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  BABEL HAJJAR CRITICA PÓS-COLONIAL À EPISTEME OCIDENTAL: DIALOGIA OU IMPLOSÃO? UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES CIÊNCIAS E HUMANIDADES SÃO PAULO 2015

Critica Pós-colonial à Episteme Ocidental

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A Pós Colonialidade se caracteriza por, dentre outras críticas, a um grande apontamento à ciência eurocênctrica, acusando-a de ser um princípio auto-referenciado de verdade. Autores que estudam os pós coloniais criticam-nos, muitas vezes temerosos de uma “implosão” das ciências, “suspensão da história”, dentre outros nomes que dão ao quie seria um marco epistemológico que teria força para derrubar a ciência tradicional. Este artigo visa abordar alguns dos autores pós coloniais e buscar em seus textos referenciais para responder à questão: o pós colonial implode as ciências tradicionais ou pode dialogar com elas?

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  • BABEL HAJJAR

    CRITICA PS-COLONIAL EPISTEME OCIDENTAL: DIALOGIA OU IMPLOSO?

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE ARTES CINCIAS E HUMANIDADES

    SO PAULO 2015

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    Resumo

    A Ps Colonialidade se caracteriza por, dentre outras crticas, a um grande apontamento cincia

    eurocnctrica, acusando-a de ser um princpio auto-referenciado de verdade. Autores que estudam os ps coloniais

    criticam-nos, muitas vezes temerosos de uma imploso das cincias, suspenso da histria, dentre outros nomes

    que do ao quie seria um marco epistemolgico que teria fora para derrubar a cincia tradicional. Este artigo visa

    abordar alguns dos autores ps coloniais e buscar em seus textos referenciais para responder questo: o ps

    colonial implode as cincias tradicionais ou pode dialogar com elas?

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    Critica ps-colonial episteme ocidental: Dialogia ou Imploso?

    O processo colonial tem sua origem no final do sculo XV, com a descoberta da Amrica

    pelos espanhis em 1492. A cincia moderna nasce com o fato colonial e o influenciar

    completamente, operando como uma racionalidade que justificar a dominao, a explorao e a

    imposio cultural. Embora histrica e cronologicamente consideremos o perodo que sucede o

    colonialismo como o Ps Colonial, o termo ganha, academicamente, novos significados aps os

    anos 80, substituindo o conceito geogrfico de terceiro mundo, por um conceito, ao menos a

    princpio, temporal, que permite abranger no somente as ex-colnias, mas tambm os antigos

    centros coloniais, reinseridos e rearranjados em uma lgica centro-periferia. O ps colonialismo

    reafirma como antes o terceiro mundismo, mas de modo mais articulado teoricamente,

    ressaltando o papel do perifrico na histria, e a prpria histria perifrica. A teoria ps colonial

    uma empresa de descolonizao da histria, uma abordagem alternativa do Ocidente.

    (Prysthon 2004). Este artigo pretende contribuir com a discusso sobre a matriz terica ps

    colonial, trazendo algumas das criticas episteme eurocntrica, suas proposies decoloniais e

    seus pontos em comum.

    Enquanto autores como Shohat (1992) e McClintok (1992) entendem o ps de ps

    colonial como uma diviso temporal, embora esta ltima ainda busque analisar o aspecto

    epistmico dessa diviso, Hall (2003), Costa (2005), dentre outros, entendem tal termo como

    representante de algo que vai alm da cronologia:

    Tanto as experincias de minorias sociais quanto os processos de transformao ocorridos nas sociedades no ocidentais continuariam sendo tratados a partir de suas relaes de funcionalidade, semelhana ou divergncia com aquilo que se definiu como centro. Nesse sentido, o ps do ps colonial no representa simplesmente um depois no sentido cronolgico linear; trata-se de uma operao de reconfigurao do campo discursivo, no qual as relaes hierrquicas so significadas (Hall 1997). O colonial, por sua vez, vai alm do

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    colonialismo e alude a situaes de opresso diversas, sejam elas definidas a partir de fronteiras de gnero, ticas ou raciais (Costa 2005 p. 1-2)

    Stuart Hall levanta e busca responder a mesma questo temporal em seu artigo Quando

    foi o ps colonial?(Hall 2003):

    Se o momento ps-colonial aquele que vem aps o colonialismo, e sendo este definido em termos de uma diviso binria entre colonizadores e colonizados, por que o ps-colonial tambm um tempo de diferena? Que tipo de diferena essa e quais as suas implicaes para a poltica e para a formao dos sujeitos na modernidade tardia? (Hall 2003 p.101)

    O ps colonial no apenas uma diviso entre um antes e um aps a colonizao,

    mas tambm a marcao de uma diferena, entre sujeitos que colonizaram e aqueles que

    foram colonizados, entre aqueles que impulsionaram uma modernidade, e outros que foram

    agentes passivos deste processo - ainda que imbricados em uma relao dialgica (Hall 2003).

    A questo da existncia e marcao destas diferenas binrias, entre eu e outro, por si trazem

    tona a questo de uma dupla narrativa, de perspectivas diferentes sobre o mesmo fato, a

    reconfigurao do campo discursivo de que fala Costa (2005).

    O questionamento episteme eurocentrada nasce desta diferena de locais de enunciao,

    ou pontos de vista, que se estabelece no colonialismo e alm dele. Diversos autores buscam

    marcar esta diferena, em outros tempos e locais coloniais. Said (2007) evidencia uma percepo

    do colonizador, visto como Ocidente, sobre uma regio e seus povos, tidos como Orientais,

    os colonizados. Tal percepo vem carregada da noo eurocntrica e, por vezes etnocntrica, de

    verdade, cincia e virtude. A prxis que Said (2007) chama de Orientalismo no trata apenas

    de percepo, mas principalmente da reproduo de uma viso ocidental sobre o Oriente e o

    Oriental, viso esta que define, reproduz e perpetua tais sujeitos. A compreenso de autores que

    criticam ou buscam situar epistemologicamente os ps coloniais, sobre o Orientalismo de Said

    (2007), ou a oposio West/Rest em Hall (2003) pode ser interpretada de maneiras distintas:

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    A tarefa que os autores ps coloniais atribuem a si imodesta. Cabe, primeiro, mostrar que a polaridade Rest/West constri, no plano discursivo, e legitima, no mbito poltico, uma relao assimtrica irreversvel entre o Ocidente e seu outro, conferindo ao primeiro um tipo de superioridade que no circunstancial, histrica e referida a um campo especfico material, tecnolgico, etc. Trata-se da atribuio de uma condio superior ontolgica e total, imutvel, essencializada, uma vez que ela faz parte da prpria constituio lgica dos termos da relao. O segundo passo mostrar que a polaridade West/Rest incua do ponto de vista cognitivo, uma vez que ofusca aquilo que supostamente busca elucidar, a saber, as diferenas internas dessa multiplicidade de fenmenos sociais subsumidos nesse outro genrico, bem como as relaes efetivas entre Ocidente imaginado e o resto do mundo (Costa 2005 p.6, grifos meus).

    Sergio Costa interpreta que o que une os autores ps coloniais, inequivocamente, seu

    esforo pela desconstruo de binarismos. Partiriam, os autores ps coloniais, da premissa de

    que sua tarefa seria inicialmente mostrar a existncia de uma relao assimtrica, ahistrica,

    essencializada, entre Ocidente e o Resto, ou Oriente, para posteriormente desmontar tal

    construo, pela comprovao de que essa polaridade no contribui, cognitivamente, para

    evidenciar a multiplicidade de fenmenos sociais. A interpretao de Costa parece se deter no

    aspecto disciplinar sociolgico, e talvez por isso, e embora mencione o aspecto poltico, reduz a

    relevncia de uma busca por agncia, um ponto de vista do perifrico. O construto colonial parte

    de uma Europa pr-industrial superior, ainda que em sua lgica prpria, em diversos campos de

    conhecimento. No so Hall, Said ou Quijano que atribuem uma condio superior ontolgica,

    mas esses autores denunciam um embate entre foras, em diversos aspectos, muito desiguais, em

    especial nas intenes:

    O desejo de enriquecer e a pulso de domnio, essas duas formas de aspirao ao poder, sem dvida nenhuma motivaram o comportamento dos espanhis; mas este tambm condicionado pela ideia que fazem dos ndios, segundo a qual estes lhes so inferiores, em outras palavras, esto a meio caminho entre os homens e os animais. Sem esta premissa essencial, a destruio no poderia ter ocorrido (Todorov 1991 p.143, grifos meus).

    H uma premissa essencial na ao colonial, que se estende, segundo Quijano (2005),

    aos dias de hoje. A diferena que se marca aqui, forma uma totalidade onde um dos lados visto

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    como inferior pelo outro, que justamente aquele dotado de pulso e armas para a conquista.

    Porm, ao mencionar que o segundo passo da tarefa dos autores ps coloniais seria a de

    comprovar que a polaridade ofusca as diferenas que se quer marcar, Costa (2005) une-se a

    Shohat (1992), quando critica o termo ps colonial, por seus deslocamentos universalizantes

    anistricos e acusa-o de ambivalncia por obscurecer as distines ntidas entre colonizadores

    e colonizados, dissolvendo a politica de resistncia; enquanto McClintock (1992) critica o

    conceito por sua suspenso arrebatada da histria (McClintock 1992, Shohat 1992 in Hall 2003

    p.101). Mais uma vez, a teoria tomada como prioritria. Hall responde as crticas ao

    binarismo ps colonial, com um argumento que remete ao momento colonial, ou seja, o

    momento histrico de uma reivindicao inicialmente dialtica, e posteriormente dialgica:

    (...) no podemos ignorar os efeitos sobredeterminantes do momento colonial, a misso que seus binarismos tiveram que cumprir de re(a)presentar a proliferao da diferena cultural e das formas de vida (que sempre estiveram ali) no interior da unidade suturada e sobredeterminada daquela polaridade simplificadora e todo-abrangente: O Ocidente e o resto. (...) Devemos manter em jogo as duas pontas da cadeia simultaneamente sobredeterminao e diferena, condensao e disseminao para que no caiamos em um alegre desconstrucionismo e na fantasia de uma impotente utopia da diferena. sobremaneira tentador imaginar que, s porque desconstrudo teoricamente, o essencialismo fica deslocado politicamente (Hall 2003 p. 112).

    Hall identifica que o binarismo de que falam alguns autores tratou de trazer ao palco uma

    diferena cultural escondida em uma unidade, na polaridade simplificadora porque

    escondia as complexidades, at ento ignoradas, de sujeitos que ali existiam. A denncia, na

    forma de se explicitar o binarismo , em Hall, um momento de conflito entre aquele que

    sempre esteve ali e que se revelou, e posteriormente uma convivncia dialgica entre as duas

    pontas da cadeia. A crtica episteme ocidental no necessariamente destri essa episteme, mas

    quer adapt-la por meio de uma dialogia. O conceito de um sujeito diasprico em Hall (2003),

    traz a ideia de uma identidade multifacetada, construda por sucessivas migraes e influncias, e

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    elimina de vez certo puritanismo, de um local de origem que nos define, em um mundo ps-

    moderno que j no nos contm, como o universo lquido de Bauman (2001).

    Do ponto de vista histrico das relaes entre Ocidente e o Resto/Oriente, tais

    construes do outro se verificam desde pelo menos o fim da idade mdia, e no

    necessariamente vm tona como comprovao de uma teoria das cincias sociais. importante

    relembrar que, por exemplo, o vizinho Oriental da Europa permanece por cinco sculos na

    pennsula ibrica e no controle do mediterrneo, e o Ocidente empreende as Cruzadas para a

    reconquista de posies em territrio europeu e alm. J h, ento, estabelecida na Europa e com

    fundamentao histrica, uma imagem, ou imagens, sobre o outro. Said (2007) coloca

    claramente fontes nas quais a distino discursiva entre Oriente e Ocidente remonta idade

    mdia, perodo que foge, porm, de seu escopo metodolgico em Orientalismo:

    Pareceu-me tolice tentar uma histria narrativa enciclopdica do Orientalismo, sobretudo porque, se meu princpio orientador devia ser a ideia europeia do Oriente, no haveria virtualmente limites para o material que eu teria de tratar; segundo, porque o prprio modelo narrativo no era adequado para os meus interesses descritivos e polticos; terceiro, porque em livros como La Renaissance orientale, de Raymond Schwab, Die Arabishen Studien in Europa bis in den Anfag de 20. Fahrhunderts, de Johann Fck, e, mais recentemente, The matter of Araby in medieval England, de Dorothee Metlitzki, j existem trabalhos enciclopdicos sobre certos aspectos do encontro europeu-oriental que tornam diferente a tarefa do crtico no contexto poltico e intelectual geral que esbocei acima (Said 2007, p.45-46).

    A construo do conceito Saidiano de Orientalismo parte das experincias britnica,

    francesa e, posteriormente, estadunidense no Oriente, mais precisamente a partir do sculo XVII,

    quando Gr-Bretanha e Frana dominaram o Mediterrneo Oriental. este o recorte de Said,

    quando interesses imperiais, os mesmos que atuavam simultaneamente em outras partes do

    globo, comeam a aproximao com Egito, Sria, Arbia e outros, e a histria dessas regies no

    pode mais ser contada sem que se leve em considerao a Europa. (Said 2007 p.46). Mas

    poderamos ir alm na investigao de uma imagem europeia do Oriental ps-cruzadas. Todorov

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    (1991), analisando relatos de cartas e dirios dos navegadores e conquistadores, conta a histria

    da dominao da Amrica, como uma empreitada que poderia ser chamada de cruzada

    anacrnica, por parte de Colombo, que insistia que a coroa espanhola financiasse a retomada de

    Jerusalm para a igreja catlica (Todorov 1991, p.10-11). Se h um binarismo, no difcil trat-

    lo como um fato histrico e como uma busca por agncia poltica daqueles que representam a

    parte passiva e mais frgil da dicotomia colonizador/colonizado. Said (2007) identifica o

    discurso ns/eles presente no subtexto europeu, este manifesto em obras acadmicas, literrias

    ou cartas e discursos dos governantes que trabalhavam intensamente pelas pretenses imperiais

    de seus Estados. Said (2007) manifesta uma preocupao metodolgica e deixa claro que seu

    recorte percorre os ltimos dois sculos, mas no se furta a dar muitos indcios de uma anlise de

    um sujeito rabe-islmico pelos olhos do cristianismo europeu medieval, presente por exemplo

    em Dante, em sua Divina Comdia:

    Maometto Maom aparece no canto 28 do Inferno. Est localizado no oitavo dos nove crculos do inferno (...), um crculo de valas sombrias que circundam a cidadela de Sat no Inferno. Assim, antes de chegar a Maom, Dante passa por crculos que contm pessoas cujos pecados so de uma ordem menor: os lascivos, os avarentos, os glutes, os hereges, os colricos, os suicidas, os blasfemos. Depois de Maom existem apenas os falsificadores e os traidores (que incluem Judas, Brutus e Cassius)(...). Maom pertence assim a uma hierarquia rgida de males, na categoria do que Dante chama seminator di scandalo e di scisma. O Castigo de Maom, que constitui tambm seu destino eterno, peculiarmente asqueroso: ele interminavelmente partido em dois do queixo ao nus (...). (Said 2007, p. 109)

    O pensamento ps colonial emerge como crtica modernidade, esta como uma instituio

    unvoca, unidirecional, estabelecida violentamente como condio nica e sinnimo de civilizao. A

    ideia de uma temporalidade quebrada, uma descontinuidade com um suposto fluxo temporal-evolutivo,

    contm outro aspecto da crtica episteme eurocntrica. A categoria ps colonial foi, ou vem sendo,

    forjada nessa violncia, que foi maior ou menor conforme a distncia dos sujeitos e realidades entre

    colonizados e colonizadores. Tal realidade, mais uma vez, apresentada por Hall, em seu Pensando a

    Dispora:

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    Todos que esto aqui pertenciam originalmente a outro lugar. Longe de constituir uma continuidade com nossos passados, nossa relao com essa histria est marcada pelas rupturas mais aterradoras, violentas e abruptas. Em vez de um pacto de associao civil lentamente desenvolvido, to central ao discurso liberal da modernidade ocidental, nossa associao civil foi inaugurada por um ato de vontade imperial. O que denominamos Caribe renasceu de dentro da violncia e atravs dela. A via para a nossa modernidade est marcada pela conquista, expropriao, genocdio, escravido, pelo sistema de engenho e pela longa tutela da dependncia colonial. No de surpreender que na famosa gravura de van der Straet que mostra o encontro da Europa com a Amrica (c. 1600), Amrico Vespcio a figura masculina dominante, cercado pela insgnia do poder, da cincia, do conhecimento e da religio; e a Amrica , como sempre, alegorizada como uma mulher, nua, numa rede, rodeada pelos emblemas de uma - ainda no violada paisagem extica (Hall 2003, p. 30-31).

    As insgnias de poder que acompanharam o processo colonizador, impuseram conhecimento,

    religio e valores eurocntricos como normas, desprezando quaisquer processos autctones de criao de

    subjetividades. A alegoria de van der Straet retrata uma Amrica idlica e intocada, prestes a receber as

    verdades do novo mundo. Esse contato europeu-americano, que parte de uma racionalidade que se v

    como espcie mais evoluda, transformaram as diferenas em desigualdades, e todos os sujeitos do novo

    mundo foram automaticamente rotulados como atrasados em relao ao modo europeu de ser. Quijano

    (2000) atribui diferena encontrada no contato do europeu ndio, e posteriormente com o negro africano,

    uma racializao que at ento no existia, id-entidades que se estabelecem imediatamente como

    desiguais. Tal desigualdade abrange mais do que aparncia, lngua e cultura, mas a ideia de raa como

    expresso de uma dominao colonial, que segue at hoje (Quijano 2000). A crtica a uma epistemologia

    eurocentrada em Quijano corrobora a ideia trazida por Hall(2003) de uma Amrica virgem e atrasada em

    relao Europa, como viso desta ltima:

    El hecho de que los europeos occidentales imaginaram ser la culminacin de uma trayectoria civilizatoria desde un estado de naturaleza, les llev tambin a pensarse como los modernos de la humanidad y de su historia, esto es, como lo nuevo y al mismo tempo lo ms avanzado de la espcie. Pero puesto que al mismo tempo atribuan al resto de la espcie la pertinncia a uma categora, por naturaleza, inferior y por eso anterior, esto es, el pasado en el proceso de la especie, los europeos imaginaron tambin ser no solamente los portadores exclusivos de tal modernidad, sino igualmente sus exclusivos creadores y protagonistas. Lo notable de eso no es que los europeos se imaginaran y pensaran a s mismos y al resto de la especie de esse modo eso no es um privilegio de los europeos sino el hecho de que fueran capaces de difundir y de estabelecer esa perspectiva histrica como hegemnica dentro del nuevo universo intersubjetivo del patrn mundial de poder (Quijano 2000 p.212)

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    Quijano define Colonialidade do Poder" como uma matriz de dominao e controle da

    produo, aplicada pela Europa Ocidental, a todos as regies e raas do mundo, do perodo

    colonial (Sculo XIV ao sculo XX, iniciando com a colonizao ibrica das Amricas, mas

    tendo seu eixo se alterado para a Inglaterra at o sculo XVI). Tal matriz criou os modernos

    conceitos de raa, colocando o europeu branco no topo da escala evolutiva humana, e

    inferiorizando ndios, negros e orientais - amarelos e olivceos. Tal processo de dominao

    levou em conta uma reclassificao da populao mundial nessas raas recm-criadas, conceito

    que se estabelece da forma como conhecemos hoje pela primeira vez aps o encontro da Europa,

    na figura do colonizador, com as civilizaes pr-colombianas no continente Americano. S aps

    a descoberta e dominao do ndio, o europeu passa a se ver como branco e a se considerar

    superior, avanado, justificando o genocdio das populaes americanas e sua escravizao. Na

    sequncia, substitui a escravido indgena pela dos negros trazidos da frica. Enquanto o ndio

    passa condio de mo de obra servil, caberia ao negro a condio de escravo, e de forma

    anloga, o colonialismo utilizou-se dos mesmos princpios em todo o mundo, mas talvez nunca

    de maneira to desptica quanto a imposta nos pases da Amrica Hispnica/Portuguesa e frica.

    A matriz de Colonialidade, replicada pela Europa no mundo todo, teria como resultado

    econmico a fase do capitalismo global atual (Quijano 2000 ).

    A narrativa de Quijano (2005) pode ser vista como um resumo de parte da histria das

    cincias e do centramento da figura do europeu superior, em relao ao outro, inferiorizado.

    Classificar uma populao, dividir o trabalho dessa populao, aplicar grandes grupos de pessoas

    no trabalho de produzir grandes quantidades de alimentos para a matriz Europa, faz a paisagem

    colonial assemelhar-se a uma fbrica, onde o trabalho foi organizado a fim de se obter o melhor

    aproveitamento, a ordenao progressiva e a contabilizao e controle dos corpos de Foucault, de

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    uma Antomo-poltica de transao e contabilizao de fora motriz escrava ou servil,

    operando para atender s necessidades de consumo da coroa e das cidades com quem esta

    comerciava (Foucault 1981). Outro fator abordado por Quijano (2005) a compresso do tempo,

    no sentido da assumpo de um tempo e um saber eurocentrados, tomados como novos

    referenciais:

    O xito da Europa Ocidental em transformar-se no centro do moderno sistema-mundo, segundo a apta formulao de Wallerstein, desenvolveu nos europeus um trao comum a todos os dominadores coloniais e imperiais da histria, o etnocentrismo. Mas no caso europeu esse trao tinha um fundamento e uma justificao peculiar: a classificao racial da populao do mundo depois da Amrica. A associao entre ambos os fenmenos, o etnocentrismo colonial e a classificao racial universal, ajudam a explicar por que os europeus foram levados a sentir-se no s superiores a todos os demais povos do mundo, mas, alm disso, naturalmente superiores. Essa instncia histrica expressou-se numa operao mental de fundamental importncia para todo o padro de poder mundial, sobretudo com respeito s relaes intersubjetivas que lhe so hegemnicas e em especial de sua perspectiva de conhecimento: os europeus geraram uma nova perspectiva temporal da histria e re-situaram os povos colonizados, bem como a suas respectivas histrias e culturas, no passado de uma trajetria histrica cuja culminao era a Europa. (Quijano 2005, p.111).

    Quijano tem o foco de sua ateno na colonizao da Amrica e dos povos negros e

    indgenas. No entanto, ele prolonga a abrangncia de sua matriz para os povos orientais,

    destacando que, na recriao de novas identidades geogrficas mundiais, alm da colonialidade

    do poder, foram considerados os nveis de desenvolvimento intelectual e cultural, de modo que

    Oriente foi uma categoria que se estabeleceu como o outro da Europa, ainda que tambm

    inferiores, porm com mais dignidade que negros e ndios, expondo mais uma vez o padro

    racista das classificaes (Quijano 2005). A forma da imposio do padro eurocntrico de

    cultura, civilizao, arte e cincia, sobre os povos chamados Orientais, pode diferir, em parte,

    pela relao milenar entre essas regies. No entanto, Edward Said, em seu Orientalismo,

    mostra que o relacionamento da Europa, em especial nos ltimos dois sculos, com o Oriente

    prximo, se caracterizou por uma reescrita e apropriao ocidental sobre as definies do que

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    ser oriental. O conceito de Orientalismo de Edward Said trata da criao de uma viso

    eurocntrica, especfica da entidade cultural, lingustica e/ou geogrfica nomeada Oriente,

    criada com alguns propsitos , dentre eles o de justificar o colonialismo sobre alguns povos e

    regies, em pocas diversas. Said identifica a prtica do orientalismo na literatura europeia e

    posteriormente norte-americana, capturando em textos a noo ocidental de um oriental incapaz

    de governar a si mesmo, sem talento para a organizao e desprovido de rigor cientfico, um

    ser humano quase animalizado por suas paixes. No muito diferente do esteretipo do rabe-

    islmico propagado pela mdia jornais, cinema, via de regra reforados pelo extremismo

    islmico.

    A referncia a um descentramento epistmico do referencial europeu diretamente

    abordada pelo argentino Walter Mignolo, que sustenta a desobedincia epistmica como nica

    forma de descolonizao real:

    Toda a mudana de descolonizao poltica (no-racista, no heterossexualmente patriarcal) deve suscitar uma desobedincia poltica e epistmica. A desobedincia civil pregada por Mahatma Ghandi e Martin Luther king Jr. Foram de fato grandes mudanas, porm a desobedincia civil sem desobedincia permanecer presa em jogos controlados pela teoria poltica e pela economia poltica eurocntricas (Mignolo 2008 p. 287).

    Mignolo defende tambm, ao invs da poltica identitria, onde cada identidade conta

    com uma poltica de Estado, uma identidade em poltica, ou seja, o agenciamento poltico das

    pessoas classificadas como inferiores em termos de gnero, raa, sexualidade (Mignolo 2008 p

    287-288). Tlostanova e Mignolo trazem uma abordagem diferenciada da opo decolonial,

    citando a Matriz de colonialidade de Quijano:

    The decolonial option places the problem or problems to be addressed (and not the object or objects to be studied) in the foreground. By doing so, it leads any investigation through the scholar, intellectual or researcher, into the world, rather than keeping him or her within the discipline. The problems that concern the decolonial option are problems that have been set up by the modern/colonial matrix of power2, and so they are addressed through the shift in the geopolitics

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    of knowledge that occurs with de-colonial thinking and knowing (Tlostanova e Mignolo 2009 p. 131).

    A proposio de Mignolo e Tlostanova enfatizam que a questo descolonial deixam em primeiro

    plano o problema em si, real, do mundo a ser revisitado pelo pesquisador ou estudioso de tais questes, ao

    invs de manter tais sujeitos presos s disciplinas, estas componentes da matriz de colonialidade do poder.

    Neste sentido, Mignolo mais enftico a uma necessidade de se negar a episteme ocidental, no que

    bastante combatido por seus crticos. Ainda assim, cumpre o papel de todos os demais autores citados, no

    aumento de uma relevncia e recolocao da histria dos perifricos, como fala Prysthon (2004).

    * * *

    Os diversos autores ps coloniais, refletem em suas obras a crise de centralidade Ocidental, e

    tendem a oferecer a resposta mais bvia na ps modernidade, que o descentramento e a fluidez,

    manifesto por exemplo na hibridizao de culturas, como o conceito de dispora em Hall (2003) quer

    mostrar, mas que foi tratado por outros autores, aqui no abordados. No entanto, no parece ser a

    discusso ps colonial quem visa implodir as bases das cincias eurocntricas, ainda que tea uma crtica

    contundente a estas. O ps colonial talvez seja a parcela mais palpvel e visvel de um outro fruto do

    eurocentrismo, que a ps modernidade. Quijano (2005) aborda a dissoluo do estado-nao e a

    globalizao econmica como efeitos diretos da empresa capitalista global, inaugurada com o

    colonialismo. Ainda assim, a concluso deste artigo, diante das proposies dos autores, que a imploso

    das cincias no ocorre seno como mudana gradual. Talvez seja papel dos conceitos abordados pelos

    autores ps coloniais trazerem justamente questes que no foram ainda respondidas tona. Por exemplo,

    se as cincias, em especial as sociais, cumprem o papel esperado delas, e qual seria este papel. Como bem

    observa o socilogo Guerreiro Ramos (1953), a sociologia brasileira se divide entre aqueles que querem

    dar respostas s necessidades das pessoas ou do pas, utilizando-a como instrumento de desenvolvimento,

    e queles que querem dar respostas construo da sociologia, idealizada como universal e no

    regional, assemelhada matemtica e fsica em sua capacidade de abstrao. Por ltimo, vale

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    mencionar que o construto ps colonial, para a construo identitria de sujeitos coletivos merece ser

    discutido mais fundo no que concerne a suas caractersticas de consubstancialidade e Co-extensividade,

    como proposto por Kergoat(2010) ou seja, como a condio ps colonial, de um sujeito-identidade

    diasprico, pode influir consubstancialmente nas categorias classe, raa e gnero, de uma maneira nica

    em ps colonialidades; diferentes, bem como tais categorias, em ambiente ps colonial, reproduzem-se

    mutuamente.

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    Referencias Bibliogrficas

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