Curriculum Cultura e Crueldade

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    PERSPECTIVA, Florianpolis, v. 31, n. 2, 615-644, maio/ago.. 2013 http://www.perspectiva.ufsc.br

    Currculo, cultura e crueldade: para compor uma tica com Antonin Artaud e o teatro

    Currculo, cultura e crueldade: para compor uma tica com Antonin Artaud e o teatro

    Th iago Ranniery Moreira de Oliveira*

    Marlucy Alves Paraso**

    Resumo

    Este artigo busca nas linhas de fora de Antonin Artaud, do Teatro da Crueldade e da Filosofi a da Diferena de Gilles Deleuze elementos para compor uma tica da crueldade curricular. Desenvolve-se, assim, o argumento de que a crueldade das formas de vida e a crueldade das foras de uma vida permitem alimentar exigncia de uma tica da crueldade curricular. Expe-se, desse modo, a dimenso tica e cultural da crueldade a partir do duplo formas/foras posto em jogo no Teatro da Crueldade. Extrai-se, portanto, uma tica da crueldade curricular que funciona a partir de dois movimentos: dar conta dos autoengendramentos das formas de vida em um currculo e pensar os movimentos fecundos que possibilitam a permanente inveno de formas de viver.Palavras-chave: Teorias de Currculo. Contedos culturais do currculo. Filosofi a da Educao.

    * Mestre em Educao pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Doutorando em Educao na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).** Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e PhD em Educao pela Universidade de Valencia, Espanha. Professora Associada da Faculdade de Educao e do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    http://dx.doi.org/10.5007/2175-795X.2013v31n2p615

    http://dx.doi.org/10.5007/2175-795X.2013v31n2p617

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    Th iago Ranniery Moreira de Oliveira e Marlucy Alves Paraso

    A crueldade afl ige, dilacera, despedaa. A crueldade tortura, esfrangalha, eviscera. A crueldade calcina, esquarteja, esmigalha. A crueldade destri, aniquila, devasta. A crueldade nos chega por muitos caminhos. Conhecemos a crueldade de muitas formas. Ora, uma experincia imediata. Ora, um tema de obras literrias, cinematogrfi cas ou pictricas. Quase sempre, uma manchete de jornal1. s vezes, um confl ito fi losfi co2. Se houver espao, um problema acadmico. O terrvel sculo XX, nas palavras de Hobsbawn (1995, p. 14), foi o sculo mais assassino de que temos notcias tanto em registro, escala e frequncia das guerras que o preencheram, como tambm pelo volume nico das catstrofes que produziu desde as maiores fomes da histria ao genocdio sistemtico. A crueldade tornou-se um nome comum para muitos tipos de experincia que a nossa cultura produziu, costumeiramente associadas carnifi cina, ao canibalismo, violncia e ao terror humano de todo o dia.

    Se considerarmos, a ttulo de exemplo, essa imagem de pensamento recorrente sobre a crueldade que muitos dos nossos discursos tm se dedicado a compreender, perceptvel como a crueldade mencionada principalmente para mostrar o quanto nossas sociedades se empenham em control-la, codifi c-la, ritualiz-la, em suma, mostrar que tendemos ou precisamos reduzi-la, quando no a aboli-la. Evoca-se a crueldade, mas, sobretudo, para mostrar o horror que ela nos inspira, para estabelecer que somos, no fi nal das contas, sociedades contra a crueldade; ela no pertence ao funcionamento normal das sociedades. Contudo, por razes que no unicamente materiais, no podemos expor aqui os problemas no resolvidos que essa imagem de pensamento da crueldade deixa aos currculos na medida em que a crueldade s fi gura no horizonte imaginativo sob o signo do dilogo entre o discurso crtico e o discurso clnico. Certamente, interrogar-se sobre a unidade problemtica desses dois discursos tambm foge ao escopo deste artigo. Sentimos apenas que um lugar-comum nos inquietou diante do trabalho reservado crueldade no e dos currculos: no se deve pensar que necessrio, seja por precauo moral, seja por motivao esttica, proteger a existncia curricular e a singularidade de suas vidas contra a crueldade.

    No ser surpreendente, ento, constatar, no campo do currculo, a quase ausncia de uma refl exo geral sobre a violncia em sua forma ao mesmo tempo mais brutal e mais coletiva, mais pura e mais social: a violncia material dos discursos fundantes (BUTLER, 1998), a violncia dos poderes institudos (MAFESSOLI, 1981), a violncia da perda irreparvel de uma origem que aponta para a impossibilidade de um sentido eterno e imutvel e a necessidade

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    Currculo, cultura e crueldade: para compor uma tica com Antonin Artaud e o teatro

    de viver de signifi caes fugazes, ou aquilo que doravante, como aprendemos com Antonin Artaud (2006), chamaremos de crueldade. Um nome para a traduo portuguesa de cruor, de onde deriva crudelis, designao para a carne escorchada e ensanguentada, assim como crudus, que por sua vez, designa cru, no digerido, indigesto (ROSSET, 2002). Mas tambm, como sugere Dale (2002), crueldade um nome para tudo aquilo que abandona o campo claro e ordenado da percepo diria, tudo que inverte as aparncias e introduz a dvida, tudo que provoca confuso, que perturba a relao entre as coisas, dando a este pensamento agitado um aspecto ainda maior de verdade e violncia de crueza, indigesto e de inominvel; oferecendo uma brecha de vida que nos coloca em contato com certos estados mais agudos de expresso sensvel.

    Quando se tem ensaiado, no territrio curricular, esse outro teatro da crueldade (GALENO, 2005, p. 161), bem distante da imagtica radical do Teatro da Crueldade de Artaud, mais prximo da violncia degradante do corpo fsico, a crueldade sacrifi cada nos jogo dos conceitos curriculares. Essa espcie de silncio sacrifi cial que se instaura no territrio curricular parece derivar no s de uma marginalidade das imagens de pensamento da crueldade, mas tambm de uma imagem no pensvel que preocupa um currculo tanto mais quanto delegada a problemtica a outros territrios disciplinares. Seja, contudo, sob o signo da violncia fsica ou moral, da agresso ou da patologia, a crueldade acaba por entrar no jogo conceitual para repetir o silncio de um currculo que parece provir de uma impossibilidade de inscrever a crueldade em seu pensamento. O escape captao conceitual pelos currculos parece poder pr em jogo a experincia curricular como tal, cujo estatuto permanece enigmtico, a saber: seu princpio de crueldade3, nos termos de Clement Rosset (2002) que o currculo, um currculo, qualquer currculo torna-se um exerccio de crueldade.

    Estamos, de incio, diante de um paradoxo que o presente artigo pretende explorar: a crueldade como elemento vivo dos discursos que constituem a vida dos currculos e a crueldade como potenciao do estar no mundo em busca de sondar elementos de virtualidade na experincia curricular. Entre essas duas teses aparecem dois temas caros ao territrio curricular: cultura e tica. Conectar crueldade, tica e cultura em um currculo o objetivo a que este artigo se prope. Nosso desafi o buscar nas linhas-fora de Antonin Artaud, do Teatro da Crueldade e da fi losofi a da diferena de Gilles Deleuze elementos para tramar uma composio entre currculo e crueldade. Caminhamos, portanto, a partir

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    de um argumento: a crueldade das formas de vida e a crueldade das foras de uma vida permitem alimentar exigncia de uma tica da crueldade curricular. Usamos Artaud e o Teatro da Crueldade como um intercessor para problematizar o exerccio de crueldade de um currculo em seu matrimnio com a cultura. Exploramos, aqui, por um lado, o exerccio cruel de fabricao de formas de vida em um currculo e, por outro, o exerccio de crueldade como aquele pelo qual as foras de uma vida tocam as formas de vida em um currculo a partir da qual podemos extrair um exerccio tico.

    O duplo da crueldade: entre as foras e as formas

    H anos no teatro estamos lendo Antonin Artaud, explicando, comentando, buscando compreend-lo, tentando manter viva uma obra que quis acabar com as obras-primas (ARTAUD, 1983) e pensar o teatro em alguma das direes que ele apontou4. Porm, h anos as imagens difusas de Artaud e do Teatro da Crueldade tm construdo uma espcie de muro estril em torno de seus textos, criando sobre a crueldade uma imagem de pensamento largamente confundida com sangue, trucidamento e perverso. o prprio Artaud (2006, p. 177) que alerta sobre o uso do termo: no se trata, nessa crueldade, nem de sadismo, nem de sangue []. A palavra crueldade deve ser considerada num sentido amplo [] e no no sentido que geralmente lhe atribudo. Artaud (2006, 119) continua, uso crueldade no sentido de vida, no sentido gnstico de turbilho de vida que devora as trevas, no sentido da dor fora de cuja necessidade inelutvel a vida no consegue se manter. A crueldade a prpria vida, outro nome para vida, na medida em que, toda fora, a cada instante, distende a vida at o limite constituindo formas disse crueldade como teria dito vida (ARTAUD, 1978, p. 137).

    Se for til fazer certo mapeamento para que percebamos os meandros da cruel razo potica (BLANCHOT, 2001, p. 43) de Artaud, no que concernem as imagens de seu pensamento sobre a crueldade, no quer dizer que seja possvel lhe dar um sentido nico e permanente, inserir-lhe uma racionalidade externa e iluminatria. Nem sequer podemos nos remeter a possibilidade de um ncleo estvel da crueldade na obra de Artaud5. Um estudo, ainda que sem profundidade, denota logo que ela ultrapassa muito a ideia de teatro tradicional que ns temos (VIRMAUX, 1978). Contudo, a crueldade excede largamente uma refl exo puramente teatrolgica, suas linhas de pensamento vo alm de se

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    imprimirem na arte chamada teatro. Espalham-se por toda a cultura ocidental, compem um sistema de crticas abalando o todo da histria do Ocidente mais do que um tratado de prtica teatral (DERRIDA, 1971, p. 153). A crueldade da ordem da cultura no porque se apresenta nas formas, modelos ou prticas teatrais; ela compe essa ordem em um sentido absoluto e radical.

    Artaud reconhece mesmo uma linha da crueldade que se conecta com a tortura e violncia fsica, tal como ns a conhecemos, ao denunciar, por exemplo, o genocdio sistemtico do regime nazista (Carta a Snia Mossi) ou as situaes pelas quais passava nos manicmios (Carta aos chefes de manicmios). Em seus projetos de encenao, da tragdia Os Cenci at Tiestes de Sneca e MacBeth de Shakespeare, ocorrem com frequncia mortes, suplcios e at certo sadismo na exibio deles. A exposio nua e crua desse material, contudo, no gratuita. No h um interesse de utilizar a imagem fsica da crueldade para uma representao fi el e clara da baixeza humana. Ainda que haja um efeito quando rostos e corpos de atores se contorcem, gritam, atacam a moralidade do pblico, o territrio cnico no se altera de maneira fundamental pela mera exibio da crueldade fsica. No se trata mais, ento, apenas do espao real que o palco nos apresenta, mas de um outro espao (BLANCHOT, 2001, p. 43). A vivncia e a exposio do sangue, da morte, do sadismo e seus afi ns, permite que vivamos uma crueldade muito mais terrvel e necessria que as coisas podem exercer contra ns (ARTAUD, 1978, p. 95).

    A crueldade fsica a expresso comum de uma crueldade da existncia humana, uma crueldade da vida, uma crueldade de se estar vivo. Eu sofro terrivelmente da vida. No h nenhum estado que eu possa atingir (ARTAUD, 1976, p. 20). O teatro torna-se, assim, a possibilidade da exposio fsica da crueldade trazer tona o testamento de nossa existncia. Sei que estou enfermo e que sofro muito, no tanto das ms condies fsicas, mas de outros males que so quase os mesmos que me torturam aqui e que, em todo caso, tem a mesma causa (ARTAUD, 1977, p. 21). O espao cnico aquele capaz de fazer das matrias que tomamos por estatutrias da vida, exerccio de criao potica, potencializando a existncia. Estamos, aqui, diante da efetiva realizao do Teatro da Crueldade. Atitudes temveis e que se tomam por inumanas so mesmo, talvez, o solo fecundo de onde somente pode surgir alguma humanidade, tanto sob a forma de emoes, como de aes e obras (NIETZSCHE, 1983, p. 192). A possibilidade, enfi m, de viver a crueldade da vida em todas as suas formas para restituir ao homem a liberdade criadora instauradora das foras

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    do mundo (DUMOULI, 1996). A crueldade expresso dessa tenso entre as foras do mundo e as formas de uma vida. Nome para o confl ito primordial entre foras e formas que dilaceram o homem a cada minuto e que o faz brotar desse dilaceramento entre a fora vital e as formas do vivo, entre a pulso que nos atravessa e o corpo que temos que construir. H a verdade que terrivelmente cruel. tudo (ARTAUD, 1967, p. 195).

    O homem, esse artifcio fabricado na cultura que um currculo se empenha em produzir, existe, portanto, entre duas coaes: as que o matam e as que o fazem viver. De um lado, a crueldade mquina coercitiva, porm, formadora dos princpios da vida, dos signos que se inscrevem no corpo ou das categorias que estruturam a sensibilidade. Uma crueldade que de ser quem se uma crueldade que das coeres do Ser como princpio, forma e lugar da existncia (REY, 2002). De outro, a violncia das foras que jorra como um jato, impulsionando a vida para o movimento, permitindo que outras foras entrem na composio da existncia para alcanarmos uma espcie de vida liberada, que ponha de lado a individualidade humana e na qual o homem no passa de um refl exo (ARTAUD, 1978, p. 139). Solicitar a crueldade estarmos diante da condio daquilo que um currculo nos separa: a prpria vida. Possibilita a chance de acessar, a todo instante, um reservatrio de novos possveis. Sinto que um outro homem nasce (ARTAUD, 1967, p. 176). O projeto do Teatro da Crueldade de Artaud era a reconstruo da existncia humana. E no este um dos sonhos de muitos de ns em um currculo?

    J ressoa entre as linhas do territrio curricular um grito ou um sopro para rasgar as peles e os corpos de um currculo, para trazer tona que no estamos ou no temos porque permanecer fechados em ns mesmos (CORAZZA, 2002, 2010; TADEU; PARASO, 2010a, 2010b, 2010c). Poderia mesmo existir um currculo que abdique das formas em nome de mobilizar foras? Pr a crueldade em cena para se deliciar na pele da vida com seus desdobramentos e deslizes, com as novas revelaes do ser (ARTAUD, 1967, p. 43)? Se a crueldade permeia um currculo por ser um constituinte de formas formas de ser, de estar, de viver no mundo, junto ou separado, que um currculo no cessa de fabricar e encerrar em si mesmas , ela tambm pode oferecer a potncia de uma vida ao nos convidar a um exerccio de resistncia diante do atrofi amento dos sentidos de um currculo. Uma crueldade que funciona em um currculo a partir de dois movimentos: dar conta tanto dos autoengendramentos das formas de vida em um currculo, bem como dos movimentos fecundos e virtuais

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    Currculo, cultura e crueldade: para compor uma tica com Antonin Artaud e o teatro

    que possibilitam a permanente inveno de formas de viver. Concorrncia e enfrentamento, portanto, entre dois regimes, duas dimenses ou dois tempos da crueldade que pressupe tanto uma ideia negativa como uma problematizao positiva da cultura, isto , onde uma tica aparece diretamente como correlata de uma criao.

    Das formas de vida: um currculo e a inveno da cultura

    Currculos constituem formas de vidas: formas de vida generifi cadas (CUNHA, 2011; REIS, 2011; CARVALHAR, 2009; PARASO, 2010a, 2010b), formas de vidas infantis (SILVA, 2010), formas de vida discentes e docentes (FREITAS, 2008), formas de vidas juvenis (SALES, 2010). Em um currculo, vivemos de alguma forma. Entramos ou samos de forma. Estamos ou no em forma. Formas so odes do esprito humano a facilidade (CORAZZA, 2010, p. 81). Pelas formas, somos informados. Nossos conceitos sintetizam formas. Tateamos para reconhecer formas. mesmo possvel produzir uma enciclopdia, um conjunto de inventrios s com formas de vida que um currculo produz. O que , porm, uma forma de vida de um currculo? De onde surgem as formas de vida? No que elas so to desejveis? Como possvel seu surgimento na cultura e em um currculo? Que funo desempenha uma forma de vida? Ser isto viver? Viver viver uma forma?

    Conhecemos bem no territrio curricular a frmula das formas de vidas como cultura6 (WILLIAMS, 2008) posta em cena pelos Estudos Culturais7, que sempre estiveram s voltas com as questes das formas atravs das quais nos sustentamos subjetivamente (JOHNSON, 2006). Tendo em vista a centralidade da cultura na contemporaneidade8, muitas das teorizaes curriculares migraram para o explosivo avano dos Estudos Culturais (PINAR, 2002, p. 14) e arrastaram consigo o fato de que um currculo no pode se defi nir formal ou metodologicamente, mas que est obrigado a se autoposicionar sobre o horizonte material de uma cultura dada9. Afi nal, o campo cultural est indissociavelmente ligado vida, ela que tem que dar o testemunho de sua qualidade (DELEUZE, 1976). Tomar, a partir de ento, a relao entre formas de vida e crueldade pode dizer que esse posicionamento de um currculo no pode ter a forma de subordinao, do dilogo ou do consenso, porque o que est por detrs uma luta sem trguas entre as foras do pensamento.

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    Os pressupostos da cultura erguem-se como uma espcie de campo de batalha ou teatro de operaes, no qual toda forma de vida que um currculo cria e sustenta aparece como um composto de relaes de foras (DELEUZE, 1988, p. 167), produto de um jogo mltiplo e muito concreto das foras de um currculo que do forma a vida. Onde h vida, h combate de fora contra fora. H foras agindo sobre outras e sendo levadas a agir por elas, h crueldade de agir. H fora com vontade de potncia que quer comandar outra vontade e ter sua potncia intensifi cada10. No se faz nada, no diz nada, mas sofre-se, desespera-se e combate-se, sim, creio que em realidade combate-se (ARTAUD, 1974, p. 236). Toda forma de vida erguida sob essa incessante luta de foras que compe um currculo. De outro modo, a formao de uma vida continuaria um mistrio improvvel ou um milagre se no se concedesse ao e ao combate das foras entre si, no qual uma fora submete outra fora a prpria unidade que ela supe ter (DELEUZE, 1991). Um currculo est sempre em relao com as foras da vida das quais ele se apropria, territorializando-as em formas de existncia. Faz da vida dos seres uma forma ou mesmo muitas formas de vida quando lhes oferecem aparelhos de saberes, narrativas, histrias, arquiteturas, conceitos, a partir das quais podemos nos proclamar como sujeitos de ns mesmos.

    S que uma forma de vida de um currculo apenas uma atualizao muito especial entre foras num campo de multiplicidade que o povoa. No importa quo habitual, repetitiva e socialmente compulsria, ela retm sempre o carter de uma possibilidade (AGAMBEM, 2000, p. 74). Ela apenas um modo muito particular de se exercer a vida, um dos modos pelo qual as foras da vida entram em relao. A questo que os currculos como conhecemos institucionalizam essa guerra de foras dentro de si. Aproximam-se de certas descries de Artaud (1993, p. 32): esta cidade de cavernas e muros que projecta arcos cheios e cavos como pontes no abismo absoluto. Lutam para manter a coerncia das formas, o andar interior de cima (DELEUZE, 1991, p. 54) que se erguem acima da textura infi nitamente cavernosa das foras e expulsar toda fora que for estranha a elas. Fazem das formas um entorpecimento do jorro incontrolvel das foras, em uma esperana desesperada para que uma unidade se d em um plano superior. Eis uma espcie de expresso de protesto contra o incontrolvel campo de foras, atracadouro que oferece segurana ante o oceano voraz da vida. Na descrio de Artaud (1976, p. 57):

    [] a carne no toca mais na vida / esta lngua que no chega a ultrapassar sua casca/ esta voz que no passa mais

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    Currculo, cultura e crueldade: para compor uma tica com Antonin Artaud e o teatro

    pelas vias do som/ esta mo que esqueceu mais que o gesto e tomar/ que no chega a determinar o espao onde ela se realizar sua preenso / este crebro enfi m onde a concepo no se determina mais em suas linhas / tudo isso que faz minha mmia de carne fresca / d adeus do vazio onde a necessidade do ser no se colocou mais.

    Poder falar em crueldade no pensamento de currculo para poder expressar essa separao brutal entre formas de vida e as foras de uma vida que um currculo produz na cultura. Uma ruptura entre as coisas e as palavras (ARTAUD, 1978, p. 9). A criao e existncia de uma forma de vida tornam-se, deste modo, um exerccio de crueldade. com crueldade que se coagulam as coisas, que se formam os planos do criado (ARTAUD, 2006, p. 92). com crueldade que um currculo cristaliza o jogo das foras em formas de vida na cultura. O ato de escrever a vida, de espalhar a tinta na cultura, est meteoricamente vinculado crueldade (LINS, 2003). Uma vida separada das foras que a produziu como forma e a faz passar: eis a condio essencial para o nascimento da cultura (NIETZSCHE, 2007a). A inveno da cultura, o modo como nos tornamos seres dotados e conscientes de cultura no se faz sem uma dose de crueldade e adestramento. A cultura adestramento e seleo (DELEUZE, 1976, p. 62), age, nomeia, dirige as foras em formas de vida. Obrigada a encontrar explicaes racionais para prticas cujas razes so desconhecidas, a conscincia da cultura no uma mera racionalizao, mas uma quase-tradio consistente com os saberes, narrativas e interesses da sociedade (WAGNER, 2010). um modo propriamente humano de se defrontar com tudo aquilo que o ultrapassa, uma atividade de infl exo das foras, atravs da qual se cria uma forma de vida e encerra dentro de si nada mais que foras, com suas partculas desaceleradas segundo um ritmo prprio, seja ele dos tambores africanos ou do electro music na boate, e em uma velocidade especfi ca, onde nos tornamos mestres de nossa velocidade.

    A crueldade de um currculo da ordem da cultura, de como da fabricao de formas de uma vida extramos uma cultura, de como o exerccio de constituir formas de existir torna-se um exerccio de crueldade, ao ponto que possvel afi rmar que a crueldade um dos mais antigos e indelveis substratos da cultura (NIETZSCHE, 2006, p. 38). Uma cultura, assim, no se faz separvel dos meios atrozes que servem para adestrar as foras da vida em formas de existncia. O alimento da cultura uma vontade de crueldade

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    (ALMEIDA, 2008). Campo de tortura, seu traado marca uma territorialidade, uma sensao de pertena, como uma tatuagem que talhada na pele a ferro e fogo. No depoimento de Artaud (1979, p. 76):

    Eu, uma vez marcado, torna-se cidado, habitante, cultivado, sim, cultivado, lavrado: eu tenho uma valeta traada no meu corpo que repete a lei, a frmula inexorvel tu deves. Passei pela mquina cultural horripilante trituradora de singulares. Estou marcado como todos os outros.

    Afi nal, a histria j tem mesmo nos apontado toda a violncia da cultura como sua propriedade legtima (DELEUZE, 1976; 2008). De fato, o quanto de crueldade no foi preciso para fabricar essa forma homem atual (NIETZSCHE, 2009)? O quo de tcnicas cruis no foi disposto para docilizar esse corpo de foras na forma-homem (FOUCAULT, 1999)? O quo de vigilncia punitiva no fui usado para dar forma ao corpo do humano (LUENGO, 2010)? E mesmo que estejamos falando em tecnologias dceis (FOUCAULT, 1999), em tecnologia do afeto nos currculos (PARASO, 2010a; 2010b) ou em dispositivo da plenitude pedaggica (ALVES, 2009), ainda estamos falando de uma localizao fabricada e marcada das foras em formas de vida supostamente fechadas em si mesmas, localizveis, nomeveis e reconhecveis nos currculos.

    O quo, de fato, um currculo no cruel ao propagar a uma forma de vida como a nica possvel? O quanto no um currculo cruel ao constituir formas de vida ou pelo menos se deter exclusivamente nesse exerccio? Um currculo no tem sido mesmo terreno privilegiado da metafsica, solo frtil para todo tipo de essencialismos, boa vontade e bons sentimentos do sujeito humanista (TADEU; CORAZZA, 2003)? Como expresso da cultura, tambm uma prtica de seleo e adestramento. Seus procedimentos encurralam a multiplicidade sedenta e faminta das foras em uma forma de vida humana. No ao acaso que uma aceitao da crueldade como produo homem para existir enquanto forma de vida humana parece nos colocar diante dos nossos medos de perder a prpria ideia de natureza humana. Currculos tornam-se s mais um meio de organizar, conservar e propagar uma forma de vida como a Vida, enclausurada, amordaada, atada a pregos na forma. Um currculo , pois, resultado dessa mortifi cao primeira que aprisiona e entorpece. Eis o desespero de Artaud (1978, p. 206): Como algum que dorme e cambaleia,

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    Currculo, cultura e crueldade: para compor uma tica com Antonin Artaud e o teatro

    perdido/ nas trevas de um sonho atroz/ que a prpria morte,/ hesita antes de abrir os olhos/ pois sabe que aceitar viver/ renunciar a desesperar-se. Um currculo, assim, trabalha permanentemente na expulso da crueldade dos seus sistemas de pensamento, na tentativa de bani-la para o exterior do homem custa de tornar a crueldade seu prprio princpio de existncia.

    Posta e dita, assim, a crueldade mesmo um fardo. Talvez seja o momento de livrar-se do j dado e pensado em um currculo para liberar a potncia da crueldade em um currculo. Experimentar o convite que Artaud (1978, p. 206) props a si: assim, como uma alma marcada/ pelas almas que me levaram a vida/ eu relano para o deus que me fez/ essa alma como um incndio/ que o cure de criar. Se uma vontade compulsria por composio de formas tomou de assalto a vida do currculo, se um currculo expresso dessa vontade compulsria de formas de vida quem tem como corolrio a vontade de controle moderna, o signo da crueldade tambm no deixa de indicar que h um mundo de foras que pulsa fora de ns e que as formas de vida acabam por recusar. Ali onde se malham as foras (ARTAUD, 1993, p. 31), ali, onde a sombra do eclipse faz uma parede de ziguezagues da elevada alvenaria do cu (ARTAUD, 1993, p. 31), a crueldade permite-nos invocar uma tica da crueldade curricular na qual entram em jogo as mltiplas foras que compem uma forma de vida. Lei csmica da crueldade na qual um currculo, ao se afi rmar, afi rma tambm sua incinerao e ainda uma conscincia aplicada desse exerccio.

    Das foras de uma vida: por uma tica da crueldade curricular

    No haveria um currculo se a crueldade fosse para ns, simplesmente, uma coisa expurgvel, que ele simplesmente a afastasse ou ela se eclipsasse irremediavelmente. A crueldade atravessa o mundo de um currculo, aterroriza seu pensamento. Seja como for, fascina mesmo quando mortifi ca, provoca, mesmo quando nos assusta. A crueldade tem seu charme discreto (REY, 2002), sua doura e delicadeza, sua morbidezza (HEGEL, 2004, p. 65), sua embriaguez inebriante, at uma alegria inventiva e insacivel. O casal Currculo e Crueldade permite perceber a lgica da repetio e da multiplicidade das mquinas esterilizantes que soobram a sncope conceitual curricular, parada, paralisante, por considerar que estes so momentos decisivos, nos quais o pensamento curricular descobre tanto a sua falha como seu campo

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    de virtualidade. Trazer a crueldade cena tambm dispor um combate s fortalezas de um currculo que em nome de sua proteo das foras, o asfi xia.

    Se a crueldade refere-se ao modo como as foras tocam nas formas da vida, uma tica da crueldade curricular antes e, sobretudo, um compromisso com a vida de um currculo, com a potncia de uma vida. A crueldade em Artaud isto que exprime a lgica da vida, ou atribui a vida uma defi nio puramente lgica. Uma nova lgica que no obedece s leis da racionalidade moral, mas que se apresenta, justamente, como a lgica da tica (DUMOULI, 1996, p. 25). Uma lgica que funciona mais pelo seu grau de potncia, o poder de um currculo afetar, sua fora de contgio sobre a vida dos seres e povos que a existem, em como um currculo contagia e se deixa contagiar. Uma tica da crueldade curricular antes e, sobretudo, um compromisso com a vida de um currculo, com a potncia de uma vida. A vida potncia e o sentimento de potncia exatamente o equivalente a crueldade (NIETZSCHE, 1986, p. 84). A questo da crueldade s tem relao com a categoria da tica e, inversamente, a questo da tica nos introduz a dimenso da crueldade para engravidar de virtualidades outras a atualidade cinzenta de um currculo e das formas de vida que ele constitui, abrir paisagens onde tudo parecia sufocado demais. E, se a tica concerne textura e a qualidade de toda uma forma de vida, as exigncias ticas so tambm coextensivas ao trabalho da cultura11, em que pensa-se sempre contra a cultura, mas sempre sobre a cultura, na espera, se possvel, de uma cultura por vir (PELLEJERO, 2008, p. 2).

    Ainda que seja preciso reconhecer que, tradicionalmente, a tica tem sido discutida ora como algo que diz respeito ao bem ora como algo que compete ao direito, o que constitui um claro embate entre os arautos da virtude e da felicidade em oposio aos apologistas do direito e das obrigaes morais. A prpria determinao tica da pedagogia tem dado lugar ao juzo moral, submetendo os currculos conveno do Bem e do Mal (CORAZZA, 2002). Porm, seja de que forma for, at agora o que no se perguntou foi se pode haver algo de novo na tica? (RAJCHMAN, 1993, p. 167). Se pudermos tomar a tica como uma tipologia dos modos de existncia imanentes, [] a diferena qualitativa dos modos de existncia (DELEUZE, 2002, p. 28), estamos diante de um exerccio que nos habilita a desfrutar as foras de uma vida, a reagir a ela de maneira mais sensvel, a saborear a doura e a violncia do movimento das foras que rondam um currculo. A crueldade entra no territrio da tica, justamente para acabar com o Julgamento de Deus (ARTAUD, 1983, p. 43),

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    para no submet-la ao vampirismo moralizante do juzo teolgico do Bem contra o Mal. Pesar os nervos (ARTAUD, 2004, p. 118) e por para pensar o impondervel na vida de um currculo.

    tica da crueldade cuja traduo encontra-se no Ecce Homo de Nietzsche (2007b, p. 138): Eu prometo uma era trgica: a arte suprema do dizer Sim vida. A tragdia renascer quando a humanidade tiver atrs de si a conscincia das mais duras, porm, necessrias guerras sem sofrer com isso. Essa libertinagem de ao da crueldade denega e suspende o real para ascendermos a uma paisagem indita. Uma paisagem que sente aproximar-se a tempestade [at] desembocar na exploso brusca de uma tempestade (ARTAUD, 1964, p. 25). Uma crueldade cuja amplido sonda nossa vitalidade integral, nos coloca diante de todas as nossas possibilidades (ARTAUD, 2006, p. 94) e que implanta em um currculo um apelo contra a eternizao arbitrria de uma forma de vida. A questo, agora, est em saber se possvel conceber novos modos de ser que j no se apoiem na rigidez paralisante das formas.

    No se trata mais somente de descrever formas de vida. A questo insacivel agora talvez seja: porque essa forma de vida e no outra? Tambm pode ser: com que outras foras as formas de vida de um currculo podem entrar em relao? Que novas formas de vida podem da surgir? Uma crueldade que tambm pode funcionar a favor da virtualizao e potenciao da vida. Se tica uma relao, com a crueldade somos levados a pensar a tica de um currculo como a relao de suas formas com as foras que as tocam, como o exerccio cruel de inveno das formas de vida em um currculo levado a encontrar-se como a violncia das foras para abrirem as formas que resistem a se desprenderem de onde esto: experimentar uma convivncia catica entre o que somos e o que podemos nos tornar. Fazemos, doravante, um esforo, ainda que incerto, para compor uma tica da crueldade da curricular com Antonin Artaud.

    I. Imagem do fogo: Fazer de um currculo manifestao inesquecvel como confl ito perptuo onde a vida se dilacera a cada minuto, onde tudo na sua criao [] se ergue contra nosso estado de seres constitudos (ARTAUD, 2006, p. 105), faz arder nossa memria de humanos. A imagem do fogo passa da crtica experimentao, num movimento paralelo e simultneo, que nos leva da genealogia do currculo (TADEU; CORAZZA, 2003) destruio da sua atualidade como um sinal das possibilidades latentes onde nada se deixa prever. Um currculo que ao constituir formas de vida tambm ataca o prprio exerccio de constituio. Sua imagem de pensamento , agora, o fogo []

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    projeo perfeita e smbolo da vontade irritada/ e que se rebela imagem nica da rebelio,/ o fogo separa e se separa/ ele mesmo une e desune/o que ele queima ele mesmo (ARTAUD, 1971, p. 121). Um princpio de fecundao da vida, para o qual o exerccio de criao do fogo passa pela incinerao de si mesmo, queimar o lugar, levantar outro ideal noutro lugar, uma vontade completamente diferente (DELEUZE, 1976, p. 81). No signifi ca uma aniquilao, um vale-tudo ou abandono total de todas as vises ou mesmo das teorias de currculo. Ao contrrio, o fogo as requisita, escolhendo e acolhendo-as para queim-las, abri-las ao imprevisto, ao no pensado imposto pela violncia das prprias foras de um currculo. E ao queimar o que se encontra visivelmente petrifi cado, afeta todas as categorias do pensamento quando estas so formuladas sobre um horizonte essencialista. Contraposto ao simblico, sntese, reunio, unifi cao, negando qualquer possibilidade de repouso, de acordo ou de institucionalizao, o furor incendirio da crueldade faz de um currculo multiplicidade sem unidade, afi rmao da vida que produz a si mesma como diferena.

    II. Esttica do salto: Submeter um currculo ao movimento incessante de uma criao contnua que no admite sucesso ou fi m. Usar a si a mesmo para desestabilizar os modelos tradicionais, as marcas notveis, o tempo da ordem, da estabilidade e da preciso com os quais um currculo sempre esteve to fortemente envolvido. Currculo sem freios, nem guias, nem limites, corredor alado! No foi este, certa vez, um dos sentidos do vocbulo currculo (GOODSON, 1995; PINAR, 2004)? O territrio homogneo e fechado de um currculo cede pouco a pouco lugar a um espao incerto, na indeterminao das linhas da paisagem construda por tudo que lhe convm. Quantas paisagens no so construdas por meio de encontros com um elemento qualquer em um currculo? Quantas de nossas formas de vida, essas que ns nem sequer notamos, no encontram em um currculo algo que leva a abertura de uma paisagem indita no territrio cercado de um currculo? De uma histria imprevista? De uma experincia notvel? Um material qualquer, que s vezes nem na programao estava, mas amplia o territrio de um currculo e estabelece conexes. Um elemento, um livro ou uma letra, uma imagem ou um objeto como os quais se podem descobrir novas relaes de fora, reconstituir modos inexplorados de existncia, capazes de colocar-nos altura, de fazer-nos dignos de conceitos e valores diferentes (DELEUZE, 1998). Isso no signifi ca mudar simplesmente a forma dos currculos. Formas no podem se movimentar,

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    no mximo lhes concedido preparar o movimento (DELEUZE, 1988, p. 88). Inter, trans, por contedos, temticas, temas geradores, ciclos, as matrias tpicas de um currculo ainda permanecem imveis: a Humanidade, a Moral, O Bem, O Mal. H de se por elas em transformao para passarem de uma forma a outra, faz-las pular. Uma esttica do salto que pe os mtodos de um currculo a estranhar a si mesmo em seu prprio exerccio de existncia. Nem sequer precisamos recusar nenhuma dessas matrias, peguemo-las e as usemos contra si mesmas. Essas matrias so algo que se apresentam em um currculo para serem simplesmente usufrudas, so territrios problemticos e que se valem da crueldade para existir. Uma tica da crueldade curricular que nasce da convico de que os valores e os conceitos no so os mesmos para todos, que a dialtica do universal e do individual no ajuda ningum, e a ningum d voz. Existe algo de potente em nossos currculos, algo infi nitamente pequeno e estranho que brota ali; sem nenhuma possibilidade de totalizao, s nos cabe deix-los crescer e brotar.

    III. Pedagogia do combate: Implantar em um currculo a necessidade de agir diretamente e profundamente sobre a sensibilidade (ARTAUD, 2006, p. 109), para fazer dele algo de uma ordem que nos desperte nervos e corao (ARTAUD, 2006, p. 95). Uma pedagogia do combate que age por uma violncia s sensibilidades para tirar as formas de vida do entorpecimento inefi caz que os currculos tal como esto a colocam. Com suas fl echas envenenadas, essa pedagogia age nos levando a vagar por caminhos de um currculo, construindo rotas imprevistas, escapando a rigidez dos hbitos e da lngua das estradas curriculares. Coloca as formas de vida em ao no mundo, numa busca incessante por plasticidade para ocupar o espao de mltiplos modos e permitir que a violncia da crueldade as redirecione a outros possveis. Quando um currculo algo da arte de superfcies de inscrio da vida, o que importa a esse exerccio de tica da crueldade curricular que a sensibilidade seja colocada num estado de percepo mais aprofundada e mais apurada (ARTAUD, 2006, p. 104). Querer fazer de um currculo algo contenha para o corao esta espcie de picada concreta que comporta toda a sensao verdadeira (ARTAUD, 2006, p. 97). Uma plasticidade venenosa atravs da qual um terrorismo perverso as formas sensveis da vida, por meio de experincias particulares, experincias farmacodinmicas, ou experincias fsicas como as da vertigem (DELEUZE, 2000, p. 384), ensina a singularidade da criao, a coincidncia do prprio movimento criativo da vida com a crueldade e faz a crueldade chegar aos

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    espritos. As formas de vida de um currculo s se mantm atentas s foras que rondam os mundos de um currculo quando so mantidas sensveis a elas, quando so violentadas pelas foras no campo de batalha da cultura. Um currculo que invade o mundo dos mortos-vivos das formas, dos zombies da vida, acordando-os pelo apetite pelo no-ser, pela no-forma, pelo informe e faz a vida transitar na experincia limite entre aquilo que uma forma de vida e aquilo que ela pode tornar-se, em proveito das foras que sob ela se agitam.

    IV. Lgica do sensvel: isso no quer dizer deixar ao sabor absoluto das sensibilidades. Primeiro, porque necessrio precisar que a pedagogia dos sentidos da tica da crueldade no um gnero ou um tipo particular de pedagogia que ergue seu tipo prprio de currculo com uma tica que lhe seja correspondente. Qualquer currculo, em sua ambio por taxonomias ontolgicas, teve que apresentar uma educao dos sentidos. Certamente envolvida com a experincia promovida pelos usos dos sentidos humanos, mas, sobretudo, com as tentativas de construo de subjetividades e de polticas de conhecimento que enfatizam, utilizam e valorizam a experincia sensvel como parte constituinte. Segundo, desse modo, os sentidos tambm se educam, se forjam e se tangem, so contingenciados por regimes histricos e dinmicas culturais (GAY, 2001). As funes sociais bem conhecidas de um currculo arriscaram uma mutilao dos sentidos, seja por seu disciplinamento biopoltico como formao do homem moderno (CARUSO, 2005), seja por sua exploso/explorao espetacular empresarial no mundo contemporneo (TURCKE, 2010). Contudo, ainda que se parea tornar v toda tica da crueldade, um currculo tem tantas variaes e expresses, tantos modos de acontecer, que no se conseguir captar a crueldade do desvio, do deslizamento, do deslocamento das foras da vida, aquela violncia das mquinas produtoras de prticas de pensamento criadoras.

    Com efeito, a crueldade nos leva a pensar com os sentidos, no recear ir to longe quanto necessrio explorao de nossa sensibilidade nervosa (ARTAUD, 2006, p. 98). Essa pedagogia do combate precisa mesmo de um outro sentido intelectual determinado (ARTAUD, 2006, p. 98). Uma lgica prpria do sentido capaz de reverter a metafsica das nossas formas de vida (DELEUZE, 2000), apta a se revoltar contra o homem psicolgico e as polticas de recognio. Uma tica que pe em xeque a territorialidade metafsica e transcendental das formas vida de um currculo. As formas de vida de um currculo so invenes mundanas, no esto nem alm nem aqum do nosso

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    mundo. No caminho que leva o que existe para ser pensado, tudo parte da sensibilidade (DELEUZE, 1988, p. 239), ela a gnese do pensamento e da criao das formas de vida. No se separa [] os sentidos da inteligncia, sobretudo em que a fadiga precisa ser incessantemente renovada para reanimar nosso entendimento (ARTAUD, 2006, p. 98). Uma lgica do sensvel que pensa com o sensvel e pe o sensvel para pensar. Torcer o foco de um currculo que pe o crebro para pensar a favor de uma sensibilidade pensante. O que essa tica diz, que ele, o crebro, no a imagem rosa-carmim ou azul-marinho que nos acostumamos nas tomografi as computadorizadas, que no pertence a um homem! Ele, o crebro, est no mundo, sensibilidade do mundo! o crebro que diz Eu, mas Eu um outro (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 270).

    V. Lugar do Outro: a crueldade origina-se, exatamente, no lugar do Outro, no lugar de uma alteridade absoluta, no porque promulgue uma forma de idealismo intersubjetivo, faa valer os direitos da razo comunicacional ou do consenso dialgico. Diante da atual retrica da diversidade que invade os currculos, uma retrica que no parece ser outra coisa que uma pluralizacin de lo mismo, o una multiplicacin repetitiva del yo (SKLIAR, 2002, p. 91), a crueldade responde com uma exposio natureza chocante de uma alteridade insuportvel. Numa reao hiperblica s nossas atuais polticas de reifi cao, a crueldade devolve um Outro inalcanvel, inabordvel, que irrompe a coerncia e consenso como um bloco de foras heterogneas e acontece de todas as formas. Um Outro que chega casa curricular sem convite, estranho, exorbitante, incondicional, no representvel, escandaloso, incomensurvel, que age nas bordas dos nervos. Assusta as sensibilidades no porque sujeito ou objeto de uma nova proposta curricular com a qual no sabemos lidar, nem mesmo porque faz valer uma relao tranquila, transparente, consistente, incondicional ou emptica. Antes, um Outro que uma virtualidade de um mundo assustador, que tem uma realidade prpria em si mesmo, enquanto virtual (DELEUZE, 2000). No poderia ser um currculo um espao onde j no vale exclusivamente mais o nome que se leva, nem o lugar de onde se vem, mas a multiplicidade da existncia que pode ser composta com os nomes do mundo que se encontram em seu espao? A crueldade perturba o saber, o conhecimento, a verdade ou intencionalidade que materializam as formas de vida em um currculo para que difi ram de si mesmas. A travessia entre os territrios da vida no pode ser encerrada, mesmo em nome da paz, preciso mant-la viva, pulsante e aberta. Por mais que um currculo tente fechar formas, contedos, signifi cados, saberes

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    e verdades, identidades, sujeitos e subjetividades, a crueldade curricular nos pe em contato com o Outro como multiplicidade das almas ou dos mundos contidos em cada uma delas e as desenvolve em um sentido radical.

    VI. Economia do divino: comear a extrair uma ideia da cultura, uma idia que antes de tudo um protesto (ARTAUD, 2006, p. 107). Contra a degenerescncia da vida: ela quer saber por que a vida est doente, e o que faz apodrecer a idia de vida (ARTAUD, 2006, p. 105). Tratar a vida no somente como forma, mas e, sobretudo, como fora. Se falta enxofre a nossa vida [], porque nos apraz contemplar nossos atos e nos perder em consideraes sobre as formas sonhadas de nossos atos, em vez de sermos impulsionados por eles (ARTAUD, 2006, p. 8). Uma cultura que jamais pesa, porque no concede as formas compostas da vida, impulsiona um currculo a ceder s foras componentes. O impressionante, agora, que a vida seja de tal forma e no de outra, pois uma forma de vida no pode ser descrita nem pela biologia nem mesmo pelas condies sociais nas quais se vive. Exerccio de construir uma cultura que s pode atestar entre as coisas uma idia mgica e violentamente interessada (ARTAUD, 2006, p. 6) que deixa de representar a fora que enclausura as formas e aparece como uma aventura pelas foras, que encadeia uma sensibilidade e, logo, um pensamento com todas as violncias e crueldades necessrias para fazer das formas um trao da criao da vida. Tudo isso para a cultura se tornar em ns como um novo rgo (ARTAUD, 2006, p. 6). Espcie de infi nitas pelas tatuadas tanto pela agulha que penetra como pelo suor que escorre de sua superfcie. Faz deste lquido quente e salgado a tinta que incendeia o mundo, agitadora das sombras nas quais a vida nunca se deixou fremir (ARTAUD, 2006, p. 7). O currculo torna-se meio e produto de uma cultura baseada sobre o esprito em relao com seus rgos, e o esprito banhando todos os rgos e respondendo a si mesmo simultaneamente (ARTAUD, 1967, p. 201). A crueldade de um currculo, agora, fere o corpo, rasga o peito, rompe a naturalidade dos dias, em uma cultura da afi rmao, aberta criao do novo, onde a vida, e a aco, e a liberdade, voltem a ter mais importncia que a conservao e a reproduo do institudo (PELLEJERO, 2008, p. 9). Extrai das formas, foras que sejam estimulantes prpria vida e, pelas quais, se extraia da vida a fora da motivao que nos leva a acreditar no que nos faz viver.

    VII. Exigncia da crise: um currculo e a cultura no podem andar juntos, contrariamente ao uso que se fez universalmente deles. Um currculo torna-se

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    um ato de devorao das formas da cultura, esta a para fazer passar algo que escape os cdigos: fl uxos e linhas de fuga, linhas de descodifi cao absoluta que se opem cultura (DELEUZE; 2002, p. 36). Uma tica da crueldade curricular passa por uma exigncia da crise permanente das formas de vida da cultura, pois justo que de tempos em tempos se produzam cataclismos que nos incitem a reencontrar a vida (ARTAUD, 2006, p. 7), que nos apartem das convices e at mesmo das incertezas trazidas pela observao e reconhecimento das formas de vida. Acordar as foras que dormem em todas as formas e que no podem surgir de uma contemplao das formas, mas de uma identifi cao mgica com essas formas (ARTAUD, 2006, p.8). Em sua abertura a esse mundo pululante das singularidades annimas e nmades, impessoais e pr-individuais que a cultura enquanto bero da magia e do sonho, um currculo atualiza novas maneiras de acontecer no mundo. Seu pensamento se prope a construo de formas potentes sobre o plano de expresso da vida, mesmo que custa das maiores foras e cruis movimentos de desmontagem dos cdigos da cultura. A qualidade de um currculo se mede agora por sua capacidade de enriquecer as foras ativas dos humanos, tais como foras de recordar, de conceber, de querer (DELEUZE, 1988, p. 132), a fora de viver, a fora de falar, a fora de trabalhar (DELEUZE, 1988, p. 140). Tornar infi nitas as fronteiras do que ousamos chamar de realidade e de humanidade.

    Chegamos a um currculo com a frmula do Teatro da Crueldade: Vida-manifestao: Teatro-manifestao e Crueldade-rigor, pois intensidade, pois presena de Vida (ARTAUD, 1978, p. 279). Esta pode ser a posio tica para um currculo. Um movimento capaz de enfrentar as foras violentas da vida e desalinhar suas formas estatutrias da vida. Esta Revoluo se expande por toda a parte, uma Revoluo pela cultura e na cultura (ARTAUD, 1964, p. 278). Entregar a vida de um currculo ao seu sentido dinmico e virulento, ao charme sutil e sublime da crueldade, arte de refazer a vida. Embora venha prenha de uma ambiguidade terrvel de destruir e autodestruir, a tica da crueldade de um currculo, tanto uma vontade de forma, de adestramento, como tambm uma vontade de afi rmao, de construo, de criao e expanso da vida. O que precisamos, agora, talvez seja deslocarmos nosso foco para este outro lado da balana, para linha pela qual a crueldade torna-se mobilizao da vida. Isto , para o imperativo tico das foras que s mobilizam a vida de um currculo e as formas de vida que ele sustenta por um exerccio de crueldade. Porque a ambivalncia da crueldade em suas distintas matizes de inscrio na cultura, no

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    , para um currculo, um paradoxo que lhe d um princpio de funcionamento, sem ser ao mesmo tempo um movimento de foras que perpetua o movimento de inveno da vida.

    Notas

    1 Sem pretendermos sermos esgotantes, conferir, a ttulo de exemplo, sobre literatura e crueldade, Georges Bataille (1981); sobre cinema e crueldade, Olivier Mongin (1999); sobre a crueldade e a fotografi a, Susan Sontag (2003) e sobre mdia e a crueldade, a coletnea Esttica da crueldade organizada por ngela Dias e Paula Glenadel (2004).2 Ainda que a crueldade tenha entrado no pensamento fi losfi co desde Aristteles em tica a Nicmaco, certamente deve-se a poca moderna sua retomada. Aqui, sem pretendermos ser esgotantes, ela encontra expresso fi losfi ca nos conselhos de Maquiavel, nos ensaios de Montaigne, na fi losofi a poltica de Hobbes, no existencialismo de Schopenhauer, na crtica ao capitalismo de Marx e na sua forma mais radical na fi losofi a de Friedrich Nietzsche. Hoje, seria possvel somar a essa lista, deveras incompleta e resumida, as formulaes de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Jacques Derrida e Giorgio Agambem. Sem contar os debates teorizados em torna da Escola de Frankfurt, especialmente as teses de Hanna Arendt e Th eodor Adorno. Um mapeamento da crueldade na fi losofi a ainda estar por se fazer.3 Clement Rosset (2002) intenta propor certo nmero de princpios que regeriam uma tica da crueldade: o princpio da realidade sufi ciente e o princpio da incerteza que teriam por objeto fazer aparecer a crueldade do real. Essa noo de real , contudo, como sugerimos, muita mais problemtica em Artaud do que Rosset faz parecer.4 possvel reconhecer, mesmo que em um breve passeio, que Michel Foucault, Gilles Deleuze, Flix Guattari, Jacques Derrida foram leitores dedicados de Antonin Artaud. Para destacar apenas os ensaios mais conhecidos: Jacques Derrida (1971, 1998), em O Teatro da Crueldade e o Fechamento da Representao, A palavra Soprada e Enlouquecer o subjctil; Gilles Deleuze (2000), em Lgica do Sentido, Gilles Deleuze e Flix

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    Guattari (2004, 1997), em o Anti-dipo e Mil Plats, respectivamente. Poderia acrescentar o ensaio de Maurice Blanchot (2005), em O livro por vir, e a notvel referncia de Michel Foucault (1998) ao fi nal de As palavras e as coisas.5 possvel referir ainda que de modo bastante limitado e superfi cial as trs Cartas sobre a Crueldade inseridas em O Teatro e Seu Duplo, ao Manifesto do Teatro Alfred Jarry, a ltima das trs Cartas sobre a linguagem ou ainda a pgina capital de Acabar com as Obras-Primas.6 Este paradigma, chamado por Stuart Hall (2002) de culturalista, estaria exemplifi cado nos trabalhos de Raymond Williams, Richard Hoggart e Edward Th ompson, assumindo, certamente, heterogeneidades e sutilezas entre seus trabalhos. A prpria marca culturalista advm dos trabalhos de Richard Johnson e nunca foi usada por Williams, Hoggart ou Th ompson para designarem suas produes. Porm, mesmo permitindo aos Estudos Culturais se assentarem e oferecendo o tecido no qual as teorizaes posteriores trabalharam, a questo da cultura como modo de vida teria declinado, continua a sugerir Hall (2002), em funo de uma suposta ingenuidade diante da crtica da economia poltica de inspirao estruturalista, a ponta de permitir a formulao de cultura como prticas de signifi cao. No entanto, ainda que se possa assumir entre essas formulaes um desnvel, Hall (2002) alerta que no se pode falar na constituio de dois paradigmas do conceito de cultura reguladores dos Estudos Culturais. Este artigo acompanha a sugesto de Seigworth (2006), para quem os conceitos revigorados de experincia e empirismo apresentados por Gilles Deleuze vm potencializar tanto uma retomada das formas de vida como cultura quanto se soma as prticas de signifi cao sem que precise constituir um novo conceito ou paradigma.7 Os Estudos Culturais surgem na dcada de 1960 como prtica institucionalizada a partir de pesquisas do Center for Contemporary Cultural Studies sediado na Escola de Birmingham, na Inglaterra. Sua realizao mais importante talvez seja a de celebrar o fi m de um elitismo edifi cado sobre as distines arbitrrias da cultura. Para uma introduo, consultar Matterlat e Nevau (2004).

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    8 Para uma ampla caracterizao desse movimento, ver Jameson (1996), Hall (1997) e Canclini (1998). Para a centralidade dessa discusso no campo da educao e do currculo, destacamos os trabalhos de Veiga-Neto (2003), Paraso (2004); Macedo (2006a; 2006b) e Silva (2006). 9 A discusso sobre cultura pode ser tomado, hoje, como a principal tendncia do campo curricular (LOPES; MACEDO, 2002, 2006). Contudo, o conceito de cultura no trazido ao campo pelos Estudos Culturais, embora eles faam uma profunda reviravolta na discusso vigente. As teorizaes tradicionais e crticas, a partir da Sociologia do Currculo Americana e da Nova Sociologia da Educao j tinham posto o par currculo e cultura em discusso no campo curricular (MOREIRA, 2002). As interfaces entre cultura e currculo se tornam, ento, progressivamente preocupaes centrais dos trabalhos de autores como Henry Giroux e Peter McLaren, por exemplo, e no Brasil, dos trabalhos de Antonio Flavio Moreira e Tomaz Tadeu da Silva. Moreira e Silva (2008) chegaram a destacar como tema central da anlise crtica e sociolgica de currculo a ideologia, a cultura e o poder. Somam-se, aqui, ainda as linhas do multiculturalismo de infl uncia norte-americana nos trabalhos do prprio Antonio Flvio Moreira e de Ana Canen. No entanto, Silva (2006) destacou que as teorizaes crtica do campo curricular tm operado com um conceito fundamentalmente esttico e essencialista de cultura e Macedo (2006b) alertou para o fato de que o conceito de cultura continua a soar, em sua maioria, como um conjunto de repertrios dados em um campo social.9 Gilles Deleuze (1976), largamente inspirado na obra de Friedrich Nietzsche, estabelece uma tipologia das foras, distinguindo entre foras reativas e foras ativas. As primeiras exercem-se assegurando os mecanismos e as fi nalidades, preenchendo as condies de vida e as funes, as tarefas de conservao, de adaptao e utilidade. As segundas no concedem utilidade e conversao, exerce-se se apoderando, impondo-se, criando formas, explorando circunstncias, so as foras plsticas da metamorfose.10 O prprio exerccio do Teatro da Crueldade, como ressaltado por Artaud nas trs cartas sobre a crueldade inseridas na sua mais conhecida obra O Teatro e seu duplo, um exerccio que se faz na e pela cultura. Dela se

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    Currculo, cultura e crueldade: para compor uma tica com Antonin Artaud e o teatro

    extrai os elementos para compor uma cena contra a cultura, como se o teatro substitusse a histria da cultura por um teatro da cultura exposta aos seus prprios fantasmas. 11 Estamos nos referindo tanto aqueles que aprendemos a chamar de olfato, viso, paladar, audio e tato e a identifi car seu adestramento, como ao prprio processo civilizatrio racional moderno, regulado ou planejado das sensaes dos quais as escolas e os currculos foram dispositivos privilegiados de sua execuo.

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    Currculo, cultura e crueldade: para compor uma tica com Antonin Artaud e o teatro

    Curriculum, Culture And Cruelty: For A Composition Of Ethic With Antonin Artaud And The Theatre

    Abstract

    Th is article seeks in the lines of force of Antonin Artaud's Th eatre of Cruelty and in the Philosophy of Diff erence of Gilles Deleuze elements to compose an ethics of cruelty curriculum. So, this text develops the argument that the cruelty of life forms and cruel forces of life allow to feed the requirement of an ethics of the curriculum cruelty. Th us, it present the ethical and the cultural dimensions of the cruelty from the double forms/forces put into play in the Th eatre of Cruelty. It extracts, thus, an ethics of the cruelty curriculum that works from two movements: to give account of self-engendering of life forms in a curriculum and to think the fruitful movements that enable the ongoing invention of ways of living.Keywords: Th eories of curriculum. Cultural content of the curriculum. Philosophy of Education.

    Curriculo, cultura e crueldad: por una composicion de tica con Antonin Artaud y el teatro

    Resumen

    Las referencias en este artculo se realizan a partir del Teatro de la Crueldad de Antonin Artaud y de la fi losofa de la diferencia de Gilles Deleuze para componer una tica de la crueldad curricular. Argumentamos que la crueldad de las formas de vida y las fuerzas crueles de la vida permiten alimentar la necesidad de una tica de la crueldad curricular. Se propone, entonces, para explorar las dimensiones ticas y culturales de la crueldad como punto de partida la dupla forma/fuerzas puesto en juego en el Teatro de la Crueldad. As, extrae una tica de la crueldad curricular que funciona a partir de dos movimientos: dar cuenta del auto-engendramiento de las formas de vida en un currculo y en los movimientos fructferos que permiten a la invencin constante de formas de vida.Palabras claves: Teoras del currculo. Contenidos culturales del currculo. Filosofa de la Educacin.

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    PERSPECTIVA, Florianpolis, v. 31, n. 2, 615-644, maio/ago. 2013 http://www.perspectiva.ufsc.br

    Th iago Ranniery Moreira de Oliveira e Marlucy Alves Paraso

    Th iago Ranniery Moreira de OliveiraE-mail: [email protected]

    Marlucy Alves ParasoE-mail: [email protected]

    Recebido em: 12/4/2013Verso fi nal recebida em: 28/5/2013

    Aprovado em: 30/5/2013