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CST/INPE Fundamentos de ecologia e de modelagem ambiental Aluno: Victor Wegner Maus Fragmentação e conectividade da paisagem: impactos na biodiversidade A paisagem é uma área espacialmente heterogênea, caracterizadas por complexas interações entre diferentes sistemas naturais como florestas, campos, lagos e até ambientes dominados pelo homem (Metzger, 1999). As mudanças nas paisagens têm efeitos que podem ser observados diretamente, por meio da mudança em sua própria estrutura (área, forma, disposição espacial e ligação entre suas unidades da paisagem) e indiretamente pelas possíveis mudanças no funcionamento do sistema terrestre. O clima, por exemplo, sofre mudanças nos processos atmosféricos por influencia direta das alterações no albedo e na rugosidade da superfície. Outro aspecto das mudanças na paisagem é a fragmentação de habitats (ruptura da continuidade das unidades da paisagem), mudando sua estrutura e consequentemente alterando a composição e diversidade da paisagem, podendo produzir efeitos negativos, principalmente, para espécies que demandam habitats com extensas áreas ou que precisam de uma forte conectividade entre as porções de habitats (Steffen et al., 2005). Diversos parâmetros da estrutura da paisagem, associados a fragmentação, são importantes para determinar a dinâmica de populações e a diversidade nas comunidades. Metzger (1999), apresenta uma análise bibliográfica identificando o efeito e a importância de três grupos de parâmetros, a área e o isolamento dos fragmentos, a conectividade dos habitats e a complexidade do mosaico da paisagem. Segundo o autor, inicialmente os efeitos da fragmentação na extinção de espécies foi estudado considerando apenas área e o grau de isolamento dos fragmentos de habitats. Entretanto, a conectividade e a complexidade do mosaico da paisagem são também relevantes parâmetros que interferem no funcionamento dos fragmentos. O parâmetro mais importante para explicar variações na riqueza de espécies é a área do fragmento. O tamanho mínimo aceitável varia de acordo com a espécie de interesse, onde o tamanho mínimo vai depender da necessidade territorial de um indivíduo e pelo número mínimo de indivíduos de uma população geneticamente viável. Na Figura 1, pode-se observar a relação entre área e diversidade de espécies. Com a redução no tamanho das manchas de habitat, pode ocorrer a redução na heterogeneidade interna de cada fragmento, levando

CST/INPE Fundamentos de ecologia e de modelagem ambiental ... três grupos de parâmetros, a área e o isolamento dos fragmentos, a conectividade dos habitats e a complexidade do mosaico

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Page 1: CST/INPE Fundamentos de ecologia e de modelagem ambiental ... três grupos de parâmetros, a área e o isolamento dos fragmentos, a conectividade dos habitats e a complexidade do mosaico

CST/INPEFundamentos de ecologia e de modelagem ambiental

Aluno: Victor Wegner Maus

Fragmentação e conectividade da paisagem: impactos na biodiversidade

A paisagem é uma área espacialmente heterogênea, caracterizadas por complexas

interações entre diferentes sistemas naturais como florestas, campos, lagos e até ambientes

dominados pelo homem (Metzger, 1999). As mudanças nas paisagens têm efeitos que podem

ser observados diretamente, por meio da mudança em sua própria estrutura (área, forma,

disposição espacial e ligação entre suas unidades da paisagem) e indiretamente pelas possíveis

mudanças no funcionamento do sistema terrestre. O clima, por exemplo, sofre mudanças nos

processos atmosféricos por influencia direta das alterações no albedo e na rugosidade da

superfície. Outro aspecto das mudanças na paisagem é a fragmentação de habitats (ruptura da

continuidade das unidades da paisagem), mudando sua estrutura e consequentemente

alterando a composição e diversidade da paisagem, podendo produzir efeitos negativos,

principalmente, para espécies que demandam habitats com extensas áreas ou que precisam de

uma forte conectividade entre as porções de habitats (Steffen et al., 2005).

Diversos parâmetros da estrutura da paisagem, associados a fragmentação, são

importantes para determinar a dinâmica de populações e a diversidade nas comunidades.

Metzger (1999), apresenta uma análise bibliográfica identificando o efeito e a importância de

três grupos de parâmetros, a área e o isolamento dos fragmentos, a conectividade dos habitats

e a complexidade do mosaico da paisagem. Segundo o autor, inicialmente os efeitos da

fragmentação na extinção de espécies foi estudado considerando apenas área e o grau de

isolamento dos fragmentos de habitats. Entretanto, a conectividade e a complexidade do

mosaico da paisagem são também relevantes parâmetros que interferem no funcionamento

dos fragmentos.

O parâmetro mais importante para explicar variações na riqueza de espécies é a área do

fragmento. O tamanho mínimo aceitável varia de acordo com a espécie de interesse, onde o

tamanho mínimo vai depender da necessidade territorial de um indivíduo e pelo número

mínimo de indivíduos de uma população geneticamente viável. Na Figura 1, pode-se observar

a relação entre área e diversidade de espécies. Com a redução no tamanho das manchas de

habitat, pode ocorrer a redução na heterogeneidade interna de cada fragmento, levando

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também a uma redução na variedade e

quantidade de recursos disponíveis

dentro do fragmento, aumentando a

competição intra ou inter-espacífica

por recursos, além disso, os efeitos de

borda também podem ser acentuados.

Esses efeitos podem causar ainda

extinções secundárias desencadeadas

pela extinção de espécies chave,

ocorrendo em casos de mutualismo

(interação entre duas espécies que se beneficiam reciprocamente), comensalismo (se

alimentam dos restos dos alimentos de determinada espécie se prejudicá-la) e em diversas

outras formas de interação entre plantas e animais. Outro fator que explica uma parte da

variância da riqueza é o isolamento. Esse parâmetro reduz as taxas de migração entre os

fragmentos e consequentemente de recolonização. Espécies que são aptas a se manter em

fragmentos isolados tendem a se tornar dominantes e desta forma, a diversidade diminui pela

equidade biológica (Metzger, 1999).

A sensibilidade das espécies à fragmentação varia em função da proporção de área

ocupada pelos habitats na paisagem. Quando a proporção de habita na paisagem for superior a

0.3, o tamanho da população varia de acordo com o tamanho da área de habitat. Entretanto, se

o valor for menor do que 0.3, os fragmentos se dispõe de forma dispersa e isolada dentro de

uma ampla matriz e as espécies passam a ser sensíveis a disposição espacial dos fragmentos

de habitat. Nesses casos a perda de diversidade biológica de um fragmento também está

ligada sua posição em relação a outros fragmentos do mesmo tipo e características das outras

unidades vizinhas. Assim surge o conceito de conectividade entre habitats, que é utilizado

para explicar a importância da matriz e do arranjo espacial dos fragmentos. A conectividade

pode ser definida como a capacidade que a paisagem tem de permitir os fluxos biológicos de

de organismos, sementes e grãos de pólen (Metzger, 1999).

A conectividade da paisagem pode ser analisada sob dois aspectos, estrutural e

funcional. A estrutura refere-se a fisionomia em termos de arranjo espacial dos fragmentos de

habitat, da densidade e complexidade dos corredores e da permeabilidade da matriz, que está

relacionada, em parte, à resistência das unidades da matriz aos fluxos biológicos (Figura 2).

Figura 1. Relação entre tamanho da mancha de habitat e o número de espécies (Steffen et al., 2005).

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Funcionalmente a conectividade refere-se as

respostas biológicas específicas da uma

espécie à estrutura da paisagem, sendo

avaliada pelos fluxos de disseminação ou

movimentação inter-habitat dos organismos,

seguindo padrões específicos para cada

espécie (Metzger, 1999).

A conectividade caracteriza a

capacidade de paisagem em facilitar ou

impedir o movimento entre fragmentos

(Taylor et al, 1993), logo é uma propriedade

crucial para a sobrevivência de

metapopulações em fragmentos de paisagem.

A avaliação do limite da conectividade

estrutural pode ser realizada com base na

teoria da percolação (Staufer & Aharony,

2003). De acordo com a teoria, rápidas

mudanças no tamanho, número e forma das

bordas dos fragmentos de habitat ocorrem

próximo a probabilidade crítica (proporção de

habitat). Quando a probabilidade crítica

coincide com um limite de conectividade

(Figura 3), ocorrem abruptas mudanças na

capacidade de uma paisagem permitir ou

impedir o movimento, então esperam-se

mudanças nos processos biológicos conforme

sugerido por modelos modelos biológicos de

extinção (Metzger & Décamps, 1997).

Sistemas ecológicos são vulneráveis a mudanças na cobertura da terra quado

propriedades chave são levadas além de seu limite. Em paisagens onde o limite de

fragmentação já foi ultrapassado, a conectividade é reduzida e, nesses casos, riqueza e

abundancia das espécies locais tornam-se dependentes do tamanho dos fragmentos

Figura 2. Ilustração de uma paisagem com três manchas do habitat “a” (a1, a2, a3), dois corredores (a4, a5), quatro unidades da matriz inter-habitat (b, c, d, e) e diversos “Stepping Stones” (Metzger, 1999).

Figura 3. Relação teórica entre proporção de habitat, conectividade estrutural, fragmentação do habitat (medida pela proporção de fronteiras entre as manchas de habitat e áreas da matriz intre-habitat) e extinção global de espécies (Metzger & Décamps, 1997).

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remanescentes (Pardini et al., 2010)

(Figura 1). A relação global entre a entre a

biodiversidade e a conectividade da

paisagem é fortemente não linear (Keitt et

al., 1997). Na Figura 4, o eixo vertical

representa a percepção que uma espécie

tem da conectividade da paisagem e, no

eixo horizontal a distância que um

indivíduo de uma espécie é

intrinsecamente capaz de dispersar. A

passagem repentina de uma distribuição

relativamente desconectada do habitat

para uma paisagem relativamente ligada

aparece como uma inflexão no gráfico, onde para um valor de distância limite entre 40 e 45

km, a medida representativa da conectividade da paisagem quase duplicou, saindo de 150 para

aproximadamente 275 km (Keitt et al., 1997).

Através dos anos as ações antrópicas para obtenção de comida e outros recursos, têm

causado grandes modificações na superfície terrestre. Essas mudanças têm diversas

consequências ambientais, incluindo a perda de biodiversidade. Segundo de Filho & Metzger

(2006), em áreas agrícolas mais antigas na Amazônia mesmo sob diferentes padrões de

ocupação, observa-se que apenas pequenos fragmentos de florestas secundárias impactadas e

altamente isoladas permanecem, ou seja, os limites da proporção de habitats na paisagem bem

como das distâncias críticas entre os fragmentos pode prejudicar algumas espécies e favorecer

outras. Consequentemente podem ocorrer abruptas perdas de biodiversidade.

Os níveis de conectividade estrutural podem ou não satisfazer os requerimentos de

determinadas espécies. Depende da capacidade que a espécie tem de movimentar-se, seu

potencial demográfico e área mínima de habitat requerida. No processo de perda de habitat

(redução do local onde vive uma espécie), existe um limiar crítico para o grau de

conectividade estrutural, a partir do qual a conectividade é rapidamente reduzida e,

consequentemente, as necessidades de um grande número de espécies podem não ser mais

satisfeitas, podendo aumentar rapidamente as taxas de extinção. Desta forma, a avaliação do

limiar de conectividade estrutural e de proporção de habitat na paisagem pode contribuir para

Figura 4. Correlação entre a conectividade do habitat e dispersão de espécies para o padrão de paisagem de florestas de Pinus Ponderosa e coníferas mistas no sudoeste dos Estados Unidos (Keitt at al., 1997).

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a criação de políticas visando a conservação da biodiversidade.

Bibliografia

de Filho F. & Metzger J. Thresholds in landscape structure for three common deforestation patterns in the Brazilian Amazon. Landscape Ecology Springer Netherlands, v. 21, 1061-1073, 2006.

Keitt T.H., D.L. Urban, B.T. Milne. Detecting critical scales in fragmented landscapes. Conservation Ecology (online). v. 1, 1997, disponível em: <http://www.ecologyandsociety.org/vol1/iss1/art4/>, acesso em: 30 de maio de 2011.

Metzger J.P., Décamps H. The structural connectivity threshold: An hypothesis in conservation biology at the landscape scale. Acta Oecologica, v. 18, 1-12, 1997.

Metzger J.P. Estrutura da paisagem e fragmentação: análise bibliográfica. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 71, 445-463, 1999.

Pardini R.; Bueno A. d. A.; Gardner et al. Beyond the Fragmentation Threshold Hypothesis: Regime Shifts in Biodiversity Across Fragmented Landscapes. PLoS ONE, Public Library of Science, v. 5, 1-10, 2010.

Staufer D. & Aharony A. Introduction to Percolation Theory. 2 ed., London, 2003.

Steffen, W., Sanderson A., Tyson P.D., et al. Global Change and the Earth System: A Planet Under Pressure. Spring Verlag, Heidelberg, Germany, 2 ed., 336 pp., 2005.

Taylor, P.D., L. Fahrig, K. Henein & G. Merriam. Connectivity is a vital element of landscape structure. Oikos, v. 68, 571-573, 1993.