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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Emerson Balthazar Silva CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA EM REGIME DE INTERNAÇÃO CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Emerson Balthazar Silva

CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A APLICAÇÃO DA MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA EM REGIME DE INTERNAÇÃO

CURITIBA

2010

CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A APLICAÇÃO DA MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA EM REGIME DE INTERNAÇÃO

Curitiba

2010

Emerson Balthazar Silva

CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A APLICAÇÃO DA MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA EM REGIME DE INTERNAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao

Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de

Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do

Paraná, como requisito parcial para a obtenção do

grau de Bacharel em Direito. Orientadora:

Professora Patrícia de André Cardoso

CURITIBA

2010

TERMO DE APROVAÇÃO

Emerson Balthazar Silva

CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA EM REGIME DE INTERNAÇÃO

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2010.

Eduardo Oliveira Leite Bacharelado em Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientadora: Profª. Patrícia de André Cardoso Universidade Tuiuti do Paraná

Prof. __________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná

Prof. __________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná

AGRADECIMENTOS

Agradeço a contribuição para a conclusão deste trabalho aos meus

familiares, em especial minha Tia/Mãe Estela, que sempre acreditou no meu

desempenho.

Agradeço ainda aos idealizadores do PROUNI, que contribuíram

objetivamente para que eu chegasse até esta etapa da graduação.

Aos colegas e professores que contribuíram das mais variadas formas no

decorrer do curso, principalmente pela paciência.

Ao fiel amigo Marcelo Kalil e família, pela confiança e motivação.

E finalmente à Universidade Tuiuti do Paraná e a todo o grupo participante

do Coral da UTP, que como atividade de extensão me proporcionou momentos da

mais rica troca de experiências, em especial: Ana Margarida Taborda, Doriane

Rossi, Liane Guariente e Bety Fadel.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................... 5 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO ............................................... 7 2. O ESTATUTO COMO NORMA PROGRAMADA PELA CONSTITUIÇÃO ......... 9

2.1. SISTEMA DE GARANTIAS ............................................................................. 10

3. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ...................................................12 3.1. ASPECTOS RELEVANTES DA CONDIÇÃO DE PESSOA EM DESENVOLVIMENTO ........................................................................................... 14 3.2. PRIORIDADE NO ATENDIMENTO E O CARÁTER RETRIBUTIVO DA INTERNAÇÃO ....................................................................................................... 16 3.3. A QUESTÃO DA MENORIDADE PENAL ...................................................... 18

4. ESPÉCIES DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ........................................20 4.1. ADVERTÊNCIA ............................................................................................... 21 4.2. OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO ........................................................... 22 4.3. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE ............................................ 22 4.4. LIBERDADE ASSISTIDA ................................................................................ 23 4.5. INSERÇÃO EM REGIME DE SEMILIBERDADE ............................................ 24 4.6. INTERNAÇÃO EM ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL ........................... 24 4.7. MEDIDAS DE PROTEÇÃO ............................................................................. 25

5. DA APREENSÃO AO FINAL DO CUMPRIMENTO DA MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA...................................................................................27 5.1. A INTERNAÇÃO PROVISÓRIA ...................................................................... 28 5.2. A SENTENÇA CONDENATÓRIA E O INGRESSO NO REGIME DE INTERNAÇÃO ....................................................................................................... 30 5.3. A EMISSÃO DE RELATÓRIOS SEMESTRAIS, A LIBERAÇÃO COMPULSÓRIA E A EQUIPE MULTIDISCIPLINAR ............................................. 32 5.4. DIRETRIZES PEDAGÓGICAS DO ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO .... 34

6. CONCLUSÃO .......................................................................................38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................40

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5

INTRODUÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069 de 13.07.1990, prevê o

cumprimento de medida socioeducativa para o adolescente que cometeu ato

infracional, em unidades destinadas ao atendimento, seja este cumprimento em

meio semiaberto, provisório ou fechado.

Para compreender a denominação “ato infracional” é necessário um estudo

sobre a natureza jurídica do direito relacionado. Para isso recorremos ao autor Valter

Kenji Ishida, que revela a existência de duas correntes similares às existentes no

direito penal, (divididas basicamente, entre causalistas e finalistas), sendo as

vertentes conhecidas como direito penal juvenil e direito infracional. Ishida explica

que para o direito penal juvenil, além do caráter pedagógico da medida

socioeducativa, haveria nitidamente na sua execução, um verdadeiro caráter

retributivo em que “a extensão das garantias penais e processuais penais

asseguraria uma isonomia entre o réu maior de 18 anos e o adolescente infrator,

teoria essa amplamente utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça” (2010, p187).

Por outro lado, a doutrina denominada como do direito infracional, à qual se alinha

Ishida, é aquela que, segundo ele próprio, “mantém o purismo da medida

sócioeducativa, considerando-a essencialmente como medida educativo-

pedagógica.”. Explica-se o posicionamento do autor1 à medida em que são utilizados

princípios processuais penais pela semelhança entre o processo penal e o

procedimento adotado na legislação menorista e não pelo caráter punitivo, que será

visto no transcorrer desta dissertação, não ser o principal objetivo da aplicação das

medidas socioeducativas.

1 ISHIDA, Valter Kenji, Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência, 11ª Ed. São

Paulo: Atlas, 2010, p. 187.

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Com esta compreensão básica do que é ato infracional, finalmente, chegar-

se-á ao principal objetivo desta dissertação que é a atuação do Juiz e de todo

sistema socioeducativo perante o jovem que recebe a condenação ao internamento

em regime fechado. Praticamente todos os tratados internacionais2 que se referem

aos jovens em conflito com a lei fazem alusões à matéria, caracterizando a

necessidade de privação de liberdade como último recurso, de caráter excepcional e

de mínima duração possível. Emilio Garcia Mendes aponta no compêndio

coordenado por Munir Cury o Art 121, ECA, que diversos dispositivos de tratados

internacionais revelam a preocupação com o tema de jovens com restrição de

liberdade, e destaca a redação comum em muitos textos ao afirmar que o sistema

de Justiça da Infância e Adolescência deve respeitar os direitos e a segurança dos

jovens, fomentando o seu bem estar físico e mental.

Esta é uma das grandes preocupações que norteiam a atuação estatal no

tratamento dado aos adolescentes e percebe-se que é grande a responsabilidade do

Juiz na avaliação de cada caso que se lhe apresenta. Para os casos em que se

torna necessária a aplicação de medida com privação da liberdade, todo o sistema

de garantias, a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente e os

tratados são elementos que necessariamente devem ser observados pelo Juiz ao

estudar cada situação concreta e estabelecer os critérios que determinem a

condenação ao regime de internação.

2 Declaração Universal dos Direitos Humanos (Paris, 1948), Convenção Americana sobre os Direitos

Humanos (Pacto de São José, 1969), Regras Mínimas para Administração da Justiça da Infância e da

Juventude (Regras de Beijing, 1985), Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência

juvenil (Assembléia Geral da ONU, Riad, 1990), Regras mínimas das Nações Unidas para a Proteção

dos Jovens Privados de Liberdade.

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1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO

O histórico brasileiro do tratamento destinado ao adolescente infrator mostra

que antes do século XIX as Ordenações Filipinas regulavam a matéria, que previa

punições de acordo com o ato praticado. Estas punições se caracterizavam pela

crueldade das penas como meio de dissuadir novas práticas.

O Código Criminal do Império de 1830, inaugura uma fase de preocupação

com a realidade infantil e juvenil, estabelecendo-se que a idade para o início da

responsabilidade penal começava com os maiores de 14 anos e prevendo-se um

conjunto de medidas, baseadas na teoria do discernimento3 para aqueles com idade

entre 7 e 14 anos.

O Código Penal da República de 1890 estabeleceu a inimputabilidade aos

menores de 9 anos, sendo que aqueles com idade entre 9 e 14 anos, ainda estavam

sujeitos à teoria do discernimento.

O primeiro Juizado de Menores do Brasil foi instalado no Distrito Federal em

1924, pela necessidade de um tratamento diferenciado dos adultos e antecede a

promulgação do Código de Menores de 1927, que se estabeleceu como uma lei

específica para a infância e juventude. No entanto este período foi marcado pela

violência, arbitrariedade e humilhações aplicadas às crianças e aos adolescentes

que eram encaminhados para as instituições conhecidas como reformatórios.

O novo Código de Menores de 1979 surgiu com suas bases fundadas na

Doutrina da Situação Irregular4, quando a divisão feita entre aqueles que praticavam

3 A idade mínima de responsabilização penal era de quatorze anos; mas, crianças com menos dessa

idade, poderiam ser penalizadas caso fosse apurado que o ato cometido pressupunha o

discernimento.

4 A doutrina da situação irregular tinha como objeto legal apenas os menores de 18 anos em estado

de abandono ou delinqüência, sendo submetidos pela autoridade competente às medidas de

assistência e proteção.

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infrações e os que viviam em condições de abandono, se justificava pela

necessidade de se manter uma política assistencial no tratamento de jovens em

situações de risco.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu as bases da criação do Estatuto

da Criança e do Adolescente, a partir de uma série de debates dos movimentos

sociais preocupados com um tratamento mais adequado às crianças e adolescentes

no novo estado democrático de direito. A substituição da doutrina da situação

irregular pela doutrina da proteção integral representa um elemento marcante nas

mudanças constitucionais, com a orientação da Organização das Nações Unidas,

em que se observa a inclusão de garantias e direitos fundamentais.

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2. O ESTATUTO COMO NORMA PROGRAMADA PELA CONSTITUIÇÃO

Os anseios democráticos que foram depositados na Assembléia Nacional

Constituinte, eleita em 19865, preconiza, em sua estrutura, diferenças marcantes ao

de outros textos constitucionais anteriores ao de 1988, e que explicam o norte

buscado pelos movimentos sociais preocupados com o tratamento destinado a

crianças e adolescentes, até então, no Brasil.

Na esteira dessas mudanças uma emenda popular que ficou conhecida

como “Criança, Prioridade Nacional” obteve o histórico retorno com a promulgação

da constituição, em especial o artigo 227,CF , que tem o seguinte texto:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Artigo este que é considerado pela doutrina majoritária como o que

normatiza a mudança do paradigma entre a doutrina da situação irregular, do antigo

Código de Menores, e a nova Doutrina da Proteção Integral, que visualiza o jovem

brasileiro como sujeito de direitos e garantias, estabelecidas na Constituição da

República Federativa no Artigo 227 e parágrafos

Ao analisar a Constituição da República, observa-se que há indicação para

elaboração de lei especial, expressa no Artigo 228, assim determina:

Art. 228 - São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

5 José Afonso da Silva aponta que a instalação da Assembléia Nacional Constituinte, a rigor, pode ser entendida

como um Congresso Constituinte, que elaborou um texto moderno e de grande importância para o estudo do

constitucionalismo. (2008, p. 88)

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E esta legislação especial consolidou-se em 1990, com a promulgação do

Estatuto da Criança e do Adolescente, resultado do clamor social advindo das

conquistas da Carta Magna.

Entendendo que os direitos fundamentais são frutos de um desenvolvimento

histórico, cultural e político, José Afonso da Silva aponta que, ainda que

“redundante”, a Constituição é minuciosa na previsão de direitos e garantias do

cidadão, (2010, p. 851) destacando o contido no § 3º do Art. 227 e incisos, como

importantes normas tutelares de crianças e adolescentes, que, se colocam a luz da

constituição como direitos garantias fundamentais.

2.1. SISTEMA DE GARANTIAS

Mário Luiz Ramidoff entende que a ordem de princípios e garantias

destinadas à crianças e adolescentes está dividida em três etapas intrinsecamente

ligadas, sendo que entende-se que: crianças e adolescentes são sujeitos de direitos,

dentre estes direitos tem destaque especial aqueles ligados à proteção integral e

finalmente, como sujeito de direitos, devem ter garantidas as condições necessárias

para o desenvolvimento pleno de sua personalidade.(2008, p.31).

José Afonso da Silva leciona em sua obra que, os direitos fundamentais do

homem “são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo,

em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana”(2008, p 179) e tem

como características principais a historicidade, a inalienabilidade, imprescritibilidade

e irrenunciabilidade. Ao adjetivar como “redundante” a previsão de direitos e

garantias do cidadão, este refere-se o autor ao extenso rol de direitos individuais

contidos no Art. 5º da Constituição da República, ao qual ele subdivide entre direitos

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individuais expressos, implícitos e decorrentes de tratados internacionais subscritos

pelo Brasil. (2008,p.194). Este entendimento pode ser analisado sob o aspecto da

renovação que a Constituição de 1988 representa em relação ao modelo anterior,

utilizado pelos governos militares. Esta ruptura adotada pela Nova República, no

momento da construção normativa da nova Carta Constitucional, se evidencia pela

repetição dos princípios, como forma de fixar as novas diretrizes.

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3. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

Afastando-se da doutrina da situação irregular, que considerava crianças e

adolescentes como objetos passíveis de aplicação de medidas judiciais impostas

verticalmente pelo Juiz, a Constituição de 1988 inaugura uma nova fase de proteção

sócio-jurídica da criança e do adolescente, respeitando-os como sujeito de direitos e

garantias fundamentais.

A Doutrina da Proteção Integral, garantista, estabelece a co-

responsabilidade entre Família, Estado e Sociedade pela garantia e defesa dos

direitos de Crianças e Adolescentes, com absoluta prioridade. Esta transposição

histórica demonstra que a importância da nova doutrina reside na revogação da

antiga concepção tutelar, trazendo a criança e o adolescente para uma condição de

sujeito de direito, de protagonista da própria história, possuidor de direitos e

obrigações, e dando um novo funcionamento à Justiça da Infância e da Juventude.

Percebe-se que a própria Constituição Federal6 proclamou a doutrina da

proteção integral, revogando implicitamente a legislação em vigor à época, fato que

se deve às conquistas da Carta Magna e de todo um trabalho desenvolvido

internacionalmente com as convenções patrocinadas pela Organização das Nações

Unidas. Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/1990, baseia-se no

princípio de que todas as crianças e adolescentes desfrutam dos mesmos direitos e

sujeitam-se a obrigações compatíveis com sua peculiar condição de

desenvolvimento. Além do texto do art 277,CF um bom exemplo da aplicação da

doutrina da proteção integral como fonte do direito relativo à criança e ao

adolescente é o artigo 3º do Estatuto, onde se lê o seguinte: 6 A CF em seu art 227, afastou a doutrina da situação irregular e passor a assegurar direitos

fundamentais à criança e ao adolescente.” ISHIDA (2010), p.2

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Art.3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Em relação a este texto Paolo Vercelone, ao colaborar com a obra de Munir

Cury, explica o caráter revolucionário que tem a norma em relação ao momento

histórico da mudança ao afirmar:

“Trata-se da técnica legislativa usual quando se faz uma revolução, quando se reconhece que uma parte substancial da população tem sido até o momento excluída da sociedade e coloca-se agora em primeiro plano na ordem de prioridades dos fins a que o estado se propõe”.

A doutrina da proteção integral tem como principais características entender

que é dever da família, da sociedade, da comunidade e do Estado restabelecer o

exercício do direito da criança que é ameaçado ou violado.

Determinar a situação de irregularidade do Estado, da sociedade ou da

família, e não mais da própria criança, em caso de violação ou ameaça do seu

direito é um modo diferente de observar a realidade do jovem brasileiro, assim como

ter a política pública em benefício da criança de forma descentralizada e focalizada

no município (municipalização do atendimento)

A compreensão de que as crianças já não são mais pessoas incompletas,

mas sim pessoas completas que possuem a particularidade de encontrar-se em

desenvolvimento é outra característica observada na doutrina da proteção integral.

O apoio institucional à família em que se estabeleçam condições mínimas,

por políticas públicas sérias e permanentes ao pleno exercício do direito

fundamental à convivência familiar e comunitária, assim como a incorporação das

normas estabelecidas no texto constitucional e no Estatuto da Criança e do

Adolescente representa outra mudança de paradigma inserido pelo pensamento da

nova doutrina.

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E finalmente a compreensão de que o estatuto baseia-se no princípio de que

todas as crianças e adolescentes desfrutam dos mesmos direitos e sujeitam-se a

obrigações compatíveis com a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento,

rompendo definitivamente com a idéia de que os Juizados de Menores seriam uma

justiça para os pobres.

O direcionamento que a nova doutrina da proteção integral traz ao novo

modelo de tratamento aos jovens e adolescentes brasileiros, representa uma

evolução quando comparamos com os modelos anteriores, posto que integram a

doutrina, princípios que melhor representam um estado democrático de direitos,

preocupado com a formação do cidadão mais consciente de sua participação dentro

de um contexto voltado aos direitos humanos.

3.1. ASPECTOS RELEVANTES DA CONDIÇÃO DE PESSOA EM

DESENVOLVIMENTO

Com a mudança do paradigma entre a doutrina da situação irregular e a

doutrina da proteção integral, fica evidenciado que a política de atendimento à

criança e ao adolescente se estabelece em critérios subjetivos, com a adoção de

medidas protetivas, observadas no art.98, ECA, e na definição da criança e do

adolescentes com seres em desenvolvimento conforme preconiza o artigo 6º, ECA:

Art.6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Valter Kenji Ishida observa que o texto do artigo visa atender os interesses

de toda a sociedade, entendendo que a condição peculiar da criança e do

adolescente deve ser o principal parâmetro na aplicação das medidas na Vara da

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Infância e Juventude, afirmando que “obedecidos os critérios legais, as autoridades

devem procurar as medidas mais adequadas à proteção da criança e do

adolescente.”

O texto do artigo nos remete ao Código Civil, mais especificamente a seu

art. 5º, onde se lê que “a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a

pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”.

A combinação deste texto com o princípio basilar do Estatuto da Criança que

entende a criança e o adolescente como pessoas em desenvolvimento denota a

preocupação que se tem na sociedade quanto ao tratamento ao jovem. Neste

sentido o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa explica que:

“... a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento implica, primeiramente, o reconhecimento de que a criança e o adolescente não conhecem inteiramente os seus direitos, não têm condições de defendê-los e fazê-los valer de modo pleno, não sendo ainda capazes, principalmente as crianças, de suprir, por si mesmas, as suas necessidades básicas”.

Este entendimento, por si só, não implica em aceitar a impunidade dos atos

praticados com base no desconhecimento ou na falta de formação adequada,7de

modo que, o pedagogo complementa:

“A afirmação da criança e do adolescente como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento não pode ser definida apenas a partir do que a criança não sabe, não tem condições e não é capaz. Cada fase do desenvolvimento deve ser reconhecida como revestida de singularidade e de completude relativa, ou seja, a criança e o adolescente não são seres inacabados, a caminho de uma plenitude a ser consumada na idade adulta, enquanto portadora de responsabilidades pessoais, cívicas e produtivas plenas. Cada etapa é, à sua maneira , um período de plenitude que deve ser compreendida e acatada pelo mundo adulto, ou seja, pela família, pela sociedade e pelo Estado.”

Quando um magistrado tem a sua frente uma situação de um adolescente

que cometeu um ato infracional, é certo que como agente estatal estas

considerações tenham uma importância fundamental na avaliação que é feita em

7 “Em um indivíduo a maturidade afetiva em relação aos valores escolhidos, isto é, a consciência, não

se desenvolve paralelamente à maturidade do julgamento de outros valores aceitos e por vezes

impostos.” RAMIDOFF, 2008.

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função, não somente de seus atos, e sim de uma série de circunstâncias que

possibilitaram o cometimento do ato infracional, circunstâncias esta que podem estar

ligadas à falhas na formação familiar, social e até mesmo na atuação do Estado.

3.2. PRIORIDADE NO ATENDIMENTO E O CARÁTER RETRIBUTIVO DA

INTERNAÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente visa garantir a efetivação dos

direitos infanto-juvenis com prioridade absoluta, ou seja, com preferência na

formulação de políticas que permitam que todas as crianças e adolescentes,

independentemente de cor, etnia ou classe social, sejam tratados como pessoas que

precisam de atenção, proteção e cuidados especiais para se desenvolverem e

serem adultos saudáveis.

Sob esta ótica, o Juiz deve, ainda, relevar a realidade social que requer um

pensamento em um programa de Segurança Pública voltado para crianças e

adolescentes, no qual se permita discutir medidas preventivas para evitar o elevado

ingresso dos jovens na criminalidade, principalmente na criminalidade violenta, pois

a aplicação de medidas socioeducativas torna-se ineficaz se não tiver um

acompanhamento adequado ao tratamento do jovem.

A decisão que condena o jovem ao cumprimento de medida socioeducativa

é observada pelo Juiz sob os princípios estatuídos no artigo 121, ECA, que são a

brevidade, a excepcionalidade e o respeito à condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento. Portanto é o último recurso que deve ser utilizado e, como visto

anteriormente, são várias as alternativas que tem o Juiz antes de determinar a

internação em regime fechado. Ainda assim, a internação deve ser observada com o

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respeito a essas determinações do Estatuto. Neste sentido há orientação

jurisprudencial:

“A decisão que insere o menor infrator em internação por prazo indeterminado deve estar fundamentada em elementos concretos, sob pena de nulidade, tendo em vista a própria excepcionalidade da medida socioeducativa. A gravidade do ato infracional cometido não é suficiente para, de per si, justificar a inserção do adolescente em medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado, porque a finalidade principal do Estatuto da Criança e do Adolescente não é retributiva, mas reeducar e conferir proteção integral ao menor infrator”

Mais do que somente o encaminhamento do jovem a um regime de privação

de liberdade, o cumprimento de medida socioeducativa em regime fechado em

unidade de internação é medida necessária ao desenvolvimento e recuperação do

jovem. Valter Kenji Ishida bem salienta na introdução de sua obra, ao fazer

referência a Cândido Rangel Dinamarco, que o trabalho do promotor de Justiça e do

Juiz de Direito, na Vara da Infância e da Juventude, mais que em outras varas, deve

estar embasado de cunho prático na adoção das medidas.

Com a criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo em

2006, por parte da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Conselho Nacional

dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA - percebe-se que o tema da

prioridade no atendimento tem destaque na elaboração do documento que orienta

os atores do sistema socioeducativo brasileiro na elaboração de ambiente favorável

ao desenvolvimento do jovem no cumprimento de medidas socioeducativas. Assim,

tem-se que:

“A situação do adolescente em conflito com a lei não restringe a aplicação do princípio constitucional de prioridade absoluta, de modo que compete ao Estado, à sociedade e à família dedicar a máxima atenção e cuidado a esse público, principalmente àqueles que se encontram numa condição de risco ou de vulnerabilidade pessoal e social” (Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo -SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília-DF: CONANDA, 2006).

Já o caráter retributivo conferido ao cumprimento da medida socioeducativa,

é observado, como medida protetiva da sociedade no sentido de se prevenir a

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criminalidade e, ao mesmo tempo, superar a situação de marginalidade a que estão

expostas grande parte das crianças e adolescentes.

A privação de liberdade, embora pautada pela tríade da brevidade, da

excepcionalidade e do respeito à condição de pessoa humana em desenvolvimento,

certamente tem o condão de legitimar a pretensão estatal de realizar ações

repressivas e punitivas em que se possibilite ao jovem a adequação a políticas de

atendimento específicas associadas à Doutrina da Proteção Integral, como ensina

Mário Luiz Ramidoff:

“A Doutrina da Proteção Integral, contudo não impede que se operem contenções de adolescentes que se envolvam em eventos considerados conflitantes com a lei.”

O conjunto das ações voltadas ao atendimento socioeducativo,

invariavelmente se depara de modo conflitante entre as duas esferas, reconhecendo

tanto o caráter retributivo, quanto a prioridade no atendimento, e são elementos que

devem ser observados no dia a dia das instituições.

3.3. A QUESTÃO DA MENORIDADE PENAL

Na exposição de motivos da nova Parte Geral do Código Penal, Lei

7.209/84, Ibrahim Abi-Akel aponta no item sobre imputabilidade penal:

“23. Manteve o Projeto a inimputabildade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores, recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária”

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Com esta exposição observa-se que no Art 27, CP a regra é de que os

menores de 18 anos são penalmente inimputáveis e sujeitos a norma especial.

E esta norma especial é o Estatuto da Criança e do Adolescente, que faz

ainda a divisão entre crianças e adolescentes:

Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo Único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Segundo o Professor da USP, Samuel Pfromm Netto8, esta definição de fase

importante e decisiva na vida humana se devem ao grande avanço “tanto nos

âmbitos psicológico e social como nos domínios genético e biológico” (2010, p.22)

nota-se também a semelhança entre o texto do Estatuto e o texto da Convenção dos

Direitos da Criança, de 20/100/1989.

A exceção a essa regra, que consta do parágrafo único do Art. 2º, ECA , é a

que disciplina que o limite de 21 anos como idade para o cumprimento de medida

socioeducativa O menor apreendido, por exemplo, um dia antes de completar os

dezoito anos estaria amparado pelo Estatuto da Criança, e em caso de condenação

de cumprimento de medida socioeducativa, somando-se o limite permitido para o

cumprimento de medida de 3 anos, completaria 21 anos.

8 In CURY, Munir, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p 22.

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4. ESPÉCIES DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

O caminho não desejável pela legislação9 para a internação em regime

fechado tem como ponto de partida o ato infracional, definido no Estatuto da Criança

e do Adolescente com o seguinte texto:

Art 103.Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal .

Compreendido no Titulo III do Estatuto a prática de ato infracional prevê uma

série de direito e de garantias constitucionais tanto na área civil quanto na penal e

processual, institutos esses que bem observa José Afonso da Silva: “os direitos são

bens e vantagens conferidas pela norma, enquanto as garantias são meios

destinados a fazer valer esses direitos, instrumentos pelos quais se asseguram o

exercício e gozo daqueles bens e vantagens” (2008, p. 412). No entanto o Estatuto

prevê em seu art 112, referente às medidas socioeducativas, uma série de medidas

que podem ser aplicadas com o seguinte Texto:

Art.112. Verificada a prática de ato infraciolan, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doenças ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Observa-se que são diversas as possibilidades que o Juiz tem para a

aplicação de medidas à adolescentes, sendo que importa neste trabalho, os

9 Munir Cury explica que, de acordo com o artigo 121, ECA, as bases para a formulação do

ordenamento tem que ter como características fundamentais a nobreza e a dignidade do ser humano

criança. (p.18)

21

critérios que determinam a aplicação do inciso VI – internação em estabelecimento

educacional.

4.1. ADVERTÊNCIA

Medida coercitiva admoestatória10, executada pelo promotor de justiça ou

pelo juiz. É aplicada ao adolescente que cometeu ato infracional primariamente e

com pouca gravidade. O procedimento deverá ser reduzido a termo e assinado,

como dispõe o art. 115, do ECA.

Esta admoestação é realizada pelo juiz ou promotor de justiça com a leitura

da conduta praticada e com a censura e explicação da ilegalidade do ato infracional

cometido, na presença de seus pais ou responsáveis, que testemunham o

compromisso de que o evento delituoso não se realizará de novo.

O art. 114, parágrafo único, do ECA, afirma que a imposição da advertência

pressupõe a prova da materialidade e de suficientes indícios da autoria do ato

praticado pelo adolescente.

Tal medida11 poderá ser aplicada na fase extrajudicial, por ocasião da

remissão (forma de exclusão do processo), imposta pelo promotor de justiça,

homologada pelo juiz, ou na fase judicial, empregada pelo juiz, durante o curso de

investigação da conduta infracional, ou depois da sentença.

10

De modo geral o ato de advertir no sentido de admoestar contém em sua estrutura semântica um

componente sansionatório. Cury P 553

11Observamos que a advertência na modalidade de medida socioeducativa, deve se destinar, via de

regra, a adolescentes que não registrem antecedentes infracionais, Miguel Moacyr Alves Lima, in

Munir Cury, p 553

22

4.2. OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO

A reparação de dano é uma medida que visa à restituição da coisa, o

ressarcimento do dano sofrido pela vítima ou a compensação do prejuízo desta pelo

adolescente infrator, como expressa o art. 116, do ECA.

Caso o adolescente infrator12 não possua meios de reparar o dano, se

possível, o encargo passará a ser dos pais, permitindo a imposição de uma outra

medida ao infrator para que o sentido pedagógico do sistema socioeducativo não

seja esquecido.

4.3. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

Esta medida possibilita o retorno do adolescente infrator ao convívio com a

comunidade, por meio de tarefas ou serviços que serão prestados pelo jovem, em

locais como escolas, hospitais e entidades assistenciais, possibilitando, assim, o

desenvolvimento de trabalhos voluntários, de cunho social e humanitário, sendo

atividades escolhidas de acordo com a condição do jovem. Uma das formas de

reinserção do adolescente à sociedade, permitindo sua participação ativa em prol da

organização comunitária. Como expressa o art. 117 do ECA:

Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.

12

“No que concerne ao prejuízo causado por ato ilícito devido a menor, se este tiver menos de 16

anos, responderão pela reparação, exclusivamente, os pais e se for o caso , o tutor ou o curador. Se

o menor tiver entre 16 e 21 anos, a lei o equipara ao maior no que concerne às obrigações

resultantes de atos ilícitos em que for culpado. Nesse caso, responderá solidariamente com seus

pais, tutor ou curador pela reparação devida” (arts 156 e 1.521,I e II, CC) Miguel Moacir, in CURY, p

559.

23

Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho.

Esta medida socioeducativa é conduzida pelas Varas de Infância e

Juventude, que mantém convênios com estabelecimentos como hospitais e escolas,

que oportunizam o seu cumprimento.

Destaca-se o caráter socializante da medida, ao se observar que são

atribuídas conforme a aptidão do adolescente e em relação ao horário de

cumprimento.

4.4. LIBERDADE ASSISTIDA

A medida caracteriza-se por ser um conjunto de ações personalizadas, que

possibilitam a inclusão de programas pedagógicos personalizados, respeitando as

circunstâncias inerentes de cada adolescente, como demonstra o art. 118 do ECA:

Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. § 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. § 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.

O caráter pedagógico ainda predispõe a viabilização da inserção do jovem

no convívio familiar e comunitário, o seu desenvolvimento escolar e a sua integração

profissional.

O caráter coercitivo13 da medida se explica na necessidade da observação

e acompanhamento do adolescente infrator em sua vida social. Tais características,

explicitadas acima, estão congratuladas no ECA, em seu art. 119, abaixo:

13

“Cabe fazer a diferença de objetivos entre a liberdade vigiada (controle sobre a conduta do menor)

e a liberdade assistida( criação para reforçar vínculos entre o menor, seu grupo de convivência e sua

comunidade), Pacto de San José de Costa Rica

24

Art. 119. Incube ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros: I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula; III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho; IV – apresentar relatório do caso.

A liberdade assistida é fixada por, pelo menos, seis meses, podendo o

prazo ser ampliado, substituído ou revogado, de acordo com o § 2º do artigo

118,ECA.

4.5. INSERÇÃO EM REGIME DE SEMILIBERDADE

Medida restritiva de liberdade onde o adolescente é encaminhado à uma

instituição própria para o acompanhamento, observando-se as garantias processuais

de apuração do ato infracional, ou como transição para o meio aberto, como explica

o art. 120:

Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.

Possui caráter punitivo, por existir a necessidade do internamento do

adolescente em uma unidade especializada, em que é limitado seu direito de ir e vir.

4.6. INTERNAÇÃO EM ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL

Constitui-se na mais grave das medidas previstas no Estatuto da Criança e

do Adolescente, por privar o jovem de sua liberdade, somente sendo permitida a

atividade externa com autorização judicial.

25

O legislador procurou orientar no texto do art. 121, ECA, os princípios

consagrados em convenções internacionais de brevidade da medida,

excepcionalidade e de respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Dado a gravidade da medida, à aplicação torna-se a exceção entre todas,

condicionada ao ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a

pessoa, reiteração no cometimento de infrações consideradas graves ou

descumprimento de medida anteriormente aplicada.

As características deste tipo de medida socioeducativa podem ser

entendidas, sob diversos aspectos, contraditórias na prática de enfrentamento de

atos infracionais, à medida em que se observam diferentes tipos de aplicação de

acordo com a realidade de cada região do país. Entendimentos diversos motivaram

a realização deste trabalho para uma melhor compreensão do instituto, desde a

apreensão até a sentença condenatória.

4.7. MEDIDAS DE PROTEÇÃO

Elencadas no artigo 101 do Estatuto, os meios de proteção são configurados

também como medidas destinadas aos adolescentes infratores, em referência ao

artigo 98 do ECA, que trata do jovem que está sendo violado, negligenciado em

seus direitos e garantias.

O art. 101, I a VI, do ECA, elenca as medidas de proteção que são

possíveis de serem aplicadas ao adolescente infrator, que esteja violado em suas

garantias:

Art 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

26

II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII – abrigo em entidade; VIII – colocação em família substituta.

Estas orientações legais se apresentam no contexto da juventude, como

elementos excepcionais de aplicação e como política pública necessária de

acompanhamento.

Como observado neste capítulo percebe-se que a aplicação de medida em

regime de internação em estabelecimento representa a última alternativa a ser

aplicada, como exceção, coadunada aos preceitos fundamentais elencados na Carta

Constitucional, de respeito a dignidade da pessoa humana e à garantia de direitos

individuais.

No entanto a medida de internação é legitimada pelo Estatuto, e quando

necessário deve ser aplicada, considerando as particularidades do instituto, adiante

tratadas.

27

5. DA APREENSÃO AO FINAL DO CUMPRIMENTO DA MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA

A relação entre ato infracional e a atuação jurisdicional que determina o

cumprimento de medida socioeducativa pode ser observada, muitas vezes, por

aspectos distintos e que são temas de debates em torno da natureza jurídica

atribuída à medida socioeducativa. Por um lado tem-se a preocupação com a

formação do jovem com relação às oportunidades proporcionadas por um sistema

educacional especial, preocupado com os valores humanos, focados na condição de

pessoas humanas em fase peculiar de desenvolvimento da sua personalidade; por

outro, tem-se a dita proteção da sociedade em relação ao jovem infrator, ou seja, o

caráter retributivo e o caráter punitivo estão amplamente vinculados nos debates,

muitas vezes externados pela mídia em casos envolvendo a prática de ato

infracional de grande repercussão nacional e até internacional.

Verificados esses elementos, parte-se para a parte prática da atuação do

Estado, acolhendo e atuando coercitivamente ao mesmo tempo, com todas as

possibilidades de respostas a cada caso concreto, verificados no artigo 112, ECA.

Neste cenário de enfrentamento da violência, é fundamental que a estrutura

jurisdicional14 se estabeleça de modo especializado e direcionado para o

atendimento do jovem.

Apreendido o adolescente que cometeu ato infracional, será ele

encaminhado à autoridade judiciária nos termos dos artigos 171 e 172, ECA. No

14

RAMIDOFF utiliza como exemplo de estrutura o encontrado no Paraná, que comporta o Juízo de

Direito da Vara de Adolescentes Infratores, Ministério Público- PR, Polícia Civil e Militar, Serviço

Estadual de Assistência Social e todo um corpo técnico Multidisciplinar de acompanhamento ao

adolescente. Ramidoff, 2008, p.90

28

entanto no que se refere a uma possível condenação a internação, aplica-se o artigo

173, ECA, que prevê que o procedimento, nos casos em que o ato infracional é

precedido de violência ou grave ameaça, assemelha-se ao da prisão em flagrante

dos adultos em que se observa em primeiro lugar a lavratura do auto de apreensão,

depois a apreensão do produto e os instrumentos da infração e por fim a requisição

de exames ou perícias de acordo com o ato infracional, para que se comprove ou

não a autoria e a materialidade do fato.

Importante ressaltar que a caracterização de ato infracional realizado

mediante violência ou grave ameaça é uma circunstância, via de regra, justificadora

de imposição de medida socioeducativa de internação15, com sua fundamentação no

artigo 122, I, ECA que ainda prevê, nos incisos II e III, a internação por reiteração

no cometimento de outras infrações graves e descumprimento de medida

anteriormente imposta, respectivamente.

A permanência do jovem sob internação provisória é uma exceção à regra

do art. 174, e só se justifica pela gravidade do ato infracional e sua repercussão

social.16

5.1. A INTERNAÇÃO PROVISÓRIA

O Estatuto estabelece um prazo para a finalização do procedimento nos

casos em que o adolescente está internado provisoriamente, aguardando

julgamento. De acordo com Ishida (2010, p.357), esta medida visa coibir o

15

Jurandir Norberto Marçura do Minstério Público de São Paulo , p. 783 do Estatuto Comentado de

Munir Cury

16 Ishida explica que no artigo 174, ECA existem dois procedimentos, um em relação aos delitos de

menor gravidade, que prevê a elaboração de termo circunstanciado e comparecimento do

responsável e outro referente aos delitos cometidos com gravidade, desde que constatada a

necessidade de segurança pessoal do menor ou manutenção da ordem pública.

29

constrangimento ilegal, tal qual se observa nos casos de réus presos. Esta

determinação do estatuto está disposta no Art.183, que, em linhas gerais fala que o

prazo para a conclusão do procedimento, estando o adolescente internado

provisoriamente, é de quarenta e cinco dias. Caracterizada como privação de

liberdade de natureza processual17e determinada pela apreensão em flagrante ou

por ordem judicial, tem o instituto o condão de garantir a segurança pessoal do

adolescente ou de manter a ordem pública, observada pelo magistrado, a real

necessidade da manutenção do jovem em regime de privação de liberdade. Ainda

com relação à natureza jurídica da decretação ou manutenção da internação

provisória, Ishida (p.361) entende ser esta medida de natureza cautelar.

Como Exemplo podemos citar a jurisprudência:

“A concessão de medidas cautelares, liminares, decretação de prisão provisória, preventiva ou de internação provisória de menores decorre do poder de cautela do Magistrado e justifica-se em função de seu poder discricionário para a medida. Ao Tribunal , em sede de reexame, só cabe modificar tais decisões quando em desconpasso com a realidade, que se mostrem teratológicas ou contra legem. Assim não sendo, não se deve substituir um Juízo de valor por outro, ainda que de instância mais elevada”

Ainda mais específico em relação a internação provisória, o Art. 108, ECA,

em seu parágrafo único direciona a atuação do magistrado à fundamentar a decisão

baseada em indícios de autoria e materialidade, quando se demonstra a

necessidade imperiosa da medida. Esta determinação está diretamente ligada ao

princípio da brevidade, observada no art.121, ECA, (Cury, p.516), combinado com o

princípio da legalidade, à medida em que a previsão da fundamentação deve

sempre ser observada, sob pena de nulidade18.

17

Paulo Afonso Garrido de Paula, em Cury, Munir, Estatuto comentado, p.810

18 Pericles Prade, em, Cury, Munir, p.517. “posto que o parágrafo único do art. 108 não se referisse à

necessidade de fundamentação, seria nula de pleno direito a decisão que determinasse a internação

provisória sem justificação técnica com pespaldo na lei regente.”

30

5.2. A SENTENÇA CONDENATÓRIA E O INGRESSO NO REGIME DE

INTERNAÇÃO

Sendo o adolescente apreendido por prática de ato infracional e vencidas as

etapas da prescrição punitiva e observadas as garantias processuais, dá-se início ao

estudo das medidas socioeducativas possíveis de serem aplicadas, conforme o art.

112, ECA e incisos, sendo que importa, para este trabalho, a medida de internação,

considerada pela maior parte da doutrina como sendo a mais grave dentre elas19,

que se difere da medida socioeducativa em meio semiaberto, por necessitar de

autorização judicial para a saída do instituto para atividade externa.

A título ilustrativo, passa-se a analisar o procedimento adotado no Estado do

Paraná para a aplicação da medida de internação. O Estado do Paraná conta com

uma Secretaria de Estado própria para o atendimento de políticas de atendimento

aos jovens em conflito com a lei, a SECJ, (Secretaria de Estado da Criança e da

Juventude), que, no ano de 2006, enquanto ainda era uma autarquia denominada de

IASP, (Instituto de Ação Social do Paraná), elaborou uma série de documentos, com

a finalidade de conduzir o atendimento aos jovens em conflito com a lei por um

caminho pautado nos princípios da gestão pública20, e voltado ao desenvolvimento

humano. Esses documentos conhecidos como “Cadernos do IASP”, orientam toda

uma rede de atendimento para a execução das medidas socioeducativas.

19

ISHIDA, Valter Kenji, “Constitui a medida de internação a mais grave dentre as socioeducativas,

constituindo , a teor do caput,(Art. 121) em medida privativa de liberdade.”(p,228)

20 “As organizações diferem-se por sua finalidade, pelo seu caráter público ou privado, pelo seu

público alvo e pelo trabalho que realiza. Conseqüentemente, sua forma de gestão irá diferir-se

também. A gestão de um empreendimento fi nanceiro privado é distinta de um equipamento social

público, pois, a lógica de mercado impõe a gestão empresarial, enquanto os interesses da

coletividade direcionam a gestão pública.” Cadernos do IASP,2006, Gestão dos Centros de

Sócioeducação, (p15)

31

Neste contexto tem-se um Sistema de Justiça Juvenil, que compreende os

centros de Socioeducação, responsáveis pela execução da internação provisória

para apuração de ato infracional e pela execução da media de internação mais

adequada por decisão judicial.

Com a apreensão do adolescente em flagrante na prática de ato infracional,

este é conduzido ao órgão especializado para o registro da ocorrência e lavratura do

auto de apreensão (no caso de ser o ato infracional ter sido cometido mediante

violência ou grave ameaça à pessoa). Em seguida, é feita a apresentação do

adolescente ao Ministério Público, que fará a análise dos autos juntamente com as

informações sobre os antecedentes21.

Gomes da Costa explica tal situação que serve de critério ao magistrado:

“Caso o adolescente se mostre não dissuadido da prática de atos infracionais graves, persistindo no seu cometimento, a ele poderá aplicar-se a medida privativa de liberdade por reiteração neste tipo de conduta, uma vez que as demais medidas a ele aplicadas não resultem em efeitos práticos sobre seu comportamento”

Entendendo ser necessário o cumprimento de medida socioeducativa com

privação de liberdade, o juiz poderá encaminhar o jovem para um centro de

socioeducação especializado no cumprimento da medida de internação. Neste

sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente demonstra a preocupação com a

formação do adolescente ao inovar no Art. 123, com a compreensão de que a

medida aplicada tem uma função educativo-pedagógica22 que vai além da simples

apreensão, o que significa dizer que as diferenças entre a internação antes e depois

da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, estão na finalidade do

instituto. O que antes era conhecido como um reformatório em que os adolescentes

21

Gomes da Costa, em Cury, Munir,(2010), (p.586)

22 RAMIDOFF, Mário Luiz, (2008), “Este é o propósito de toda medida socioeducativa cuja essência,

conteúdo e natureza jurídica – educativo-pedagógico – devem ensejar, qual seja: um projeto de vida

responsável”

32

eram alojados indiscriminadamente junto com adultos23, hoje pode ser entendido

como um centro especializado de atendimento, notadamente focado no caráter

garantista do Estatuto, como leciona Emílio Garcia Mendez:

“Do ponto de vista histórico, este tema é de uma importância fundamental. Foram justamente as espantosas condições de vida nas prisões, onde crianças e adolescentes eram alojados indiscriminadamente junto com adultos, o motivo pelo qual se mobilizou o movimento dos reformadores, dando origem a formas autônomas e diferenciadas de controle social para crianças e jovens”

Atualmente as condições dos centros de atendimento são orientadas por um

sistema nacional, formulado por uma série de entidades participativas da sociedade

civil junto com órgãos governamentais, e estabelecem critérios que possibilitam o

desenvolvimento da socioeducação. Estes estabelecimentos estão sujeitos a

fiscalização do Ministério Público e devem oferecer condições de atendimento.

5.3. A EMISSÃO DE RELATÓRIOS SEMESTRAIS, A LIBERAÇÃO COMPULSÓRIA

E A EQUIPE MULTIDISCIPLINAR

Tendo a medida de internação como característica a brevidade, o caráter

indeterminado24 da privação de liberdade, apontado no art.121. § 2º, deve ser

entendido como meio de proteção integral da pessoa humana, posto que difere do

Direito anterior, que entendia a medida como proteção abstrata da sociedade25 em

que a punição ao indivíduo era a regra.

Emílio G. Mendez traz o seguinte ensinamento na obra de Munir Cury, ao

afirmar:

23

MENDES, Emílio Garcia, in CURY, Munir,(2010), (p. 587)

24 MENDEZ, Emílio Garcia, in CURY, Munir (2010) (p.583)

25 MENDEZ, Emílio Garcia, in CURY, Munir (2010) “O caráter indetermidado constituía-se assim, em

uma medida de proteção abstrada da sociedade e de desnecessária punição concreta do indivívuo”

33

“O caráter indeterminado da privação de liberdade estabelecido no §2º não deve ser confundido, de modo algum, com o caráter indeterminado das sentenças no velho Direito tutelar, que trazia risco para as crianças... Agora conforme o estatuto, o caráter indeterminado funciona a favor da proteção (integral) da pessoa humana em desenvolvimento”

Expressa bem o texto do Estatuto que esta indeterminação é relativa ao

prever a permanência máxima em regime de internação pelo período de 3 anos, a

liberação compulsória aos 21 anos.

Em relação ao tempo da internação do adolescente, entende-se como

similar ao da medida de segurança penal26, pela existência da possibilidade de

reavaliação ou de avaliação prévia para que se determine a abreviação da

internação.

O Pedagogo Antônio Carlos da Costa explica27 que o direito do adolescente

a uma avaliação periódica a cada seis meses é uma questão de reciprocidade que

está relacionada à conduta do educando e à capacidade que este tem de entender a

abordagem realizada no processo socioeducativo:

“O fato de a medida privativa de liberdade não comportar prazo determinado, prevista a sua reavaliação no máximo a cada seis meses, insere no processo socioeducativo o mecanismo da reciprocidade, fazendo com que o seu tempo de duração passe a guardar uma correlação direta com a conduta do educando e com a capacidade por ele demonstrada de responder à abordagem socioeducativa”

Para que se efetive esta reavaliação, que é um direito do adolescente28, é

necessário que, como orienta o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo,

se efetivem parâmetros de gestão pedagógicas29 no atendimento socioeducativo,

26

ISHIDA, Valter Kenji, (2010) “ 3- ESTIPULAÇÃO DO PRAZO DA INTERNAÇÃO NA SENTENÇA. É

desnecessária porquanto equipara-se à medida de segurança penal no sentido de que só uma

avaliação prévia do adolescente permite abreviar a internação.”

27 GOMES DA COSTA, Antônio Carlos em CURY, Munir, (2010) (p.584)

28 “A reavaliação do adolescente após o prazo previsto de 6 meses preconizado da Lei de Regência,

não é uma faculdade, traduz direito do menor.” (TJSP – C. Esp – HC 26.301-0 – Rel. Yussef Cahali –

j.13-07-95.)

29 SINASE - (p. 46)

34

possibilitando-se a avaliação periódica do adolescente, e a compreensão deste

frente à medida adotada, conforme orientação do SINASE:

“O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas que contribua na sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário, capaz de se relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua circunstância e sem reincidir na prática de atos infracionais.”

Por isso a necessidade de um corpo técnico que tenha conhecimento

específico na área de atuação profissional, orientado pelo SINASE30, em que as

áreas da psicologia, a terapia ocupacional, o serviço social, a pedagogia, a

antropologia, a sociologia, a filosofia e outras áreas afins se constituam em

elementos fundamentais na elaboração de um relatório semestral, que deve ser

encaminhado ao magistrado como auxílio no acompanhamento processual.

5.4. DIRETRIZES PEDAGÓGICAS DO ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

As mudanças sociais31 esperadas com a aplicação do Estatuto da Criança e

do Adolescente são complementadas, no campo normativo, pela adoção do Sistema

Nacional de Atendimento Socioeducativo, documento originado por normas

programáticas estabelecidas pelo Decreto 7.037/2009, que aprova o programa

nacional de Direitos Humanos e orienta a implementação do SINASE, no item

objetivo estratégico VII, no anexo do decreto a implementação do SINASE.

30

SINASE – “Para compor a equipe técnica de saúde, a Portaria Interministerial nº 340 de

14/07/200442, que estabelece diretrizes de implementação à saúde do adolescente em conflito com a

lei em regime de internação e internação provisória, recomenda como equipe profissional mínima a

presença de médico, enfermeiro, cirurgião dentista, psicólogo, assistente social, terapeuta

ocupacional, auxiliar de enfermagem e auxiliar de consultório dentário a fim de garantir os cuidados

de atenção à saúde do adolescente.” (p. 53)

31 RAMIDOF, Mario Luis. (2008), Afirma: “O que se quer dizer é que o Estatuto da Criança e do

Adolescente, então, consolidado pela Lei Federal 8.069/90, muito além de ser um Código

Deontológico Protetivo que consagra direitos fundamentais para a infância e a juventude brasileiras,

constitui-se num fator de transformação social”

35

Neste sentido, o SINASE, já na sua apresentação indica aos envolvidos no

trabalho com a adolescência, a que veio:

“A implementação do SINASE objetiva primordialmente o desenvolvimento de uma ação socioeducativa sustentada nos princípios dos direitos humanos. Defende, ainda, a idéia dos alinhamentos conceitual, estratégico e operacional, estruturada, principalmente, em bases éticas e pedagógicas.”

No tópico número 6 do documento, que fala sobre os parâmetros

pedagógicos no atendimento socioeducativo, estão descritas as diretrizes que

complementam a atuação estatal frente ao atendimento inicial32, de respeito aos

direitos humanos, responsabilidade solidária entre a família o Estado e a sociedade,

prioridade absoluta e as observações feitas em relação à condição peculiar de ser

humano em desenvolvimento.

Como orientação ao atendimento socioeducativo, o que certamente tem

alguma relevância no momento em que o Juiz decide pela internação, estão

elencados no SINASE os seguintes preceitos:

Prevalência da ação socioeducativa sobre os aspectos meramente

sancionatórios33. Condição ligada a garantia de direitos voltadas à formação da

cidadania, muito embora a medida socioeducativa tenha um caráter, também

punitivo.

Projeto pedagógico como ordenador de ação e gestão do atendimento

socioeducativo34. Tem o condão de instrumentalizar a avaliação do jovem de acordo

com suas capacidades e desenvolvimento.

Participação dos adolescentes na construção, no monitoramento e na

avaliação das ações socioeducativas35, como medida que possibilita a avaliação

crítica do jovem frente a sua participação na sociedade.

32

refere-se aos procedimentos e serviços jurídicos que envolvem o processo de apuração de ato infracional atribuído ao adolescente 33

Extraído do SINASE, item 1 do tópico 6.1 34

Extraído do SINASE, ítem 2 do tópico 6.1

36

Respeito à singularidade do adolescente, presença educativa e

exemplaridade como condições necessárias na ação socioeducativa36. Visa

complementar, com bases educacionais e de presença contínua, de bons exemplos

capazes de contribuir com uma formação adequada.

Exigência e compreensão, enquanto elementos primordiais de

reconhecimento e respeito ao adolescente durante o atendimento socioeducativo37.

Principal fase de observação da condição peculiar do jovem, quando a orientação do

SINASE é de primeiro compreender o indivíduo, para depois exigir seu

comprometimento frente ao seu potencial.

A diretividade no processo socioeducativo38, indica a filosofia a ser adotada

no tratamento dispensado ao jovem, ao qual se orienta a construção de um diálogo

permanente.

Disciplina como meio para a realização da ação socioeducativa39. Não só

garantidor da ordem institucional, mas disciplina como elemento primordial de

viabilização de projetos coletivos e individuais, em que a reciprocidade na relação

entre os profissionais e o adolescente.

Dinâmica institucional garantindo a horizontalidade na socialização das

informações e dos saberes em equipe multiprofissional40. Indica que a equipe que

acompanha os adolescentes no processo socioeducativo, deve caminhar na mesma

direção de socialização do jovem, através de dinâmica institucional que possibilite o

aprendizado.

35

Extraído do SINASE, item 3 do tópico 6.1 36

Extraído do SINASE, item 4 do tópico 6.1 37

Extraído do SINASE, item 5 do tópico 6.1 38

Extraído do SINASE, item 6 do tópico 6.1 39

Extraído do SINASE, item 7 do tópico 6.1 40

Extraído do SINASE, item 8 do tópico 6.1

37

Organização espacial e funcional das Unidades de atendimento

socioeducativo que garantam possibilidades de desenvolvimento pessoal e social

para o adolescente41. Critério fundamental para a aplicação de diretrizes

pedagógicas é a disponibilização de um espaço físico que proporcione o pleno

desenvolvimento das atividades.

Diversidade étnico-racial, de gênero e de orientação sexual norteadora da

prática pedagógica42. Conceito pedagógico que prevê o exercício da tolerância e

inclusão social.

Família e comunidade participando ativamente da experiência

socioeducativa43. Colaboração como meio de atingir melhores resultados na

formação do jovem.

Formação continuada dos atores sociais44. Além de se preocupar com a

aplicação da medida, o SINASE demonstra preocupação com a formação do

profissional que irá acompanhar o jovem no período de sua medida socioeducativa.

41

Extraído do SINASE, item 9 do tópico 6.1 42

Extraído do SINASE, item 10 do tópico 6.1 43

Extraído do SINASE, item 11 do tópico 6.1 44

Extraído do SINASE, item 12 do tópico 6.1

38

6. CONCLUSÃO

Quando se associam os temas criminalidade e adolescência no Brasil, o

senso comum se limita basicamente a entender que esta combinação gera

impunidade. No entanto, ao se analisar os elementos que conceituam o crime45,

percebe-se que falta ao adolescente o requisito da culpabilidade, por ser

considerado inimputável penalmente. Isto não significa, objetivamente, que um

adolescente que cometeu um ato infracional46, não esteja sujeito à atuação estatal,

seja para aplicação sanção ou de medida protetiva.

A elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente representa um

avanço no tratamento destinado ao jovem, em especial àquele que encontra

dificuldades em se inserir adequadamente na sociedade. Jovem este, que se

encontra por algum momento, desamparado pelo poder público, marginalizado,

necessitando de uma atenção, em benefício dele mesmo, como cidadão sujeito de

direitos e em benefício da própria sociedade.

Neste cenário somos todos educadores de jovens e crianças, tentando

transmitir com bons exemplos, um modo adequado de se viver em sociedade.

Tarefa árdua, porém, tem o Juiz, quando tem à sua frente a responsabilidade como

agente estatal, de conduzir conforme a necessidade, cada caso envolvendo jovens

que cometeram ato infracional.

À medida em que a sociedade evolui, a concepção de atendimento ao jovem

adquire uma perspectiva mais humana, comprometida com o desenvolvimento da

formação intelectual, cultural e social, e, sem dúvidas, são pondereções neste

45

Predominante na doutrina é o conceito de crime como fato típico, antijurídico e culpável

46 O artigo 103. ECA expressamente afirma que “considera-se ato infracional a conduta descrita como

crime ou contravenção penal”

39

sentido que possibilitam ao magistrado uma aplicação mais justa de medida

socioeducativa.

A prática leva o Juiz a entender que uma medida socioeducativa em regime

de internação, é o ultimo recurso da jurisdição frente a situações de envolvimento de

jovens com atos infracionais. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê uma

série de medidas possíveis que se apresentam ao Magistrado em um leque mais

amplo para a aplicação em cada caso concreto, no entanto, como exceção, a

medida de socioeducação em regime de internamento é uma possibilidade real e

consiste na privação de liberdade.

O modelo das instituições que estão disponíveis para a execução destas

medidas, de um modo geral, não apresenta, historicamente, uma perspectiva muito

promissora quanto ao desenvolvimento psico-social da juventude. No entanto, com

esforço conjunto da sociedade civil organizada,mediante adoção de uma série de

recomendações em relação ao atendimento socioeducativo, possibilita ao

magistrado uma garantia mais consistente de que, efetivamente, a sentença de

condenação ao regime de internação não significa somente punição e sim a

oportunidade de atuação estatal de modo personalizado e adequado aos princípios

norteadores de respeito aos direitos humanos.

40

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