essa mesma humanidade é in�uenciada. A divisão desta história em eras, períodos, épo-

cas e escolas de pensamento é uma forma de tentar delimitar, temporal ou espacialmente,

o conjunto de in�uências que levaram ao desenvolvimento de uma visão de mundo com

características marcantes, que a diferencia de outras e, por isso, acaba por ser rotulada e

classi�cada segundo algum critério mais ou menos arbitrário. O olhar cultural exige que

tais divisões sejam compreendidas como um processo contínuo e profundo, em hipótese

alguma podendo ser reduzidos às indexações classi�catórias. Buscamos as raízes de al-

gumas escolas de pensamento que tiveram in�uência marcante sobre o contexto cultural

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116 3 Mídia e cultura

em que nos encontramos atualmente, com ênfase no Humanismo, no Renascimento, no

Iluminismo e no Liberalismo em sua versão globalizada, o Neoliberalismo.

Apesar das enormes contribuições que a economia e a sociologia podem oferecer, a

comunicação permite transitar por essas escolas em busca da compreensão de como as mes-

mas in�uenciaram (e foram in�uenciadas por) seus respectivos contextos culturais, com

um olhar mais profundo do que apenas o econômico ou o sociológico. Como procurare-

mos demonstrar ao longo deste capítulo, veremos que existe uma relação de reciprocidade

entre as idéias que são a linha mestra do contexto cultural, e a realidade física, material,

concreta em que as mesmas são formuladas, pois seus intelectuais tanto são in�uenciados

por esta realidade, quanto pelas idéias que se tornam aceitas e que dão as linhas gerais das

escolas de pensamento. Estas idéias, por sua vez, são fortemente in�uenciadas por estra-

tégias comunicativas que podem favorecer a manutenção e o desenvolvimento das mesmas,

e neste aspecto a comunicação novamente se torna fundamental, pois o controle destas

estratégias comunicativas possui forte in�uência sobre a capacidade de sobrevivência de

certas idéias em detrimento de outras.

No contexto cultural em que vivemos hoje, tanto as instituições que controlam a

difusão de informações, quanto as que controlam o sistema de educação, colaboram para a

construção da visão de mundo predominante que, como veremos, atualmente se encontra

numa versão neoliberal. A compreensão deste contexto a nível cultural deve levar em

consideração as estratégias comunicativas utilizadas para sua consolidação e reprodução.

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideolo-

gias

3.1.1 A primeira e a segunda realidade

Bystrina (1995) ao tratar de questões relativas à Semiótica da Cultura, por uma

perspectiva binária, divide o mundo em duas realidades: a primeira diz respeito ao mundo

material, físico, biológico e social; a segunda, ao mundo imaginário e cultural. Para

compreendermos melhor este aspecto, é importante a compreensão daquilo que o autor

classi�cou como sendo os três códigos da cultura. Por sua vez, é imprescendível que

tenhamos em mente o que ele entende por cultura.

O ser humano, ao contrário dos vegetais e das demais espécies animais, se caracteriza

por ocupar seu tempo com atividades que vão além da sobrevivência material; neste

Page 111: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideologias 117

sentido, �entendemos por cultura todo aquele conjunto de atividades que ultrapassa a mera

�nalidade de preservar a sobrevivência material. Ela é constituída de coisas aparentemente

supér�uas, inúteis.� (BYSTRINA, 1995, p. 5) Uma vez tendo bem de�nidas as diferenças

entre natureza e cultura, ou entre natura e cultura, como sendo universos com �nalidades

distintas, seguiremos pelo raciocínio do autor.

Todos os seres vivos são regulados por aquilo que Bystrina (1995, p. 5) classi�ca de

códigos primários, ou códigos hipolingüísticos, como sendo aqueles que �regulam toda in-

formação presente no organismo e, portanto, na vida biológica [, além de serem] su�cientes

para a transmissão de informações, mas não para a produção de signos.� A diferença entre

informação e signo é que este último, de acordo com a escola de Semiótica da Cultura

em que o autor se encontra, se restringe a �um objeto material que é produzido por um

produtor de signos [...], que seja recebido por um receptor, e interpretado por esse recep-

tor.� (BYSTRINA, 1995, p. 3, grifo nosso) Portanto, não basta o envio e a recepção da

informação para que essa passe a fazer sentido para o receptor; é necessário que o mesmo

seja capaz de interpretar a informação recebida, o que a torna algo mais complexo do

que uma simples informação produzida, transmitida e recebida, pois exige algum nível de

compreensão. �Os códigos primários � código genético e códigos metabólicos, por exemplo

� são portadores de informações que estão dentro do corpo. Os códigos primários não

processam signos, mas informações.� (BYSTRINA, 1995, p. 6) Tal caracterização é essen-

cial para compreendermos que os códigos primários ocorrem no universo do biológico,

independentemente da percepção pelos sentidos ou da compreensão pela mente humanos.

Os códigos secundários, ou códigos lingüísticos, ou códigos da linguagem, dizem res-

peito às �regras para composição dos textos�, como por exemplo �a gramática de uma

linguagem natural.� (BYSTRINA, 1995, p. 5) A diferença entre signos e textos é que estes

últimos �são complexos de signos com sentido� (BYSTRINA, 1995, p. 4, grifo nosso), ou

seja, os códigos secundários são produzidos, até onde sabemos, exclusivamente pelos ani-

mais sociais, e têm a função de organizar um conjunto de regras comunicativas que lhes

permitam a comunicação mais e�ciente.

Os códigos terciários, ou códigos hiperlingüísticos, ou códigos culturais, são aqueles

que permitem a construção do que Bystrina (1995, p. 5-6) chamou de �textos da cultura�,

os quais são �a questão cardinal da Semiótica da Cultura.� Segundo o autor, �a estrutura

dos códigos terciários se baseia em experiências, mas também em hipóteses [, além do

que sua] estrutura básica [...] é, em geral, binária ou dual. Esta concepção fundamenta-

se na troca, no intercâmbio que acontece no mundo material.� (BYSTRINA, 1995, p. 7)

Page 112: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

118 3 Mídia e cultura

Assim, podemos compreender que os códigos culturais exigem a capacidade de memória

e de cognição que, pelo que sabemos, é uma característica exclusiva da espécie humana,

e é por isso que quando se fala em cultura, está necessariamente se falando em cultura

humana.

Desta forma, aquilo que é transmitido de geração para geração, seja como crenças,

valores, hipóteses, teses, convicções, verdades ou consensos, seja por meio da religião, da

arte ou da ciência, é aquilo que forma a cultura. Não é possível, portanto, descontex-

tualizar a cultura daquilo em que ela se fundamenta, se desejarmos ter uma compreensão

correta de qualquer fenômeno, processo ou �objeto� que se passe no campo das relações

humanas. É por isso que esta pesquisa procurará identi�car os códigos culturais que,

ao longo da história recente, levaram à construção de uma estratégia comunicativa que

culminou com a visão de mundo atual, em que a trinca de poder formada por mídia,

mercado e Estado foi ampliada e aprofundada em escala global.

A realidade humana pode ser, a partir do raciocínio acima, divida em duas: a primeira

realidade, que se baseia na observação do mundo físico; e a segunda realidade, que de-

veria ser baseada na obsevação do mundo imaginário, exclusivamente humano, portanto.

�A estrutura básica dos códigos terciários é, em geral, binária ou dual. Esta concepção

fundamenta-se na troca, no intercâmbio que acontece no mundo material. Baseia-se, por-

tanto, na obsevação do mundo físico, a primeira realidade.� (BYSTRINA, 1995, p. 7) Além

disso, �as estruturas binárias funcionam como diretrizes, indicações, instruções para a

ação. Isso pode ser atingido no mundo físico com foças físicas [...] e por meio de com-

portamentos `irracionais', onde opera uma segunda realidade, a realidade imaginária [...]�

(BYSTRINA, 1995, p. 8) A distinção entre mundo físico e mundo imaginário é importante

para compreendermos o mecanismo de inversão realizado pela ideologia, e por meio do

qual a realidade física e material passa a ser extrapolada para o mundo imaginário, das

idéias. Também no que diz respeito à divisão da realidade em uma física, material, natu-

ral, concreta e objetiva; e outra imaginária, cultural, abstrata e subjetiva; tal separação

não deve ser tomada como absoluta, como se as duas realidades pudessem ser consideradas

absolutamente estanques e independentes. A proposta de Bystrina de dividir a realidade

em duas, serve como uma forma de distingüir os processos que ocorrem no universo natu-

ral, independentemente da existência humana, e daqueles que se desenvolvem no universo

cultural, no qual o ser humano é protagonista. Em ambos, de qualquer forma, existe uma

relação de reciprocidade, pois as ações humanas têm in�uência sobre a natureza e esta,

por sua vez, também in�uencia a cultura humana já desde suas raízes, quando surgiram as

primeiras mitologias, que buscavam explicações sobrenaturais para explicar os fenômenos

Page 113: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideologias 119

naturais. A relação existente entre o desenvolvimento da cultura e a busca pela compre-

ensão do mundo característica do ser humano, tem vínculos profundos com a questão da

compreensão de fenômenos associados ao sobrenatural ou ao natural. Chaui (1984, p. 21)

esclarece sobre isso que:

Além de procurar �xar seu modo de sociabilidade através de instituiçõesdeterminadas, os homens produzem idéias ou representações pelas quaisprocuram explicar e compreender sua própria vida individual, social,suas relações com a natureza e com o sobrenatural. Essas idéias ourepresentações, no entanto, tenderão a esconder dos homens o modo realcomo suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociaisde exploração econômica e de dominação política. Esse ocultamentoda realidade social chama-se ideologia. Por seu intermédio, os homenslegitimam as condições sociais de exploração e de dominação, fazendocom que pareçam verdadeiras e justas. En�m, também é um aspectofundamental da existência histórica dos homens a ação pela qual podemou reproduzir as relações sociais existentes, ou transformá-las, seja demaneira radical (quando fazem uma revolução), seja de maneira parcial(quando fazem reformas).

Diferentemente das mitologias, as ideologias buscam explicar fenômenos culturais com

base em fenômenos naturais, segundo a concepção de ideologia que faz �referência não so-

mente a sistemas de crença, mas a questões de poder [, ou seja,] tem a ver com legitimar

o poder de uma classe ou grupo social dominante.� (EAGLETON, 1997, p. 18-19, grifo

do autor) A ideologia é um processo que ocorre no contexto cultural, mas este não pode

ser reduzido àquela. Na busca pela compreensão da realidade existem pelo menos quatro

processos distintos, dois dos quais necessariamente acabam levando a conclusões equivo-

cadas. Buscar explicações relativas à primeira realidade na própria natureza, está tão

correto quanto buscar explicações relativas à segunda realidade na própria cultura. Por

outro lado, buscar explicações relativas à primeira realidade na cultura � como fazem

as mitologias �, pode levar a tantas conclusões equivocadas quanto buscar explicações

relativas à segunda realidade na natureza � como muitas das escolas de comunicação,

sociologia, administração e economia acabam fazendo, ao importar métodos cientí�cos

adequados à compreensão da primeira realidade, para analisar fenômenos culturais, so-

ciais e econômicos. A ideologia segue neste mesmo sentido, pois inverte as duas realidades,

de modo que numa suposta busca pela compreensão da segunda realidade, o que acaba

produzindo é um conjunto de justi�cativas inspiradas em fenômenos naturais. Assim, a

ideologia importa para o contexto cultural fenômenos físicos e biológicos que acontecem

na natureza, de modo que, em última instância, esta acaba servindo para que as idéias

que o ideólogo defende sejam, por analogia, justi�cadas como verdadeiras. O controle

do mundo imaginário favorece a manutenção de estruturas de riqueza e poder existentes

Page 114: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

120 3 Mídia e cultura

no mundo material, e neste sentido as instituições de ensino e os meios de comunicação

têm um papel central, enquanto retransmissores de uma visão de mundo que privilegie

alguns aspectos da realidade em detrimento de outros, ainda que o modus operandi e a

dimensão espaço-temporal em que as escolas e a mídia operam seja diferente: as técnicas

utilizadas e o ritmo não são os mesmos. Chaui (1984, p. 25) esclarece que �o ideólogo é

aquele que inverte as relações entre as idéias e o real [, de forma que] passa a designar,

daí por diante, um sistema de idéias condenadas a desconhecer sua relação real com o

real.� Uma das estratégias de legitimação ideológica, segundo Eagleton (1997, p. 19, grifo

do autor), é realizada �naturalizando e universalizando [...] crenças [compatíveis com o

poder dominante] de modo a torná-las óbvias e aparentemente inevitáveis.�

Bystrina (1995, p. 13-14), por sua vez, explica a origem da segunda realidade como

um fenômeno que ocorreu na dimensão psíquica, aproximadamente no limiar de quando

nossos antepassados ainda disputavam o controle do mundo com a natureza, numa luta

constante pela sobrevivência física, até que quando �nalmente passaram a garantir a vida

física, passaram a so�sticar as relações psicosociais nas tribos:

O espaço da cultura é o campo da sobrevivência psíquica, mas isso nãoquer dizer que a estrutura psíquica necessariamente interfere no físico.Ao desenvolver seu biótipo, o homem solucionou de�ciências: tomoupostura vertical, liberou o uso das mãos, etc. Por outro lado, passou ater um medo existencial, algo que não conhecia quando vivia protegidopela �oresta. A migração para as savanas trouxe, portanto, a necessidadede solucionar o medo através de suas próprias capacidades psíquicas deengendrar soluções. Aí o homem cria a segunda realidade, como umacura para o mal existencial. A segunda realidade foi, portanto, umainvenção tardia, construída após o nascimento da linguagem. Os animaistêm suas linguagens, mas não possuem cultura.A segunda realidade é, pois, nitidamente um fenômeno psíquico. Não sepode entrar em comunicação com esse nível de realidade sem o suportefísico da produção de signos. Sem o aparelho fonador, sem as mãos, nãoé possível criar segundas realidades. [...]

O desenvolvimento dessa segunda realidade, uma característica intrinsicamente hu-

mana, acabou se tornando a camada intermediária entre o mundo físico, objetivo, que

existe independentemente da nossa existência ou compreensão, e o mundo imaginário,

subjetivo, cuja existência depende da capacidade de abstração humana, de inventar expli-

cações que façam sentido sobre o funcionamento da natureza e da própria cultura. Com

o desenvolvimento da vida em sociedade e das relações de poder daí surgidas, houve a

necessidade de dar sentido a estas relações, de legitimá-las e de torná-las aceitas por to-

dos os indivíduos envolvidos. Ao longo destre processo surgiram desde as mais primitivas

mitologias, até as mais so�sticadas ideologias, como tentativas de explicação da condi-

Page 115: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideologias 121

ção humana inspiradas em fenômenos da própria natureza, tanto física quanto biológica.

Desta forma, �a cultura surge como uma segunda realidade já inscrita na primeira (física).

Surge de forma operativa para resolver impasses e problemas incontornáveis decorrentes

da natureza do mundo físico.� (BYSTRINA, 1995, p. 19) É nesse contexto que a mitolo-

gia surge como um recurso criado pelo ser humano para explicar a realidade física; e a

ideologia, a social.

Assim como a ideologia in�uencia e é in�uenciada pelo contexto cultural, também

o poder possui essa relação. Poder e ideologia estão, no que diz respeito às relações de

dominação que acontecem nesse contexto, intrinsicamente ligados, uma vez que a ideologia

contribui na consolidação dos �textos da cultura� a que se refere Bystrina e, portanto, na

consolidação de relações de poder. A relação entre ideologia e poder foi citada também

por Althusser, em seu artigo Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, e que segundo

Mattelart e Mattelart (2004, p. 95-96):

[...] repercute profundamente sobre a teoria crítica da comunicação [...].Nele, Althusser contrapõe os instrumentos repressivos do Estado (exér-cito, polícia), que exercem coerção direta, aos aparelhos que cumpremfunções ideológicas e aos quais denomina `aparelhos ideológicos de Es-tado' (AIE). Esses aparelhos signi�cantes (escola, Igreja, mídia, família,etc.) têm por função assegurar, garantir e perpetuar o monopólio daviolência simbólica, que se exerce sob o manto de uma legitimidade pre-tensamente natural. Por seu intermédio age concretamente a dominaçãoideológica, ou seja, a maneira pela qual uma classe no poder [...] exercesua in�uência sobre as outras classes [...]

As relações existentes entre a consolidação de uma determinada ideologia, por parte

do grupo social que desta consolidação se bene�cia, e o controle das estruturas de poder

existentes em um determinado contexto cultural, são questões relevantes que devem ser

consideradas ao analisar-se as estratégias comunicativas que se desenvolvem nesses con-

textos. Tais estratégias podem ser utilizadas como importantes ferramentas tanto para a

manipulação dos contextos culturais para uma direção ou outra, como para a compreensão

do que está por trás destes movimentos.

Faria (1985, p. 15) em uma análise sobre a questão do poder, diz que o mesmo

�refere-se à capacidade de uma classe [...] de de�nir e realizar seus interesses objetivos

especí�cos, mesmo contra a resistência que possa existir contra o exercício desta capaci-

dade [...]�. Neste sentido, para que um determinado grupo social, chamado pelo autor de

classe, seja capaz tanto de manter-se no poder, quanto de manter o �uxo e a estrutura

de poder como um todo, diz que �o poder somente será contínuo e importante se resultar

do acesso da classe [...] social ao comando das principais estruturas objetivas (econômica,

Page 116: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

122 3 Mídia e cultura

jurídico-política e ideológica) da sociedade, de maneira a pôr em prática os seus interesses

relativamente autônomos.� Podemos compreender desta de�nição que as três estruturas

objetivas dizem respeito, respectivamente, àquilo que ao longo deste trabalho chamaremos

de mercado, Estado e mídia. Devemos ter em mente, de qualquer forma, que pelo olhar

da cultura, as relações não devem ser reduzidas a estruturas rígidas, a �uxos delimitados,

ou a sistemas com fronteiras bem de�nidas, mas sim por uma perspectiva processual, que

considera as raízes culturais que levaram ao desenvolvimento de tal ou qual contexto.

Existem diversas estratégias utilizadas para in�uenciar um contexto cultural. A coer-

ção é uma delas, mas possui um custo muito alto devido à sua fácil percepção por parte

daqueles que são coagidos, à rejeição inerente a esta estratégia, e à visualização relati-

vamente clara de suas fontes de origem. A comunicação, quando utilizada como uma

estratégia para a manutenção do poder, acaba sendo um recurso muito mais barato do

que a coerção, seja em profundidade, seja em amplitude. O custo para manter a ordem

social tendo por base o uso de forças armadas e policiais, por exemplo, é muito maior do

que a utilização de ferramentas com alto poder de irradiação ideológica, como as religiões,

as escolas e os meios de comunicação. Além disso, as estruturas de poder que se utilizam

de estratégias comunicativas e�cientes, se bene�ciam com a pulverização do poder, que

se torna invisível e, portanto, não pode ser destituído pelos métodos convencionais de

ataque, como as revoluções armadas.

A cooptação do imaginário é, portanto, mais barata e e�ciente, porquanto tem maior

poder de profundidade e de amplitude, do que a subjugação pela força física e, neste

sentido, o controle das estratégias que operam sobre a segunda realidade � a imaginação �

são muito mais poderosas do que aquelas que operam sobre a primeira realidade � a física

e material. É neste sentido que o Estado foi concebido como o detentor do monopólio da

violência física, e os �aparelhos ideológicos de Estado�, da violência simbólica, ainda que

tais �aparelhos ideológicos� não sejam necessariamente monopólio do Estado. O controle

simultâneo do Estado e destes �aparelhos ideológicos� proporciona a seus controladores

um poder de difícil resistência, e no contexto cultural atual, tal controle parece estar nas

mãos do mercado. Estando o poder pulverizado, não há um papa, um rei, um senhor

feudal, um déspota ou um ditador que possa ser identi�cado como a fonte de poder.

Desta forma, para identi�car-se as estratégias comunicativas do poder, são necessárias

abordagens muito mais sagazes, que necessitam de análises profundas sobre as camadas

culturais que formam o contexto em questão, o que apenas parcialmente é proporcionado

por ciências como a economia e a sociologia, e que pelo olhar da comunicação e da cultura

pode ser melhor compreendido tanto em amplitude, quanto em profunidade.

Page 117: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideologias 123

Como veremos em 4.1.2, alguns dos pesquisadores da Escola de Chicago buscaram

descobrir, por meio de técnicas empíricas, como os meios de comunicação podem funcionar

para a consolidação de interesses pré-determinados. Um desses pesquisadores foi Harold

D. Lasswell que, logo após o �nal da I Guerra Mundial, publicou a obra Técnicas de

Propaganda na Guerra Mundial :

Os meios de difusão surgiram como instrumentos indispensáveis para a`gestão governamental das opiniões', tanto de populações aliadas comode inimigas, e, de maneira mais geral, partindo das técnicas de comu-nicação, do telégrafo e do telefone para o cinema, passando pela radio-comunicação, deram um salto considerável. Para Lasswell, propagandarima, daí por diante, com democracia. A propaganda constitui o únicomeio de suscitar a adesão das massas; além disso, é mais econômica quea violência, a corrupção e outras técnicas de governo desse gênero. Meroinstrumento, não é nem mais moral nem mais imoral que `a manivela dabomba d'água'. Pode ser utilizada tanto para bons como para maus �ns.(MATTELART; MATTELART, 2004, p. 37, grifo nosso)

Essa visão instrumental permanece nos estudos promovidos pela Escola de Chicago.

Desta obra de Lasswell, quando a gestão das opiniões não fosse mais uma questão gover-

namental, os agentes do mercado teriam muito proveito a tirar. Assim, com a utilização

adequada de técnicas, táticas e estratégias para in�uenciar, ocupar, cooptar ou corromper

estruturas como o Estado e os �aparelhos ideológicos�, torna-se possível deter o poder so-

bre uma determinada sociedade, ou uma cultura. �Convém observar [...] que a cooptação,

os acordos, a negociação e outras formas de entendimento e de assunção de compromis-

sos não implicam uma ausência, senão aparente, de relações de poder, pois são apenas

anteparos ao seu efetivo exercício.� (FARIA, 1985, p. 16)

Num contexto em que as principais relações de poder não são orientadas segundo

critérios vindos especi�camente de religiões, ou de partidos políticos totalitários, mas sim

por interesses mercadológicos, temos que o Estado não é teocrático ou totalitário no sen-

tido estrito dos termos, mas sim liberal, no sentido capitalista das relações culturais e

econômicas. É neste sentido que a irradiação ideológica se torna uma força poderosa para

a manutenção do poder, pois temos que, �via de regra, o exercício do poder encontra-se

sempre assegurado, em última instância, pela coerção, a qual, sendo uma base muito one-

rosa, apresenta-se como recurso �nal na realização de interesses.� (FARIA, 1985, p. 16)

Cabe à estrutura ideológica a função de prevenir o acionamento dos instrumentos coerciti-

vos, ainda que estejam legalmente amparados e legitimados pela estrutura jurídico-política

que, assim como as mitologias e ideologias, também foi construída no universo da segunda

realidade, da cultura.

Page 118: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

124 3 Mídia e cultura

[...] os detentores do poder, no intuito de perpetuar a estrutura de do-minação, procurarão formas e instrumentos de legitimá-la, surgindo aí afunção característica da ideologia. Assim, como apenas a autoridade nãogarante o domínio e como apenas a coerção não garante a manutençãoda estrutura pela violência que pode gerar, os donos do poder temperamambas as bases e garantem a reprodução das relações. (FARIA, 1985,p. 23)

A seguir serão analisadas as raízes de algumas idéias que in�uenciaram signi�cativa-

mente o atual contexto cultural. Tais idéias possuem certas ligações entre si que, devido

entre outros fatores à conjuntura da época em que foram formuladas, e à utilização de

estratégias comunicativas adequadas, não apenas foram consolidadas como foram am-

plamente difundidas. A análise dessas idéias, devidamente contextualizadas, é uma das

contribuições que uma pesquisa em comunicação pode proporcionar. Por uma questão

metodológica, o texto abaixo está organizado segundo uma certa cronologia, mas que

não deve ser tomada como uma linha do tempo histórica, uma vez que as idéias de que

trata não foram geradas espontaneamente, mas foram ampli�cadas devido a arranjos,

contextos, interligações, revoluções e desdobramentos que não podem ser quanti�cados

ou linearizados. Procuraremos mostrar as ligações que tais idéias tiveram entre si, bem

como as estratégias comunicativas que �zeram com que as mesmas in�uenciassem a cul-

tura de suas respectivas épocas, bem como os desdobramentos que as mantiveram vivas

ao longo do tempo e que in�uenciam a cultura atual. A contextualização histórica dessas

principais idéias serve aqui, portanto, para melhor apresentá-las.

3.1.2 A cultura da ciência

As escolas de pensamento apresentadas abaixo são analisadas enquanto contextos

culturais. Apesar de fortes in�uências econômicas e sociais nas mesmas, o olhar que nos

interessa aqui é o da comunicação, uma vez que não é intenção desta pesquisa analisar o

contexto cultural reduzindo-o a um objeto da economia ou da sociologia, mas sim levando-

se em conta a profundidade cultural do status quo atual. Portanto, procuraremos escavar

os contextos culturais abaixo pelo olhar da comunicação.

A tradição empirista foi iniciada na Grécia clássica, por Epicuro e Lucrécio, mas foi

Aristóteles quem o mesclou com o racionalismo de Platão. �[...] Aristóteles considera que

todo conhecimento provém da experiência sensorial ou das sensações, porém, como os

racionalistas, julga que o conhecimento verdadeiro só é obtido pela razão, que ultrapassa

as imagens e, por meio das idéias, alcança a essência verdadeira das coisas.� (CHAUI, 2006,

p. 85-86) Tal noção é importante para dar melhor fundamento aos parágrafos seguintes,

Page 119: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideologias 125

uma vez que o empirismo é um dos mais importantes pontos de conexão entre as diversas

escolas de pensamento sobre as quais comentaremos a seguir, além do que quando aplicado

à análise de processos que ocorrem na segunda realidade, gera �o obscurecimento e a

`naturalização' da realidade social, bem como a resolução ilusória das contradições reais�

(EAGLETON, 1997, p. 20), da mesma forma que o faz a ideologia.

Na Inglaterra, durante o século XIII, o franciscano Rogério Bacon (1214 a 1294)

defendia que a razão e a autoridade eram, em conjunto com a experiência, as fontes de

saber possíveis, mas que as duas primeiras não seriam su�cientes para atingir-se a verdade,

e que o único caminho para encontrá-la seria por meio da observação e da experimentação.

Suas idéias foram fundadoras daquela que �cou conhecida como a Escola Empírica1, cujas

tendências empiristas, experimentais, práticas e positivas tiveram grande in�uência sobre

a Universidade de Oxford, onde lecionou por alguns anos. (BECKER, 1978, p. 294-297)

Enquanto isso, na Europa continental, se desenvolveu a escola de pensamento conhe-

cida como Humanismo, a partir do século XIII, especialmente na Itália, e se caracterizou

principalmente pelo redescobrimento e estudo dos autores da antigüidade clássica. Al-

gumas das características mais marcantes do Humanismo são, como o nome sugere, a

ausência de preocupações extraterrenas, a maior propensão à busca da felicidade humana

e também a �reverente admiração pela cultura dos antigos, que servem de modelos para to-

das as atividades humanas, não só literárias e artísticas, como também políticas e sociais.�

(BECKER, 1978, p. 316)

É importante notar-se que o Humanismo �oresceu numa Europa dominada por reis

absolutistas, em pleno feudalismo, cuja sociedade era divida basicamente em Alto Clero

e Nobreza, de um lado, e Baixo Clero e Servos, de outro; os primeiros economicamente

privilegiados, em comparação aos últimos, que viviam com mais simplicidade e sem a so�s-

ticação da aristocracia. �Além dos castelos e aldeias rurais, com sua população de nobres

e camponeses, existiram, na Europa Ocidental, as cidades ou burgos (`cidades forti�ca-

das'), cujos habitantes, chamados burgueses, deram origem a uma nova e importantíssima

classe social: a burguesia.� (BECKER, 1978, p. 274, grifo do autor) Com o aparecimento

das cidades e dos burgueses surgiu o �ideal moderno de riqueza e conforto material. Até

então, achava-se que o homem só podia aspirar a ser um herói ou um santo. O castelo e o

mosteiro simbolizavam, pois, esses supremos ideais. Mas a cidade fez-se símbolo de uma

nova concepção de vida, oposta às outras duas � e, sobretudo, tornou-se rival e inimiga

do castelo�. (BECKER, 1978, p. 280)

1Empirismo, do grego empeiría: experiência sensorial, sensações.

Page 120: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

126 3 Mídia e cultura

Os ideais humanistas romperam com a concepção de mundo sustentada durante a

Idade Média, em que a �preocupação pela vida de além-túmulo� estava presente em toda

parte. Com essa nova forma de pensar, os humanistas criaram um ambiente fértil para o

desenvolvimento de outra escola de pensamento, desta vez com rami�cações em diversas

áreas do conhecimento: o Renascimento.

O período correspondente ao Renascimento, que começou nos �ns da Idade Média e

transcorreu aproximadamente entre os séculos XV e XVI por toda a Europa, teve um

grande desenvolvimento do comércio, o que gerou um clima de prosperidade econômica e

a intensa troca de culturas (ARRUDA, 1982, p. 29), que certamente foi uma importante

estratégia comunicativa que permitiu a difusão das idéias renascentistas. Se os humanis-

tas foram fortemente in�uenciados basicamente pelos gregos, nesse período também as

culturas árabe e bizantina tiveram in�uência na européia. Além disso, o feudalismo aos

poucos estava sendo enfraquecido, principalmente devido ao comércio e às Cruzadas, que

�enriqueceram as cidades italianas e aumentaram o poderio e as ambições intelectuais da

burguesia.� (BECKER, 1978, p. 317)

No Renascimento o desenvolvimento da cultura, da �loso�a, das artes e da técnica

foi intenso, mas daremos foco aos aspectos cultural e cientí�co apenas, devido à forte

convergência entre ambos a partir desse período. O principal destaque da literatura

política nessa época foi o italiano Nicolau Maquiavel (1469 a 1527), cuja obra O Príncipe

pode ser considerado um tratado de política e de governo para déspotas absolutistas,

ou por uma ótica inversa, pode ser compreendido como um livro que desvela o modus

operandi dos reis absolutistas, que segundo Maquiavel baseiam seus governos com base

no princípio de que �os �ns justi�cam os meios� (BECKER, 1978, p. 321), e que acabou por

estabelecer �as bases para a organização política do Estado moderno.� (ARRUDA, 1982,

p. 32)

O Renascimento teve como uma de suas características mais marcantes �o seu profundo

racionalismo, isto é, a convicção de que tudo pode ser explicado pela razão do homem e

pela ciência, a recusa de acreditar em qualquer coisa que não tenha sido provada�. Alguns

exemplos desse racionalismo são �os métodos experimentais, a observação cientí�ca, o

desenvolvimento da contabilidade [e] a organização política racional, que começaram no

Renascimento [...].� (ARRUDA, 1982, p. 31, grifo do autor) Daí vem a importância de

destacarmos a lógica central do pensamento renascentista, uma vez que esta terá in�uência

fundamental no Iluminismo.

Page 121: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideologias 127

Mais adiante, quando tratarmos da ideologia neoliberal, veremos que a crença de que

tudo pode ser racionalizado leva à possibilidade de que se pratique exatamente aquilo

que se procurou evitar: a irracionalidade, uma vez que nem tudo o que diz respeito à

realidade social humana pode ser provado de forma racional, experimental ou empírica,

como alguns valores éticos criados pela cultura humana que não dizem qualquer respeito

a experiências empíricas racionais, por exemplo. Aquilo que se entende hoje por �leis do

mercado� são, na verdade, a aplicação de �leis da natureza� na realidade humana; ambas,

de qualquer forma, são irracionais, mas na natureza propriamente dita tal organização

mostrou-se adequada, o que aparentemente não tem acontecido quando tenta-se aplicar

forçosamente as leis da natureza no ambiente humano, sob uma crença de que também

neste a auto-regulação se dará e�cientemente.

Abaixo seguem as contribuições de alguns autores cuja obra teve in�uência signi�ca-

tiva no aspecto cientí�co do Renascimento, naquilo que �cou conhecido como a Revolução

Cientí�ca e que, provavelmente devido às descobertas que desmontaram séculos de crenças

impostas pela Igreja, marcaram profundamente os intelectuais que vieram depois dele. O

foco de análise que escolhemos diz respeito às descobertas e teorias formuladas em torno

do modus operandi da natureza, ou seja, da primeira realidade, que foi o universo de atua-

ção da Revolução Cientí�ca. Esta compreensão se torna fundamental para que se possa

diferenciar estudos cientí�cos realizados na física e na biologia � primeira realidade �, de

outros que deles se desdobrarão sobre o funcionamento da sociedade humana � segunda

realidade.

Leonardo da Vinci (Itália, 1452 a 1519), além de grande artista, deu enormes contri-

buições para a matemática, astronomia, engenharia, arquitetura, física, música e

botânica. Para ele �a observação e a experimentação constituíam o único método

verdadeiro da ciência.� (BECKER, 1978, p. 348, grifo nosso)

Nicolau Copérnico (Polônia, 1473 a 1543), que desenvolveu a teoria heliocêntrica, ou

seja, de que é a Terra quem gira em torno do Sol, e não o contrário (ARRUDA, 1982,

p. 33);

Francis Bacon (Inglaterra, 1561 a 1626) foi um dos criadores do método experimental,

segundo o qual a correta compreensão da natureza só seria possível através de sua

observação direta, que levaria à obtenção de dados concretos por meio dos quais,

�nalmente, seria possível descobrir-se �as leis que regem o mundo�. A partir desse

raciocínio, Bacon desenvolveu um método cientí�co completamente baseado na in-

dução, o método indutivo, do qual foi adepto fervoroso e que �reputava essencial � e

Page 122: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

128 3 Mídia e cultura

insubstituível � para o conhecimento exato da verdade.� Ainda segundo ele, �a au-

toridade, a tradição e a lógica silogística devem ser cuidadosamente evitadas como

uma praga.�(BECKER, 1978, p. 322, grifo nosso)

Galileu Galilei (Itália, 1564 a 1642), que �foi o mais importante cientista do Renasci-

mento, sendo considerado o fundador da Física moderna�, desenvolveu o método

cientí�co por meio da perspectiva empírica, segundo a qual apenas aquilo que pode

ser experimentado pelos sentidos pode ser verdadeiro (ARRUDA, 1982, p. 33);

René Descartes (França, 1596 a 1650), que desenvolveu aquilo que �cou conhecido

como o Método Cartesiano, ou Ceticismo Metodológico, estabelece um novo racio-

nalismo segundo o qual só pode ser aceito como verdadeiro aquilo que pode ser

provado através de evidências, sendo considerado o instrumento matemático da de-

dução pura. Além disso, em sua obra Discurso sobre o Método, expõe aquelas que

seriam as quatro tarefas básicas para um método que buscasse a verdade: (1) veri-

�car a existência de evidências verdadeiras e irrefutáveis sobre o objeto estudado;

(2) dividir o objeto até o nível do indivisível (átomo), de forma que seja possível a

análise de cada uma das partes que o constituem separadamente; (3) sintetizar os

resultados obtidos, que devem ser reagrupados de modo a formar um todo verda-

deiro; e (4) enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, de forma a manter

o pensamento em ordem e garantir um todo ordenado. �Descartes é um dos introdu-

tores da concepção de um universo mecanicista.� (BECKER, 1978, p. 349-350, grifo

nosso)

Isaac Newton (Inglaterra, 1642 a 1727), que foi o pai da Mecânica Clássica e formulou,

entre outras, três leis que descrevem o comportamento dos corpos em movimento,

conhecidas como as três Leis de Newton. Além disso, �apresentou o programa da

chamada interpretação mecanicista de todos os fenômenos físicos, ponto de vista esse

que dominou a Física até o começo do século [XX]� (BECKER, 1978, p. 349, grifo

do autor). Como veremos adiante, essa interpretação mecanicista não só dominou

a Física, como também teve forte in�uência sobre muitos dos estudos nas chamadas

Ciências Sociais.

Na �loso�a, dois autores contemporâneos ao Renascimento merecem destaque:

Thomas Hobbes (Inglaterra, 1588 a 1679), que foi mais um dos �grandes racionalistas

do século XVII [e] era, também, mecanicista.� (BECKER, 1978, p. 352, grifo nosso)

Page 123: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideologias 129

Baruch Spinoza (Holanda, 1632 a 1677), que também �incorpora o racionalismo e o

mecanicismo de Descartes.� (BECKER, 1978, p. 352, grifo nosso)

O empirismo foi uma importante revolução intelectual, pois rompeu com a tradição im-

posta pela Igreja Católica de que a verdade deveria estar submetida à autoridade eclesial.

Nas áreas do conhecimento onde a Revolução Cientí�ca teve forte desenvolvimento, como

a Matemática e a Física, o empirismo certamente se mostrou um método adequado para

se chegar à verdade. O método cientí�co e as Leis de Newton, que foram formuladas e

mostraram-se adequadas em estudos relativos às ciências da natureza, ao serem prolon-

gados a outras áreas do conhecimento como as ciências humanas e sociais, tiveram forte

in�uência na consolidação dos universais iluministas de Liberdade, Igualdade e Frater-

nidade. Estes, por sua vez, nada tinham a ver com valores relativos à natureza, mas

sim aos seres humanos, e é nesta extrapolação da natura para a cultura, como se entre

estas duas realidades existisse necessariamente um mesmo modus operandi, que surge um

grande con�ito metodológico e epistemológico que se arrastará pelas ciências humanas e

sociais até os dias atuais.

In�uenciados pelas idéias �losó�cas humanistas e renascentistas e pelas idéias cien-

tí�cas desenvolvidas principalmente em torno da matemática, da astronomia e da física,

desenvolvidas pelos autores mencionados acima, �os escritores franceses do século XVIII

provocaram uma verdadeira revolução intelectual na história do pensamento moderno.

Suas idéias caracterizavam-se pela importância que davam à razão: rejeitavam as tradi-

ções e procuravam uma explicação racional para todas as coisas.� Os iluministas podem

ser divididos basicamente em dois tipos de autores: os �lósofos e os economistas. Ambos

�procuravam novos meios para dar a felicidade aos homens.� Um dos pontos que merece

importante destaque é o fato de que �a �loso�a iluminista voltou-se para o estudo da

natureza e da sociedade�. (ARRUDA, 1982, p. 137, grifo nosso)

As leis da natureza, minuciosamente estudadas pelos cientistas renascentistas, sobre as

quais foram desenvolvidos os métodos cientí�co, empírico e indutivo, deveriam também,

poder ser aplicadas às leis que regem a sociedade humana, acreditavam os iluministas.

Esta foi uma importante fronteira do pensamento humano a ser rompida, quando a com-

preensão de fenômenos típicos da realidade natural, poderiam ou não ter sido transporta-

das para os estudos e re�exões relativos à realidade cultural e, ao que tudo leva a crer, de

fato foram. �Diziam os iluministas que assim como há leis que regulam os fenômenos da

natureza, também as relações entre os homens são reguladas por leis naturais.� (ARRUDA,

1982, p. 138, grifo nosso) Essa é uma das características que consideramos merecedoras de

Page 124: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

130 3 Mídia e cultura

importante destaque, para compreendermos alguns detalhes fundamentais sobre a lógica

do pensamento iluminista que, por sua vez, in�uenciou de forma preponderante a cons-

trução do Estado moderno como o conhecemos atualmente, e dos modelos econômicos e

sociais que daí também foram desenvolvidos.

Por se ocuparem com diversas frentes intelectuais, e não se restringirem exclusiva-

mente à ciência, ou à �loso�a abstrata, ou mesmo apenas à economia, os iluministas

foram capazes de oferecer um conjunto de conhecimentos que eram sólidos e coerentes o

su�ciente para in�uenciar movimentos políticos que alteraram as relações de poder por

toda a Europa, os Estados Unidos da América e, mais tarde por praticamente todo o

mundo ocidental, que de forma geral adotou o modelo republicano e democrático como

forma de governo.

A amplitude e a profundidade desse movimento cultural humanista-renascentista-

iluminista, com todas as descobertas em relação ao funcionamento da natureza, e ao

desenvolvimento teórico sobre o funcionamento da humanidade, o torna fundamental para

a compreensão do contexto cultural que a partir dele foi amplamente modi�cado, e que

consolidou as relações de poder como se dão atualmente.

Os pensadores iluministas podem ser divididos entre o grupo dos �lósofos e o dos

economistas. Os principais �lósofos, todos franceses, foram os seguintes (ARRUDA, 1982,

p. 138-139):

Montesquieu (1689 a 1755), em cuja obra O Espíritos das Leis recomendou que, a

�m garantir-se a liberdade, o Estado fosse dividido em três poderes independentes:

executivo, legislativo e judiciário, além de defender o regime monárquico inglês;

Voltaire (1694 a 1778), que durante o período em que �cou na Inglaterra publicou as

Cartas Inglesas, elogiando a liberdade e a monarquia existentes naquele país, e

criticando qualquer forma de absolutismo e intolerância;

Jean-Jacques Rousseau (1712 a 1778), cuja obra de maior destaque foi O Contrato

Social, defendeu a liberdade e a igualdade entre os homens mas, ao contrário de seus

contemporâneos Montesquieu e Voltaire, que eram monarquistas liberais, defendia a

democracia e a soberania popular, na qual a autoridade máxima de um país deveria

ser o povo, e não o monarca;

Denis Diderot (1713 a 1784), que organizou os 35 volumes da grande Encyclopédie,

a qual contribuiu enormemente para a divulgação das novas idéias iluministas e,

também, das novas tecnologias desenvolvidas na Revolução Industrial inglesa.

Page 125: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideologias 131

Os economistas dessa época �caram conhecidos como �economistas �siocratas2�, por de-

fenderem que �a economia deveria ser dirigida pela natureza: o Estado não deveria inter-

vir, a não ser para garantir o livre curso da natureza�. Desta forma, os �siocratas eram

contrários a qualquer forma de regulamentação da atividade econômica pelo Estado, e

defendiam aquilo que �cou conhecido como laissez-faire3 na França dos séculos XVII e

XVIII.

As teorias econômicas formuladas com base nesses princípios eram defendidas também

por Montesquieu, segundo o qual não apenas os homens, mas também o comércio interna-

cional deveria ser livre, ou seja, defendia o livre mercado, ao contrário do protecionismo4

alfandegário típico do mercantilismo5 europeu dos séculos XV a XVIII. (ARRUDA, 1982,

p. 139)

Adam Smith (Escócia, 1723 a 1790), além de �lósofo, é considerado o pai da economia

moderna e o mais importante teórico do liberalismo econômico mencionado no pa-

rágrafo acima. Sua principal obra, A Riqueza das Nações, in�uenciou fortemente

o pensamento econômico no bojo do próprio Iluminismo, ao se aprofundar sobre a

natureza e as causas das riquezas das nações, defendendo o princípio de que, em

busca do interesse pessoal, cada indivíduo promoverá o bem comum, sem a inter-

venção do Estado. A isso Smith chamou de �a mão invisível do mercado�, a qual

teria princípios muito semelhantes ao laissez-faire. Esse modelo de livre mercado

ideal, em teoria, impediria a concentração de poder que poderia levar à formação

de monopólios, os quais segundo a visão de Smith seriam prejudiciais ao progresso

econômico das nações. A defesa destes princípios econômicos, idealizados no bojo

do Iluminismo, tiveram in�uência fundamental na constituição do contexto cultural

que a partir dele se desenvolveu, pois o modelo de livre mercado teorizado pressu-

punha o cumprimento de alguns pressupostos que, na prática, têm se mostrados tão

utópicos quanto alguns dos pressupostos socialistas.

A questão predominante que leva essa pesquisa a apresentar os fundamentos �losó�cos

e econômicos do Iluminismo, é o fato de entendermos que o paradigma ideológico que

norteia o contexto cultural atual teve suas raízes nos novos paradigmas cientí�cos. Estes

2Fisiocrata, do grego �s (natureza) + cratos (poder): poder da natureza.3Laissez-faire, do francês: deixai fazer, deixar passar.4O protecionismo é uma teoria econômica que defende a adoção de medidas econômicas voltadas ao

favorecimento das atividades internas do país, em detrimento da concorrência estrangeira.5Mercantilismo, do latim mercari : gerir um comércio de mercadorias. O termo foi cunhado pelo

economista escocês Adam Smith, em 1776, durante o Iluminismo.

Page 126: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

132 3 Mídia e cultura

paradigmas, por sua vez, romperam com a visão sobrenatural do mundo que servia como

pilar de sustentação para o poder da Igreja, conforme apresentamos acima.

3.1.3 Comunicação: um novo paradigma cultural

O contexto cultural construído a partir do Humanismo permitiu o desenvolvimento

de visões de mundo inspiradas em explicações livres da concepção sobrenatural. As es-

tratégias comunicativas amplamente difundidas no Iluminismo, inspiradas nas recentes

descobertas cientí�cas sobre o funcionamento da natureza, contaram com um alto po-

der de penetração cultural, uma vez que as teorias cientí�cas de então eram passíveis

de veri�cação e comprovação, o que não acontecia com as explicações sobrenaturais, que

se encerravam na autoridade daqueles que as postulavam, geralmente a Igreja. O novo

paradigma cientí�co permitiu o questionamento das instituições até então incontestáveis,

como a Igreja e as monarquias absolutistas. As idéias que se articularam ao longo dos pe-

ríodos classi�cados como Humanismo, Renascimento e Iluminismo, serviram como fonte

de inspiração a movimentos revolucionários que deslocaram o poder de reis e papas para

uma nova forma de organização política: o Estado moderno, republicano e democrático.

Além disso, as mitologias inspiradas no sobrenatural, enquanto estratégia comunicativa,

puderam ser deslocadas para ideologias inspiradas no natural, realizando uma operação

de inversão entre natura e cultura, ou entre a primeira realidade e a segunda.

Das várias estratégias comunicativas que esse movimento cientí�co e cultural permi-

tiu, outra delas foi a que permitiu o questionamento das instituições então dominantes,

cujo vínculo com o questionamento do sobrenatural como explicação para a realidade era

indissociável. Outra estratégia foi a valorização do livre-arbítrio, em detrimento da sub-

missão servil típica do feudalismo, o que propulsionou o desenvolvimento do capitalismo.

A perspectiva empírica e mecanicista foi, ela própria, uma importante estratégia comu-

nicativa, inicialmente ao permitir um novo olhar sobre a natureza física e, a partir daí,

um questionamento sobre o status quo que predominou ao longo da Idade Média, levando

à preparação de um novo contexto cultural que se consolidou com a criação do Estado

moderno. Outras estratégias comunicativas que in�uenciaram o modo de pensar sobre a

realidade foram: o método indutivo, como forma de criar teorias baseadas em fenômenos

isolados e atomizados; o empirismo como método que permitia formular teorias a partir

de experiências realizadas sobre fenômenos naturais; o mecanicismo como paradigma uti-

lizado para compreender a realidade. Todas elas contribuiram para o questionamento da

autoridade eclesial e sobrenatural do mundo, em que tudo já estaria pré-destinado e em

Page 127: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.1 A cultura (sobre)natural: das mitologias às ideologias 133

que não haveria nem liberdade, nem livre-arbítrio, mas apenas subserviência e obediência.

O que se desenvolveu a partir daí foi exatamente a intensi�cação da liberdade enquanto

�loso�a de vida, que acabou se tornando uma das principais estratégias comunicativas do

atual contexto cultural.

Os autores de que tratamos acima começaram a enxergar a primeira realidade cien-

ti�camente e, a partir daí, a desenvolver teorias explicativas para a segunda realidade,

não mais baseadas na crença em mitologias sobrenaturais, mas em teorias baseadas nas

ciências naturais, comprováveis empiricamente. Os primeiros cientistas se livraram das

restrições impostas pela Igreja, provando que a realidade natural pode ser observada, ma-

nipulada e comprovada experimentalmente, por meio de métodos cientí�cos. Enquanto

isso, nos contextos cultural, social e econômico, as relações capitalistas, que buscaram

aplicar o livre-arbítrio, passaram a se desenvolver cada vez mais. A análise realizada pelo

paradigma da comunicação permite a compreensão desse relacionamento entre os diver-

sos processos que levaram à construção de novos paradigmas: cultural, cientí�co, social,

econômico.

A apropriação de idéias relacionadas à natureza por parte dos ideólogos burgueses foi,

provavelmente, a mais importante estratégia comunicativa deste período. Assim como a

natureza possui leis próprias, que independem da compreensão ou da existência humana

para que continuem válidas, a sociedade humana também cria suas próprias leis, mas

estas são estabelecidas pelo Estado. Desta forma, aqueles que de alguma maneira tiverem

o controle sobre o Estado, também o terão sobre as leis e, �nalmente, sobre a própria

sociedade. Muitos cientistas sociais, na crença de que poderiam fazer ciência da mesma

forma que o fazem os cientistas naturais, não levam em conta que eles próprios estão inse-

ridos no �objeto� que pretendem analisar e que, portanto, não é possível compreender-se

a realidade com um nível de abstração tão profundo que desconsidere que a subjetividade

é inerente e inevitável a qualquer análise social que pretenda ser séria. Essa tentativa

de abstrair o sujeito e solidi�car o contexto social em mero objeto, é outra estratégia

comunicativa resultante das idéias deste período.

A transposição do método empírico das ciências naturais para as ciências sociais e

culturais, pode levar o pesquisador a cometer dois erros: de forma, por utilizar uma

metodologia inadequada para abordar o �objeto� social ou cultural; e de matéria, por

desconsiderar aspectos essenciais do �objeto� que sejam impossíveis de serem capturados

empiricamente. Sobre a natureza do erro, Garcia (2002, p. 316) esclarece que:

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134 3 Mídia e cultura

Ainda que cometamos um número in�nito de erros, só há, na verdade,do ponto de vista lógico, duas maneiras de errar: erramos raciocinandomal com dados corretos ou raciocinando bem com dados falsos (Haverácertamente uma terceira maneira de errar: raciocinando mal com dadosfalsos.) O erro pode, portanto, resultar de um vício de forma � raciocinarmal com dados corretos � ou de matéria � raciocinar bem com dadosfalsos. [...] A esse raciocínio vicioso ou falacioso é que a Lógica chamade so�sma, i.e., falso raciocínio elaborado com a intenção de enganar.

Tendo essas questões em mente, se torna indispensável analisar o fenômeno da ideo-

logia, uma vez que o contexto cultural atual está fortemente in�uenciado pelas analogias

e inversões que os ideólogos iluministas realizaram no que diz respeito à compreensão da

natureza, para formular teorias em torno de modelos ideais de sociedade, economia e,

conseqüentemente, de cultura.

3.2 A emergência da cultura capitalista . . .

A criação do Estado, enquanto guardião do livre mercado, tem raízes na ascensão

da burguesia e na criação de um modelo de Estado que permitiu, simultaneamente, con-

solidar sua visão de mundo e proteger-se institucionalmente. Para compreendermos tais

raízes em seus respectivos contextos, procuraremos visualizar as estratégias comunicativas

que permitiram a irradiação e a consolidação dos interesses burgueses, basicamente, nos

três países que criaram, mantidas as devidas diferenças, o modelo de Estado difundido

atualmente: Inglaterra, Estados Unidos e França. Os contextos em que as revoluções

ocorreram nestes países permitem compreender como a ideologia burguesa foi difundida

e, desde então, tem sido capaz de se apresentar como conjunto de interesses comuns a

toda a sociedade.

3.2.1 ...na Inglaterra

Em 1215, durante o reinado de João-sem-Terra, �as pesadas taxas militares e uma série

de abusos revoltaram os barões ingleses [que,] unidos ao clero, e apoiados pelos burgueses,

obrigaram [o rei] a assinar a Magna Carta [...], em que se comprometia a respeitar as

liberdades fundamentais do reino.� O efeito disso foi que o governo passou a ter poderes

limitados e o rei passou a estar submetido à lei, servindo como a base tradicional das

instituições inglesas. O sucessor de João-sem-Terra, Henrique III, �precisando de muito

dinheiro para as suas empresas militares, [...] convocou freqüentemente o Grande Conselho

que, desde 1239, começou a ser chamado de Parlamento [, e que], em 1258, [...] impôs ao

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3.2 A emergência da cultura capitalista . . . 135

rei uma série de disposições que completavam a Magna Carta: os Estatutos ou Provisões

de Oxford.� Do Parlamento participavam cavaleiros e deputados enquanto representantes

do povo, formando a Câmara dos Comuns (Câmara Baixa), de um lado; e bispos, condes

e barões, formando a Câmara dos Lordes (Câmara Alta), de outro. (BECKER, 1978,

p. 301-303, grifo do autor)

Sendo essas as origens do Parlamento inglês, e esse, por sua vez, a instituição que

serviu de inspiração para o modelo republicano atual, é importante evidenciarmos que

naquela instituição havia uma clara diferença entre quem eram os representantes dos

interesses do povo, e quem representava os interesses do clero e da nobreza. De modo

geral, nos parlamentos existentes no mundo democrático dos dias de hoje, os legisladores

são, ao menos em teoria, todos eles representantes do povo, democraticamente eleitos por

esse, e este é um dos pilares em que se sustenta o modelo republicano e democrático em

que vivemos. Esta indiferenciação feita nos tempos atuais, é uma importante estratégia

que permite ocultar não só a origem dos interesses representados no parlamento, como

os interesses propriamente ditos, o que está de acordo com a construção ideológica que

inspirou o modelo republicano atual.

Atualmente não só os interesses con�itantes não são claros, como os parlamentares

que se prestam a defender tais ou quais interesses não são submetidos a quaisquer instru-

mentos que tornem transparente, ao povo que vota, quem defende o quê. Esse deveria ser

o papel da mídia, também em teoria: tornar transparente o que se passa por dentro, nos

bastidores, do Estado. Via de regra, nos parlamentos nacionais existentes atualmente, os

legisladores são diferenciados no máximo por regiões e por partidos, mas jamais explici-

tamente por grupo de interesse ou classe social que representam. Assim, alguns con�itos

são ocultados do debate político, inclusive enquanto con�itos de interesses entre classes

sociais propriamente ditos, a�nal, não existe nenhum impedimento para que um legislador

com origem numa determinada classe social, seja corrompido materialmente ou cooptado

ideologicamente por interesses de outra classe.

Um outro movimento de caráter político e econômico, mas também religioso, que

desestabilizou as relações de poder na Europa, especialmente da Igreja Católica, foi a

Reforma Protestante. Iniciada no século XVI, sofreu in�uência do Humanismo, assim

como o Iluminismo. Tanto o Protestantismo quanto o Iluminismo tiveram em comum a

defesa da liberdade individual em busca de prosperidade. Apesar de terem surgido várias

tendências protestantes, como o Luteranismo, o Calvinismo, o Anglicanismo e outras, que

se tornaram até mesmo rivais entre si, �todos os protestantes estão de acordo no que rejei-

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136 3 Mídia e cultura

tam: não admitem a necessidade de intermediários entre Deus e os homens [...]� (SOUZA,

1991, p. 226-229) Veremos que no desenvolvimento do capitalismo tal qual o conhecemos

atualmente, essa concepção de que não existe a necessidade de intermediários, como a

Igreja, entre os seres humanos e Deus, foi signi�cativamente extrapolada na formulação

do Estado moderno, que foi concebido como desnecessário enquanto mediador das rela-

ções sociais e econômicas entre os indivíduos e o mercado. Um outro importante fator

que contribuiu para que a burguesia européia simpatizasse com o Protestantismo, foi que

a �Igreja católica considerava o lucro (além do estritamente razoável), a cobrança de ju-

ros, o enriquecimento � como imoral, como um pecado� (BECKER, 1978, p. 377), o que

implicava num problema de ordem moral, solucionado pela ideologia protestante. Nessa

época a Europa sofria in�uências, portanto, não apenas do Renascimento e da Revolução

Cientí�ca, mas também da Reforma Protestante.

No século XVI � anterior portanto ao Iluminismo �, na Inglaterra, a relação que havia

entre o rei, a nobreza e a burguesia pode ser resumida pela seguinte passagem:

[...] o absolutismo implantado na Inglaterra atendia aos interesses daburguesia, que precisava do poder real forte para suplantar os nobres egarantir a expansão comercial pelo mundo. Depois de realizados essesobjetivos, o poder absoluto tornou-se não só desnecessário, como inde-sejável aos burgueses, pois o rei (que acabara se ligando de novo aosnobres) �cara mais poderoso do que eles e atrapalhava seus projetos decontrole direto do Estado. (ARRUDA, 1982, p. 101)

Nessa época, apesar de ser uma Monarquia, a Inglaterra já contava com a existência

de um Parlamento que era controlado pela burguesia. No aspecto religioso, haviam duas

religiões principais: o puritanismo, que defendia o trabalho e a poupança e, não por acaso,

contava com muitos adeptos da burguesia; e o anglicanismo, que era a religião o�cial cujo

chefe era o próprio rei. As divergências econômicas e religiosas misturavam-se, portanto,

umas às outras, e em 1628 iniciou-se uma luta de natureza política entre o Parlamento e o

rei Carlos I, que deu origem à Revolução Puritana. �Ao pretender aumentar os impostos

sobre a burguesia para manter os nobres (seu instrumento contra a ascensão burguesa,

que ameaçava o poder real), o rei entrou em choque com o Parlamento, que se considerava

o único com direito a legislar sobre essa matéria.� (ARRUDA, 1982, p. 103)

Nos anos seguintes, entre 1642 e 1645, os con�itos de interesses com o rei e a nobreza

levaram a burguesia a buscar apoio do povo, que �pôde participar da revolução [, mas]

embora precisasse dele na sua luta contra o rei, a burguesia começou a temê-lo, vendo

que o povo começava a in�uir no curso dos acontecimentos.� (ARRUDA, 1982, p. 104) No

equilíbrio de forças da época, a burguesia havia escolhido um de seus membros, o Lorde

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3.2 A emergência da cultura capitalista . . . 137

Oliver Cromwell, para liderar o exército republicano, que politicamente atuou em duas

frentes: de um lado, destituiu a Câmara dos Lordes e decapitou o rei; de outro, dizimou o

movimento proletário que começou a se apossar de terras por toda a Inglaterra. Em 1653

os parlamentares tentaram limitar o poder de Cromwell, mas este que tinha o controle

do exército em suas mãos, dissolveu o Parlamento e se proclamou �Lorde Protetor da

Inglaterra, Escócia e Irlanda�, o que durou até sua morte, em 1658, quando assumiu seu

�lho Ricardo. Este, por sua vez, não tendo as qualidades do pai, foi destituído do poder

no ano seguinte pelo Parlamento, que restaurou Carlos II ao poder, em 1660. Apesar de a

monarquia ser restaurada, a estrutura já não era mais absolutista como antes, e �o Estado

tinha sido reorganizado em outras bases: o rei era agora uma espécie de funcionário da

nação, a Igreja Anglicana deixou de ser um instrumento do poder real e a burguesia

já estava bem mais poderosa que a nobreza.� (ARRUDA, 1982, p. 105) Essa estratégia

utilizada pela burguesia, de buscar apoio popular contra um poder que prejudicava seus

próprios interesses, foi utilizada em muitos outros contextos culturais ao redor do mundo,

geralmente acompanhada por um recurso �nal de contenção para os casos em que os

movimentos populares escapassem do controle.

Os desdobramentos políticos seguintes levaram àquela que �cou conhecida como a

Revolução Gloriosa, ao �nal da qual, em 1694, ��cou assim organizado o tripé do desen-

volvimento do capitalismo inglês, montado pela burguesia: o Parlamento, o Tesouro e o

Banco da Inglaterra.�, de acordo com uma estratégia que atendia os seus próprios interes-

ses econômicos e de manutenção de poder. �E terminada, sem derramamento de sangue,

a Revolução Gloriosa marcou a ascensão da burguesia ao controle total do Estado. [...]

Uma vez estabelecida no poder, a burguesia fez com que fossem retirados os obstáculos à

sua expansão [...]� (ARRUDA, 1982, p. 105)

Com o advento do capitalismo, avultaram os negócios de empréstimose descontos. Os bancos cresceram, difundiram-se e tornaram-se cadavez mais necessários e mais poderosos. Eles �nanciaram o comércio ea indústria. Assim como a burguesia em geral �nanciou as empresasde descobrimento, conquista e colonização. Banqueiros, comerciantes eindustriais pertenciam à classe burguesa. Desta forma, a burguesia foicrescendo em poder e importância, e começou a exigir os direitos políticosque ainda lhe eram negados. Os nobres e o alto clero continuavam naposse das terras, dos latifúndios e dos lucros da exploração agrícola. Masseu poder econômico começou a decair. E, com isto, foram perdendo aforça de classes dominantes. (BECKER, 1978, p. 355)

A Revolução Gloriosa (1689) teve poderosa in�uência na revolução pela independência

dos Estados Unidos da América (1774) e na Revolução Francesa (1789), inspirando �os

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138 3 Mídia e cultura

adversários do absolutismo, no mundo inteiro. Nela abeberaram-se Montesquieu, Voltaire,

Je�erson, Paine e tantos outros idealistas, teóricos e revolucionários.� (BECKER, 1978,

p. 392)

Ao longo do século XVIII, a expansão comercial inglesa ocorreu em escala mundial,

o que permitiu tanto à burguesia comercial quanto à industrial acumular capitais, o que

foi ainda mais potencializado devido à existência de um sistema bancário e�ciente, que

facilitava a obtenção de empréstimos com baixas taxas de juros pelos industriais. A

produtividade agrícola também foi melhorada, aumentando a oferta de alimentos e, con-

seqüentemente, a expectativa de vida da população. �Com isso, a população aumentou e a

indústria ganhou mais mão-de-obra e consumidores.� (ARRUDA, 1982, p. 121) Esta última

é uma estratégia fundamental para a manutenção do status quo, pois os seres humanos

reproduzidos tendem a ser mantidos no mesmo estado de alienação que seus pais.

O progresso tecnológico, por sua vez, causou impactos sociais até então inéditos. A

transição do modo de produção artesanal, passando pela manufatura e chegando, �nal-

mente, à maquinofatura, resultou na transformação do artesão autônomo em trabalhador

assalariado. A produção em grande escala dependia do funcionamento de máquinas que

pertenciam não aos artesãos de outrora, e nem mesmo aos proletários que as operavam,

mas sim aos burgueses que as haviam comprado. A posse dos meios de produção por

parte da burguesia potencializou ainda mais seu poder econômico que, somado ao poder

político que havia conquistado durante a Revolução Gloriosa, a distanciou ainda mais do

povo. O aspecto mais importante da Revolução Industrial foi �a separação entre o capital

e meios de produção (instalações, máquinas, matéria-prima) de um lado, e o trabalho, de

outro. Com isso os operários passaram a ser simples assalariados dos capitalistas (donos

do capital).� (ARRUDA, 1982, p. 129) O convencimento de que esta separação é algo ne-

cessário, inevitável e absolutamente natural, é exatamente o que busca fazer a ideologia,

especialmente a capitalista, em suas diversas variações.

No �nal do século XVIII, quando a Revolução Industrial já estava consolidada na

Inglaterra, surgiram diversos movimentos operários organizados cujo objetivo era destruir

as máquinas, pois segundo a percepção deles, eram elas as responsáveis pelos diversos

problemas sociais e econômicos a que estavam submetidos, como os danos à saúde oca-

sionados pelo trabalho no interior das fábricas e o desemprego, provocado tanto pelo

excesso de produção que levava a paralisações periódicas, quanto pela concorrência de

novos trabalhadores vindos do campo para as cidades. �Começou o antagonismo entre

os trabalhadores e os patrões. Ambos procura[ra]m organizar-se para a luta. [...] Os

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3.2 A emergência da cultura capitalista . . . 139

patrões temiam essas associações [de trabalhadores], denominadas trade-unions, pois elas

progrediram lentamente, dando força aos operários nas suas reivindicações.� (ARRUDA,

1982, p. 129-130, grifo do autor)

Até aproximadamente 1830 a industrialização �cou praticamente limitada à Ingla-

terra, pois havia sido proibida a exportação de máquinas e técnicas de produção industrial,

mas os interesses dos fabricantes de equipamentos industriais foram �nalmente atendidos e

iniciou-se um processo de propagação da Revolução Industrial para vários países europeus,

para o Japão na Ásia e para os Estados Unidos da América (ARRUDA, 1982, p. 131-132).

Esse é um detalhe fundamental para compreendermos o que levou países como o Bra-

sil a não fazerem parte do núcleo do capitalismo pós-industrial mas, ao invés disso, a

comporem a periferia do sistema capitalista, atuando basicamente como exportadores de

matéria-prima, fornecedores de mão-de-obra barata, importadores de produtos industria-

lizados e, �nalmente, clientes do sistema bancário internacional, enquanto consumidores

de empréstimos e pagadores de juros.

A adaptação ideológica motivada pela Revolução Industrial levou à criação de uma

nova ética burguesa, analisado por Max Weber em sua obra A ética protestante e o espírito

do capitalismo:

[...] aquele que faz seu trabalho render dinheiro e, em lugar de gastá-lo,o investe em mais trabalho para gerar mais dinheiro e mais lucro [...] éum homem virtuoso. [...] Na verdade, porém, o homem honesto, quetrabalha, poupa e investe é a auto-imagem do burguês e não a �gurados que trabalham para que ele poupe e invista. A ética burguesa éa ideologia burguesa e, como tal, generalizou-se para toda a sociedade,tornando-se ética interiorizada pelos trabalhadores. (CHAUI, 2006, p. 41,grifo nosso)

Nessa generalização ideológica, em que os trabalhadores interiorizam para si próprios

a ideologia burguesa, os meios de comunicação passaram a ter um papel cada vez mais

importante ao longo do tempo.

3.2.2 ...nos Estados Unidos da América

Enquanto na Europa a Inglaterra já havia passado por mudanças políticas e econô-

micas, que a levaram a superar o absolutismo monárquico em favor de uma monarquia

submetida a um Parlamento forte, dominado pela burguesia (inglesa), e a superar o modo

de produção artesanal por meio do desenvolvimento industrial, o que também favorecia

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140 3 Mídia e cultura

a burguesia (inglesa), os interesses dos colonos ingleses na América entraram em con�ito

com os dos seus primos que viviam na metrópole.

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, as colônias inglesas na América cultivaram pro-

dutos agrícolas muito semelhantes aos produzidos na Europa, o que tornava o comércio

com as mesmas desinteressante para a metrópole. Assim, apesar de as colônias serem

proibidas de desenvolver a manufatura, o governo inglês não as impediu de se tornarem

praticamente autônomas da metrópole nesse sentido, o que permitiu a aceleração do desen-

volvimento econômico nas mesmas. Gradativamente, as colônias passaram a estabelecer

relações comerciais que iam além das fronteiras coloniais, importando matérias-primas de

outras regiões e exportando, além de matérias-primas, produtos com valor agregado, o que

pelas leis de navegação inglesas também era proibido. Quando os interesses comerciais

da Inglaterra começaram a ser afetados pela concorrência estabelecida com o crescimento

do comércio colonial, as leis que até então haviam sido convenientemente deixadas de ser

aplicadas, passaram a sê-lo com rigor. Disso surgiram con�itos de interesse insuperáveis

entre a já estabelecida burguesia inglesa e a próspera burguesia colonial. �Somados a

fatores de ordem cultural, como a in�uência da �loso�a iluminista, que tinha numerosos

adeptos na América, a política de repressão adotada pela Inglaterra teve um papel impor-

tante no processo revolucionário dos Estados Unidos.� (ARRUDA, 1982, p. 146-148, grifo

nosso)

Em 1776 foi publicada a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América,

que continha uma Declaração dos Direitos do Homem, cujo primeiro parágrafo deixa clara

a in�uência iluminista em sua concepção:

Nós temos por testemunho as seguintes verdades: todos os homens sãoiguais: foram aquinhoados pelo seu Criador com certos direitos inalie-náveis e entre esses direitos se encontram o da vida, da liberdade e dabusca da felicidade. Os governos são estabelecidos pelos homens paragarantir esses direitos, e seu justo poder emana do consentimento dosgovernados. (ARRUDA, 1982, p. 152)

A �loso�a iluminista também in�uenciou a organização política dos Estados Unidos

da América na compilação de sua primeira Constituição, datada de 1787, a qual �deter-

minava o regime republicano presidencialista para o país, com a divisão e independência

dos três poderes, baseando-se na teoria de Montesquieu�, um dos �lósofos iluministas.

(ARRUDA, 1982, p. 152) Percebe-se assim que também nos Estados Unidos da América

as idéias iluministas foram fortemente impulsionadas pela revolução de independência, o

que certamente foi uma estratégia comunicativa altamente e�ciente e com alto poder de

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3.2 A emergência da cultura capitalista . . . 141

penetração cultural, tanto que serviu de inspiração para os revolucionários franceses e,

depois disso, de toda a Europa.

3.2.3 ...na França

A Revolução Francesa teve muitos traços comuns à onda revolucionária que começou

com a independência dos Estados Unidos da América em 1776 e atingiu vários países

da Europa Ocidental; entretanto, teve �um sentido próprio, uma especi�cidade, que se

manifestou na tomada do poder pela burguesia, na participação ativa dos camponeses e

artesãos, na superação das instituições feudais do Antigo Regime e na preparação da

França para a caminhada em direção ao capitalismo industrial.� (ARRUDA, 1982, p. 157,

grifo nosso)

No período que antecedeu a Revolução, a França era governada por reis absolutistas e

possuia a sociedade divida em estamentos que equivaliam aproximadamente a três grupos

sociais (ARRUDA, 1982, p. 158):

1. O Clero (ou Primeiro Estado), composto por bispos e abades que estavam ao nível

da nobreza (Alto Clero), e por padres e vigários de baixa condição econômica e

social (Baixo Clero);

2. A Nobreza (ou Segundo Estado), composta pela nobreza palaciana, que vivia de

pensões reais; pela nobreza provincial, que vivia no campo em situação de penúria

econômica; e pela nobreza de toga, constituída por indivíduos oriundos da burguesia,

que compravam cargos políticos e administrativos;

3. O Terceiro Estado, dividido entre alta burguesia, composta por banqueiros, �nan-

cistas e grandes empresários; média burguesia, composta por pro�ssionais liberais;

pequena burguesia, composta por artesãos lojistas; pelo povo, formado por pequenos

artesãos, aprendizes e proletários; por camponeses livres e semilivres e por servos

que ainda viviam em condição feudal.

O Terceiro Estado arcava sozinho com o ônus de impostos e contribuições pagos para o

rei que, por sua vez, �nanciava os privilégios do Clero e da Nobreza. �Como os gastos

eram excessivos, os dé�cits orçamentários se avolumavam. [...] Essa situação foi de-

nunciada pelos �lósofos iluministas [, cujos] livros eram cada vez mais lidos [...]�, o que

certamente foi uma estratégia comunicativa e�ciente naquele contexto cultural em que a

imprensa estava começando a funcionar. �A burguesia cada vez mais tomava consciência

Page 136: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

142 3 Mídia e cultura

dos seus problemas e dos seus direitos, e procurava conscientizar a massa para obter o seu

apoio.� (ARRUDA, 1982, p. 158-159, grifo nosso) Pode-se depreender daí que novamente

o Iluminismo teve in�uência num movimento revolucionário liderado pela burguesia, e

que a conscientização do povo foi feita de acordo com os interesses burgueses, que não

necessariamente eram idênticos aos populares, e também neste momento se fez presente

a estratégia comunicativa de uni�cação de interesses, em torno de um suposto interesse

nacional evocado pela burguesia para conquistar o apoio popular.

Em 1787 o rei Luís XVI, em meio à enorme crise �nanceira que assolava a França,

convocou a Assembléia dos Notáveis, a qual era composta por membros do Clero e da

Nobreza, a �m de tentar realizar uma reforma tributária para que essas duas classes

abdicassem de seus privilégios e colaborassem no pagamento de impostos. Diante da

ameaça de perda de seus privilégios, a aristocracia francesa (Clero e Nobreza) buscou

apoio da burguesia para combater o poder real, no evento que �cou conhecido como a

Revolta dos Notáveis. Então, em 1789, o rei Luís XVI convocou a Assembléia dos Estados

Gerais, a qual era composta por membros das três camadas sociais, sendo a maioria de

integrantes do Terceiro Estado que, por sua vez, em sua maioria eram burgueses. Na

votação individual o Terceiro Estado teria maioria, mas caso a votação fosse feita em

separado, por Estado, quem teria maioria seria sempre o Clero e a Nobreza: surgiu aí um

primeiro importante impasse. (BECKER, 1978, p. 425)

Apesar de os deputados dos três estados serem unânimes em relação à necessidade de

limitar-se o poder real que, na França, era absoluto, surgiram con�itos de interesses entre

as reformas defendidas pelos deputados do Terceiro Estado, e o desejo de manutenção

de privilégios por parte do Clero e da Nobreza. Diante desse outro impasse estabelecido,

Luís XVI tentou dissolver a Assembléia dos Estados Gerais, o que levou os deputados

do Terceiro Estado a rebelarem-se e decidirem por se transformar em uma Assembléia

Nacional que, alguns dias depois, se autoproclamou Assembléia Nacional Constituinte.

Desse momento em diante, cada reação tomada pelo Rei gerou manifestações populares

cada vez mais violentas, o que levou muitos membros da aristocracia francesa a fugir do

país. (ARRUDA, 1982, p. 160-161)

Diante da possibilidade de que a população aproveitasse o colapso do antigo regime

para tomar o controle político da França, a burguesia antecipou-se e estabeleceu um

governo provisório local, a Comuna, que, em seguida, organizou a Guarda Nacional, com-

posta por burgueses dispostos a resistir tanto a uma tentativa de retorno do Rei, quanto a

quaisquer ações mais violentas por parte da população civil. Como uma continuidade da

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3.2 A emergência da cultura capitalista . . . 143

estratégia comunicativa elaborada para conquistar o apoio popular, a criação da Guarda

Nacional controlada pela burguesia francesa foi uma estratégia voltada a limitar os mo-

vimentos populares, de forma a fazer com que tais movimentos �cassem circunscritos aos

interesses burgueses. Desta forma, �ca claro aqui que já na criação da república demo-

crática francesa as estratégias comunicativas voltadas à conquista da segunda realidade

estavam acompanhadas por estratégias coercitivas, de modo que não apenas o imaginário,

mas inclusive as ações praticadas pela maioria popular, sempre fossem mantidas sob o

controle da burguesia.

A Assembléia Nacional Constituinte elaborou, então, uma Constituição inspirada na

Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1776, e foi batizada

como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. Ambos os documen-

tos possuiam em suas essências os três princípios universais do Iluminismo: Liberdade,

Igualdade e Fraternidade, ou, mais especi�camente, �o direito à liberdade, à igualdade

perante a lei, à inviolabilidade da propriedade e o direito de resistir à opressão.� enquanto

direitos inalienáveis do ser humano. (ARRUDA, 1982, p. 161, grifo nosso) Esses princípios

universais que serviram como norteadores tanto da Declaração estadunidense quanto da

francesa, eram a síntese do pensamento iluminista liberal e burguês da época e tinham

uma característica que merece destaque: a igualdade defendida como inalienável era, es-

peci�camente, a igualdade legal, e não as igualdades econômica e social. Essa distinção

foi fundamental para a consolidação do modelo de Estado nação em que prospera o ca-

pitalismo atual, onde busca-se assegurar o Estado de direito, mas não necessariamente o

Estado de bem-estar social, o que é coerente com os princípios iluministas e liberais, como

veremos adiante.

Entre os 35 artigos que compõe a Declaração francesa podemos diferenciar claramente

alguns que fazem referência à função social do Estado, e outros que dizem respeito à conso-

lidação dos interesses da burguesia. Tal destaque é importante para tentarmos visualizar

com maior clareza os fundamentos de duas importantes ideologias que praticamente di-

vidiram o mundo durante o século XX: o socialismo e o capitalismo. Se, ao menos em

teoria, o primeiro por um lado priorizava a igualdade econômica e social, o segundo por

outro dava prioridade à liberdade e à igualdade legal.

I O �m da sociedade é a felicidade comum. O governo é instituído paragarantir ao homem o gozo destes direitos naturais e imprescritíveis.II Estes direitos são a igualdade, a liberdade, a segurança e a propriedade.III Todos os homens são iguais por natureza e diante da lei.VI A liberdade é o poder que pertence ao Homem de fazer tudo quantonão prejudica os direitos do próximo: ela tem por princípio a natureza;

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144 3 Mídia e cultura

por regra a justiça; por salvaguarda a lei; seu limite moral está nestamáxima: � �Não faça aos outros o que não quiseras que te �zessem�.VIII A segurança consiste na proteção concedida pela sociedade a cadaum dos seus membros para a conservação da sua pessoa, de seus direitose de suas propriedades.XVI O direito de propriedade é aquele que pertence a todo cidadão degozar e dispor à vontade de seus bens, rendas, fruto de seu trabalho e desua indústria.XXI Os auxílios públicos são uma dívida sagrada. A sociedade deve asubsistência aos cidadãos infelizes, quer seja procurando-lhes trabalho,quer seja assegurando os meios de existência àqueles que são impossibi-litados de trabalhar.XXIII A garantia social consiste na ação de todos, para garantir a cadaum o gozo e a conservação dos seus direitos; esta garantia se baseia sobrea soberania nacional.XXV A Soberania reside no Povo. Ela é una e indivisível, imprescritívele indissociável. [...] (DECLARAÇÃO. . . , 1789, grifo nosso)

A garantia de bem-estar social e de auxílios públicos aos �cidadãos infelizes�, segundo

a carta francesa, é uma questão de soberania nacional, mas com o desenvolvimento de

uma visão de mundo onde esta soberania é confrontada com uma lógica de globalização,

tal princípio tornou-se secundário diante dos demais, uma vez que num mundo globali-

zado as soberanias nacionais são fortemente relativizadas. Uma análise mais profunda dos

universais iluministas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, sob a ótica dos destaques

apresentados acima, nos permite concluir que é coerente a compreensão de que o libera-

lismo é uma adaptação do iluminismo anti-absolutismo-monárquico a uma época em que

os atores das lutas sociais eram diferentes dos atuais. Se no século XVIII o Rei, o Clero,

a Nobreza, os camponeses sem terra, os artesãos e os aprendizes eram os atores sociais,

além da burguesia e do proletariado, nos séculos XIX e XX esses dois últimos personagens

ocuparam praticamente todo o cenário social e econômico.

No que diz respeito ao �direito de propriedade�, este é interpretado como um �direito

[abstrato] que pertence a todo cidadão�, e não como um objeto concreto a que todo cidadão

necessariamente tem o direito de posse, o que implicaria na necessidade de garantir a todo

cidadão ao menos uma propriedade, não enquanto direito abstrato, mas enquanto um bem

concreto, material. É imprescindível a compreensão precisa do modo como os iluministas

burgueses interpretaram e consolidaram o �direito de propriedade�, pois essa concepção de

propriedade é um dos fundamentos da ideologia liberal que se desenvolveu posteriormente

e, conforme veremos adiante, é aquela na qual o Brasil e a grande maioria dos Estados

modernos estão inseridos atualmente.

Page 139: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 145

Ainda sobre a questão da propriedade privada, segundo Chaui (2006, p.101), na De-

claração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789:

[...] a propriedade privada é declarada um direito do homem e do cida-dão, sem que se distingam propriedade privada individual e propriedadeprivada dos meios sociais de produção. Em outras palavras, não hádistinção entre o direito aos bens necessários a cada um e o direito aoinstrumento de exploração econômica que impede a existência do pri-meiro direito e torna impossível reconhecê-lo e respeitá-lo. [...] Assim,em nossas sociedades, a lei e o Estado, que devem proteger a propriedadeprivada, porque esta é um direito do homem e do cidadão, só poderãodefendê-la contra os sem-propriedade, de sorte que a defesa do direitode alguns signi�ca a coerção, a opressão, a repressão e a violência sobreoutros, no caso sobre a maioria.

Numa época em que também se consolidavam Estados enquanto nações soberanas,

livres e independentes, com �inteiro poder para declarar a guerra, concluir a paz, contrair

alianças, estabelecer comércio e praticar todos os atos e ações a que têm direito os estados

independentes� (DECLARAÇÃO. . . , 1776), a institucionalização de governos responsáveis

pela gestão de seus respectivos Estados levou ao desenvolvimento de um modelo bem

delimitado de República e de Democracia como as principais formas de governo atuais,

e que têm se mostrado como os ambientes ideais para a prosperidade do sistema capita-

lista. Estes peculiares ideais republicanos e democráticos, amplamente difundidos como o

estado da arte da organização social humana na cultura capitalista, são outra estratégia

comunicativa altamente e�ciente, pois dão a idéia de que o Estado moderno funciona de

fato como o modelo proposto. Esta estratégia acaba por ocultar o fato de que este modelo

de Estado está comprometido, desde sua origem, à manutenção dos interesses do mesmo

grupo econômico que foi responsável pela sua idealização, implementação, consolidação e

irradiação, ou seja, a burguesia. Devemos ter em mente que por burguesia entendemos o

grupo social que historicamente esteve à frente da expansão capitalista e que, com este ob-

jetivo em mente, concebeu um modelo de mundo que teve in�uências sociais, econômicas

e culturais. Pelo olhar da comunicação pretendemos ser capazes de compreender, nesta

pesquisa, as raízes culturais deste modelo de mundo, ainda que para isso não possamos

abrir mão de levar em consideração inclusive fatores de ordem econômica e social que

in�uenciaram o atual modelo cultural.

3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire

Se no século XVIII, por um lado, a Europa em que os �lósofos e economistas iluminis-

tas viviam tinha uma história recente de absolutismo e carência de liberdades individuais,

Page 140: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

146 3 Mídia e cultura

ao longo dos séculos seguintes a Revolução Industrial realmente revolucionou o mundo

de tal forma que as relações entre as nações tornaram-se muito mais dinâmicas e com-

plexas do que antes. A realidade na qual o iluminismo forjou os princípios de liberdade

individual e econômica é diferente da realidade atual em que a liberdade econômica, num

mundo parcialmente globalizado, atua. Uma vez que tanto as empresas que constituem

a grande mídia dos tempos atuais, quanto a atividade de aviação civil, que fazem parte

da presente análise, são in�uenciadas pelos paradigmas econômicos em que o Brasil está

inserido, acreditamos ser indispensável relacionar a versão ideológica neoliberal em que

vivemos, com o modus operandi de algumas das instituições que formam o Estado bra-

sileiro; da empresa aérea TAM, que tipicamente atua segundo a lógica de mercado; e da

grande mídia brasileira, que é a principal mediadora entre alguns dos grandes aconte-

cimentos e a maioria da sociedade e que, simultaneamente, funciona segundo a mesma

lógica de mercado que esta empresa aérea e, de forma geral, o próprio Estado brasileiro.

Esse alinhamento ideológico consolida um ambiente apropriado para o aprofundamento

das desigualdades sociais, para o crescimento econômico dos grupos que dele se bene�-

ciam, para a descrença generalizada no Estado enquanto instrumento de distribuição de

renda e de produção de bem-estar social e, de forma geral, para a manutenção do status

quo.

Nos parágrafos anteriores procuramos analisar algumas das estratégias comunicativas

que, potencializadas por movimentos revolucionários liderados pela burguesia, levaram

ao rompimento das estruturas de poder predominantes até então e, conseqüentemente,

a uma nova cultura. Esta cultura, que chamaremos de capitalista, trouxe consigo todo

um arcabouço ideológico que inspirou os revolucionários burgueses e que, com o processo

revolucionário, foi irradiado pela maioria dos países ocidentais e, ao longo do século XX,

por praticamente todo o mundo, levando à adaptação de uma nova ideologia, em que a

cultura capitalista é consolidada e fortemente in�uenciada pelo alinhamento ideológico

entre Estado, mercado e mídia em escala global.

Se já não bastasse as di�culdades inerentes ao fato de os Estados democráticos e

capitalistas serem dirigidos por indivíduos que, ironicamente, possam estar cooptados

pela ideologia neoliberal, que defende justamente o enfraquecimento deste mesmo Estado,

em detrimento do fortalecimento do mercado, existe ainda um complexo emaranhado de

processos culturais que visam, a todo instante, enfraquecer a crença na política enquanto

processo de mudança, nos políticos enquanto agentes de mudança, no Estado e na possibi-

lidade de mudanças estruturais, o que culmina com a reprodução de um modelo cultural

que, em última instância, trabalha favoravelmente à manutenção do status quo, justa-

Page 141: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 147

mente por não ser capaz de implementar mudanças que alterem o �uxo de riquezas e a

estrutura de poder dominante.

3.3.1 A democracia como estratégia comunicativa

Até os séculos XIV e XV a Europa ocidental era dividida em Estados feudais, cujo po-

der era dividido entre diversos senhores feudais e, portanto, descentralizado. Sob ameaça

do império turco e in�uenciada pelas idéias do Humanismo e do Renascimento, os Esta-

dos europeus passaram a fortalecer o poder dos tronos reais e, com isso, começaram a ser

construídos e organizados os Estados nacionais, sobre os quais foram impostos, naquele

momento, regimes absolutistas monárquicos. Com isso os reis passaram a centralizar e

controlar os impostos, o exército, a justiça e a emissão de moeda. (BECKER, 1978, p. 361)

Conforme vimos em 3.2.1, a partir do século XVII, com a Revolução Gloriosa na Ingla-

terra, o absolutismo monárquico passou a ser substituído por monarquias constitucionais

e parlamentares na Europa, ou seja, os Estados ainda possuiriam reis, mas estes estariam

submetidos a um Parlamento e a uma Constituição.

As idéias dos �lósofos e economistas do Iluminismo analisadas em 3.1.2, difundiram-se

pela burguesia européia e in�uenciaram, até mesmo, alguns chefes de Estado. �Alguns

[monarcas e primeiros-ministros] adaptaram sua política às doutrinas do Iluminismo e

tentaram realizar o programa dos �lósofos: governar por meio da razão em prol do bem

público, a �m de estabelecer `o reino das luzes'.� Para promover a felicidade aos seus

súditos, os monarcas partiam de dois pressupostos: o de que deveriam ser esclarecidos; e o

de que �para poder governar livremente, em prol do povo, o soberano devia ser absoluto�,

e o Estado nacional, portanto, devia ser forte. Surgiu com isso uma nova forma de

governo que, apesar da in�uência iluminista, não era parlamentar e tãopouco republicana:

o despotismo esclarecido. O objetivo �nal era comum, de forma geral, aos princípios

preconizados pelos iluministas, mas a forma de realizá-los ainda era despótica, ou seja,

não era republicana e democrática. (BECKER, 1978, p. 407, grifo do autor) Independente

de ser monárquico ou esclarecido, o absolutismo pressupunha Estados nacionais fortes.

Em oposição ao absolutismo, haviam surgido as idéias liberais � ou libe-ralismo. Nascidas na Inglaterra, desenvolvidas e propagadas na França([pelos] �lósofos iluministas [...]), adotadas na Declaração de Independên-cia norte-americana, as idéias liberais � sob o lema `Liberdade, igualdadee fraternidade' � triunfaram de�nitivamente com a Revolução Francesa[que, em conjunto com o] Império napoleônico, difundiram estas idéiaspor toda a Europa. [Mas Napoleão foi vencido, a França revolucioná-ria foi submetida à monarquia e] �começou, então, em toda a Europa

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148 3 Mídia e cultura

continental, a reação dos absolutistas (monarcas e partidos), numa vãtentativa de restabelecer o antigo regime e retornar ao passado�. (BEC-KER, 1978, p. 460, grifo do autor)

Esta �reação� absolutista levou à associação de dois movimentos políticos: os liberais

e os nacionalistas. Os primeiros reivindicavam as liberdades fundamentais iluministas,

e a obediência a uma constituição, ainda que alguns fossem monarquistas e outros re-

publicanos. Os nacionalistas, por sua vez, reivindicavam a autodeterminação dos povos,

por meio da independência nacional, especialmente nos países que estavam submetidos ao

jugo estrangeiro.

Entre 1814 e 1815, após a queda de Napoleão, foi reunido o Congresso de Viena,

formado por chefes de estado absolutistas, cujo objetivo era desenvolver �instrumentos

políticos para a conservação do status quo europeu e para reprimir as aspirações liberais

e nacionais dos povos.� (BECKER, 1978, p. 460, grifo do autor) Então, �contra o chamado

legitimismo (o reacionário `status quo' do Congresso de Viena), formula-se o princípio das

nacionalidades: todo povo que se considere uma nacionalidade deve constituir um Estado

independente, livre de qualquer domínio estrangeiro.� (BECKER, 1978, p. 484, grifo do

autor) Diante da severa perseguição que sofreram os liberais e os nacionalistas, ambos pas-

saram a organizar-se em sociedades secretas e, entre 1814 e 1848, os liberal-nacionalistas e

os absolutistas travaram con�itos por toda a Europa, alternando vitórias e derrotas entre

si, até que em 1848, �nalmente, o absolutismo foi derrotado inicialmente na França e,

rapidamente, em diversos outros países europeus. Mas �estas fulminantes vitórias foram

passageiras. A reação iniciou-se logo a seguir. E rapidamente (1850-1851) anulou todas

as concessões � e aniquilou todos os partidos liberais e nacionalistas. [...] Em resumo:

as revoluções de 1848 fracassaram.�. (BECKER, 1978, p. 464-465) Pode-se depreender daí

que até pelo menos meados do século XIX a maior parte da Europa continental ainda era

governada por regimes absolutistas. Ao longo das décadas seguintes ocorreram diversos

movimentos populares de resistência ao absolutismo, e outros tantos con�itos externos

entre os imperadores absolutistas que, gradativamente, levaram à uni�cação de diversos

povos e regiões em Estados nacionais. De qualquer forma, as estratégias comunicativas e

ideológicas difundidas com o processo revolucionário burguês por toda a Europa, já ha-

viam formulado novos códigos culturais que se tornaram latentes e, para que se tornassem

a praxis, foi apenas uma questão de tempo. Uma vez consolidadas as nações européias,

no século XIX, e com o progresso da Revolução Industrial,

surgiu um novo expansionismo europeu, de cunho imperialista, que selançou à conquista dos demais continentes, [e] estendeu-se especialmente

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 149

pela África e a Ásia. Não era apenas colonialista (do antigo tipo mercan-tilista): também era estratégico (militar) e econômico. Cobiçava novasfontes de matérias-primas; não ouro e especiarias, mas elementos indis-pensáveis à indústria. E ambicionava novos mercados [...] para o con-sumo dos produtos industriais das metrópoles. (BECKER, 1978, p. 491)

No início do século XX as grandes potências européias, que então já estavam dentro

de uma forte onda nacionalista, passaram a se agrupar em �sistemas rivais de alianças

[militares] múltiplas�, cuja essência inicial era defensiva e, portanto, pací�ca, mas que

resultaram contraproducentes: criaram um ambiente de descon�ançae temores, intensi�caram o militarismo e acabaram sendo, justamente,uma das principais causas da de�agração da guerra [I Guerra Mundial].Aos motivos militares das alianças acrescentaram-se, naturalmente, in-teresses econômicos, ambições imperialistas e suspicácias nacionalistas.(BECKER, 1978, p. 497)

A intensi�cação do sentimento nacionalista, somado ao patriotismo racial, ao ódio

acumulado entre povos vizinhos, a reivindicações territoriais, e à �paz armada� que levou

à �manutenção de grandes exércitos e frotas poderosas�, gerou um �clima de inquietação e

agressividade� na Europa, que culminou com a I Guerra Mundial. (BECKER, 1978, p. 499)

Com o �m da Guerra a Europa mergulhou no totalitarismo, que se caracterizou por

um �exacerbado orgulho nacional [(nacionalismo)], que se opõe às tendências internaci-

onalistas dos partidos de esquerda�, por uma �economia dirigida (antiliberalismo)�, pela

�defesa da propriedade privada (antimarxismo)� e, de modo geral, por governos ditatoriais

e antidemocráticos. (BECKER, 1978, p. 511) Percebe-se com essa descrição que o regime

totalitário vai no sentido absolutamente inverso aos universais iluministas, conseguindo

ser simultaneamente contrário tanto aos pressupostos do capitalismo de livre mercado,

quanto aos do socialismo e do comunismo. Além disso, enquanto estratégia comunicativa,

os regimes totalitários apresentam, por sua própria natureza, uma fonte de irradiação de

poder materializada na �gura do líder ou do partido, bastante clara e bem de�nida que,

portanto, pode ser atacada pelos métodos convencionais de derrubada de poder. Uma

das diferenças fundamentais entre o totalitarismo, de um lado, e o capitalismo, socia-

lismo e comunismo, de outro, é que o primeiro é nacionalista e os últimos, de modo geral,

são internacionalistas. A gênese �losó�ca do totalitarismo pode ser descrita da seguinte

forma:

Nas suas origens mais íntimas, os regimes totalitários revelam-se comoum ímpeto de reação contra os males do liberalismo �losó�co, político,social e econômico, males que contribuíram decisivamente para a quebra

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150 3 Mídia e cultura

de unidade religiosa, política e social da Europa, a partir do Renasci-mento. [...] Os regimes totalitários [...] procuram falsamente substituiros valores desalojados pelo liberalismo. (BECKER, 1978, p. 517)

É curioso notar que �os governos democráticos da Europa foram criticados e comba-

tidos pelos partidos comunistas e pelos partidos nacionalistas anticomunistas, geralmente

denominados fascistas�. Desta forma, terminada a I Guerra Mundial, �depois de 1929, o

fascismo se revelou uma forma de governo contra-revolucionário, isto é, contra os progres-

sos do movimento comunista que pretendia destruir as democracias liberais em favor do

sistema socialista�. (ARRUDA, 1982, p. 333) Existe, entretanto, um importante ponto de

contato entre o totalitarismo e o liberalismo, que tem no fascismo italiano um bom exem-

plo de como isso se deu: �O poder político era incapaz de controlar a crise. A burguesia

liberal e conservadora sentia-se ameaçada pela revolta social. Por isso decidiu apoiar-

se num grupo político reduzido, mas bem organizado e disposto a acabar, pela força,

com a ameaça revolucionária: os fascistas.� (ARRUDA, 1982, p. 334) Podemos perceber

que novamente a burguesia se apoiava em forças políticas que tinham o controle militar

do Estado, de forma semelhante à ocorrida na França revolucionária do século XVIII, e

que se repetiu, guardadas as devidas proporções, na América Latina durante boa parte

da segunda metade do século XX, quando as elites capitalistas, tanto nacionais quanto

estrangeiras, apoiaram golpes militares na região. Este procedimento con�rma a impor-

tância que os grupos dominantes dão ao controle das duas realidades simultaneamente,

ou seja, não basta o controle ideológico sobre um povo; também é necessário o suporte

institucional dado pelo Estado.

Para Mussolini �o Estado deve tornar-se um gigante. É ele que pode resolver as

contradições dramáticas do capitalismo. Isto que chamamos de crise só pode ser sanado

pelo Estado e no Estado. [...] Se o liberalismo signi�ca indivíduo, fascismo signi�ca

Estado.� (BECKER, 1978, p. 341) Podemos conceber o totalitarismo, de certa forma, como

uma ideologia que se acreditava capaz de fazer a mediação entre os interesses políticos,

econômicos e sociais, não pendendo nem para a ideologia socialista, nem para a capitalista,

mas como ampli�cadora da única força que seria capaz de controlá-las: o Estado �forte�

e �gigante�.

Em 1939, devido a �choques de ideologias políticas irreconciliáveis: totalitários e de-

mocratas (nazi-nipo-facismo, democracia liberal-burguesa, comunismo)�, entre outros mo-

tivos, criou-se o ambiente necessário para o início da II Guerra Mundial, ao �nal da qual,

em 1945, os regimes totalitários nazista, na Alemanha, e fascista, na Itália, foram extin-

tos, dando lugar para a expansão do modelo republicano-democrático por praticamente

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 151

todos os países, em suas duas principais vertentes: capitalista e socialista/comunista, a

primeira liderada pelos Estados Unidos da América, e a segunda, pela União das Repú-

blicas Socialistas Soviéticas. A divisão do mundo em dois blocos gerou aquela que �cou

conhecida como a Guerra Fria, caracterizada por forte tensão internacional e pela �expan-

são do militarismo e dos imperialismos�. A democracia passou a ser um valor meramente

simbólico em muitos países, funcionando apenas como camada ideológica da segunda

realidade, sendo transformada em uma deturpada �democracia de fachada�, geralmente

imposta pelas duas potências militares aos países sob suas respectivas áreas de in�uência.

O totalitarismo nacionalista foi, em essência, derrotado, mas surgiram dois novos tipos de

ditadura, ambos com um forte viés internacionalista: no bloco capitalista, liderado pela

�elite do dinheiro�; no bloco socialista, comandado pela �casta militar�. Ambos, de qual-

quer forma, em geral se auto-denominavam �republicanos� e �democráticos�. (BECKER,

1978, p. 518-525)

Conforme apresentado anteriormente, os ideais do Iluminismo serviram de inspiração

para o desenvolvimento de duas importantes ideologias: capitalismo e socialismo. Uma

das importantes semelhanças que ambas têm entre si é o internacionalismo, ou seja, a

tendência à formação de blocos constituídos por diversos países que, em teoria, deveriam

colaborar uns com os outros. Quanto à in�uência do Estado na economia, tanto o capi-

talismo quanto o socialismo têm vertentes que defendem a forte presença estatal, quanto

sua total ausência. O capitalismo liberal, o socialismo marxista-leninista, e o comunismo,

por exemplo, são tipicamente internacionalistas, enquanto que o capitalismo monopolista

e o socialismo stalinista caracterizam-se por ser fortemente nacionalistas. Ambas as ideo-

logias defendem a meritocracia, ou seja, que as �recompensas [sejam] distribuídas `a cada

qual segundo os seus méritos� ', mas com uma diferença fundamental: no socialismo tal

distribuição deve ocorrer �segundo as realizações [do indivíduo] em prol da comunidade�,

enquanto que no capitalismo a conquista circunscreve-se ao próprio indivíduo. (BECKER,

1978, p. 469)

O direito de propriedade também é interpretado de forma muito diferente pelas duas

ideologias. No socialismo, �as heranças �cariam abolidas [e] o Estado deveria ser o her-

deiro universal de todas as propriedades (socialismo industrialista)�, além do que, segundo

a interpretação de Proudhon, a �grande propriedade (do comerciante, do latifundiário, do

industrial), obtida sem trabalhar, ou sem um trabalho proporcional�, seria um roubo.

(BECKER, 1978, p. 469-470) No capitalismo a propriedade privada é defendida como um

de seus principais pilares de sustentação, não apenas a dos bens de consumo, mas princi-

palmente a dos bens (meios) de produção.

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152 3 Mídia e cultura

Não poderíamos deixar de analisar, com um olhar da comunicação, algumas das idéias

de Karl Marx, que oferece uma compreensão de mundo baseada �na concepção sociológica

(materialismo histórico e luta de classes) e na concepção econômica (a mais-valia e a evo-

lução socialista)�. A compreensão das raízes profundas da cultura capitalista não poderia

desconsiderar, para ser coerente com a análise que procuramos fazer nesta pesquisa, a

in�uência que estas questões tiveram na consolidação dos códigos culturais atuais, uma

vez que a ideologia neoliberal procura justamente ocultar tanto as causas como os efeitos

destas concepções. (BECKER, 1978, p. 473) Para Marx,

O modo de produção e de troca é a base de toda a estrutura social. E aeconomia é o fator fundamental no desenvolvimento da História. Todosos acontecimentos políticos, sociais e intelectuais � são, pois, determina-dos por fatos materiais, sobretudo econômicos (as relações de produçãoe troca entre os homens). Não é a �loso�a, portanto, mas a economia decada época a causa de todas as mudanças sociais e de todas as revoluçõespolíticas. (BECKER, 1978, p. 473)

Tal concepção de mundo nos parece ser coerente, se observarmos o desenvolvimento

das ideologias e das revoluções políticas e sociais de que tratamos anteriormente nesta

pesquisa.

Quando caíram os socialismos reais, há não muitos anos atrás, existia oconsenso unânime de que o poder político e econômico concentrado noEstado era uma ameaça à liberdade individual. De fato, esse foi um dosargumentos mais freqüentados para justi�car o livre mercado e a pro-priedade privada dos meios de produção [...]. Na teoria soava bem, masninguém previu o efeito contrário a estas belas expectativas produzidopelo fenômeno da concentração do capital que, pela via da especulaçãonas bolsas e da usura bancária, acabou acumulando [...] os meios de pro-dução em poucas mãos, aumentando o poder dessa minoria econômicasobre as sociedades até um nível simplesmente [...] incompatível comqualquer concepção e prática democráticas. [...] Pelo menos o Estadoera um inimigo claro e visível, o que permitia organizar a luta social emtorno a objetivos precisos. Mas o capital é onipresente e não existe umcentro de poder ao qual se referir, o que debilita a mobilização social [...]�(HIRSCH, 2008, p. 40, grifo nosso)

Uma das principais contradições do capitalismo é a que diz respeito à �mais-valia� que,

segundo a teoria marxista, seria simultaneamente sua essência e a causa de sua própria

destruição. Ao postular esta lei, Marx não considerou, entretanto, que o sistema seria

capaz de criar mecanismos capazes de superar suas próprias crises internas.

A mais-valia [...] acabará destruindo o próprio regime capitalista. Otrabalhador não ganha bastante para comprar todo o equivalente ao que

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 153

ele produz. Logo, os artigos de consumo se acumularão e não encontrarãocompradores. A superprodução provocará depressões; estas produzirãoa miséria; e esta, por sua vez, as revoluções. (BECKER, 1978, p. 474)

Quando tratarmos especi�camente da crise aérea brasileira, veremos que na época da

crise aérea o Brasil se caracterizava por estar absolutamente bem adequado à ideologia

neoliberal, e que o setor aéreo o�cialmente estava regulado pela Agência Nacional de

Aviação Civil (ANAC), a qual foi criada com:

[...] independência administrativa, autonomia �nanceira, ausência de su-bordinação hierárquica e mandato �xo de seus dirigentes, [...] vinculadaao Ministério da Defesa e tem por �nalidade regular e �scalizar as ativi-dades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária.6

Na prática, a ANAC regulou o setor de aviação civil exatamente de acordo com os

princípios do laissez-faire, o que de fato levou a uma �superprodução� de vôos que estava

muito além do suportado pela infra-estrutura aeronáutica em questão, de acordo com o

que já havia sido enunciado por Marx. Esta relação desproporcional entre quantidade de

vôos e infra-estrutura disponível foi apresentada, via de regra, como um problema de má

adaptação desta infra-estrutura à oferta de vôos, e não o contrário. As notícias sobre a

crise aérea apresentaram, em geral, uma visão de que o Estado, representado pela agência

reguladora ANAC, foi incopetente por não oferecer a infra-estrutura necessária, e não por

não ter regulado a oferta de vôos levando-se em consideração a infra-estrutura disponível.

Esta inversão foi, segundo percebemos ao longo desta pesquisa, o viés principal pelo qual

esta parte da história foi consolidada junto à opinião pública.

Com o advento do capitalismo, algumas questões de ordem moral também são relativi-

zadas, de forma que gradativamente os con�itos de valores e interesses entre ricos e pobres,

ou burgueses e proletários, vão sendo minimizados e, de certa forma, homogeneizados:

A distinção anterior entre virtudes e vícios dos grandes e virtudes evícios dos pequenos vai se apagando e surge em seu lugar a imagem dosindivíduos iguais, sujeitos por natureza às mesmas paixões, capazes dosmesmos vícios e virtudes. Isso é compreensível em uma sociedade na quala divisão social tende a ser ocultada pela imagem da igualdade natural deseus membros e na qual a realidade passa a alojar-se não mais na �gurada comunidade, mas na do indivíduo. (CHAUI, 2006, p. 88, grifo nosso)

6

Regimento Interno da Agência Nacional de Aviação Civil, Artigo 1.

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154 3 Mídia e cultura

Entre as diversas análises críticas do capitalismo que surgiram ao longo do século

XX, alguns argumentos con�rmam o raciocínio que apresentamos até aqui, de que uma

das estratégias utilizadas pelos grupos que detêm o poder no capitalismo é controlar não

apenas o mercado, mas também o Estado e, desde que foi desenvolvida, também a mídia.

Neste sentido vai a encíclica papal Quadragesimo Anno, assinada pelo Papa Pio XI, que

descreve o modus operandi desta estratégia inerente ao capitalismo:

É coisa manifesta que em nossos tempos não só se amontoam riquezas,mas se acumula um poder imenso e um verdadeiro despotismo econômiconas mãos de poucos, que as mais das vezes não são senhores, mas simplesdepositários e administradores de capitais alheios, com que negociam aseu talante.Este despotismo torna-se intolerável naqueles que, tendo nas suas mãoso dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõemdo sangue de que vive toda a economia, e de tal maneira a manejam,que ninguém pode respirar sem sua licença.Este acumular de poderio e de recursos, nota característica da economiaatual, é conseqüência lógica da concorrência desenfreada, à qual só po-dem sobreviver ordinariamente os mais fortes, isto é, os mais violentoscompetidores e que menos sofrem de escrúpulos de consciência.Por outra parte, este mesmo acumular de poderio gera três espécies deluta pelo predomínio: primeiro luta-se por alcançar o predomínio econô-mico, depois combate-se renhidamente por obter o predomínio no go-verno da nação, a �m de poder abusar do seu nome, forças e autoridadenas lutas econômicas; en�m, lutam os Estados entre si, empregando cadaum deles a força e in�uência política para promover as vantagens econô-micas dos seus cidadãos, ou ao contrário empregando as forças e predo-mínio econômico para resolver as questões políticas que surgem entre asnações. (BECKER, 1978, p. 481-482)

Em uma outra encíclica papal, desta vez a Mater et Magistra, são feitas as seguintes

considerações que, de certa forma, completam uma crítica à economia de livre mercado:

A livre concorrência, em virtude da dialética que lhe é própria, tinha aca-bado por destruir-se a si mesma ou pouco menos; levara a uma grandeconcentração da riqueza e além disso à acumulação de um poder econô-mico desmedido nas mãos de poucos, os quais, muitas vezes, nem sequereram proprietários, mas simples depositários e administradores do capi-tal, de que dispunham a seu bel-prazer.E assim, [...] à liberdade de mercado sucedeu a hegemonia econômica; àsede de lucro, a cobiça desenfreada do predomínio; de modo que toda aeconomia se tornou horrivelmente dura, inexorável, cruel, escravizandoos poderes públicos aos interesses de grupo e desembocando no imperia-lismo internacional do dinheiro. (BECKER, 1978, p. 482, grifo do autor)

Devemos ter em mente, principalmente, que a Igreja Católica foi uma das instituições

que mais perdeu poder com o advento do capitalismo empreendido pela burguesia e que,

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 155

talvez por isso, seja uma das instituições capazes de realizar análises críticas à cultura

predominante atual, da mesma forma que os �lósofos iluministas foram capazes de fazer

à cultura predominante da época, quando a Igreja era uma das instituições que mais

detinha poder. Nesta linha de análises críticas, �o que o marxismo teve de sugestivo

para os grandes conjuntos foi a descrição daquela sociedade justa, solidária e bondosa

do futuro [...]. Mas o que terminou arruinando tudo foi sua atroz concepção da práxis

revolucionária.� (HIRSCH, 2008, p. 115) Marx não previu todas as possíveis estratégias

utilizadas para evitar uma eventual revolução proletária, e nem a dimensão que a mídia

ideologicamente cooptada viria a ocupar para manter o status quo.

3.3.2 Estratégias ideológicas do Estado moderno

Chaui explica as bases do surgimento do Estado moderno, a partir da perspectiva de

que este possui a mesma lógica de inversão de valores que possui a ideologia, buscando

submeter a realidade às idéias, e não o contrário:

Assim como na divisão entre trabalho material e intelectual nasce a supo-sição de uma autonomia das idéias, como se fossem ou como se tivessemuma realidade própria independente dos homens, assim também, da se-paração entre os homens em classes sociais particulares com interessesparticulares contraditórios, nasce a idéia de um interesse geral ou comumque se encarna numa instituição determinada: o Estado.O Estado aparece como a realização do interesse geral [...], mas, na reali-dade, ele é a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosada sociedade (a classe dos proprietários) ganham a aparência de interes-ses de toda a sociedade.O Estado não é um poder distinto da sociedade, que a ordena e regulapara o interesse geral de�nido por ele próprio enquanto poder separadoe acima das particularidades dos interesses de classe. Ele é a preservaçãodos interesses particulares da classe que domina a sociedade. Ele exprimena esfera da política as relações de exploração que existem na esferaeconômica.O Estado é uma comunidade ilusória. Isto não quer dizer que seja falso,mas sim que ele aparece como comunidade porque é assim percebidopelos sujeitos sociais. Estes precisam dessa �gura uni�cada e uni�cadorapara conseguirem tolerar a existência das divisões sociais, escondendoque tais divisões permanecem através do Estado. [...]Como, porém, o Estado não poderia realizar sua função apaziguadora ereguladora da sociedade (em benefício de uma classe) se aparecesse comorealização de interesses particulares, ele precisa aparecer como uma formamuito especial de dominação: uma dominação impessoal e anônima, adominação exercida através de um mecanismo impessoal que são as leisou o Direito Civil. Graças às leis, o Estado aparece como um poder quenão pertence a ninguém. [...] (CHAUI, 1984, p. 69-70, grifo do autor)

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156 3 Mídia e cultura

No contexto cultural atual, em que outros modelos de Estado como o socialista sovié-

tico, ou os totalitários fascistas, sucumbiram diante do modelo capitalista, é notável o fato

de que enquanto estratégia comunicativa, o neoliberalismo foi o modelo mais in�uente e

que mais se bene�ciou com o advento da globalização, uma vez que foi capaz de se in�l-

trar ideologicamente na maioria dos Estados modernos, de forma a torná-los submissos

a interesses �nanceiros. Num mundo globalizado, em que não há mais blocos ideológicos

em disputa, os grupos que se encontram no poder não têm mais a necessidade de contar

com Estados fortes como meio de proteção ao outro bloco e, desta forma, o mercado pode

contar com Estados que se comportem como meros garantidores do laissez-faire. Hirsch

faz uma análise do Estado in�uenciado pelos paradigmas da ideologia neoliberal e com a

contribuição massiva da mídia para consolidar estes ideais:

A estratégia neoliberal para destruir os Estados nacionais concentrou-seem duas frentes: seu desprestígio sistemático frente à opinião pública e adebilitação progressiva de seu poder de decisão. A imagem pública ruimdo Estado é conseqüência de uma intensa campanha midiática, susten-tada durante longo tempo, com o uso da tribuna massiva e quase mono-pólica que os meios de difusão outorgam às mãos do poder econômico.[...]A redução da capacidade decisória do Estado foi uma operação um poucomais complexa, que vai da extorsão que o capital �nanceiro internacionalexerce sobre os países, condicionando qualquer investimento ou créditoà manutenção de certos equilíbrios macroeconômicos e a drásticas redu-ções no gasto público, até a incrustação de uma casta de tecnocratas naburocracia estatal com o explícito mandato de executar ao pé da letra aspolíticas neoliberais, inclusive passando por cima dos governantes eleitospelo povo. [...]A fórmula de um Estado forte e um povo débil desembocou fatalmentenos totalitarismos estatais que sufocavam a liberdade através da violênciainstitucional. Um Estado débil e um povo débil geraram um vazio depoder que permitiu a irrupção de um estado paralelo ilegítimo nas mãosdo poder �nanceiro internacional, que mantém as sociedades `cativas'mediante a imposição de condições de violência econômica generalizada.Um Estado e um povo fortes estariam em condições de, pelo menos,neutralizar o paraestado e poderiam estabelecer entre eles um equilíbriodinâmico de poderes. [...] (HIRSCH, 2008, p. 84-85,94-95)

Desta forma, o que se percebe é que os mecanismos de poder criados por uma parte

da humanidade, para controlar a outra parte, já foi controlado pela Igreja, por meio da

religião, por partidos comunistas e fascistas, por meio da propaganda política e, atual-

mente, é controlada pelo poder econômico, chamado aqui genericamente de mercado, por

meio da mídia e do Estado cooptados. As condições tecnológicas e cientí�cas atuais,

somadas à consolidação dos instrumentos institucionais que permitem o relacionamento

dos diversos Estados a nível internacional, leva à intensi�cação da globalização enquanto

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 157

um movimento que permite o livre �uxo de capitais, o �uxo parcialmente livre de mer-

cadorias, e o �uxo muito mais restrito de seres humanos. Tais deslocamentos de fato

ocorrem no universo da primeira realidade, ou seja, são fenômenos que acontecem no

mundo físico, biológico e social humanos. A manutenção deste mecanismo, entretanto,

necessita do convencimento generalizado dos seres humanos que a ele se submetem e, para

isso, a mídia e a Indústria Cultural como um todo, têm papel predominante. Sem o ali-

nhamento do imaginário de parcela signi�cativa da espécie humana, às condições muitas

vezes desumanas em que boa parte de seus membros sobrevive, tal mecanismo tenderia

a ser insustentável. Para evitar o desmoronamento do status quo na primeira realidade

� relativa à sobrevivência física dos seres � e garantir a continuidade e a propagação da

ideologia que predomina atualmente � a qual atua, como vimos, na segunda realidade

�, a mídia tem a função de construir no imaginário individual e coletivo uma realidade

que seja baseada em fatos reais, mas que não necessariamente tenha o compromisso de

esclarecer as reais contradições que o sistema atual apresenta, e nem mesmo de apresentar

os fatos tal como eles verdadeiramente acontecem.

Marx e Engels chamam de �ideologia burguesa� ao fenômeno que levou seus ideólogos

a formularem idéias com base no que eles (os ideólogos), até onde sabe-se, acreditavam

ser uma realidade objetiva. Acontece que tanto os humanistas, quanto os renascentistas e

os iluministas, foram fortemente in�uenciados por novas descobertas relativas à natureza

física e biológica, e acabaram importanto a lógica de pensamento que é adequada às

pesquisas sobre esta natureza � primeira realidade �, para a realidade humana na qual

eles próprios estavam inseridos. Neste sentido, Chaui (1984, p. 78-79) esclarece que:

A ideologia burguesa, através de seus intelectuais, irá produzir idéiasque con�rmem essa alienação, fazendo, por exemplo, com que os homenscreiam que são desiguais por natureza e por talentos, ou que são desiguaispor desejo próprio, isto é, os que honestamente trabalham enriqueceme os preguiçosos, empobrecem. Ou, então, faz com que creiam que sãodesiguais por natureza, mas que a vida social, permitindo a todos odireito de trabalhar, lhes dá iguais chances de melhorar � ocultando,assim, que os que trabalham não são senhores de seu trabalho e que,portanto, suas `chances de melhorar' não dependem deles, mas de quempossui os meios e condições do trabalho. Ou, ainda, faz com que oshomens creiam que são desiguais por natureza e pelas condições sociais,mas que são iguais perante a lei e perante o Estado, escondendo que a leifoi feita pelos dominantes e que o Estado é instrumento dos dominantes.

Uma das diferenças entre a ideologia burguesa e aquela que aqui chamamos de neo-

liberal é o momento histórico: a primeira foi formulada aproximadamente na época em

que a burguesia vencia o absolutismo monárquico; a segunda, foi desenvolvida ao longo

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158 3 Mídia e cultura

do século XX. Ambas, de qualquer forma, têm raízes nos ideais iluministas, e esta última

é, de certa forma, a adaptação da primeira a um contexto globalizado especialmente nos

aspectos cultural, midiático e econômico. O progresso, compreendido como o �m inevi-

tável a que se destina a sociedade humana atual, justi�ca todos os meios utilizados para

atingi-lo. Maquiavel já havia prescrito em O Príncipe que �os �ns justi�cam os meios�,

ideologicamente falando.

[...] a ideologia burguesa tende a explicar a história através da idéia deprogresso. Como a burguesia se vê a si mesma como uma força pro-gressista, porque usa as técnicas e as ciências para um aumento total docontrole sobre a Natureza e [sobre] a sociedade, considera que todo o realse explica em termos de progresso. [...][...] não só os acontecimentos históricos são explicados de modo invertido(o �m explica o começo), mas tal `explicação' ainda permite que a classedominante justi�que suas ações, fazendo-as aparecer como as `razõesda história'. Atribui-se à história uma racionalidade que é apenas alegitimação dos dominantes. (CHAUI, 1984, p. 84-85)

Num mundo globalizado, em que a mídia tem papel fundamental enquanto dissemi-

nadora da ideologia dominante, um dos mecanismos utilizados para ocultar-se os con�itos

de interesses que existem entre aqueles que mais se bene�ciam com o status quo, e todos

os demais seres humanos, é a transformação de interesses essencialmente contraditórios,

em interesses aparentemente comuns a toda a sociedade.

Se a história é o processo prático pelo qual homens determinados emcondições determinadas estabelecem relações sociais por meio das quaistransformam a Natureza (pelo trabalho), se dividem em classes (peladivisão social do trabalho que determina a existência de proprietários ede não proprietários), organizam essas relações através das instituiçõese representam suas vidas através das idéias, e se a história é da luta declasses, luta que �ca dissimulada pelas idéias que representam os interes-ses contraditórios como se fossem interesses comuns de toda a sociedade(através da ideologia e do Estado), então a história é também o processode dominação de uma parte da sociedade sobre todas as outras. (CHAUI,1984, p. 85, grifo nosso)

Independentemente de haver ou não uma luta de classes segundo a concepção marxista

propriamente dita, ou de haver ou não um con�ito de interesses entre grupos socioeco-

nomicamente distintos, nos parece adequada a compreensão de que realmente existe uma

diferença de poder e de interesses entre os indivíduos que ocupam posições de comando

no aparato estatal, mercadológico ou ideológico, e todos os demais. Da forma que tais

estruturas são organizadas, o �uxo de poder costuma ser piramidal, de forma que poucos

indivíduos têm proporcionalmente muito mais poder do que todos aqueles que estão a

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 159

eles subordinados. Um dos dispositivos ideológicos utilizados para manter essa estrutura

é a cooptação ideológica: o subordinado aceita submeter-se àquela estrutura, e alimenta o

desejo e a esperança (portanto segunda realidade) de nela ter a possibilidade de ascender,

a depender única e exclusivamente do seu próprio mérito. Um outro dispositivo é a dissi-

mulação, o ocultamento das contradições inerentes a este sistema, de modo a transformar

automaticamente qualquer con�ito de interesses em interesse comum a todos os membros

daquela estrutura, seja ela uma empresa, uma repartição pública, uma sociedade, ou até

mesmo a humanidade inteira. Assim, o que se mostra fundamental para a manutenção

do status quo é, além do controle das forças repressivas que possam ser utilizadas nos

casos em que a sociedade possa fugir do controle no mundo físico propriamente dito, ter

o controle da segunda realidade, que se dá por meio da conquista da imaginação indivi-

dual e coletiva. Para o controle da primeira realidade o Estado oferece um conjunto de

instituições que têm se mostrado e�cientes até os dias atuais: o poder policial, as forças

armadas, as Leis, a Justiça e os diversos instrumentos de controle de que dispõe em ge-

ral. Para controlar a segunda realidade, quem oferece ferramentas e�cientes de cooptação

ideológica é a mídia, nas suas mais diversas manifestações: notícias, opiniões, publici-

dade, entretenimento; e nos seus mais diversos veículos: jornais, revistas, rádio, cinema,

televisão, portais na Internet. Daremos ênfase na presente pesquisa às notícias de jornal,

mais especi�camente na versão eletrônica do jornal Folha de S. Paulo, devido à maior

quantidade de informações disponíveis em relação à versão impressa.

Uma das perspectivas que buscamos analisar ao longo desta pesquisa é sobre como

se dá o processo de manutenção do status quo na época atual e, para isso, acreditamos

ser necessário re�etir sobre o contexto histórico no qual nos encontramos hoje, em que,

pelo que pudemos descobrir ao longo do trabalho, três agentes servem como os principais

reprodutores das condições sociais atuais: Estado, mercado e mídia. Tomaremos, para

isso, a de�nição de ideologia que segue:

A ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer adominação, fazendo com que esta não seja percebida como tal pelosdominados. [...][...] o que faz da ideologia uma força quase impossível de ser destruída éo fato de que a dominação real é justamente aquilo que a ideologia tempor �nalidade ocultar. Em outras palavras, a ideologia nasce para fazercom que os homens creiam que suas vidas são o que são em decorrênciada ação de certas entidades (a Natureza, os deuses ou Deus, a Razão oua Ciência, a Sociedade, o Estado) que existem em si e por si e às quaisé legítimo e legal que se submetam. Ora, como a experiência vividaimediata e a alienação con�rmam tais idéias, a ideologia simplesmentecristaliza em `verdades' a visão invertida do real. Seu papel é fazer

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160 3 Mídia e cultura

com que no lugar dos dominantes apareçam idéias `verdadeiras'. Seupapel também é o de fazer com que os homens creiam que tais idéiasrepresentam efetivamente a realidade. E, en�m, também é seu papelfazer com que os homens creiam que essas idéias são autônomas (nãodependem de ninguém) e que representam realidades autônomas (nãoforam feitas por ninguém). (CHAUI, 1984, p. 86-88)

Esta visão determinística do processo social pode ser melhor contextualizada ao com-

preendermos que a ideologia predominante nos tempos atuais, na cultura da maior parte

dos países, foi inspirada em meio a um período de profundas mudanças sociais, políticas,

econômicas e até mesmo cientí�cas, iniciadas com intensidade nos movimentos humanista,

renascentista e iluminista, como vimos em 3.1.2. Fica claro, assim, que existe uma origem

histórica para a argumentação implícita e oculta de que as desigualdades e injustiças exis-

tentes na sociedade humana seriam decorrência de um processo aparentemente natural,

mecânico, biológico e, principalmente, inevitável, justamente porque viria a ser de origem

natural, e não por conseqüência de interesses, escolhas e ações humanas. A manutenção

desta lógica que extrapola metodologias adequadas às ciências Exatas e Biológicas, para

as ciências Humanas em geral, resulta de um processo histórico e ideológico sobre o qual

procuraremos discorrer ao longo do texto. De qualquer forma, acreditamos ser funda-

mental termos claro que �a classe que explora economicamente só poderá manter seus

privilégios se dominar politicamente e, portanto, se dispuser de instrumentos para essa

dominação. Esses instrumentos são dois: o Estado e a ideologia.� (CHAUI, 1984, p. 90)

Tendo o controle desses dois instrumentos, domina soberano nos tempos atuais aquilo que

convencionamos chamar de mercado, mas que também é conhecido na literatura como o

capital, a burguesia, a elite, a direita, as corporações, en�m, toda e qualquer forma de po-

der com base no ganho e no acúmulo de dinheiro e riquezas, típica do sistema econômico

capitalista. Não se trata, entretanto, de realizar uma crítica revolucionária inspirada em

qualquer outra ideologia socialista, comunista, proletária, do povo, de esquerda, coopera-

tivista, anarquista ou qualquer outro nome que se dê à crítica feita ao status quo atual.

Buscamos apenas compreender de forma crítica o modus operandi por meio do qual a mí-

dia é utilizada como irradiador ideológico, reprodutor social e mantenedor do status quo, a

que interesses principais este poderoso instrumento serve, e algumas das técnicas de ocul-

tação das contradições e dos con�itos de interesses utilizadas pelos meios de comunicação

que, além de servirem como instrumento, geralmente estão alinhados também no que diz

respeito à busca pelos mesmos �ns dos buscados pelos interesses que ela representa: o

maior acúmulo possível de riqueza, ou seja, o maior lucro.

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 161

3.3.3 O neoliberalismo como cultura dominante

Numa análise relativa às diferenças entre as fases industrial e pós-industrial do capi-

talismo, Harvey (apud CHAUI, 2006, p. 30-31, grifo nosso) aponta que:

[...] na fase industrial, com o modelo fordista, o capital induzira o apa-recimento das grandes fábricas (nas quais se tornavam visíveis as divi-sões sociais, a organização das classes e a luta de classes) e ancorara-sena prática de controle de todas as etapas da produção (da extração damatéria-prima à distribuição do produto no mercado de consumo), bemcomo nas idéias de qualidade e durabilidade dos produtos (levando, porexemplo, à formação de grandes estoques para a travessia dos anos). Emcontrapartida, na fase dita pós-industrial, imperam: 1) a fragmentação ea dispersão da produção econômica (incidindo diretamente sobre a classetrabalhadora, que perde seus referenciais de identidade, de organização ede luta); 2) a hegemonia do capital �nanceiro; 3) a rotatividade extremada mão-de-obra; 4) os produtos descartáveis (com o �m das idéias dedurabilidade, qualidade e estocagem); 5) a obsolescência vertiginosa dasquali�cações para o trabalho em decorrência do surgimento incessantede novas tecnologias; e 6) o desemprego estrutural, decorrente da auto-mação e da alta rotatividade de mão-de-obra, causando exclusão social,econômica e política. A desigualdade econômica e social atinge níveisjamais vistos e não só mantém a distância entre países centrais ricos epaíses periféricos pobres, como ainda, em todos eles, divide a sociedadeentre bolsões de riqueza e bolsões de miséria.

Na cultura capitalista, o mercado de trabalho incorpora a mesma lógica de laissez-faire

que todas as demais camadas da produção de riquezas. Desta forma, o modus operandi

pelo qual os animais em estado selvagem se organizam é incorporado ao modo pelo qual

os seres humanos organizam a principal fonte de renda disponível desde a Revolução

Industrial: o trabalho assalariado, levando a uma:

�guerra desumana para conseguir uma ocupação [, o que] empurra ossalários para baixo, obrigando os trabalhadores a se endividarem. En-tão, fecha-se o maquiavélico círculo: aí estão os bancos, os donos docapital, os mesmos que praticam a especulação internacional em grandeescala, mas agora [...] oferecendo créditos a torto e a direito a milhõesde desesperados dispostos a se escravizar por toda a vida, contanto quetenham acesso a recursos que não podem obter através de sua atividadetrabalhista.� (HIRSCH, 2008, p. 69)

A diferença entre aquilo que é considerado um regime republicano e outro tirânico está

justamente na relação de escravidão que este último estabelece, a qual pode ser forçada

ou consensual.

[...] um regime político é livre ou republicano quando nele os cidadãosagem em conformidade com a lei porque se reconhecem como origem

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162 3 Mídia e cultura

ou como autores das leis segundo seus direitos; e será tirânico o regimepolítico no qual os cidadãos obedecem às leis por medo dos castigos,sendo por isso tomados como escravos, uma vez que, perante o direito, éescravo aquele que vive sob o poder de outro homem e realiza os desejosde outrem como se fossem os seus próprios. (CHAUI, 2006, p. 97, grifonosso)

Num mundo caracterizado pela globalização, em que o �uxo de capital tornou-se

isento de qualquer controle ou restrição por parte dos Estados nacionais, �ca evidente que

o equilíbrio de forças não se dá mais no campo do con�ito de interesses nacionais, ainda que

possamos restringir a compreensão de �interesses nacionais� para os interesses especí�cos

das burguesias cujos principais negócios estão hospedados em um determinado país. �Os

totalitarismos são maus para os indivíduos, porque restringem ou anulam sua liberdade

pela força. Mas quando um totalitarismo impõe-se sobre toda a espécie humana, como

acontece com a globalização, isso já é um desastre maiúsculo, porque nos deixa sem outras

opções de resposta.� (HIRSCH, 2008, p. 57) Podemos tentar compreender a hegemonia do

capitalismo �nanceiro como o resultado da vitória sobre outras duas modalidades de

capitalismo: o mercantil e o industrial. Se por um lado esses dois formatos de capitalismo

caracterizavam-se pela criação de nações fortes situadas no centro da economia, cujo �uxo

de riquezas as bene�ciavam, com o capitalismo �nanceiro a necessidade da existência de

Estados fortes perde o sentido. A rigor,

quem tem a capacidade (ou a compulsão?) para se concentrar é aqueleque chamaremos de `capital especulativo' ou `capital �nanceiro', paradiferenciá-lo do capital produtivo, já que este último tipo de investi-mento, que permanece vinculado ao lugar em que se instala a infra-estrutura produtiva e comprometido com esse entorno social, enriquece,sim, a cadeia de valor associada aos processos de produção e colaborae�cazmente na distribuição da riqueza. (HIRSCH, 2008, p. 41)

Mas num mundo em que as regras de competição são estabelecidas segundo a lógica

do máximo lucro a qualquer custo, nem mesmo as empresas produtivas são capazes de

colaborar e�cientemente com a distribuição de riqueza, a partir do momento em que as

mesmas passam a ser negociadas livremente em bolsas de valores e, com isso, passam a

obedecer aos interesses do capital especulativo internacional.

[...] os mecanismos de exploração hoje são muito mais sutis e elabora-dos. A rentabilidade e o lucro deslocaram-se do exclusivamente produtivopara o intercâmbio especulativo através da rede virtual. É assim que ocapital �nanceiro percorre as bolsas [de valores] do mundo com total li-berdade, comprando e vendendo ações de empresas produtivas, das quaisexige a máxima rentabilidade, obrigando-as a prescindir do elemento hu-mano ou a barateá-lo ao máximo por meio de uma completa desregu-lamentação (leia-se `�exibilização') dos mercados trabalhistas locais ou,

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 163

inclusive, mediante o traslado das instalações produtivas para aquelaszonas do planeta onde o custo da mão-de-obra é menor. (HIRSCH, 2008,p. 68-69)

O capitalismo �nanceiro, que pode ser interpretado como a própria implementação

econômica dos ideais neoliberais, passa a ter nos Estados meros suportes para o seu

pleno desenvolvimento e sua crescente acumulação, seja como garantidores do laissez-faire,

seja como implementadores de repúblicas democráticas alinhadas à ideologia neoliberal

nos países em que tal mecanismo ainda não esteja funcionando adequadamente. Para

Francisco de Oliveira (CHAUI, 2006, p. 31-32):

O Estado [...] distancia-se do modelo do bem-estar social, no qual [...]o poder público regulamentava e �scalizava a economia e os fundos pú-blicos eram dirigidos não somente para o �nanciamento do capital, mastambém para o da reprodução da força de trabalho, por meio dos direitossociais ou do salário indireto. O esgotamento desse modelo político de-corre de duas causas principais: de um lado, o endividamento do Estadoou o dé�cit �scal, de outro a pressão dos grupos capitalistas dirigentes,por meio de seus teóricos, contra a regulação estatal da economia e so-bretudo contra o �nanciamento dos direitos sociais dos trabalhadores,exigindo que a totalidade dos fundos públicos seja dirigida ao capital.Implementa-se o Estado neoliberal e com ele o encolhimento do espaçopúblico e o alargamento do espaço privado, isto é, o mercado.

Aquilo que se convencionou chamar de democracia, que a todo custo é mantida e

disseminada em quase todos os países segundo uma lógica prioritariamente mais repre-

sentativa do que participativa (ou direta), ainda que com a existência de diferenças no que

diz respeito à forma de ser exercida, mas cujo modus operandi é quase sempre o mesmo,

se tornou o meio ambiente ideal para a irradiação do neoliberalismo. Implementada desta

forma, �[...] a democracia não é mais do que o amável disfarce de uma feroz tirania do

dinheiro.� (HIRSCH, 2008, p. 131) Assim, tanto o Estado quanto a mídia se tornam sub-

missos aos interesses do mercado, ou seja: todos os principais mediadores da civilização

atual estão alinhados e comprometidos com a manutenção deste novo status quo. Se na

época do Congresso de Viena, conforme analisamos em 3.3.1, por status quo entendia-se a

manutenção do absolutismo monárquico, hoje pode-se compreender como a manutenção

de um absolutismo de mercado, uma vez que os papéis de comando foram substituídos e o

poder do capital está pulverizado, oculto, descentralizado, internacionalizado, globalizado,

conforme os desdobramentos que ocorreram a partir da ideologia iluminista formulada no

século XVIII, com palavras diferentes: internacionalismo ou globalização, mas restrita-

mente para os capitais e para a cultura, e não para os seres humanos. Ou seja, enquanto

a tendência é de que as eventuais barreiras à livre circulação do capital ainda existentes

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164 3 Mídia e cultura

desapareçam, o mesmo não ocorre no que se refere à livre circulação de seres humanos.

Ilhas de riqueza e prosperidade podem ser criadas a qualquer momento, mas os pobres do

mundo não têm livre acesso às mesmas, a não ser por meio da indústria cultural, ou seja,

da segunda realidade, da imaginação.

[...] sob a aparência da democratização do pensamento pelos meios decomunicação e de informação, o que se produziu foi uma das mais po-derosas máquinas de intimidação social, pois os sujeitos sociais são, aomesmo tempo, excluídos do direito de produzir conhecimentos ou deexprimir seus conhecimentos e forçados a aceitar regras de vida ditadaspelos especialistas, possuidores dos conhecimentos, correndo o risco, casonão aceitem tal imposição, de serem considerados associais, detrito, lixoou perigo para a sociedade. (CHAUI, 2006, p. 102-103, grifo do autor)

Enquanto a democracia, por um lado, tem sido utilizada basicamente como um instru-

mento de legitimação do status quo, por meio do compartilhamento de responsabilidades

decorrente do processo eleitoral entre todos os votantes, por outro lado �restringem cada

vez mais os recursos do Estado, deixando-o sem possibilidades materiais para resolver

realmente as carências sociais. Com isso, os que aparecem como responsáveis e sofrem o

desprestígio público são os governantes e não o capital �nanceiro [...].� (HIRSCH, 2008,

p. 47) A todo instante os governos são desprestigiados, o processo político é desacredi-

tado, mas o mercado é enaltecido. Como veremos no capítulo referente ao estudo de caso

realizado no presente trabalho, esta lógica realmente se con�rma. �A limitação do poder

estatal e a desregulamentação dos mercados locais [...] não passam de táticas utilizadas

pelo capital �nanceiro para anular qualquer outro poder e assegurar sua livre circulação

pelo mundo.� (HIRSCH, 2008, p. 49) No mercado de transporte aéreo regular brasileiro

tal a�rmação tem se mostrado absolutamente coerente com a realidade.

A partir da Revolução Industrial, o aumento da riqueza social no mundodevido à revolução tecnológica foi concomitante a um processo de acu-mulação dessa riqueza em mãos cada vez menos numerosas, até alcançarhoje um grau de concentração tão extremo que terminou se convertendoem um monstruoso poder paralelo, em um paraestado7. É assim que opoder político aparece, então, como um simples intermediário ou execu-tor das intenções das grandes concentrações econômicas, que despudora-damente estabeleceram o código segundo o qual os governos só podemser `administradores' de seus países, porque o modelo econômico e socialuniversal que estabelece as regras do jogo imposto por eles não é modi�-cável. Ou seja, converteram a ilustre função de governar em uma espéciede magister ludi8, que no máximo se ocupa do cumprimento das regras,sem autoridade nenhuma para mudar o jogo. [...] esta forma de governo

7Paraestado: estado paralelo.8Magister ludi : do latim �mestre do jogo�.

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 165

é a que se conhece historicamente como plutocracia9. Se os gregos já lhederam nome, então tem pelo menos 2500 anos [que existe]. Talvez, aúnica diferença seja que agora os ricos não precisam estar �sicamente nogoverno, porque o controlam através dos políticos. Ou seja, embora naforma pareça que vivemos em uma democracia, na prática, trata-se deuma plutocracia que funciona deste modo: os ricos não estão no governo,mas têm o poder [econômico e midiático]; os políticos não têm o poder,mas estão no governo. (HIRSCH, 2008, p. 37-38)

Da mesma forma que o socialismo soviético falhou, entre outros motivos, por não ter

sido capaz de implementar as teorias por muitos consideradas como utópicas, o capita-

lismo neoliberal também parte de pressupostos utópicos que, se não forem devidamente

implementados, tendem a levá-lo ao fracasso, seja devido às suas próprias contradições in-

ternas, seja devido à impossibilidade de ser plenamente executado. Na prática, �o grande

problema desta concepção [neoliberal], estruturada a partir do idealismo imperante no

momento histórico em que surgiu, é que o automatismo, a transparência e a simetria

perfeitos que supõe todo este armado ideológico não funcionam na realidade.� (HIRSCH,

2008, p. 73, grifo do autor) O mercado tornou-se absoluto quando o �neoliberalismo [...]

teve um êxito notável em instalar critérios absolutos de desregulamenteção nos mercados

locais para permitir a internacionalização do capital e favorecer seu �uxo livre.� (HIRSCH,

2008, p. 75) Apesar do suposto racionalismo por meio do qual o mercado seria capaz de se

regular segundo leis naturais, de livre mercado, é importante notarmos que a natureza, na

qual a própria ideologia neoliberal se inspira, utiliza uma estratégia exatamente oposta:

A etimologia da palavra `homogeneidade' é algo como `o mesmo gene'.Alguém pode imaginar a natureza apostando em uma só espécie, em umaúnica forma de vida? [...] A vida, em seu desdobramento incessante deadaptação crescente ao meio, apóia-se na diversidade, assegurando-se deque algumas das in�nitas respostas de adaptação que ela dá continua-mente terão êxito e seguirão adiante. (HIRSCH, 2008, p. 56)

Uma das contradições da ideologia neoliberal está no fato de que ela se apoia justa-

mente em uma suposta ordem natural, por meio da qual os diversos agentes que disputam

o mercado seriam capazes de se auto-regularem. Acontece que a globalização faz exata-

mente o contrário, ou seja, ela tende a �apostar na homogeneização, em um único estilo

de vida, em uma única resposta de adaptação que se tratou de generalizar à força em

todo o planeta. [...] Como se sabe, este estilo de vida particular viu a luz com o surgi-

mento do Capitalismo, fortemente potencializado pela Revolução Industrial.� Daí surgiu

a importância de, para compreendermos adequadamente o contexto no qual estamos inse-

ridos atualmente, resgatarmos algumas das camadas históricas sobre as quais o ambiente9Plutocracia, do grego ploutos: riqueza + cracia: governo; governo dos ricos.

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166 3 Mídia e cultura

atual tem se desenvolvido. De forma geral, �o capital �nanceiro internacional tende a

homogeneizar a economia, o Direito, as comunicações, os valores, a língua, os usos e os

costumes.� Essa concepção de mundo centralizadora e homogeneizadora tende, portanto,

a propagar-se por todas as esferas públicas e privadas em que não houver resistência, e

é nesse aspecto que a mídia tem dado sua grande contribuição enquanto disseminadora

ideológica. (HIRSCH, 2008, p. 56-57)

Outra estratégia comunicativa decorrente do capitalismo de livre mercado é justa-

mente a inversão de valores realizada pela propaganda ideológica, que vincula à idéia de

liberdade um pré-requisito necessário para que o mercado encontre sua máxima e�ciên-

cia. O que não é dito às claras, contudo, é que �integrar a diversidade cultural e étnica

implicará resolver problemas difíceis, mas é um caminho evolutivo, ascendente, libertário;

por sua vez, pretender uniformizar o múltiplo para controlá-lo é uma direção involutiva,

arbitrária e forçosamente violenta.� (HIRSCH, 2008, p. 60-61, grifo nosso) Acreditamos

que a assimilação desta diferença fundamental, ideologicamente invertida, entre o que

viria a ser de fato libertário, e o que acaba sendo na prática arbitrário, é fundamental

para compreendermos que o processo de globalização imposto arbitrariamente pelo capi-

tal especulativo internacional, apesar da forma enaltecedora com que é constantemente

apresentada pela mídia e pela indústria cultural em geral, na verdade trata-se não de

uma maneira de conectar as diversas culturas e visões de mundo, mas sim de irradiar uma

certa maneira de enxergar o mundo. Esta visão leva à solução homogeneizadora de que

falamos no parágrafo anterior: faz parecer que só existe uma única alternativa cultural,

social, política e econômica para lidar com os problemas do mundo, e que as regras devem

atender, primeiramente, às exigências econômicas.

3.3.4 Mídia e difusão ideológica

Um dos mecanismos por meio do qual o sistema capitalista reproduz a sua lógica, é

distorcendo, ou mesmo imobilizando, a percepção e a análise crítica dos indivíduos que

dele menos se bene�ciam: o povo, a sociedade, a massa, a suposta �opinião pública�.

Assim, para manter-se o controle sobre a �primeira realidade� � biológica e social �, existe

a necessidade de alimentar-se também a �segunda realidade� � imaginação �, segundo a

de�nição de Ivan Bystrina que analisamos em 3.1.1. Chaui (2006, p. 28) analisa o conceito

de Indústria Cultural desenvolvido por Max Horkheimer e Theodor Adorno:

Os produtos da indústria cultural buscam meios para ser alegrementeconsumidos em estado de distração. Todavia, cada um desses meios

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 167

`é um modelo do gigantesco mecanismo econômico que, desde o início,mantém tudo sob pressão tanto no trabalho quanto no lazer que lhe ésemelhante'. Em outras palavras, além do controle sobre o trabalho,a classe dominante passou a controlar também o descanso, pois ambossão mercadorias � `o amusement é o prolongamento do trabalho sobo capitalismo avançado. [...] Qual o efeito do entretenimento comodescanso? A hostilidade diante de tudo que possa ser mais do que simplesdivertimento, que peça atividade em vez de passividade.

Segundo este raciocínio, a Indústria Cultural pode ser considerada como um desdo-

bramento da Revolução Industrial voltado mais especi�camente à segunda realidade, ou

seja, ao desenvolvimento de produtos voltados à imaginação. Dessa forma, sob uma con-

cepção industrial, aquilo que é oferecido ao imaginário pela Indústria Cultural não passa

de um amplo conjunto de produtos planejados e desenvolvidos para atender às necessi-

dades da mente humana. Assim, como ocorre em qualquer operação comercial, para que

um determinado produto possa ser consumido é necessária uma contrapartida por parte

do consumidor, que pode ser audiência, em veículos que vendem tempo, ou exemplares,

naqueles que vendem espaço.

Adorno e Horkheimer assinalam que a `atro�a da imaginação e da es-pontaneidade do consumidor cultural' não deve ser explicada em termospsicológicos, pois `os próprios produtos paralisam aquelas faculdades'.São feitos de modo que a sua apreensão adequada exige rapidez de per-cepção, capacidade de observação e compentência especí�ca, porém im-pedem, efetivamente, a atividade mental do espectador, se ele não quiserperder os fatos que se desenvolvem rapidamente à sua frente. (CHAUI,2006, p. 30)

Assim como segundo Chaui (2006, p. 64-65) �houve absorção do simbólico pelo econô-

mico�, certamente é muito mais fácil perceber-se o domínio de um déspota absolutista ou

de um ditador, do que o de um poder oculto que se utilize desta Indústria Cultural e das

instituições governamentais para realizar os seus objetivos particulares.

Quando [...] acreditamos ter alcançado, en�m, a verdadeira democracia[, na prática] estávamos equivocados, já que agora nos defrontamos comuma nova forma de absolutismo, só que seu atuar é oculto, subterrâ-neo e invisível. Um ditador que coloca os militares na rua, que torturae faz opositores desaparecerem e que aparece na televisão fazendo dis-cursos patrióticos é muito mais fácil de identi�car como inimigo do queum fundo internacional de investimentos, que nunca se vê e do qual nãose conhece nem o nome nem a localização precisa, mas que é capaz demover milhões de dólares para derrubar uma economia ou um governo.Que contrapeso podemos opor ao totalitarismo do capital �nanceiro paralimitar sua ação, quando nem sequer conseguimos perceber sua existên-cia? O Estado encontra-se desacreditado, debilitado e se converteu em

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168 3 Mídia e cultura

dócil instrumento dessa nova tirania. O tecido social [...] encontra-setotalmente desintegrado. A manipulação da mídia distrai e controla osindivíduos, que se rendem antes de sequer darem-se conta disso. O ní-vel de atordoamento e paralisação geral é a condição ideal para que ocapital �nanceiro tenha o caminho aberto e possa saquear as socieda-des do planeta inteiro a seu dispor e conveniência. A limitação do poderestatal e a desregulamentação dos mercados locais [...] não passam de tá-ticas utilizadas pelo capital �nanceiro para anular qualquer outro podere assegurar sua livre circulação pelo mundo. (HIRSCH, 2008, p. 49)

Se por um lado o Humanismo, o Renascimento e o Iluminismo romperam com os argu-

mentos teológicos, inspirados no sobrenatural, enquanto os únicos válidos para explicar-se

a realidade, o neoliberalismo criou um novo ente todo-poderoso que recebe o status de

divindade: o mercado. Desta forma, �a doutrinação neoliberal através dos meios de co-

municação procurou apresentar como verdades teológicas concepções que são diretamente

falsas ou, pelo menos, discutíveis [...], pregando [...] que o mercado e suas `leis' fazem parte

de uma ordem natural universal que não pode ser modi�cada de modo algum pela intenção

humana [...]�. (HIRSCH, 2008, p. 70-71) Ora, mas ordens naturais não necessariamente

são universalizáveis para a cultura humana, que desenvolveu ao longo de seu processo

evolutivo características próprias, que nem sempre seguem as leis da física mecanicista de

Isaac Newton, ou da evolução natural de Charles Darwin.

Segundo Kehl e Bucci (apud CHAUI, 2006, p. 74), o poder midiático é um �mecanismo

de tomada de decisões que permite ao modo de produção capitalista, transubstanciado

em espetáculo, sua reprodução automática.� Desta forma, �os proprietários dos meios de

comunicação são suportes do capital�. (CHAUI, 2006, p. 74) Para Lefort (apud CHAUI,

2006, p. 74-75), a ideologia contemporânea pode ser compreendida como uma ideologia

invisível. Assim, �as representações ou imagens que constituem a ideologia aparecem

desprovidas de localização, embora estejam precisamente localizadas nos centros emissores

de comunicação.� A diferença fundamental entre o formato ideológico neoliberal, que

Chaui chama de contemporâneo, e as ideologias burguesa e totalitária, podem ser descritas

como segue:

A ideologia burguesa, tal como apresentada por Marx, assim como aideologia totalitária tinham a peculiaridade de indicar quem eram seusautores ou agentes, ou seja, a burguesia (que proferia um discurso cons-truído e articulado pelas idéias produzidas pelos intelectuais pequeno-burgueses) e, no caso do totalitarismo, o Estado (que falava em nomedo social e do povo, graças às representações construídas pelo partido).Tanto o discurso burguês como o discurso totalitário eram proferidos doalto e pretendiam ser discursos sobre o social e para o social. A ideologiacontemporânea [neoliberal], escreve Lefort, é invisível porque não aparece

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3.3 O Estado guardião da cultura do laissez-faire 169

construída nem proferida por um agente determinado, convertendo-se emum discurso anônimo e impessoal, que parece brotar espontaneamenteda sociedade como se fosse o discurso do social. (CHAUI, 2006, p. 74-75,grifo do autor)

A mídia tem um papel fundamental na consolidação desse �discurso do social�, por

meio do qual a ideologia neoliberal é capaz de homogeneizar a sociedade, ou seja, dissi-

mular os con�itos sociais e proteger o status quo sob o rótulo de uma suposta democracia.

O rádio, a televisão, o cinema, os jornais e as revistas de divulgação tor-nam viáveis sistemas de representação que seriam impossíveis sem eles.Com efeito, para que a ideologia possa ganhar generalidade su�cientepara homogeneizar a sociedade no seu todo é preciso que a mídia cum-pra seu papel de veicular a informação não de um pólo particular a outropólo particular, mas de um foco central circunscrito que se dirige ao todoindeterminado da sociedade. Com os debates públicos virando espetácu-los e discutindo tudo: economia, política, arte concreta, sexo, educação,música pop, arte clássica e contemporânea, do gênero mais nobre ao maistrivial, cria-se a imagem de uma reciprocidade entre emissor e receptor,que deve aparecer como reciprocidade verdadeira e de�nida nas relaçõessociais.Essa imagem é duplamente e�caz, pois, ao mesmo tempo, exalta a co-municação, independente de seu conteúdo e de seus agentes, e simula apresença de pessoas. [...] A e�cácia do discurso veiculado pelos meios decomunicação decorre do fato de que ele não se explicita senão parcial-mente como discurso político e isso lhe confere generalidade social. Sãoas coisas do cotidiano, as questões da ciência, da cultura que sustentama representação imaginária de uma democracia perfeita, na qual a pala-vra circula sem obstáculos. (LEFORT, 1982 apud CHAUI, 2006, p. 75-76,grifo nosso)

A mídia, ideologicamente alinhada ao neoliberalismo, trabalha no sentido de fortalecer

o espaço privado ocupado pelo mercado, e de enfraquecer o poder do Estado enquanto

mediador das relações sociais. O Estado, além disso, passa a servir como mero agente

mantenedor do status quo, ou seja, servindo aos interesses de quem se bene�cia com as

desigualdades sociais.

Sob a ação do neoliberalismo, o espaço privado se alarga e o espaçopúblico se encolhe: o Estado se desincumbe dos poucos direitos sociaisconquistados pelas lutas populares, transformando-os em serviços vendi-dos e comprados no mercado. Da mesma maneira, por meio do controleoligopólico dos meios de comunicação, a classe dominante opera paramanter a hegemonia, erguendo obstáculos à constituição de uma esferapública das opiniões como expressão dos interesses e dos direitos de gru-pos e classes sociais diferenciados e/ou antagônicos. Os mass media mo-nopolizam a informação, o consenso é confundido com a unanimidade,e a discordância é posta como ignorância ou atraso; [...] Em suma, a

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170 3 Mídia e cultura

sociedade auto-organizada é vista como risco para a indivisão social e aunião nacional, perigosa para o Estado e para o funcionamento `racional'do mercado; [...] (CHAUI, 2006, p. 138)

Chaui (2006, p. 140) complementa a descrição sobre o modus operandi do neolibera-

lismo:

A polarização privilégio/carência, que sobredetermina a divisão socialdas classes, agrava-se com o neoliberalismo, que opera com o desem-prego estrutural, a velocidade da rotatividade e da obsolescência pre-coce da quali�cação da mão-de-obra, a dispersão e a fragmentação daprodução (que rouba dos trabalhadores seus referenciais de classe e deorganização), a concentração oligopólica da riqueza social e o corte dosfundos públicos destinados à garantia dos direitos sociais. A economianeoliberal opera por exclusão e pela formação de bolsões de opulência ede miséria.

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171

4 Mídia e ideologia

�Qual a diferença entre comunismo e capitalismo?Sob o capitalismo, as pessoas exploram as pessoas.

Sob o comunismo é o contrário.�

No que diz respeito ao contexto cultural que o presente trabalho aborda, o conceito

de ideologia se torna um importante referencial para a compreensão da relação entre esse

contexto e a mídia atual. Segundo Thompson (2007, p. 48), �o conceito [de ideologia]

surgiu como parte de uma tentativa de desenvolver os ideais do Iluminismo no contexto

das revoltas sociais e políticas que marcaram o nascimento das sociedades modernas.� Se

na época do Iluminismo as idéias foram difundidas por revoluções, além de terem contado

com o apoio da imprensa que produzia os jornais de então, nos tempos atuais a difusão

de idéias assumiu estratégias menos claras ou óbvias, e tem nos produtos oferecidos pelas

empresas difusoras de informação (as notícias), um de seus importantes veículos. Estes

produtos, entretanto, não têm exatamente um caráter opinativo, e justamente por se apre-

sentarem como informativos, imparciais, objetivos, assépticos e desinteressados, podem

ser ideologicamente utilizados, por ocultarem aspectos relevantes para a compreensão da

realidade. Estas são importantes questões tratadas neste capítulo.

Procurou-se também relacionar de que forma a mídia, entendida aqui como o conjunto

de empresas difusoras de informação, é capaz de irradiar a visão de mundo predominante

sem que isto seja necessariamente percebido pelo público. Neste sentido, procuramos

analisar criticamente o uso desta poderosa ferramenta que constrói realidades (a mídia),

bem como as técnicas que, conforme Mattelart e Mattelart (2004, p. 54), se baseiam em:

[...] pesquisas sobre os meios de aumentar a e�cácia da persuasão demassa [e cujo] resultado foi um verdadeiro catálogo de receitas para usodo bom persuasor e da mensagem persuasiva e�caz, ou seja, capaz dealterar o funcionamento psicológico do indivíduo e de levá-lo a realizaratos desejados pelo emissor de mensagens.

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172 4 Mídia e ideologia

Neste sentido, mídia e ideologia podem ser consideradas dentro de um mesmo contexto

cultural, como estratégias comunicativas utilizadas para a reprodução da visão de mundo

atual, bem como para a manutenção do status quo.

4.1 Comunicação e ideologia

No último século, e mais acentuadamente nas últimas décadas, muitas das escolas

de Economia, Administração e Comunicação, passaram gradativamente a servir como

centros de irradiação da ideologia neoliberal. Estando essas três importantes escolas

alinhadas a uma ideologia comum, foi possível formar o que em política são conhecidos

como quadros técnicos: pessoas capacitadas a executar com competência as tarefas para

as quais são enviadas. Assim, em diversas organizações, tanto públicas quanto privadas,

gradativamente o neoliberalismo foi se instalando, por meio de políticas adotadas por

indivíduos com poder de decisão, nos mais diversos níveis hierárquicos. Desta forma,

tanto as instituições que compõe o Estado, quanto os departamentos que compõe uma

empresa privada (ou pública), inclusive as de Comunicação, passaram a ser preenchidos

por pro�ssionais que, em alguma medida, acreditavam no discurso neoliberal: de que o

mercado deve se auto regular, e de que a principal função do Estado é a de garantir que

o mercado possa se auto regular.

4.1.1 A cultura pelo �ltro biológico

O mundo em que vivemos atualmente se caracteriza por um forte componente ideoló-

gico �escondido por trás do matagal dos tecnicismos econômicos [, em que] reconhecemos

o velho darwinismo social de Herbert Spencer (1820-1903), ou seja, a sobrevivência do

mais apto e, para descrever a situação completa, a eliminação do menos apto.� (HIRSCH,

2008, p. 71-72, grifo do autor)

[...] no mundo real os seres humanos, totalmente limitados em seus deslo-camentos físicos pelas inúmeras travas aos movimentos migratórios [...],disputam-se até à morte os poucos postos [de trabalho] disponíveis, noque se chama eufemisticamente de `competição' [...], onde só os mais fe-rozes sobreviverão. Eis aí, então, que a visão desses enormes conjuntoshumanos condenados a seu lento extermínio deveria colocar brutalmenteem evidência diante de nossos olhos o fator de seleção natural subja-cente na ordem econômica instalada, somado ao absurdo que esse fatoencerra: toda a grande travessia evolutiva da espécie humana para voltarao começo e terminar transformando a sociedade que nos abriga em umdesumano ecossistema animal! (HIRSCH, 2008, p. 69)

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4.1 Comunicação e ideologia 173

Tal lógica é a todo instante caracterizada como uma competição estimulante, necessá-

ria e inevitável. Assim, não só os indivíduos, mas também as empresas e os governos são

levados a entrar nesta onda ideológica de competição a qualquer custo, regida por regras

�naturais�. A justi�cativa que sustenta tal lógica, de tão disseminada, torna-se mais um

componente do discurso ideológico neoliberal que, curiosamente, está absolutamente ali-

nhado e de acordo à lógica do absolutismo apresentada por Maquiavel, segundo a qual os

�ns justi�cam os meios, ou seja, de que na busca pela vitória, tudo é válido. A ausência

de limites �arti�ciais� é justamente o que caracteriza a natureza e a diferencia do processo

civilizatório construído pela humanidade. Entretanto, a desregulamentação, o laissez-

faire, o livre mercado, são características da ideologia neoliberal, que aparentemente está

de acordo aos princípios que regem a teoria da evolução das espécies in natura. O ser

humano, entretanto, é uma espécie que se caracteriza, por um lado, pela busca de controle

sobre a natureza e, por outro, por construir e viver dentro de um mundo cultural. Ou

seja: o ser humano não é um animal que vive em estado natural, e qualquer tentativa de

naturalização das regras humanas, sejam elas jurídicas ou morais, trata-se em essência de

um processo arti�cial que tende a ser conveniente apenas àqueles que, de alguma forma,

possuem mais força, sejam eles indivíduos, corporações ou estados.

O darwinismo social sustenta que as pessoas e os grupos sociais compe-tem pela sobrevivência, através de uma seleção natural que é o resultadoda `lei do mais forte', igual aos animais e às plantas. O princípio da`sobrevivência dos mais aptos' foi formulado por [Herbert] Spencer seisanos antes de [Charles] Darwin. Em sua obra A estática social (1815) eem outros escritos, propôs que, através da competição, a sociedade po-dia evoluir para a prosperidade e liberdade individuais, uma teoria queclassi�cava os grupos sociais conforme sua capacidade para dominar anatureza. Deste ponto de vista, as pessoas que alcançavam riqueza epoder eram consideradas as mais aptas, enquanto as classes socioeconô-micas mais baixas, as menos capacitadas. Esta teoria foi utilizada poralguns como base �losó�ca do imperialismo, do racismo e do capitalismoselvagem. (HIRSCH, 2008, p. 72)

O interessante desta perspectiva é que as diferenças sociais passam a ser justi�cadas

automática e naturalmente. No que diz respeito ao tema desta pesquisa, essa lógica

de competição permeia todos os principais atores analisados, e daí vem a importância

de caracterizá-la o mais adequadamente possível. Sejam os pro�ssionais que prestam

serviços às empresas de comunicação, ou aqueles que prestam serviços às empresas aéreas,

ou as próprias empresas de comunicação e de transporte aéreo enquanto corporações

privadas, em seus respectivos mercados, todos competem entre si. De fato, o que existe,

é a sobrevivência do mais apto, do mais forte e do mais bem adaptado, num ambiente

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174 4 Mídia e ideologia

criado pelo próprio ser humano, mas que importou leis da mecânica, da física e da biologia

para formular suas regras.

Chaui explica que �o positivismo de Augusto Comte inverte a relação entre as idéias

e o real: se as idéias deveriam ser formadas por meio da compreensão da realidade, o

positivismo faz com que a realidade tenha que se submeter às idéias.�

Sendo o conhecimento da formação das idéias, tanto do ponto de vistapsicológico quanto do ponto de vista social, [...] a ideologia, enquantoteoria, passa a ter um papel de comando sobre a prática dos homens,que devem submeter-se aos critérios e mandamentos do teórico antesde agir. [...] o conhecimento teórico tem como �nalidade [, para ospositivistas,] a previsão cientí�ca dos acontecimentos para fornecer àprática um conjunto de regras e de normas, graças às quais a ação possadominar, manipular e controlar a realidade natural e social. (CHAUI,1984, p. 27)

Esta inversão leva, em última instância, à submissão da natureza aos seres humanos, e

de alguns seres humanos a outros seres humanos. Estes últimos, por sua vez, tendem a ser

exatamente aqueles que têm de alguma forma o controle ideológico da sociedade. A onda

ideológica como conjunto de conhecimentos teóricos, segundo a concepção positivista,

possui três conseqüências principais:

1) de�ne a teoria de tal modo que a reduz à simples organização sis-temática e hierárquica de idéias, sem jamais fazer da teoria a tentativade explicação e de interpretação dos fenômenos naturais e humanos apartir de sua origem real. Para o positivista, tal indagação é tida comometafísica ou teológica, contrária ao espírito positivo ou cientí�co.2) estabelece entre a teoria e a prática uma relação autoritária de mandoe de obediência, isto é, a teoria manda porque possui as idéias e a prá-tica obedece porque é ignorante. Os teóricos comandam e os demais sesubmetem;3) concebe a prática como simples instrumento ou como mera técnica queaplica automaticamente regras, normas e princípios vindos da teoria. Aprática não é ação propriamente dita, pois não inventa, não cria, nãointroduz situações novas que suscitem o esforço do pensamento paracompreendê-las. (CHAUI, 1984, p. 27-28)

Pode-se depreender daí que a irradiação de uma ideologia em escala global pode levar

à degradação do pensamento social crítico em escala também global, pois este tende a ser

estigmatizado pela ideologia dominante como �contrária ao espírito positivo ou cientí�co�,

uma vez que não é capaz de comprovar empírica e irrefutavelmente as interpretações que

venha a fazer sobre os fenômenos sociais �a partir de sua origem real�. As universidades,

que poderiam ser um foco de resistência à tendência de homogeneização que uma ideolo-

gia difundida mundialmente acaba adquirindo, devido à busca irrefreável pelo progresso

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4.1 Comunicação e ideologia 175

em todas as suas diversas formas, são levadas à instalação generalizada do pensamento

funcionalista, que vê na teoria nada mais, nada menos, do que um conjunto de ferramen-

tas disponíveis para controlar desde a natureza, até toda a humanidade: é a vitória da

técnica sobre a ciência.

Sobre o con�ito entre ciência e técnica no universo das ciências sociais e humanas,

especialmente no que se refere às ciências da comunicação, Breton e Proulx (2006, p. 273-

274) oferecem uma divisão clara entre as duas abordagens:

O primeiro [grande imperativo para o progresso nas ciências da comu-nicação] consiste em separar claramente ciência de técnica. Tal cesuradesempenha um papel menor no caso das ciências e das técnicas da comu-nicação física e matemática, levando-se em consideração a interpretaçãodos problemas fundamentais e aplicados há várias décadas. Mas ela deve,no caso das ciências sociais e humanas da comunicação, ser estritamenterespeitada. O que aconteceria, com efeito, caso tal interpenetração fossepossível, se conseguíssemos construir nas ciências sociais e humanas oequivalente da `tecnociência'? Essa `tecnociência da comunicação' nãoabriria enormes possibilidades de manipulação totalitária das consciên-cias e dos comportamentos sociais? Nenhuma confusão deveria portantoinstaurar-se em comunicação entre os saberes técnicos e os conhecimen-tos cientí�cos, não mais do que entre as práticas cientí�cas que são osmeios para chegar a produzir conhecimentos e as práticas técnicas quevisam ao desempenho.

Sobre esta mesma questão das fronteiras entre ciência e técnica, Chaui (1984, p. 29,

grifo nosso) descreve a concepção de ideologia que Durkheim apresentou em sua obra

Regras para o Método Sociológico, na qual o autor busca �criar a sociologia como ciência,

isto é, como conhecimento racional, objetivo, observacional e necessário da sociedade.

Para tanto, diz ele, é preciso tratar o fato social como uma coisa, exatamente como o

cientista da Natureza trata os fenômenos naturais.� Ora, mas sabemos que o indivíduo

que realiza uma análise sociológica ou cultural está, em alguma intensidade, in�uenciado

pela sua própria visão de mundo, o que por sua vez tende a in�uenciar sua percepção

dos fenômenos sociais que pretende observar. Durkheim, na tentativa de, ao formular sua

teoria, separar a subjetividade da objetividade na análise de fenômenos com alta carga

subjetiva, restringiu o conceito de ideologia:

[...] a condição para uma sociologia cientí�ca é tomar os fatos sociaiscomo desprovidos de interioridade, isto é, de subjetividade, de modo apermitir que o sociólogo encare uma realidade, da qual participa, comose não �zesse parte dela. [...] Durkheim chamará de ideologia todoconhecimento da sociedade que não respeite tais critérios.Para o sociólogo cientista, o ideológico é um resto, uma sobra de idéiasantigas, pré-cientí�cas [...], preconceitos e pré-noções inteiramente subje-tivas, individuais, `noções vulgares' ou fantasmas que o pensador acolhe

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176 4 Mídia e ideologia

porque fazem parte de toda a tradição social onde está inserido. (CHAUI,1984, p. 29-30)

O interessante desta concepção de ideologia, como a sobra do que há de �pior� na

sociologia cientí�ca que ele concebe, é que sua própria teoria é ideológica, entre outros

motivos, porque �[...] a ciência acaba indo das idéias aos fatos, quando [na verdade] deve

ir dos fatos às idéias [...]�, uma vez que o cientista social possui em sua �bagagem de

idéias prévias� todas as suas próprias �pré-noções ou pré-conceitos�, e que �essa concepção

imobilizada e exteriorizada do objeto social é um positivismo ideológico.� (CHAUI, 1984,

p. 30-31)

Karl Marx, em sua obra A Ideologia Alemã, �não separa a produção das idéias e

as condições sociais e históricas nas quais são produzidas (tal separação, aliás, é o que

caracteriza a ideologia)�, e formula algumas críticas a esta atitude inerente a todo ideólogo:

�deduzir o real das idéias desse real� (CHAUI, 1984, p. 32-33) De fato, o que se pode

formular do raciocínio oferecido por Marx é que para compreender-se corretamente a

realidade, aquele que busca compreendê-la deve basear-se na realidade, e não em quaisquer

idéias preconcebidas sobre o funcionamento dessa realidade, uma vez que �as idéias tendem

a ser uma representação invertida do processo real, colocando como origem ou como causa

aquilo que é efeito ou conseqüência, e vice-versa.� (CHAUI, 1984, p. 63-64)

4.1.2 A comunicação pelo �ltro empírico

Dentro do universo das ciências que atuam mais no campo da cultura que no da natura,

como é o caso das ciências humanas e sociais em geral, existem alguns métodos de estudo

que, importados das ciências naturais em geral, são com freqüência aplicados aos �objetos�

culturais. Esta abordagem tem um forte viés ideológico, cuja origem metodológica remete

à Revolução Cientí�ca (ver 3.1.2), num momento em que se intensi�cavam as pesquisas

sobre o modus operandi da natureza. Segundo Mattelart e Mattelart (2004, p. 29), �desde

a década de 1910, a comunicação nos Estados Unidos encontra-se ligada ao projeto de

construção de uma ciência social sobre bases empíricas. A Escola de Chicago é sua sede.�

Veremos mais adiante que a Escola de Chicago é a sede não apenas das pesquisas empíricas

em comunicação, mas também em economia, e serviu como um importante disseminador

ideológico do neoliberalismo; as correlações entre o Departamento de Comunicação e o

Departamento de Economia da Escola de Chicago não são, portanto, apenas institucionais.

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4.1 Comunicação e ideologia 177

Chaui (1984, p. 19-20) por meio da diferenciação dos conceitos de empirismo e de

idealismo, faz uma crítica à crença de que ambas, separadamente ou em conjunto, sejam

capazes e su�cientes para explicar a realidade social humana:

O empirismo (do grego empeiria, que signi�ca: experiência dos sentidos)considera que o real são fatos ou coisas observáveis e que o conhecimentoda realidade se reduz à experiência sensorial que temos dos objetos cujassensações se associam e formam idéias em nosso cérebro. O idealista,por sua vez, considera que o real são idéias ou representações e que oconhecimento da realidade se reduz ao exame dos dados e das operaçõesde nossa consciência ou do intelecto como atividade produtora de idéiasque dão sentido ao real e o fazem existir para nós.Tanto num caso como no outro, a realidade é considerada como um purodado imediato: um dado dos sentidos, para o empirista, ou um dado daconsciência, para o idealista. Ora, o real não é um nado sensível nemum dado intelectual, mas é um processo, um movimento temporal deconstituição dos seres e de suas signi�cações, e esse processo dependefundamentalmente do modo como os homens se relacionam entre si ecom a natureza. Essas relações entre os homens e deles com a natu-reza constituem as relações sociais como algo produzido pelos próprioshomens, ainda que estes não tenham consciência de serem seus únicosautores.É, portanto, das relações sociais que precisamos partir para compreendero quê, como e por que os homens agem e pensam de maneiras determi-nadas, sendo capazes de atribuir sentido a tais relações, de conservá-lasou de transformá-las. Porém, novamente, não se trata de tomar essasrelações como um dado ou como um fato observável, pois neste casoestaríamos em plena ideologia. [...]

Apesar disso, a perspectiva empírica para a compreensão das ciências não-naturais

(humanas, sociais e culturais em geral) foi intensi�cada ao longo do século XX. Em 1921

dois pesquisadores da Escola de Chicago, Robert Ezra Park e E. W. Burgess, �com fartas

citações de contribuições de botânicos e zoólogos, [...] apresentam seu programa como

uma tentativa de implicação sistemática do esquema teórico da ecologia vegetal e animal

ao estudo das comunidades humanas.� (MATTELART; MATTELART, 2004, p. 31) Outro

pesquisador desta Escola, Harold D. Lasswell, por meio de uma fórmula �que o tornou

célebre e aparentemente não apresenta ambigüidade�, dotou em 1948 �a sociologia funcio-

nalista da mídia de um quadro conceitual�. Esta fórmula, �quem diz o quê por que canal

e com que efeito?� levou à criação, respectivamente, dos seguintes �setores de pesquisa�:

�análise do controle�, �análise do conteúdo�, �análise das mídias ou dos suportes�, �análise

da audiência� e �análise dos efeitos�. (MATTELART; MATTELART, 2004, p. 40) Esta pers-

pectiva de análise possui em si um forte componente mercadológico, o que já por si é um

forte indício de que não apenas as empresas de comunicação, como também as pesquisas

em comunicação, são passíveis de in�uência por parte de interesses econômicos.

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178 4 Mídia e ideologia

Na prática, dois pontos desse programa foram privilegiados: a análise dosefeitos e, em estreita correlação com essa, a análise do conteúdo, que for-nece ao pesquisador elementos suscetíveis de orientar sua abordagem dopúblico. [...] A atenção dos efeitos da mídia sobre os receptores, a cons-tante avaliação, com �ns práticos, das transformações que se operam emseus conhecimentos, comportamentos, em suas atitudes, emoções, opi-niões e em seus atos são submetidas à exigência de resultados formuladapor acionistas preocupados em pôr em números a e�cácia de uma cam-panha de informação governamental, de uma campanha publicitária oude uma operação de relações públicas das empresas e, no contexto daentrada na guerra, das ações de propaganda das forças armadas. (MAT-TELART; MATTELART, 2004, p. 40)

Em 1938 Paul Lazarsfeld, da Escola de Columbia, convida Theodor Adorno, da Escola

de Frankfurt, ambos europeus exilados nos Estados Unidos da América, para colaborar

�em um programa de pesquisas sobre os efeitos culturais dos programas musicais no rádio

[...], �nanciado pela Fundação Rockefeller.� (MATTELART; MATTELART, 2004, p. 75)

Lazarsfeld, por meio dessa colaboração, espera `desenvolver uma conver-gência entre a teoria européia e o empirismo americano'. Espera que a`pesquisa crítica' `revitalize' a `pesquisa administrativa' [funcionalista].Essa esperança será frustrada. A colaboração termina em 1939. A opo-sição entre as duas mentalidades revela-se insuperável. Adorno recusadobrar-se à lista de questões propostas pelo �nanciador, que, em suaopinião, encerra o objeto de pesquisa nos limites do sistema de rádiocomercial em vigor nos Estados Unidos e impede a análise desse sistema,suas conseqüências culturais e sociológicas e seus pressupostos sociais eeconômicos. Em suma, uma lista que deixa em segundo plano o `quem',o `como' e o `porquê'.

Essa distinção entre o foco de análise privilegiado pelas escolas funcionalistas de Chi-

cago e Columbia (quem?, o que?, por que canal?, com que efeito?), e aquele privilegiado

pela escola crítica de Frankfurt (quem?, como?, por que?), revela uma divergência epis-

temológica signi�cativa, senão ideológica. Faz sentido que uma pesquisa patrocinada por

um agente do mercado tenha como objetivo compreender os efeitos, e não as causas, de

determinadas questões, pois desta forma o agente pode melhor calcular os impactos do

�objeto� pesquisado, bem como quais investimentos devem ser realizados para que de-

terminado objetivo seja atingido. Essa abordagem é, em sua essência, quantitativa, pois

procura medir resultados e, para isso, as técnicas empíricas podem se mostrar su�cien-

temente adequadas. A polêmica surge quando este foco nas �conseqüências� se depara

com efeitos que não podem ser calculados, ou ainda com o fato de não existir um olhar

que busque compreender os efeitos a longo prazo, ou então que desconsidera as causas

essenciais de determinado fenômeno.

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4.1 Comunicação e ideologia 179

Horkheimer partilha com Adorno esse sentimento de incompatibilidadeprofunda, de natureza epistemológica: `A necessidade de se limitar adados seguros e certos, a tendência a desacreditar toda a pesquisa sobrea essência de fenômenos como `metafísica', corre o risco de obrigar apesquisa social empírica a se restringir ao não-essencial, em nome do quenão pode constituir objeto de controvérsia. Com excessiva freqüência,a pesquisa se vê impondo seus objetos pelos métodos de que dispõe,quando seria preciso adaptar os métodos ao objeto.' (HORKHEIMER,1972 apud MATTELART; MATTELART, 2004, p. 76)

De acordo com Mattelart e Mattelart (2004, p. 45), a postura de Lazarsfeld é de � `ad-

ministrador' preocupado em aperfeiçoar instrumentos de avaliação úteis, operatórios, para

os controladores da mídia por ele considerados neutros. Contra a `pesquisa crítica', rei-

vindica a `pesquisa administrativa' [funcionalista].� Desta visão da ciência de Lazarsfeld,

pode-se depreender uma forte in�uência ideológica, pois �insinua-se a idéia de que uma

ciência da sociedade não pode ter por objetivo a construção de uma sociedade melhor,

uma vez que o sistema de democracia realmente existente, representado pelos Estados

Unidos, já está feito.� O resultado desse modo de fazer ciência é uma completa abstra-

ção de questões relativas à essência e às causas profundas de processos que ocorrem na

sociedade humana, para por meio da compreensão de alguns de seus efeitos, chegar-se

a um raciocínio indutivo (da parte para o todo) que, levado ao extremo, oferece uma

visão distorcida da realidade. �Essa tomada de posição o leva [Lazarsfeld] a abstrair os

processos de comunicação dos modos de organização do poder econômico e político.�

Na mesma tendência de importação de modelos teóricos das ciências exatas e biológi-

cas para as humanas e sociais, o matemático e engenheiro elétrico estadunidense Claude

Elwood Shanon, em 1948, publica uma monogra�a intitulada A Teoria Matemática da Co-

municação, em que propõe um esquema do �sistema geral de comunicação�, numa época

em que o termo informação �adquire seu estatuto de símbolo calculável [e,] ao fazê-lo,

torna-se o lema que assegura o livre intercâmbio conceitual entre as disciplinas.� (MAT-

TELART; MATTELART, 2004, p. 57) Esta visão matemática da comunicação dá ênfase ao

que entende ser o mecanismo intermediário entre emissor e receptor de uma informação.

Quer diga respeito a relações que implicam máquinas, seres biológicosou organizações sociais, o processo de comunicação responde a esse es-quema linear que faz da comunicação um processo estocástico, ou seja,afetado por fenômenos aleatórios, entre um emissor que tem liberdadepara escolher a mensagem que envia e um destinatário que recebe essa in-formação com suas exigências [...] O que retém a atenção do matemáticoé a lógica do mecanismo. Sua teoria absolutamente não leva em conta asigni�cação dos sinais, ou seja, o sentido que lhe atribui o destinatárioe a intenção que preside à sua emissão.

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180 4 Mídia e ideologia

Essa concepção do processo de comunicação como linha reta entre umponto de partida e um de chegada impregnará escolas e correntes de pes-quisa muito diversas, quando não radicalmente opostas, sobre os meiosde comunicação. Ela está subjacente ao conjunto da análise funcionaldos `efeitos' [...]O surgimento da noção de `informação' é indissociável das pesquisas dosbiólogos. Quando Shannon formula sua teoria matemática da comunica-ção, o vocabulário da informação e do código acaba de ser introduzido demaneira notável na biologia. (MATTELART; MATTELART, 2004, p. 59-61, grifo nosso)

Muitas outras abordagens funcionalistas, empíricas, relativas às pesquisas em comu-

nicação e ciências sociais em geral, poderiam ser analisadas. Procuramos com esta análise

compreender de que maneira se dá o processo de incorporação ideológica da ciência, como

ferramenta cujos objetivos, nem sempre claros, possam ser de fortalecer a manutenção do

status quo. Se na época da Revolução Cientí�ca (ver 3.1.2) havia uma tendência à análise

dos fenômenos ocorridos nos campos da física e da biologia em geral, considerados aqui se-

gundo a de�nição de Bystrina (ver 3.1.1) como ocorrendo na primeira realidade, ao longo

do século XX, com o desenvolvimento das técnicas de difusão de informações e de novas

organizações sociais, aumentou a curiosidade sobre como se davam os fenômenos sociais

e culturais. É compreensível que na falta de métodos próprios voltados para os estudos

destes fenômenos, muitos pesquisadores buscassem inspiração em métodos cientí�cos bem

apropriados para as ciências exatas e biológicas. O ponto problemático desta importação

metodológica é que as relações sociais não necessariamente têm o mesmo nexo causal que

ocorre na natureza. Além disso, a extrapolação do modus operandi da natureza para o

da cultura carrega em si o componente ideológico de que tratamos em 3.3.2. Mas não

são apenas algumas teorias da comunicação que são in�uenciadas por esta inversão entre

natura e cultura: os �lósofos e economistas iluministas já o �zeram no século XVIII (ver

3.1.2). A própria ciência econômica atual, que é justamente o ambiente em que se formu-

laram alguns dos postulados da ideologia neoliberal, muitas vezes recorre a este recurso

empírico.

4.1.3 Neoliberalismo: a ideologia empiricamente justi�cada

Uma das raízes do neoliberalismo nos remete a 1947, quando em Mont Pelerin, na

Suíça, ocorreu um encontro que contou com a presença de 36 participantes, em sua maioria

economistas, liderados pelo professor do Departamento de Economia da Universidade de

Chicago, Friedrich von Hayek, e que durante sua primeira reunião estabeleceu a criação da

Page 175: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

4.1 Comunicação e ideologia 181

Mont Pelerin Society. Na declaração de objetivos elaborada por seus membros fundadores,

entre outras questões, constra que:

Os valores centrais de nossa civilização estão em perigo. Sobre grandesestiramentos da superfície terrestre, as condições essenciais de dignidadehumana e liberdade já desapareceram. Em outros elas estão sob cons-tante ameaça pelo desenvolvimento das atuais tendências da política. Aposição do indivíduo e o grupo voluntário são progressivamente minadospor extensões de poder arbitrário. Até mesmo o bem mais precioso doHomem Ocidental, liberdade de pensamento e de expressão, é ameaçadopela propagação de credos [ou ideologias] que, reivindicando o privilégioda tolerância quando em posição de minoria, buscam unicamente esta-belecer uma posição de poder na qual eles possam suprimir e eliminartodas os pontos-de-vista que não sejam os deles próprios.1 (SOCIETY,1947, tradução nossa)

Podemos depreender da declaração acima, levando-se em consideração o contexto cul-

tural no qual está inserida, que se trata, na verdade, de uma bem elaborada estratégia

comunicativa, porquanto oculta seu próprio teor ideológico numa pseudo-denúncia justa-

mente contra outras ideologias que, no caso, ameaçariam a liberdade. Um dos principais

argumentos está apoiado na temível ameaça à �liberdade de pensamento e de expres-

são�, devido à �propagação de credos [ou ideologias que] procuram apenas estabelecer

uma posição de poder na qual eles podem suprimir e obliterar todas as opiniões menos

as deles próprios.� Uma pesquisa empírica provavelmente não será capaz de provar, por

qualquer método cientí�co importado das ciências naturais, não apenas se tal a�rmação

é verdadeira, mas também o �quem�, o �como� e o �porquê� tal fenômeno acontece. A

própria idéia de provar empiricamente os resultados, o modus operandi ou as motivações

essenciais de um fenômeno tão complexo quanto a ideologia já implicaria, por si só, numa

impossibilidade metodológica.

Apesar de até aqui termos feito referência à Escola de Chicago como um conjunto

de pesquisas empíricas realizadas no Departamento de Comunicação da Universidade

de Chicago, esta Universidade possui outros departamentos que estão alinhados a esta

metodologia empírica para realizar pesquisas nas ciências sociais. Um deles é o seu De-

partamento de Economia, cujo vínculo com a Mont Pelerin Society se dá não apenas pelo

fato de seu fundador ser um professor do Departamento, mas com a própria visão de

1No original: The central values of civilization are in danger. Over large stretches of the earth'ssurface the essential conditions of human dignity and freedom have already disappeared. In others theyare under constant menace from the development of current tendencies of policy. The position of theindividual and the voluntary group are progressively undermined by extensions of arbitrary power. Eventhat most precious possession of Western Man, freedom of thought and expression, is threatened by thespread of creeds which, claiming the privilege of tolerance when in the position of a minority, seek onlyto establish a position of power in which they can suppress and obliterate all views but their own.

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182 4 Mídia e ideologia

mundo que ambas carregam em comum. No sítio o�cial do Departamento de Economia

da Universidade de Chicago também há uma referência, desta vez explícita, à questão

ideológica: �A linha que une tudo isso não é não é política ou ideológica, mas metodoló-

gica, a convicção metodológica de que a economia é uma ferramenta incomparavelmente

poderosa para a compreensão da sociedade.�2 (CHICAGO, 2008, tradução nossa)

É importante notar que nos dois casos, tanto na declaração de objetivos da Mont

Pelerin Society, quanto na auto-descrição do Departamento de Economia da Escola de

Chicago, existe uma preocupação em deixar claro que as idéias que defendem não são

ideológicas, mas sim metodológicas, empiricamente comprovadas. Ambas as instituições

defendem aquela que �cou conhecida como a Hipótese da E�ciência dos Mercados3, o que

é absolutamente coerente aos princípios liberais inspirados no Iluminismo e defendidos

pelos economistas �siocratas, que conforme vimos em 3.1.2, defendem o laissez-faire: �a

economia deveria ser dirigida pela natureza: o Estado não deveria intervir, a não ser para

garantir o livre curso da natureza.�

Além das Teorias Econômicas ideologicamente alinhadas àquelas da Escola de Chi-

cago, também existem algumas Teorias da Administração que tendem a ser aplicadas, em

escala global, pelas diversas corporações empresariais que fazem parte daquilo que aqui

chamamos de mercado.

Mesmo quando os teóricos da gestão das organizações explicitam o pro-blema do poder como sendo uma relação pessoal, na verdade o que bus-cam é escamotear o fato de que as relações de poder, ao serem a expressãodas práticas de classes em presença, concretizam-se em um plano estri-tamente impessoal. Dito de outra forma, ao negarem que as relaçõesde poder são relações de classes sociais, os ideólogos da administraçãocontraditoriamente as admitem. [...] Ao reproduzirem as relações autori-tárias, buscam os ideólogos da administração preservar a dominação docapital sobre o trabalho, garantindo assim o papel de agentes da acumula-ção do capital, desempenhado pela gerência e, mais que isto, garantindoa continuidade das escolas de administração � e, portanto, o papel queos ideólogos nelas desempenham, escondidos atrás da prática da ciênciae da pesquisa � na reprodução destes valores.É ingênuo supor, entretanto, que negar as relações sociais concretas ou,para ser mais preciso, expô-las com um bem preparado perfume ideológico,resulte no seu desaparecimento. E é porque negar um fato não leva à suainexistência enquanto tal, que é preciso revelá-lo. (FARIA, 1985, p. 7-8,grifo nosso)

2No original: The unifying thread in all this is not political or ideological but methodological, themethodological conviction that economics is an incomparably powerful tool for understanding society.

3Hipótese da E�ciência dos Mercados, do inglês E�cient-Market Hypothesis (EMH).

Page 177: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

4.2 Neoliberalismo aplicado 183

4.2 Neoliberalismo aplicado

Uma vez apresentadas as diferenças essenciais entre o capitalismo de livre mercado, o

socialismo soviético e os regimes totalitários, esperamos ter conseguido mostrar as recon-

�gurações que ocorreram nas relações dos indivíduos entre si, destes com seus respectivos

Estados, e destes entre si. Assim, tanto nacional quanto internacionalmente, os indivíduos

e as nações que tivessem a posse da tecnologia passariam a ter, como conseqüência, o con-

trole sobre o processo produtivo. Nesse contexto surgem as elites econômicas nacionais

e internacionais que, conforme a conjuntura e os interesses, eram aliadas ou concorrentes

entre si, mas em qualquer caso tinham a mesma relação de domínio sobre o capital e o

trabalho, uma vez que dominavam os meios de produção.

Entre a instalação do regime socialista no leste europeu até sua derrocada em 1989,

com a derrubada do Muro de Berlim, o mundo estava dividido em dois grandes blocos:

o socialista e o capitalista, dominados respectivamente pela União das Repúblicas Socia-

listas Soviéticas e pelos Estados Unidos da América. Com a vitória do capitalismo sobre

o socialismo soviético, o equilíbrio de forças foi reorganizado ao redor do mundo e a bi-

polaridade foi substituída pela polaridade estadunidense que, militar e economicamente,

passou a ser hegemônica.

Nesse contexto em que o capitalismo passou a ser a cultura predominante em escala

global, as principais disputas entre os estados nacionais passaram a ocorrer principalmente

no ambiente econômico. Na primeira metade do século XX o mundo estava abalado por

duas guerras mundiais, e o fortalecimento dos Estados nacionais fazia sentido diante da

ameaça potencial de con�itos internacionais. Uma vez superadas as instabilidades causa-

das pelos regimes totalitários fascistas, após a II Guerra Mundial, e pela divisão geopolítica

do mundo após a queda do Muro de Berlim, em 1989, foram criadas condições propícias

para a expansão do capitalismo neoliberal. Tal modelo econômico passou a ser adaptado

por diversos países, tendo como fonte de irradiação ideológica algumas instituições multi-

laterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional

(FMI) e o Banco Mundial.

4.2.1 A praxis do jornalismo informativo

Ométodo jornalístico aplicado pelas empresas de comunicação social tem, pela própria

�nalidade lucrativa das mesmas, a �nalidade de aumentar a audiência ou a tiragem do

produto por elas comercializado: a informação. Assim, este método tem como �nalidade

Page 178: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

184 4 Mídia e ideologia

última aumentar os lucros das empresas que formam aquilo que aqui chamamos de mídia.

O jornalismo informativo por sua vez, ao contrário do opinativo, carrega em sua lógica

pressupostos tão ideologicamente construídos, quanto os do empirismo aplicados à segunda

realidade. A impossibilidade de se dizer com clareza a posição adotada pelo jornalista,

pelo editor, pelo chefe ou pelo dono da empresa, em relação a cada notícia, acaba levando

à construção de técnicas que não deixem esta posição explícita, de forma a criar em torno

do noticiário uma aparência de assepcia, imparcialidade e objetivismo, da mesma forma

que os empiristas sociais acabam fazendo nas pesquisas que se pretendem cientí�cas. O

processo de tradução das informações, segundo BAITELLO JÚNIOR (2003, p. 50), pode

ser comparado a um processo de traição, que ocorre justamente na inversão a que a

consciência acaba sendo levada por este modelo aparentemente asséptico:

É exatamente neste sentido que se pode falar em uma traição dos me-canismos de decomposição em subunidades discretas. Talvez tenhamosaqui que inverter a famosa equação: não mais tradutore � traditore, po-rém traditore � tradutore. Sim porque toda operação traidora da assimchamada �consciência�, exercida pelas funções corticais superiores, es-tará traduzindo para o nível textual informações discretas. Vale dizer,transpondo para os códigos da cultura informações que provêm de outroscódigos.

A atividade jornalística, compreendida como tradutora da realidade e articuladora do

presente, não está submetida às regras básicas do método cientí�co, que conta, dentre

outros requisitos, com a proposição de hipóteses e a submissão destas a provas que podem

con�rmá-las, refutá-las, ou mesmo apresentar resultados inconclusivos. Apesar disso,

o jornalismo informativo, e também o analítico, tende a apresentar-se como objetivo e

imparcial, que é um dos pré-requisitos exigidos também pelo método cientí�co empírico.

�O jornalismo tal como o conhecemos hoje omite as circunstâncias determinantes dos

fatos. Os meios de informação, portanto, criam clones dos fatos, parecidos com seu

objeto apenas o su�ciente para que haja verossimilhança� (SERVA, 2001, p. 135). Desta

forma, se na essência, por um lado, o jornalismo não sofre o rigor exigido pelo método

cientí�co, por outro, na forma, ele muitas vezes produz textos com aparência asséptica

e ausente de qualquer subjetividade, que partem do pressuposto de que contra fatos não

há argumentos e, assim, são capazes de construir teses sem a necessidade de apresentar

hipóteses possíveis de serem refutadas.

A conversão automática de hipóteses em teses, livre de uma análise verdadeiramente

crítica sobre seus fundamentos e premissas, leva à re�exão feita por Platt (1974, p. 149):

�a hipótese que nos ocorreu, e que no momento pareceu brilhante, é realmente lógica

e própria para se transformar numa conclusão �nal? O quadro da situação global que

Page 179: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

4.2 Neoliberalismo aplicado 185

vemos, agora, com tanta nitidez em nossa mente, é o quadro verdadeiro, contemplado em

perspectiva correta?�. Para BAITELLO JÚNIOR (2003, p. 73), �na esfera da cultura,

compreendida como fenômeno semiótico, pode-se dizer [...] que a demolição de um código

resulta na ampliação de seus limites.� Neste sentido, ainda que a atividade jornalística

não se pretenda cientí�ca, a tradução da realidade segundo diversos pontos-de-vista muito

semelhantes, não só não contribui para uma compreensão mais próxima da realidade, como

é capaz de distanciar o produto desta atividade � o texto jornalístico � dos fatos que

pretende apresentar. �A verdade morre por milhares de ferimentos, não porque um corpo

único tenha sofrido muitos cortes, mas porque diversas verdades vão sendo estabelecidas

e em seguida mortas, em múltiplos con�itos.� (SERVA, 2001, p. 93)

Nos tempos atuais, em que o jornalismo adquiriu o status de �ltro perceptivo social

por excelência, capaz de cobrir grande parte da superfície terrestre por meio de uma ampla

rede de agências de notícias, e capaz de articular, �ltrar e editar as notícias segundo a

compreensão, crenças e interesses dos próprios indivíduos que compõe a linha de produção

de notícias que são, �nalmente, distribuídas por uma ampla rede de meios de comunicação,

temos que a versão mediatizada de um fato acaba por se tornar mais real do que o próprio

fato, ao menos no universo da imaginação social, também chamada de opinião pública.

O contemporâneo apresenta-se como rede na qual os acontecimentos sedesenvolvem indissoluvelmente vinculados ao seu contexto. Nada se dis-socia de nada, tudo se associa a tudo. A causa se transforma em casoe inaugura com isto uma reação em cadeia da qual o receptor participacom sua presença, com sua percepção, com suas emoções. Aconteci-mento e percepção do acontecimento são neste momento temporalmenteinseparáveis. O contemporâneo destrói a temporalidade; resta apenas asimultaneidade como elo que liga o que passou com o que está por vir.(BAITELLO JÚNIOR, 2003, p. 80)

Para Serva (2001, p. 56, 60-61, 101), embora o trabalho de edição jornalística procure

organizar e classi�car as notícias e o mundo em categorias que formam uma espécie

de �taxionomia jornalística�, ou �grade jornalística�, a mídia acaba por gerar confusões

na cabeça dos leitores, uma vez que esta edição não se pauta por critérios da história,

da natureza, da razão intelectual ou de qualquer outra forma de pensar o mundo, mas

puramente por critérios jornalísticos.

O fato de o modelo de organização do mundo na imprensa, que ideal-mente se pretende o espelho do mundo [...], não seguir as fórmulas natu-rais ou mesmo qualquer outra forma intelectual de representação tornapeculiar a compreensão do mundo concedida pelo jornalismo, especí�ca,própria dele, e que como tal se esgota em si: ou seja, compreender o

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186 4 Mídia e ideologia

mundo pelo modelo da imprensa não signi�ca compreendê-lo de fato,mas apenas isso, �compreender o mundo pelo modelo da imprensa�, um�m em si. (SERVA, 2001, p. 61)

Conforme vimos, as teorias cientí�cas empiristas parecem ser inadequadas para a com-

preensão de processos complexos como o social, político, econômico e cultural humanos.

Dentre os principais motivos para esta inadequação, está o fato de partirem de pressu-

postos que prejudicam, de alguma forma, a compreensão do essencial, do não-super�cial,

do não-óbvio, do não-aparente, do não-empiricamente comprovável, de quem se bene�cia

e quem se prejudica com o processo. O jornalismo como o conhecemos hoje elabora uma

compreensão da realidade baseada em fatos, os quais servem de matéria-prima para a cria-

ção das notícias. Estas, por sua vez, ainda que sejam produzidas em grande quantidade e

disponibilizem uma ampla variedade de aspectos da realidade, têm um caráter fragmen-

tado e atomizado. Esta característica do jornalismo, de explicar a realidade através da

apresentação de átomos em formato de notícias, leva ao desenvolvimento de uma compre-

ensão atomista da realidade, que desconsidera as relações profundas entre os acontecimen-

tos. O destinatário destas notícias, por sua vez, ainda que não perceba conscientemente,

segue em alguma medida a lógica cartesiana para recompor a realidade fragmentada a que

teve acesso através das notícias atômicas: de qualquer forma, a compreensão da realidade

como um todo poderá ser muito diferente da versão original.

A falta de conectividade entre os átomos noticiosos não permite uma compreensão

verdadeira da realidade que, por mostrar-se incoerente em alguns aspectos, acaba por

criar uma demanda por mais átomos, na tentativa de completar o vazio causado pela

falta de coerência imposta por esta praxis reducionista. Sob a perspectiva mecanicista, a

explicação das propriedades da matéria, entendidas aqui como fragmentos da realidade,

pode ser tomado como o objetivo �nal das notícias. A explicação das leis da natureza que

governam o movimento destas matérias � as notícias �, por sua vez, parece ter semelhança

às análises realizadas nas notícias ampliadas, ou seja, em algum momento surge uma

explicação que dá sentido ao emaranhado de informações acumuladas e, esta sim, consolida

alguma das interpretações possíveis, que passa a construir aquilo que se conhece por

opinião pública.

Se considerarmos o jornalismo como um método que permite tanto a construção como

a compreensão da realidade, seja ela próxima ou distante da versão verdadeira, podemos

perceber também aqui o valor que o método empírico possui na praxis do jornalismo in-

formativo. Neste sentido, tanto o jornalismo quanto o empirismo compartilham a visão

de que a realidade só pode ser compreendida por meio da observação, o que carrega na

Page 181: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

4.2 Neoliberalismo aplicado 187

sua própria lógica que aquilo que não pode ser percebido acaba por ser, conseqüente-

mente, ignorado. Contra fatos, a�nal, pela lógica jornalística, não há argumentos, ainda

que os mesmos possam em certas circunstâncias não fazer qualquer sentido. As notí-

cias ampliadas, por partirem do pressuposto de que os átomos de notícias servem como

matéria-prima con�ável e su�ciente, seguem pela mesma lógica destas, e são incapazes de

ampliar a compreensão da realidade por parte dos indivíduos que se baseiam nas notícias

jornalistica ou empiricamente desenvolvidas.

A compreensão dos fatos, dos contextos em que estão inseridos, e da realidade em

geral, quando ocorre através do �ltro jornalístico, está submetida aos efeitos de certos

mecanismos inerentes ao jornalismo. Segundo Serva (2001, p. 125), �isolada de seu am-

biente original, a notícia se torna mais compreensível por autor e consumidor � mas

distancia-se da sua essência.� As conseqüências das distorções e das in�uências a longo

prazo causadas pelo modus operandi jornalístico não são captadas pela análise empírica, e

talvez justamente daí surja a di�culdade em comprová-las cienti�camente. As distorções

de informações causadas por processos de omissão, sonegação, saturação, submissão, redu-

ção, deformação ou neutralização �são conseqüências do processo de edição que, embora

`naturais', invertem a vocação expressa do jornalismo: a missão de informar� (SERVA,

2001, p. 124), e �pode fazer com que uma história complexa se torne um caso de mani-

queísmo4�. (SERVA, 2001, p. 98) Neste sentido, Serva (2001, p. 65-89) oferece um conjunto

de explicações a fenômenos que, segundo o autor, são inerentes à praxis jornalística:

Omissão de informações acontece nos casos em que o órgão de imprensa não é capaz

de obter alguma informação dentro do prazo industrial de produção editorial, mas

que foi acessada e divulgada por outros veículos. Este fenômeno pode ocorrer,

principalmente, por problemas de infra-estrutura que de alguma forma prejudicam

o acesso à informação.

Sonegação é o processo que ocorre quando o órgão de imprensa tem acesso à informação

mas, por algum motivo, não a divulga, como nos casos de falha na linha de produção

de notícias, o que pode ser acidental, ou por uma causa de outra natureza, que nos

parece ser eticamente questionável: �quando a direção da empresa considera que a

informação [...] fere seus interesses corporativos�. (SERVA, 2001, p. 66)

Submissão diz respeito à di�culdade do consumidor de notícias em compreender a real

dimensão e importância do fato noticiado. Este fenômeno pode ocorrer quando dois

4Maniqueísmo é uma �loso�a dualística que divide o mundo entre Bem e Mal.

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188 4 Mídia e ideologia

temas distintos, que nada têm em comum entre si, são apresentados sob um mesmo

paradigma. Também pode ocorrer quando a atenção é deslocada de um fato de maior

importância para outro de menor, ou quando dentro de uma notícia importante, um

fato ou aspecto proporcionalmente menos importante recebe maior destaque, e omite

ou submete aquele mais importante a segundo plano. Além disso, pode ocorrer

quando uma informação origina-se de uma fonte interessada, e a notícia omite a

quem interessa esta publicação, o que distorce parte do sentido da reportagem.

Redução é um procedimento que procura simpli�car notícias aparentemente confusas

a paradigmas que lhe são alheios. Este fenômeno pode ocorrer quando �fatos lon-

gínquos [...] sobrepõem-se aos fatos do noticiário local e, deslocados, caem em um

outro paradigma. O fato distante passa a fazer parte do enredo local [...]. E os

fatos mais chamativos (deslocados de contexto e portanto de real compreensibili-

dade) ganham sentidos locais�. (SERVA, 2001, p. 86) Ocorre um �deslocamento do

contexto histórico das notícias e sua migração para outro contexto, levando apenas

coincidências episódicas, aspectos imagéticos, acidentais, de seu conteúdo�. (SERVA,

2001, p. 87) O custo da compreensão imediata oferecida pela redução é a incom-

preensão dos fatos narrados, por excesso de super�cialidade e conseqüente falta de

profundidade. Esta simpli�cação retira do receptor a capacidade de compreensão

da realidade, pois os fatos são observados �através de paradigmas que não são seus�.

(SERVA, 2001, p. 89)

Segundo Serva (2001, p. 68-78, 124), estes fenômenos que distorcem a compreensão da

realidade podem causar outros fenômenos no consumidor de notícias:

Deformação da Informação é a compreensão completamente errada da informação,

causada nos casos em que a desinformação gerada pela submissão é muito intensa.

Desinformação Informada é a incapacidade do consumidor de notícias em compreen-

der claramente o fato, em virtude da confusão de notícias causada pela submissão.

Desinformação Funcional é a incapacidade generalizada do consumidor de notícias em

compreender o mundo ou os fatos narrados nas notícias consumidas, pelo excesso

de desinformação informada ou de deformação da informação.

A alta quantidade de informações produzidas, aliada à velocidade cada vez maior da linha

de produção jornalística, também são responsáveis por outros fenômenos que interferem

na qualidade das notícias veiculadas.

Page 183: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

4.2 Neoliberalismo aplicado 189

Esse conjunto de informações provoca uma espécie de paroxismo dadesinformação-informada e da deformação, no qual milhares de informa-ções diariamente se sobrepõem umas às outras no suporte da comunica-ção, no meio em si e também ou mais gravemente na mente do receptor,em sua compreensão do mundo. (SERVA, 2001, p. 77)

Saturação diz respeito à alta quantidade de informações e à falta de hierarquia entre as

mesmas, onde �os fatos se submetem uns aos paradigmas dos outros, sem distinção�

(SERVA, 2001, p. 77).

Neutralização (ou anulação) é o efeito causado pela saturação, onde o excesso de infor-

mações, ao contrário de informar, acaba por desinformar o consumidor de notícias.

�A saturação pode tanto provocar o esquecimento, a perda da informação, como

alterar a sua compreensão de tal forma que se caracterizará como deformação da

informação� (SERVA, 2001, p. 124, grifo do autor). Este efeito de neutralização é o

principal causador da desinformação funcional.

Ainda conforme Serva (2001, p. 81), em sociedades democráticas, aqueles que antes do

surgimento da Internet eram apenas receptores, agora têm também o poder de produção

e emissão de conteúdo. Mas esta liberdade, que não pode ser retirada sob decreto, como

nos regimes autoritários, pode ser minimizada pelo processo de saturação dos canais de

emissão. Desta forma, os conteúdos distribuídos democraticamente por, virtualmente,

qualquer pessoa, têm um número inexpressivo de receptores, o que proporciona-lhes ape-

nas uma atenção marginal.

O excesso de informação [...] é hoje causa de perda de poder individual.E o primeiro poder é o de manipular informações: o poder de emitir etambém o de compreender o que é recebido. O excesso de informaçãoameaça criar a de�nitiva submissão do consumidor ao capital, pois, aopreencher inteiramente sua vida com o alvo de uma metralhadora designos, o consumidor se submete a um Grande Irmão, mais ou menoscomo imaginado por George Orwell, mas com o nervo óptico invertido:ele não nos olha, mas nos obriga a olhar para ele permanentemente.(SERVA, 2001, p. 82)

O aumento da capacidade de transmissão de dados em grande velocidade, ao invés

de aumentar a capacidade de compreensão dos fatos, como alguns poderiam imaginar,

acaba operando justamente no sentido contrário. (SERVA, 2001, p. 99) A ausência de

transparência nos critérios de classi�cação de importância dos conteúdos jornalísticos,

transforma as notícias em mais ou menos importantes muito mais por critérios estéticos

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190 4 Mídia e ideologia

e quantitativos do que qualitativos propriamente ditos, o que aparentemente caracteriza

este processo de escolhas como subjetivo. O poder de selecionar o que será divulgado ou

omitido, o espaço ou tempo de veiculação que será dedicado a cada notícia ou análise,

tornaram-se elementos classi�catórios de fato.

A redução de fatos multifacetados para uma digestão mais fácil peloconsumidor [...] ocorre não só em relação ao contexto dos fatos, mastambém em relação à própria narração de ocorrências ditas �objetivas�.As agências noticiosas internacionais costumam simpli�car as descriçõesde fatos concedidas por suas fontes, reduzindo-as a um �denominadorcomum�, de forma a não se tornarem elas mesmas, pelas diferenças entreos dados, foco de atenção. O procedimento retira dos fatos a diversidadede versões, para torná-los algo �simples, claro e objetivo�, o que na ver-dade não são. [...] o que vitima a verdade não é um assassinato puroe simples, mas uma intervenção cirúrgica que a mata mas mantém suaaparência, como a uma múmia. (SERVA, 2001, p. 95)

Desta forma, a �redução da diversidade natural dos fatos, de suas causas, de sua

história e dos vários ângulos possíveis de visão� (SERVA, 2001, p. 97), leva à consolida-

ção de uma visão de mundo homogeneizada. �Quanto mais variadas as fontes, maior a

possibilidade de efetivas veri�cações cruzadas. Fontes variadas ampliam as bases do do-

cumento, aprofundam a perspectiva e diminuem a possibilidade de erros sérios� (PLATT,

1974, p. 66). Este procedimento caracteriza, de certa forma, algo que dentro da lógica

comercial que orienta as empresas jornalísticas, pode ser compreendido mais como um

con�ito de interesses do que como um con�ito de cognição. �Se na escolha dos fatos o

caos é a matéria-prima fundamental, nos relatos jornalísticos, o confuso, o ininteligível é

suprimido, seja na intenção de que o leitor entenda melhor a história, seja por uma adesão

a um dos lados� (SERVA, 2001, p. 97).

BAITELLO JÚNIOR (2003, p. 81) diferencia duas formas de organização sintáticas

que dizem respeito à maneira como assuntos diversos são relacionados.

A partir da parataxe5 de todos os desenvolvimentos de uma rede simultâ-nea de acontecimentos é [...] que nasce a diversidade do contemporâneo;esta ganha corpo porque nada pode ser anulado, tudo é igualmente im-portante e desimportante ao mesmo tempo. Estas são as prescrições daparataxe. Elas possibilitam a multiplicação in�nita dos componentes ma-teriais e das possibilidades codi�cadoras e decodi�cadoras do presente,porque a parataxe não conhece nenhuma seleção. Ela cria a indiferencia-ção, porque abole todos os outros princípios. Seus principais vetores sãoa espacialidade indiferenciada [...], a temporalidade indiferenciada [...] ea indiferenciação dos valores [...].

5Parataxe é uma forma de organização sintática onde ocorre a ligação de frases com mesmo valorsintático por meio de coordenação.

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4.2 Neoliberalismo aplicado 191

No estudo de caso realizado por esta pesquisa, relativamente à cobertura do caos

aéreo pela mídia, os efeitos da parataxe �caram claros especialmente no que se refere à

consolidação do ambiente caótico não apenas nos aeroportos e nos vôos, mas inclusive

na própria abordagem que indiferenciava as causas profundas do problema, suas raízes

históricas, e os con�itos de interesses envolvidos, para se limitar especialmente ao que

era comentado, seja em on, seja em o�, pelas autoridades e especialistas entrevistados.

No que diz respeito à relação entre parataxe e simetria de valores, BAITELLO JÚNIOR

(2003, p. 81) explica que:

Com base na ordenação paratática, a simultaneidade não oferece indíciospara a solução futura da diversidade rica em con�itos. [...] A parataxedi�culta toda prognose [...] porque não se posiciona diante de nada eporque não suprime nada. O bem e o mal coexistem lado a lado. Avaloração simétrica só faz acentuar a inquietação e a insegurança, senti-mentos do vazio por excelência. A exacerbação do espaço da simetria, asua desmedida dilatação, gera também a demesura do vazio exacerbadode apenas possibilidades simétricas, ao qual denominamos pânico. [...]Quanto mais febrilmente o trabalho da cultura traduz as linguagens pa-ratáticas dos acontecimentos presentes, mais cresce o seu domínio, comsuas simetrias geradoras do pânico.

No caos aéreo o pânico seviu como matéria-prima para as empresas difusoras de

informação, e uma questão que daí surge é se a própria idéia de esclarecer o caos seria

ou não contraditória aos interesses destas empresas em vender mais notícias. Sobre a

produção de textos culturais, BAITELLO JÚNIOR (2003, p. 82) esclarece que:

Juntamente com todos os outros tipos de produtores de textos culturais,o sistema de transmissão de notícias não é outra coisa senão o resultadode um desenvolvimento daqueles mecanismos e procedimentos culturaisde textualização. Lá onde a complexidade do acontecimento em seupresente di�culta ou impossibilita a compreensão, o homem lança mão deprocessos codi�cadores que, por sua vez, se compõem de procedimentosdesenvolvidos ao longo da história cultural do próprio homem. [...] Aconstrução do texto seleciona tanto o ponto de vista, a perspectiva apartir da qual um acontecimento é visto, como seleciona igualmente opróprio acontecimento, vale dizer, seleciona um determinado momentodentro de um desenrolar pulsante.

Esta seleção do aspecto da realidade que será retransmitido leva ao fenômeno lingüís-

tico cuja lógica é inversa à da parataxe; trata-se do que Pross (apud BAITELLO JÚNIOR,

2003, p. 83) descreve como hipotaxe6:

6Hipotaxe é uma forma de organização sintática onde ocorre a ligação de frases com mesmo valorsintático por meio de subordinação.

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192 4 Mídia e ideologia

Hipotatizar quer dizer introduzir ordens de grandezas, valorizar e desva-lorizar, ampliar ou reduzir, enfatizar ou linearizar, adiar e escamotear,apresentar nuances desde o mais claro até o mais escuro, oferecer classi�-cações sutis ou brutais, silenciar ou oferecer a palavra. A hipotaxe não seintimida, não recua diante da possibilidade de mostrar desigualmente oigual. Ela sempre sofre de falta de tempo e de espaço, e exatamente porisso requer sempre mais tempo e sempre mais espaço. E porque sempreos tem a menos, também está sempre ocupada em excluir a diversidade.Esta ocupa tempo e espaço. A função central da hipotaxe consiste emextirpar a insegurança trazida pela valoração simétrica. Ela trabalha aserviço do `verticalismo', criando referências sígnicas e campos simbóli-cos de força ao seu redor, concentrando, hierarquizando, estimulando alógica agonística das competições.

O critério por meio do qual são estabelecidas essas �ordens de grandeza� é o que

está intrínseco à lógica mercadológica das empresas que vendem informação. Este critério

poderia ser baseado em quaisquer valores religiosos, ideológicos, pessoais, sociais, culturais

e, até mesmo, de mercado. Os conceitos formulados por Serva (2001), quando analisados

sob a ótica do valor que é dado a cada aspecto da realidade, leva à re�exão sobre quais

poderiam ser os valores mais essenciais de uma empresa com �ns lucrativos, cujo ramo de

negócio é a venda de informações, ou seja, a mídia em geral. BAITELLO JÚNIOR (2003,

p. 83-84) descreve a ritualização como uma das soluções possíveis de serem utilizadas para

amenizar, ou mesmo ocultar, os efeitos deste processo que leva à distorção da percepção

da realidade:

Uma vez que tanto a delimitação textualizadora quanto a hipotaxe têmcomo tarefa interromper o �uxo umbilical com o todo, a ritualizaçãotem de compensar este isolamento, criando vínculos simbólicos. A ritua-lização promove uma simulação simpli�cada do complexo espaço-tempo.Por isso precisa de uniformidade e regularidade. A ritualização fornece ofundamento para a credibilidade, sobretudo porque garante a previsibi-lidade do acontecimento, neutralizando assim os temores. Nasce daí suaenorme importância para a mídia.

A segurança promovida pela mídia com a prática de um fenômeno intrínseco à cultura,

a ritualização, favorece a prática da inversão de valores, que também é fenômeno tipica-

mente cultural. Desta forma, as empresas difusoras de informação são capazes de criar

programações ritualizadas onde quaisquer inversões de valores possam se tornar menos

explícitas, devido à proteção oferecida por esta credibilidade que, em última instância,

favorece a neutralização dos temores. Segundo BAITELLO JÚNIOR (2003, p. 107-108),

no que diz respeito aos procedimentos de inversão de valores, temos que:

[...] um símbolo que se desenvolveu em um texto de alta complexidadepresente em todas as religiões, em todas as ideologias, em todos os sis-temas políticos: a inversão de valores gerada pela morte. Vale dizer,

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4.2 Neoliberalismo aplicado 193

os limites naturais de �m e começo são invertidos no mecanismo semió-tico de criação dos símbolos. Todo começo tende a um �m, segundo osprocessos vitais da natureza, segunda lei da termodinâmica. Contudo,no mundo dos símbolos, nos processos semióticos, o que ocorre é o in-verso: todo �m tende inevitavelmente a um começo ou um recomeço.[...] a percepção dos limites extremos da vida evoca em cada um de nósa necessidade de inverter o limite desfavorável. [...] Começo e �m sãosemioticamente partes de uma única entidade. [...] E lá onde impera odesconhecimento sobre um dos lados da fronteira, há a necessidade deinventá-lo por meio de mecanismos simbólicos. Lá, onde não se sabe nadasobre o território de um vizinho distante, existe a tendência a imaginar�ccionalmente sua aparência.

Para Serva (2001, p. 16-17), a desinformação torna-se um pecado mortal quando deixa

de ser um erro e torna-se uma estratégia comercial. Neste sentido, a edição das notícias ao

invés de �organizar o caos� de informações que atordoa o receptor destas, aumenta ainda

mais a confusão e a incompreensão dos fatos cobertos pela mídia. Quando este compor-

tamento torna-se sistêmico, passa a produzir um processo generalizado de desinformação

funcional, semelhante aos casos de analfabetismo funcional. O analfabetismo funcional

é um fenômeno no qual a pessoa é capaz de juntar letras e formar palavras, ou mesmo

de juntar palavras e formar frases inteiras, mas não consegue compreender o signi�cado

daquilo que lê.

A desinformação funcional [...] corresponde a um fenômeno de�nidopelo fato de que as pessoas consomem informações através de um oumais meios de comunicação, mas não conseguem compor com tais infor-mações uma compreensão do mundo ou dos fatos narrados nas notíciasque consumiram. (SERVA, 2001, p. 71)

A estratégia comercial que motiva a desinformação baseia-se justamente na idéia de

que a incompreensão gera demanda por mais informação jornalística, o que torna-se um

círculo vicioso, em que quanto mais a pessoa tenta informar-se, mais desinformação ela

adquire e, por sua vez, maior passa a ser a sua necessidade de buscar mais informações

e de atualizar-se com as últimas notícias. (SERVA, 2001, p. 22) A técnica jornalística,

compreendida como a �confecção de produtos compostos de informação, necessita da

incompreensão e, portanto, busca prioritariamente objetos surpreendentes ou incompre-

ensíveis, quer seja destacando aqueles fatos que têm essas características como naturais

(são, realmente, novos e desconhecidos), quer atribuindo-as aos fatos que seleciona�. Este

procedimento é voltado ao consumidor de informações, �treinado a ser consumidor dos

meios tais como são�, que não necessariamente é uma �pessoa que busca o entendimento

das notícias� (SERVA, 2001, p. 117-119).

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194 4 Mídia e ideologia

Serva (2001, p. 45-51) diz que o tratamento dado pela imprensa a acontecimentos

circulares ou corriqueiros, que caracterizam-se por sua previsibilidade ao longo do tempo,

costumam ser apresentados pela imprensa como novidades surpreendentes, com o destaque

de um invento, tão luminoso que ofusca a memória do passado e, justamente por conta

disso, tornam-se atraentes. Do ponto de vista comercial, isto tende a aumentar a demanda,

pelo menos no curto prazo. �As notícias não deixam ver a história. Ao contrário, o sistema

de notícias encobre a lógica profunda que está por trás da cortina de novidades. Essa lógica

subjacente parece ser compreensível apenas a quem observa os fatos por outra lente que

não a do jornalismo� (SERVA, 2001, p. 47�48).

Ao processar as notícias em função de sua capacidade de surpreender, osjornais deixam de buscar em primeiro lugar uma compreensão genuínados acontecimentos � que poderia tirar a surpresa do leitor diante do fato.É como dizer: se os leitores entenderem a notícia, seus antecedentes, seucontexto e sua repercussão, não vão se surpreender com ela, não vãodar valor ao noticiário. E quem sabe no dia seguinte não �renovarão aeleição� do veículo, entendida pelo ato de compra repetido diariamente.Ou talvez possam até prever os fatos [...] (SERVA, 2001, p. 59�60)

Neste sentido, para Serva (2001, p. 48-86), o jornalismo, que se propõe a ser o veículo

das luzes e porta-voz da verdade, opera através de uma lógica de imposição da ignorância.

�A notícia é, portanto, quase sempre surpreendente. A novidade é a alma do negócio da

imprensa. Nessa busca pela novidade, mesmo velhos fatos devem aparecer vestidos de

novos, maquiados para voltar a surpreender� (SERVA, 2001, p. 50). Vivemos num estágio

em que, devido ao fato de o mundo ser cada vez mais informado apenas pelos meios de

informação jornalísticos, com todo o caos decorrente da construção do modelo de mundo

feito pelo jornalismo, a compreensão da realidade tende a ser, da mesma forma, cada vez

mais confusa. �No caso do jornalismo atual, a surpresa advém ainda menos da natureza

do evento e mais do próprio processamento jornalístico � que assim, em vez de permitir a

compreensão dos fatos, [ou] sua `integração numa construção lógica da realidade', milita

no sentido contrário�. (SERVA, 2001, p. 62) A falta de historicidade acaba por ser um

componente típico dos meios de informação.

[...] os fragmentos do passado só poderiam adquirir sentido se pensadosem sua historicidade. Como a história não é parte dos componentesessenciais do jornalismo, [...] a capacidade de compreensão do mundo évirtualmente impossível � ao menos àqueles cuja janela para o mundosejam os meios de comunicação atuais. (SERVA, 2001, p. 63)

Serva (2001, p. 103-109) esclarece que o modelo jornalístico atual, ao apresentar a

novidade como produto, impõe um tratamento secundário às informações sobre os des-

dobramentos dos fatos, os quais tendem a receber destaques cada vez menores conforme

Page 189: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

4.2 Neoliberalismo aplicado 195

tornam-se conhecidos. Assim, fatos que algum dia foram surpreendentes, passam a re-

ceber cada vez menos atenção em relação aos seus desdobramentos de longo prazo. Em

situações de crises, caos e tragédias de forma geral, a lógica da venda de novidades em-

bute em si duas características que são, por sua própria natureza, prejudiciais à sociedade

como um todo. Uma delas é a percepção da crise, por parte da imprensa, somente após

sua explosão. A outra é que colaborar para a prevenção ou superação de crises pode pre-

judicar a produção da matéria-prima jornalística: as novidades. Num contexto em que

as empresas jornalísticas são norteadas por interesses comerciais de curto prazo, e não

pela promoção de bem-estar social a longo prazo, a explosão de eventos deste tipo pode

ser uma fonte rica em novidades, o que pode favorecer os interesses comerciais imediatos

destas empresas, ainda que em prejuízo do restante da sociedade.

Ao dirigir sua edição e organizar os fatos conforme regras que atendem àlógica da surpresa, os jornais editam as notícias e justapõem os fatos semjamais explicá-los ou permitir que sejam genuinamente compreendidos �o que a�nal retiraria a surpresa. (SERVA, 2001, p. 110)

A análise de Serva (2001, p. 113) leva à compreensão de que a ausência de historici-

dade, o destaque às novidades, e a suspensão da cobertura jornalística �quando não houver

novas informações a respeito do tema de cobertura�, não são uma distorção em si, mas

sim características do meio. Algumas das distorções jornalísticas surgem da necessidade

de encaixar a produção de notícias a estas características. �Na ausência de notícias ge-

nuinamente novas, o jornalismo veste como novos muitos fatos que em verdade não o são.

[...] Procurando apresentar apenas novidades, o jornalismo acentua ou mesmo amplia o

desconhecimento do fato noticiado� (SERVA, 2001, p. 123).

O jornalismo muitas vezes parte do pressuposto de que os fatos falam por si, e que o

signi�cado dos mesmos é, por de�nição, implícito. Poupa-se com este procedimento muito

trabalho, tempo e recursos �nanceiros por parte da empresa jornalística, o que fortalece

a tendência da produção quantitativa de notícias de signi�cado inconsistente, aumenta

a demanda por mais notícias, enfraquece o nível de compreensão da realidade por parte

de uma suposta opinião pública, e encaixa a empresa jornalística no contexto cultural,

social e econômico que permeia o mundo atual: o capitalista. A produção de notícias

informativas, desacompanhada de análises que dêem sentido àquele determinado aspecto

da realidade, não leva em conta que �o signi�cado, ou o sentido de um fato, é o mais

importante que nele existe e, portanto, tem de aparecer nitidamente, primeiro para quem

escreve, depois para quem lê� (PLATT, 1974, p. 82).

Page 190: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

196 4 Mídia e ideologia

Platt (1974, p. 84) detalha um percurso através do qual, segundo ele, o�ciais de

informações estratégicas, cientistas sociais e cientistas humanos em geral devem seguir

em seus respectivos ramos do conhecimento que, ao contrário das ciências naturais e

exatas, nem sempre contam com todos os fatos necessários para provar as conclusões

apresentadas. Por esta compreensão, os dados brutos devem passar pelo seguinte processo

a �m de extrair-se o máximo possível de signi�cado dos dados disponíveis:

Seleção dos dados disponíveis;

Avaliação da credibilidade dos dados selecionados;

Interpretação dos dados avaliados como críveis;

Integração através da formulação de uma �hipótese ou uma explicação que permita

compor um quadro coerente da situação, mostrando a relação entre as partes�;

Conclusões tiradas à partir da compreensão dos dados, da relação entre eles e do con-

texto no qual estão inseridos;

Veri�cação das conclusões obtidas;

Apresentação de forma clara e correta das conclusões e do quadro �nal (contexto), �com

a devida ênfase e com indicações, ao leitor, do grau de con�ança das diversas partes

do relatório�.

Percebemos que o jornalismo informativo não costuma seguir este tratamento cuidadoso

e pula, pela própria lógica de funcionamento da atividade, as etapas centrais relacionadas

à compreensão, por parte do jornalista e de seus destinatários, do contexto onde os dados

apresentados estão inseridos, da relação entre eles e, até mesmo, dos próprios dados em si.

Ou seja, se nem do produtor da notícia é exigida a compreensão do aspecto da realidade

de que trata seu trabalho, não há nada que possa levar-nos a crer que será justamente o

destinatário quem terá maior capacidade para compreendê-la.

4.2.2 Aviação civil no Brasil

No contexto neoliberal de que tratamos até agora, estão incluídas não só as empresas

de comunicação, mas também as aéreas. Em 1978 os Estados Unidos da América estabe-

leceram o Ato de Desregulação das Empresas Aéreas, o qual �liberava as empresas aéreas,

permitindo-lhes decidir que rotas queriam voar e o custo por passageiro, o que deveria ser

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4.2 Neoliberalismo aplicado 197

feito por uma agência do governo. A supervisão do governo sobre o que era considerado

um serviço de utilidade pública cedeu lugar à economia de livre mercado�. Tendo em vista

o desequilíbrio de forças entre o Estado e o mercado, como uma característica típica da

ideologia neoliberal, que tende a privilegiar este último, �ca claro que �a desregulamenta-

ção das empresas aéreas [...] nunca teve por objetivo construir uma indústria forte, e sim

baixar os preços das passagens, criando competição. E de fato fez crescer um mercado de

commodities, daí a competição.� (NEWHOUSE, 2008, p. 91-92)

Em 1981 foi perguntado a Richard Ferris7 �sobre a tendência da indústria liberada

em direção a um comportamento autodestrutivo.� Segundo Newhouse (apud NEWHOUSE,

2008, p. 93), ele disse: �Veja o sangue no chão. Ele �cará tão profundo que as linhas aéreas8

se tornarão racionais.� Aparentemente, segundo Newhouse (2008, p. 93, grifo do autor),

�não se tornaram. [...] Mas o problema maior era o de participação no mercado. A maioria

das empresas estava perdendo suas camisas correndo atrás dela. Tanto na época quanto

agora, seu mantra é: aquele que morre com a maior fatia de mercado vence.� Edward

Colodny9, sobre isso, disse que �a desregulação deu a todos eles a chance de morrer.�

(NEWHOUSE, 2008, p. 94-95) Para Herb Keller10 �participação no mercado não tem nada

que ver com rentabilidade. [...] Ela diz apenas que queremos ser grandes; não importa se

ganhamos dinheiro fazendo isso.� (FRIEBERG; FRIEBERG, 1996 apud NEWHOUSE, 2008,

p. 94)

A desregulação não se limita apenas à relação das empresas umas com as outras, mas

também das empresas com seus empregados. Aqui, mais uma vez, o objetivo é aumentar a

competitividade, mas pelo viés da redução de custos, uma vez que a folha de pagamentos

de uma empresa aérea é uma componente signi�cativa que pode aumentar, ou reduzir, os

lucros da mesma. Neste sentido surgiu nas últimas décadas uma modalidade de empresa

aérea que �cou conhecida como empresas de baixo custo11. Dentre os principais custos de

uma empresa aérea estão os com combustível, com leasing12 e com funcionários. Se as duas

primeiras rubricas, por um lado, correspondem a negociações comerciais entre as empresas

e seus respectivos fornecedores, que também são empresas, a rubrica funcionários, por

sua vez, diz respeito às negociações trabalhistas entre as empresas e seus empregados.

Como é inerente às relações capitalistas, em que os proprietários dos meios de produção

geralmente não são os mesmos indivíduos que operam essas máquinas e aparelhos, existe

7Richard Ferris foi durante algum tempo chefe executivo e CEO da United Airlines.8Linhas aéreas são um jargão do setor, cujo signi�cado é o mesmo que empresas aéreas.9Edward Colodny foi presidente e CEO da US Airways.10Herb Keller foi presidente da Southwest Airlines.11Empresas de baixo custo, do inglês Low-Coast Carriers (LCC).12Leasing é uma espécie de aluguel de aeronaves realizado pelas empresas aéreas.

Page 192: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

198 4 Mídia e ideologia

um desequilíbrio de forças entre os mesmos, além de um con�ito de interesses inerente

à posição de cada indivíduo na relação entre capital e trabalho. Desde a Revolução

Industrial (ver 3.2.1 na página 138), uma das funções do Estado foi servir como mediador

entre os empregadores e os empregados. Newhouse (2008, p. 106-107) explica que:

As empresas de baixo custo não são a�igidas por essas austeras regras detrabalho, porque, na maior parte das vezes, elas conseguiram evitar ouconter os sindicatos. Algumas pagam salários ainda mais baixos na escalaque os pagos pelas maiores linhas aéreas. Outras fazem seus própriosarranjos com os pilotos [...]. No tempo de maior lamentação da indústriadas empresas aéreas, a mais bem-sucedida LCC [empresa aérea de baixocusto] injetou em seu pessoal um espírito de equipe construído com oorgulho e o senso de estar ligado a organizações em crescimento que terãosucesso e, possivelmente, �orescerão. A ausência de regras rígidas detrabalho dá à LCC uma grande vantagem sobre as empresas tradicionais.[...] Reduzir o tempo no chão é para [as] empresas aéreas tanto umprincípio básico como uma causa.

Esse �espírito de equipe� de que fala Newhouse também é citado por Guaracy (2003,

p. 117), ao se referir a Rolim Adolfo Amaro, dono da empresa aérea TAM. Segundo o

autor, para Rolim:

Não bastava o presidente da empresa falar com os outros, tinha de serrealmente igual aos outros. Isso signi�cava também que devia ser oprimeiro servidor do cliente. E, se servia pessoalmente o cliente até olimite de suas forças, os funcionários não poderiam exigir menos de simesmos. Era esse o segredo que implantaria na TAM.

Aparentemente, a receita motivacional funciona tão bem no Brasil quanto nos Estados

Unidos da América, servindo como uma estratégia comunicativa de alto impacto cultural

para os funcionários de uma empresa. Ainda que o fato de funcionários do alto escalão

administrativo de uma empresa se prestarem a realizar tarefas que estão muito aquém de

suas responsabilidades ter efeitos práticos mínimos, o objetivo deste tipo de estratégia é a

construção simbólica no imaginário dos funcionários. Segundo Newhouse (2008, p. 107):

[...] na Southwest e na JetBlue as pessoas da administração não hesitamem ajudar a limpar o avião ou dar auxílio à bagagem na rampa. HerbKelleher o faz quando está a bordo de um vôo da Southwest e tambémconversa com os passageiros. David Neeleman, o altamente criativo fun-dador e líder da JetBlue, enviou uma mensagem que chamou a atençãode sua companhia quando começou a ajudar as equipes durante as via-gens. Ele também pode ajudar os comissários de bordo, ou, durante umaparada, pegar bagagem e até, em certos momentos, agarrar um aspiradorde pó de mão para ajudar a supervisionar o avião e diminuir o tempo depermanência em solo.

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4.2 Neoliberalismo aplicado 199

Uma das características do neoliberalismo é restringir a intervenção do Estado não

apenas nas relações de competição entre as empresas, mas também nas relações destas

com seus respectivos empregados. Um dos recursos mais e�cientes para dissimular os

con�itos inerentes à relação entre capital e trabalho, ou entre proprietários dos meios

de produção e empregados, foi enfraquecer a in�uência dos sindicatos de trabalhadores

enquanto representantes de categorias pro�ssionais, por negociações livres de intermediá-

rios. Nesta modalidade de negociação, por sua vez, a desorganização dos trabalhadores

permite às empresas negociar contratos mais �exíveis com os mesmos, reduzindo o custo

com a folha de pagamento e, conseqüentemente, aumentando seus lucros.

Outro fator favorável às empresas é aquilo que �cou conhecido pela expressão �exército

de contingente�, que diz respeito ao excesso de trabalhadores disponíveis para ocupar os

postos de trabalho existentes. Uma vez que haja excesso de mão-de-obra disponível,

e sendo as relações entre empregadores e empregados também reguladas pelas leis de

mercado, de oferta e procura, a tendência de diminuição dos salários poderia ter como

efeito negativo a desmotivação destes últimos. Mas além da situação de fragilidade em

que os trabalhadores se encontram na relação com as empresas, numa época em que

não apenas o Estado, mas também os sindicatos trabalhistas estão enfraquecidos, existe

a ameaça constante de desemprego, que pode servir como uma motivação natural para

que o desempenho dos funcionários seja o maior possível. Além disso, algumas empresas

implantam técnicas de motivação em seus funcionários que os levam a �vestir a camisa�

da empresa, ou seja, a trabalhar com profunda dedicação para que a empresa obtenha o

maior lucro possível e, assim, aumentem as chances de que os empregos sejam mantidos.

As técnicas de motivação evidentemente não se restringem ao temor do desemprego

inerente à relação fragilizada em que os trabalhadores se encontram. As empresas, es-

pecialmente as que pretendem ser de baixo custo, trabalham com e�ciência o imaginário

de seus funcionários e, num exemplo prático de cooptação ideológica, estimulam seus

funcionários a sentirem-se parte de uma grande família, o que conseqüentemente leva ao

ocultamento do con�ito entre capital e trabalho. Mas não é apenas com estímulos re-

lativos à segunda realidade � imaginação � que se consolida a supressão deste tipo de

con�ito; muitas empresas adotam políticas de distribuição de parte dos lucros para os

funcionários13, o que tem de fato impacto direto na primeira realidade � material �, pois

apesar dos salários reduzidos, são criadas algumas compensações materiais, em dinheiro.

13Em algumas empresas isto é chamado de Participação nos Lucros e Resultados (PLR), ou Plano deParticipação nos Resultados (PPR).

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200 4 Mídia e ideologia

A participação nos lucros ou resultados, porém, carrega em si algumas características

altamente relevantes que merecem destaque. A primeira delas é que, ao diminuir-se os

salários e transferir-se parte das despesas com funcionários a uma parcela do lucro relativo

a um determinado período, estes passam a participar do risco do negócio, pois o lucro é

uma variável que não depende apenas do esforço, da vontade e da capacidade daquelas

pessoas que trabalham para a empresa, mas sim de diversas questões relativas ao mercado

e que estão fora do controle dos trabalhadores, especialmente daqueles com baixo ou

nenhum poder de decisão nas políticas da empresa. Um fator contribuinte a isso é que os

custos com benefícios sociais, que são embutidos nos salários, automaticamente diminuem,

uma vez que a parcela do lucro paga aos funcionários não é compreendida como salário,

ao menos pela legislação brasileira.

A segunda é que as empresas têm total liberdade para �xar as metas de produtividade

que, caso não sejam atingidas, podem retirar também de forma automática o direito

de participar da distribuição dos lucros. Este último recurso tem embutido em si um

forte argumento meritocrático, ainda que a de�nição de mérito seja livremente arbitrada

pelos proprietários dos meios de produção. Finalmente, mas não menos importante, é

o fato de que um salário reduzido, aliado à expectativa de participação nos lucros da

empresa, tende a cooptar o imaginário dos trabalhadores, devido ao deslocamento de

suas fontes de receita: se antes era o cargo e a quantidade de horas trabalhadas o que

diferenciava a quantidade de dinheiro recebido no �nal do mês, agora passou a ser também

a capacidade de reverter tal trabalho em lucro para a empresa, o que não necessariamente

tem implicação direta com a qualidade deste trabalho a partir de outras perspectivas

diferentes da do lucro. Seria uma ilusão imaginarmos que o que aumenta o lucro de

uma empresa é exclusiva ou necessariamente a qualidade dos serviços prestados, ou dos

produtos desenvolvidos.

Num mercado desregulado a busca por lucro não necessariamente tem qualquer vín-

culo com qualidade, seja daquilo que a empresa produz, seja dos empregos que ela propicia.

É exatamente nessa inversão que a idologia neoliberal conquista a crença de muitas pes-

soas, especialmente dos próprios trabalhadores que a ela têm de se submeter: o discurso

meritocrático fortalece a crença de que existe uma relação natural, mecânica, biológica,

entre aquilo que o trabalhador realiza, e aquilo que ele recebe como recompensa pelos

serviços prestados. Sai fortalecida, com isso, a manutenção do status quo, pois o indiví-

duo passa a ser incapaz de perceber, ou, ainda que perceba, de reagir individualmente, à

situação de submissão frente ao capital, em que ele se encontra.

Page 195: Crise aérea e comunicação: o acidente do vôo 3054 da TAM à

4.2 Neoliberalismo aplicado 201

Como o Estado e os sindicatos, enquanto potenciais aglutinadores que poderiam des-

velar, contestar, ou talvez até mesmo refrear e reverter esta situação, são a todo instante

enfraquecidos e desacreditados, com a colaboração expressiva da mídia, então os trabalha-

dores perdem o foco de referência sobre sua própria situação no mundo, e têm o imaginário

ideologicamente cooptado pelo neoliberalismo: acreditam-se como verdadeiros colabora-

dores que fazem parte de uma grande família corporativa. Desta forma, a identi�cação

com os interesses da classe pro�ssional é deslocada para a identi�cação com os interesses

da empresa. Com isso, o neoliberalismo internaliza em seu próprio discurso alguns dos

ingredientes dos discursos socialista e nacionalista, mas deslocando tais elementos daquilo

que seria o bem comum da sociedade ou da nação, para o bem comum da empresa, ainda

que a divisão dos benefícios não tenha necessariamente qualquer vínculo com algum ideal

de igualdade ou fraternidade que porventura possa existir no imaginário.

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202 4 Mídia e ideologia

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203

Conclusão

�Para saber se algum comportamento é ético,basta pensar no que aconteceria se todos

resolvessem agir daquela maneira.�(Carlos Chagas)

Ao longo da presente pesquisa procurou-se compreender a essência dos processos cul-

turais e ideológicos que con�guram a visão de mundo dominante atualmente. Nesta busca,

assumimos que pela con�guração em que se encontra o mundo nos tempos atuais, a mídia,

o mercado e o Estado são as instituições com maior poder e in�uência, mais até mesmo

do que a(s) Igreja(s), a escola, o partido político ou a família. Não procuramos, entre-

tanto, nos aprofundar nos níveis de in�uência das instituições; apenas aceitamos que o ser

humano desenvolveu, ao longo de sua existência, diversas instituições, e que no contexto

atual contexto capitalista, mídia, mercado e Estado possuem forte in�uência.

A visão de mundo que compreende os processos sociais e culturais humanos como aná-

logos a fenômenos físicos ou biológicos, carrega em si, ainda que não intencionalmente,

uma característica que é a peça-chave da ideologia: a desconsideração da intencionalidade

humana na essência dos processos culturais, sociais, econômicos e comunicativos. A cons-

trução mental que enxerga no desenvolvimento da cultura uma linha que dá continuidade

ao �uxo da natureza, passa à margem de uma diferença fundamental entre estas duas

realidades (natureza e cultura): em todos os processos protagonizados pelo ser humano,

a intenção, a vontade, os interesses, a subjetividade, e todas as outras características in-

trinsicamente humanas, de alguma forma, em maior ou menor intensidade, acabam por

in�uenciar o modo como as ações são conduzidas e, conseqüentemente, o resultado �nal;

já nos fenômenos naturais cuja ocorrência independe da existência humana, ainda que sua

interferência possa in�uenciar todo o �uxo de acontecimentos, a natureza não depende de

escolhas humanas para dar conta de sua realização. É evidente que existe uma relação

de sinergia e de reciprocidade entre a humanidade e a natureza, de modo que tanto as

atividades humanas podem in�uenciar a natureza, como o contrário, e negar esta relação

seria um reducionismo ingênuo. O problema aparece (ou não aparece) quando a natureza

é utilizada como explicação e justi�cativa para processos ou situações culturais, sociais e

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204 Conclusão

econômicas, que é justamente o que faz a ideologia, especialmente a capitalista neoliberal,

de forma que acaba por ocultar, ingênua ou intencionalmente, as intenções e os interesses

que estão por trás destes processos.

Em certas áreas do conhecimento, a pesquisa cientí�ca e o desenvolvimento técnico

são questões inseparáveis, de modo que a compreensão sobre algum fenômeno, ou objeto,

pode levar ao desenvolvimento de técnicas mais e�cientes para nele interferir. Esta rela-

ção entre ciência e técnica é muito clara em pesquisas desenvolvidas naquelas áreas que

se convencionou chamar de exatas e biológicas, e muito tem a contribuir para o progresso

tecnocientí�co. O ponto em que, acreditamos, deve haver alguma ruptura relativa a esta

abordagem que busca inde�nidamente compreender para interferir, surge quando o �ob-

jeto� analisado é a sociedade e a cultura humanas. Devemos ter clareza para distingüir, no

que diz respeito às ciências humanas, sociais e culturais em geral, as pesquisas que buscam

compreender os processos que se dão em seu interior, daquelas que buscam desenvolver

ferramentas capazes de manipular ou de in�uenciar estes processos como se fossem engre-

nagens mecânicas, ou sistemas biológicos. A própria idéia de reduzir a sociedade humana

a paradigmas mecânicos ou biológicos carrega, em seu interior, não apenas a tentativa

de utilizar metodologias inadequadas à compreensão deste nível de complexidade, como

também a desconsideração de questões cuja percepção é praticamente impossível por estas

abordagens, e que apesar disso não deixam de estar intrinsicamentes ligadas à existên-

cia humana: ética, moral, livre-arbítrio, interesses, jogos de poder e cultura são algumas

delas. Todas estas questões permitem, por características que lhe são próprias, análises

subjetivas que podem variar intensamente a depender da posição assumida pelo pesqui-

sador. O problema de assumir uma postura absolutamente inversa (e talvez até avessa) à

�losó�ca, pretensamente asséptica, imparcial e objetiva, é que ela acaba por desconsiderar

as raízes culturais, os interesses envolvidos e os jogos de poder que ocorrem nas camadas

mais profundas destes processos. Tanto a abordagem mecanicista, quanto a biológica,

levam, em última instância, à ocultação de interesses que são impossíveis de serem apre-

endidos por quaisquer metodologias empíricas, quantitativas ou �objetivistas�. E uma

vez que interesses, escolhas racionais (livre-arbítrio) e motivações extra-bio�siológicas são

inerentes à espécie humana, desconsiderar estas in�uências na busca de uma aparente

assepcia cientí�ca pode levar a conclusões que desconsiderem as essências mais profundas

da realidade humana.

Uma característica que busca justamente separar a �loso�a da ciência, é a aplicação

do método cientí�co na análise não apenas de fenômenos da natureza, mas também da

cultura. Evidentemente, o progresso cientí�co permitiu que a realidade fosse dividida

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Conclusão 205

em várias camadas, abordadas de forma mais ou menos estanques: lógica, matemática,

física, química inorgânica, química orgânica, biologia, medicina, neurologia, psiquiatria,

psicologia, psicologia social, sociologia, �loso�a, lógica (novamente), e todas as derivações

oriundas de cada �camada�. Assim como não existem fronteiras necessariamente claras e

bem de�nidas entre todas as áreas do conhecimento, certamente muitas pontes e cone-

xões são possíveis, de modo que seus desenvolvimentos certamente só têm a enriquecer a

compreensão da realidade, ampliando os paradigmas possíveis, levando ao surgimento de

novas idéias, e assim sucessivamente. Quando o mundo ocidental começou a se libertar

das imposições metafísicas, sobrenaturais e mitológicas como única perspectiva possível

para a compreensão da realidade, como uma imposição da Igreja Católica que, por sé-

culos, submeteu esta compreensão à sua própria autoridade, as descobertas cientí�cas se

multiplicaram exponencialmente, levando não apenas à compreensão cada vez mais am-

pla e profunda sobre a realidade, mas também ao desenvolvimento de técnicas e�cientes

para manipulá-la. Simultaneamente a este desenvolvimento tecnocientí�co, o capitalismo

comercial e, depois, o industrial, gradativamente começaram a in�uenciar movimentos

sociais que modi�caram profundamente não apenas as relações de poder, mas as pró-

prias relações sociais e culturais, inicialmente no ocidente e, depois, por todo o mundo.

É neste sentido que fomos levados a analisar o fenômeno da ideologia na cultura atual,

tendo em mente uma tentativa de distingüir a realidade natural da cultural, algo pró-

ximo à diferenciação entre primeira e segunda realidades proposta pelo semioticista Ivan

Bystrina.

Segundo a concepção de ideologia que utilizamos nesta pesquisa, este fenômeno se

refere à inversão das relações entre as idéias e o real, de modo que aquilo que o pesqui-

sador entende como sendo a realidade �objetiva� não passa, na verdade, de uma camada

de abstração ideologicamente concebida, cujo resultado tende a ser o desconhecimento

da realidade tal como ela é. Acreditamos que a compreensão das diferenças entre o mo-

dus operandi da natureza e da cultura, permitiu a melhor compreensão sobre algumas

das características que tornam a espécie humana tão peculiar: a capacidade de imaginar,

abstrair, de desenvolver ferramentas, técnicas, instituições, ciência e cultura, de ir além

da busca pela sobrevivência material e do suprimento de necessidades físicas e biológi-

cas. A independência de utilidade, de necessidade e de funcionalidade são importantes

fatores que permitem o desenvolvimento da cultura. A fronteira epistemológica de que

tratamos aqui ocorre exatamente quando fenômenos que ocorrem no universo da reali-

dade humana são analisados por meio de perspectivas, métodos e abordagens que tentam

enquadrá-los, reduzi-los ou transmutá-los para uma realidade natural que, esta sim, pode

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206 Conclusão

ser mensurável, apreensível e quanti�cável por meio de experimentações ou de demonstra-

ções lógico-matemáticas, para cuja reprodução ser possível basta a obediência das mesmas

condições metodológicas, ou dos mesmos axiomas, todos passíveis de veri�cação, compro-

vação ou refutação. Nos fenômenos da realidade humana tal precisão não necessariamente

é possível, mas isso não impediu o desenvolvimento de abordagens que permitissem re-

duzir e manipular fenômenos humanos, sociais, econômicos e culturais como se naturais

fossem. Exemplo disso são as perspectivas empírica e ideológica analisadas no presente

trabalho.

Conforme foi tratado ao longo do primeiro capítulo, a tradição empirista nasceu na

Grécia clássica, e foi retomada inicialmente no século XIII, com a fundação daquela que

�cou conhecida como a Escola Empírica, a qual questionou a razão e a autoridade como

únicas fontes possíveis de saber, acrescentando-lhes a observação e a experimentação.

Curiosamente tal questionamento foi feito por um franciscano, justamente num período

em que a verdade era imposta pela Igreja que tinha autoridade para considerá-lo heresia,

o que na época era fatal. Ao mesmo tempo a cultura européia começou a ser in�uenciada

pelo desenvolvimento das cidades medievais (ou burgos), que vieram acompanhados do

surgimento de uma nova classe social, a burguesia. Gradativamente a visão de mundo

dominante, que era focada em preocupações extraterrenas, pela vida de além-túmulo,

foi sendo deslocada para um novo ideal de riqueza e busca por conforto material. Ao

longo dos séculos seguintes a Igreja foi crescentemente perdendo poder para a burguesia,

da mesma forma que a explicação do mundo inspirada no sobrenatural e nas mitologias

foi sendo substituída pelo desenvolvimento de uma ciência empírica que, inspirada no

funcionamento do mundo natural, colaborou para questionar os alicerces sobre os quais se

apoiava a autoridade institucional da Igreja. Podemos concluir daí que o empirismo teve

um papel fundamental não apenas para a melhor compreensão sobre as leis da natureza,

mas também para questionar os pilares de sustentação da instituição mais poderosa da

época: a Igreja.

O desenvolvimento do comércio, aliado ao desenvolvimento das ciências naturais, le-

vou ao surgimento daquele período que �cou conhecido como Renascimento, em que o

método empírico, indutivo e a interpretação mecanicista in�uenciaram profundamente

não apenas o modo como se passou a fazer ciência (natural), mas, inclusive, a �loso�a.

Na França do século XVIII, esta visão de mundo in�uenciou alguns escritores que, ins-

pirados nas leis da natureza, desenvolveram basicamente dois tipos de obras: �losó�cas

e econômicas, numa escola de pensamento que �cou conhecida como Iluminismo. Estes

intelectuais, fortemente in�uenciados pela mudança de paradigma que rompeu com o so-

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Conclusão 207

brenatural e passou a compreender empiricamente o mundo natural, estavam in�uenciados

também, ainda que inconscientemente, pela própria realidade social em que se situavam:

todos eram burgueses. A partir desta perspectiva, os �lósofos iluministas idealizaram um

modelo de Estado em que o poder não fosse mais compartilhado entre algum monarca

absolutista e a Igreja, mas sim dividido nos três poderes que constituiriam a República:

Executivo, Legislativo e Judiciário. Em complemento a este modelo de Estado repu-

blicano, os economistas iluministas desenvolveram uma teoria econômica que colocava o

Estado não mais no papel de intervir e regular a economia, mas justamente o inverso:

ao Estado caberia garantir que a economia fosse dirigida pela natureza. Desta forma, os

�lósofos e economistas iluministas, possivelmente deslumbrados com a incrível capacidade

que a natureza tem de se auto-regular, transferiram esse modelo para realidade humana,

desconsiderando em suas teorias toda a intencionalidade e jogos de interesses que são

inerentes aos universos econômico, social e cultural humanos, e que não podem ser des-

prezados para sua adequada compreensão. A formulação teórica de um Estado moderno,

orientado por um modelo político republicano, e por um modelo econômico liberal, foi

justamente aquilo que foi impulsionado por movimentos liderados pela burguesia inicial-

mente na Inglaterra, nos Estados Unidos da América e na França e, mais tarde, por quase

todos os países, conforme procuramos demonstrar ao longo do terceiro capítulo. Este

modelo é exatamente aquele instalado no Brasil atualmente, e o estudo de caso realizado

na presente pesquisa permitiu compreender como se deram, na prática, as relações entre

um Estado bem adaptado à ideologia neoliberal, com empresas aéreas bem adaptadas às

oportunidades oferecidas pelo livre mercado, e empresas difusoras de informação (a mídia)

bem adaptadas tanto à ideologia neoliberal, como à lógica de mercado.

O deslocamento do sobrenatural para o natural levou, assim, ao desenvolvimento não

apenas do progresso técnico e cientí�co sobre a natureza física e biológica, mas também à

formulação de teorias inspiradas nesse modelo e aplicadas ao contexto cultural humano.

É devido a esta fonte de inspiração que os economistas iluministas �caram conhecidos

como �siocratas, cujo termo vem do grego �s : natureza, e cratos : poder; ou seja: po-

der da natureza. O progresso do capitalismo comercial, aliado à Revolução Industrial

que ocorreu inicialmente na Inglaterra, levou ao desenvolvimento do capitalismo em seu

formato industrial. Gradativamente, os Estados republicanos, conforme concebidos pelos

iluministas, garantiram o livre curso da natureza ao mercado até que, �nalmente, o ca-

pitalismo entrou em sua fase �nanceira, na qual se encontra atualmente. Pela concepção

iluminista, o Estado moderno teria a função principal de garantir o livre mercado ideal,

cujo desenvolvimento, segundo um de seus pressupostos, impediria a formação de mono-

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208 Conclusão

pólios e garantiria o progresso econômico das nações. No contexto da crise aérea abordado

na presente pesquisa, tais pressupostos não se con�rmaram, uma vez que o livre mercado

não foi capaz de se adaptar à infra-estrutura disponível, acabando por sobrecarregá-la

até o limite em que instituições internas ao Estado brasileiro (especialmente do Poder

Judiciário), menos alinhadas aos princípios do laissez-faire, acabaram por intervir.

Empiricamente é impossível comprovar-se, ou sequer quanti�car-se, a in�uência que

a posição social e cultural dos iluministas teve na formulação de suas teorias que, apa-

rentemente, estavam adequadamente bem fundamentadas pela perspectiva natural que

vigorava na época. O que podemos perceber, já com um razoável distanciamento histó-

rico, e pelos efeitos que aquela visão de mundo tiveram social e culturalmente, é que a

aplicação do paradigma natural no cultural bene�ciou o grupo social que detinha o poder

econômico. Esta forma de poder foi, dentre todas as outras, a que mais in�uência passou

a ter na cultura capitalista, e é nesta questão especí�ca que acreditamos ser ingenuidade

uma postura de que tal con�guração aconteceu por pura e natural in�uência do acaso.

Inverter a relação da natureza com as idéias que dela se originam, bem como estrapolar

métodos empíricos para a análise de fenômenos sociais, econômicos e culturais humanos,

são e�cientes estratégias comunicativas que, independentemente da presença ou ausência

de intencionalidade, levam ao ocultamento de suas causas essenciais. Outro fenômeno que

estas estratégias promovem é a criação de uma justi�cativa convincente para a manuten-

ção do status quo, por meio da qual as desigualdades econômicas, sociais e culturais entre

indivíduos e entre Estados (países, nações) são naturalmente explicáveis e justi�cáveis.

A tentativa de naturalizar a humanidade leva à construção de um contexto cultural que

coloniza o imaginário com a crença de que os mais fortes sempre vencem, os que vencem

são os mais fortes, e esse é necessariamente o curso natural da vida, ou seja: todas as

desigualdades e injustiças sociais passam a ser auto-justi�cadas, o que é justamente um

dos efeitos provocados pela ideologia.

Duas diferenças signi�cativas impedem que as leis da natureza possam ser aplicadas

inde�nida e irrestritamente aos seres humanos. A primeira é que em estado natural, plan-

tas e animais contentam-se em suprir necessidades físicas; o ser humano, por sua vez,

pode ter necessidades tanto materiais quanto mentais in�nitas, que podem ser facilmente

estimuladas por meio de técnicas adequadas. A segunda é que os seres naturais obe-

decem uma cadeia alimentar e são capazes de viver em harmonia com seus respectivos

meio-ambientes; o ser humano, especialmente após a Revolução Industrial que ocorreu

aproximadamente na mesma época em que o Iluminismo, se tornou um consumidor ili-

mitado de recursos naturais limitados, além do que não possui uma relação de natural

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Conclusão 209

harmonia tanto com seu próprio meio-ambiente, quanto com a cadeia alimentar da qual

depende. A humanidade tem desenvolvido técnicas cada vez mais e�cientes para controlar

tanto a natureza, quanto a própria humanidade, e este é um dos principais fatores que

impedem a generalização do �uxo da natureza para o da cultura, simplesmente porque

não é assim que funciona: o modus operandi destas realidades não é o mesmo.

Neste contexto de superação da explicação sobrenatural como a única possível, de

progresso cientí�co e de desenvolvimento técnico, em que a natureza passou a ser a peça-

chave que faltava para a compreensão da realidade, o capitalismo prosperava, revoluções

por todo o ocidente questionavam as formas de poder existentes e novos modelos foram

concebidos. Estados modernos, republicanos e democráticos, se tornaram um ideal a ser

atingido por todos os povos e de fato, ao longo do século XX, tem sido o principal modelo

adotado, especialmente após 1989 com a queda do Muro de Berlim, que simbolizou o �m

da cultura socialista enquanto dissidência da ideologia iluminista e, conseqüentemente,

o �m da bipolaridade que justi�cava a existência de Estados fortes. Com a polarização

do mundo pelo paradigma capitalista liberal, foi criado o ambiente ideal para a homoge-

neização e globalização (ou internacionalização) da cultura capitalista, chamada agora de

neoliberal.

Já comentamos que a concepção do Estado moderno e da economia liberal surgi-

ram simultaneamente, no Iluminismo, e que foram fontes de inspiração para movimentos

revolucionários por todo o ocidente. Mas apenas a mudança formal da fonte de poder

não seria sustentável sem que o mesmo fosse reconhecido pelas pessoas que a ele aceitam

submeter-se. Nesta nova fase iniciada pelos movimentos revolucionários da Inglaterra,

Estados Unidos da América e França, não se poderia mais contar com a in�uência e a

capilaridade da Igreja, até mesmo porque foi esta a instituição que mais perdeu poder com

as revoluções burguesas. Duas estratégias foram utilizadas para consolidar o novo status

quo: a multiplicação de escolas e os meios de difusão de informações (ou meios de comu-

nicação de massa, não faremos distinção sobre isso aqui). A utilização adequada destes

importantes instrumentos permitiu a irradiação e a consolidação de uma visão de mundo

que favoreceu o progresso do capitalismo, bem como do modelo de Estado republicano e

democrático ideal para este progresso.

Num mundo globalizado cultural, econômica e ideologicamente, a visão de mundo

que orienta os indivíduos, as sociedades, as culturas e os governantes tende a se tornar

homogênea, sintonizada, alinhada àquilo que é irradiado pelo mercado. Mas o mercado,

por si só, da mesma forma que não é uma entidade sobrenatural como alguns poderiam

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210 Conclusão

crer, tampouco é uma força que brotou da natureza. Como pudemos constatar ao longo

desta pesquisa, o mercado é uma criação humana, formulada ao mesmo tempo em que

também o foi o Estado moderno, no contexto cientí�co, social, econômico e cultural do

Iluminismo. Consideramos como sendo uma estratégia comunicativa altamente e�ciente

a que generaliza o comportamento do mercado a forças da natureza, aliada àquela que

dispersa o poder do Estado (a instituição que foi concebida como a única com legitimidade

para coagir e reprimir com o uso da força física) por um conjunto de representantes

democraticamente eleitos. Desta forma, consegue-se construir um contexto em que tanto

o poder político aparece como democraticamente dividido e disperso por toda a sociedade,

como a responsabilidade pelos problemas sociais e econômicos passa a ser atribuída, devido

a um e�ciente condicionamento ideológico, à camada política. Com isso fecha-se um

ciclo entre sociedade e Estado: o povo escolhe seus próprios governantes, e estes são

responsabilizados pelos problemas que afetam o povo, que por sua vez tem de fato a

possibilidade de escolher outros governantes algum tempo depois, e assim sucessivamente.

Os efeitos culturais dos movimentos praticados pelo mercado, por sua vez, por não serem

personi�cáveis, materializáveis, concretizáveis e captados empiricamente pelos sentidos,

ainda que possam ser minimamente percebidos por alguns, geralmente não são passíveis

de serem comprovados pelo método cientí�co (mesmo o mercado sendo apresentado como

um fenômeno natural). A profundidade em que os interesses de mercado operam vai muito

além da dimensão econômica: a própria cultura é constantemente in�uenciada por esta

visão de mundo, e neste sentido os sistemas de educação e a Indústria Cultural (na qual

se incluem as empresas difusoras de informações) possuem papel fundamental para a sua

difusão e consolidação.

O empirismo e a ideologia são estratégias que, quando adequadamente utilizadas, po-

dem in�uenciar profundamente a visão de mundo de indivíduos e sociedades. Sobre isso,

uma das questões que passamos a compreender com o presente trabalho foi a forma como

o uso ideológico do empirismo, aplicado às ciências sociais em geral, especialmente nos

estudos sobre comunicação e na praxis jornalística (por meio das notícias informativas),

permite ocultar a essência do modus operandi da cultura capitalista neoliberal. Consta-

tamos que a praxis do jornalismo informativo tem vínculos ideológicos com a abordagem

empírica na construção da realidade. O evento que nos permitiu investigar este fenômeno

com maior clareza foi a crise aérea, que afetou todo o sistema de transporte aéreo civil no

território brasileiro a partir de um acidente ocorrido em 29.09.2006, entre uma aeronave

fabricada pela Boeing, modelo 737-800, operado pela empresa Gol Transportes Aéreos

no vôo 1907, que sofreu avarias fatais após o impacto com uma aeronave fabricada pela

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Conclusão 211

Embraer, modelo Legacy 600, operado pela empresa ExcelAire em seu vôo inaugural, re-

sultando em 154 vítimas fatais da primeira aeronave. A partir deste momento percebemos

que a cobertura da mídia brasileira em geral entrou na lógica da espetacularização, ao

invés de procurar esclarecimentos que fossem além do óbvio e do super�cial. Aparente-

mente, cada nova manifestação da crise foi utilizada como uma oportunidade de provocar

emoções no público, num formato de aparente esclarecimento, mas que de fato apenas

viria a manter o nível de desinformação elevado, alimentando assim a demanda por mais

informações. O auge do espetáculo deste período ocorreu com outro acidente fatal, em que

uma aeronave da fabricante Airbus, modelo A-320, operado pela empresa TAM Linhas

Aéreas no vôo 3054, ultrapassou os limites da pista principal do aeroporto de Congonhas,

em São Paulo, e colidiu com um prédio da empresa de logística pertencente ao mesmo

grupo econômico da operadora, a TAM Express, resultando em 199 vítimas fatais.

Procuramos investigar ao longo desta pesquisa a relação existente entre mídia, mer-

cado e Estado, motivados por aquilo que nesta crise pareceu-nos ser uma tendência da

mídia em geral em não apenas espetacularizar a tragédia, mas também de privilegiar um

ponto-de-vista em que as relações profundas entre o Estado (que é o poder concedente e

regulador deste tipo de atividade) e o mercado (que no caso são as empresas concessio-

nárias que exploram comercialmente a atividade) não foram privilegiadas. Desta forma,

suspeitamos que havia uma relação de fato ideológica na construção desta versão da rea-

lidade, e com esta dúvida em mente, procuramos confrontá-la aos fatos. No episódio do

caos aéreo, analisamos a cobertura midiática com foco nas questões relativas a con�itos de

interesses, jogos de poder e às polêmicas que envolveram a operacionalidade do aeroporto

de Congonhas, em São Paulo, por aeronaves do porte do Airbus A-320. O motivo que

acreditamos ter justi�cado tal enfoque foi que, apesar de toda a atenção e de todos os

alertas anunciados sobre os riscos de se operar neste aeroporto em dias de chuva, ainda

assim não foram su�cientes para evitar o acidente do vôo 3054 da TAM.

Finalmente, pudemos concluir que, aplicado ao contexto em que ocorreu a crise aérea,

o Estado brasileiro de fato sucumbiu a interesses econômicos, e as empresas produtoras de

notícias reforçaram estratégias comunicativas que ocultaram diversos possíveis interesses

em disputa. Considerando-se o modelo de Estado moderno concebido no Iluminismo,

como destinado a garantir, entre outras coisas, o laissez-faire, constatamos a partir do

estudo de caso aqui realizado que, ao menos no contexto do mercado de transporte aéreo

brasileiro, esta é a diretriz que o regula. Além disso, no que se refere à crise aérea e aos

três episódios aqui abordados sobre o acidente do vôo 3054 da TAM, as notícias analisadas

se mostraram insu�cientes para a compreensão adequada daquela realidade.

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212 Conclusão

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5 FUTEMA, Fabiana. Justiça manda lacrar sede da Vasp em SãoPaulo. Folha Online, São Paulo, 21 mar. 2005. Dinheiro. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u94597.shtml>. Acesso em:15 jan. 2008.

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9 CORRÊA, Cindy. TAM ultrapassa Varig e vira líder de mercado emjulho. Folha Online, São Paulo, 6 ago. 2003. Dinheiro. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u71510.shtml>. Acesso em:15 jan. 2008.

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13 FUTEMA, Fabiana. Gol amplia vantagem sobre Varig nos vôos domésti-cos em junho. Folha Online, São Paulo, 7 jul. 2005. Dinheiro. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u97986.shtml>. Acesso em: 15 jan.2008.

14 FUTEMA, Fabiana. Varig volta a perder mercado em outubro e crisepiora. Folha Online, São Paulo, 7 nov. 2005. Dinheiro. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u102138.shtml>. Acesso em:15 jan. 2008.

15 FUTEMA, Fabiana. Gol tira vice-liderança da Varig no mercado domés-tico em 2005. Folha Online, São Paulo, 5 jan. 2006. Dinheiro. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u103983.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

16 PORTES, Ivone. Ações da TAM e gol sobem com possível paralisaçãoda Varig. Folha Online, São Paulo, 10 abr. 2006. Dinheiro. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u106739.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

17 LUCRO da TAM cresce 128% e encosta no da Gol. Fo-lha Online, São Paulo, 1 nov. 2006. Dinheiro. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u112086.shtml>. Acesso em:15 jan. 2008.

18 TAM ultrapassa Varig no mercado internacional pela 1ª vez.Folha Online, São Paulo, 8 ago. 2006. Dinheiro. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u110027.shtml>. Acesso em:15 jan. 2008.

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20 CAMACHO, Karen. Gol quer autorizações de vôos da Varig e pode nãousar marca. Folha Online, São Paulo, 5 fev. 2007. Dinheiro. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u114270.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

21 VARIG encolhe no mercado e cancela mais vôos após leilão.Folha Online, São Paulo, 12 set. 2006. Dinheiro. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u110937.shtml>. Acesso em:15 jan. 2008.

22 GOL é a segunda maior empresa aérea do mercado doméstico dopaís. Folha Online, São Paulo, 29 set. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126467.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

23 SAIBA como foi o acidente com o vôo 1907 da Gol. Fo-lha Online, São Paulo, 30 set. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126474.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

24 SOUZA, Leonardo. Polícia de mt instaura inquérito; secretário sugere fa-lha humana. Folha Online, Cuiabá, 30 set. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126555.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

25 JATO sumiu de radar antes da colisão aérea com avião daGol. Folha Online, Brasília, 1 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126570.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

26 AERONÁUTICA encontra caixas-pretas do Boeing da Gol. Fo-lha Online, São Paulo, 2 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126619.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

27 GIELOW, Igor; MARRA, Lívia. Sucessão de erros provocou o maior acidente aéreoda história do país. Folha Online, Brasília, 3 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126635.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

28 GIELOW, Igor; MARRA, Lívia. Controlador de vôo é afastado para trata-mento psicológico. Folha Online, Brasília, 3 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126634.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

29 MANZINI, Gabriela. Indenizações a familiares de vítimas serão de ao menosR$ 125 mil. Folha Online, São Paulo, 4 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126707.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

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30 EQUIPAMENTO do Legacy poderia estar com defeito, diz `NYT'.Folha Online, São Paulo, 5 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126729.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

31 IZIDORO, Alencar; PENTEADO, Gilmar. Para coronel, legacy descumpriuregra básica. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126730.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

32 CATANHÊDE, Eliane. Pilotos negam ter desligado equipamento do le-gacy. Folha Online, Folha de S. Paulo, 5 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126723.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

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37 LEGACY teria falado com torre; Aeronáutica já não descarta falha decomunicação. Folha Online, São Paulo, 17 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127130.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

38 ZIMMERMANN, Patrícia. Ministro nega conversa entre piloto do legacy econtroladores de vôo. Folha Online, Brasília, 17 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127158.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

39 CORONEL que acompanhou leitura de caixas-pretas retorna ao Bra-sil. Folha Online, São Paulo, 18 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127192.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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40 MATAIS, Andreza. PF ouve sexta-feira técnico da Embraer sobre aci-dente da gol. Folha Online, Brasília, 19 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127239.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

41 PANE desliga radares na região Sul e atrasa 146 vôos. Fo-lha de S. Paulo, São Paulo, 21 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127299.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

42 MILITARES encontram caixa de gravação de voz do Boeing que caiuem MT. Folha Online, São Paulo, 24 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127389.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

43 AERONÁUTICA nega acesso da PF a caixas-pretas de aviões.Folha Online, São Paulo, 24 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127388.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

44 CONTROLADOR de vôo sofre infarto e vôos atrasam em aeroportodo PR. Folha Online, São Paulo, 26 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127472.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

45 ZIMMERMANN, Patrícia. Saturação do controle de tráfego aéreo preo-cupa governo. Folha Online, Brasília, 26 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127479.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

46 GUERREIRO, Gabriela. Pires con�rma que governo vai contratar novoscontroladores de tráfego aéreo. Folha Online, Brasília, 27 out. 2006. Cotidiano.Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127508.shtml>.Acesso em: 15 jan. 2008.

47 EXCESSO de vôos provoca atrasos no aeroporto de Brasília. Fo-lha Online, São Paulo, 27 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127511.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

48 VÔOS atrasam até 4 horas, mas ministro nega `greve branca'.Folha Online, São Paulo, 28 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127558.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

49 OPERADORES de tráfego aéreo fazem operação-padrão e atrasam vôos.Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127546.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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50 FOLHA Online. Passageiros voltam a enfrentar atrasos em aero-portos do país, São Paulo, 29 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127582.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

51 ATRASO em vôo evita riscos, diz sindicato. Folha deS. Paulo, Brasília, 30 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127595.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

52 QUEDA do Boeing motivou protesto. Folha de S.Paulo, São Paulo, 30 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127599.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

53 GOVERNO muda rotas contra crise aérea; atrasos devem persistir no fe-riado. Folha Online, São Paulo, 31 out. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127666.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

54 RIBEIRO, Ana Paula. Anac amplia horário de pousos e decolagens emCongonhas. Folha Online, Brasília, 1 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127719.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

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56 AERONÁUTICA transfere culpa por caos em aeroportos a companhiasaéreas. Folha Online, São Paulo, 2 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127768.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

57 FORÇA-TAREFA mantém aparente calmaria em aeroportos brasilei-ros. Folha Online, São Paulo, 5 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127863.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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60 BäCHTOLD, Felipe. Principais aeroportos do país operam além da capa-cidade. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127851.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

61 FORÇA-TAREFA substitui caos em aeroportos por atrasos de até 2horas. Folha Online, São Paulo, 5 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127870.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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63 PASSAGEIROS enfrentam novos atrasos em aeroportos do país.Folha Online, São Paulo, 13 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128141.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

64 ATRASOS atingem 629 vôos programados para esta segunda nopaís. Folha Online, São Paulo, 13 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128173.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

65 SUWWAN, Leila; GIELOW, Igor. 45 dias após acidente da gol, aeronaves quasecolidiram. Folha de S. Paulo, Brasília, 19 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128396.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

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67 ANTES da intervenção, clima era tenso entre categoria e o�ciais.Folha de S. Paulo, Brasília, 15 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128218.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

68 FAB suspende aquartelamento de controladores de tráfego aé-reo. Folha Online, São Paulo, 15 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128244.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

69 ZIMMERMANN, Patrícia; MARRA, Lívia. Ministro sugere órgão civil para gerenciartráfego aéreo e cobra controladores. Folha Online, Brasília, 18 nov. 2006. Cotidiano.Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128356.shtml>.Acesso em: 15 jan. 2008.

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70 MINISTRO e comandante da Aeronáutica participam de audiência sobrecrise aérea. Folha Online, São Paulo, 21 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128455.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

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72 PASSAGEIROS invadem pista de aeroporto para protestar contra atra-sos. Folha Online, São Paulo, 20 nov. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128421.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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98 PF detém mulher em aeroporto do Rio; TAM pára após agressãoem SP. Folha Online, São Paulo, 23 dez. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u129675.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

99 NEVES, Felipe. Lula acusa aéreas de overbooking e diz que crise acabaamanhã. Folha Online, São Paulo, 23 dez. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u129677.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

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101 EM cinco dias, FAB transporta 2.600 passageiros da aviação ci-vil. Folha Online, São Paulo, 26 dez. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u129783.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

102 MOVIMENTO volta ao normal nos principais aeroportos do país.Folha Online, São Paulo, 26 dez. 2006. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u129771.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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111 ANAC anuncia auditoria na TAM para apurar atrasos. Fo-lha Online, São Paulo, 4 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130098.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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113 CONGONHAS pode fechar em caso de chuva; audiência discuteobras. Folha Online, São Paulo, 9 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130275.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

114 PANE atrasa quase um terço dos vôos no Sul e em São Paulo.Folha Online, São Paulo, 13 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130463.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

115 FALHAS no sistema de comunicação voltam a causar atrasos emvôos. Folha Online, São Paulo, 14 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130501.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

116 AVIÃO da Varig falha pela terceira vez no mês e derrapa em Congo-nhas. Folha Online, São Paulo, 17 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130639.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

117 CHUVA fecha pista e atrasa vôos em Congonhas. Fo-lha Online, São Paulo, 18 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130677.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

118 CHUVA fecha aeroporto de Congonhas e causa atrasos em vôos.Folha Online, São Paulo, 20 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130761.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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120 CHUVA volta a fechar pista do aeroporto de Congonhas. Fo-lha Online, São Paulo, 22 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130792.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

121 ZIMMERMANN, Patrícia. Infraero adota novo método para medir acúmulo deágua em Congonhas. Folha Online, Brasília, 23 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130868.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

122 MINISTÉRIO Público pede fechamento de pista de Congonhas.Folha Online, São Paulo, 24 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130921.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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124 SUWWAN, Leila. Durante vôo, passageiros ouvem piloto discursar sobre`greves'. Folha de S. Paulo, Brasília, 28 jan. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131046.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

125 DANTAS, Iuri; TOMAZ, Kleber. Juiz barra fokker e boeing em Congonhas;Anac vai recorrer. Folha de S. Paulo, Brasília, 6 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131374.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

126 CHUVA afeta trânsito e prejudica operações no aeroporto de Congo-nhas. Folha Online, São Paulo, 6 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131373.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

127 PROCURADORIA insiste em interdição da pista principal de Congo-nhas. Folha Online, São Paulo, 6 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131396.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

128 MANZINI, Gabriela. TRF revoga decisão que barrava aeronaves no aeroportode Congonhas. Folha Online, São Paulo, 7 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131426.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

129 CONGONHAS reabre após quase duas horas; aviões se acumulamno Rio. Folha Online, São Paulo, 8 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131490.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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130 IRRITADOS com atrasos, passageiros tentam invadir pista de aeroportoem SP. Folha Online, São Paulo, 9 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131505.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

131 RELATÓRIO aponta `defasagem clara' no controle de tráfego aé-reo. Folha Online, São Paulo, 9 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131517.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

132 ANAC publica portaria que estende horário de operação de Congo-nhas. Folha Online, São Paulo, 12 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131633.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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135 NOVA decisão ameaça 40% dos vôos de Congonhas após feriado pro-longado. Folha Online, São Paulo, 16 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131824.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

136 PROCURADOR diz que Anac e Infraero não podem evitar acidentes emCongonhas. Folha Online, São Paulo, 16 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131844.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

137 CONGONHAS retoma operações após chuva forte; há alagamentosem SP. Folha Online, São Paulo, 18 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131961.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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139 CHUVA fecha Congonhas, causa alagamentos e deixa regiões de SPsem luz. Folha Online, São Paulo, 20 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u132070.shtml>. Acesso em: 15jan. 2008.

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140 ANAC tenta impedir implantação de restrições em Congonhas.Folha Online, São Paulo, 22 fev. 2007. Cotidiano. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u132161.shtml>. Acessoem: 15 jan. 2008.

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