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1 Marco Aurélio apresenta: Crônicas de Tráfego Aéreo Obra original desenvolvida em 2012 2016 Prefácio:

Crônicas de Tráfego Aéreo

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Crônicas escritas por mim em 2012, que mostram um pouco da complexidade do sistema de gerenciamento do tráfego aéreo brasileiro.

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Marco Aurélio

apresenta:

Crônicas de Tráfego Aéreo

Obra original desenvolvida em 2012

2016 Prefácio:

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por Marco Aurélio Mendes

Em 2012, quando por um acidente do destino, fiquei sem computador por alguns meses, coisa que para quem na época dependia da tecnologia existente para tudo, e ademais, sem o advento dos smartphones e tablets, comecei a explorar a ferramenta fisiológica de processamento de dados existente em minha cabeça, e assim, tendo ideias após ideias, surgiram aos poucos as Crônicas de Tráfego Aéreo.

No início, comecei datilografando as ideias em uma velha máquina de escrever. Logo depois

veio um computador antigo, porém de grande utilidade, e assim digitalizei meu pequeno projeto de textos, que em nada tinham a ver com a realidade, embora tivessem um realismo peculiar, mas que significavam a expressão dos sentimentos que tinha na época.

Recém-voltado de uma visita ao Centro de Controle de Tráfego Aéreo, meu entusiasmo era

muito intenso com esses afins. E, mesmo após quase um ano da visita, tinha inspiração suficiente para idealizar tal projeto.

O projeto em si foi se consolidando com o passar do seu processo de desenvolvimento, e se

tornou uma das maiores obras literárias já escritas por mim. Agora, reformatado, esta obra-prima vêm até você.

Espero que gostem!

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Esclarecimentos sobre a obra aqui apresentada: Há algumas colocações que devem ser observadas antes de iniciar sua leitura, dando o devido

esclarecimento sobre a fraseologia empregada aqui:

Centro de Controle de Área ou ACC: É um dos setores de controle do tráfego aéreo, sendo o mais abrangente, envolvendo as aeronaves em fase de cruzeiro.

Vetoração: É o ato de orientar as aeronaves sob uma determinada

jurisdição, sendo feita pelos controladores de tráfego aéreo. Console: É o nome que se dá à tela do radar usado pelos controladores de

voo, à parte física dos sistemas de gerenciamento de informações e ao próprio sistema.

Quero salientar também que todas as histórias citadas são de livre criação do autor, e

não necessariamente expressam a realidade, tanto como os nomes e postos dos personagens.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 1 “Controlador sem controle” Era sete da manhã. Eveline estava chegando ao Centro de Controle de Tráfego Aéreo, em Curitiba. Cumprimentou seus colegas de trabalho e o major que comandaria suas atividades naquele dia: - Bom dia, major! Que temos para hoje? - Minha cara – respondeu em tom amigável – você vai para o controle de tráfego aéreo. - Mas hoje... - Sim, senhorita – respondeu já em tom sério. Eveline atendeu às ordens do superior. Desceu até o Centro Operacional e tomou seu lugar na console de controle de tráfego aéreo. O chefe de operações tratou de fazer as honrarias do dia: - Eveline, você por aqui, que surpresa mais agradável! - Obrigado pela gentileza, porque aqui quase ninguém me dá bola como você. Os minutos passavam como se fossem horas. Eveline já estava cansada. Foi quando ouviu uma conversa paralela entre duas outras controladoras que estavam ao seu lado. Eveline gritou: - Ei!!! Silêncio! Estou tentando trabalhar O silêncio foi geral na sala. Podia se ouvir a respiração de quem estava ali. O chefe de operações, percebendo a exaltação de Eveline, decidiu por retirá-la daquela função antes que colocasse ainda mais os voos operados em perigo. O major responsável tratou de ser informado. Ao conversar com ela pela primeira vez após o ocorrido, ele indagou: - Eveline! Que coisa ridícula você fez! Você acha isso correto? - Mas... - Não tem mas, nem meio mas – retrucou o major, interrompendo-a – Você tem noção de quantas vidas estavam em jogo naquele momento? - Sim, senhor. - Você tem noção o quanto você pôs essas vidas em perigo? - Sim, senhor. - E, além do mais, você tem muita sorte de ter superiores tão benevolentes quanto eu e o chefe de operações. - Eu acho que deveria pedir desculpas pelo transtorno. - Transtorno? – indagou o major – Você causou um verdadeiro caos naquele Centro. E por causa de quê? De poucas bobagens que poderiam ser facilmente ignoradas. Com essa lição Eveline aprendeu a ter mais paciência quando se trata de assuntos que demandam grande concentração, como o controle de tráfego aéreo.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 2 “Ginástica Laboral” Douglas é um controlador de voo muito determinado, que trabalha na Torre do Aeroporto do Galeão. Só que ele sentia vertigem ao olhar para baixo, e como ele trabalhava em um lugar muito alto, isso acaba se tornando comum. Não chegava a ser uma doença, nem um distúrbio que o impedisse de exercer suas atividades, porém, era uma dificuldade que ele encontrava para trabalhar. Certo dia, Douglas e um grupo de controladores civis se voltaram ao seu superior, pedindo para que fosse elaborado um plano de saúde no trabalho. O comandante ouviu os apelos dos controladores e chamou um professor de educação física para dar-lhes umas aulas de Ginástica Laboral. A Ginástica Laboral se divide em três: Preparatória, realizada antes da jornada de trabalho, preparando o funcionário para a atividade; a Compensatória, realizada durante o expediente, como uma forma de fazer uma pausa; e a de Relaxamento, realizada para relaxar o funcionário após o dia de serviço. No caso de Douglas, foi realizada a Ginástica Laboral Preparatória, antes de subir à Sala de Controle da Torre do Galeão. Ao subir e começar suas atividades, Douglas sentia-se mais disposto e animado. E o resultado não parou por aí: com sessões frequentes, Douglas passou a não sentir mais vertigem ao olhar para o solo do alto da torre.

Nas empresas que adotam a Ginástica Laboral na cidade do Rio de Janeiro, o funcionário, sendo bem cuidado, faz com que seu rendimento seja aumentado, visando o lucro. No caso de Douglas o lucro seria a maior segurança que ele e os outros controladores poderiam dar às ações do Controle do Espaço Aéreo.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 3 “Deu ‘pau’ na console” Certo dia o Sargento Lucas estava trabalhando em uma das consoles do Centro de Controle de Área, usando um sistema moderno, de última geração. Durante a vetoração, uma das aeronaves saiu da tela por alguns instantes, retornando em estado de alerta. Estranhando aquele comportamento, decidiu contatar a aeronave. - Houve uma mudança de estado na minha tela. Confirme por favor. - Negativo, não houve mudança. Passados alguns minutos, uma mensagem de erro apareceu na tela ao solicitar a impressão de uma guia. Passou batido, pois pensou que a impressora estava sem tinta ou sem papel. Mais alguns minutos se passaram e outra mensagem de erro apareceu. Dizia: “Fonte de captação incompatível”. Decidiu chamar o superior, que por sua vez chamou o serviço de manutenção. Explicando o erro para o técnico, o rapaz da manutenção entrou em baixo da mesa e explorou as placas, constatando um mau contato em um dos cabos de entrada do sinal proveniente do radar. Quase ao mesmo tempo em que o técnico verificava a console três, a console cinco, onde estavam a Aspirante Monique e seu assistente, o Major Nascimento, dava problema. De repente as duas telas da console ficaram pretas. Vendo a presença do chefe de operações na sala, Monique decidiu chamá-lo: - Que foi que houve? – perguntou o superior. - Olha! – Mostrou a tela escurecida. O chefe de operações não pensou duas vezes: chamou o técnico, que fuçou e mexeu nas placas da console. Ficou cerca de dez minutos analisando a situação. Ao concluir, virou para os três: o chefe de operações, a aspirante e o major, e disse curto e grosso: - Queimou a placa-mãe. - E agora? O que a gente faz? – indagou a aspirante. - Vou ficar sem trabalhar? – resmungou o major. - Calma – disse o chefe de operações – Vamos achar uma solução. Eu proponho que vocês fiquem no APP até segunda ordem. Tudo bem pra vocês? - Para mim, tudo bem. – Disse o major - Pra mim também – concluiu a aspirante. O chefe de operações havia pensado em diversas outras soluções para o problema. Uma delas seria de dividir uma tela de console para dois controladores, mas isso seria um absurdo. A segunda ideia seria a de montar uma das consoles antigas do Centro, mas caía em dois problemas: um, de que as consoles nem estariam mais funcionando e dois, que os controladores estavam instruídos a trabalhar com um sistema moderno e avançado. A solução, mesmo que temporária, porém mais realista, seria a de alocá-los em outra sala de controle, onde havia vagas, pois lá eles trabalhariam com consoles igualmente modernas e não ficariam sem trabalhar. Sendo assim, os dois voltaram à atividade, dessa vez sem muitos problemas.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 4 “Meu mundo caiu” Era época de Natal. O clima era de festa no Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Manaus. A sala do Centro de Controle de Área estava decorada com motivos natalinos e a equipe de controladores de voo estava feliz. De repente uma das aeronaves na tela de uma das consoles desapareceu. O controlador responsável pela vetoração tentou contatá-la, sem sucesso. No ACC não havia televisão ou rádio para que os controladores pudessem saber das notícias. Assim, só mesmo quando um telefonema chegou à mesa do comando do ACC, foi que se ficou sabendo que havia acontecido um acidente aéreo, e de grandes proporções. Um Airbus A380, com mais de 700 passageiros, além da tripulação, havia caído em plena floresta amazônica. Não houve sobreviventes. Nesse instante, o Centro de Investigação de Acidentes Aéreos entrou em ação e, após a perícia no local, constatou-se que a culpa do acidente foi do controlador que estava orientando a aeronave. O Centro de Controle de Área coletou informações dos registros de atividade das consoles daquele dia e disponibilizou a investigação. O clima de festa foi quebrado, em plena noite de 24 de dezembro. O controlador Valdinei dos Santos foi indiciado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Como era véspera de Natal, o julgamento ficou para a primeira semana útil de janeiro. Na terça-feira, 4 de janeiro, Valdinei foi julgado. O julgamento foi tenso, com a análise das telas do radar e da escuta do rádio. Ao final do julgamento, o controlador foi absolvido, por não haver provas para incriminá-lo. Na análise das imagens, foi constatado que o piloto foi imprudente ao se desviar da rota, ocasionando assim uma colisão com outra aeronave, que não teve danos profundos e conseguiu pousar.

Isso serve para mostrar que os controladores de voo detêm uma grande responsabilidade no exercício de suas funções, sendo, em certos casos, indiciados por acidentes aéreos, como foi o caso do acidente com a aeronave 1903 da GOL, que caiu em 2003, causando a morte de 285 pessoas.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 5 “Vetor romântico” De tanto trabalharem juntos, o Sargento Almir e a Soldado Júlia criaram um vínculo de amizade muito profundo. Encontravam-se nos dias de folga para passear, tomar um sorvete ou simplesmente conversar. O assunto preferido dos dois era o controle de tráfego aéreo – e não poderia ser diferente. Certo dia deu dos dois trabalharem juntos, um ao lado do outro. Duas horas sem se falar era demais para ambos, mas isso serviu para aproximar ainda mais os dois. Depois do trabalho, Júlia chamou Almir para conversar, e, ainda no corredor do Centro, ela disse: - Almir, eu sei que a gente já se conhece há algum tempo, e eu pensei se você não queria casar comigo. - Seria um prazer, Júlia. Também gosto muito de você, e nem sei explicar essa nossa amizade, mas eu sou compromissado, não posso casar-me com você. O casamento de Almir estava em decadência, faltava somente um estímulo para Almir largar de uma vez sua mulher. Almir chegou a sua casa e pensou bastante no que Júlia havia dito a ele. Enquanto isso, Júlia saiu chorando pelos corredores do Centro Operacional, sem que ninguém entendesse o porquê. O chefe de operações a viu chorando e resolveu perguntar: - Júlia, por que você está chorando? - O Almir não aceitou meu pedido de casamento – respondeu Júlia. - Vocês mulheres são mesmo muito sensíveis. – completou o comandante, tentando consolá-la. Passaram-se alguns dias, depois semanas, um mês. Foi quando os dois se encontraram novamente. Naquela altura Almir já havia esquecido sua mulher e havia pensado muito seriamente no namoro dos dois. Ao encontrar Júlia, ele disse: - Aquele lance de casamento ainda está de pé? - Claro! Por quê? – perguntou Júlia - Por que eu larguei minha mulher para ficar com você. Daí em diante foi só felicidade. Os dois casaram-se dois meses depois em uma cerimônia maravilhosa. Mesmo assim, nenhum dos dois deixou o controle de tráfego aéreo. Agora casados, o chefe de operações os enquadra sempre na mesma console todas as vezes que possível. Prova de que um amor sem limites não tem fronteiras.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 6 “Presente de controlador” Carlos era conhecido no Centro de Controle de Tráfego Aéreo como Sargento Macedo. Ele tinha em casa um verdadeiro entusiasta por aviação. Era seu filho de 12 anos, chamado Diego. Como todo bom entusiasta, Diego sabia de cor toda a fraseologia aeronáutica, soletrava seu nome no alfabeto fonético, falava uno ao invés de um e adorava imitar os controladores no seu computador com acesso à tela do radar pela Internet. No seu décimo terceiro aniversário seu pai quis lhe fazer uma surpresa. Dois dias antes, o Major Feliciano, comandante do Centro, havia lhe perguntado se ele gostaria de levar para casa uma console de controle de tráfego aéreo. Ele ainda disse: - Já perguntei para todos os controladores do seu posto, nenhum quis. Eles acham que eu estou dando trabalho para casa. A console em questão não possuía mais os sistemas de comunicação completamente ativados, mas o sistema de radar, em si, funcionava. O major tratou de montá-la com todos os devidos acessórios, para que se tornasse, à primeira vista, uma console de verdade. Carlos pediu ao seu superior que fosse entregar a console no dia do aniversário do filho. E assim foi. Logo de manhã, o filho pergunta sobre seu presente: - Pai? Cadê meu presente? - Tenha paciência, filho – respondeu o pai. – Logo ele vai chegar. Pontualmente às dez horas, o major chegou com o caminhão do Centro. Logo, ele e mais dois funcionários descarregaram a mesa e os equipamentos e trataram de montar no quarto de Diego. - O que é isso, pai – perguntou Diego. - O seu presente: uma console de controle de tráfego aéreo. É a tela do radar que o papai usa quando trabalha. - Que legal pai – agradeceu Diego – Agora eu vou poder ser um controlador de verdade? - Não exatamente – explicou o pai – Você vai continuar simulando como você faz no seu computador, só que agora você terá uma ferramenta mais precisa do que o radar da Internet. O major tratou de instalar na casa de Carlos uma pequena antena que permitia Diego receber o sinal do radar das aeronaves, e, em suma, fazer a console funcionar. Com a comunicação prejudicada, só era possível ouvir a escuta das aeronaves, e não criar uma comunicação entre elas. Diego passou a explorar mais os recursos da console, recebendo mensagens dos pilotos, da tripulação e das condições das aeronaves, além de obter imagens de radar de outras partes do país, e não só da localidade do Centro, como com o uso da Internet. Carlos apoiava a ideia do filho, interagindo com ele em sua console, onde pai e filho fingiam controlar todo o espaço aéreo. Anos mais tarde, Diego passou no concurso para controlador de voo e realizou seu sonho de vetorar realmente as aeronaves.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 7 “Onde estou?” Sabrina é uma mulher muito determinada que acabara de tirar seu brevê de piloto de helicóptero. Ela acaba de realizar o sonho do pai que é de usar o helicóptero que ele comprou no Natal de 1982. O pai de Sabrina, Leônidas, pilotava o helicóptero, más após sua morte, em 1998, o helicóptero nunca mais foi usado. Sabrina então resolveu fazer o curso de piloto, para voltar a usar o helicóptero que um dia foi de seu pai. Mais de dois anos depois de iniciar o curso, Sabrina se formou e, no primeiro dia que foi usar o helicóptero, parado há muito tempo num hangar, ela começou a sobrevoar uma autoestrada que parecia sem fim. Após uma hora e meia de voo, o tempo começou a fechar e depois veio a chuva. Se desse meia-volta, Sabrina poderia se perder ainda mais, se continuasse voando, poderia comprometer a segurança dela e da aeronave. Como a área que Sabrina estava sobrevoando era, no mínimo, desconhecida, Sabrina resolveu pousar o helicóptero à beira da estrada e pediu informação em uma casa de madeira com uma antena alta. A princípio Sabrina pensou que ali havia um radioamador. Más naquela casa operavam uma rádio comunitária. Sabrina então perguntou onde fica o aeroporto mais próximo, ou então um heliporto onde ela pudesse esperar a chuva passar para levantar voo novamente. O operador da rádio disse: - Fica há uns 10 minutos, no sentido contrário à esquerda.

Sabrina foi até o aeroporto, onde pousou seu helicóptero e esperou a chuva passar. Quando o tempo abriu novamente Sabrina já havia se localizado e conseguiu retornar à sua cidade.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 8 “O dia de folga” Marcos e Jeniffer são controladores de voo que acabam de tirar suas folgas. Cumpriram doze horas de expediente no Centro de Controle de Área e agora vão ficar um dia e meio em casa. Marcos morava próximo ao Centro, na Zona Sul e Jeniffer na Vila dos oficiais. Após chegar a sua casa, Marcos, que é sargento, toma um banho e senta-se em frente ao computador. Dentre as várias tarefas de Marcos na Internet estão ler os e-mails, ver vídeos e ouvir música. Marcos também gostava de ouvir rádios da Internet. Uma das preferidas dele é a Rádio Força Aérea de Brasília. Marcos ouve-a na Internet por não haver retransmissora da rádio em sua cidade. Jeniffer, que é tenente, mora na Vila Militar e, ao chegar em sua casa, prepara um café para ela e o filho de 12 anos. Depois lava a louça e faz o serviço de casa. Ainda restava em Jeniffer a perda do marido, há poucas semanas, e ela tentava levar uma vida normal, e principalmente, tentar conciliar a perda do ente, não deixando interferir no seu trabalho. Marcos resolve telefonar para outros controladores que estão de folga e resolvem se encontrar. Chamou Jonas, um amigo de longa data que também trabalha no transporte aéreo, para se encontrar no shopping. Às oito e meia, Jonas chega e os dois começam a andar pelo shopping e conversar. Jonas é piloto em uma grande companhia aérea e costumava encontrar-se com Marcos para comentarem alguns acontecimentos no controle de tráfego aéreo. Outro dia, um controlador passou uma informação e o piloto interpretou errado: - E daí? – perguntou Jonas. - Sorte que o copiloto interpretou corretamente e repassou as informações ao piloto em comando. Teria causado um acidente de enormes proporções. – respondeu Marcos. Ficaram mais de quarenta minutos conversando e andando pelo shopping. Decidiram então comer alguma coisa na praça de alimentação. Depois Marcos voltou para casa e Jonas também. Marcos precisava dormir um pouco, então ele foi descansar. Jeniffer passou a tarde inteira arrumando a casa e depois foi tomar banho. Enquanto se ensaboava, ela se lembrou dos bons momentos que passou com seu marido. Jeniffer saiu do banheiro chorando. Ela tinha essas crises de vez em quando, e o filho dela, Rodrigo, nunca sabia o porquê que a mãe chorava de repente. Jeniffer já havia entrado em depressão, até largou o controle de tráfego aéreo por alguns meses – longos meses – e depois retornou, quando já estava melhor. Jeniffer passou a noite chorando. Conseguiu pegar no sono às duas da manhã. Acordou disposta. Fez o café da manhã para o filho, que foi para a escola. Jeniffer resolveu ir às compras. No supermercado Jeniffer conseguia esquecer todos os problemas e se concentrava – única e exclusivamente – na lista de compras. Jeniffer fazia as compras duas vezes por mês, e era sempre muito farta. Comprava verduras para a salada – coisa que ela adorava – frutas para o filho, arroz, feijão – era uma compra normal. Embora não gostasse, comprava alguns itens para o filho. Recentemente ela parcelou um computador novo, pois o que Rodrigo usava nem acessava mais a Internet. Jeniffer tratou de ir com o filho na loja escolher o que ele queria. Aliás, Rodrigo sempre acompanhava a mãe nas suas compras. Ao acordar de manhã, Marcos tomou café e foi atualizar os e-mails no computador. Depois ficou ouvindo a Rádio Força Aérea pelo resto da tarde. À noite, Marcos pegou novamente o cargo de controlador de voo.

Jeniffer saiu do mercado com Rodrigo e foi vestir sua farda para ir trabalhar. Pegou junto com Marcos, as duas da tarde.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 9 “Portões abertos” Hoje é dia de festa no Centro de Controle de Tráfego Aéreo. O comandante decidiu realizar um evento que há muito não era realizado no Centro – denominado Portões Abertos, onde a instituição expõe viaturas, material e organiza desfiles com concertos de bandas militares e demonstrações de acrobacias aéreas. Mas esse evento contava com uma atração nova: a visitação ao Centro de Controle de Área. Acontece que essa nova ideia não funcionou muito bem, e vou explicar o porquê. É que, enquanto um grupo descia para a visitação, um dos visitantes do outro grupo se desviou da visita e tomou o lugar de um controlador, numa console que estava vaga, e ativada. Como o visitante que invadiu a console não conhecia a fraseologia, nem tampouco entendia o sistema de controle da console, ele não tinha muito que fazer, mas ele estava ali somente pelo prazer de se sentir um controlador de voo. Até que o comandante do ACC o viu ali e mandou-o subir imediatamente.

Fora esse imprevisto, o evento foi perfeito. Com mais de cem mil pessoas o “Portões Abertos” se tornou um dos maiores eventos aeronáuticos do ano. O comandante resolveu tornar outubro o “Mês da Asa” dando a devida importância para o trabalho dos controladores e funcionários do transporte aéreo em todo o país.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 10 “Passeio de helicóptero” Ismael era uma pessoa normal, até descobrir a aviação de asas rotativas – os helicópteros. Se ele pudesse dar sua vida por um voo ele o faria. E várias vezes ele teve a oportunidade de voar, e desperdiçou. Ismael era um homem muito ocupado. Com quase 35 anos, ele trabalhava como representante comercial autônomo, e andava com seu laptop para todos os lugares que ele fosse. Às vezes, quando pintava uma dessas oportunidades “únicas” de voar, ele estava reunido com compradores ou com outros representantes. Enfim, tinha uma vida muito agitada. Certo dia, Ismael conversou com Rômulo, um amigo de longa data, que lhe ofereceu um passeio de helicóptero: - Mas você é piloto? – Perguntou Ismael. - Eu faço voos panorâmicos pela cidade – respondeu Rômulo. Ismael aceitou o pedido de Rômulo e marcou o voo para o início da semana. Como Ismael gostava tanto de voar, ficou ansioso a ponto de não conseguir dormir por uma ou duas noites. Na manhã de segunda-feira, às nove da manhã, Ismael encontrou Rômulo, que o levou para o passeio já planejado. Ismael, que tinha aquela idade, nunca tinha sentido a sensação de voar de helicóptero. Ele curtiu tanto o passeio que não tinha nem palavras. Ele passou por cima do mar, vendo a grandeza do oceano, passou pela floresta que havia na entrada da cidade – que também não era das menores, passou pelo centro da cidade e viu as pessoas como se fosse uma colônia de formigas, e conseguiu perceber quão ínfimos e ao mesmo tempo grandiosos todos somos. Após quase uma hora de passeio, Ismael não conseguia agradecer Rômulo, pois tanto foi o bem que ele lhe fez que Ismael não conseguia encontrar palavras corretas, que expressassem tamanho sentimento: - Muito obrigado, meu amigo. Você não tem ideia do bem que você me fez hoje. - Não tem nem que agradecer. Você continua sendo especial para mim. E é isso que faz a vida suportável: o carinho das pessoas amigas que causam-nos bem-estar e felicidade.

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Crônicas de Tráfego Aéreo Capítulo 11 “Encontro na Ponte Aérea” Marina é passageira assídua da ponte aérea Rio-Campinas. Ela trabalha em um escritório de advocacia em Niterói e precisa, todos os dias, voltar para Campinas, cidade onde mora. Porém, naquele dia de outono, Marina encontrou uma pessoa que poderia mudar sua vida. Era Márcio, um homem muito bem apessoado, que aparentava uns 45 anos, alguns fios brancos. Márcio era um cliente de um dos advogados do escritório onde Marina trabalhava. Depois da consulta, Márcio viu a pequenina recepcionista e resolveu convidá-la para almoçar: - Quanta cortesia, claro que eu aceito – respondeu Marina ao convite. Os dois foram de táxi ao restaurante mais fino da cidade, onde Marina, uma pessoa humilde, jamais imaginaria sequer entrar. Os dois pediram a especialidade da casa. Após o almoço e uma boa conversa, Marina agradece: - Muito obrigado pelo almoço, foi uma prova de que ainda existem pessoas boas no mundo. Más a surpresa maior de Marina seria a de encontrar-se no aeroporto com Márcio: - Ora, que surpresa – disse Marina – Que está fazendo aqui? - Vou pegar a ponte aérea para Campinas – respondeu - e você? - O mesmo: vou pegar a ponte para Campinas. O voo foi anunciado e os dois entraram. Só quando estavam no corredor para entrarem no avião foi que Marina percebeu um crachá no peito de Márcio. A desconfiança se consumou quando ela o viu entrando na cabine do piloto da aeronave. Marina pensou por um momento em desistir desse amor platônico pelo comandante da ponte aérea que ela pega todo dia, quando ouviu a voz do seu desejo falando nos alto-falantes do avião. No fim do voo, Marina resolveu procurá-lo e disse a ele: - Me desculpe se estou sendo grosseira, más eu estava pensando se você não gostaria de namorar comigo. - Não tem nada de achar grosseiro – respondeu o comandante – vindo de você eu aceito qualquer coisa. E foi assim que começou o namoro de uma recepcionista pelo piloto da ponte aérea. Uma boa prova de obstinação e “cara de pau” que deu certo.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 12 “ACC veio abaixo!” Era uma tarde de verão no Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Fortaleza. Uma tarde quente era facilmente amenizada pelos gigantes sistemas de ar-condicionado do Centro de Controle de Área. Lá embaixo, a temperatura era de agradáveis 23 graus Celsius. Uma condição de trabalho extremamente favorável para os controladores de voo. Lá embaixo trabalhava Marcela e Aline, duas controladoras de voo experientes que estavam cumprindo suas últimas horas naquele cargo. Elas iriam ser transferidas para setores menos complexos no Centro. Porém, no momento que as duas estavam saindo, ouviu-se um estrondo forte, seguido de um tremor. Como estavam a 50 metros abaixo do solo, o coração das duas disparou, porém, o profissionalismo não permitiu que elas entrassem em pânico. Três minutos após o estrondo, as luzes do ACC se apagaram, menos as consoles, que eram alimentadas pela energia dos geradores, que ainda funcionavam. Depois o calor de 35 graus que faz debaixo da terra começou a predominar, uma vez que o ar-condicionado parou de funcionar pela falta de energia. O ACC estava escuro, a não ser pelas raras luzes das telas das consoles, mas os corredores estavam acesos, iluminados pela energia dos geradores. O chefe de operações e o comandante do ACC foram até a porta de entrada do Centro Operacional. E a suspeita dos dois se confirmou quando viram as escadas completamente soterradas. Para sair dali, os controladores teriam de cavar acima. Restava saber se haviam pás no Centro Operacional. Enquanto isso, os aviões que viam o Centro do alto viam um buraco em todo o entorno do ACC. Ao perceber a catástrofe, o Centro providenciou escavadeiras para procurarem pelos controladores que estavam trabalhando no ACC no momento do desmoronamento. Depois de quase doze horas de buscas, que, naquela altura já contavam com a ajuda da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros, encontraram a porta e a estrutura do Centro Operacional intactos. Os bombeiros resgataram todos os controladores sem sequer um arranhão. O Chefe de Operações veio agradecer aos bombeiros que ajudaram na busca e no resgate dos controladores do ACC: - Muito obrigado! Você não sabe como vocês nos ajudaram! - Tenho ideia – respondeu o chefe dos bombeiros – Se a estrutura não fosse de qualidade, não teria restado sobreviventes. apesar de ser uma história fictícia , essa crônica mostra com veemência a qualidade das construções voltadas a esta área e a importância de se ter uma estrutura resistente a qualquer tipo de acidente ou ataque, para garantir a integridade física dos que lá estão trabalhando.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 13 “Tédio” Jonathan é controlador de voo há algum tempo. Ele trabalha no Centro de Controle de Aproximação do Aeroporto de Viracopos, em Campinas. O APP é uma das ‘camadas’ do controle de tráfego aéreo que não demandam muita atividade dos controladores, sendo preferido pelos comandos para iniciação por parte dos controladores novatos. Certo dia, Jonathan estava controlando uma aeronave que estavam sob sua jurisdição, e de repente, o piloto não solicitou mais nada ao controle, e o controle não tinha mais coordenadas a repassar, e o rádio ficou em silêncio, por ambas as partes. Passados dez minutos e nada de um se comunicar com o outro. Jonathan viu – então – em cima da mesa um livro que havia impresso na capa o símbolo da aeronáutica e começou a ler. Vendo que a leitura não era tão interessante, Jonathan pegou no bolso da jaqueta um tocador de MP3, tirou o fone da console e começou a escutar músicas. Até que, quarenta e cinco minutos depois, o controlador percebeu que precisava dar ao piloto a ordem de chamar o Centro: - Papa-papa-romeu-charlie-victor, chame agora Centro na frequência uno-dois-zero decimal três. Isso, em uma situação real de operações, jamais aconteceria, porque, ao contrário do que foi citado nessa crônica, o Centro de Controle de Aproximação é um dos setores de maior responsabilidade nas ações, perdendo apenas para o Centro de Controle de Área.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 14 “Primeiro voo” Marco sempre foi um entusiasta por aviação. Colecionava revistas especializadas, costumava acessar a tela do radar das aeronaves pela Internet, entre outras coisas. Certo dia, em uma festa, Marco conheceu Felipe, que trabalhava de piloto em uma grande companhia aérea. Conversaram durante horas, satisfazendo o entusiasmo predominante em Marco. Outro dia, Felipe chamou Marco para conversar no computador. Entre uma frase e outra ele disse que iria entrar em férias em julho e que gostaria de levá-lo para voar. Ele não sabia, mas estaria realizando o maior sonho de Marco, pois apesar dos seus 25 anos, Marco jamais havia tirado os pés do chão – o máximo de altura que Marco já experimentou foi o sexto andar de um prédio. Felipe ligou para Marco e combinou o dia. No dia combinado Felipe foi até a casa de Marco e levou-o ao aeroporto, que não ficava longe. Fizeram o check-in e se dirigiram à aeronave. Felipe convidou Marco a entrar na cabine do piloto. Marco sentou na cadeira do copiloto e Felipe assumiu o comando. Depois das verificações iniciais, o avião dirigiu-se à pista e decolou. Estava sendo realizado o sonho de Marco. A vista da cidade, com o céu limpo que estava no dia, na cabine do piloto, onde estavam Marco e Felipe, era maravilhosa. Quarenta minutos depois, São Paulo aparecia na janela. Felipe estava realizando outro sonho de Marco: o de conhecer a cidade de São Paulo. Passearam por uma hora e meia pela cidade. Felipe, que conhece praticamente todas as grandes cidades do país, mostrou a cidade toda para Marco, que ficou encantado com a grandeza dos edifícios, das torres, do trânsito, enfim, de tudo. No final da tarde, Felipe e Marco voltaram ao aeroporto e embarcaram no avião que havia os levado até ali. Voltaram ao aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais – cidade onde Marco mora. Felipe o deixou em casa e Marco não se esqueceu de agradecê-lo: - Muito obrigado pelo passeio. Foi maravilhoso. - Só fiz o meu trabalho. – respondeu Felipe.

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Crônicas de tráfego aéreo Capítulo 15 “Vetor romântico II” Almir e Júlia continuavam felizes no casamento e no trabalho. Más ao mesmo tempo em que os dois estavam felizes – um ao lado do outro – outro casal começava a se formar. Romildo era um controlador de voo. Como todo controlador, seu trabalho era de vetorar as aeronaves sob sua jurisdição. Naquele dia frio de inverno, estava acontecendo no Centro Operacional a troca da chefia de operações. O Major Trentino estava indo para a reserva, após quase 30 anos de casa. Ele seria substituído pela Tenente Estela, experiente no Centro de Controle de Tráfego Aéreo, com mais de 15 anos de profissão. Logo que a tenente chegou ao seu posto, na mesa do comando do Centro de Controle de Área, bateu o olho em Romildo. Foi amor à primeira vista, literalmente. Depois do expediente dos dois, que, por ironia do destino, terminava na mesma hora, os dois marcaram de se encontrar – Estela na casa de Romildo – as cinco da tarde. Ao chegar, com quase meia hora de atraso, os dois começaram a conversar: - É permitido simpatizar com o inimigo? – perguntou Romildo. - Não sei – respondeu Estela – só sei que eu fiquei tonta quando eu te vi pela primeira vez, sentado naquela console. - Mas você é tenente e eu sou sargento... – retrucou – será que nossa amizade daria certo? - A hierarquia tanto faz.... O que importa é ser feliz. Depois de quase meia hora de conversa, os dois decidiram tomar um café juntos. Naquela altura, Romildo já havia “simpatizado com o inimigo”, como ele mesmo disse. Porém, Estela era ousada: - Posso dormir aqui essa noite? Romildo morava sozinho em casa, na Vila Militar e Estela morava em outro município, há quase 50 quilômetros do Centro. Só aceitou trabalhar como superiora ali porque tinha ônibus direto, mas já eram mais de nove da noite, e Estela não queria pegar ônibus. Romildo, já que morava sozinho, decidiu aceitar o pedido de Estela. Dormiram em camas separadas, porém, no mesmo quarto. Ficaram até as duas da manhã contando piadas e conversando sobre o sistema de controle do espaço aéreo. Enfim, dormiram. No dia seguinte, Estela e Romildo foram trabalhar. O “namoro” dos dois deveria ficar em segredo, mas acabou vazando. Mesmo assim, não deu muita dor de cabeça para os dois, que continuaram se encontrando nos dias de folga. A amizade foi levada tão a sério que virou namoro de verdade, e mais tarde casamento. Almir e Júlia, que não tinham nada a ver com o casamento dos dois, pensaram consigo: - Será que a gente desencadeou essa moda de controladores se casarem? - indagou Almir. - Acho que não – respondeu Júlia – A moda é casar com a comandante.