57
FARMACODEPENDÊNCIA Cristoforo Scavone Departamento de Farmacologia Instituto de Ciências Biomédicas Universidade de São Paulo

Cristoforo Scavone Departamento de Farmacologia … · drogas que mantém a auto-administração e induzem preferência condicionada por lugar: anfetaminas, barbitúticos, cocaína,

Embed Size (px)

Citation preview

FARMACODEPENDÊNCIA

Cristoforo Scavone

Departamento de Farmacologia

Instituto de Ciências Biomédicas

Universidade de São Paulo

Droga

ação no SNC

produção de efeitos psíquicos (droga psicoativa)

indução de auto-administração e potencial de abuso/dependência em humanos

Droga – contexto farmacodependência

RELEVÂNCIA

DADOS EPIDEMIOLÓGICOS

11.6

6.6

2.7

0.9 1.2

2.1

0

2

4

6

8

10

12

uso na vida

qualquer

droga maconha

solventes

ansiolíticos

anfetaminas

cocaína

%

Drogas mais consumidas no Brasil - Estudo domiciliar

Galduróz et al. (2000) CEBRID/UNIFESP

77,0

44,1

14,4 12,48,6 6,6

4,5

0

10

20

30

40

50

60

70

80

uso na vida

álcool

tabaco

maconha

solventes

ansiolíticos

anfetaminas

cocaína

%

Drogas mais consumidas no Brasil - Estudantes de 1o. e 2o. graus

Galduróz et al. (1997) CEBRID/UNIFESP

Uso de álcool na adolescência Uso na vida de álcool, distribuído, segundo as faixas etárias de 8.589 entrevistados,

nas 107 cidades do Brasil com mais de 200 mil habitantes

FAIXA ETÁRIA OBSERVADOS %

12 a 17 48,3

18 a 24 73,2

25 a 34 76,5

> 35 70,1

Média = 68,7%

Prevalência de dependentes de álcool

FAIXA ETÁRIA OBSERVADOS %

12 a 17 5,2

18 a 24 15,5

25 a 34 13,5

> 35 10,3

Média = 11,2% Fonte: CEBRID, 2001

CONCEITOS GERAIS

Abuso/Uso nocivo

Abuso: padrão mal-adaptado

manifestado por consequências

adversas recorrentes e significativas devidas ao uso

repetido da substância

(DSM-IV), 1994

Uso nocivo (Dependência):

Modo de consumo de uma substância psicoativa que é

prejudicial à saúde (CID-10, 1993)

ABUSO

1. Uso recorrente da substância resultando em fracasso no

preenchimento de expectativas no trabalho, escola ou lar (por

exemplo: repetidas faltas ao trabalho; suspensões ou expulsões da

escola relacionados com substâncias; negligência dos filhos e das

atividades domésticas)

2. Uso recorrente da substância em situações perigosas (por exemplo:

dirigir automóvel, operar máquinas)

3. Problemas legais recorrentes relacionados com o uso de substâncias

(por exemplo: prisões por conduta imprópria).

4. Uso continuado de substância apesar de problemas sociais ou

interpessoais, persistentes ou recorrentes, causados ou

exacerbados pelos efeitos de substância (por exemplo: brigas

domésticas).

Dependência

um conjunto de sintomas cognitivos,

comportamentais e fisiológicos que indicam

que o indivíduo perdeu o controle do uso da

droga e continua a usar a substância apesar

das conseqüências adversas deste uso (DSM-

IV, 1994)

Diagnóstico de dependência (DSM-IV, 1994)

1. Tolerância*

2. Abstinência*

3. Uso freqüente de quantidades maiores ou por períodos mais

prolongados do que o pretendido

4. Desejo persistente ou esforços mal-sucedidos para controlar

o uso

5. Muito tempo é consumido em conseguir, usar ou recuperar-

se do uso

6. Abandono ou redução de atividades sociais, ocupacionais ou

recreativas devido ao uso

7. Uso mantido apesar do reconhecimento de problemas físicos

ou psicológicos persistentes ou recorrentes, causados ou

agravados pelo uso

pelo menos 3 durante os últimos 12 meses

Tolerância

diminuição da resposta a uma dose de determinada

substância que ocorre com o uso continuado da

mesma (OMS, 1997)

aumento da resposta a uma dose de determinada

substância após administração repetida

Forma de plasticidade neuronal – associada com

mudanças neuroadaptativas no circuito da

recompensa decorrentes do uso crônico de drogas de

abuso.

Sensibilização

0

10

20

30

40

ADMINISTRAÇÕES

EF

EIT

O

Sensibilização

Tolerância

Controle

Papel da sensibilização

administração repetida de drogas produziria

neuroadaptações nos sistemas neurais

tornando-os hipersensíveis

sensibilização levaria a um estado patológico

de “desejar a droga”, que poderia ser

dissociado do “prazer”

sensibilização tornaria os dependentes mais

susceptíveis a recaídas mesmo após períodos

longos de descontinuação

Anfetamina Segal & Mandell, 1974

Cocaína Post & Contel, 1983

Metilfenidato Shuster et al., 1982

Fencanfamina Aizenstein et al., 1990

Feniletilamina Borison et al., 1977

Morfina Babbini et al., 1975

Fenciclidina Greenberg & Segal, 1986

MDMA Spanos & Yamamoto, 1989

Etanol Masur & Boerngen, 1980

Nicotina Kita et al., 1992

Cafeína? Meliska et al., 1990

Sensibilização psicomotora

BASES BIOLÓGICAS

Modelos de dependência

Reforço Positivo

o consumo da droga é mantido porque ela atua como um reforçador positivo

estudo em modelos de condicionamento e auto-administração

Modelos de reforço

Reforço Negativo

• a remoção aumenta a probabilidade do comportamento anterior • o consumo mantém-se para aliviar estados desagradáveis (abstinência)

Equipamento

de programação

seringa

de infusão

Catéter

barra

Intravenosa

Paradigma de auto-administração

Preferência condicionada por lugar

drogas que mantém a auto-administração e

induzem preferência condicionada por lugar:

anfetaminas, barbitúticos, cocaína, codeína, etanol,

fentanil, heroína, metadona, metanfetamina,

metilfenidato, morfina, nicotina, PCP e THC (Tanda et

al., 2000) e MDMA (3,4-metileno-dioxi-metanfetamina

– Ecstasy)

Paradigmas de auto-administração

os efeitos reforçadores das drogas são

devidos a sua ação sobre sistemas

neurotransmissores endógenos

envolvidos no controle do

comportamento induzido por

reforçadores naturais

Envolvida nos efeitos de vários reforçadores: auto-estimulação intracraniana

alimentação

água

sexo

reforçadores condicionados

Efeitos reforçadores são bloqueados por: antagonistas de receptores DA

lesão de vias DA

Dopamina e reforçadores naturais

AÇÃO REFORÇADORA POSITIVA: ATIVAÇÃO DO SISTEMA DA MESOLÍMBICO

Via mesolimbica

GABA

alcohol

nicotine

ACh

alcohol

PCP

Glu

DA

amphetamine

cocaine

opioid

cannabis

hallucinogen

5HT

Ação reforçadora positiva: Ativação do sistema dopaminérgico mesolímbico

Modulação dopaminérgica do sistema límbico

Drogas que aumentam DA

anfetamina

cocaína

opiáceos (morfina, heroína)

MDMA

etanol

PCP

nicotina

THC

GABA DA

D2

-

ÁREA VENTRAL DO TEGMENTO

+

GLU

opióide

-

+

ACh

NÚCLEO ACCUMBENS

+

GLU

Via dopaminérgica mesolímbica Sistema de recompensa

GABA DA

D2

-

ÁREA VENTRAL DO TEGMENTO

+

GLU

opióide

-

+

ACh

NÚCLEO ACCUMBENS

+

GLU

Efeito de drogas

cocaína anfetamina

nicotina

morfina heroína

Wise, 1998; Carlsson et al., 1999

Reforço Negativo

o consumo mantém-se para aliviar

estados desagradáveis

comportamento de dependência é mantido pelo desejo de evitar a síndrome de abstinência

há uma grande tendência de recaída mesmo após longos períodos de abstinência

Modelos de reforço

EFEITOS DE EXPOSIÇÃO ÀS DROGAS

retirada abrupta: Síndrome de Abstinência

conjunto de sintomas que ocorrem quando da retirada absoluta

ou relativa de uma substância psicoativa consumida de modo

prolongado

Mecanismo: atividade sistemas: glutamatérgicos e noradrenérgicos atividade sistemas: dopaminérgicos, serotonérgicos

horas/dias

EFEITOS DE EXPOSIÇÃO ÀS DROGAS

Efeito Crônico: neuroadaptação: tolerância/

sensibilização – dependência

• Mecanismo:

AMPc, CREB, FosB

dias/anos

Adenilil ciclase

(I - VIII)

Adenilil ciclase

(I - VIII)

PKA PKA

Receptor Receptor

Opióide Opióide

Morfina Morfina K + K K + +

Na + Na Na + +

G i /o

AMPc

Fos

expressão gênica

alterada

Regulação dos fatores de

transcrição

núcleo

TH

Regulação Regulação de de

processos celulares processos celulares

Síntese Síntese de de catecolamina catecolamina

alterada alterada

excitabilidade elétrica alterada excitabilidade elétrica alterada

Membrana Membrana celular celular

crônico

agudo

P

Nestler e Aghajanian, 1997; Science

Resumo – Mec ação das drogas

Cocaína

Anfetamina

THC

Morfina

Dopamina Bloqueia recaptação de DA; aumenta liberação DA

Bloqueia sítios recaptação DA

Receptores CB1: aumenta liberação DA

Bloqueia GABA

MECANISMO DE AÇÃO

morfina: receptores opióides

9THC: receptores canabinóides CB1

cocaína: inibe a recaptação de catecolaminas - DA/5HT

Anfetaminas: aumenta a liberação de DA

álcool: potencializa GABA/bloqueia receptores glutamato - NMDA

nicotina: receptores nicotínicos colinérgicos

alucinógenos: 5-HT/outros

PCP: bloqueia receptores glutamato – NMDA

Mecanismo de ação

NT

cocaína anfetamina

NT

Anfetamina Cocaína

Derivados anfetamínicos

Outros compostos anfetamínicos

dietilpropiona

femproporex

clorfentermina

fentermina

Metilfenidato

Anfetamínicos

Usos clínicos:

narcolepsia

Deficit de atenção (hipercinesia) : metilfenidato, pemolina (aumenta a duração da atenção, reduz a hiperatividade)

anorexígenos: dietilpropiona

Tolerância/ Sensibilização

síndrome de abstinência

disforia

Depressão*

sonolência

fadiga

Bradicardia*

Aumento da sensibilidade dolorosa*

desejo intenso pela droga

diarréia

hiperventilação

Cocaína e anfetamina

Cocaína + Etanol

Concurrent cocaine-ethanol ingestion in humans: pharmacology, physiology,

behavior, and the role of cocaethylene. Psychopharmacology 111(1):39-46, 1993

McCance-Katz EF, Price LH, McDougle CJ, Kosten TR, Black JE, Jatlow PI.

Simultaneous abuse of cocaine and ethanol is a common occurrence.

Cocaethylene, the ethyl ester of benzoylecgonine, has been detected in

the urine of patients reporting concurrent use of cocaine and ethanol, and

high levels have been found in the blood of victims of fatal drug

overdose. Cocaethylene was found in the plasma only after administration

of both cocaine and ethanol, and appeared to be eliminated more

slowly than cocaine. Euphorigenic effects were both enhanced and

prolonged, and heart rate was significantly increased, following

cocaine/ethanol administration as compared to administration of cocaine

or ethanol alone.

Cocaína - vias de administração

Ecstasy

MDMA – 3,4 METILENO-DIOXI-METANFETAMINA

• DROGA PSICOATIVA SINTÉTICA: METANFETAMINA E

MESCALINA

• AUMENTA A LIBERAÇÃO E INIBE RECAPTAÇÃO DE

SEROTONINA E OUTROS NT (DA, em menor extensão)

•EFEITOS: problemas de memória, déficits cognitivos,

alteração de apetite, diminuição de desejo sexual.

Ecstasy •EFEITOS NEUROTÓXICOS: danos neurônios serotonérgicos:

doses repetidas causam perda extensiva de terminais de axônios

• Depleção de 5-HT, densidade de transportadores de 5-

HT, 5-HIAA cerebroespinal e outras consequências

associadas com depleção de 5-HT = degeneração de axônios.

Efeitos do MDMA em neurônios serotonérgicos

de cérebro de macacos

Ecstasy

• EFEITOS HIPERTÉRMICOS – • Dose-dependente, chegando até a 43oC

• Falência do sistema CV, renal e hepático – fatal

• Ação vasoconstritora cutânea do MDMA dificulta a perda

de calor, agravando o quadro clínico

• EFEITOS PSICOLÓGICOS: confusão, depressão,

problemas de sono, ansiedade

ETANOL

TRATAMENTOS DA

DEPENDÊNCIA

TRATAMENTO

diminuir o desejo de uso

impedir os efeitos reforçadores

não ter efeitos adversos

prevenir abstinência

normalizar funções alteradas pelo uso

agir em um sítio específico

Tratamento (abstinência /reincidência)

abordagens biológicas tratamento da abstinência, dependência e

complicações (desipramina, amantadina, fluoxetina, naltrexona, acamprosato)

abordagens psicológicas tratamento da dependência e complicações

abordagens sociais tratamento da dependência e complicações

nem toda abstinência necessita tratamento

estas abordagens são complementares

Outros tipos de tratamento

Terapias Psicológicas

terapia cognitivo-comportamental

terapia familiar

terapia de grupo

treinamento de auto-controle

treinamento de habilidades

prevenção de recaídas

grupos de auto-ajuda

Tratamento da dependência

TERAPIA PSICOSSOCIAL AJUDAM O PACIENTE A ADERIR AO TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

E EVITAR RECAÍDAS.

OBJETIVO: REDUZIR EFEITOS DO CONDICIONAMENTO DE ESTÍMULOS E SITUAÇÕES ASSOCIADOS AO USO DA DROGA – LUGARES, PESSOAS OBJETOS LIGADOS A EXPERIÊNCIA DOS EFEITOS DA DROGA - EXTINÇÃO DO CONDICIONAMENTO

OUTRAS TÉCNICAS – PSICOTERAPIA MOTIVACIONAL – ÚTIL PARA MANTER ADESÃO

AOS OUTROS TRTAMENTOS - PSICOTERAPIA INTERPESSOAL E COGNITIVA - APOIO SOCIAL (FAMILIARES, AMIGOS) – FAVORECE O

TRATAMENTO

TRATAMENTO

Terapia de Substituição/Manutenção:

uso de metadona (Dolofina), LAAM (L--acetoxi-metadol) ou buprenorfina para opiáceos

Terapia com Antagonista

principalmente com o uso de naltrexona - meia-vida longa (~10 h), boa absorção oral

TRATAMENTO

dissulfiram (protótipo para álcool) - terapia de aversão: rubor, taquicardia, hiperventilação, pânico, angústia, náusea e vômito

GVG (Gama-vinil-GABA): ttto. de dependência à cocaína

DIMINUIÇÃO DO DESEJO (anti-craving)

• acamprosato é o protótipo para álcool