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A POEIRA DO SAMBA E A FESTA QUE ANTECEDE O BRILHO: as sambadas de Maracatu como espaços espontâneos

de comunicação e de uma tradição renovada

Ivanice Oliveira de Lima1

RESUMO

As sambadas representam o encontro para exaltar determinada brincadeira. Na Mata Norte de Pernambuco elas são mais frequentes a partir da entrada do segundo semestre, são festas organizadas nas comunidades como forma de ensaio para o Carnaval. Especificamente busca-se, no trabalho, analisar as sambadas de Maracatu de Baque Solto da Mata Norte de Pernambuco como espaços espontâneos onde se dão, além da preparação para a o “Carnaval Oficial”, processos comunicacionais e relações entre o massivo e o popular. Representam verdadeiros espaços onde a tradição e a modernidade coexistem e renovam-se.

Palavras-Chave: sambadas; comunicação; culturas populares.

ABSTRACT

The sambadas represent the communal meeting to perform certain play acts. In the North Forest of Pernambuco they are more frequent from the start of the second half of the year. They are parties organized in the communities as a way to prepare for Carnival. Specifically trying to analyze sambadas of Maracatu, and its spontaneous spaces of performance, and the preparation for the “Official Carnival”, and its communication processes, and the relationship between the masses and popular culture. They all represent real spaces where tradition and modernity coexist and are constantly renewed.

Keywords: sambadas ; communication; popular cultures

1 Mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (UFRPE); Graduada em Comunicação Social/ Rádio e TV (UFPE); Profes-sora do Curso de Comunicação Social da Faculdade Joaquim Nabuco, Recife, PE. E-mail: [email protected].

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SAMBADAS, CULTURAS POPULARES E COMUNICAÇÃO

Um período de recomeço é o que representa a chegada do segundo semestre de cada ano no interior de Pernambuco. É a preparação para as grandes festas dos Maracatus da Zona da Mata Norte. É o tempo das sambadas de Maracatu. A origem da palavra samba remete a uma derivação do quimbundo semba, que significa umbigada, ou do umbundo samba que significa estar animado. Há ainda uma linha que entende a origem da palavra ligada à língua luba e a outras línguas bantas, em que samba significa pular ou saltar com alegria (ROSCHEL, s.d, p.1). Assim, com base nas teorizações em torno da palavra samba, já dá para concluir que, ao contrário do que muita gente ainda imagina, samba é mais do que um ritmo popular do carnaval carioca.

Samba representa a festa e a sambada, o encontro para exaltar determinada brincadeira; os ensaios de Maracatu, Cavalo-marinho, Caboclinho e de várias outras manifestações culturais em que a comunidade vai para ver mestres desafiando-se, pessoas afinando as brincadeiras com ou sem objetivos de uma posterior apresentação oficial nos palcos maiores dos festivais ou encontros produzidos pela iniciativa pública ou por produtores culturais em grandes eventos como o carnaval, por exemplo (LIMA, 2013).

Para este trabalho, nos atemos a analisar a preparação dos Maracatus de Baque Solto e os processos comunicacionais que estão presentes nos encontros que antecedem as “festas oficiais” do Carnaval. Na sessão seguinte, aparecerão as características principais dessa representação artística das culturas populares da Região da Mata Norte de Pernambuco.

Busca-se perceber como os ensaios, sambadas dessa representação cultural, configuram-se como espaços de trocas comunicacionais entre os indivíduos de uma comunidade e, para isso, consideramos os aportes teóricos da folkcomunicação e dos Estudos Culturais na América Latina.

As apresentações artístico-culturais funcionam como uma importante forma de expressão entre os atores das culturas populares, não apenas durante o cantar, o bailar dos corpos nas brincadeiras, mas em relação a um todo muito maior, que envolve a forma como as pessoas se relacionam nesses espaços, trocam experiências e informações, são reconhecidas social e politicamente, processo esse definido por Luiz Beltrão como Folkcomunicação: “processo de intercâmbio de informações e manifestação de opiniões, ideias e atitudes da massa, por intermédio de agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore.” (BELTRÃO, 2004, p.47). Para além de espaço para a diversão, as sambadas aparecem como momentos para a celebração cívica e oportunizam observar como os grupos sociais pensam, sentem e agem (MELO, 2008).

Para Nina Friedmann, citada por Marques de Melo, as festas populares podem ser entendidas como “rituais de comunicação, cada um com seus sistemas próprios de signos, seja no âmbito do

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sagrado, seja no mundano” (1995, p.18. apud MELO, 2008, p.79). A festa enquanto ativadora das relações humanas produz comunhão grupal ou comunitária em torno de motivações socialmente relevantes. Trata-se de um fluxo de comunicação interpessoal (MELO, 2008, grifo do autor).

Em tempos de grandes oligopólios de comunicação, de uma cultura cada vez mais mediatizada, de uma espetacularização das representações da cultura popular, onde “ao invés da participação comunitária, é proposto um espetáculo para ser admirado” (CANCLINI, 1982, p.112 apud MELO, 2008, p.77), as sambadas tendem a apresentar-se como espaços mais espontâneos de troca de informações por proporcionarem as expressões das culturas populares nos próprios espaços onde elas estão inseridas, embora tenhamos a convicção que o tempo todo essa cultura popular recebe influências do massivo, porque se relaciona com ele, ressignificando os sentidos. O popular representa correntes culturais variadas que reivindicam uma intercomunicação massiva permanente.

Para Canclini, citado por Escosteguy (2001), o popular não aparece como o oposto ao massivo, mas como um modo de atuar nele. E o massivo não é, nesse caso, somente um sistema vertical de difusão e informação; mas é também a expressão e amplificação dos vários poderes locais que vão difundindo no corpo social. Para esse autor, as culturas populares constituem-se por um processo de apropriação desigual dos bens econômicos e culturais de uma nação ou etnia, por parte dos seus setores subalternos, e pela compreensão, reprodução e transformação, real e simbólica, das condições gerais e específicas do trabalho e da vida (CANCLINI, 1983). Ele entende a construção das culturas populares em dois espaços:

a) as práticas profissionais, familiares, comunicacionais e de todo tipo através das quais o sistema capitalista organiza a vida de todos os seus membros; b) as práticas e formas de pensamento que os setores populares criam para si próprios, mediante as quais concebem e expressam a sua realidade, o seu lugar subordinado na produção, na circulação e no consumo. (CANCLINI, 1983, p.43)

A noção de consumo faz-se essencial para o entendimento acerca das culturas populares, pois é certo que, ao se relacionar com o massivo, essas culturas populares consomem o que é produzido no massivo. No estudo do popular é preciso analisar não só aquilo que culturalmente produzem as massas, mas também o que consomem, aquilo de que se alimentam e de pensar o popular na cultura não como algo limitado ao que se relaciona com o seu passado, mas também e principalmente, o popular ligado à modernidade, à mestiçagem e à complexidade do urbano (MARTIN BARBERO, apud TAUK SANTOS, 2008, p.4).

Daí ser muito importante perceber que, no momento de trocas de informações das sambadas, os temas do Brasil e do mundo encontram um espaço favorável para aparecerem não somente nas conversas do público que observa as apresentações, mas também esses mesmos temas acabam virando o mote condutor das loas, dos versos dos mestres cantadores que, nesses versos, já imprimem a sua marca e a sua interpretação para os fatos dos quais “ouviram falar” através dos meios de comunicação de massa.

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A partir dessa conexão com “o novo”, com o que “aparece na televisão”, com o que é informação dentro das comunidades, novos versos são criados, denotando, assim, uma renovação nas loas, nos cânticos, uma tradição renovada, “modernizada”. “Moderno é tudo o que se demarca em relação àquilo que permanece como tradicional, tal como tradicional é tudo o que se demarca em relação àquilo que se apresenta como moderno” (RODRIGUES, 1997, p. 2).

Para Rodrigues (1997), o tradicional aparece como transferência, doação. O termo tradição vem do latim traditio, do verbo trans-dare, dar completamente, de um lado ao outro, enquanto modernidade representa ruptura. “A Tradição revela uma experiência do mundo [...] através das gerações. É [...] a partilha dessa sabedoria transmitida através das gerações que mantém a identidade e a coesão tanto individual como colectiva, no seio da comunidade de pertença” (RODRIGUES, 1997, p. 4).

É importante observar que a modernidade não deve ser vista como uma substituta à Tradição:

Considerar a modernidade como uma dimensão da experiência, e já não como uma etapa histórica destinada a substituir a tradição, faz com que contrapor hoje as sociedades tradicionais às sociedades modernas se tenha convertido numa postura simplista e redutora. Na sequência da revisão crítica do processo de modernização, ambas as modalidades da experiência, tanto a tradicional como a moderna, deixaram de ser vistas como etapas epocais para passarem a ser encaradas como modalidades distintas da experiência que coexistem num mesmo espaço e numa mesma época (RODRIGUES, 1997, p. 3).

A partir do exposto, percebe-se que a prática comunicativa, através de uma manifestação tradicional das culturas populares, permanece, justamente porque se adapta, porque interage com o meio massivo, com os aparatos modernos, com as mensagens difundidas massivamente; vemos, então, uma tradição relacionando-se com a modernidade.

AS SAMBADAS DE MARACATU: A POEIRA QUE ANTECEDE O BRILHO

Um terreiro batido, plano, varrido ou as pontas de ruas calçadas transformam-se no espaço para as apresentações que, no geral, não possuem rigor quanto ao uso de figurino especial, número mínimo de brincantes, ou tempo de duração. O cenário é composto por elementos simples: algumas gambiarras para iluminar o terreiro, barracas onde são vendidas as bebidas e os tira-gostos e amplificadores e microfones modestos ou, quando muito, carros de som para amplificar as vozes (LIMA, 2013).

Preparação é uma palavra que define muito as sambadas. Amorim (2002) destaca que, no caso do Maracatu de Baque Solto, assim como os bordadores precisam preparar as fantasias da “caboclaria”, assim como os caboclos devem sair pelas ruas e estradas com o surrão nas costas

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em preparo físico (e também religioso), o brinquedo precisa de reuniões em torno do mestre, do terno (grupo de músicos tocadores de cuíca, caixa, mineiro e gonguê), para afinar tudo para o próximo carnaval, daí a importância de se realizarem as sambadas.

Os Maracatus Rurais ou de Baque Solto são grupos folclóricos típicos do carnaval da zona canavieira de Pernambuco (BENJAMIN, 1989). Embora, atualmente, possam ser encontrados na zona urbana também, visto que muitos trabalhadores, ao migrarem para as grandes cidades, levaram consigo a tradição do Maracatu de Baque Solto, constituindo novos grupos com as características dos folguedos originados na área rural.

São personagens tradicionais dos Maracatus Rurais os caboclos de lança, que portam cabelereiras coloridas, gola bordada de vidrilhos e/ou lantejoulas sob camisas de mangas compridas, calça de chitão, surrão com chocalhos, óculos escuros, guiada, ou lança enfeitada com tiras coloridas e, na boca, um cravo branco (BENJAMIN, 1989). Os caboclos de lança talvez sejam os personagens mais conhecidos do Maracatu de Baque Solto, têm a função de proteger seus maracatus, agitando as lanças que carregam. Além dos caboclos de lança, constituem também os Maracatus Rurais os caboclos de pena, pois carregam uma coroa de penas de pavão na cabeça, encontram-se em número bem menor do que os caboclos de lança; as baianas, hoje também encarnadas por mulheres, antes só os homens brincavam os maracatus; também há o tirador de loas, ou mestre responsável pelos versos; e a orquestra formada geralmente por trombone, cuíca, caixa, surdo e gonguê (BENJAMIN, 1989).

No espaço das sambadas, relacionam-se os membros de uma determinada comunidade que vão para ver os mestres desafiarem-se, e, mais recentemente, percebe-se um interesse de grupos até de grandes centros urbanos que se dirigem aos espaços rurais e arruados das sedes das cidades do interior de Pernambuco, para apreciar as apresentações que, tradicionalmente, estendem-se até as primeiras horas da manhã2. Na seção seguinte, destaca-se a percepção dos personagens participantes das sambadas de maracatu em relação ao espetáculo, preparação, representação da cultura de um povo, espaço para as trocas comunicacionais e mais do que representam as sambadas.

2 Desde de meados de 2011 os Maracatus da Mata Norte de Pernambuco, em razão de uma determinação da Polícia Militar do Estado, através do Programa Pacto Pela Vida, foram obrigados a encerrar os ensaios no máximo até às 2 horas da manhã, fato que desagradou a comunidade maracatuzeira, adeptos e frequentadores dessas apresentações. De acordo com a Se-cretaria de Defesa Social de Pernambuco, as limitações de horários foram impostas para preservar a segurança das pessoas e evitar casos de violência, no que a comunidade maracatuzeira rebateu, alegando que as sambadas representam eventos tradicionais da cultura de um povo e que, portanto, merecem ter respeitada a sua realização plena e sem interferências do Estado. Organizados, alguns representantes de Maracatus de Baque Solto e militantes da Cultura Popular conseguiram, depois de algumas audiências no Ministério Público de Pernambuco, que o MPPE expedisse recomendação que assegura que o Ma-racatu seja respeitado em suas tradições e a Polícia Militar não mais interferisse impondo horários para o término das apre-sentações. No anexo Fig. 1 é possível conferir o banner divulgado nas redes sociais da 1ª Festa da Alvorada, evento realizado em janeiro de 2015 e que comemorou o fim das restrições aos ensaios e sambadas de Maracatu de Baque Solto.

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UMA BRINCADEIRA LEVADA A SÉRIO: as sambadas por quem participa

Nesta seção, a partir dos depoimentos dos brincantes e frequentadores das sambadas, podemos perceber melhor como eles se relacionam nesses espaços e quais representações existem nelas.

Há mais de trinta anos em meio à brincadeira do Maracatu Rural, o Mestre João Paulo, do Leão Misterioso de Nazaré da Mata, considera a sambada um grande exercício para cada folgazão, do mestre cantador ao dançante que fará as manobras do caboclo de lança, e também uma oportunidade de reunir todos os integrantes do Maracatu, o que ressalta o capital social que existe em torno do evento:

A gente junta o grupo, tem um que mora em Lagoa Seca, outro mora no Recife... Aí quando faz esse ensaio, a gente faz um jeitinho de juntar os componentes todos, e faz aquela festa, aquela confraternização, e cada qual já fica sabendo o que vai fazer no carnaval. (Mestre João Paulo, entrevista concedida à autora, 2011).

Para Manuel Carlos de França, o popular Mestre Barachinha, primo de João Paulo e também mestre de Maracatu:

Onde se conhece o autêntico maracatuzeiro é no terreiro, é onde a gente fica observando quem sabe dançar, quem gosta de dançar, porque eu acho que no carnaval é só uma exibição de fantasia. (Mestre Barachinha, entrevista concedida à autora, 2011).

O depoimento de Mestre Barachinha, do Maracatu Leão Mimoso, grupo surgido em 1984 em Upatininga, distrito de Aliança, Mata Norte de Pernambuco, deixa claro que é nos espaços das sambadas que a comunidade conhece melhor os mestres de maracatu e os folgazões. As sambadas representam, assim, os eventos em que os membros de uma coletividade podem conferir reconhecimento a um determinado mestre pela qualidade de suas loas (versos, métrica etc).

Para o músico e pesquisador Climério Oliveira, as sambadas são ambientes geralmente frequentados por apreciadores dessa poesia oral, pessoas que conhecem muito essa poética e podem avaliar qual mestre cantador está tendo desempenho excelente, regular, ou fraco.

A partir do bom desempenho do mestre, o Maracatu dele cresce politicamente na comunidade de Maracatus (Climério Oliveira, entrevista concedida à autora, 2011).

O Mestre Barachinha destaca que é nas sambadas que os mestres têm a grande oportunidade de improvisar na poesia com os temas do cotidiano da comunidade local, até do Brasil e do mundo; sobre política, cultura, esportes, embora muitos entoem também versos de balaio, aqueles previamente decorados:

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Todo mestre de Maracatu sai de casa já com um balaio pronto, quer queira, quer não queira, ele acaba cantando alguma coisa que ele já sonhou em casa, já pensou em casa... Agora, com certeza, tem um que improvisa mais que o outro, mas, de acordo com a sambada, a gente é forçado a improvisar, tudo vai do momento, da inspiração da gente. (Mestre Barachinha, entrevista concedida à autora, 2011).

Mais do que as aptidões artísticas dos mestres de maracatu, com os versos é possível perceber como aquele mestre, reconhecido pela comunidade, demonstra a sua visão de mundo, o seu entendimento para fatos do cotidiano, qual leitura ele tece, a partir dos fatos aos quais tem acesso, por meio da cobertura da mídia. Nessa perspectiva, é possível entender os versos, as loas, como materiais elaborados frutos de recepções mediáticas e pouco passivas, mas atentas e reelaboradas.

Quanto à participação de pessoas da comunidade nas sambadas de Maracatu, elas vão para se divertir, dançar, beber, além de também terem a oportunidade de conhecer qual mestre se destaca em relação aos demais. Essas pessoas, via de regra, tomam conhecimento da realização de uma sambada a partir do contato interpessoal com os membros de suas comunidades. Mas - se não são apresentações oficiais, divulgadas na grande mídia, e com todo o aparato de uma divulgação massiva e/ou de interesses turísticos - o que leva as pessoas a frequentarem as sambadas? Para muitos, o interesse parte justamente por serem elas eventos mais espontâneos, em que ainda é possível apreciar as brincadeiras com mais autenticidade e menos presas às amarras das apresentações dos grupos culturais nos grandes palcos.

Obviamente, com a maior facilidade de comunicação possibilitada pelos avanços tecnológicos, as informações circulam de maneira mais rápida e abrangem públicos muito maiores do que aqueles restritos às comunidades rurais onde se realizam as sambadas do interior de Pernambuco. É possível hoje já encontrar diferentes grupos de grandes cidades que frequentam as sambadas do interior e até divulgam eventos em redes sociais da internet, como já foi mencionando anteriormente e pode ser visto na Figura 1.

Ainda assim, parece ser a interação aparentemente espontânea entre grupos de universos distintos (mas conectados e com muito em comum) que chama a atenção de muitas pessoas da capital, muitos jovens que vêm descobrindo as sambadas e a representatividade delas nos espaços rurais:

É uma brincadeira que quem brinca, os brincantes, brincam por amor, muitos são pessoas da cultura canavieira. As pessoas são pessoas simples que sabem o valor que tem suas próprias brincadeiras. Essa interação das pessoas da capital, daqui de Recife, com o pessoal do interior é o que eu acho bacana. (Ronaldo Santos, universitário, entrevista concedida à autora, 2015).

Na opinião de Climério Oliveira, outro grande segredo do prestígio das sambadas na própria comunidade – ganhando, em muitos casos, a concorrência com a televisão - é que as elas se

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impõem como eventos de força:

Elas não são importantes apenas porque meia dúzia de pesquisadores o afirma, mas por que elas se impõem; a energia delas tem resistido a tour de force da mass media que tenta sugar toda a atenção para si. Nas sambadas, as pessoas discutem seus problemas, desabafam, discutem política, trocam informações sobre trabalho e sobre tudo o mais, conhecem novas pessoas e por aí vai. (Climério Oliveira, entrevista concedida à autora, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se percebe é que, mesmo com a ausência, nas sambadas, das exuberantes indumentárias - preparadas durante meses para o carnaval com não menos zelo do que os versos e os passos - prevalece a poeira das brincadeiras que dá um colorido especial a elas, por mais incoerente que isso possa parecer ao leigo, ou a quem aprecia as brincadeiras pela primeira vez. Afinal, muito antes de as purpurinas, as penas e as lantejoulas estarem presentes nas apresentações “oficiais” do carnaval, é a poeira dos terreiros batidos que enche de energia os brincantes dessas manifestações.

São espaços onde se dão as trocas comunicacionais, são reelaboradas mensagens difundidas pela cultura de massa, reinterpretadas para o ambiente da cultura popular, fruto dessa conexão e concessões do relacionamento entre o massivo e o popular. Ambientes onde a tradição renova-se e interage com o moderno, com os temas difundidos na mídia e reinterpretados em forma de versos.

Espaços mais espontâneos de comunicação, um tanto mais afastados dos palcos iluminados das apresentações oficiais e, ainda assim, ou talvez por isso mesmo, reconhecidos pela comunidade. Espaços onde a comunidade se vê representada e empodera-se, consome, realimenta-se emprestando sentidos.

REFERÊNCIAS

AMORIM, Maria Alice. BENJAMIN, Roberto. Carnaval: cortejos e improvisos. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2002. 124 p.

BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: teoria e metodologia. São Bernardo do Campo: UMESP, 2004. 160 p.

BENJAMIN, Roberto Emerson Câmara. Folguedos e Danças de Pernambuco. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1989. 134 p.

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CANCLINI, Néstor Garcia. As culturas populares no Capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 42 – 56.

ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Cartografias dos estudos culturais – uma versão latino-americana. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 107 – 137.

LIMA, Nice. Sambada: da poeira se faz o brilho. Revista Continente, Recife, n.156, p.62 – 65, 2013.

MELO, José Marques de. Mídia e cultura popular: história, taxionomia e metodologia da Folkcomunicação. São Paulo: Paulus, 2008.

RODRIGUES, Adriano Duarte. Tradição e modernidade. Disponível em:http://www.bocc.ubi.pt/pag/rodrigues-adriano-tradicao-modernidade.pdf Acesso em: 12 abr. 2015.

ROSCHEL, Renato. Samba. Almanaque Música. UOL. Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/samba.htm Acesso em: 26 mar. 2014.

TAUK SANTOS, Maria Salett. Receptores Imaginados: os sentidos do popular. XVII Encontro da Compôs. UNIP, São Paulo, junho, 2008.

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ANEXOS

Anexo 1Fig.1

Banner produzido para a 1ª Festa da Alvorada, realizada no dia 17 de janeiro de 2015, na cidade de Nazaré da Mata, Mata Norte de Pernambuco. Abaixo o texto da divulgação do evento:

I Festa da Alvorada

Siba, Maciel Salú e Mestre Barachinha convidam para a I Festa da Alvorada, sábado - 17 de janeiro de 2015, em comemoração ao fim das restrições aos ensaios e sambadas de Maracatu de Baque Solto.

Com os Maracatus Estrela Brilhante de Nazaré e Mestre Bi, Maracatu Águia Formosa de Tracunhaém e Mestre José Mário e massiva presença de Poetas de toda Mata Norte, que cantarão juntos na hora do amanhecer.

Fonte: Facebook, 2015.

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Fig.2

O mestre de maracatu entoa os versos cercado por brincantes e pelo terno (orquestra)

Fonte: LIMA, Ivanice, 2015.

Fig.3

Brincantes fazem as manobras da dança nas sambadas de Maracatu Fonte: LIMA, Ivanice, 2015.

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Fig.4

Tradicionalmente, as sambadas vão até as primeiras horas da manhã Fonte: LIMA, Ivanice, 2015.