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DIREITO CONSTITUCIONAL AULAS DO PROF. DANIEL SARMENTO 2002 1

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DIREITO CONSTITUCIONAL

AULAS DO PROF. DANIEL SARMENTO

2002

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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL

PROF. DANIEL SARMENTO

CONTEÚDO:

8 AULAS - TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

8 AULAS - DIREITOS FUNDAMENTAIS

8 AULAS - ORGANIZAÇÃO DO ESTADO

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

- Alexandre de Moraes - devido às jurisprudências

- Paulo Bonavides - a parte dogmática

- Canotilho - para estudos mais profundos

- Leitura periódica dos informativos do STF

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1ª AULA

18/03/2002

TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA CONSTITUIÇÃO

Bibliografia especifica:

Nilson Saldanha - Formação da Teoria Constitucional

Charles Mc'Luvain - Constitucionalismo antigo e moderno (em espanhol)

A palavra constituição vem do grego politéia e era empregada na Grécia Antiga por filósofos como Aristóteles. Mas naquela época, o termo “constituição” era utilizado num sentido absolutamente distinto do atualmente compreendido.

Naquela época, o termo “constituição” era empregado muito mais de modo descritivo, para descrever a estrutura de um determinado Estado, o modo como determinado Estado funcionava. Ou seja, a idéia de Constituição não era a de um estatuto jurídico limitador do exercício do Poder, de uma norma jurídica que garantisse direitos fundamentais.

O conceito jurídico de constituição começou a ser delineado através dos documentos constitucionais ingleses, no qual o primeiro exemplo é a Magna Carta de 1215. E esta, ao contrário do que muitos dizem, não foi uma constituição, e sim, foi elaborada no seguinte contexto: havia o João sem terra, que era o rei inglês e que sofria muita resistência por parte da nobreza e como ele estava precisando do apoio desta nobreza para se engajar numa guerra, ele fez um pacto com esta nobreza, que tinha uma natureza sobretudo estamental, ou seja, vinculava o Estado ao respeito a certas franquias outorgadas em

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benefício da nobreza. Ex.: Na Magna Carta o rei se comprometia a não criar tributos sem antes ouvir a nobreza. E em contraprestação, esses nobres reconheciam a soberania do rei e se sujeitavam numa relação de vassalagem ao império deste rei. Nesta época, ainda não havia a idéia, que é de origem iluminista, acerca da constituição como norma para todos, de constituição limitando o Estado em benefício de todos. Porém, na própria evolução do direito constitucional inglês, a Magna Carta, sobretudo após a Revolução Gloriosa do sec. XVII, começou a ser interpretada não como uma franquia apenas para os nobres, mas começou a ser interpretada de modo mais amplo.

No século XVII, vários outros documentos constitucionais foram elaborados na Inglaterra, como o Bill of Rigths. Esses documentos, não apenas em favor de um estamento (de uma classe), foram elaborados em benefício de todos os ingleses. Porém, a idéia de constituição na Inglaterra tinha um conceito bastante diferente daquele que vem a se plasmar a partir do advento do Iluminismo. Isto porque na Inglaterra, em razão da sua tradição de comon law se entendia que a constituição não criava coisa alguma, mas apenas declarava, reconhecia certas instituições, certas liberdades preexistentes.

O marco inicial do constitucionalismo coincide com o das revoluções burguesas do século XVIII, notadamente a Revolução Francesa e a Revolução norte-americana, que resultou da independência das 13 colônias.

A constituição é a projeção no plano jurídico do movimento filosófico muito mais amplo, que é o Iluminismo. Este tinha a pretensão de libertar o homem da tradição, do irracional e de fundar na razão a ciência, a disciplina do Estado. E teve uma importante projeção jurídica que foi o Constitucionalismo. A característica fundamental do Iluminismo era o fato de ser uma filosofia essencialmente antropocêntrica, uma filosofia que colocava o homem como o centro das preocupações, ou seja, todas as instituições deveriam gravitar não mais em torno de Deus, em torno do príncipe, do Estado, mas em torno do homem. Então, o fundamental do cenário jurídico era proteger este homem. Daí criou-se a constituição como norma limitadora dos poderes do Estado, norma que garantia direitos, de modo a vincular este próprio Estado.

Até então, as normas jurídicas existentes, vigoravam no domínio das relações privadas. O estado de direito nasce com o constitucionalismo e com a idéia de que o Poder Público está sujeito ao direito. O direito não é apenas uma imposição do Estado para regular a vida das pessoas, o direito, na verdade, é um limite para o próprio Estado, condicionando a atividade estatal.

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E como vai se formar o constitucionalismo num primeiro momento? R: num primeiro momento não havia Estado, havia o feudalismo, depois com a formação do Estado nasceu o Absolutismo. Neste último, havia uma verdadeira confusão entre o Estado e o monarca (como dizia Luiz XIV “o Estado sou eu”), ou seja, o Poder Público, encarnado na figura do monarca não tinha limites, visto que se considerava que a sua autoridade decorria da vontade divina. E isto era uma fonte permanente de opressão para o indivíduo. Então para garantir o indivíduo, a mais importante medida era limitar o Estado, era estruturar de forma que essa opressão, que esse arbítrio fosse contido. Toda engenharia institucional do Estado Moderno parte desta premissa: Montesquieu dizia que era necessário a separação de poderes para que o Poder freie o Poder, caso contrário o Poder, de forma tendenciosa, iria oprimir o cidadão. O fundamento filosófico para criação do Federalismo pelos americanos, era que se o exercício do Poder estivesse mais próximo do cidadão, estes teriam como melhor controlá-lo, quanto mais próximo se está de quem se sujeita a sua autoridade, mais o Poder Público vai ser permeando pela vontade do povo. Então, todos estes institutos que até hoje subsistem e que dão a estrutura do Estado Moderno, nasceram teleologicamente orientados para promoção da liberdade humana. Nesta fase, o constitucionalismo, chamado de constitucionalismo liberal (1ª fase do constitucionalismo), se preocupava com duas coisas: de estabelecer a estrutura básica do Estado, e de garantir liberdades públicas. Essas liberdades eram direitos negativos, eram direitos titularizados pelo homem em face do Estado, cuja prestação se traduzia basicamente numa abstenção do Poder Público, eles existiam para proteger o campo da autonomia privada de ingerências externas indevidas das autoridades estatais. Daí fala-se em liberdade de religião, liberdade de imprensa, liberdade de ir e vir, liberdade profissional, etc. A crença que existia nesta época era de que o Estado não deveria interferir no âmbito das relações sociais, como dizia Adam Smith se confiava na “mão invisível do mercado” para equacionar todas as questões, todos os problemas que emergissem do cenário econômico e do cenário social. Então, o Estado era ausente e mínimo. Este constitucionalismo liberal ensejou o advento do que a doutrina chama de Constituição Garantia, ou seja, uma constituição que não continha um projeto de alteração do status quo, ela garantia os direitos dos indivíduos estabelecendo barreiras limitativas do Estado e estruturando esse Estado, de modo que o mesmo agisse com neutralidade em relação aos conflitos distributivos que se travava no meio social.

Esse constitucionalismo liberal, então, começa a perder o fôlego no início do nosso século por uma série de razões: foi sobre o plasmo deste

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constitucionalismo liberal que pôde se desenvolver o capitalismo. Sem as garantias das liberdades, ou seja, sem a limitação ao arbítrio do Estado não existiria segurança jurídica necessária para que as instituições do capitalismo tivessem como ensejar. Porém, esse capitalismo se desenvolveu e chegou ao paroxismo do capitalismo selvagem de exploração do homem pelo homem, que assumia feições verdadeiramente brutais com a Revolução Industrial. Então, o cenário com o qual se deparava no final do século XIX nos países mais avançados da Europa era o de pessoas trabalhando 18 horas e às vezes para receber um salário que mal dava para prover a sua própria subsistência, era o de crianças submetidas a condições absolutamente degradantes, em suma, a contenção do Poder do Estado e a garantia de liberdades públicas não estava se revelando suficiente para tutela e promoção dos valores humanistas que lastrearam o advento do constitucionalismo. Então, a partir de perspectivas filosóficas, políticas muito diferentes começaram a se esboçar críticas à esse constitucionalismo liberal. Karl Marx, por ex. numa obra clássica chamada “Questão Judaica” dizia que aquelas liberdades garantidas pelas constituições na linha da Revolução Francesa não era outra coisa senão um artifício que a burguesia utiliza para ocultar relações de dominação econômica sobre o proletariado. A doutrina social da Igreja Católica, que se expressou através de encíclicas como a Rerum Novarum, também apontavam para os extremos a que esse capitalismo gerava, também apontavam num sentido da necessidade da expansão das tarefas do Estado.

O fato é que nos países hegemônicos onde o constitucionalismo se desenvolvia, e que não seguiram a tradição européia e americana, adotaram um outro tipo de constitucionalismo, que é chamado de constitucionalismo social (2ª fase do constitucionalismo), que tem como marcos iniciais a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição alemão de Waimar de 1919. O que caracterizava, essencialmente esse novo constitucionalismo é o fato de que as tarefas do Estado e as tarefas da constituição se ampliaram de modo extremamente marcante: as constituições que antes se ocupavam apenas com a estrutura básica do Estado e com a garantia de liberdades públicas, passaram também a impor deveres de ação ao Poder Público, criando direitos sociais e normas programáticas, etc. Então, a tarefa do Estado deixa de ser apenas a de proteger as liberdades, mas também passou a reclamar uma intervenção positiva do Estado no cenário econômico e social no sentido da promoção de certos valores e de certas finalidades. Então, nesta fase surgiram os direitos econômicos e sociais, chamados de direitos fundamentais de 2ª geração, e que tem como característica o fato de que demandam uma ação comissiva do

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Estado, protegendo não o indivíduo do arbítrio estatal, mas o homem da exploração pelo seu próprio semelhante.

Com o advento do constitucionalismo social, as constituições que antes cuidavam apenas da relação entre cidadão e Estado, vão começar a se dedicar a inúmeros outros assuntos, então, a constituição deixou de ser uma norma regendo apenas o funcionalmente do Estado e as relações entre o Estado e o cidadão, e se converte também para o epicentro regulatório de todo o direito. Então, as tarefas da constituição vão se expandindo, protegendo não apenas o status quo, mas também estabelecendo metas, objetivos, valores, .. a serem perseguidos de modo vinculante para o legislador. Daí, surge, então, as chamadas constituições dirigentes, constituições que buscavam imprimir um determinado rumo à nação, estabelecendo objetivos, metas, criando programas de ação e, essas constituições exigiam uma intervenção muito maior do Estado.

A partir do final do século XX se assiste a um movimento de refluxo, uma crise da constituição dirigente, uma crise do Estado do bem estar social. Isto porque o próprio constitucionalismo, atravessa um momento muito difícil em razão da globalização. E isso se dá porque a idéia de constituição se fundava na soberania do Estado, ou seja, a constituição como norma superior a todas as outras condicionando a vida dos atores públicos e privados dentro de um determinado espaço territorial, pressupõe que o Estado seja soberano e, se existirem instâncias supra-nacionais cuja força se afigure mais marcante do que a do Estado é difícil se afirmar a soberania deste Estado e de sua constituição.

A globalização vai paulatinamente atingindo o conceito de soberania plena, absoluta do Estado, visto que os elementos que vão pautar a vida econômica e social de um determinado país são, na maioria dos casos, vem de fora e, o Estado, frequentemente é impotente para controlar esses elementos. Ex.: se houver uma crise na bolsa da Rússia os recursos vão sair daqui.

A emergência de instâncias supra-estatais dividem esse poder soberano do Estado. E um grande ex. é a União Européia, onde o Tribunal de Justiça já afirmou que as normas da União Européia estão acima das constituições dos Estados. E esse é um tema muito polêmico na Europa porque uma grande parte da doutrina aceita isso. A constituição de países como Portugal, Espanha, França, Alemanha e Itália tem cláusulas transferindo parte da sua soberania para essas comunidades. A Corte Constitucional alemão, por ex., em dois acórdãos famosos (Solange I e Solange II/ so long es I e so long es II), decidiu-se que ela não iria interferir nas questões da Comunidade Européia e as suas normas

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valeriam imediatamente, independentemente da soberania dos Estados, enquanto essas decisões (so long es) se pautarem ao respeito aos direitos fundamentais. Então, a emergência de instâncias supra-nacionais disputando a soberania com o Estado, a globalização econômica que corrói, do ponto de vista pragmático a idéia de soberania, enfraquecem o constitucionalismo. Por outro lado, o conceito de constituição dirigente que traçava rumos, hoje é visto por muitos como uma espécie de totalitarismo constitucional, como uma geração querendo estabelecer os caminhos que todas as gerações futuras irão de trilhar, daí, fala-se hoje, em constitucionalismo pós-moderno, em constituição aberta, constituição procedimental, que são idéias novas que estão mexendo profundamente com os pilares e os alicerces do direito constitucional. E apesar dos manuais de direito constitucional brasileiro ainda não refletirem essa mudança de paradigma, se nós formos estudar o direito constitucional à luz do que ocorre no mundo, é muito complicado continuar aferrado aos dogmas do constitucionalismo, que muitas vezes não se prestam mais para explicar a realidade altamente complexa que nos cerca. Então, nós vivemos numa crise de paradigma, e o mais complexo é que o constitucionalismo sempre desempenhou uma função absolutamente vital e não há ainda o que se colocar no lugar do constitucionalismo. Desde dezembro de 1998 o Brasil reconhece a jurisdição da Corte interamericana de direitos humanos (Pacto de São José da Costa Rica), mas essas cortes ainda não tem força para substituir o Estado na proteção do mais fraco em face do mais forte.

Com todas essas incertezas, isso não significa que seja menos importante estudar o direito constitucional, muito pelo contrário. Existem duas tendências que se manifestam diante da novidade: há aqueles que negam qualquer tipo de novidade e há aqueles que entendem que tudo mudou e nada mais se aplica. Mas o professor diz que muitas coisas mudaram, mas os conceitos originários do constitucionalismo tem de ser estudados, mesmo porque a função deles e a origem filosófica do constitucionalismo estão cada vez mais presentes e são cada vez mais necessários na sociedade contemporânea. O constitucionalismo é um humanismo jurídico, é a proteção do homem e ele se funda num valor nuclear que é aquele que permeia toda a ordem jurídica e do qual nós nunca devemos nos esquecer, é a idéia de dignidade da pessoa humana. O fim permanente é a tutela da dignidade do homem, já o Estado e a constituição são meio.

Conceitos de constituição:

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1- Conceito jurídico-positivo: É aquele que ainda está presente no senso comum dos operadores do direito. Os dois maiores positivistas do século foram Kelsen e Herbert Hard. Este foi um jus filósofo inglês, ainda vivo. A característica fundamental do pensamento positivista é a separação do mundo do ser em relação ao mundo do dever-ser. Os positivistas tentavam isolar o fenômeno jurídico o extremando do campo da ética, do campo da moral e do campo da sociologia. Para o jurista o que importa é o direito positivo. A ética, os valores e o que a constituição deve ser é preocupação dos filósofos e não deve ser objeto de preocupação dos juristas. E como é que o positivista explica a constituição ? Kelsen formulou, com base na teoria de Paul Laban e do francês chamado Carred, o ordenamento jurídico estruturado na figura da pirâmide, onde em seus patamares inferiores estariam as normas de hierarquia inferior (atos administrativos, decisões judiciais, o contrato, ...) e na medida em que se vai subindo estão as normas mais elevadas. E cada patamar teria como fundamento uma norma situada no patamar imediatamente superior. E no ápice da pirâmide está a CRFB/88. Acima desta existiria apenas uma norma hipotética, chamada por Kelsen de ground norm, que mais ou menos diria: “cumpra-se esta constituição”, ou seja, seria uma norma inexistente, que é uma espécie de pressuposto lógico da constituição. A constituição teria como característica o fato de que estabelece o modo pelo qual as outras normas são produzidas e o limite para a produção dessas outras normas. A constituição é a norma de reconhecimento que nos permite apontar o que pretende e o que não pertence ao ordenamento jurídico. O Herbert Hard dá um ex. do policial que pára uma pessoa e exige que esta lhe mostre a carteira com os documentos, e do bandido que pára a pessoa e diz a mesma coisa. Aí ele indaga: qual a diferença entre o ato dessas duas pessoas? R: O ato do policial tem como ser reconduzido até a constituição, pois tem como fundamento de validade uma lei, que tem como fundamento de validade uma outra norma, até se chegar a constituição. Já o ato do bandido não pode ser reconduzido até a constituição, portanto ele não pertence a ordem jurídica, não trata-se de um ato jurídico valido. O fundamento direto ou indireto de qualquer ato público ou privado inserido no direito deve ser a constituição. Essa é a função da constituição. Mas o que a constituição deve conter, o que ela deve ser? R: os positivistas dizem que isso não é problema deles, e sim , do constituinte. O conteúdo das constituições é obra do constituinte, o jurista deve estudar cada constituição, mas não deve dizer o que a constituição deve ser. Daí está bem nítida a separação por ele feita entre o mundo do ser e o mundo do dever-ser, entre valor e direito. Mas este pensamento conduz ao absurdo, e isso ficou muito patente na crise da constituição de Waimar que levou ao nazismo. A constituição de Waimar de 1919

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não continha nenhuma cláusula pétrea. Hitler tinha a maioria no parlamento alemão, então, foram feitas mudanças na constituição de Waimar que retiraram a cidadania dos judeus, deram plenos poderes a Hitler e isso foi o início do holocausto. E o mais dramático é que isso for analisado sobre a perspectiva exclusivamente jurídica, o holocausto foi constitucional. E essa, inclusive, era a defesa dos criminosos de guerra nazistas do Tribunal de Norenberg. Então, a partir daí começou-se a questionar essa idéia como “casca vazia” onde se coloca o que quiser. Por isso começou-se a questionar se não seria necessário se dizer o que a constituição deve ser, qual o papel que a constituição deve desempenhar. Existe um artigo do Kelsen que se chama “O que é constituição” onde ele diz que a constituição do nazismo é tanto constituição quanto a constituição norte-americana, que é um ex. de constituição que se preocupa com a proteção das liberdades. Essa visão jurídico-positiva restritiva ficou muito desacreditada em razão da crise do positivismo engendrada pelo nacional-socialismo. Porém, é muito importante entender a função que a constituição desempenha como fonte e fundamento de validade de todas as outras normas. Então, o conceito de constituição jurídico-positiva é o de norma que é o fundamento de validade de todas as outras normas, mas o que esta norma contém está completamente fora deste conceito.

2 - Conceito sociológico: Aqui destaca-se o autor alemão Ferdinand Lassale, que escreveu a conferencia chamada “A essência da Constituição”, também publicada em língua portuguesa. Esta obra foi escrita em meados do século passado e para ser possível entendê-la faz necessário se situar politicamente o seu autor: Lassale inicial era marxista, depois brigou com Karl Marx e se tornou socialista. Então, a sua visão está impregnada pelos conceitos marxistas de infra-estrutrutura e super-estrutura: para Karl Marx, as relações econômicas configuram a estrutura e tudo mais como a cultura, manifestações literárias, direito. É super-estrutura que está numa relação causal absolutamente condicionada pela infra-estrutura. Essa tese mais tarde foi criticada até por autores marxistas como Grant. Então, para o marxismo o direito estaria completamente vinculado a infra-estrutura. O direito seria um “verniz” que recobre as relações econômicas para lhe dar uma certa aparência de legitimidade. E foi por isso que Karl Marx sustentava a tese absolutamente irreal que no momento que o comunismo fosse implantado e terminassem as diferenças de classes não existiria mais direito. Lassale expôs o seu conceito dizendo que constituição são os fatores reais de poder existentes em uma

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determinada sociedade. Para ele constituição seria folhas de papel que não tem nenhum significado se não corresponder minimamente as condições efetivas de poder existentes dentro de uma determinada sociedade. Ou seja, a perspectiva sociológica na qual Lassale baseia a sua teoria da constituição é absolutamente nilísta em relação ao potencial transformador da lei. Ele diz que a constituição é representada pelos fatores reais de poder situando-se no mundo do ser e não no mundo do dever-ser e a norma de nada vale. A norma só tem significado se refletir essas relações de poder. Ex.: suponha que a constituição do Chile na época do governo Pinochet garantisse a liberdade de expressão, o pluralismo democrático. Para Lassale constituição está no mundo dos fatos e não no mundo da norma, então só se pode pensar como o ditador, que admitia a tortura. Do mesma forma que Kelsen tinha uma visão limitadora do fenômeno constitucional, Lassale também tem uma visão que peca pela unilateralidade, e esse entendimento é perigoso porque se a constituição de nada vale, então porque não ficar no mundo do anarquismo? Na verdade, as constituições possuem uma força normativa e certas virtudes transformadoras que não se pode negar. Mas a visão do Lassale foi importante porque ela incorporou no objeto das preocupações do direito constitucional um mundo fático, a realidade politíco-empírica sobre a qual a normativa constitucional se projeta, fugindo-se do discurso vazio do positivismo, onde o que é relevante é apenas a norma.

3 - Conceito ideal: aqui dá-se importância ao valor. Este conceito permeava o constitucionalismo na sua origem. Foram certas aspirações humanitárias e filosóficas que ensejaram o advento do constitucionalismo. A declaração dos direitos do homem de 1789, no seu artigo 17 diz que há constituições nos países onde os poderes não forem separados e onde não houver garantia dos direitos fundamentais. Esse é um conceito ideal de constituição porque diz o que a constituição deve ser, qual a feição que o ordenamento jurídico de um Estado deve ter para que ele possa ser considerado um Estado constitucional. Portanto, no conceito ideal está clara a idéia de limitação do Poder em benefício do cidadão, de garantia de direitos do cidadão, de domesticação do Poder político e do Poder econômico em benefício de valores superiores. Hoje, constituição ideal não é mais o que era no século XIX, mas existem algumas idéias que são denominadores comuns e que praticamente não se alteram, que são as da limitação do Poder e da proteção dos direitos do homem. No sentido sociológico pode-se dizer que todo país tem uma constituição, pois não há país onde a sociedade e o Estado não tenha uma configuração própria. Mas num sentido

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jurídico-positivo nem todo país tem uma constituição. E no sentido ideal tampouco, visto que no sentido ideal só tem constituições aqueles países que se alinharem com essa filosofia humanitária que é o esteio do constitucionalismo. Então, numa perspectiva ideal, pode-se dizer que os países mulçumanos como Arábia Saudita e Somália não tem constituição, ainda que eventualmente haja um texto escrito chamado de constituição. Ter constituição na perspectiva ideal seria a adoção de um regime que se caracterizasse pelo respeito às liberdades públicas, que contivesse o poder, o que não ocorre hoje em todos os Estados da humanidade.

4 - Conceito político: aqui destaca-se o autor alemão Carl Smith (foi nazista). Este fazia distinção entre constituição e lei constituição, e é exatamente essa distinção que está na base de um conceito que em quase todos os manuais existem, que é o de norma materialmente constitucional e norma formalmente constitucional. Carl Smith dizia que constituição são as decisões políticas fundamentais do Estado e lei constitucional é aquilo que o Poder Constituinte põe dentro de uma carta. Pode-se ter constituição fora da lei constitucional e pode-se ter na lei constitucional o que não é norma constitucional. Constituição de um país é a forma do Estado, é o modo como os direitos fundamentais são tratados, é saber se é Monarquia ou República, Federalismo ou Estado unitário, se há ou não liberdade de imprensa, se há ou não liberdade de religião, se o regime econômico é capitalista ou socialista, etc. A nossa CRFB/88 contém, por ex., norma que estabelece que o Colégio Pedro II pertence a esfera federal. Esta é uma norma que não tem natureza constitucional, ela é lei constitucional, mas não é constituição. Mas pode ser que uma decisão política fundamental não esteja consagrada explicitamente no texto da constituição. Ex.: não há nada na constituição americana que fale em capitalismo, no entanto, não há que se duvidar que um dos pilares sobre os quais se alicerça a ordem jurídica americana é a opção pelo capitalismo. Essa distinção feita pelo Carl Smith é que deu azo àqueles conceitos de norma materialmente constitucional e norma formalmente constitucional. Aquelas, eventualmente poderão não estar no texto da constituição. O professor Luís Alberto Barroso, por ex., sustenta que algumas normas da LICC tem natureza de normas materialmente constitucionais e não estão na constituição. E tem-se na constituição preceitos que não veiculam matéria eminentemente constitucional, são preceitos que expressam decisões de caráter conjuntural, decisões sobre temas que refogem ao objeto precípuo do direito constitucional. Essa distinção ainda hoje feita, sob a perspectiva

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puramente jurídica, não tem mais grande relevância porque se considera que qualquer norma que figura no corpo da constituição tem status constitucional e por isso é superior às outras normas e é parâmetro do controle de constitucionalidade das leis. Por outro lado, essa distinção ficou um tanto mais difícil com o advento do constitucionalismo social. E isto se dá porque na fase do constitucionalismo liberal era fácil se indicar qual era o papel da constituição, ou seja, esta deveria cuidar da estrutura básica do Estado e estabelecer os direitos fundamentais. Hoje já é mais difícil dizer do que a constituição deve tratar, pois não existe um critério a ser seguido, tudo depende de uma série de fatores, isso depende do que em uma determinada sociedade é considerado mais ou menos relevante. Mas ainda é importante ter presente este discriminem para evitar a trivialização da constituição, que é transformar a constituição por razões às vezes conjunturais e corporativas num verdadeiro “saco de gatos”, porque quando se banaliza a constituição se elevando à dignidade constitucional, cláusulas que não deveriam haurir esse status, nós contribuímos para a dissolução do sentimento constitucional. Se “tudo” for inserido na Constituição vai ser muito mais freqüente a necessidade de mudança constitucional. A estabilidade da ordem constitucional é absolutamente indispensável para o florescimento desse sentimento constitucional. Mas do ponto de vista apenas formal, o fato da norma se materialmente ou formalmente constitucional é irrelevante, visto que qualquer dispositivo inserido na constituição é parâmetro para controle da constitucionalidade. Não era assim em nossa 1ª constituição (1824), que no seu artigo 178 dizia que as normas relativas a estrutura do Estado e ao direito só poderiam ser modificadas por um processo especial e as outras poderiam ser modificadas pelo procedimento comum (constituição semi-rígida).

5 - Conceito concretista: Este conceito é aderido por quase todos os autores brasileiros. Os fundamentos deste conceito são encontrados, sobretudo, na obra de autores alemães das décadas de 60 e 70 e, em língua portuguesa destaca-se, principalmente, a obra do autor português Canotilho. Segundo este conceito concretista parte-se da premissa que a constituição não é só norma, ao contrário do que dizem os positivistas, constituição não é só fato, ao contrário do que defendia a concepção sociológica, e não é só valor. Na verdade, a constituição resulta da síntese dialética desses 3 elementos que interagem, que retroagem uns sobre os outros. Ex.: a constituição americana tem a 14ª emenda que prevê o equivalente ao nosso princípio da isonomia, que foi aprovado logo após a guerra da recessão. Desta época até 1954 considerou-

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se compatível com essa emenda o regime de segregação racial. A partir da década de 50 a Suprema Corte Americana começou a considerar inconstitucional essa segregação e nas décadas de 60 e 70 impôs políticas de desagregação. O texto da constituição não modificou, o que modificou foram a sociedade, os valores, os costumes, que refletiram sobre a compreensão da constituição. Então, fato, norma e valor estão numa relação dialética. E a norma muitas vezes repercute sobre o mundo dos fatos. Hoje fala-se em força normativa da constituição, que é a possibilidade que tem a constituição de efetivamente conformar a realidade, a política econômica de um Estado. A constituição não pode ser considerada como um mero reflexo da realidade existente, porque se assim fosse ela poderia ser descartada com uma completa inutilidade. Ela existe para transformar, ela contém virtualidades emancipatórias, ela quer mudar, e nisso ela tem força normativa, que será maior ou menor dependendo do Estado. Mas nós não podemos analisar nenhuma dessas dimensões do fenômeno constitucional de modo isolado. Portanto, constituição é fato, norma e valor. Então, tanto a perspectiva positivista, como a perspectiva puramente sociológica, como a perspectiva idealista pecam pelo erro. Não se pode falar que constituição é só valor, na verdade, cada um tem o seu valor (um juiz acha uma coisa e outro juiz acha outra coisa). Então, onde fica a segurança jurídica que decorre da adesão à norma posta? Esta não é uma “casca vazia”. Ela tem que ser interpretada à luz de certos valores e nós não podemos esquecer que ela se projeta sobre uma determinada sociedade. E os dados que emergem dessa sociedade necessariamente são condicionamento na interpretação da constituição. Então, a característica básica da teoria concretista é a de não isolar o fenômeno constitucional numa de suas dimensões. E de se preocupar com norma e valor. E daí surge a idéia da força normativa da constituição, ou seja, para que ela possa, de fato, condicionar e alterar as relações de poder existentes em uma determinada sociedade é preciso, em 1º lugar, que ela não peque pela ambição excessiva. O fato da constituição poder muito não significa que ela pode tudo. Ex.: se for inserido no texto constitucional que fica extinta a pobreza, isso não significa que a pobreza ficará extinta. Na verdade, o que vai acontecer é que os destinatários da constituição vão paulatinamente deixando de vislumbra-la como efetiva norma jurídica e vão passando a considerá-la como um repositório de utopias desprovidas de qualquer significado prático. Para que a constituição tenha força normativa ela tem que estar imbuída de uma pretensão de mudança, mas ela tem que se conter os limites das possibilidades existentes em determinada sociedade. Uma das grandes razões da frustação constitucional brasileira, é o fato de que o nosso constituinte foi excessivamente ambicioso. Ex.: falar que o salário mínimo tem que prover a saúde, a alimentação, ... Na

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verdade, o salário mínimo deveria ser pelo menos R$ 1.000,00. E não haverão condições financeiras para pagar esse salário mínimo.

CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES:

Constituição rígida: Este conceito foi criado por um autor inglês chamado James Brice. Esta é aquela que demanda, para alteração de seus dispositivos, um procedimento mais complexo do que aquele necessário para elaboração da legislação infraconstitucional. A nossa CRFB/88 é rígida porque qualquer dispositivo nela inserido, para alteração, é necessário a aprovação das 2 casas do CN num quórum de 3/5, já para a aprovação de uma lei ordinária basta a maioria simples. Trata-se de um conceito muito importante porque do ponto de vista formal, a rigidez é pressuposto inafastável da supremacia. Só é possível se falar em constituição juridicamente superior as leis se a constituição for rígida. E isto se dá porque se o processo necessário a alteração da constituição é o mesmo utilizado para a elaboração da lei, a lei posterior a constituição muda a constituição. Então, no conflito entre a constituição e a lei, prevalece a norma posterior caso a constituição não seja rígida. Logo, só pode haver controle de constitucionalidade se houver constituição rígida.

Constituição flexível: É aquela que pode ser modificada através do mesmo processo necessário para a elaboração das leis. Hoje, é muito difícil haver uma constituição escrita e flexível, porque a idéia do constitucionalismo, da constituição como norma limitadora do Estado, só funciona se a constituição for rígida, caso contrário, se o legislador estivesse insatisfeito com o limite imposto pela constituição ele simplesmente subverteria aquele limite editando uma nova lei. A 1ª constituição italiana de 1848 era escrita e flexível.

Constituição semi-rígida: É aquela em que parte de seus dispositivos só podem ser modificados através de um processo especial e mais difícil do que o necessário para a elaboração das leis, e parte pode ser modificado pelo mesmo processo necessário a edição de uma lei. A nossa constituição de 1824 era semi-rígida. Alguns autores falam em constituição imutável e constituição super-rígida. Porém, o professor critica essa classificação em constituição imutável porque ele diz que ela não existe nem no direito comparado e que se o constituinte agisse

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desse modo a constituição iria durar por pouco tempo, pois quando houvesse necessidade de alterá-la seria necessário se fazer uma outra constituição. E constituição super-rígida seria aquela que contém cláusulas pétreas, ou seja, aquela em que uma parte de seus dispositivos não podem ser alterados. Por isso, a nossa constituição é mais do que rígida, ela é super-rígida porque o artigo 60, § 4º estabelece certas matérias que não podem ser objeto de reforma. Porém, o professor entende que isto é mera curiosidade porque desde a Constituição de Waimar ninguém mais faz constituição escrita sem cláusula pétrea. Todas as constituições seriam super-rígidas e toda a doutrina do direito comparado fala em rigidez constitucional e não em super-rigidez.

Constituição escrita: É aquela que está contida num documento constitucional.

Constituição costumeira: É aquela onde não há este documento constitucional.

O fato de existir uma constituição escrita não significa que toda a matéria constitucional esteja estampada no texto da constituição. Isto porque constituição não é só o texto, a própria constituição reconhece explicitamente a existência de normas e princípios implícitos. E por outro lado, o fato de se falar em uma constituição costumeira não significa dizer que esta constituição não contenha também documentos escritos. Ex.: a constituição inglesa é composta de atos, costumes, tradições e uma série e documentos escritos, como a Magna Carta, ... O fato é que na constituição costumeira, essas normas escritas não estão costuradas num documento único. E no pensamento que caracteriza o direito constitucional costumeiro, normalmente se diz que a fonte das normas não é o texto. Este apenas cristaliza e reconhece algo que lhe é anterior. A fonte é a própria sociedade de onde brotam certos valores e certas tradições jurídicas que ficam tão enraizadas na cultura jurídica de um povo que passam a ser reputados superiores. Teoricamente, a constituição costumeira é flexível, visto que se há uma característica inafastável do costume é o fato de que ele surge e se desenvolve espontaneamente no corpo social. Se for editada uma norma dizendo como se produz um costume, não é mais costume. Por definição o costume não tem uma forma regulada para surgir. Então, a constituição costumeira necessariamente é flexível. Mas essa flexibilidade deve ser entendida

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num sentido apenas jurídico, e não num sentido político-sociológico, porque as instituições inglesas são muito mais rígidas e muito mais estáveis do que as brasileiras.

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2ª AULA

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A próxima classificação leva em consideração as suas pretensões e o seu perfil ideológico. Neste sentido falamos em constituição dirigente e constituição garantia.

Constituição dirigente: Este conceito foi criado por Canotilho em sua tese de doutorado na obra chamada “Constituição dirigente e a vinculação do legislador com o tributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas” publicada em 1974. Trata-se de um conceito que permeia toda a doutrina brasileira, e é aquela que se vale com grande freqüência de normas programáticas, é aquela que tem a pretensão de transformar o status quo, estabelecendo metas, objetivos, caminhos. Mas via de regra, essa constituição não detalha o modo pelo qual os objetivos por ela assinalados devem ser perseguidos e atingidos. Então, ela sempre demanda uma interposição do legislador para que se converta numa norma efetiva. A constituição dirigente corresponde ao modelo do constitucionalismo do bem estar social. ela contempla direitos individuais, direitos sociais, normas programáticas. A constituição dirigente tem como marco a constituição alemã de Waimar, de 1919. Da 2º guerra mundial para frente praticamente todas as constituições elaboradas no mundo tinham essa característica. A CF de 1988 é tipicamente dirigente. Agora, como falamos anteriormente o ideário dirigente vem sofrendo uma crise. As reformas sociais hoje tendem a podar o dirigismo estatal.

Constituição Garantia: É aquela que não possui a ambição de transformar a sociedade, as relações de riqueza e as relações de poder. Ela garante o status quo estruturando o Estado e estabelecendo direitos e garantias fundamentais, via de regra, de natureza individual. A constituição garantia se ocupa com as relações entre o cidadão e o Estado. E a constituição dirigente vai muito além, regulando também as relações privadas. Então, a tarefa regulatória do direito constitucional foi expandida com o advento da constituição dirigente. Ao não disciplinar as relações econômicas, ao não regular as relações do domínio privado, a constituição dirigente faz com que o seu silencio mantenha o status quo. Então, o que se afirma, de acordo com a posição do Prof. Vital Moreira (livro "Economia e Constituição") é que essas constituições garantias não eram neutras em relação às relações econômicas,

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porque o seu silencio elas acabavam legitimando um determinado sistema vigente. Agora, é importante destacar que quando nós falamos em constituição dirigente e constituição garantia, quando falamos em constituição ideológica e constituição compromissória estamos nos referindo a típicos ideais, de acordo com a concepção weberiana. O que é um tipo ideal? Eu identifico alguns elementos abstraio de certos fatores periféricos e tenho um modelo. Só que na grande maioria das situações a realidade empírica vai se situar dentro do espectro de possibilidades entre os dois modelos ideais. Não existe a constituição dirigente e a constituição garantia. Você pode ter gradações de dirigismo constitucional. Agora, quando eu falo em constituição dirigente estou erigindo um modelo ideal. Quando eu falo em constituição garantia estou erigindo um modelo ideal.

É possível tb classificarmos a constituição de acordo com o seu tamanho. Fala-se entao em constituição sintética e constituição analítica.

Constituição sintética: É a “pequena”. Ex.: a constituição americana tem 7 artigos e 27 emendas e cada artigo tem mais de uma página. Alguns autores, sobretudo, os mais conservadores, defendem a adoção no Brasil, do modelo de constitucionalismo norte-americano (Diogo de Figueiredo). Trata-se de uma visão, como diz o professor Luís Roberto Barroso que contém um “recalque colonialista”, porque primeiramente a constituição brasileira foi feita em um momento completamente diferente: a constituição americana é de 1787, numa época em que a constituição não se preocupava com mudanças na sociedade, garantia de direitos sociais, ... (na constituição americana não há nenhum direito social). E em 2º lugar o nosso sistema é o romano-germânico, enquanto o norte-americano é um sistema de comom law, cuja principal fonte de direito não é a norma escrita, é a atuação da jurisprudência. Formalmente diz-se que a constituição norte-americana é a mesma. Mas Bruche Aqueman, que é um dos maiores constitucionalistas americano sustenta que existiram 3 constituições diferentes: a de 1787, a 2ª foi feita depois da guerra da recessão e a 3ª depois do new deal. Por isso não se pode dizer que a constituição é a mesma, pois o texto é o mesmo, mas a interpretação das normas se alterou radicalmente. Uma margem tão grande para variação na aplicação da constituição, que é admissível num sistema de comom law, não seria no sistema romano-germânico. A constituição americana pode ser sintética, entre outras razões, porque a jurisprudência constrói. A nossa jurisprudência constrói, mas com uma amplitude de atuação muito menor, em razão do nosso sistema que já tem 500 anos. E a

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nossa constituição foi longe demais. Ela além de analítica, é prolixa e detalhista. Existem normas nela tratadas que deveriam estar em lei, decreto ou instrução. Ex.: normas que criaram privilégios coorporativos para certas categorias.

Constituição compromissória: A maioria das constituições elaboradas modernamente, que não decorreram de um processo revolucionário dramático são constituições compromissórias, que são aquelas que não cristalizam uma única diretriz, um único projeto, uma única idéia. Elas são fruto do consenso possível entre fontes políticas díspares quando não antagônicas presentes numa determinada quadra histórica. A nossa constituição é uma típica constituição compromissória. Ex.: artigo 170: consagra-se de um lado a propriedade e do outro lado lado o primado do trabalho pelo capital. Essas constituições suscitam problemas hermenêuticos muito mais complexos, porque em uma constituição simples retorna-se aquele valor inicial que vai iluminar, de modo inexorável, a aplicação de qualquer dispositivo. Já na constituição compromissória, às vezes, tem-se que conciliar diretrizes antagônicas. A idéia de que não há antinomia no direito e que estas são meramente aparentes, é uma idéia que não corresponde a verdade. O direito contém antinomias sim e a constituição é pródiga nessas antinomias. A única resposta que se deve dar é que a resolução das antinomias constitucionais devem ser feitas a partir de parâmetros inferidos da própria constituição. Tanto maior ela terá antinomias quanto maior for o seu caráter compromissório, quanto mais ela tentar idéias que aparentemente são antagônicas.

Na constituição compromissória, o papel do intérprete tem uma relevância, porque, às vezes, ele tem que buscar a conciliação possível entre vetores contrapostos.

Quanto ao modo de elaboração da constituição:

Constituição promulgada/ democrática/ popular: É aquela na qual o povo, que é o titular da soberania, de fato, tem uma participação ativa na elaboração da carta. Normalmente elas resultam de uma Assembléia Constituinte eleita pelo povo para o fim de elaboração do texto constitucional, e se caracteriza também por permitir uma ampla participação direta desse mesmo povo durante os seus trabalhos preparatórios. O povo não apenas escolhe aqueles que redigirão a constituição, como também através de movimentos da

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sociedade civil organizada, pressionam para que o texto consagre normas que atendam aos seus interesses.

Constituição outorgada: É aquela ditada unilateralmente pelo detentor do poder. Ex.: Constituição de 1824, onde havia uma Assembléia Constituinte reunida e D. Pedro I mandou dissolvê-la e outorgou a Constituição; Constituição de 1937, imposta por Getúlio Vargas e escrita por Francisco Campos; E.C.1/69, imposta pela junta militar que tinha poderes concedidos pelo A.I. 5. E a CRFB/88 embora não corresponda plenamente ao ideal da constituição democrática, em sua elaboração ela está muito mais próxima deste modelo do que o modelo de constituição outorgada, pois houve uma Assembléia Constituinte e a sociedade civil participou intensa e ativamente. Porém, nós não podemos dizer que ela corresponda a um modelo ideal, primeiramente porque não houve eleição específica para a Assembléia Constituinte, e em segundo lugar porque parte dos congressistas que a elaboraram era composta por senadores biônicos, ou seja, senadores que tinham sido eleitos pelo voto indireto.

Vamos falar de alguns modelos intermediários:

Constituição cesarista: É o modelo de constituição ditada por um líder, mas que tem apoio popular. Ex.: atual constituição francesa de 1958.

Constituição normativa: É aquela que de fato regula a vida social e econômica de um Estado. É aquela na qual as prescrições saem do papel para se converterem em realidade, seja porque as suas normas são espontaneamente observadas, seja porque os mecanismos previstos na constituição são suficientes para coagir os recalcitrantes à observância de seus dispositivos. Trata-se de um modelo ideal de constituição.

Constituição nominal: É aquela dotada de certa pretensão para transformação da realidade, mas na qual, por uma série de fatores (históricos, políticos, culturais, ...) a norma tem dificuldades de se efetivar. A norma fica, muitas vezes, como uma mera promessa retórica no texto constitucional.

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A CRFB/88 em vários pontos é normativa, mas em vários pontos é também nominal, sobretudo naqueles que dizem respeito a justiça social.

Constituição semântica: É aquela que não tem a mínima ambição de alterar a realidade. É aquela editada com o exclusivo escopo de conferir um verniz de legitimidade ao regime que, em princípio, não o tem. Em regra é uma constituição outorgada pelo detentor do poder para dar uma aparência de legitimidade à dominação de fato existente. Se um ditador dá um golpe de Estado, toma o poder e edita uma constituição lhe garantindo amplos poderes, limitando o direito da oposição, limitando o direito das pessoas de se insurgirem contra aquele regime, está-se diante de uma constituição semântica. Ex.: O AI5.

PODER CONSTITUINTE

O professor diz que a teoria do Poder Constituinte necessita de reformulação, visto que ela foi feita, basicamente, na época da Revolução Francesa sob perspectivas que se alteraram substancialmente. O autor revolucionário Sieyes, em sua obra “O que é o terceiro Estado”, definiu os contornos do Poder Constituinte. Naquele momento o que se queria é refundar completamente o Estado, alicerçando o Estado em bases completamente novas e desvinculadas de tudo que existia antes. Ele busca criar uma teoria jurídica para legitimar uma revolução. Ele cria a distinção entre o poder constituinte e poder constituído. Daí, Sieyes criou o conceito do Poder Constituinte, que seria o poder inicial, que emerge de uma revolução, de uma ruptura da ordem passada, e que é soberano e juridicamente ilimitado, ou seja, o poder que não estaria adstrito à observância de qualquer outra norma porque não reconheceria nenhum poder que lhe fosse superior. Sieyes era jusnaturalista e como tal dizia que o poder constituinte não estava limitado ao direito, mas estava limitado ao direito natural.

O Sieyes tinha o objetivo de romper completamente com todo o passado, de fundar a partir do nada o Estado. Esse conceito é ainda usado pela doutrina clássica. No entanto, essa teoria não corresponde mais às necessidades atuais, primeiramente porque situações como a da Revolução Francesa dificilmente hoje irão se repetir. Para o professor o poder constituinte é limitado.

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O Sieyes dizia que o poder constituinte originário é inicial, ou seja, ele não recebe o seu fundamento de legitimidade ou validade de nenhum outro poder. Entao, eu não vou buscar no direito anterior ou em qualquer norma passada a raiz do poder constituinte. A CF de 88 decorreu de uma convocação feita pela emenda 26 da emenda de 1969.

Quando uma constituição, que não resulta de processo revolucionário, é editada a regra é que ela vai se defrontar com uma enorme multiplicidade de normas jurídicas e, que pela necessidade de continuidade do ordenamento, imperativa, por razões de segurança jurídica, se flexibilize essa idéia do caráter inicial da constituição. E Hans Kelsen fez isso ao construir a teoria da recepção.

A idéia do Poder Constituinte ilimitado leva a admissão de algum poder ilimitado e no atual estágio de evolução do constitucionalismo e do movimento de universalização dos direitos humanos, não é mais possível se admitir que algum poder seja ilimitado.

O fenômeno da universalização dos direitos humanos, que se intensificou depois da 2ª Guerra Mundial e teve como grande marco a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1948, hoje coloca os direitos humanos como limite à própria soberania absoluta dos Estados. Aquela idéia de que a relação do Estado com o seu cidadão é objeto de preocupação apenas do Estado, que a comunidade internacional só deve se ocupar das relações entre Estados, ou de um Estado com os cidadãos de outros Estados, é uma idéia francamente superada.

A partir de uma perspectiva reducionista de Poder Constituinte Originário Ilimitado, nós justificamos o arbítrio absoluto. É a Teoria Kelseniana, onde se dizia que o Poder Constituinte não é questão de direito, e sim, questão de fato, porque se não há limites jurídicos para o Poder Constituinte, se não há uma forma preestabelecida para o Poder Constituinte, como é que se vai saber que se trata, de fato de Poder Constituinte, ou se trata de um ato ilícito? Todo o exercício do Poder Constituinte é por definição e necessariamente um ato ilícito quando analisado sobre a perspectiva da legislação anterior, pelo simples fato que pretende romper com essa ordem jurídica anterior.

Kelsen dizia que o Poder Constituinte é o poder de fato. É Poder Constituinte se a sociedade o aceitar como tal. Por isso, é fundamental alicerçar o conceito de Poder Constituinte em pressupostos éticos. Por isso, é fundamental entender que o Poder Constituinte não é juridicamente ilimitado, ele está

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limitado pelo respeito aos direitos humanos. Essa é a teoria moderna, porém, os manuais de direito constitucional continuam insistindo na tese de que o Poder Constituinte é ilimitado, incondicionado, soberano. Mas o professor diz que esta tese tornou-se totalmente obsoleta.

Com o objetivo de fazer concurso público devemos estudar a teoria tradicional, segundo a qual o Poder Constituinte Originário é juridicamente ilimitado, incondicionado e soberano.

PERGUNTA: quem é o titular do poder constituinte? Sieyes dizia que era a nação e Rousseau dizia que era o povo. Existe alguma diferença? Sim. Quando se fala em nação estamos nos aludindo às tradições, gerações futuras, antepassados, é um conceito muito mais vago. E exatamente por ser um conceito mais vago ele se abre para as maiores malversações. Ex: se o titular do poder constituinte é a nação, nós podemos falar por exemplo que quando as pessoas votam eles não fazem por poder próprio mas por uma delegação da nação. Ora, se o titular da constituinte é a nação, ela pode delegar, por exemplo, para algumas parcelas do povo. Isso legitimou o voto censitário. Se eu digo que o titular é o povo, o povo é uma realidade palpável. Nação é um conceito meio sentimental. Como é que se consulta a nação? O principal problema da nação como titular do poder constituinte é exatamente essa justificação que dela decorreu do voto censitário.

O Congresso Constituinte é o agente do poder constituinte e o povo é o titular. Isso tem conseqüências. Ex: o art. 60, par. 4º da CF não estabelece que o republica e presidencialista, agora o titular do poder constituinte através do plebiscito se manifestou e optou. Essa noção do povo como titular tb suscita algumas perplexidades. Há quem sustente (Gilmar Ferreira Mendes e Barroso) que quando eu faço um plebiscito eu estou acessando o poder constituinte originário. Segundo eles o único meio de acessar o constituinte originário não é a revolução, eu poderia, de uma forma mais pacifica, acessar o poder constituinte originário. Isso teria como resultado a flexibilização das cláusulas pétreas. Por plebiscito eu poderia mudar cláusulas pétreas. Alguns juristas que defendem a possibilidade da pena de morte sustentam que pode se fazer por plebiscito. Eu acho essa concepção extremamente perigosa. Até porque a idéia de constituinte é uma idéia de limitação de poder, é uma idéia de defesa de valores das próprias maiorias. Eu acho que a história mostrou isso muito bem. O nazismo, por exemplo, teve o apoio da população alemã. Então, dentro de uma

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ordem constitucional posta eu não posso admitir que uma força majoritária, mesmo aquela exprimida diretamente pelo povo, possa violar limites estabelecidos de antemão. Repito: se eu afirmo que numa determinada ordem constitucional por um plebiscito eu posso mudar tudo, eu dou um poder exacerbado às maiorias, quando na verdade o próprio constitucionalismo visa proteger as minorias diante das maiorias.

Se eu parto da premissa que poder constituído, mesmo que consultando diretamente a população, pode romper certos limites, esse poder constituído não é mais constituído, mas sim constituinte. Se eu reconheço que um plebiscito pode mudar uma clausula pétrea, eu atribuo ao plebiscito não um caráter de poder constituído mas um caráter de poder constituinte. Eu estou dizendo é que não basta ser plebiscito para ser poder constituinte. O plebiscito está previsto na ordem jurídica como poder constituído. Para reconhece-lo como constituinte era preciso que outros elementos estivessem presentes: a vontade de ruptura, a legitimidade material, legitimidade formal, etc.

Para a teoria tradicional existe um poder constituinte, que é inicial, que cria ou recria o Estado através de novas bases, que inaugura uma nova ordem jurídica. Esse poder constituinte inaugura poderes constituídos, que por eles estão juridicamente delimitados. Dentre os poderes constituídos está o de alterar a obra do poder constituinte. Embora se utilize o temo poder constituinte reformador, o poder constituinte reformador é um poder constituído e juridicamente está limitado pelo poder constituinte originário. Vamos tratar agora do poder constituinte reformador. Fala-se tb do poder constituinte decorrente, que é aquele onde os Estados membros se auto-organizam através de constituições. Há quem estenda tb a noção de poder constituinte decorrente para as leis orgânicas dos Municípios. Para o professor este conceito não abrange os municípios porque a CF diz que as leis orgânicas são limitadas pela constituição federal e estadual.

A REFORMA DA CONSTITUICAO

Uma constituição pode ser alterada por processos formais e informais. Processos informais são por ex. os costumes constitucionais, a interpretação constitucional evolutiva. Nós estudaremos na hermenêutica constitucional.

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Mutação constitucional é a mesma coisa que processo informal. Nós vamos falar agora dos processos formais de alteração.

A idéia da constituição se equilibra em 2 vetores: estabilidade e dinamismo. Uma constituição que fosse só estabilidade se instabilizaria. Uma constituição, por exemplo, que não contivesse mecanismos de mudança. O que aconteceria? Ela iria ser um convite à revolução. Agora, uma constituição que só enfatizasse o pólo do dinamismo não cumpriria o seu papel que é o de estabelecer certas bases intangíveis. Por isso que a constituição é rígida. É a partir dessa tensão que se desenvolve a discussão em torno das formas de processo de alteração da constituição.

Se a constituição facilita muito esse processo, ela perde em termos de estabilidade. Agora, se eu rigidifico demais a constituição, eu corro o risco de instabilizá-la e eu crio um sistema totalitário. Cada direito positivo vai articular essa tensão de uma determinada forma. Vamos examinar de que modo isso foi feito no direito constitucional brasileiro.

A CF de 88 estabeleceu 3 mecanismos distintos para a alteração de suas normas. Um deles de modo definitivo, que é a emenda. E dois outros foram previstos para acontecer uma única vez: plebiscito sobre forma e sistema de governo e revisão constitucional.

Vamos começar pelos que já se exauriram.

A) PLEBISCITO - Ler art. 2º do ADCT. - qual a razão desse dispositivo? Nós já vimos que o anteprojeto da Comissão Afonso Arinos era parlamentarista. Durante muito tempo as forças hegemônicas preferiam um modelo parlamentarista. Mas houve uma pressão enorme do presidente Jose Sarney que conseguiu alterar essa composição de forças e a Cf de 88 acabou sendo presidencialista. Em relação à monarquia, ninguém discutiu seriamente. Só que uns 3 ou 4 constituintes que eram adeptos da monarquia conseguiram colocar no plebiscito a discussão sobre a manutenção ou não da republica. Foi editada uma emenda antecipando a data do plebiscito. O PT ajuizou uma ADIN contra a emenda dizendo que a data do plebiscito era o limite temporal para o exercício do poder constituinte reformador. E como limite ao poder constituinte reformador era uma limitação implícita que não poderia ser alterada. O STF rejeitou essa ADIN, com argumentos formais que praticamente se limitou a dizer que não estava no art. 60, par.4º. Quase toda a doutrina sustentava que havia uma opção disjuntiva. Eu escolheria primeiro entre republica e monarquia. Se a opção

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fosse por republica, abrir-se-ia uma nova escolha: parlamentarismo ou presidencialismo. Mas se a opção fosse por monarquia inexoravelmente isso conduziria ao regime parlamentarista. O TSE disse que não, disse que eram duas escolhas independentes. Agora, imaginem uma monarquia presidencialista. Pois é!!! Por sorte, o povo não optou por isso.

É possível por meio de uma emenda à CF introduzir o parlamentarismo? Não porque há uma hierarquia entre titular e agente do poder constituinte. O Congresso é agente. Se o titular já se manifestou e optou pelo presidencialismo, o agente está jungido a essa opção.

É possível uma emenda convocar um novo plebiscito(para se discutir presidencialismo e parlamentarismo)? Se a gente entende que a clausula pétrea é o núcleo de identidade(a espinha dorsal) da ordem jurídica, será que é possível a gente ficar mudando essa espinha dorsal? Entao quem parte da premissa de que é possível construir cláusulas pétreas a partir da identificação das opções básicas do constituinte não vai ter dificuldade em afirmar que presidencialismo tornou-se uma clausula pétrea implícita. Agora há quem afirme que, até por questões democráticas, o povo não deve estar vinculado a não ser naqueles pontos que o próprio constituinte estabeleceu e naqueles outros que compõem o núcleo axiológico da constituição vão poder afirmar que é possível. Notem que presidencialismo e parlamentarismo é uma opção organizacional. Está questão não foi discutida em sede judicial. Mas eu acho que as duas teses são cabíveis.

Obs: Eu não tenho duvida que republica é clausula pétrea implícita.

B) REVISÃO - Ler art. 11 do ADCT - passados 5 anos já seria possível identificar as falhas da constituição. Com a revisão poderia se corrigir estas falhas. Só que de inicio surgiram 3 correntes sobre a extensão da revisão:

1º corrente - sustentada pelo Paulo Bonavides e Geraldo Ataliba - a revisão foi criada apenas para adaptar a constituição para que essa acolha as mudanças eventualmente promovidas em razão do plebiscito. Ou seja, criou-se uma vinculação entre o plebiscito e a revisão, de tal forma que se no plebiscito nada fosse alterado não teria razão de ser a revisão. Os autores partiram da premissa do valor da constituição de 88, para eles a

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constituição era boa, ao invés de pensar em revê-la é muito melhor buscar concretiza-la, editando as leis para os dispositivos não auto-aplicáveis.

2º corrente - sustentada pelo Diogo Figueiredo e Ives Gandra - a revisão era independente do plebiscito e nem mesmo estava vinculada pelos limites materiais do poder de emenda. Em abono a essa tese eles diziam que a constituição de 88 era ruim, era xenófoba, corporativista, etc.

3º corrente - sustentada por Jose Afonso da Silva e Barroso - PREDOMINANTE - A realização da revisão não depende do plebiscito. A revisão está vinculada pelo limites à emenda, exceto é claro os limites formais que ela mesmo excepcionou(a decisão era por maioria absoluta e sessão bicameral). Ou seja, os limites materiais que dizem respeito as cláusulas pétreas e os limites circunstanciais(estado de defesa, estado de sitio e intervenção federal) tb vão condicionar o poder revisor. Quando o Congresso elaborou o regimento interno da revisão ele acolheu esta posição intermediária. Os partidos de oposição que defendiam a 1º corrente ajuizaram uma ADIN contra o regimento interno da revisão. O STF considerou que era constitucional. Agora, a revisão na prática foi um fiasco, porque o governo não tinha maioria absoluta.

Este regimento da revisão estabeleceu o seguinte: durante um período da revisão a cada mudança implementada ia ser editada uma emenda de revisão. O regimento interno da revisão estabeleceu um prazo para que ela ocorresse. Findo o prazo eles não tinham conseguido mexer em quase nada. Entao, o próprio Congresso mudou o regimento interno da revisão para estender essa revisão e fez isso duas vezes. Parlamentares que eram contra essa extensão da revisão impetraram mandado de segurança no STF. E o STF se saiu com aquela tese absurda que até hoje prevalece de que o ato interna corporis é decisão política do poder legislativo no qual ele não pode se intrometer sob pena de violação da separação dos poderes. Entao o procedimento de revisão poderia estar até hoje rolando. Por sorte, depois de duas revisões o próprio Congresso encerrou a revisão.

É possível uma emenda convocar uma outra revisão? Se eu considero que não existem cláusulas pétreas implícitas eu posso aceitar uma dupla revisão. A concepção dominante é no sentido de que os limites ao poder de

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mudança na constituição são limites implícitos. O que impediria que se convocasse uma revisão através de emenda.

Obs: há um projeto de emenda proposto pelo Miro Teixeira para que se convocar um plebiscito acerca do sistema político.

C) EMENDA - a CF de 88 adotou o quorum de 3/5 e aumentou o rol de cláusulas pétreas. Ler art. 60 da CF. As limitações ao poder reformador podem ser varias espécies. Na nossa CF nos termos:

- limitações formais - dizem respeito ao processo. Diz respeito a quem pode apresentar proposta de emenda. A primeira critica que se pode fazer a esse dispositivo é que ele não incluiu a proposta de emenda popular. Há autores - Jose Afonso da Silva - que sustentam que a partir da abertura da CF com instrumentos participativos é possível a emenda popular. Para eles o art. 61, par. 2º tb se aplicaria à emenda da CF. Essa posição é minoritária. Está questao caiu na ultima prova da defensoria. A posição majoritária é no sentido de que o elenco do art. 60 é exaustivo. E há aqui um certo paradoxo: admitiu-se emenda popular na constituinte e não se admitiu a emenda popular para a mudança da constituição. Agora, o único Estado que admite emenda popular à constituição é a Suíça. A tramitação para emenda começa na câmara dos deputados, a não ser que o projeto de emenda tenha se originado de mais de 1/3 dos senadores. A votação é bicameral e o quorum é de 3/5. Isso tb diz respeito à limitação formal. Existe a possibilidade de emenda a tramitação da emenda, só que aqui é diferente do processo legislativo ordinário(aqui a casa iniciadora dá a última palavra sobre a emenda introduzida pela casa revisora). No processo da emenda, o texto final tem que ter sido aprovado pelas duas casas. Uma casa não pode ser preterida. No processo legislativo ordinário a casa iniciadora tem uma força maior. A emenda não transita pelo executivo, ela é promulgada pelo próprio Congresso Nacional.

- limitações circunstanciais - dizem respeito a momentos nos quais não é possível alterara a constituição. art. 60, par. 1º. A ideia subjacente desse dispositivo é que mudar a constituição é algo serio e que em razão disso os processos de alteração não devem se desencadeados em momentos de crise institucional. Uma conseqüência importante desse dispositivo na

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pratica é o fato de que ele tem sido um obstáculo à intervenção federal nos Estados. O governo tem obsessão de emendar a constituição e se ele intervem ele não pode mais promover emendas.

- limitações temporais - estabelecem prazos. Ex: revisão e plebiscito. Para emenda não existe limitação temporal, a não ser que se considere o art. 60, par. 5º da CF. Se uma emenda é rejeitada ou havida por prejudicada(ou seja, eu aprovo uma outra deliberação que com ela é incompatível) não é possível reexaminar a matéria na mesma sessão legislativa. O que é sessão legislativa? Em regra corresponde ao ano. Ela se compõe de suas sessões ordinárias onde se tem um recesso. Existe uma hipótese em que isso não vai ocorrer: Suponhamos que seja convocada a segunda sessão ordinária termine em 15/12. eu tenho o recesso. Lá pelo dia 24/12 convoco uma sessão extraordinária e ela não termina no dia 31/12, ela adentra o ano seguinte. Naquela sessão extraordinária, no dia 10/01 eu rejeito uma determinada emenda. Aquela sessão extraordinária compõe a sessão legislativa do ano anterior. Então, naquele ano seguinte eu já posso rediscutir aquela matéria.

- limitações materiais - protegem certas decisões do constituinte originário do poder do constituinte reformador. Por que a criação da clausula pétrea? Aqui subsiste a teoria do pré-comprometimento. Não se pode fazer uma interpretação extensível das cláusulas pétrea, porque senão eu engesso a ordem constitucional. Essa advertência é importante sobretudo no nosso sistema, porque eu acho muito difícil que se encontre algum preceito na constituição que não guarde relação com os poderes, direitos e competências das entidades federativas. A necessidade da existência desses limites a historia já comprovou. A prova mais eloqüente vem mais da constituição de Waimar, que não continha cláusulas pétreas, e que acabou sendo desfigurada por emendas aprovadas sob a égide do nazismo. Agora, se eu começo a querer proteger demais certas valorações do constituinte num dato momento eu caio na tirania de uma geração em relação às outras. Entao, a gente tem que ter cuidado com algumas concepções. Vou exemplificar com uma situação, onde eu sou minoritário: eu acho um despautério se falar que o constituinte revisor tem que respeitar direito adquirido. Quer dizer: o poder constituinte revisor não pode tirar um direito que às vezes surgiu validado por normas em vigor. Ex: quem hoje ganha R$ 60.000,00 e acumula de forma licita. Será que não se esta colocando a democracia numa camisa de força?

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3ª AULA

RIO 01/04/2002

Vamos falar sobre o art. 60, parágrafo 4º da CF.

Primeira observação quanto à redação do caput: "não será objeto de deliberação." Então, não se proibiu a edição da emenda incompatível com a clausula pétrea. Proibiu mais que isso: proibiu a deliberação sobre está emenda. E foi com base na redação deste dispositivo que o STF passou a admitir o controle preventivo de constitucionalidade das emendas da CF. Quando um grupo de parlamentares ou, até mesmo, o presidente da republica apresenta uma proposta de emenda à CF, outros parlamentares poderiam requerer à mesa para não colocar em votação. E se a mesa se recusar e colocar em discussão, os parlamentares podem impetrar mandado de segurança em face da mesa pra trancar a possibilidade de deliberação. Então, nós temos um mandado de segurança repressivo que vai funcionar como modalidade de controle preventivo de constitucionalidade. Não é controle abstrato e preventivo, porque não existe este tipo de controle no Brasil. É concreto.

Na segunda parte do parágrafo 4º admite duas exegeses distintas. Uma afirma o seguinte: não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir. Se restringe um pouquinho qualquer um destes bens jurídicos salvaguardados no parágrafo 4º eu já estou tendendo a abolir. O que vocês acham dessa posição? Eu acho um absurdo porque não podemos interpretar extensivamente as cláusulas pétreas, pois elas são um tema extremamente complexo do ponto de vista da teoria democrática. Elas são proibições para que as forças democráticas, mesmo aquelas que expressem a maioria absoluta da sociedade (mais de 3/5), mude alguma coisa. Se eu adoto uma exegese muita extensiva das cláusulas pétreas eu congelo a CF. Com isso eu passo a conferir o caráter totalitário à ordem constitucional, subtraindo todo o espaço de valoração política de mudança das instancias democráticas. A outra concepção, que na minha opinião é a correta, é que prevalece em todos os tribunais do mundo: a clausula pétrea não protege totalmente o instituto, mas a sua essência. Vale dizer: se a separação de poderes é clausula pétrea, isso não quer dizer que uma emenda não possa de alguma maneira afetar uma ou outra competência de algum dos poderes. Agora, uma emenda não pode,

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por exemplo, acabar com a autonomia do judiciário. Uma emenda pode, por exemplo, alterar a partilha de competência de União, Estados e Municípios. Mas ela não pode fazê-lo de tal sorte que restrinja a autonomia de qualquer destas instancias legislativas. Se adotarmos a outra posição vamos ter uma CF "fossilizada" porque não existe um único dispositivo da CF que não se relacione com os poderes do Estado, com as entidades federativas e com os direitos fundamentais. Não se poderia alterar nada na CF.

Obs: uma emenda à CF poderia criar controle externo do judiciário? eu acho que pode, não é da essência da separação de poderes a inexistência de mecanismo de freio e contrapeso desta índole. Tanto que em vários Estados, onde existe separação de poderes, há controle externo do judiciário. ex: Itália e França. Este termo clausula pétrea faz crer que ela não pode ser mexida. O próprio termo clausula pétrea parece um termo equivoco. Os portugueses, por exemplo, falam do núcleo de identidade da constituição. Parece uma expressão mais feliz. Clausula pétrea dá a idéia de pedra, que não pode mexer. Por exemplo: sistema dos direitos fundamentais. Será que eu não posso mexer em nada? Eu não posso aperfeiçoar o sistema tributário, dar uma competência do Estado para o Município, etc? Não se deve interpretar a CF desta forma.

Vamos ver discussões em torno destas cláusulas pétreas explicitas.

Federação: hoje tramita no Congresso Nacional um projeto de emenda que acabaria com o ICMS, IPI e o ISS e os substituiria por um único imposto da União. Vários juristas, inclusive Ricardo Lodi, sustenta que é incompatível com o sistema da federação. Neste caso, particularmente, eu estou de acordo. Não porque a partilha de competência tributaria seja intangível, já que correlacionada com a federação. Mas por uma outra razão. O ICMS é de longe o mais importante imposto do Estado, tanto do ponto de vista fiscal e como do ponto de vista extrafiscal. O que se pretendeu é tirar o ICMS do Estado, coloca-lo nas mãos da União sem dar nada em troca ao Estado, esvaziando quase que completamente o poder fiscal do Estado membro. A União argumenta dizendo que o Estado não vai ter mais competência para instituir o ICMS, mas ele vai ficar com a parcela do produto da arrecadação. Ocorre que, primeiro, a parcela não está definida na emenda, ira constar da lei complementar da União. Imagine o governo federal numa disputa política com o governo de MG, ele dá uma isenção do imposto único. Acabou o imposto.

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Controle externo: O modelo de controle externo que foi desenhado aqui no Brasil é da existência de um órgão de controle externo nacional. Isso segundo alguns autores seria incompatível com o principio federativo. Eu particularmente acho que o argumento não vale porque o judiciário é um órgão nacional, não é um órgão federal. O Alexandre de Moraes descreve uma jurisprudência do STF, como já tendo resolvido o problema. O que aconteceu? A Constituição de alguns estados membros (ex: Tocantins, Maranhão, Bahia) haviam instituído mecanismo de controle externo. O STF em ADIN julgou que estas inovações eram inconstitucionais. Nos votos dos ministros se aludiu à separação de poderes. O Alexandre de Moraes disse que o STF já decidiu que não pode ser constituído controle externo. Não decidiu coisa alguma. O STF já decidiu que a constituição do Estado não pode instituir controle externo sem parâmetros plasmados na CF. Uma questão bem diferente é saber se uma emenda à CF pode criar controle externo. Não há ainda posição do STF sobre está matéria. Não acho que criar um mecanismo de controle externo seja incompatível com a essência do principio da separação de poderes. Porque é mais um mecanismo de freio e contrapeso, como tantos outros que existem na CF. ex: poder do executivo de nomear os ministros dos tribunais superiores; ex: competência conferida ao Congresso para sustar os atos executivos que exorbitem do seu ato regulamentar. Se a gente for pensar existe controle externo sobre o executivo e sobre o legislativo. O Judiciário é o poder menos controlado do ponto de vista orgânico. Eu particularmente não sou a favor do controle externo, mas tb acho que não viola a clausula pétrea.

ADIN proposta contra IPMF: no IPMF estava prevista a sua insubmissão ao principio da imunidade recíproca. O STF entendeu que a imunidade recíproca é uma projeção no campo fiscal do principio federativo, logo é clausula pétrea.

Emenda 32 que disciplinou as medidas provisórias: ler o último artigo da emenda. Não vou nesse momento falar de medida provisória, pois vou faze-lo em momento posterior. Em relação à medida provisória a emenda criou uma serie de limitações, o que foi muito positivo. Só que ela tb disse o seguinte: aquelas emendas que não tiverem sido editadas, elas ficam valendo para sempre. Até que algum dia o legislador as revogue ou o congresso decida aprecia-las. Ora é da essência da separação de poderes que em principio quem legisla é o poder judiciário. Você converter medida provisória não apreciável em instrumento normativo definitivo viola a clausula pétrea.

Voto direto, secreto e periódico: eu acho que ninguém teria, hoje, o displante de apresentar um projeto de emenda contra essa que foi uma das mais

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importantes conquistas da CF de 88. Inclusive a luta pelo voto direto foi a causa mais próxima da constituinte. Mas algumas propostas que vem sendo ventiladas por aí, para mim são incompatíveis com este principio. Ex: criar figura de senador vitalício para os ex-presidentes da republica. Eles estão fazendo isso com uma única finalidade: para o FHC ter foro por prerrogativa de função no STF. Ora, você levar alguém para o Senado sem voto, sem eleição (ele foi eleito para presidente da republica!). Isso para mim viola clausula pétrea do voto direto, secreto e periódico. Ex: Monarquia é compatível com o voto direto, secreto e periódico? Não porque na monarquia a chefia de Estado tem investidura vitalícia e hereditária. Monarquia é incompatível com está clausula pétrea. Ex: Se viesse uma emenda ampliando os instrumentos de democracia participativa. E ao ampliar de alguma maneira eu restrinjo o espaço da democracia representativa. Violaria a clausula pétrea? Não, porque ampliar os canais de participação direta da população no exercício do poder é positivo para o ideário democrático. Ex: através de emenda criar o orçamento participativo. Ao criar o orçamento participativo eu retiro do campo de deliberação dos parlamentares certas matérias orçamentárias. Isso viola clausula pétrea? Não.

Direito e garantias fundamentais: o primeiro ponto que cabe destacar é a centralidade que os direitos fundamentais desempenham na nossa ordem constitucional e que está muito bem caracterizada pelo fato de que pela primeira vez na nossa historia eles são considerados clausula pétrea.

1ª discussão: o que seriam esse esses direitos e garantias individuais? Só são aqueles direitos de 1ª geração? Os direitos sociais e econômicos estão aí incluídos? Hoje no mundo todo há uma tendência à privatização, ao desfalecimento do Estado do bem estar social. Essa tendência é encampada por instituições como o FMI, o Banco Mundial, que exprimem o consenso de Washington. Essas propostas transplantadas para o direito constitucional significariam a desconstitucionalização de certas matérias, a retirada de direitos sociais e econômicos para permitir que o Estado volte a ser um Estado mínimo. Ora, essa ideologia, no Brasil, já de certa forma está presente nas nossas discussões. Exemplo disso é a flexibilização dos direitos trabalhistas. E se o legislador resolver que precisa acabar com o 13º salário? Se nós nos apegarmos a uma exegese literal direitos e garantias fundamentais não incluem os direitos sociais. Agora, qual é a essência das cláusulas pétreas? É a proteção de valores mais caros a uma ordem constitucional. Eu não diria que todo e qualquer direito social é clausula pétrea porque aqueles indispensáveis para a dignidade humana sem duvida são. Ex: eu não diria que o adicional de 1/3 sobre férias é clausula

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pétrea. Ex: agora o salário mínimo, a educação fundamental gratuita, o direito às férias seriam cláusulas pétreas. O STF não enfrentou diretamente está questao, mas num caso ele já começou a comer pelas beiradas. O caso ocorreu na emenda 20. Tinha um dispositivo na emenda 20 limitando os benefícios da previdência social a um determinado patamar. E havia um beneficio da previdência que não estava sujeito a qualquer limite: o salário maternidade. Se ajuizou uma ADIN contra este dispositivo. O argumento do governo era o seguinte: eu não to limitando o beneficio, eu to dizendo que o máximo que o poder publico pode pagar é este beneficio. A diferença passara a ser um ônus do empregador. Entao, o INSS pagaria R$ 1.200,00. Se o salário da mulher fosse de R$ 4.000,00, o empregador arcaria com R$ 2.800,00. Esse dispositivo consagrava um direito de que índole? Social. Só que o STF afastou a norma da emenda percorrendo um caminho um pouquinho mais comprido e evitando uma manifestação expressa se sobre os direitos sociais são ou não cláusulas pétreas. O que disse o STF? Disse que em razão desta emenda se ampliaria a discriminação já existente contra a mulher no mercado de trabalho e o art. 5º, I veda a discriminação entre homens e mulheres. Agora, vamos supor que realmente que o mundo mude: será que não há diferença dos direitos fundamentais e sociais? Será que os direitos fundamentais não são já um patrimônio perene enquanto que os direitos sociais ainda está num terreno de disputa ideológica de intensa evolução? Eu acho que tb dá para sustentar que os direitos sociais tb são clausula pétrea. Mas, no nosso quadro isto é muito perigoso.

Ainda sobre direitos e garantias individuais, uma posição que o STF já adotou com muita clareza é que não se deve levar em consideração apenas o elemento topográfico do preceito para esclarecer o seu conteúdo de direito fundamental ou não. Este entendimento se deu no julgamento do IPMF. Na emenda 3 se previa a incidência do imposto no mesmo exercício financeiro em que fora criado, a despeito do principio da anterioridade. O STF entendeu que o principio da anterioridade, apesar de previsto no art. 150 da CF, encarna um direito fundamental, estando por isso protegido do poder reformador. Está pendente de julgamento a ADIN que questionou uma emenda que determinou o parcelamento dos precatórios nos Estados. Eu acho que a emenda é inconstitucional porque ofende a coisa julgada.

Tem um ponto ainda nos direitos e garantias individuais que somente eu considero: que é a não vinculação do reformador ao direito adquirido. Se cair numa prova vocês coloquem que emenda à CF deve respeitar o direito adquirido,

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ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Por que eu acho isso? Vamos tentar lembrar o que é direito adquirido. Visa proteger a segurança jurídica. Se sob a égide de uma determinada norma surgir um direito para alguém, uma norma futura não pode considerar. Se a gente considerar direito adquirido como absoluto a abolição da escravidão ia ser só para quem nascesse dali pra frente. O que eu estou querendo mostrar é que muitas vezes direitos surgem de acordo com leis em vigor, mas podem ser ilegítimas. Segurança jurídica é um valor muito importante, mas não é o único. Se vocês lerem os textos sobre direito adquirido na Europa vão ver que os autores que defendem muito o direito adquirido são autores de direita, pois o direito adquirido conserva o status quo, ele coloca limites para mudanças. Os autores que defendem uma interpretação restritiva de direito adquirido são autores progressistas. Nenhum país, fora o Brasil e a Nicarágua, dispensa proteção constitucional completa ao direito adquirido. Se eu começo a dizer que não se pode mudar nada, a constituição se torna totalitária. Isso é incompatível com a democracia. ex: servidor de Alagoas ganha como servidor publico R$ 10.000,00. A maior remuneração do Brasil. O sujeito recebe este valor em razão de leis que permitiram certas incorporações, que foram consideradas inconstitucionais. Uma emenda à constituição aprovada, por exemplo, por 580 parlamentares dos seiscentos e poucos que tem lá, não pode tirar este direito? Será que neste sentido nós não estamos usando toda a teoria constitucional como mecanismo de proteção do status quo? Para mim, emenda a constituição não precisa respeitar direito adquirido. O art. 5º diz que a lei não pode prejudicar. A emenda não é lei puramente. Repito: está é uma posição minoritária minha. Não defendam está posição no concurso.

Regime constitucional do MP: até no concurso do MP caiu isso: uma emenda tirou a inamovibilidade do promotor. O procurador de justiça o removia. O que ele poderia fazer? Impetrar o mandado de segurança porque a emenda era inconstitucional, já que o regime constitucional do MP integra as garantias fundamentais, sendo clausula pétrea. O MP não é um quarto poder, mas ele compõe a estrutura do poderes, sendo importante porque o poder judiciário é inerte. Essa era a resposta que ele queriam. Mas, eu acho que o regime constitucional do MP não é clausula pétrea. Esse discurso do MP é corporativo.

Existem alem das cláusulas pétreas explicitas, existem cláusulas pétreas implícitas. Será possível fazer uma emenda à constituição para convocar uma nova revisão constitucional? Caiu na prova da AGU. Será que os limites impostos ao poder de revisão não são eles mesmos limites? Vamos supor que o

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presidente da republica esteja inconformado porque os governadores estão dando muito trabalho. Ele chama o Gilmar Ferreira Mendes e diz que quer acabar com a federação. O Gilmar fala que não pode, mas o senhor pode editar uma emenda dizendo que a federação não é mais clausula pétrea e logo depois edita uma outra emenda acabando com a federação. O que vocês acham disso? Não pode porque configura dupla revisão, é quando eu através de uma primeira revisão eu removo o obstáculo e na segunda atinjo o objetivo que a norma subtraída impedia que fosse lograda. Isso é uma fraude à CF. Isto é tema polemico. Em Portugal, por exemplo, o Jorge Miranda diz que se há uma vontade política tão forte capaz de arregimentar uma maioria para tirar uma clausula pétrea é melhor deixar o barco correr pra evitar ruptura. Canotilho, que se opunha a essa posição, argumentou: ah, então as cláusulas pétreas são inúteis!!! O Jorge Miranda respondeu que elas não são inúteis. Elas criam um obstáculo a mais. Do ponto de vista da teoria democrática é fácil concordar com o Jorge Miranda. O fato da gente pensar como e com que legitimidade alguém no momento que uma posição que ela adotou não pode ser mudada nunca num contexto. Mas, vamos transpor isso para a realidade brasileira. Uma coisa é a dupla revisão na Europa e outra coisa é a dupla revisão entre nós. A constituição de Portugal estabelecia na redação original que a soberania popular era clausula pétrea. Portugal queria entrar na então comunidade européia (hoje união européia). Só que para entrar na comunidade européia tinha que abrir mão de uma parcela de sua soberania. Portugal numa revisão da constituição disse que a soberania não era mais clausula pétrea. Depois o povo por plebiscito manifestou-se pela adesão à comunidade e depois uma outra reforma possibilitou a sua adesão à comunidade européia. É uma situação na qual se o direito constitucional não desse uma alternativa haveria uma ruptura do direito constitucional. Eu entendo, e a maioria da doutrina tb, que os limites ao poder de revisão constituem limites implícitos. São cláusulas pétreas implícitas. Vale dizer: eu não posso através de emenda facilitar o processo de alteração da CF.

Vimos aqui as cláusulas pétreas explicitas e implícitas. A gente só deve reconhecer o caráter de clausula pétrea à norma que componha o núcleo de identidade da constituição e que à luz do direito positivo nacional possa se justificar como clausula pétrea. Me parece equivocada a posição defendida por Fabio Konder Comparato no sentido de que as disposições transitórias são cláusulas pétreas pela sua natureza de si. Na minha opinião cláusulas

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implícitas são a Republica, a vedação da dupla revisão, a titularidade do poder constituinte(soberania popular) e a dignidade da pessoa humana. O Canotilho referindo-se ao direito português arrola tb como clausula implícita a integridade do território. Uma emenda `a constituição não poderia diminuir o território de Portugal.

PERGUNTA DE ALUNO: o pluripartidarismo seria uma clausula pétrea? eu acho que sim, pois para mim direitos e garantias individuais não são apenas os individuais, são os direitos e garantias fundamentais. O que justifica, por exemplo, a proteção dos direitos sociais. Isto não é uma clausula implícita. Para mim, onde se no art. 60, par. 4º direitos e garantias individuais deve-se ler direitos e garantias fundamentais (até englobados os direitos sócio-economicos, individuais, políticos, os direitos de 3ª geração).

PERGUNTA DE ALUNO: então a idéia de reduzir o número de partidos é inconstitucional? Não, uma coisa é acabar com o pluripartidarismo e outra coisa é se criar cláusulas de barreira. O que são cláusulas barreiras? Hoje há um consenso de que se ter um numero indefinido de partidos não é bom para a própria democracia. Caso contrario você começa a ter um grande número de partidos sem ideologia. Na Inglaterra e na França existe um bipartidarismo de fato. Não existe norma exigindo que só podem existir 2 partidos. Na Alemanha existe o pluripartidarismo, mas existem cláusulas de barreiras. Ex: se o partido não consegue 5% das cadeiras do parlamento ele não vai ter assento no parlamento. Historicamente isso não serviu apenas para limitar o numero de partidos na Alemanha mas para se impedir que chegasse ao parlamento partidos do tipo neo-nazista, partidos muito radicais. Eu acho que introduzir cláusulas de barreira é constitucional. Agora se vierem estabelecendo que só podem existir 2 partidos seria inconstitucional.

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

A hermenêutica vem de Hermes (que era o deus mensageiro). Então quando se fala em hermeneutica esta sempre se pensando na transmissão de mensagens. E se nesse particular a hermenêutica jurídica não se distingue das hermenêuticas de outros campos, existe um caráter especial: o caráter pragmático. Vamos comparar hermenêutica jurídica com a artística. Quando você olha o quadro e tenta saber o que o artista quis dizer com aquele quadro, isto é

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hermenêutica. Por que a hermenêutica jurídica se distingue? Eu não interpreto uma lei para chegar a uma conclusão sobre o que diz a lei. Eu interpreto a lei para aplicar a lei a um fato concreto. O direito é essencialmente uma disciplina pragmática.

No séc. XVIII os juristas queriam ganhar foro do estatuto de cientificidade. O que ele fizeram? Foram buscar o estatuto epistemológico das ciências exatas. Nas ciências exatas, qual o critério de racionalidade existia? A racionalidade dedutiva. Ora, no direito não se trata de comprovar nada através de experimentos. Entao, reduziu-se a racionalidade jurídica `a dedução. Com isso a interpretação passou a se configurar uma atividade meramente declaratória e o papel de interprete foi reduzido a quase nada. Se casa com essa concepção aquela visão do juiz como a boca que pronuncia as palavras da lei (expressão do Montesquieu). O interprete se limitava a uma atividade mecânica.

Uma serie de eventos abalaram essa teoria clássica da interpretação. Primeiro o marxismo que tentava demonstrar que em todo ato humano existe uma dimensão ideológica. O juiz, o intérprete, é um homem e não se livra de seus preconceitos ao decidir. Essa tentativa de ocultar as dimensões políticas, ideológicas da hermenêutica acabava por legitimar o status quo. Sobre uma outra perspectiva a psicanálise: ora, se o homem não sabe as causas de seu ato, se ele é governado por um inconsciente, não posso dizer que a aplicação do direito é um silogismo mecânico.

Após está fase descobriu-se a racionalidade prática. É preciso reconhecer que o interprete tenha um campo de subjetividade e que esse campo pode ser controlado através de critérios de racionalidade prática. O que é racionalidade prática? Ora, razão não é dedução e indução. Os argumentos racionais não são apenas aqueles que demonstram, mas tb aqueles que convencem. Racionalidade não precisa ser apolítica. Não é racional apenas aquilo que eu demonstre de forma absoluta que é correto ou incorreto. Entao eu redescubro a idéia da racionalidade prática. O direito é essencialmente racionalidade prática. Ex: no processo judicial: o juiz ouve um lado, ouve o outro, ouve novamente. O raciocínio dele é espiral. Analisando os argumentos mais convincentes.

Bom, e se isso é revolucionário para o direito, o que dirá para o direito constitucional, em razão de uma serie de peculiaridades das constituições. Que peculiaridades são essas?

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- A substancia política da constituição - uma constituição está tratando dos temas mais essencialmente políticos ideológicos. Diante de seu caráter político é impossível que a interpretação jurídica da constituição não se contamine com política. Política e direito se interpenetram no âmbito constitucional.

- A linguagem constitucional - é na constituição que vamos encontrar os princípios abertos (dignidade da pessoa humana, devido processo legal, etc). Ora, não há como comparar atividade do interprete que tenha que aplicar tal norma com a atividade de se aplicar uma multa.

- Natureza das normas constitucionais - a constituição consagra normas programáticas, normas referentes à estrutura do Estado. No direito comum só temos as normas de conduta. São normas peculiares contidas na constituição.

- Superioridade hierárquica da constituição

Vamos passar a examinar quem é interprete da constituição. Na questão da interpretação da constituição a separação de poderes vai desempenhar um papel essencial. A primazia da interpretação constitucional é do legislador. O judiciário deve reconhecer que o legislador e o executivo estão legitimados do seu processo de investidura. Isso não significa que ele não possa controlar e dar a última palavra.

O que é interpretar? A visão clássica separava dois momentos: na interpretação eu extraia o sentido da norma e depois pelo sentido da norma eu aplicava a norma ao caso concreto. Eram dois momentos: interpretação e aplicação. De acordo com a orientação moderna: interpretar é aplicar e aplicar é interpretar. Hoje por isso se utiliza o termo concretizar. A interpretação não se faz a margem do dado fático. O processo hermenêutico é tridimensional: ao interpretar a norma eu examino o fato.

Quando eu interpreto a norma, interpreto a norma mais o âmbito. O que é o âmbito normativo? É a situação de fato disciplinada pela norma. Entao por exemplo quando eu for interpretar limites das medidas provisórias, eu vou ler o texto da constituição e vou pensar na realidade brasileira. Quando eu for

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interpretar um caso de inviolabilidade de domicilio, vou ler a norma e pensar na realidade. ex: policia entrando na casa de pobre com pé na porta. Eu não isolo mais: interpretar e aplicar. Eu não parto da norma para o problema. A norma e o problema é uma relação circular.

Eu tentei mostrar aqui o pano de fundo sobre a hermenêutica constitucional.

Nos EUA a constituição muito mais aberta do que a nossa. O judiciário foi atualizando está constituição e concretizando em contextos que foram se alterando com o passar do tempo. Só que essa atividade do judiciário foi muito questionada politicamente. E aí surgiram duas grandes correntes:

- o interpretativismo

- o não interpretativismo

Essa questão caiu na prova para Procurador da Republica. O interpretativismo parte de uma premissa: numa democracia quem deve decidir são os representantes do povo. Entao se no texto constitucional não há uma decisão sobre uma determinada hipótese, se eu não posso extrair da texto, da historia do dispositivo ou sistema uma diretriz clara isso significa que o legislador é livre. O judiciário não deve atuar nessa instancia porque ele não está legitimado em razão da sua investidura não decorrer do voto direto. Já os não interpretativistas (Locke) diziam que o papel do judiciário é atualizar a constituição. É concretiza-la a partir de certos valores latentes no constitucionalismo. Entao hoje se associa o não interpretativismo ao ativismo judicial, é uma posição mais de esquerda e o interpretativismo é uma posição mais de direita, sendo conservadora.

A teoria tradicional da hermenêutica esta muito preocupada com a segurança jurídica, com o Estado de Direito, com a separação de poderes. Sustentava-se assim que a hermenêutica da constituição o interprete deve se ater aos postulados de Savigny(hermenêutica tradicional). Contra esta teoria varias criticas surgiram. Dentre as criticas, alguns autores defendiam que a constituição não é uma norma como outra qualquer. A constituição consagra os principais valores de uma comunidade política. Ela tem uma função de integração daquela comunidade política em torno daqueles valores. Isto foi enriquecido pela matriz jusnaturalista que o direito alemão acabou assumindo após a segunda guerra mundial. Entao estes autores defendem uma interpretação muito mais aberta, muito mais abstrata, conferindo um espaço de

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conformação ao interprete. Esta é a teoria utilizada pela Corte Alemã. Ex: a partir da ordem de valores, embora haja a previsão da liberdade de imprensa e liberdade de expressão, eles decidiram que era válida a proibição da venda de livros que negavam a realização do holocausto. Essa concepção de ordem de valores teve uma serie de significados práticos para a dogmática constitucional, principalmente nos direitos fundamentais. O grande risco que ela envolve é conferir um poder demasiadamente amplo ao judiciário em detrimento do legislador.

O que é tópico? O alemão Theotor Viehweg diz o seguinte: direito não é redução. Eu não parto da norma para o problema. A partir do caso eu busco a melhor solução. O raciocínio jurídico não parte da norma para o problema. Ex: eu tive um caso verídico de uma estrada em Angra que cortava uma aldeia de índios. O direito dos indígenas sobre a terra prevalece sobre qualquer outro direito. Tem que entrar com uma ação para fechar a estrada. Eu fui lá conversar com os índios e estes falaram que não queriam que a estrada fosse fechada pois os moradores ficariam chateados, aumentando o estigma contra os índios. Se fecharem a estrada não vamos conseguir vender os artesanatos, etc. Quer dizer não poderia fechar está estrada. Mas, deixando a estrada, a estrada passa pertinho de uma cachoeira onde as índias tomavam banho. Quer dizer os turistas viam estas índias. Olhem o raciocínio: Eu estou com um problema, estou testando soluções, estou voltando ao problema. As soluções serão dadas pelas normas, pelo sistema, pelos princípios. Mas estes não são vinculantes. Eles são topóricos, são pontos de vista que eu texto e os adoto ou não de acordo com a possibilidade que eles tem de trazer o justo ao caso concreto. Quer dizer a tópica é antisistematica: a prioridade é do problema e não do sistema. A idéia de Theotor Viehweg foi muito importante porque se redescobriu o papel do problema, afinal de conta o que caracteriza a hermenêutica do direito é que ela é pragmática. Qual é o perigo da tese do Fiuler? É que o interprete se sinta todo poderoso e a norma se torne um ponto de vista. Acarretando, assim, o enfraquecimento da força normativa da constituição.

A hermenêutica concretista(defendida por Paulo Bonavides e Canotilho) diz o seguinte: interpretar é concretizar. A constituição é viva. Para viver ela deve incidir. Com isto eu tenho fato e norma se relacionando. Eu vou buscar aa luz da realidade fática a melhor solução para o problema? Sim, só que dentro dos limites do sistema. A hermenêutica defende uma tópica limitada. Ora, o sistema constitucional não tem resposta para tudo. Pelo contrario, as constituições são fragmentadas, se vale de princípios. Aqueles espaços em que o

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sistema me permite eu busco o justo do caso concreto. Mas eu não posso a pretexto de fazer justiça ao caso subverter os limites do sistema. Se eu fizesse assim eu estaria dando poderes constituintes ao interprete.

Vamos falar agora sobre os elementos clássicos da constituição:

- elemento literal

- elemento histórico

- elemento sistemático

- elemento teleológico

a) elemento literal - é o texto. Se emprega o elemento literal na hermenêutica da constituição? sim. Qual o papel e as peculiaridades? Se eu não parto da tópica(onde eu parto do problema) dentro de uma hermenêutica tradicional eu parto do texto. Ex: Se eu tenho duvidas sobre se determinada medida provisória está ou não de acordo com a constituição, eu vou ler o art. 62. Em alguns casos o elemento literal já me basta. Só que às vezes vou precisar transcender o elemento literal. Mas mesmo quando for necessário transcender o elemento literal eu não posso violar o texto da constituição a pretexto de interpreta-la. Logo, o texto coloca tb um limite. Existem exegeses possíveis, mas a moldura é firmada a partir do texto. Vou dar um exemplo: ler o art. 68 do ADCT. O que seria remanescente de quilombo? Eu defendo que o remanescente não é só o descendente de escravos fugidos. São núcleos que tem uma relação com a época da escravidão de descendentes de escravos que mantem suas tradições, seus vínculos culturais. As duas interpretações estão dentro do texto. Vou ter que buscar em outro elemento subsídios para esclarecer qual delas é a exegese superior. Agora, o movimento negro teve uma época defendendo que favelas, mesmo formadas muito tempo após a escravidão, eram quilombos pré-modernos. E esse art. 68 do ADCT foi usado para regularizar a situação fundiária das favelas. O texto comporta

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isso? Não porque favela não é remanescente de quilombo. Dentro dos limites permitidos não se permite essa exegese.

Uma outra discussão: a constituição se usa de certos vocábulos que tem sentido próprio. Como é que eu vou entender uma determinada expressão que o constituinte tenha usado? No seu sentido comum ou no seu sentido mais técnico? A constituição é dirigida ao povo, logo o sentido deve ser comum. Agora, acontece que algumas vezes o constituinte se vale de termos que já tem sentidos definidos em certos ramos de direito. ex: quando a constituição fala em direito adquirido, o conceito está definido lá no art. 6º da LICC. A isso se dá um nome INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CONFORME A LEI. O elemento literal é muito importante mas com grande freqüência não vai nos dar resposta definitiva.

b) elemento histórico - o elemento histórico busca a partir da compreensão da historia do dispositivo (ratio legis) esclarecer o sentido e limites daquela norma. O elemento histórico é importante? É claro que sim. Ele é tanto mais importante quanto mais a gente se aproxima da data da edição da norma. Ex: vocês lembram da discussão sobre o ponto e virgula da reforma da previdência? Este foi um caso típico. O constituinte queria que os dispositivos fossem independentes. Ele queria que o ponto e virgula fosse entendido como OU. Só que ponto e virgula pode significar tanto OU como E. Quando o governo foi regulamentar, ele tratou como E. Ele exigiu a concomitância dos dois dispositivos. Houve uma reação e o próprio governo voltou atrás. Se houvesse uma discussão judicial tinha que ser derrubado por violação do elemento histórico. O elemento histórico ali tinha o papel central porque a norma tinha dias. Agora, o fato de eventualmente uma hipótese não ter sido contemplada pelo constituinte não significa que aquela hipótese não possa ser tratada em sede constitucional. Prevalece a concepção objetivista da interpretação, ou seja, a lei é mais sábia que o legislador. A lei atinge hipótese que o legislador não tinha como prever. Nos EUA há uma corrente que critica isto - são os originaristas (contrários aos interpretativistas). Eles dizem o seguinte: ora, se

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essa idéia não tinha sido pensada já pelo constituinte originário o judiciário não deve se manifestar. Teve uma decisão que chegou às raias do ridículo em que se recusou aplicação do devido processo legal em caso de escuta telefônica porque não tinha telefone quando foi originada a constituição. Agora, a gente pode transportar essa discussão para a atual realidade brasileira. Ex: imunidade sobre cd-rom que contenha enciclopédia. Alguns autores falam que a CF só fala em livro. Isto é uma visão fechada da constituição. A interpretação constitucional deve ser aberta, dinâmica.

c) Elemento sistemático - a constituição não é um depositário isolado de normas. Não existem dispositivos boiando aí. Ela compõe um sistema aberto, composto de princípios. No sistema cada parte deve ser interpretada e entendida em conformidade à luz das demais. eu não posso tomar o dispositivo, isolá-lo do seu contexto e aplica-lo. Como se vem tentando fazer hoje com poderes normativos das agencias reguladoras. Qual é a grande dificuldade aqui? É que a CF não cristaliza uma única visão de mundo. A nossa CF é compromissória, então vamos encontrar normas que derivam de crises político-ideológico absolutamente dispares. Como conciliar? O sistema não é um dado, ele é construído.

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08/04/2002

4ª aula

d) Elemento teleológico - É aquele no qual se procura a partir da identificação do fim perseguido pela norma precisar suas normas. É importante o elemento teleológico na seara constitucional, sobretudo se nós pensarmos na Constituição dirigente que é uma norma que busca transformar a realidade. Vamos dar aqui alguns exemplos de recurso ao elemento teleológico:

quando se discutiu se o MP podia quebrar o sigilo fiscal sem ordem judicial. O STF entendeu que não podia. Mas num determinado o MP requisitou informações do Banco do Brasil concernentes a dados de uma conta na qual o Banco do Brasil movimentava verba publica. O Banco do Brasil recusou e a questão foi jurisdicionarizada. E o STF entendeu que ele tinha que entregar ao MP as informações requisitadas independentemente de ordem judicial. Por que? Porque o sigilo fiscal tem a finalidade (o telus) de garantir a intimidade e não há intimidade quanto à verba publica. Então, identificando a finalidade da norma eu pude precisar a questão.

Este exemplo decorre da conjugação entre o elemento teleológico e sistemático. Quando as empresas públicas e sociedades de economia mista, exploradoras da atividade econômica, logo após a CF continuaram a contratar livremente seus empregados sem concurso publico. E se baseavam na redação da época do art. 173 que equiparava essas entidades para fins trabalhistas às empresas privadas. O STF afirmou que essa equiparação visava impedir a concessão de benefícios para entidades estatais não extensíveis para a iniciativa privada que com ela concorriam, evitando com isso uma possível concorrência desleal. Então, no caso não se tratava de conferir um beneficio, se tratava se sujeitar entidades que lato sensu integram a estrutura do Estado a certos mecanismos de garantias que regem a administração publica. Logo, identificando o fim da norma foi possível desvendar uma controvérsia constitucional.

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Vou dar uma hipótese em que me parece estar equivocado o STF ao não levar em consideração o elemento teleológico:

interpretação do principio da anterioridade tributaria - a doutrina de forma unânime hoje afirma que nos tributos de fato gerador complessivo (imposto de renda), que no meio do ciclo muda incidência, está incidência só vai poder se aplicada para fato que ocorra em ciclo posterior. O principio da anterioridade visa a garantir a segurança jurídica e a não surpresa. Apesar disso o STF entende que uma lei publicada no dia 30/12 do ano ela vai alcançar os fatos já praticados. Ao meu ver, aqui está lei estará afrontando o principio da não surpresa.

PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DE INTERPRETAÇÃO DA CF

Para começar tenho que alertar que cada autor arrola um certo principio de interpretação. Alguns somente dão novos nomes para princípios já antigos. De qualquer forma, já ressalto que, por exemplo, o Barroso trata os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como princípios de interpretação, já eu vou estudá-los na parte de direitos fundamentais. Vou colocar alguns princípios aqui, o que não quer dizer que outros princípios arrolados por outros autores estejam errados.

a)PRINCIPIO DA SUPREMACIA DA CF - é o principio fundante de todos os demais. Alias a idéia de supremacia é aquela idéia essencial do próprio conceito de constituição. Constituição é concebida como a lei superior às demais. Esse conceito da supremacia vai depender de duas outras categorias. Primeiro aquela distinção clássica entre poder constituinte e poder constituído. E em segundo lugar aquela classificação de classificações rígidas e flexíveis, porque do ponto de vista formal uma constituição só é superior se for revestida de rigidez. Se a CF não for rígida o que acontece? A lei posterior a ela que com ela não for compatível vai modificá-la. A supremacia se converte numa proclamação retórica que permite o controle de constitucionalidade das leis. Isso que hoje parece uma obviedade demorou bastante tempo para ser solidificada na Europa. Nos EUA não. Não foi no julgamento Marbury x Madison a primeira vez em que se discutiu nos EUA, este julgamento passou pela historia como sendo a primeira decisão porque a teoria aí ficou explicitada.

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Mas talvez no segundo julgamento da Suprema Corte, em 1798, já se reconheceu a possibilidade de controle de constitucionalidade de leis. Se não se desenvolvem instrumento de constitucionalidade, a supremacia pode existir do ponto teórico mas na prática o legislador não estará realmente vinculado à CF. a supremacia da Cf tem conseqüências hermenêuticas muito importantes. É em razão da supremacia da CF que, por exemplo, nós podemos sustentar a não recepção das normas anteriores que com ela forem incompatíveis, a necessidade de interpretação conforme a constituição de toda a legislação superveniente, a necessidade de releitura de todos os institutos jurídicos à luz da axiologia constitucional. Todas essas sãos conseqüências do principio da constituição. Eu não vou aqui aprofundar estes instrumentos pois será abordados mais frente quando tratarmos de controle de constitucionalidade. Num dos últimos informativos do STF, uma decisão do ministro Celso de Mello abordou uma questão muito importante acerca do conceito de bloco de constitucionalidade. O que é o bloco de constitucionalidade? Este conceito foi desenvolvido na França, com uma peculiaridade. Há um dispositivo da constituição francesa que incorpora a declaração universal dos direitos do homem - 1789, o preâmbulo da constituição de 1946 - as chamadas Leis Fundamentais da Republica. . Os franceses consideram como norma suprema, que vincula as outras, possibilita o controle de constitucionalidade, não só a própria constituição mas tb esses outros diplomas. Então nós poderíamos indagar: o que integra o bloco de constitucionalidade brasileiro? Primeira possibilidade: Só a constituição escrita? Isso excluiria os princípios implícitos. Além da constituição escrita nós podemos colocar os princípios implícitos e o costume constitucional. Mas hoje a principal discussão sobre está matéria diz respeito aos tratados de direitos humanos. Nós vamos mais a frente estudar o processo da internacionalização dos direitos humanos que tem como marco o final da segunda guerra mundial. Até a segunda guerra mundial a lógica que prevalecia é ao tratados de Vestivalia(NÃO SEI ESCREVER), onde se estabeleceu a soberania dos Estados. Dentro da lógica do tratado de Vestivalia, se o Estado viola os direitos fundamentais de um inimigo de um outro Estado esse problema é da comunidade internacional. Agora, o que um Estado faz com o seu nacional os outros Estado não tem nada a ver com isso. Pois isto diz respeito à soberania dos Estados. Esse modelo faliu depois da segunda guerra mundial, depois do massacre dos judeus, depois da experiência de totalitarismo da Rússia de Stalin. Verificou-se que não era possível confiar exclusivamente no Estado para proteger direitos fundamentais de seus cidadãos. A partir daí foram celebrados no plano internacional tratados, instrumentos normativos e declarações consagrando direitos, foram

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criados órgãos e instituições para monitorar eventuais relações desses direitos. mais atualmente foram criadas cortes. Hoje está na evidencia de ser criada o Tribunal Penal Internacional. Eu indago: o que é mais compatível com essa tendência: conceber o tratado sobre direitos humanos como lei ou como norma constitucional? Se eu concebo o tratado sobre direitos humanos como lei isto vai vincular o Estado plenamente? Não porque o próprio Estado faz a lei. O Estado vai poder se alforriar daquelas obrigações. Se a idéia é de colocar os direitos do homem acima da própria soberania, protegendo-o do Estado, isto só é realmente possível se eu concebo o tratado com força constitucional. Além desse argumento existem outros: direitos humanos tradicionalmente são tema constitucional. Alem disso o próprio art. 5º parágrafo 2º da CF se refere a incorporação do tratados dos direitos humanos. Porém o entendimento do STF é outro. Ele já enfrentou essa questao. A primeira vez ele enfrentou a colisão entre o Pacto de São José de Costa Rica e a CF. Este pacto disciplinou que a prisão civil por divida só pode ser a devida por alimentos. Como a CF abrangeu tb a hipótese de prisão civil do depositário infiel. O STF entendeu que o pacto não prevalece sobre a CF. Esta decisão foi absurda por uma decisão mais básica, que foi reconhecida no voto do ministro Sepúlveda Pertence. Foi a seguinte: é evidente que a CF não manda prender o depositário infiel. A lei é que determina a prisão. Quem instituiu a prisão foi o CPC, então mesmo que eu considere o Pacto de São José como lei, ele é posterior ao CPC. O Ministro Moreira Alves para ultrapassar este argumento teve que assassinar a lei de introdução do código civil. Teve que dizer o seguinte: neste caso eu não vou usar o critério cronológico, vou utilizar o critério da especialidade (a LICC diz que a lei especial revoga a geral). Ora, mas desde quando a LICC é lei especial? Ora, mas as duas normas tem exatamente o mesmo grau de especialidade (uma manda prender e a outra proíbe prender). Para o STF os tratados de direitos humanos não estão englobados no nosso bloco de constitucionalidade. No Brasil não se colocou, por outro lado, a discussão sobre normas comunitárias e a sua relação com a CF. O tribunal de justiça da União Européia, com o passar do tempo, firmou alguns princípios. Dentre estes princípios temos a aplicabilidade imediata do direito comunitário e a supremacia do direito comunitário. A norma editada pela comunidade vale mais que as constituições dos Estados. E aí houve uma certa reação das cortes constitucionais. Caso bem interessante foi o que ocorreu na Alemanha onde houve dois julgamentos. O primeiro caso: a corte constitucional alemã estava debatendo se ela poderia exercitar controle de constitucionalidade sobre a norma editada por órgão comunitário. Como na época a União Européia não

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dava muita bola para direitos fundamentais, a corte alemã decidiu o seguinte: enquanto ela não der um tratamento aos direitos fundamentais no mínimo equivalente ao nosso, nós continuaremos exercendo o controle de constitucionalidade sobre as normas emanadas dos órgãos comunitários. Aí posteriormente a União Européia passou a tutelar esses direitos, utilizando-se como paradigma a Corte Alemã. no segundo julgamento decidiu-se o seguinte: enquanto a União Européia persistir no uso desse paradigma nós não vamos exercer o controle de constitucionalidade. Há alguns autores que sustentam a possibilidade de transplantar essa teoria do direito comunitário para o Brasil. Mas, é uma posição minoritária. A realidade do Mercosul é incomparável com a União Européia. A União Européia caminha a passos largos para se tornar uma federação. Talvez daqui a 20 anos não exista mais estados europeus, mas um Estado Europeu. No Brasil, definitivamente normas comunitárias não integram o bloco de constitucionalidade.

b)PRINCIPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO - qual é a idéia da interpretação conforme a constituição? Existem dois pontos importantes. Primeiro: toda norma por uma questão lógica deve ser interpretada à luz da norma superior da qual ela tem matriz de validade. Se a CF é o fundamento de validade de todas as normas, isto significa que qualquer lei, qualquer ato normativo deve ser interpretado à luz da CF. Só que a questao principal se coloca quando a interpretação mais obvia de um ato normativo conduz esse ato à inconstitucionalidade. Por que eu estou me referindo à interpretação mais obvia? Porque já esta superada a idéia de que a norma possui apenas uma única interpretação. Suponhamos que um determinado preceito legal pode ser interpretado de duas formas:

FORMA A - da forma A ele é inconstitucional

FORMA B - da forma B ele é constitucional

As duas exegeses são possíveis. A Exegese B torna a lei inconstitucional. O STF entende que a exegese correta é a forma A. Isso de certa forma é uma projeção da presumibilidade das leis constitucionais, onde eu só posso afastar uma norma da ordem jurídica depois de exauridas todas as possibilidades hermenêuticas de buscar um sentido para a norma que a compatibilize com o texto maior. O Direito sempre tenta preservar a norma. O reconhecimento da legitimidade das normas como emanação da vontade do povo. O controle de

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constitucionalidade é contramajoritario porque através dele um órgão não eleito vai afastar atos emanados de quem foi crismado pela vontade popular. Ele só deve ser exercido quando tiver outro jeito. Na medida em que reconheço a legitimidade da lei, vou tentar salvar a lei. Eu só vou afasta-la quando esgotadas todas as possibilidades eu não conseguir uma interpretação que a concilie com a CF.

O interessante é que a interpretação conforme a constituição deixou de ser um principio hermeneutico e foi paulatinamente se convertendo numa técnica de precisão de controle de constitucionalidade. E como tal, a interpretação conforme a constituição está disciplinada hoje nas leis 9868 e 9882 (ADIN e ADPF). Do que se trata? Suponhamos que uma norma seja objeto de uma ADIN. Ora, o STF chega a conclusão de que a norma na sua interpretação usual realmente padece de inconstitucionalidade. Mas, há uma forma de salva-la. Há uma exegese. O que ele vai fazer? Ele vai fazer decidir por essa exegese de um modo vinculante para todos os outros poderes. Como o STF fazia antes da adoção da interpretação conforme a constituição? Ele julgava a ação improcedente e na fundamentação ele falava sobre as interpretações. Só que a fundamentação não vincula. Por isso se criou essa técnica. Não se diz mais se a norma é constitucional ou inconstitucional. O STF diz que a norma é constitucional desde que interpretada da seguinte forma. Esse plus agregado no dispositivo terá efeito vinculante e erga omnes.

O STF faz uma certa confusão entre interpretação conforme a constituição e declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Eles são diferentes. NÃO LEIAM O ALEXANDRE DE MORAES NESTA PARTE, POIS ELE NÃO ENTENDEU BEM ESSA MATÉRIA.

O que elas tem em comum? Nos dois casos você vai ter uma decisão que vai vincular e que de alguma maneira vai suprimir algo da norma. Na interpretação conforme a constituição vai se suprimir uma das possibilidades interpretativas da norma. Por que as pessoas têm dificuldade de aprender isto? Porque dentro da nossa formação positivista a gente tende associar a norma com o texto da norma. Norma não é só texto de norma. Na interpretação conforme constituição se escolhe uma dentre as exegeses possíveis. Não se cria ou mutila o âmbito de incidência da norma. Exemplo de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto: a lei complementar 75, que trata do MP, tinha um dispositivo que vedava a atividade político-partidaria de membro do MP, salvo a filiação eleitoral. Esse dispositivo tem varias interpretações. A parte do texto que fala em salvo filiação eleitoral, a norma estava se referindo a que membro do MP? A todo

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mundo - ativos e inativos. Só que o STF entendeu que a filiação a partido é incompatível com o exercício da atividade pelo MP. Compromete a imparcialidade. Só que se o STF simplesmente declarasse inconstitucional o dispositivo qual seria a conseqüência? Eu teria uma norma hipótese de inelegibilidade porque ninguém pode concorrer à eleição no Brasil sem estar filiado a um partido. O STF decidiu então: o artigo só vale para os membros do MP que se licenciarem para concorrer à eleição. Eu pergunto: isto é interpretação conforme a constituição? Está exegese era uma das exegeses que o texto acomodava? Não. Ao suprimir o espaço de incidência não subtrai nenhuma parte do texto. Na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto eu reduzo o campo de incidência da norma, sem no entanto atingir o texto da norma. Já na interpretação conforme a constituição opta-se por uma das exegeses em detrimento das outras. Essa distinção é encontrada em raras doutrinas, mas não no STF. O STF utiliza as duas como sinônimo. Uma prova de que não se trata de sinônimo é a lei. Leia o art. 28, parágrafo único da lei 9868. Se fosse um instituto só o legislador não ia falar dessa forma no dispositivo.

Existem limites para a interpretação conforme a constituição? Sim. O primeiro limite é o próprio texto da norma. Quer dizer, eu não posso criar uma interpretação louca porque o STF esta agindo como legislador negativo. Se ele esta tentando manter a obra do legislador, ao criar uma interpretação louca ele estará legislando positivamente.

c) PRINCIPIO DA PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS - por que se presume a constitucionalidade das leis? Primeiro lugar: por uma questão de operacionalidade do direito. Segundo lugar: o judiciário no controle de constitucionalidade deve atuar com uma certa cautela, em decorrência da presunção de constitucionalidade. A presunção de constitucionalidade é uma presunção relativa (iuris tantum).

Será que todas as normas tem o mesmo grau de presunção de constitucionalidade? A jurisprudência americana, desde 1938, adota a teoria dos standarts. Segundo a Suprema Corte Americana as normas que interferem no exercício de certos direitos fundamentais básicos(religião, expressão, etc) e as normas que podem atingir certas minorias, vitimas tradicionais de preconceitos, tem a presunção de constitucionalidade invertida. Tal sorte, que vai ser ônus do legislador, caso seja discutida a constitucionalidade da norma,

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demonstrar que aquela norma é constitucional. Qual é a formulação que esta por detrás disso? Tem a ver com a própria compreensão do controle de constitucionalidade como um mecanismo contramajoritario. Ora, se ele por um lado é contramajoritario, se ele de alguma maneira tem alguma relação de tensão como a democracia, por outro lado uma das funções é de proteger os pressupostos da democracia. O fato é que existem certas minorias que por uma serie de questões são estigmatizadas no cenário político. Quando eu inverto a presunção de constitucionalidade eu estou desobstruindo os canais de processo democrático. Então, nos EUA opera-se uma inversão da presunção de constitucionalidade de norma que por exemplo possa restringir direitos de minoria étnica, estrangeiros, etc. Para o professor parece plausível transplantar essa doutrina para o Brasil. O Clemerson Cleve e o Barroso adotam a mesma opinião.

Por que existe presunção de constitucionalidade numa sociedade democrática? Porque a lei demanda do legislador, e este é legitimado pelo próprio povo. Será que a gente não pode dizer que quanto maior for a participação popular numa norma, mais cauteloso deve ser o judiciário para controla-la? Quanto mais afastada a norma estiver de mecanismos de participação popular mais se pode reconhecer um ativismo judicial não legitimo. Será que uma lei aprovada por plebiscito, com intensa discussão popular, deve se sujeitar ao mesmo standard de controle de constitucionalidade de um ato normativo primário editado pelos burocratas de uma agencia reguladora? É obvio que não. Quanto maior for a participação popular, direta ou indireta, na elaboração de uma norma, mais cauteloso deve ser o judiciário quando controlar a constitucionalidade dessa norma. Isto é absolutamente tranqüilo na Europa. Se o que justifica a presunção de constitucionalidade é a idéia de que a lei emana do povo, é licito a gente afirmar que quanto maior for a participação do povo no processo de elaboração da norma mais cauteloso deve ser o judiciário no controle de constitucionalidade dessa norma. Vamos supor que uma lei seja aprovada depois de um plebiscito, onde 90% da população ficou a favor, o judiciário não deve levar isto em consideração? Deve levar. Eu estou querendo mostrar que a presunção de constitucionalidade não é uma grandeza monolítica. Ela é uma idéia que permite gradações. Existe um livro muito bom acerca desse tema- "LEGISLAÇÃO SUSPEITA" do Sérgio Mouro - editora.

PERGUNTA DE ALUNO: nessa doutrina norte-americana da gradação da presunção como o legislador iria se desincubir do ônus de demonstrar a

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necessidade? Não é quando ele edita a lei. Por exemplo, a lei esta sendo controlada. Ele vai ter que demonstrar que aquela norma era o único meio para tutelar o bem jurídico.

Vou dar um exemplo aqui para demonstrar o efeito prático dessa aplicação e até fazendo uma critica ao entendimento do STF: O STF esta entendendo que limite de idade em concurso publico é admissível desde que a natureza das atribuições do cargo tenha alguma relação. Mas aí eu pergunto: Ora, concurso por exemplo para o PM. O edital fala que só até 40 anos. O que se quer aferir com a idade? Capacidade física. Existe algum outro meio que avalie a capacidade física que não reflete nenhum preconceito? Existe, é o teste físico. Entao, isto é inconstitucional.

Agora, se a idéia é concurso publico para guarda de presídio feminino, limita-se os cargos para as mulheres, porque não se quer expor as presas ao constrangimento de serem revistadas por homem. Existe algum outro meio? Parece que não.

Eu não vou dizer que sempre é inconstitucional a discriminação, mas o ônus argumentativo de quem se vale da discriminação é muito maior. Sabe qual é o problema para lidar com a questão dos standards no Brasil? É que nós não estamos acostumar a trabalhar com racionalidade prática. A gente pensa assim: é constitucional ou não é inconstitucional. Pode ou não pode.

d) PRINCIPIO DA FILTRAGEM CONSTITUCIONAL - para quem esta fazendo concurso publico recomendo a leitura do livro chamado "Filtragem Constitucional" do Paulo Ricardo Schier. O Barroso adora este assunto. Qual é a idéia? É um pouco alem da interpretação conforme a constituição. A idéia é de que uma constituição como a nossa, uma constituição dirigente, analítica, que trata de praticamente tudo, deve-se reexaminar todos os institutos jurídicos filtrados a partir da axiologia constitucional. Não é um processo que só vai ser desencadeado no exercício do controle das leis. É algo mais profundo. É assumir no dia a dia a constituição como norma jurídica e passar a revisitar todos os institutos do direito civil, penal a partir da constituição. Este tema é a tônica da constitucionalização do direito privado. A constitucionalização do direito privado não é só transplantar para a constituição os institutos privados. Ela significa que eu vou reler, reexaminar todos os institutos - ex: contratos, obrigações - que às vezes não estão previstos na constituição, mas a partir de uma ordem de valores

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que essa constituição instaura. Quando eu, por exemplo, vou aplicar uma norma penal devo levar em consideração a constituição. Quando eu for aplicar uma norma de contrato de locação, devo pensar nos direitos fundamentais. A filtragem é uma postura que busca recuperar toda a normatividade constitucional e faze-la interagir com a realidade. ex: o juiz da vara civil deve folhear o código civil e a constituição. Será que é razoável que um proprietário de um fusquinha que bateu numa mercedes, agindo com culpa levíssima, perder todo o seu dinheiro para compor os danos, quando para o proprietário da mercedes não faz tanta diferença? É uma série de novos caminhos que vão se abrir a partir da filtragem constitucional.

Ex: o STF não controla em sede de recurso extraordinário a inconstitucionalidade indireta. Suponha que o juiz deu um prazo de 1 dia para contestar uma ação. Isto não afeta o contraditório e o devido processo legal? O STF não admite extraordinário disso, argumentando que para chegar à conclusão de que não houve o devido processo legal eu tive que ir ao CPC. O professor fala que isto é errado, mas é o que o STF faz.

e) PRINCIPIO DA EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO (OU PRINCIPIO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO) - qual é a idéia central aqui? Durante muito tempo a constituição não foi pensada como norma jurídica. Reconhecia-se a força normativa somente das normas de caráter organizatório da constituição. Com o passar do tempo a força normativa da constituição foi se afirmando. Hoje, o grande problema repousa nos direitos sociais e econômicos e nas chamadas normas programáticas. Durante boa parte do séc. XX, a doutrina negava caráter jurídico às normas programáticas, pois dependiam para a produção de seus efeitos totalmente da boa vontade do legislador. Dentro deste quadro é que se formou a classificação entre normas auto-aplicáveis e normas não auto-aplicáveis. Normas não auto-aplicáveis é como se não fosse normas, só que a doutrina contemporânea critica está posição porque toda norma da constituição possui algum grau de eficácia. Quando a gente estudar as classificações das normas constitucionais vamos ver com mais detalhes essa questão. Então a idéia é que o interprete tem o dever de buscar extrair de cada norma constitucional a maior eficácia possível. Eu vou sempre tentar aplicar a constituição diretamente. Não é necessário intervenção do legislador para que a constituição valha, para que a constituição tenha efeitos jurídicos. Sempre que possível eu aplico diretamente a constituição. E se uma norma constitucional comporta varias exegeses deve ser preferida aquela que atribui à norma uma

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eficácia mais ampla, aquela que permite extrair da norma maiores efeitos práticos. Esse é o principio que toda doutrina proclama mas que freqüentemente é descumprido. O que se explica um pouco pela dinâmica da nossa constituição. Tem um autor de Pernambuco, chamado Marcelo Neves, que o Livro "A Constituição Simbólica", onde ele diz que além da dimensão normativa a constituição tem uma dimensão simbólica de acenar para um novo mundo, etc. O problema é que a nossa constituição teve uma sobrecarga da dimensão simbólica em detrimento da dimensão normativa. As pessoas colocaram promessas demais na constituição e às vezes não havia como na prática cumprir aquelas promessas. A gente vê isso como muita facilidade quando percorre o elenco de direitos sociais-econômicos (direito à moradia, direito a lazer,etc). A postura que se recomenda hoje ao interprete é buscar extrair a máxima eficácia de cada dispositivo constitucional, inclusive do preâmbulo e princípios. Daí a gente pode notar um fato curioso: talvez a principal característica do direito constitucional contemporâneo, chamado pelo Paulo Bonavides como o direito pós-positivista, é a força que se atribui aos princípios. Vamos lá no art. 4º da LICC. Em caso de lacuna aplica-se a analogia, costumes e princípios gerais do direito. Os princípios eram a ultima tentativa para se integrar a norma. Hoje, entende-se que principio não é somente fonte do direito, é uma das normas jurídicas das mais importantes. Os princípios têm uma força normativa. Esse é um dos desafios do direito constitucional contemporâneo. No Brasil, a doutrina faz uma critica ao STF, no sentido de que se tem com grande freqüência negado reconhecer a aplicabilidade imediata de alguns institutos. Por exemplo: limites constitucionais de juros - art. 192 da CF, direito de greve do servidor (é um direito fundamental onde o STF entende que na ausência da lei não poderá ser exercida). O que é efetividade segundo a concepção do livro do Barroso? Um ato jurídico qualquer poderia se examinado em vários planos. O primeiro plano quanto à existência. O segundo plano diz respeito à validade. O terceiro plano diz respeito à eficácia. Eficácia é a aptidão da norma para produzir efeitos jurídicos. No quarto plano avalia-se a efetividade. Efetividade é a produção de fato dos efeitos previstos na lei. É a aproximação que deve ser a maior possível entre o mundo do dever ser (mundo normativo) e o mundo do ser (realidade social). Quando se fala na efetividade da constituição o que se esta enfatizando é que a constituição deve viger como norma jurídica.

f) PRINCIPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO - a constituição de alguma forma integra um sistema. Não um sistema fechado, mas um sistema aberto e

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dinâmico. A abertura da constituição se dá em razão seja do seu caráter fragmentário não impositivo, seja da própria linguagem das normas constitucionais. As constituições estão alicerçadas em princípios expressos que permite a sua adaptação a novas situações concretas. Isto faz com que a constituição possa respirar. O difícil é que o sistema vai sendo encontrado lá na constituição. O sistema é uma tarefa. O que eu quero dizer com isso? Na constituinte tínhamos desde o representante da extrema esquerda até o representante da extrema direita. Cada um lutando pelo seu quinhão. O resultado da produção não foi um corpo homogêneo de normas. Nós vamos encontrar na nossa ordem constitucional dispositivos que derivam de matrizes muito político-ideológicos muito diferentes. A nossa constituição é tipicamente compromissória. Agora o intérprete, aquele que vai aplicar a constituição, ele sim tem a obrigação de buscar harmonizar essas tensões. O interprete vai ter que ter uma certa criatividade. O ato interpretativo não vai ter uma dimensão puramente declaratória porque se um conflito entre normas da constituição for deflagrado (ex: privacidade x liberdade de imprensa) o fato é que aqueles critérios clássicos para solução de antinomias vão ser de escassa utilidade. Pensemos: critério cronológico? Ora, as normas foram feitas no mesmo momento. Critério hierárquico? Não existe hierarquia entre as normas constitucionais. Critério da especialidade? Poderá ser invocado algumas vezes. Ex: eu posso suscitar conflito entre um dispositivo que determina a inafastabilidade do controle judicial com aquele dispositivo que trata do processo de impecheament - vou chegar à conclusão que o resultado do processo de impecheament não é suscetível de controle judicial, pois ele é uma exceção ao critério legal. Agora, com grande freqüência eu vou me defrontar com normas que não são especiais em relação às outras e que podem entrar em conflito. O que é mais especial: a propriedade ou a proteção ao meio ambiente? Não existe especialidade aqui. Na solução de casos concretos estes princípios portanto serão inúteis. Entao, como equacionar isso? Existe um outro sub principio chamado Ponderação de interesses. Vamos falar dele abaixo.

g) PRINCIPIO DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES - a idéia é que quando princípios constitucionais divergentes entram em choque o interprete deve buscar a solução que sacrifica o mínimo possível os bens jurídicos protegidos por cada um deles. E deve faze-lo dentro de uma lógica de proporcionalidade. Eu só vou restringir aqui o que for indispensável para a salvaguarda do principio que esta em choque. Eu tenho sempre que ver a relação custo-beneficio. A restrição

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a qualquer um dos bens jurídicos tutelados por princípios contrapostos só é justificável se em razão disso se tem um ganho superior à tutela do bem jurídico contraposto. Qual é a dificuldade que nós temos? Que não estão em jogo grandezas que possam ser quantitativamente mensuradas. Entao reconhecer que é necessário fazer uma ponderação significa conferir uma certa margem valorativa para o órgão encarregado de proceder a está ponderação. A ponderação pode ser feita abstratamente pelo legislador, por exemplo. Nós temos o principio da liberdade de imprensa e temos uma lei sobre a imprensa. O legislador esta ponderando este principio. A ponderação pode ser feita pelo juiz. Suponhamos que um ator seja flagrado saindo do motel e um fotógrafo de revista de fofoca tira a foto. Eventualmente, o ator entra com uma ação para impedir a publicação das fotos. O Juiz vai ter que decidir ponderando a liberdade de imprensa com a liberdade `a privacidade. Entao, ponderação não é feita somente no caso concreto pelo judiciário. O Legislador tb pondera. Por isso é que aquela classificação do José Afonso da Silva (normas de eficácia plena, contida e limitada) é furada, porque mesmo quando a própria norma não faculta a restrição, a restrição é feita numa ponderação de interesses em prol de outros princípios constitucionais. Agora, ressalto para concurso publico desconsiderem o que eu acabei de falar porque essa classificação ainda cai nos concursos. Qual é o grande problema que envolve a ponderação? Há uma margem indeterminação. As grandezas em jogo não são quantitativamente mensuráveis. Nós não teremos, por um outro lado, um decisionismo. Não teremos um jogo arbitrário que decida de acordo com a sua vontade. Então eu preciso de critérios, standarts. A proporcionalidade já um standart. Um outro fato importante: no ponto de vista substantivo, a ponderação deve se orientar para a promoção dos grandes valores constitucionais. Como é que eu vou aferir se a ponderação feita pelo juiz esta certa ou errada? Aqui a fundamentação vai desempenhar um papel vital. O que acontece com muita freqüência nas decisões prolatadas pelos juizes? O sujeito tem um sentimento de que a melhor decisão para o caso é a X. Aí ele decide do modo X e depois visa justificar isso construindo um silogismo. Ele apresenta um julgamento como sendo um resultado inexorável de uma subsunção. Quando, na verdade, na prática, não teve nada de subsunção. O Ministro Marco Aurélio chega a defender isso, até mesmo em ementa: "O juiz deve decidir com base no seu espírito de justiça e a sua formação humanística e depois deve tentar justificar à luz do ordenamento positivo a sua decisão." Isso aí é negação do Estado de Direito. O Ministro, na verdade, esta dizendo: "eu estou mentindo. Minha fundamentação é mentirosa. Eu decidi por alguma coisa e estou fundamentando por outra". Para que serve a fundamentação? Não é para esclarecer as razoes que levaram a alguém julgar daquela determinada forma? Fundamentação não é

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um pressuposto formal das decisões. É um corolário do Estado de Direito. A fundamentação se torna indiferente do ponto de vista do controle social. Então, é muito importante que numa ponderação você fundamente devidamente. Uma outra característica da ponderação: não necessariamente a solução para conflito entre dois princípios será a mesma para todos os casos. A ponderação é dependente das circunstancias do fato concreto. Uma hipótese: O Jader Barbalho entra uma ação dizendo que jornais quando determinam uma determinada matéria estão lesando a sua imagem. Prevalece a liberdade de imprensa porque ele trata-se de uma figura publica. Agora suponhamos que um jornalista resolva fazer uma matéria sobre excentricidades sexuais e começa a filmar as pessoas saindo do motel. Temos tb um conflito entre liberdades de imprensa e privacidade, mas aqui a privacidade prevalece. Com o passar do tempo, vamos criando standarts. Hoje, eu já sei que na ponderação entre prova ilícita e presunção de inocência, prevalece a ultima. Quer dizer: se o único jeito de provar a minha inocência é utilizando-se uma prova ilícita, a prova será valida. Agora, uma certa margem decisória sempre vai subsistir, até mesmo porque trata-se de um sistema aberto. O grande problema é como compatibilizar a necessidade de estabilidade e segurança (inerente ao Estado de Direito) como o dinamismo que deve revestir uma técnica de composição de conflitos constitucionais. Quando a gente opta por ponderação de interesses, implicitamente estamos rejeitando uma possibilidade: a possibilidade de resolver conflito entre normas da constituição com a eliminação de uma dessas normas. Hoje, temos uma obra do Otto Bachoff, chamada "Normas Constitucionais Inconstitucionais", onde ele defende posição contraria. O livro foi resultado de uma palestra proferida em 1951na Alemanha. Nesta época, ressalva-se, acabava-se de sair da segunda guerra mundial. A segunda guerra mundial empacou a teoria constitucional, tornando praticamente impossível o posivitismo, pelo menos na sua versão extremada. É nesse contexto de renascimento do jusnaturalismo que nasce a teoria do Bachoff. Ele diz o seguinte: uma constituição pode ser composta por normas de dois tipos diferentes. Um tipo de norma é criação do constituinte. O outro tipo de norma, o constituinte não está criando, ele apenas declara e reconhece valores supra-positivos superiores. Não é o constituinte que cria a igualdade, a democracia, a dignidade humana. Elas são anteriores e superiores. Isso é uma ruptura daquela visão do poder constituinte ilimitado. Segundo ele quando o constituinte editar normas que colidem com esses valores supra-positivos seria possível declarar a inconstitucionalidade dessas normas. Ele escolher uma expressão equivocada: inconstitucionalidade de norma constitucional. Ele se baseia numa certa gradação entre as normas da constituição. No Brasil, poucos autores defendem essa tese. Maria Helena Diniz é

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uma delas. Mas considerando a CF, que é progressista e que consagra os grandes valores jurídicos dos direitos humanos, eu não vejo o porquê adotar essa teoria porque me parece que ela implica em riscos desnecessários que não convem que a gente use. Vamos supor um o juiz conservador que afirme que o grande valor supra-positivo é a propriedade. Aí ele indefere a inicial de uma desapropriação para a reforma agrária , exercendo o controle de constitucionalidade de norma constitucional. Vale a pena arriscar? Não vale devido ao caráter da constituição brasileira e pela natureza do controle de constituição. Na Alemanha o controle é somente concentrado. No nosso controle difuso imagine o caos da incerteza que recairia sobre todo o ordenamento jurídico.

h) PRINCIPIO DA CORREÇÃO FUNCIONAL (ou PRINCIPIO DA EXATIDÃO FUNCIONAL) - é um principio muito ligado à lógica da separação de poderes. Como a gente na aula passada, cada poder, cada instancia estatal tem o seu papel próprio na interpretação da constituição. Quem é dá a primeira palavra na concretização da constituição? É o legislativo. O juiz dá a ultima palavra. Cada poder deve se limitar ao seu papel e deve reverenciar a função do outro na interpretação da constituição. Isso é muito importante quando a gente discute os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Com base no principio da razoabilidade o juiz se quiser pode invalidar qualquer coisa. Só que ele não deve fazer isso. Em principio quem deve optar pelo que é razoável não é ele, é o legislador. O juiz só deve usar razoabilidade quando a situação for flagrante, porque senão o juiz vai começar a substituir o legislador. O que é muito perigoso: a ditadura dos juizes. Agora, a correção funcional tb serve para o legislativo. Suponhamos que o STF tenha firmado posição sobre o papel da lei complementar. O legislador não poderá editar lei contrariando aquela posição. Ele deve, sempre que possível, se orientar pela interpretação já firmada pelo judiciário. Uma discussão muito importante sobre o papel dos poderes na interpretação da constituição é aquela que conserva a faculdade do executivo determinar o descumprimento de leis inconstitucionais. Fora do Brasil é praticamente unânime a idéia de que não pode. Aqui no Brasil, no entanto, é que se firmou a idéia de que uma lei inconstitucional não vincula ninguém e por isso o executivo poderia descumprir a lei. Pela constituição passada, o chefe do executivo não tinha legitimidade para propor ADIN. Hoje, o chefe do executivo pode propor ADIN. Entao, será que ainda se justifica essa disposição? De qualquer forma, o STF entende que o executivo pode se recusar a cumprir a lei

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inconstitucional. Tem uma sumula do tribunal de contas sobre isso. Partindo da premissa de que o executivo possa agir assim, ele só deve agir assim quando a situação de inconstitucionalidade for flagrante. Não é que o legislativo não deva interpretar a constituição, mas deve faze-lo com cuidado e moderação. Não falei aqui dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, porque eles serão estudados dentro dos princípios fundamentais.

Vimos então os principais princípios de hermenêutica constitucional. A grande dificuldade vem do fato de que não há uma hierarquia entre esses princípios. Esses princípios podem apontar caminhos diferentes. Logo a hermenêutica constitucional nunca vai caber dentro de uma lógica matemática. Mesmo que eu reconheça certos princípios vinculantes, entre eles há um jogo.

Obs: principio da proibição de retrocesso: principio formulado na Alemanha e na França no seguinte sentido: quando se tem um direito fundamental ou uma norma programática onde o legislador o regulamente. Neste caso cria-se um espaço no qual não vou poder retroceder. Então por exemplo: o art. 5º, VI fala do direito à moradia. A doutrina dominante entende que eu não posso a partir dali exigir genericamente uma casa para mim. Entao vamos supor que o poder público edite uma lei prevendo a forma de dar moradia para pessoas hipossuficientes. O direito está na constituição, mas na medida em que eu o regulamento eu demarco um ponto do qual não posso retroceder. Está norma não poderá ser revogada. Essa discussão foi recentemente objeto de atenção, quando o governo quis editar uma MP dizendo que o problema de energia não se limitava ao CDC. Ora, o CDC tem estatura constitucional? Não, então por que violaria a constituição afirmar que o CDC não se aplica à energia? Não foi uma lei que fez, uma outra lei não pode tirar? Neste caso invoca-se o principio da proibição de retrocesso, onde na medida em que uma lei concretize um direito ela não poderá se revogada. Ela poderá ser alterada, mas não revogada. Canotilho fala que este princípio impede que o legislador caminhe para trás sobre seus próprios passos. A grande discussão sobre este principio é o seguinte: será que afirmar que existe uma proibição de retrocesso não é de certa maneira colocar uma camisa de força nas instancias políticas? Eu acho que no atual contexto de crise do bem estar social, onde a tendência é muito mais tirar direitos do que colocar, este principio se torna um dos mais importantes na atualidade brasileira. Essa mudança recente acerca da flexibilização da CLT é um

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exemplo. O Governo foi suficientemente esperto em não mexer em nenhum direito que estivesse lá na constituição. Ele não flexibilizou direitos elencados no art. 7º. Ele flexibilizou direitos que a CF abria e a CLT concretizava. Vamos falar mais desse principio numa determinada aula.

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5ª AULA

15/04/2002

A hermenêutica abrange não somente a interpretação mas tb a aplicação das normas. A aplicação tb pode se dar nas lacunas. Existe lacuna constitucional? As constituições são fragmentarias logo nenhuma constituição tem o propósito de exaustividade. As constituições, propositadamente, deixam espaços abertos para o legislador. Caso contrario a constituição seria totalitária. A constituição não tem a pretensão de disciplinar de modo exaustivo coisa alguma. Ora, será entao que quando a constituição não trata de uma matéria há uma lacuna ou o que há é apenas um espaço livre para o legislador? A gente pode dizer que na maioria dos casos o que existe realmente é um espaço livre para o legislador. Mas isso não é incompatível com o reconhecimento do fato de que em algumas situações existe realmente uma lacuna na constituição. A isso se dá o nome de reserva de constituição. Reserva de constituição ocorre exatamente quando a disciplina de determinado tema é absolutamente subtraída do campo do legislador. E se há espaço em sede constitucional, este espaço em branco vai constituir uma lacuna. Ex: antes da emenda 32 não havia limites temáticos para a medida provisória. Isso significava que a medida provisória poderia tratar de qualquer tema? Não, isso até o próprio STF já dizia: não cabia medida provisória para matéria criminal, para matéria de lei complementar, etc. Ora, mas não havia nenhuma norma na constituição dizendo aquilo!! Será entao que por não haver nenhuma norma constitucional expressa houve uma remissão ao legislador? Uma lei poderia estabelecer os limites temáticos para medida provisória? Nós tínhamos aqui uma lacuna constitucional. SÓ É POSSÍVEL QUE EXISTA LACUNA CONSTITUCIONAL QUANDO A MATÉRIA NÃO DISCIPLINADA FOR OBJETO DE UMA RESERVA DE CONSTITUIÇÃO. E QUANDO EXISTE UMA RESERVA DE CONSTITUIÇÃO? ORA, ISSO É MATÉRIA DE HERMENÊUTICA. Ex: a CF dita as hipóteses de perda da nacionalidade. Uma lei pode criar uma outra hipótese de perda da nacionalidade? Não pode. Ora, o texto constitucional esqueceu-se de uma hipótese: anulação do processo de naturalização. Vamos supor que o processo de naturalização tenha se pautado pelo dolo de quem requereu a naturalização e depois descobre-se este dolo (documento falso para comprovar a residência no Brasil). Esta matéria está sob reserva de constituição. Quando em caso de reserva de constituição, não há norma constitucional, existindo lacuna devemos recorrer aos meios de

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integração. O art. 4º da LICC se refere aos mecanismos de integração. Esse dispositivo pode ser aplicado em sede constitucional? Se fosse uma simples norma legal criando um meio de integração parece que não. Mas essa norma não está criando nada, ela está reconhecendo que são conceitos teóricos sedimentados independentes do legislador. Agora uma critica a esse dispositivo: ele se suportava sob uma visão positivista dentro da qual princípios não eram normas. Principio é visto como meio de integração. Isso é compatível com o constitucionalismo moderno? Não porque principio hoje é visto como norma. Se o principio incide não há lacuna. As normas podem se subdividir em princípios e regras. Se o principio da dignidade humana exige um determinado comportamento estatal eu posso dizer que há lacuna ali? É claro que não. Afirmar que princípios gerais do direito constitucional são meios de integração da lacuna significa desconsiderar a força normativa dos princípios. Os princípios num patamar axiológico são mais importantes que as regras. Agora, eu posso me valer da analogia em sede constitucional? Ex: antes da emenda 32 os doutrinadores afirmavam que como não tinha norma usava-se o art. 68 da CF que dita os limites temáticos para lei delegada. Que tipo de raciocínio era esse? A analogia. Eu buscava a ratio da norma. LOGO NÃO HÁ INCOMPATIBILIDADE ENTRE ANALOGIA E LACUNAS. Eu vou buscar a analogia com normas inseridas aonde? Eu posso suprir uma lacuna da constituição recorrendo à analogia com uma norma que está no CC? Não. Somente por outras normas da própria constituição. Existe costume constitucional? José Afonso da Silva afirma que não porque o costume é incompatível com a constituição rígida, ele muda de modo informal. Mas essa é uma posição absurda!!! O fato de haver uma constituição rígida não significa que não existam elementos informais naquela constituição. Da mesma forma que o fato de existir uma constituição costumeira, como a inglesa, não excluir a presença de normas escritas. Numa constituição escrita e rígida existe espaço para o costume. Agora, o costume constitucional tem como limite a própria constituição. ex: STF num julgamento recente demonstrou a existência do costume constitucional: processo de incorporação do tratado. Esta na CF que o tratado é celebrado pelo chefe do executivo e tem que ser aprovado pelo Congresso através de decreto legislativo. É só isso que esta na CF. Ocorre que sempre se exigiu a promulgação do tratado através de um decreto do chefe do executivo. Ai no caso concreto havia um tratado já aprovado pelo Congresso através de um decreto legislativo mas não promulgado pelo chefe do executivo através do decreto. Discutiu-se a aplicabilidade ou não daquele tratado. Nesse julgamento afirmou-se que a aplicabilidade desse tratado através de decreto presidencial envolve costume constitucional.

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Existe espaço para a equidade constitucional? Sem dar nenhuma resposta definitiva, me parece que o grande espaço para a equidade na integração das lacunas constitucionais é o criado pelo mandado de injunção. A idéia do mandado de injunção era exatamente de dirimir conflitos constitucionais pela equidade. Se havia um direito dependente de regulamentação e seu titular não podia exerce-lo o judiciário elaboraria a norma para o caso concreto como se legislador fosse (posição da doutrina). Agora, o STF rejeitou essa decisão. O STF disse que o judiciário não pode agir como legislador positivo. Esse posicionamento pode ser discutido. O Barroso discute isso. A concepção ortodoxa, tradicional não tem deixado muito espaço para a equidade. O judiciário de certa forma cria quando dirime conflitos constitucionais. Essa margem de criatividade tende a se tornar mais ampla quanto mais a norma constitucional for indeterminada. Agora, não me parece que nestas situações não haverá julgamento por equidade porque há uma margem positiva do julgamento dentro de uma moldura de ato cognitivo prévio. Quer dizer: eu crio nos limites que a norma estabelece. Na equidade eu parto da premissa de que não há norma, de que há lacuna.

CONSTRUÇÃO CONSTITUCIONAL: eu, sem norma expressa, a partir de parâmetros auferidos da própria constituição, construo uma norma que solucionará o caso. vou dar um exemplo importante no direito positivo brasileiro: os prefeitos tem foro de julgamento no tribunal de justiça. E tem um artigo na CF que diz que os crimes contra bens da união são da competência da justiça federal de primeiro grau. O STF, de certa forma, compôs estas duas regras, para dizer o seguinte: se prefeito comete bens de interesse da união a competência vai ser do TRF. Este é o típico caso de construção. Eu não tinha uma norma e a partir de outras normas compus uma solução para o caso. A construção constitucional guarda uma semelhança com a analogia, mas não é exatamente analogia.

Ainda dentro da hermenêutica podemos analisar a questao da aplicação da lei fundamental no tempo e no espaço.

A CONSTITUIÇÃO NO TEMPO

A gente viu quando estudou poder constituinte originário que esse poder tem, pelo menos dentro da teoria clássica, natureza inicial. Ele inaugura a ordem

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jurídica e não está adstrito ao direito pretérito. Mas algumas situações de tensão podem ser colocar. NÃO CABE INVOCAÇÃO DO DIREITO ADQUIRIDO CONTRA PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. QUANTO AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO PODE. (o professor acha que não pode, mas ele é minoritário). Vem uma norma da constituição e equiparou para fins sucessórios, para fins de direito de família os filhos legítimos e filhos ilegítimos. A legislação ordinária anterior criava distinções. A constituição vai se aplicar numa sucessão que se abriu antes dela? A CF de 88 criou o usucapião urbano de 5 anos, sendo que o sujeito já estava ocupando o imóvel há 4 anos e meio. Esse tempo pretérito vai ser contado para esse fim? A solução é a seguinte: A CONSTITUIÇÃO PODE VIOLAR SITUAÇÕES JURÍDICAS CONSTITUÍDAS NO PASSADO, MAS SE O TEXTO CONSTITUCIONAL É SILENTE (não estabelece a sua aplicação retroativa) PRESUME-SE QUE SUAS NORMAS SÓ INCIDEM DALI PARA FRENTE. Ex: Quanto à equiparação dos filhos, houve decisão no STF dizendo que os inventários decorrentes de óbitos anteriores à CF de 88 se regiam pelo sistema jurídico anterior. SE FOI A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO QUE SALVAGUARDOU O DIREITO ADQUIRIDO, O ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA, POR UMA QUESTÃO DE HERMENÊUTICA PARTE-SE DA PREMISSA DE QUE EM NÃO DISPONDO O CONTRARIO, A CONSTITUIÇÃO DESEJA QUE NA APLICAÇÃO DE SEUS DITAMES O DIREITO ADQUIRIDO, O ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA SEJAM RESPEITADOS.

Muitas vezes para atenuar entre os contrastes entre a nova ordem constitucional e o direito pretérito o que é instituído? É o sistema de atos das disposições constitucionais transitórias. A razão da ADCT é atenuar o impacto da entrada em vigor da Constituição. Acontece que no caso brasileiro houve uma atecnia porque encontramos normas incluídas no ADCT que não possuem tal ratio. Ex: art. 68 que fala das comunidades de quilombos. Em tese que tipo de normas vamos encontrar no ADCT?

- Normas que retardam a eficácia da própria constituição.

- Normas que criam uma disciplina intermediária. Ex: art. 10 do ADCT.

- Normas que são editadas para produzir certos efeitos que se exaurem. Ex: a CF criou o Estado de Tocantins no ADCT.

Agora, não há do ponto de vista formal hierarquia entre normas do corpo permanente e do normas do ADCT. E decidiu-se que não há hierarquia

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entre tais normas. Alguns autores sustentaram que a norma estando no ADCT a norma não poderia sofrer reformas. Isso é besteira!!! Existem várias normas no ADCT que foram modificadas. Ex: CPMF.

Outro problema de constituição no tempo: a historia da RECEPÇÃO. Kelsen teorizou e criou o nome de recepção. o que é recepção? Os dispositivos anteriores da CF continuam vigorando desde que com ela sejam materialmente compatíveis. Mas, não são a rigor as mesmas normas porque elas vão sofrer uma mudança no fundamento de validade. Essa mudança no fundamento de validade tem efeitos sobretudo hermenêuticos extremamente importantes. Se eu devo interpretar uma norma à luz da norma que é a sua matriz de validade, eu hoje quando interpreto uma norma do CC não vou mais faze-lo tomando como paradigma a carta constitucional de 1891. Por que eu falei em compatibilidade material e não pura e simplesmente em compatibilidade? Porque nós não devemos aferir a validade do processo legislativo do qual decorreu a norma tomando como paradigma a constituição atual. O parâmetro vai ser a constituição em vigor na época em que a norma foi editada. Nesse particular: tempus regit actum. Por isso não há negativa de recepção, não há inconstitucionalidade superveniente em razão do fato de uma norma anterior não ter seguido o processo legislativo estabelecido na atual constituição. Essa é a causa, por exemplo, de um fenômeno muito comum em relação às leis complementares e leis ordinárias que é a RECEPÇÃO QUALIFICADA(ex: CTN) OU RECEPÇÃO DESQUALIFICADA. Isso vai criar uma distinção entre a natureza da norma e sua força passiva. EXEMPLOS DE RECEPÇÃO QUALIFICADA: Ex: durante a ditadura Vargas, o Vargas editou decretos que valiam como leis. Os decretos do Vargas foram recepcionados como lei em todas as constituições posteriores. Eu não posso mudar o decreto com um decreto. Ex: a constituição de 69 estabelecia que o STF podia disciplinar o processo jurisdicional nos feitos que lhe chegassem. Ele tinha competência legislativa sobre processo. Os regimentos internos de antes de 1988 não podem ser alterados por regimento interno. EXEMPLO DE RECEPÇÃO DESQUALIFICADA. Ex: vários autores defendem que agencia reguladora pode editar norma com força de lei por causa de dois dispositivos da constituição que falam do poder de regulação das agencias. Teria havido, segundo estes autores, em razão da CF uma recepção desqualificada das normas que versam sobre aquelas matérias que agora são objeto de tratamento pelas agencias.

Então repito: quando nós discutirmos recepção o parâmetro é substantivo. Eu vou analisar se o dispositivo anterior à constituição é ou

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não compatível com normas substanciais dessa constituição. Eu não vou me ocupar do processo legislativo.

Vamos complicar um pouco mais. Nós estamos tratando, por enquanto, de processo legislativo, mas e quando o caso for de mudança da competência dentro do processo legislativo? Ex: A CF de 69 dizia que era da competência do estado disciplinar determinada matéria. A CF de 88 diz que agora é da competência da União. Aquelas normas do Estado diante da CF continuam a valer? Muitos poucos autores falam disso. O Barroso fala disso e ele acha que continuam a valer. O Jorge de Miranda e o Pontes de Miranda acham que não continuam a valer. Eu acho que depende. Quando a transferência da competência se faz de cima para baixo (era da competência da União passou para Estado ou Municípios ou era da competência do Estado e passou a ser do Município) não há duvida de que a norma continua a valer. Essa é a opinião tb do Pontes de Miranda e do Jorge de Miranda. Por que? Porque você tinha uma norma geral da União que valia para todos os estados e municípios. O Município passou a ser competente. Até que o município edite uma lei sobre a questao, continua valendo a norma da União. Agora, vamos pensar o contrario: era da competência do Município e passou a ser da União. Como é que fica, por exemplo, diante do principio da isonomia pessoas nas mesmas situações e cada uma sendo tratada de modo totalmente diverso em cada um dos 5.647 municípios brasileiros? O Barroso fala que não há problema para isso. Mas eu vejo problema sim por causa do principio da isonomia. Eu acho que aqui em principio não haverá a recepção das normas dos municípios. Enquanto não a entidade competente não edite a norma, para o professor ficará sem lei regendo a situação. NUMA PROVA ELES PERGUNTAM ASSIM: EXISTE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL SUPERVENIENTE? Adotando o meu raciocínio que existe porque a inconstitucionalidade formal se desdobra em duas espécies: a inconstitucionalidade formal procedimental (diz respeito ao rito e ao processo legislativo) e a inconstitucionalidade formal por vicio de incompetência. Na inconstitucionalidade formal procedimental, em termos de processo legislativo não há porque o tempo rege o ato, agora na inconstitucionalidade formal por vicio de incompetência pode existir a inconstitucionalidade formal superveniente.

O que é uma não recepção? existem duas correntes. Cai muito em concurso:

1º) STF - NÃO REVOGAÇÃO É RECEPÇÃO.

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2º) CLEMERSON, SEPÚLVEDA PERTENCE, GILMAR FERREIRA MENDES- NÃO RECEPÇÃO É INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE.

Nas duas situações, o efeito da perda de viro e eficácia da norma é o mesmo efeito, mas há uma diferença importante no que se refere ao regime jurídico de controle. Se eu afirmo que é revogação não existe questao de controle de constitucionalidade. Se eu afirmo que é inconstitucionalidade superveniente, o caso será de controle de constitucionalidade. Na verdade hoje não há mais tanta importância nesta discussão porque a lei 9882, que tratou da argüição de preceito fundamental, tem um dispositivo expresso - art. 2º, II, permitindo o controle das normas anteriores à constituição através de decisões com eficácia erga omnes do controle abstrato e concentrado. Mas antes da lei 9882, se a gente afirmasse que era revogação a conseqüência seria o não cabimento de ADIN em relação às normas anteriores à CF. A importância ainda existe porque é muito provável que o STF julgue inconstitucional a lei 9882.

Vamos verificar quais são as conseqüências dessas duas concepções: se eu afirmo que o caso é de inconstitucionalidade superveniente cabe ADIN. Se cabe ADIN o STF pode decidir tirar a norma de uma vez por todas e soluciona a questao para todo mundo. Agora se eu afirmo que o caso é de revogação, não caberá ADIN. Antes da ADPF a questao só chegaria do STF por recurso extraordinário, sendo resolvido caso a caso. eu pergunto: do ponto de vista prático que tenha o controle abstrato? Que tenha para resolver de uma vez por todas. O que esta por trás da decisão do STF é uma bobagem: ele vem negando isso devido a sobrecarga de trabalho. Ora, se ele julgar uma ADIN ele é poupado de milhares de recursos extraordinários.

Por que defendo que o caso é de inconstitucionalidade e não de revogação? Quais são os 3 critérios para resolver antinomia jurídica? cronológico, especialidade e hierárquico. Especialidade não tem nada a ver. Cronológico e hierárquico em tese são invocáveis. Só que nesta situação tanto o cronológico como o hierárquico conduzem ao mesmo resultado porque a constituição tanto é posterior em relação à lei como tb é superior em relação à lei . Os adeptos da teoria do STF vão usar o critério cronológico. Porque a utilização do critério cronológico dogmaticamente é equivocada? Porque quando há conflito o primeiro critério a ser utilizado necessariamente é o hierárquico, tanto é assim que a lei superveniente à constituição que com ela for incompatível é inconstitucional. Se o critério cronológico tivesse primazia a lei revogaria a

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constituição. Se o critério especializante tivesse primazia uma lei especial derrogaria a constituição. Eu sempre começo qualquer conflito entre normas usando o critério hierárquico. Se eu recorro primeiro ao critério hierárquico o conflito entre constituição e lei será sempre uma questão de inconstitucionalidade.

O fato é que o STF ao adotar essa teoria não queria esse ônus, não apenas em relação à carga de trabalho, mas um ônus político. Imaginem: editada a constituição ele teria que julgar ADIN de código civil, das teses de constitucionalização do direito privado, etc.

O Barroso tem um argumento que é engenhoso mas que para mim não é definitivo. Ele fala o seguinte: essa tese do STF de que o conflito entre constituição e lei anterior não é problema de constitucionalidade mas sim de revogação, não é uma tese que surgiu depois da CF de 88. Ora a CF de 88 não foi expressa, entao no silencio presumiu-se que o constituinte quis continuar entendendo pela revogação. Mas este argumento ele não definitivo invocando uma outra situação semelhante: na disciplina do decreto-lei na constituição passada tb se falava em urgência e relevância. O STF entendeu urgência e relevância eram hipóteses de discricionariedade do executivo. A CF de 88 usou os mesmos termos urgência e relevância e ele, Barroso como 99% da doutrina, sustenta que a urgência e relevância podem ser convoladas pelo STF. Se o argumento dele fosse definitivo o que bate aqui bate lá. A mesma razão para não mudar jurisprudência num caso, existiria no outro.

Como a questao é tratada no direito comparado? Em Portugal a constituição expressa e adota a inconstitucionalidade superveniente. Na Itália não há norma expressa mas a Corte Constitucional controla as normas anteriores. Na Espanha só a Corte Constitucional pode controlar a constitucionalidade, o controle é concentrado tanto abstrato ou concreto. Eu tenho o equivalente à ADIN como tenho controle concreto, onde os juizes de primeira instancia param o julgamento e mandam para a Corte. Como é que se equacionou está questao na Espanha? Eles disseram o seguinte: cabe controle abstrato das normas anteriores, agora o juiz no caso concreto pode reconhecer que uma lei anterior não foi recepcionada. O juiz não é obrigado a parar o processo e mandar para a Corte. Estimulou-se assim ao juiz aplicar a nova constituição, já que está surgiu após vários anos do governo do Franco.

NUMA PROVA DE MÚLTIPLA ESCOLHA A QUESTÃO É DE REVOGAÇÃO. NUMA QUESTÃO DISCURSIVA EXPLIQUE AS DUAS CORRENTES.

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CONSTITUIÇÃO E REPRISTINAÇÃO - uma lei revogadora restaura a validade da lei anterior que a lei revogada tinha revogado. Existem 3 leis: lei A, Lei B e Lei C. A lei B revogou a lei A, veio a Lei C e revogou a lei B. Existe repristinação se a Lei C restaurar a lei A. Qual é a regra geral? Não há repristinação a não ser quando a própria lei estabeleça. Vamos transportar essa discussão para a seara constitucional. A constituição não recepciona uma lei, a norma anterior vai recobrar a validade? Não. Agora, uma norma é editada e ela é declarada inconstitucional. Vai ocorrer repristinação? Tecnicamente não seria bom se falar em repristinação mas a doutrina usa este termo para tratar desse caso também. Uma lei foi declarada inconstitucional, as leis que ela revogou vão voltar a valer? Em principio sim, porque quando se declara que uma lei é inconstitucional eu estou retirando do mundo jurídico todos os efeitos que a lei produziu, e um dos efeitos que a lei produziu foi o de ter revogado a lei anterior. E se a lei anterior tb for inconstitucional? O STF entende que ele esta adstrito no controle de constitucionalidade ao principio da congruência, quer dizer ele só declara a inconstitucionalidade da norma quando houver pedido expresso. Vamos supor que alguem ajuíze uma ADIN contra a lei X. Só que a lei X revogou a lei Y. E a lei Y tb é inconstitucional. O STF verifica que não há pedido expresso de declaração de inconstitucionalidade da lei Y. Ele pode declarar a inconstitucionalidade da lei Y? O professor, o Pontes de Miranda e o Canotilho acham o seguinte: ele não vai propriamente declarar a inconstitucionalidade da lei Y, mas ao precisar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da lei X, ele vai simplesmente dizer que a lei Y não volta a vigorar em razão daquilo porque ela tb é inconstitucional. O que o STF faz? O STF JULGA INEPTA A PETIÇÃO INICIAL. SE HÁ DUAS NORMAS, UMA REVOGOU A OUTRA E A OUTRA É INCONSTITUCIONAL ELE DIZ O SEGUINTE: EU NÃO POSSO DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE NUMA E ÀS VEZES AGRAVAR A INCONSTITUCIONALIDADE RECOBRANDO A VALIDADE DA OUTRA, COMO TB NÃO POSSO DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE SEM PEDIDO EXPRESSO, POR ISSO JULGO INEPTA A PETIÇÃO INICIAL.

E se a lei X é posterior `a CF e a lei Y é anterior à CF? Nesta questão não se tem resposta no STF. Mas eu defendo tb o mesmo raciocínio: ele não vai declarar a inconstitucionalidade da lei, mas ao precisar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da lei X, ele vai definir que não haverá a repristinação.

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PERGUNTA: é possível isso acontecer no controle difuso? Sim, mas não vai haver problema algum: porque o juiz não está adstrito à época da lei e porque no controle difuso não é necessário pedido (iura novit cúria).

DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO: vamos supor que a Cf de 69 tinha um artigo sobre uma questão que não era tipicamente constitucional. Ex: uma norma que dava algum direito para os professores. Vem a CF de 88 e não trata daquilo mas tb não traz algum dispositivo incompatível com aquela norma. Para alguns autores - Jose Afonso da Silva, Manoel Gonçalves, Carl Smith - acontece uma desconstitucionalizacao. Vale dizer: essa norma vai continuar em vigor só que não mais com valencia constitucional. É como se ela sofresse uma queda de status. Quais seriam as premissas para a desconstitucionalizacao?

1) o instituto estar na constituição anterior e não tratar de matéria tipicamente constitucional. Vocês lembram daquele conceito de normas materialmente constitucional e normas formalmente constitucional? Pois bem, isso não se aplica às normas materialmente constitucional.

2) A nova constituição não contem nenhuma incompatibilidade com aquele instituto. Ela não revoga nem tácita nem expressamente.

Estes autores afirmam que neste contexto aquela norma continua a valer sob a égide da nova constituição, só que agora com força de simples lei. O Barroso tratou desse tema e ele discordou. Ele disse o seguinte: uma constituição em princípio revoga em bloco a constituição anterior. Só vai haver desconstitucionalização quando houver remissão expressa de uma constituição ao texto da constituição anterior. Fora isso não há.

A doutrina é bem dividida e o STF nunca se manifestou sobre isso.

INCONSTITUCIONALIZAÇÃO ou INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA: tem um artigo no CPP que diz que cabe ao MP propor ação de perdas e danos ex delicto quando a vitima for pobre. O MP de SP propôs uma ação dessas e estava se discutindo em recurso extraordinário a legitimidade ativa do MP em relação ao artigo da constituição que diz que cabe à defensoria publica a defesa dos

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hipossuficientes. A decisão do STF, relatada pelo Sepúlveda Pertence, diz o seguinte: a constituição não é algo que se instaura imediatamente. Existe um processo de instauração de uma nova ordem constitucional. Não vou considerar inconstitucional essa norma agora. Essa norma no momento pode ser tida como constitucional, mas ela pode caminhar para a inconstitucionalidade. Entao, a inconstitucionalidade deixaria de ser conceito estático do ponto de vista temporal. Houve outra decisão do STF em relação ao prazo em dobro da defensoria publica: se alegou no STF violação ao principio da igualdade. O Joao estava representado pelo advogado privado contra José representado pela defensoria publica. O STF disse o seguinte: Em tese, o argumento está correto porque a defensoria não está representando alguem que pela sua natureza deva receber um tratamento distinto. Só que eu não posso abstrair da realidade fática. Existe um problema estrutural (instalação da defensoria, falta de pessoal). Entao, enquanto existe essa realidade mantem-se a norma. Ele não disse que a norma era inconstitucional. Ele disse que por enquanto a norma é constitucional.

A CONSTITUIÇÃO NO ESPAÇO

A constituição só se aplica dentro do estado do país? Não. Esta é a raiz de uma serie de arbitrariedades que os americanos estão fazendo. A Suprema Corte Americana dos EUA, há uns 10 anos atrás, julgou o seguinte: um traficante de drogas escondido no México. Os EUA tinham um tratado com o México para extradição. Só que o DAA (agencia de drogas dos EUA) foi para o Mexico, seqüestrou o sujeito, bateram no cara e ele confessou. Logo depois ele foi julgado nos EUA. Ele alegou a violação do devido processo legal, etc. A Suprema Corte Americana decidiu que a constituição americana só se aplica dentro do território dos EUA. Por isso é que a base dos presos do Afeganistão é fora dos EUA, pois lá eles não estão acobertados pela constituição americana.

Agora, se a constituição pode ser fora do estado brasileiro, a norma estrangeira pode ser aplicada no estado brasileiro. Ou seja, a gente já afasta aquela resposta de que não há conflito. Pode haver conflitos.

Suponhamos que um juiz brasileiro tenha que aplicar uma lei estrangeira. Vamos supor que a lei estrangeira conflite com a constituição brasileira. A doutrina dominante tem entendido que o juiz não deva aplicar a lei.

Suponhamos que uma lei estrangeira viole a constituição estrangeira. Ex: o juiz brasileiro tem que resolver uma causa de acordo com a lei do estado

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americano. Ele verifica que a lei é incompatível com a constituição americana. Ele pode ou não fazer o controle de constitucionalidade da lei estrangeira à luz da constituição estrangeira? O STF ENTENDE QUE JUIZ BRASILEIRO JULGA A CAUSA COMO O JUIZ ESTRANGEIRO O FARIA. ENTAO SE NO PAÍS ESTRANGEIRO O JUIZ PODE EXERCER O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ELE TB PODERÁ FAZE-LO. AGORA ELE IRA USAR A INTERPRETAÇÃO UTILIZADA PELA JURISPRUDÊNCIA DA SUPREMA CORTE. ELE NÃO PODE FAZER UMA INTERPRETAÇÃO PESSOAL.

É possível o conflito entre a constituição e tratado. Existem paises que atribuíram aos tratados força superior à constituição (ex:constituição holandesa). No Brasil qual é valencia dos tratados? No conflito entre a lei uniforme de genebra e a lei do cheques, foram ventiladas varias correntes:

- TEORIA DUALISTA PURO - não tem conflito. Tratado só vincula o país externamente e não se incorpora. A norma interna só vincula internamente. Quer dizer se a norma interna é incompatível com o tratado, o país no máximo estará cometendo infração internacional. Internamente não há conflito.

- TEORIA MONISTA RADICAL - o tratado esta acima das normas internas.

- TEORIA MONISTA MODERADO - PREVALECEU - o tratado quando se incorpora ao direito interno ele tem hierarquia de lei. Entao o que prevalece é a norma posterior, sendo que essa posterioridade deve ser aferida levando em consideração não o momento da celebração do tratado mas sim da promulgação do tratado.

Essa ultima posição foi adotada pelo STF. Só que essa posição foi questionada em relação aos tratados dos direitos humanos. Os tratados dos direitos humanos limitam o Estado, e quando limitam o Estado limitam o poder legislativo do Estado. Nesse sentido seria um contrasenso falar que o tratado de direitos humanos valem como lei. Porque se valessem como lei, a lei do Estado poderia revogá-los. Essa é a tese adotada pela Fabio Konder Comparato, Celso Albuquerque de Melo e outros. Mas ela não foi adotada pelo STF. No Congresso existe um projeto de emenda dizendo que o tratado de direitos humanos desde que aprovados por 3/5 vale como norma constitucional. Eles ainda colocaram uma ignorância dizendo desde que haja reciprocidade. Isso foi um erro, eles

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devem corrigir, já que em tratados sobre direitos humanos não existe reciprocidade.

Então conflito entre constituição e tratado vai se resolver sempre em prol da constituição. Há, inclusive um dispositivo da nossa ordem constitucional que induz a essa conclusão. Vide art. 102, III, b. Se a própria CF prevê a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade de tratado, ela esta afirmando que ela está acima de tratado.

NORMAS CONSTITUCIONAIS

De antemão faço uma critica sobre as classificações, que do meu ponto de vista na sua grande maioria estão erradas. Eu vou explicar as teorias e depois faço as criticas.

1) NORMAS AUTO-APLICÁVEIS E NÃO AUTO-APLICAVEIS - Pontes de Miranda fala das normas bastante em si e não bastante em si. Segundo essa classificação algumas normas constitucionais produziriam efeitos desde já enquanto que outros dispositivos não fariam efeitos, estando dependentes de regulamentação pelo legislador. Essa é a doutrina clássica. O primeiro autor a critica-la foi o alemão Thoma. Ele contesta-se dizendo que toda norma jurídica produz efeito. No Brasil, quem primeiramente adotou essa perspectiva foi o Prof. Meireles Teixeira. O Jose Afonso ao criticar está classificação adotou a classificação a seguir exposta.

2) NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA - é aquela norma que já recebe da ordem constitucional um grau de intensidade suficiente para sua aplicação imediata e que por outro lado não comporta regulamentação, não pode ser restringida por norma nenhuma. Ex: art. 5º, IV da CF.

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NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA CONTIDA E APLICABILIDADE IMEDIATA - é aquela norma que tb produziria desde a promulgação da constituição os seus efeitos, só que ela é suscetível de restrição pelo legislador. Ex: art. 5º, XIII da CF.

NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA: que se subdividem em DE PRINCÍPIOS INSTITUTIVO E PRINCÍPIOS PROGRAMÁTICOS - este tipo de norma ao que a doutrina clássica chamou de norma não auto-aplicavel. Jose Afonso da Silva diz que a norma sempre tem algum grau de eficácia jurídica. Algum efeito ela há de produzir. Se é norma algum efeito ela produz. As normas constitucionais de eficácia de principio institutivo são aquelas que criam e prevem uma nova instituição, um novo processo mas não possuem os temperamentos necessários para que aquele instituto possa desde já valer. Ex: a constituição de 88 instituiu a AGU. As normas constitucionais de eficácia limitada de principio programático são a característica típica do constitucionalismo do Estado do bem estar social - ela aponta metas, objetivos. Ex: art. 217 da CF. eu pergunto: com base no art. 217 pode-se postular uma prestação do estado? Vamos supor que eu sou um líder comunitário de uma favela e quero um campo de futebol para os meninos da comunidade. Posso ajuizar uma ação para o município construir o campinho? Não. Agora será que esse artigo não tem efeito só porque não esse efeito de criar direito subjetivo. Se tiver alguma norma que desestimule o esporte ela deixa de ser recepcionada pela incompatibilidade com a constituição. Se depois da constituição for editada uma norma que representar um obstáculo ao desenvolvimento do Estado posso dizer que a norma é inconstitucional. Eu tenho ai um efeito: a norma revoga as leis anteriores e torna inconstitucionais as leis posteriores que com ela não se compatibilizarem. Um outro efeito: será que eu nosso posso a partir dessa norma extrair uma diretriz hermenêutica para interpretar as normas sobre o esporte? Sim. Será que eu não posso invocar o direito subjetivo negativo contra a conduta estatal contraria ao regime albergado na constituição? ex: já existe o campo de futebol só que o município resolve que vai construir ali um estacionamento. Será que eu não posso com base naquela norma retirar o que já foi dado? Este tb é um efeito da norma programática. A gente tem aqui normas que apesar de não gerarem efeitos iguais às outras normas, produzem certos efeitos. Tem uma expressão muito voga hoje que envolve isso é o principio da proibição de retrocesso (Eu fui avançando num sentido, eu às vezes sem a

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lei não podia erigir aquilo que a lei contempla, mas depois que a lei concretizou o direito, será que o legislador é livre para caminhar para trás sobre seus próprios passos?). Essas normas não são desprovidas de efeito jurídico.

3) A Maria Helena Diniz faz a seguinte classificação:

NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA ABSOLUTA - é aquela não pode ser mudada nem pelo poder constituinte derivado. É a clausula pétrea.

NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA - é aquela que não pode ser restringida pelo legislador.

NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA CONTÍVEL E APLICABILIDADE IMEDIATA - ela muda somente o termo contida para contivel ou restringível. Afirmando que a palavra contida gera a idéia de que a norma é que está contida. A norma não está contida, ela pode ser contida.

NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA: que se subdividem em DE PRINCÍPIOS INSTITUTIVO E PRINCÍPIOS PROGRAMÁTICOS

O professor critica essa classificação afirmando que existem institutos que são cláusulas pétreas e que dependem de regulamentação (direitos sociais fundamentais). Essa classificação é paupérrima.

4) Vou expor a classificação do Barroso. Segundo ele os 3 papeis que uma constituição desempenha são: cuidar da estrutura do estado; definir direitos e estabelecer as principais metas da comunidade política. Cada uma dessas normas corresponderia a um desses papeis.

- NORMAS DE ORGANIZAÇÃO - disciplinam o modo de ser do Estado, criam órgãos, definem competências. Indiretamente delas pode surgir a emergência de um direito subjetivo.

- NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS - a preocupação do Barroso foi distinguir normas que definem direitos das outras normas tendo em vista a

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consistência da posição subjetiva do cidadão. A critica que ele faz é o fato da CF ter chamado quase tudo de direito e aí a gente não sabe o que é direito ou não. Para discernir direito do que não é direito, ele vai buscar a teoria do direito privado - baseando-se no direito subjetivo. Para ele: o direito tem o titular e o devedor, se há o direito alguém responde por ele; se é um dever ele pode ser cumprido ou descumprido ex: direito a ser feliz (isto não é um direito porque ninguém pode ser assegurar a felicidade a alguém); ao direito deve corresponder uma ação (se eu tenho um direito, e ele não foi cumprido eu posso fazer valer a minha pretensão recorrendo ao estado-juiz para vencer as resistências opostas). Ex: direito ao lazer não é um direito, sendo uma norma programática. Eu não posso invocar em juízo o direito ao lazer para discutir uma pretensão.

- NORMAS PROGRAMÁTICAS - nesse particular o Barroso está totalmente de acordo com a posição do Jose Afonso. Ele diz que ela gera efeito, mas não gera direito subjetivo positivo. Ela tem eficácia hermenêutica, tem eficácia revogadora, ela carreia um juízo de inconstitucionalidade sobre a legislação superveniente que com ela conflitar.

5) PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS. É a classificação mais importante. LER PAULO BONAVIDES E EROS ROBERTO GRAU. As duas grandes referenciais em relação a está matéria é o autor americano Dworkin e o alemão Alexy. A teoria positivista trabalhava com princípios como fonte supletiva do direito, alias isto está muito claro la no art. 4º da LICC. Principio não é uma norma. Por que o positivista desprezava os princípios? Primeiro: por causa daquela visão da aplicação do direito como um processo mecânico e silogístico. O principio não possibilita está aplicação. Segundo: os princípios são a principal sede dos valores e o positivismo tenta separar direito de moral. Entao a visão do positivista sobre o principio era a seguinte: se eu não tenho uma regra fechadinha, tenho uma lacuna. Se eu tenho lacuna, supro com os princípios. Só que o que acontece no direito contemporâneo é recuperação da importância da eficácia normativa dos princípios. Cada vez mais se usa diretamente o principio constitucional para resolver os litígios constitucionais. Os princípios não podem ser concebidos como algo ao qual eu recorra na ausência de uma regrinha. O que são princípios? Vamos identificar algumas diferenças entre principos e regras:

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PRINCÍPIOS REGRAS

São mais abstratos que as regras. Sendo o grau de abstração maior, o grau de indeterminação tb é maior. Os princípios não tem grau de incidência, logo a aplicação dos princípios depende muito mais de uma atividade criativa e construtiva.

Não são tão abstratos.

Os princípios estão mais próximos dos valores e ideais de justiça.

São do ponto de vista axiológico assépticas. Faz alguma diferença moral o prazo para contestar ser de 15, 17 ou de 12 dias? ë uma opção técnica.

São normogenéticos (expressão do Canotilho)

As regras no mais das vezes são concretizações de princípios. Ex: o prazo para contestar é uma concretização do contraditório. Ressalte-se, porem, que isso não quer dizer que as regras possam ser retiradas dos princípios como quem em um raciocínio matemático.

Agora, vamos tratar da questão mais importante: a regra é aplicar dentro da lógica: é o tudo ou nada. Ou aplica a regra ou não aplica. Principio tem uma dimensão de peso. Entao eu não aplico ou não aplico o principio. Ele permite gradações. Quando duas regras colidem eu excluo uma de cara, por critério de lógica. Quando dois princípios colidem eu não excluo um, eu busco aplicar os dois, eu busco otimizar através da ponderação. Regra é aplico ou não aplico. Quanto ao principio usamos uma lógica muito mais humana. Quando um princípio conflita com outro, não preciso escolher um. essa formulação é bem semelhante com a do Alexy, com diferença quanto aos pressupostos. O Alexy diz que os princípios são mandatos de otimização em prol de certos interesses e

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bens. O que é o mandato de otimização? É o seguinte: eu estou apontando para lá, eu vou caminhando a todo tempo. No mandato de otimização eu cumpro na medida das possibilidades jurídicas e fáticas. Ex: artigo que consagra direito fundamental de saúde, mas não se tem dinheiro para dar uma prestação para todo mundo. A regra me diz em que caso ela incide e qual é a conseqüência. O principio tem hipótese de incidência aberta e não tem conseqüência normativa especificada. Ex: principio da moralidade, principio da dignidade humana.

O direito sendo rico em princípios fica dinâmico. Se o direito fosse composto só de regras teríamos um direito estático. O direito precisa do dinamismo para se adaptar às mudanças da sociedade, sobretudo a constituição precisa desse dinamismo para respirar. Os princípios conferem legitimidade a uma ordem jurídica. A principal consagração dos valores é o principio. Dworkin afirma que os princípios abrem a constituição para uma leitura moral. Direito não se confunde com a ética, lógico. Agora, você incorpora uma argumentação ética na interpretação da constituição.

Uma constituição não pode ser uma constituição só de regras ou só de princípios. Quando Canotilho define estruturalmente a constituição ele fala num sistema aberto de regras e princípios.

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6ª AULA

29/04/2002

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Bibliografia:

- Clemerson Cleve (obs: ainda não foi atualizado com as leis 9868 e 9882)

A principal dificuldade do controle de constitucionalidade é a seguinte: como um órgão não eleito que não detém a legitimidade através do voto popular pode invalidar decisões emanadas dos representantes públicos? Não será isso uma forma antidemocrática de impor o direito? Será que essa instituição não representa um obstáculo à soberania popular? Será que ela não gera uma elitização do direito, sobretudo porque, como se sabe, os juizes pertencem a uma determinada classe da sociedade (de classe media ou classe alta)?

Como isso se justifica democraticamente? Esse é o problema crucial e é por essa razão que em vários paises europeus até hoje não existe o controle de constitucionalidade. A França só recentemente veio a admitir o controle. O tema ainda hoje não foi equacionado, porque a gente pode até admitir a necessidade do controle, agora a extensão, a profundidade, a latitude da tarefa do judiciário na interpretação das cláusulas da CF, tudo isso vai ser influenciado pela percepção que a gente tenha (maior ou menor) da legitimidade da justiça na análise do controle dos atos emanados dos outros poderes.

A justificativa mais evidente é aquela deontológica, que a gente vai encontrar lá no Marbury x Madison. A doutrina clássica diz o seguinte: quando o poder judiciário exerce o controle, ele não esta sobrepondo ao legislador, ele não esta

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impondo a visão e os valores dos juizes em detrimento dos valores escolhidos pelos representantes do povo. Ele está fazendo valer uma norma superior sobre uma norma inferior. Ele esta é impondo a vontade do povo emanada através da constituição sobre a vontade dos representantes do povo reencarnados no legislador. Então, segundo essa concepção o controle estaria legitimado por razões de índole normativa. O Judiciário esta fazendo valer a constituição. Essa justificativa, no entanto, promete mais do que ela pode oferecer. E isso é claro se a gente recordar o que foi dito sobre hermenêutica constitucional. Nós vimos que a interpretação constitucional é muito aberta. Uma norma freqüentemente franqueia um amplo espaço decisório do operador de direito. Princípios como dignidade da pessoa humana, razoabilidade, moralidade administrativa se abrem a múltiplas leituras. E quem faz a leitura definitiva é o judiciário. Então quando, por exemplo, o judiciário invalida uma lei afirmando que ela fere o principio da razoabilidade, será que ele esta apenas declarando a vontade pré-existente do constituinte? Será que ele não esta criando, constituindo alguma coisa? É claro que ele esta constituindo, criando uma coisa - a gente viu isso quando tratamos da interpretação. Então se quando o judiciário age dessa forma, ele tb cria e constitui é preciso sim buscar algum fundamento para legitimar a sua atividade.

E existem hoje talvez duas correntes sobre isso.

1ª Corrente: sustentada Habermas. Vê no controle de constitucionalidade uma forma para a tutela da própria democracia. Ora numa democracia é preciso, de alguma maneira, lubrificar os canais de participação porque você sempre tem grupos, minorias que tendem a ser alijadas e você tem por outro lado certos direitos pelos quais não há de fato democracia. Ex: como é que a gente pode falar em democracia se existe gente ainda hoje passando fome? Pessoas que estam passando fome tem realmente a possibilidade de se manifestar na esfera política? Então a tutela de alguns direitos e a proteção de certos grupos representa uma necessidade para salvaguarda da própria democracia. O controle de constitucionalidade não seria anti-democrático, mas sim um mecanismo viabilizador da própria democracia. A gente teria, então, que adotar uma visão mais sofisticada da democracia - democracia não como o governo da maioria mas como governo da maioria com respeito a certos direitos de minorias.

2ª Corrente: sustentada por Dworkin e autores da linha não interpretativista. O judiciário tem legitimidade para atualizar os valores da constituição. Não é só proteger mecanismo da democracia não. Essa visão de proteger mecanismo da democracia é minimalista, porque vai retirar a legitimidade do judiciário, por exemplo, do controle de normas programáticas. Esses autores que adotam uma

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visão mais substantiva afirmam, então, que o controle de constitucionalidade é anti-majoritario, mas ele se justifica como um meio de aperfeiçoamento da ordem jurídica, como um meio de salvaguarda de certos direitos, de certos valores que devem ser posto ao abrigo de toda e qualquer maioria. Existem certos valores que pela sua relevância são postos ao abrigo de maiorias. Agora esses valores vão estar contemplados de um modo muito genérico na constituição. E aí cabe ao judiciário atualiza-los fazendo da constituição uma constituição viva.

O controle de constitucionalidade se revelou uma instituição vitoriosa. Então hoje essas questões sobre legitimidade são muito menos para a gente decidir se há ou não há controle. A questão é muito mais concernente à extensão desse controle.

Como é que surge o controle de constitucionalidade? Vamos falar sobre a pré- historia do controle. O Mauro Capeleti tem uma obra clássica sobre o controle no direito comparado à luz da constituição que existia na Grécia Antiga. Na Grécia eram editadas duas espécies de norma: momói e psefisma. Momói era uma norma que emanava da própria representação democrática popular (feita na praça publica, etc). Psefisma era uma norma editada pelos pretores, pessoas que tinham atribuição de editar normas do dia a dia da polis. Havia, pelos menos em Atenas, um instrumento para invalidar psefisma incompatível como momói. Na idade média, na França, por exemplo, se criou uma distinção entre norma do rei e norma do reino. Para que servia isso? Bom, a França entrava numa guerra com por exemplo o Império áutrio-hungaro. No fim da guerra, a França fazia uma concessão para celebrar a paz e dava um pedaço do território francês. Esse era o mecanismo para dizer o seguinte: as leis do rei tem que se conformar com as leis do reino. Já se tinha aí uma idéia embutida sobre a hierarquia das normas.

O precedente mais próximo do controle de constitucionalidade vem da Inglaterra (que hoje não tem mecanismo de controle). No inicio do século XVII houve o Bonhan's Case julgado pelo jurista Eduard Coke. Discutia-se, nesse caso, a aplicação de uma lei que dava ao juiz que julgasse o processo metade do valor da multa que estivesse sendo discutida no processo. Obviamente essa lei criava uma parcialidade do juiz. O Coke, que atuava na Câmara dos Lordes, decidiu que aquela lei não podia ser aplicada porque ela violava a comon law (tradições e

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valores inglesas). A idéia do Coke foi aplicada naquele caso e em alguns poucos outros.

Essas idéias discutidas na Inglaterra influenciaram os americanos. Na constituição americana não existe sequer uma linha acerca do controle de constitucionalidade. Mas tem um artigo afirmando a superioridade da constituição. Ela não prevê o mecanismo.

O primeiro caso em que realmente houve a invalidação de uma lei federal foi no Malbury x Madison, em 1803, julgado pelo Marshall. ATENÇÃO É IMPORTANTE PORQUE O BARROSO NA PROVA ORAL SEMPRE PEDE PARA CONTAR O CASO DESTE JULGAMENTO. Caso: Nos Eua existiam dois partidos famosos: o partido republicano e o partido federalista. Tinha um presidente da republica John Adams que no ultimo dia do mandato nomeou para juiz de paz o Malbury. Ele nomeou e não teve tempo de empossa-lo. Aí assumiu o presidente do partido rival - Thomas Jefferson. Quem empossava o juiz de paz era o secretario de justiça do presidente. O secretario de justiça do Thomas Jefferson era o Madison. O Marbury queria assumir o cargo para o qual ele tinha sido nomeado. Aí ele entrou com uma ação contra o Madison. Um fato curioso: até hoje nos EUA e na Inglaterra não existe personalidade jurídica do Estado. Nas ações você propõe contra o funcionário, departamento. Então, o Marbury ajuizou a ação para tomar a posse. Ocorre que no texto originário da constituição americana estabelecia as hipóteses de competência originaria da suprema corte. Dizia lá: ação contra o presidente; ação contra sei lá quem... Mas não tinha ação contra o secretario de justiça. Só que veio uma lei depois e ampliou aquele elenco para consagrar a competência originaria da suprema corte para consagrar as ações contra o secretario de justiça. O juiz Marshall estava absolutamente impedido de julgar, pois o Marshall era o secretário de justiça do John Adams. O John Adams, no ultimo dia do seu mandato, nomeou o Marbury para juiz de paz e o Marshall para presidente da suprema corte. O Marshall queria primeiro ampliar o poder da suprema corte e não queria correr o risco de ter uma decisão sua descumprida e desafiada pelo executivo. Então ele criou o seguinte raciocínio: ele começa pelo mérito: o Marbury tem razão? sim. Ele pode ajuizar uma ação? Sim. É a suprema corte o órgão competente para julgar está ação? não, porque a lei que ampliou a competência da suprema corte não é compatível com a constituição. Nessa terceira parte ele desenvolve a teoria do controle de constitucionalidade. Ele vai afirmar o seguinte: ou a constituição é lei suprema ou é uma lei como todas as outras. Sendo lei suprema, as leis que com ela colidirem não poderão valer e caberá ao juiz de cada caso não aplicar a lei que for

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incompatível com a constituição. Ele afirma ali que todo e qualquer juiz americano, no julgamento de casos concretos, tem o poder de não aplicar uma lei que conflita com a constituição.

Durante muito tempo isso ficou como uma maluquice de americano(pensava-se assim num governo de juizes). O segundo pais a adotar o controle de constitucionalidade foi o Brasil em 1891. O primeiro país da Europa a adotar o controle foi o Portugal em 1911, por influência da CF brasileira.

Quando é que o controle começa a ser mais aceito? O Kelsen, em 1918/1919 escreveu uma obra sobre a defesa da constituição, em que ele sustenta a importância da criação de mecanismos de controle, mas partindo de uma outra ótica. Ele diz o seguinte: é preciso ter algum mecanismo para retirar da ordem jurídica aqueles atos normativos que não se conciliem com a constituição, que esta no ápice da pirâmide. Ele diz que essa tarefa não é do judiciário. Para ele é um aspecto do legislador negativo. Da mesma forma que há o legislador positivo que faz a lei, deveria haver um órgão politicamente neutro que tivesse o poder de, em tese, afirmar a inconstitucionalidade de leis. Tais decisões teriam eficácia geral. O modelo é diferente do advogado pelo Marshall. Para Kelson a Corte Constitucional seria este órgão. O Kelson foi tão longe nisso que para ele, inclusive, a decisão que reconhece a inconstitucionalidade não retroage, é uma decisão desconstitutiva. Essa idéia foi adotada pela constituição na Áustria. Este modelo de Kelson foi o que se expandiu por quase todos os paises da Europa. E o principal ingrediente da expansão do controle de constitucionalidade foi a segunda guerra mundial. E o grande obstáculo foi a crença de que a lei era a reencarnação da vontade geral (adotada pelo Rousseau).

Vamos falar de alguns modelos de controle de constitucionalidade:

EUA - a gente já viu como nasceu o controle nos EUA. Agora vamos demistificar um pouco, vamos desfazer alguns preconceitos. Todo mundo pensa assim: o controle dos EUA é concreto... Não é bem assim. Como é que funciona na prática? Realmente o controle nasce do caso concreto, tem que ter uma lide. Só que nos EUA existe o sistema da comow law, onde o precedente vincula. Aliás o sistema judiciário se baseia quase só no raciocínio por analogia. Cada parte tenta mostra que o precedente que ela esta invocando é mais parecido com o seu caso do que o precedente invocado pela outra parte. A vinculação é diferente da nossa ADIN. No direito americano o que se vincula é a fundamentação. As

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questões surgem nos casos concretos e os juizes vão buscando precedentes mais próximos. Quando uma questão nova chega até a suprema corte o efeito é quase o mesmo da inconstitucionalidade pela ADIN. A lei não é apagada mas ninguém mais pode aplicar aquela lei. Pela vinculação inerente ao regime do comow law, quando a suprema corte é praticamente como se ela matasse a lei. Ela apenas formalmente continua a vigorar. Como é que uma questão chega à suprema corte americana? O principal instrumento é o writ of certiorari. Como é que funciona? é estranho mas é importante saber porque está se discutindo agora a possibilidade de introdução de algo parecido no STF. O professor acha uma péssima idéia porque a sua admissibilidade ou não decorre de um juízo político. Outro dado: quando chega um caso à suprema corte o menos importante são as partes porque a fundamentação vincula. No direito americano existe a figura do amicus curiae (foi importada com a lei 9868) - quem não é parte formal do processo vai participar do processo para dar uma colaboração. Ex: há uns 5 anos atrás foi julgado o precedente mais importante sobre o homossexualismo. O estado americano aprovou uma emenda à sua constituição proibindo qualquer beneficio ao homossexual. E aí estava se discutindo num caso concreto a inconstitucionalidade. Chegaram à suprema corte várias entidades a favor ou contra. Eles apresentaram memoriais. O mandato do juiz da suprema corte é vitalício.

FRANÇA: a primeira constituição a prever o controle foi a atual, de 1958. É um controle apenas preventivo. Durante o período entre a sanção da norma e a publicação o conselho constitucional pode ser provocado para apreciar a constitucionalidade da norma. Publicada a norma não mais poderá ser controlada. O controle é então concentrado e preventivo. Quem pode provar o conselho constitucional? Ele pode ser provocado pelo presidente da republica, primeiro ministro, presidente do senado, presidente da câmara dos deputados, 60 deputados ou por 60 senadores. O conselho constitucional é composto por 9 conselheiros mais os ex-presidentes que quiserem (assento vitalício). As decisões do conselho constitucionais são editadas sob a forma de considerando. Eu vou deixar cópias de decisões de cada pais para vocês verem a diferença de fundamentação, mas já adianto que a brasileira é a mais pobre. Na França hoje existe um problema grave: a supremacia da constituição de certa forma é posta em risco porque se ninguém provoca o conselho constitucional a lei fica sendo aplicada. O mandato do juiz do conselho constitucional é de 9 anos, vedada a recondução.

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INGLATERRA: não existe controle de constitucionalidade. Até hoje vigora a idéia da supremacia ou soberania do Parlamento. Quando é elaborada uma lei se afirma que se eventualmente a lei não for compatível com a comon law, a lei muda a comow law. Isso hoje está sendo discutido na Inglaterra porque muitos juristas estão defendendo pelo menos a criação de uma carta de direito fundamentais vinculante para o legislador. Até porque olhem a situação paradoxal: a Inglaterra pertence ao Conselho da Europa e à União Européia. Como membro do Conselho da Europa ela se sujeita à jurisdição da Corte Européia de Direitos Humanos e como integrante da União Européia ela se sujeita aos julgamentos do tribunal de justiça da comunidade européia. E essas cortes às vezes decidem que leis inglesas violam seus princípios e afastam as leis inglesas. Seria muito mais simples que a própria Inglaterra tivesse um mecanismo para agir dessa forma.

ALEMANHA: embora seja direito comparado o controle de constitucionalidade da Alemanha influencia muito o direito brasileiro sobretudo no que diz respeito às técnicas de decisão. Quem for fazer concursos para AGU e órgãos federais de modo geral este é um tema extremamente importante. O Gilmar Ferreira Mendes adora este tema. Como funciona o controle na Alemanha? Na Alemanha o controle é só concentrado. Ele é exercido por um único órgão (como na concepção de Kelsen). Este órgão exerce um controle abstrato e concreto. No abstrato o modelo é parecido com a nossa ADIN. O juiz não pode decidir pela inconstitucionalidade. Agora se ele acha que é inconstitucional ele remete a questão da constitucionalidade para a corte constitucional. Quando a corte decidir, ela vai decidir a controvérsia constitucional. E o que ela decidir vai valer para todo mundo (eficácia erga omnes). A outra hipótese é de queixa constitucional - quando alguem tem um direito fundamental violado e não tem outro meio de tutela, vai à corte constitucional para tutelar o direito, mesmo que a ofensa tenha partido do legislador. A principal característica da queixa constitucional é a subsidiariedade - quer dizer eu só posso usar se não tiver outro meio.

Técnicas de decisão da corte constitucional (TEMA IMPORTANTE):

- declaração de inconstitucionalidade sem pronuncia de nulidade = a corte constitucional nota que a lei é inconstitucional mas verifica que se

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ela declarar a inconstitucionalidade vai ser pior, ela vai causar um dano maior à ordem jurídica. Isso surge inicialmente em hipóteses ligadas à inconstitucionalidade por omissão parcial. Ex: No Brasil, a lei que fixa o valor do salário mínimo é compatível com a constituição? Não, agora se eu declaro que essa lei é nula volta a valer a lei anterior com um valor menor. Ela tb vem usando isso para modular, temperar os efeitos no tempo da declaração de inconstitucionalidade. Então, ela pode declarar a lei inconstitucional e diz que a decisão só vale para o futuro. Isto tb é declaração de inconstitucionalidade sem pronuncia de nulidade.

- Apelo ao Legislador - o STF já proferiu decisões com conteúdo parecido em 2 casos envolvendo MP e Defensoria. O que é o apelo ao legislador? A corte constitucional verifica o seguinte: a lei ainda é constitucional mas ta caminhando para não ser mais, ela esta sofrendo um processo de desconstitucionalização (inconstitucionalidade progressiva). A constituição alemã em um dispositivo determinou que fossem equiparados os direitos do homem e da mulher em relações de família. E aí chegou para apreciação da corte constitucional uma lei antiga. Eles disseram o seguinte: "essa lei ainda é constitucional, mas daqui a pouquinho não vai ser mais. Vocês tem que rapidamente reelaborar toda a disciplina legal". Aqui no Brasil teve um caso bem interessante: o CPP tem o artigo dizendo que compete ao MP promover ação de dano ex delicto quando a vitima for pobre. De quem a tarefa de defender pobre? Defensoria publica. O MP de SP ajuizou uma ação dessa e foi alegada ilegitimidade ativa. A questão chegou ao STF. Moreira Alves disse: isso aqui ainda é constitucional onde a defensoria publica ainda não esta instalada. SP até hoje não existe defensoria publica. A corte constitucional alemã é integrada por 16 juizes que se dividem 2 senados. O mandato é de 8 anos, vedada a recondução. O nome dos juizes da corte constitucional deve ser aprovado pela câmara dos deputados por quorum de 2/3. Esse quorum elevado impede que o governo imponha nomes ("tipo um Gilmar Ferreira da vida..."). O Clemerson, aliás, sugeriu este quorum para o sistema brasileiro.

FORMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1) jurisdicional e político

2) repressivo e preventivo

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3) concentrado e difuso

4) concreto e abstrato

1) Em relação a quem presta o controle:

Jurisdicional: é jurisdicional quando é prestado por juizes no exercício da jurisdição. Ex: controle difuso e concreto. ADIN, ADC.

Político: nos outros casos. Ex: veto motivado na inconstitucionalidade da lei, tarefa das comissões de constituição e justiça na tramitação dos projetos de leis, a faculdade que a administração publica tem de anular os seus atos eivados de legalidade, art. 49, V da CF, etc.

NO BRASIL O SISTEMA É MISTO, PORQUE TEMOS ESTES 2 TIPOS DE CONTROLE. (o sistema é misto em relação a todos os demais).

2) Em relação ao tempo:

Repressivo (=sucessivo ou corretivo): eu estou exercendo o controle sobre um ato normativo que já esta em vigor.

Preventivo: o controle é sobre ato normativo em elaboração.

NO BRASIL NÓS TEMOS OS DOIS. EM REGRA O JURISDICIONAL É REPRESSIVO. EXISTE JURISDICIONAL PREVENTIVO? O STF ADMITE DOIS CASOS:

a) cláusulas pétreas - ler art. 60 par. 4º da CF: "não será objeto de deliberação". Eu não estou proibindo a edição da emenda, eu estou proibindo a própria deliberação sobre a emenda. Com base nessa redação o STF vem admitindo que o parlamentar, que é parte do processo legislativo, se insurja contra o ato da mesa da câmara ou da mesa do senado que põe em votação um projeto que viole clausula pétrea. Como é que ele vai fazer isso do ponto de vista processual? Por meio de mandado de segurança. Quem vai julgar é o STF. E como o ato normativo ainda não existe, o controle é preventivo. Só que é controle concreto: o parlamentar vai alegar que colocar em discussão esta violando um direito subjetivo que ele

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como parlamentar tem na observância da norma constitucional. Agora é curioso porque o controle é concreto, mas cujos efeitos vão acabar se projetando para todo mundo porque se a emenda não for votada, isso vai repercutir na esfera subjetiva de todos os destinatários.

b) Violação de regras de processo legislativo na tramitação das regras do art. 59 da CF - vamos supor que o Senado aprovou uma emenda ao projeto de lei só que não devolveu à Câmara dos Deputados. Remeteu direto para o presidente da republica. O senador verifica que o projeto tendo emenda deveria ser enviado para a câmara dos deputados. O senador então impetra mandado de segurança contra a mesa do senado. O STF não admite que os futuros atingidos pela norma se valham aqui desses instrumentos de controle preventivo. O STF restringe esse controle às normas constitucionais sobre processo legislativo. E, segundo o STF, a violação das normas regimentais representa questão interna corporis, insuscetível de controle judicial. A CF tem ali só os alinhamentos gerais sobre o processo legislativo. A CF não diz o que ocorre na câmara dos deputados, no senado, etc. Existe uma serie de fases procedimentais arrolados em regimentos. O STF diz que se violar o regimento não há controle. O professor acha que isto é uma bobagem, porque se eu não posso controlar então não se trata de norma, mas sim de conselho. Eu crio uma tirania da maioria do parlamento. Porque, se, por exemplo, o governo tiver a maioria do plenário mas não tenha a maioria da comissão de educação. Diz-se então: "ah, o regimento diz que vai passar pelo conselho de educação, mas neste caso ele não vai passar porque eu não quero..." O que vai acontecer? Nada, porque o STF diz que é questão interna corporis.

Obs: ainda existe um possível terceiro caso onde existe controle jurisdicional preventivo: ler art. 1º da lei 9882. Foi usado o termo "evitar lesão". Então o Clemerson Cleve, num artigo que ele escreveu sobre argüição de descumprimento, publicado num livro chamado "Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais", da editora Del Rei, defende que este termo abre margem para o controle preventivo de

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constitucionalidade através da ADPF. O STF nunca exerceu este controle. Mas é uma possibilidade.

3) Concentrado: exercido por um único órgão, uma única corte. No Brasil ele é usado para a fiscalização abstrata. Agora, controle concentrado não é sinônimo de controle abstrato. Como no Brasil controle concentrado, em regra, é abstrato, as pessoas começam a associar que controle concentrado é abstrato e que controle difuso é concreto. Não necessariamente. Por exemplo, na Alemanha existe controle concentrado e concreto. Na Itália o controle é concreto e concentrado.

Difuso: o juiz pode apreciar a constitucionalidade e não aplica a lei.

4) Concreto: é a mesma coisa que controle por via incidental ou controle por exceção (essa última expressão é equivocada porque o controle concreto não é exceção, sendo que tanto o réu como o autor pode alegar). Temos uma lide entre A e B. O direito de A se baseia numa lei. Para o juiz decidir o pedido, deve apreciar se a lei invocada por A se confronta com a CF. Então, o juiz incidentalmente aprecia a constitucionalidade da lei. O objeto da prestação jurisdicional não é a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade. O juiz tem que dirimir a lide, mas incidentalmente ele tem que apreciar a constitucionalidade da lei. Se ele entender que a lei é inconstitucional, ele vai afastar a lei do caso concreto. A decisão do juiz vai se circunscrever ao caso concreto. No Brasil o controle concreto, em regra, é difuso. Agora existe hipótese de controle concreto concentrado. Ex: mandados de segurança para trancar deliberação de emenda.

Abstrato: é a mesma coisa que controle por via de ação ou por via principal. O objeto da prestação jurisdicional é o reconhecimento da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de um ato normativo ou de uma omissão. Não há um caso concreto. Inspirado na doutrina alemã, uma parte da doutrina brasileira fala em processo objetivo (porque não tem partes materiais). A decisão vai ter efeitos erga omnes. No Brasil o controle abstrato da constituição federal é sempre no STF, embora a gente tenha controle abstrato de constituição estadual nos TJ's.

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TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE

1) POR AÇÃO OU POR OMISSÃO: a inconstitucionalidade por omissão é uma categoria bem mais recente. Ela surge na década de 50, lá na corte constitucional alemã. O desenvolvimento esta muito ligado a esse novo modelo de constitucionalismo, do estado social, da constituição dirigente, que é uma constituição que depende muito mais do legislador. Um dos problemas graves que surgiu foi o seguinte: o que fazer quando o legislador não concretiza o ditame constitucional? No passado o que se pensava? A idéia era a seguinte: legislar é um poder, e não um dever. Então, se o legislador não edita normas a questão é política. Então não há o que fazer. Só que houve uma mudança de concepção. Legislar, hoje, na maioria dos casos é um poder, mas em algumas situações é tb um dever. Em que situações? Naquelas em que a edição da norma seja o fundamental para conferir plena aplicabilidade a algum dispositivo da constituição. Então o conceito de omissão não significa puramente a inércia do legislador, é a inércia quando ele está adstrito ao dever de agir. Eu não posso falar que, por exemplo, há inconstitucionalidade por omissão a ausência de um programa legislativo mais eficaz para fornecimento de bolsa escolar nas escolas privadas. Porque não há nenhuma norma da CF que dependa dessa regra para ser aplicada. Ex: no dia seguinte à CF de 88 tinha-se inconstitucionalidade por omissão de tudo que não estava regulamentado? Não, porque há um outro fator para a caracterização da inconstitucionalidade por omissão: a mora. Ah, mas qual é o prazo? Em algumas situações a CF dá o prazo. Mas na maioria dos casos a CF não dá o prazo, o critério a ser utilizado será o da razoabilidade. Agora, a gente pode dizer que tudo o que estava na CF de 88 que dependia da regulamentação e não foi editada a regulamentação, a mora já esta caracterizada. Vamos complicar um pouco mais.

A inconstitucionalidade por omissão pode ser parcial ou total. Ex: salário mínimo. Ora, R$ 200,00 atende o art. 7º, IV da CF? Não. Então, porque isso não é inconstitucionalidade por ação? Tem a lei e a lei viola a CF. Qual é a diferença do ponto de vista conceitual? Não faz sentido declarar nula a lei porque retroage a lei anterior com o valor menor. A inconstitucionalidade por omissão pode ser absoluta e relativa. Eu

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vou expor a visão do STF, embora não concorde com ela. Então, inconstitucionalidade por omissão absoluta ocorre quando o vicio da inconstitucionalidade atinge a todos os potenciais destinatários da norma constitucional. Ex: salário mínimo. É caso de inconstitucionalidade por omissão absoluta. ex: art. 37, inc. direito de reajuste ao servidor publico. Vem uma lei e dá o reajuste às determinadas carreiras e não dá às outras carreiras. Existe inconstitucionalidade por ação ou omissão? por omissão relativa. O vicio só atinge a alguns dos destinatários. A posição do STF é a seguinte: nessas hipóteses que dizem respeito à concessão de um beneficio justo, mas incompatível com o principio da igualdade não se resolve com a extensão dos benefícios aos não contemplados. O STF tem sumula sobre isso. Não é possível ao judiciário, que não é legislador positivo, estender beneficio. O professor discorda, dizendo que isso reduz o principio da isonomia à letra morta. Olha só: eu dou beneficio somente para alguns. Alguns vão pretender a extensão do beneficio. O STF diz que não cabe porque o judiciário não pode criar norma. O professor acha que o legislador poderia estender o beneficio com um valor menor para todos. Para ele isso resolve-se pela ponderação de interesses. Essa é a posição do Alexy. Numa prova, repito, sigam o STF. Obs: e a questão dos 28%? O STF, numa rara decisão, concedeu os 28% de forma contraria a todas as decisões.

Dentro da inconstitucionalidade por ação, a gente pode falar em inconstitucionalidade material e inconstitucionalidade formal. A inconstitucionalidade formal pode decorrer de vicio de competência(diz respeito somente às entidades da federação. ex: Estado legisla sobre direito penal) ou vicio do procedimento (ex: parlamentar apresenta projeto de lei dispondo sobre servidor publico - matéria esta que é reservada ao presidente da republica). O Clemerson fala em inconstitucionalidade orgânica e inconstitucionalidade procedimental.

2) INCONSTITUCIONALIDADE ORIGINARIA OU SUPERVENIENTE: inconstitucionalidade originaria é aquela que macula o ato normativo desde a sua gênese. O ato, o tratado, já nasceu inconstitucional. A inconstitucionalidade superveniente decorre de algum fator desencadeado depois da edição da norma. A norma nasce constitucional mas em algum momento deixa de ser. Dentro dessa categoria inconstitucionalidade superveniente a doutrina trabalha com figuras bastante heterogêneas.

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Uma delas que o STF não admite é inconstitucionalidade superveniente decorrente da não recepção. Para o STF acontece a revogação. Já falamos sobre isso. Não admitir essa categoria não quer dizer que não exista tal hipótese. Quando pode ocorrer a inconstitucionalidade superveniente? Ora, as leis muitas vezes se apóiam sobre certos pressupostos fáticos que podem ser modificados com o passar do tempo. Deixa eu citar um exemplo que vem lá da corte constitucional alemã: a constituição diz que o numero de deputados deve ser proporcional à população do estado. Tinha uma lei que fixava o numero. Depois da edição da lei, alguns estados cresceram mais que outros e a lei que nasceu constitucional deixou ser. ex: vamos supor que exista uma lei dispondo como devem ser controlados os resíduos sólidos de uma fabrica que produz substancia cancerígena. A lei na época em que foi editada refletia razoavelmente os avanços científicos da época. Com o passar do tempo descobre-se técnica mais avançada, a lei deixou de ser constitucional. Quando a constituição se apóia muito sobre cláusulas indeterminadas a inconstitucionalidade superveniente tende a aparecer mais. E aqui um dado interessante: a gente vai estudar mais à frente que o efeito vinculante das decisões que declaram a constitucionalidade do STF não vale para o próprio STF para não fechar as portas para a evolução.

3) inconstitucionalidade direta e indireta(ou reflexa): SEMPRE CAI EM CONCURSO. Inconstitucionalidade direta é aquele em que o vicio decorre do conflito entre uma norma e a constituição sem que eu precise cotejar a norma com qualquer parâmetro intermediário. Então a lei, por exemplo, criou uma discriminação inconstitucional. Ex: vamos supor que o regulamento viole a lei. Quando o regulamento viola a lei, ele esta ofendendo o principio constitucional da legalidade. Isso seria uma inconstitucionalidade indireta ou reflexa. Isso é muito discutido em matéria de recurso extraordinário. Vamos supor que os embargos declaratórios com efeito modificativo. O juiz não abre prazo para o embargado se manifestar. Aí a parte vai dizer: o juiz violou o principio da ampla defesa, do contraditório. O STF provavelmente vai dizer o seguinte: para chegar a essa conclusão eu tive que cotejar o ato do juiz com o CPC. Então isso é inconstitucionalidade reflexa. Ex: o juiz julga o caso apreciando um documento, o qual não foi dado vista à parte vencida. Para se levar ao STF prequestiona-se a violação do principio do contraditório. O STF fala que a

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ofensa à CF é reflexa, porque o que foi na verdade agredido foi o artigo do CPC. O STF TEM ENTENDIDO QUE SÓ A VIOLAÇÃO DIRETA AO TEXTO CONSTITUCIONAL REPRESENTA QUESTÃO INCONSTITUCIONALIDADE, AS OUTRAS SÃO MERAS QUESTÕES DE ILEGALIDADE. No caso, o recurso cabível seria o recurso especial para o STJ. O professor concorda com o Clemerson, ao dizer que está posição subtrai do STF questões de índole tipicamente constitucionais. Numa prova sigam o entendimento do STF.

4) Inconstitucionalidade autônoma e por derivação - inconstitucionalidade autônoma: a norma analisada é inconstitucional. Vamos pensar o seguinte: existe uma lei que impõe um determinado ônus. E num outro artigo, a mesma lei, para compensar o ônus, dá um beneficio. Você reconhece a inconstitucionalidade do ônus. Dá para tirar o ônus e manter o beneficio? Será que uma coisa foi dada em razão da outra? Fala-se aí numa equação legislativa, eu não posso tirar um dos termos da equação pois estaria se desfigurando a obra do legislador. Aí eu vou ter que buscar uma relação de causalidade recíproca entre as normas. Se uma norma tem a razão de ser em outra norma, se as suas componham um sistema, uma segue a sorte da outra.

5) Inconstitucionalidade com redução de texto e inconstitucionalidade sem redução de texto - vou dar uma dica de estudo: rasguem a pagina do Alexandre de Moraes que fala sobre isso. Ele está totalmente errado. Em regra, quando há uma inconstitucionalidade, ela se reflete no texto da norma. Para sanar o problema eu suprimo o texto total da norma ou uma parte do texto da norma. Aqui uma observação: não vale para o controle de constitucionalidade, aquilo que esta no veto. No veto eu só posso vetar o texto inteiro. No controle de constitucionalidade eu posso declarar inconstitucional uma palavra. A inconstitucionalidade pode eventualmente ser resolvida sem a necessidade ou sem que seja possível tirar algo do texto. As pessoas têm dificuldade com isso, porque a nossa formação positivista tende a associar a norma ao texto da norma, quando na verdade o texto é um dos elementos da norma. Então em que contextos se vai fazer uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto? Então existem duas

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categorias que não são idênticas, mas que o STF dá o mesmo nome para elas. Parte da confusão vem do STF. Caso típico da interpretação conforme a constituição: uma lei franqueia mais de uma exegese. Suponhamos que uma norma possa ser interpretada de uma forma A ou de uma forma B. Da forma A, ela é compatível com a constituição. Da forma B ela é incompatível. Então, todos os juizes tem que interpretar da forma A. Isso ocorre no controle abstrato ou concentrado. No passado, no controle concentrado, o STF julgava a ação improcedente porque dava para salvar a lei. Na fundamentação ele dizia que a interpretação correta era a A . Mas fundamentação vincula? Não. Logo, os juizes iam poder continuar a adotar a forma B. Então, ele passou a trazer isso para o dispositivo. Ele passou a dizer: a lei é constitucional se ela for interpretada da forma A. O STF não mexeu no texto mas vedou algumas possibilidades interpretativas do texto. E os juizes somente poderão interpretar da forma A . Até mesmo porque a decisão de interpretação conforme tem efeito erga omnes e vinculante. Agora, vou explicar a declaração parcial sem redução de texto stricto sensu. No caso da interpretação conforme eu tenho uma lei que pode ser interpretada da forma A ou da forma B. Na declaração parcial sem redução de texto eu tenho uma lei que acaba recaindo num determinado campo de incidência. Vamos supor que haja alguma proibição de que essa lei recaia sobre alguns casos. O STF vai dizer: a lei é constitucional mas ela não pode ser aplicada nesses casos. O STF declara a inconstitucionalidade da incidência da lei nesses casos. Ele vai restringir o seu campo de incidência, sem tocar no texto da lei. Ex: tinha um artigo da lei complementar 75 do MPU que dizia que ao membro do MP é vedado a atividade político-partidária salvo a filiação. Essa norma cria alguma distinção entre quem esta em atividade e quem esta fora da atividade? Não, só que o STF chegou à conclusão de que se o membro do MP em atividade pudesse se filiar, isso comprometeria a imparcialidade do MP. Então, o STF disse que a norma que possibilita a filiação continua a ser aplicada apenas para os membros licenciados. O STF não poderia declarar toda a norma inconstitucional porque senão criaria assim uma hipótese de inelegibilidade absoluta. O STF fez uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto porque você abre o artigo ele está inteirinho. Mas ele foi no campo da incidência da norma e subtraiu uma parcela da incidência da norma.

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7º AULA

06/05/2002

CONTROLE CONCRETO DIFUSO

Como a gente já viu aqui o controle concreto no Brasil, em regra, é difuso. Mas existem hipóteses de controle concreto concentrado no STF. É possível, por exemplo, que uma ação penal de competência originaria do STF se discuta a constitucionalidade de uma norma. Mas se o controle concreto pode ser concentrado, o controle difuso necessariamente é concreto. Não existe controle difuso abstrato.

Como é exercido o controle concreto? Nós já vimos que é sempre durante o julgamento de uma causa. Por isso a questão de inconstitucionalidade é incidental. Há quem diga que se trate de uma questão prejudicial em relação ao mérito. Isso vai depender do conceito adotado para o que é uma prejudicial. Se nós entendermos, como faz a maioria da doutrina, que as prejudiciais estão sempre ligadas ao mérito, a apreciação de inconstitucionalidade não é uma prejudicial porque ela pode estar ligada ao mérito como pode estar ligada à uma condição da ação, ao pressuposto processual, etc. ex: imaginem que vem uma lei que modifique a lei 4717 (ação popular) estabelecendo que só podem ajuizar ação popular cidadãos que estejam em dia com as suas obrigações tributarias. O cidadão pode incidentalmente alegar que a lei é inconstitucional e isto vai não dizer respeito ao mérito da ação, mas à sua legitimidade ativa. Então, a apreciação de inconstitucionalidade incidental na maioria das vezes diz respeito ao mérito, mas não necessariamente.

Quem pode argüir a inconstitucionalidade de uma lei no controle concreto? Ora, a inconstitucionalidade é uma questão de direito e é uma questão de ordem publica, logo é pode ser reconhecida até mesmo de oficio. Se ela não for conhecida de oficio, ela pode ser invocada por qualquer um: MP, réu, terceiro, etc. Por essa mesma razão não há preclusão em relação à alegação da inconstitucionalidade. Não quero com isso dizer que não existem limites de qualquer espécie para o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei no processo judicial. Vamos formular aqui uma hipótese: o autor ganha a ação em parte, mas só o réu recorre. Será que o tribunal pode reconhecer a

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inconstitucionalidade que prejudique apenas o réu? Não pode porque isto esta fora dos limites devolutivos da apelação. Isto não tem nada a ver com a questão da inconstitucionalidade ser de ordem publica. O fato dela ser de ordem publica não impossibilita que outros limites sejam opostos pela legislação processual. Essa questão é muito debatida nos recursos extraordinários em razão da exigência de pré-questionamento. O recurso extraordinário não pode tratar de uma violação da Constituição que já não tenha sido ventilada no processo, a não ser que a violação tenha surgido exatamente no acórdão recorrido. Se a inconstitucionalidade já tinha se manifestado antes, a parte já tinha que ter discutido. E se a parte discutiu e o acórdão no tribunal não versou sobre a matéria a parte teria que ter oposto embargos de declaração para pré-questionamento. Às vezes a questão da inconstitucionalidade esta ali e a parte não discutiu. O STF não vai conhecer do recurso extraordinário. Vocês podem dizer: mas não se trata de questão de ordem publica? Sim, mas existem técnicas próprias pertinentes a cada tipo de recurso. Agora, a regra é que a inconstitucionalidade pode ser reconhecida em qualquer fase do processo, em qualquer momento, por qualquer das partes e pode ser reconhecida ex officio pelo órgão judicial.

Em que tipo de processo pode ser argüida a inconstitucionalidade da lei? O STF já disse varias vezes que a questão da inconstitucionalidade pode se dar em qualquer tipo de processo: processo cautelar, de execução, ação popular, ação civil publica, ação penal, ação civil, ação ordinária, remédios constitucionais, JEC's, etc.

Houve uma discussão no que concerne à ação civil publica. Esse é um tema importante para concurso publico. Para o STF é perfeitamente compatível a ação civil publica com o controle incidental de constitucionalidade. Agora, se vier uma peça processual, uma ação civil publica, e você tem que contestar como advogado publico uma das defesas que se deve argüir é a inidoneidade da ação civil publica para o exercício do controle incidental. Essas ações coletivas (eu estou me referindo à ação civil publica mas isso tb serve para aquelas ações coletivas para tutela dos direitos individuais homogêneos constante no CDC) tem uma certa peculiaridade no que diz respeito aos limites subjetivos da coisa julgada. Então, a coisa julgada pode se estender ultra parte ou ate mesmo erga omnes. A lei da ação civil publica preve a eficácia erga omnes da sentença que julga procedente o pedido.

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Aí alguns autores como Gilmar Ferreira Mendes, o Arnold Wald e outros mais alegaram que se fosse possível controle de constitucionalidade na ação civil publica:

- eu permitira que um juiz usurpasse a competência do STF de fiscalizar abstratamente a constitucionalidade das leis. A decisão do juiz no caso concreto iria ter os mesmos efeitos do julgamento do STF numa ADIN;

- o juiz de certa forma ia acabar extrapolando das suas funções de tutela dos direitos no caso concreto porque a atividade por ele desempenhada seria idêntica àquela do controle abstrato. Isso seria um contra-senso, na medida em que se iria conferir poderes excessivos ao juiz de primeiro grau.

Esse argumento chegou a seduzir o STJ. Então, existem algumas decisões nesta linha. Mas o STF já pacificou a orientação jurisprudencial no sentido de que cabe controle incidental na ação civil publica. Por que?

- na ação civil publica o juiz não vai estar reconhecendo em tese a inconstitucionalidade da lei. Se alguém postular numa ação civil publica que se declare em tese a inconstitucionalidade de uma lei, a ação civil publica neste particular será inepta. Em regra, a ação civil publica o que se postula é uma providência material concreta, só que para apreciar está providência material concreta o órgão jurisdicional vai ter que incidentalmente verificar se uma determinada lei em tese aplicável ao caso é ou não compatível com a constituição. ex: vamos supor que no RJ se edite uma lei dizendo que os templos religiosos não estão mais sujeitos aos limites da legislação sobre barulhos. O MP ajuizaria uma ação objetivando obrigar os órgãos públicos a fiscalizarem os templos que desrespeitam a legislação que impõe limites aos níveis de ruídos, e incidentalmente o MP iria postular que se reconhecesse a inconstitucionalidade da lei. Se eu não permito controle de constitucionalidade nestes casos, inúmeros bens jurídicos que são salvaguardados pela ação civil publica vão ficar, em algumas hipóteses, totalmente desguarnecidos. A apreciação da inconstitucionalidade vai ser objeto da causa de pedir e estará

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constando a fundamentação da sentença. Logo, não existe coisa julgada e não se fala à ofensa privativa do STF.

- além disso, se nós partimos da premissa de que uma das conseqüências da supremacia da constituição é a possibilidade do judiciário, em qualquer caso concreto, analisar a constitucionalidade de uma lei, eu não vejo porque restringir somente a ação civil publica.

- A gente ainda pode falar que a decisão do juiz não é definitiva, porque esta sujeita a recurso e se a matéria ventilada for constitucional pode chegar até o STF. O STF em reclamações chegou a trancar certas ações civis publicas porque o pedido tinha sido a declaração de inconstitucionalidade da lei.

- A tese da outra corrente que afirma o juiz estar usurpando a competência do STF cai quando falarmos na lei 9494, que limita os efeitos da decisão na ação civil publica ao âmbito da competência territorial do órgão jurisdicional que prolatou a decisão. Então, uma ação civil publica, por exemplo, em que se questione a possibilidade do INSS reduzir através de um ato normativo o valor do beneficio previdenciário dado ao segurado. Se ela for proposta na seção judiciária do RJ, vai ter os seus limites na seção do RJ. Hoje com isso não é mais possível aquelas ações civis publicas com eficácia nacional a não ser que seja absolutamente impossível de proteger o direito sem uma decisão de caráter nacional. Por exemplo, questões de desmatamento na Amazônia. Isso mostra que a alegação da usurpação hoje não mais subsiste.

PERGUNTA DE ALUNO: essa lei 9494 é constitucional? O professor acha que não, mas o STF diz que é. Houve uma ADIN proposta contra. Aí aconteceu o seguinte: o STF não deu a liminar e na apreciação da liminar disse que era constitucional. Mas aí depois a ADIN perdeu o objeto porque a ADIN foi proposta contra a medida provisória que se converteu na lei. Mas a medida provisória foi reeditada e o autor da ADIN não aditou a inicial. O STF entendia que nessas reedições de medida provisória, o autor tinha que aditar a inicial.

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Vamos ver então alguns institutos previstos na CF que concernem ao controle incidental.

Ler art. 52, X da CF - a ratio deste instituto é evitar a continuidade de conflitos com o congestionamento ocioso do judiciário, com a possibilidade de decisões divergentes em relação a questões cuja orientação já esta sedimentada pelo STF. Algumas observações importantes:

- este instituto é aplicável somente ao controle concreto. Vale dizer: no controle abstrato não há possibilidade de se provocar o senado porque essa provocação seria desnecessária.

- O ato do senado é vinculado ou discricionário? O senado quando provocado é obrigado a suspender a lei? Existem duas posições. o Alfredo Buzaid entende que é vinculado, só que a visão majoritária é no sentido de que se trata de uma competência política e como tal insuscetível de controle judicial. Por que? Ora, porque se o senado estivesse obrigado a suspender as leis que o STF, no controle concreto, declarasse como inconstitucionais, era mais fácil afirmar que as decisões do STF no controle concreto tem eficácia erga omnes. Agora, a competência é política que se lastreia sobre pressupostos jurídicos, ou seja, não é possível controlar a recusa do senado em suspender a eficácia da lei, mas é possível controlar o ato do senado que é suspeito. Vamos que o senado decida suspender um ato privado. É possível se insurgir contra este ato do senado? Sim. Quando o senado pratica o ato eu posso analisar se os pressupostos normativos estavam ou não configurados, agora quando ele se recusa a praticá-lo não há recusa possível. Vamos que dê a louca no senado e os senadores suspendem a eficácia de uma lei que o STJ declarou inconstitucional. Ora, o ato do senado pode inclusive desafiar a propositura de uma ADIN, um mandado de segurança. Agora se o senador delibera não suspender a lei, ninguém pode fazer nada.

- Se o senado decide suspender, ele pode voltar atrás? Há decisões do STF dizendo que não. Dizendo que voltar atrás seria equivalente a fazer uma nova lei e o senado fazer uma lei sem a participação da câmara dos deputados e presidente da republica.

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- E se o senado se recusa a suspender? Ele pode num outro momento suspender? Sim, nada impede.

- O que o senado pode suspender? Ele pode suspender lei municipal? Sim. O art. 52, X não faz distinção.

- Pode o senado suspender a execução de lei anterior à constituição? o STF entende que sim porque não cabe adin por causa do problema da revogação.

- O texto fala em lei, mas o entendimento aqui é que não precisa ser lei formal. Pode ser decreto autônomo, etc.

- Quais são efeitos temporais do ato do senado? Pelo elemento literal da norma ("suspender a eficácia") entende-se que não retroage. Agora, pelo elemento teleológico: como que eu atinjo plenamente os efeitos desejados pelo constituinte? Dando eficácia ex tunc. Não existe um entendimento consentâneo nesta questão. O governo federal esta seguindo a seguinte orientação:

│-------------------│----------------│

lei fato gerador senado suspendeu a eficácia

ex: existe uma lei que cria um tributo. Pelo parecer da AGU não pode lançar o tributo depois da suspensão da eficácia pelo senado. Então, isso de uma certa forma implica reconhecer uma certa retroatividade à decisão do senado. Agora, o que foi pago neste interregno não tem que ser automaticamente repetido. Então, a decisão do senado retroage em relação à atos e fatos passados, mas não em relação a comportamento estatais concernentes àqueles atos.

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Ex: eu não posso lançar ou ajuizar uma execução fiscal em relação ao tributo cujo fato gerador aconteceu no passado. Agora, se o contribuinte pagou o tributo, o fisco não é obrigado automaticamente a devolver o que foi pago.

Vamos ver o artigo 97 da CF que consagra o principio da reserva de plenário. O art. 97 vale tanto para o controle abstrato como para controle concreto. Só que a problemática toda é no controle concreto. O dispositivo consagra uma norma um pouco paradoxal, se a gente pensar que o poder de um juiz de 1º grau é maior no controle de constitucionalidade que uma turma do STF ou do STJ. O juiz de uma vara do interior do Acre pode incidentalmente declarar a inconstitucionalidade até de uma emenda à constituição. Agora, a 2ª turma do STF não pode incidentalmente reconhecer a inconstitucionalidade. Tem que parar o processo e remeter para o plenário do STF. Em razão deste fato, se discutiu no passado se essa norma pela interpretação lógica impediria que os juizes monocráticos exercessem controle incidental. Alguns autores defenderam essa tese, que foi derrotada.

Como é que funciona este controle nos tribunais?

Art. 480 - Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder publico, o relator, ouvido o MP, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo.

Art. 481 - Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno.

Atenção: O art. 97 da CF existe para reforçar a presunção de constitucionalidade das leis. Então se um órgão fracionário do tribunal ao julgar uma causa se deparar com uma questão de inconstitucionalidade e entender que a lei é constitucional, ele não precisa remeter à apreciação do tribunal. Se ele achar que é constitucional, ele pode reconhecer a constitucionalidade e desde já julgar a causa. Quando a questão é remetida para o pleno ou órgão especial existe uma cisão de competência. O pleno ou órgão especial só decide a argüição de inconstitucionalidade, ele não decide causa.

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Parágrafo único: os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do STF sobre a questão.

Antes de existir este parágrafo, o STF vinha ponderando o art. 97 e a presunção de constitucionalidade das leis com o principio da economia processual. Ora, vamos que o plenário decida que uma lei é inconstitucional. Se a cada vez que surgir a alegação de inconstitucionalidade desta lei tivermos que parar este processo e remeter para o plenário isto atrasaria em muito o desfecho da providência jurisdicional. Por isso o STF já vinha entendendo que quando um tribunal firma o entendimento que determinada lei é constitucional ou inconstitucional os órgãos judiciais já não precisam suspender o processo. Eles se estiverem de acordo podem simplesmente pautar-se por aquela decisão e completar o julgamento da causa. A mesma lógica em relação ao STF. Então se o plenário do STF afirma que uma lei é inconstitucional, todos os órgãos fracionários de todos os tribunais do Brasil poderão se pautar pela orientação do STF.

ATENÇÃO: o Nagib Slaib e o Alexandre Câmara escreveram dois artigos dizendo que o parágrafo único do art. 481 criou a vinculação ao precedente. Eles disseram: o órgão fracionário não pode mais decidir de modo diverso do pleno ou do órgão especial do seu tribunal. E nenhum tribunal vai poder divergir do STF. O professor fala: lei pode estabelecer vinculação? Não pode. Ele fala: a posição dos dois autores é nobre mas diz que hoje não existe vinculação.

Então como é que isso funciona?

Ex: vamos supor que o órgão especial do TJ decida que uma determinada lei é inconstitucional. Aí num caso concreto a questão chega a uma câmara cível do TJ. Segundo o entendimento pelo Nagib e pelo Alexandre este órgão teria que adotar como premissa essa orientação. O professor entende que não. Ele entende que se o órgão fracionário estiver de acordo com o órgão especial, ele vai ser poupado de um tramite que iria leva-lo a atraso na prestação jurisdicional. Ele simplesmente julga de acordo com aquela orientação. Agora, se ele não estiver de acordo ele não pode dizer que a lei é constitucional. Isso não é vinculação ao precedente. Está apenas estabelecido é se a órgão fracionário quiser se curvar à orientação dominante, ele não vai mais precisar remeter a questão ao órgão especial.

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Obs: a decisão do STJ só se vincula com o ato do senado. Antes disso está decisão é um precedente. O que vincula é a decisão do controle abstrato.

Isso foi objeto da ultima prova para a magistratura, perguntando-se se vinculava ou não. Agora, o membro da banca era o Nagib, portanto, a resposta correta seria que vinculava.

Art. 482 - Remetida a copia do acórdão a todos os juizes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento.

§ 1º. O MP e as pessoas juridicas de direito publico responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem, poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados os prazos e as condições fixadas no Regimento Interno do Tribunal.

§ 2º - Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da CF poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do tribunal, no prazo fixado no Regimento, sendo-lhes assegurado o direito de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos.

§3º - O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

A lei 9868 disciplinou a ADIN e a ADC, mas tb incluiu estes parágrafos ao CPC. É verdade que a decisão no controle concreto só vai produzir efeitos no caso, mas como ele se torna um precedente, o que quis o legislador foi permitir que outras pessoas/entidades pudessem se manifestar. Abre-se a jurisdição constitucional para outras pessoas/entidades.

Com relação a esse incidente de inconstitucionalidade, embora previsto no CPC, tais normas tb valem para o processo penal, trabalhista e penal militar.

Que tipos de normas são submetidas ao plenário? A Lei municipal é submetida? Sim. As normas que vão ser submetidas ao plenário são as mesmas que podem ser suspensas pelo senado.

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CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE

A doutrina alemã, e por influencia o STF, fala em processo objetivo. Essa expressão vem sendo criticada. A idéia de um processo objetivo é um processo sem partes, onde tutela-se a ordem jurídica. A critica que se faz é que quando se fala em processo objetivo tenta se esconder um fato muito importante - é que ali eu não estou prestando uma jurisdição asséptica - por detrás das questões constitucionais existem direitos materiais, concretos relevantes. Eu não estou discutindo o direito de A, B ou C, mas sim os direitos de vários segmentos. E quando eu começo a falar em processo objetivo, eu tento passar a idéia de uma atividade lógica, distante da realidade dos problemas concretos. De qualquer forma dessa idéia de processo objetivo, ocorrem inúmeros desdobramentos práticos. Vou citar alguns:

- descabimento da intervenção de terceiros

- descabimento do controle em relação a normas que não estão mais em vigor - ora, uma lei inconstitucional, no período que vigorou, pode ter violado direitos de varias pessoas. Mas se eu parto da premissa de que no controle abstrato eu estou preocupado com a ordem jurídica, se a lei é revogada cada um dos prejudicados pode no controle concreto pode postular que o seu direito seja reestabelecido. Mas isso não cabe no âmbito do controle abstrato. O STF entende que não cabe ADIN contra lei revogável. Se uma norma é revogada durante o tramite da ADIN, a ação perde o objeto.

- Efeito dúplice ou ambivalente - vamos imaginar que se ajuizar uma ADIN contestando a constitucionalidade de uma norma. Aí a maioria do STF entende que a norma é constitucional. A decisão vai ser pelo reconhecimento da constitucionalidade e aquilo vai vincular. Quer dizer: eu propus uma ADIN e o resultado foi a declaração da constitucionalidade. Eu posso propor uma ação declaratória de constitucionalidade e o STF entender que a lei é inconstitucional. Eu posso ter um efeito diametralmente oposto àquele que eu pretendia obter.

- Principio da causa petendi aberta - significa a não vinculação do STF à fundamentação. Vamos imaginar uma ADIN em que se

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alegue que uma lei é inconstitucional por vicio do processo legislativo. Então o STF analisa e vê que não há afronta ao processo legislativo, mas sim ao principio da isonomia. O STF deve reconhecer a inconstitucionalidade da lei porque se ele estivesse vinculado ao fundamento ele iria chegar à conclusão que a lei era inconstitucional mas pelo efeito dúplice iria declarar a constitucionalidade e todo mundo teria que seguir. Por outro lado, se a questão é de proteção da ordem jurídica, não faz sentido de dar uma proteção plena devido a uma falha do advogado do autor. Agora, existe vinculação ao pedido. Como assim? Vamos imaginar uma ADIN quanto a um artigo de lei. O STF vê que o artigo de baixo tb é inconstitucional. Ele não pode declarar inconstitucional este artigo. Naqueles casos onde uma norma é estreitamente vinculada à outra, se o STF entende que tirar uma norma e manter a outra desfigura o sistema, se não foi pedida a inconstitucionalidade das duas, ele vai julgar inepta a petição inicial. Essa questão vai se colocar na jurisprudência do STF quando uma lei revoga a lei anterior que era inconstitucional. Já falamos sobre isso. Vamos imaginar que a lei X revogou a lei Y. É pedida a declaração de inconstitucionalidade da lei X e o STF vê que a lei Y tb é inconstitucional. O STF julga inepta a petição inicial. Isso tudo é uma vinculação ao pedido.

O processo objetivo é exceção, não é regra. A regra é que a jurisdição seja prestada durante o caso concreto. Exceção não se presume. Pode-se falar no principio da tipicidade dos elementos do controle abstrato. O que isso quer dizer? Não pode vir uma lei criando um novo elemento de controle abstrato. Há uma discussão sobre se constituição estadual pode criar elemento de controle abstrato.

Vamos começar a tratar de ADIN.

Ler art. 102, I, "a" da CF - quando eu exerço o controle de constitucionalidade duas questões são importantes: que atos são objeto de controle e qual o parâmetro do controle.

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Eu posso invalidar uma lei com base, por exemplo, na constituição passada? No controle abstrato não, agora no controle concreto pode. Se a lei era inválida à luz da constituição anterior ela era nula e ponto. A discussão no controle concreto é que quando eu fizer isto vai ser aplicável reserva de plenário, vai ter possibilidade do senado suspender, etc. O parâmetro é a constituição em vigor.

Eu posso declarar a inconstitucionalidade com base em principio implícito? Sim. Constituição não é a mesma coisa que texto constitucional. O que pode ser parâmetro para o controle de constitucionalidade é o BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE. Nem sempre o bloco de constitucionalidade coincide com a constituição. Por exemplo, na Bélgica se diz: podem ser aferidas violações aos artigos X, Y, Z. As outras normas não podem ser controladas. O bloco de constitucionalidade pode ser menor ou maior do que o texto da constituição. No preâmbulo da constituição da França está dito que integram a constituição a declaração dos direitos do homem e do cidadão. O bloco de constitucionalidade francês é maior do que a constituição da França. Essa discussão aqui no Brasil tem relevo na matéria sobre os tratados de direitos fundamentais. Quem entende que os tratados sobre direitos fundamentais são incorporados com força constitucional, vai defender que é possível ajuizar uma ADIN dizendo que um artigo de lei viola o Pacto de São Jose da Costa Rica. O STF entende que os tratados não se incorporam ao bloco de constitucionalidade e os tratados têm força de lei ordinária. Agora no conceito de constituição, o STF tb inclui os princípios implícitos. Então a gente pode discutir em sede de controle de constitucionalidade o principio da proibição do retrocesso, o principio à violação ao direito fundamental à alimentação, etc. Então, esse é o parâmetro.

O que pode ser objeto de controle? O texto constitucional fala em lei ou ato normativo federal ou estadual. Logo exclui de cara os atos normativos privados.

Obs: a constituição estadual não pode instituir controle abstrato de lei municipal em face da constituição federal.

O que se entende por lei ou ato normativo? Vamos expor duas ordens de conceitos diferentes: a distinção entre norma primaria e norma secundaria e entre lei material e lei formal. A norma primaria é aquela que tem fundamento de validade na constituição, já a norma secundaria tem fundamento de validade na norma primaria. Há quem diga que a norma secundaria não pode inovar na ordem jurídica. O professor acha isto uma

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besteira porque se toda norma inova a ordem jurídica. Ela pode inovar dentro de limites. O relevante é saber se um determinado ato normativo tem fundamento de validade na constituição ou num ato normativo situado no escalão hierárquico intermediário. Para o STF quando um ato normativo não tiver fundamento de validade na constituição trata-se de controle de legalidade. Não cabe controle abstrato de norma secundaria. Ex: decreto que viola a lei e por isso ofende a legalidade. Para o professor essa conceituação está errada. Vamos ver um exemplo: a questão da resolução do TSE. O STF disse que a resolução era interpretativa de uma lei, portanto tratava-se de ato normativo secundário. O grande problema é que o ordenamento jurídico não é uma pirâmide, mas sim uma teia. A resolução do TSE não violou a lei, ela violou o artigo da Constituição: o artigo da CF que dizia que as mudanças do processo legislativo estão sujeitas a anualidade. Vamos imaginar que venha uma lei dispondo sobre um tributo e esta lei diz assim: o regulamento vai disciplinar o processo administrativo concernente ao tributo. O regulamento não respeita o principio do contraditório. Este regulamento não esta violando a lei, mas sim a constituição. Se o ordenamento fosse uma pirâmide tudo seria fácil. Mas acontece que as relações entre normas são complicadas. Hoje, por exemplo, se fala em árvores normativas. Então, nesse quadro de complexidade normativa a idéia de que a norma secundaria só pode violar a norma primaria, que a questão se resolve dentro do plano da legalidade, não corresponde à atualidade.

Agora, existem atos normativos editados pelo executivo que não são normas secundarias. Ex: decreto autônomo - o fundamento de validade será a constituição. Os atos normativos da agencia reguladora - o fundamento de validade será a constituição.

O caso não é saber se o ato normativo podia ser norma primária, mas se ele pretendia ser norma primária.

DISTINÇÃO ENTRE LEI MATERIAL E LEI FORMAL: lei material é a norma geral e abstrata. A lei material pode ser ou não lei formal. Lei formal é o ato editado pelo legislativo em cumprimento ao processo estabelecido na constituição. O CPC é lei formal e material. A lei do orçamento é lei formal, mas não é lei material. Uma lei que cria um parque ambiental é lei formal e não é lei material. Uma lei que cria autarquia é lei formal e não é lei material. Eu posso ter tb uma lei material que não é uma lei formal. O regulamento de imposto de renda é uma lei material e não é lei formal. O STF não vai querer saber se é lei formal ou não. Ele vai se preocupar com a generalidade ou abstração do ato

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normativo. Por isso que não cabe ADIN contra lei de efeitos concretos, contra orçamento.

Para que caiba ADIN é preciso que o ato normativo concomitante preencha os dois pressupostos: se apresente como norma primaria e que seja lei material. A forma não é importante. O STF já julgou ADIN contra decisão administrativa do tribunal que mandava estender a todos os servidores o percentual de aumento. O STF já julgou ADIN contra acórdão do TCU, contra parecer normativo do AGU, etc. Então é cabível ADIN de emenda à constituição, de medida provisória, de lei delegada, do decreto promulga o tratado, etc.

ATENÇÃO: O STF não admite ADIN contra sentença normativa da justiça do trabalho e não admite contra convenção coletiva de trabalho.

Quem pode propor a ADIN? Art. 103 da CF.

Esse elenco do art. 103 é exaustivo? Não. Tem uma exceção: a lei 9868 incluiu o governador do DF e da Câmara Distrital do DF. Aqui o que se entendeu é que houve uma lacuna.

Obs: Cabe ADIN de lei do DF? Depende. A CF estabelece que o DF não pode ser dividido em municípios. Então, o DF agrega as competências normativas estaduais e municipais. Quando ele editar uma lei que for exercício de uma competência normativa tipicamente estadual caberá o controle abstrato por ADIN. Quando ele editar uma lei de competência municipal não caberá controle abstrato.

Os legitimados figuram na mesma qualidade? O STF entende que não. O STF criou uma distinção entre legitimados universais e legitimados não universais. Os legitimados universais podem ajuizar ADIN sempre que essa fosse cabível. Não precisariam provar uma relação concreta entre os interesses institucionais que eles representam e a norma discutida em juízo. Já os legitimados não universais tem que demonstrar a pertinência temática, vale dizer, tem que mostrar que os interesses institucionais que eles encarnam estão relacionados com a norma impugnada.

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Quem são os legitimados não universais? O governador do estado, mesa da assembléia legislativa, confederação sindical e entidades de classes de âmbito nacional.

Por exemplo: o presidente da republica pode ajuizar ADIN contra qualquer lei estadual ou federal. Ele é um legitimado universal.

Por exemplo: o governador do RJ vai ter que justificar porque ele esta ajuizando uma ADIN contra a lei do estado do Acre. Ele vai ter que provar que a lei de alguma maneira afeta os interesses do estado do RJ. Em relação às leis estaduais, o STF já firmou orientação no sentido de que as leis que concedem benefícios fiscais podem ser controladas.

PERGUNTA DE ALUNO: quando você exige essa pertinência temática, você não subjetiva um pouco esse processo? sim, eu tb acho isso. Essa é mais uma das teorias do STF que estabeleceu para colocar uma barreira no acesso.

Governador e mesa da assembléia legislativa - o STF entende que basta que a norma atinja algum interesse do estado. Não é preciso que a norma afete particularmente um estado. Ex: se o estado do Ceará conceder um beneficio fiscal para o ICMS.

Confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional - o STF exige que a norma atinja de forma peculiar aquele grupo ou aquela categoria profissional ou econômica que a entidade represente. Ex: vamos imaginar uma lei que aumente o imposto de renda pessoa física. Uma associação nacional dos dentistas ajuíza uma ADIN. O STF vai dizer: o aumento de imposto de renda afeta os dentistas? Sim. Mas ele afeta os dentistas, como tb afeta os engenheiros, advogados, enfermeiros, etc. Não afeta de forma peculiar a categoria dos dentistas. Então o STF não vai reconhecer pertinência temática.

Obs: mesa é o órgão dirigente. Quem delibera a propositura da ADIN é a mesa, e não é o senado ou a câmara dos deputados.

Obs: PGR não é mais politicamente independente do presidente.

Obs: partido político com representação no congresso nacional = basta um deputado ou um senador. E se perde a representação no meio? É o que aconteceu com o PV, quando o Gabeira saiu para o PT. O STF extinguiu os

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processos, dizendo que houve uma causa superveniente de perda de legitimidade.

Obs: inciso IX. Para a entidade de natureza sindical, só as confederações são legitimadas. ex: sindicato nacional dos procuradores da fazenda não tem legitimidade. Se é entidade sindical, só pode ser confederação. Na CLT existem regras sobre a estrutura do sindicato.

O que é entidade de classe? É aquela que representa os interesses de uma categoria profissional ou econômica homogênea. O que isso quer dizer? Vamos imaginar uma associação nacional de consumidores. Vai ter legitimidade para o STF? Não porque o consumidor não é uma categoria homogênea. Todo mundo acaba sendo consumidor. Exemplo para o STF: associação nacional dos industriais.

O que é entidade de classe de âmbito nacional? O STF utilizou aqui uma analogia com a lei orgânica dos partidos políticos. A lei orgânica dos partidos políticos diz que o partido só é de âmbito nacional se tiver estruturado nos 9 estados da federação. O STF entende que a representação de um país, de uma entidade transnacional não é entidade de classe de âmbito nacional. Ex: associação mundial dos engenheiros. A seção Brasil da associação mundial dos engenheiros não tem legitimidade. O STF diz que essas entidades não podem ser associações de associações. Ex: nós tínhamos a ADEPOL - associação dos delegados de policia. Como é que funcionava a ADEPOL. Não eram os delegados de policia os filiados, mas sim as associações. Cada associação era reunida numa associação maior - a ADEPOL.

Proposta a ação, cabe pedido de medida cautelar na ADIN - art. 102, I, "p" da CF. O que é uma cautelar numa ADIN? O STF vai suspender a eficácia da lei até o julgamento do mérito da ação. Não é uma antecipação de tutela, uma vez que não se retira a lei da ordem jurídica.

PERGUNTA: no caso de suspensão da eficácia como é que ficam as causas que vão sendo julgadas até que a ADIN seja resolvida? Nas causas eu não posso aplicar a lei. Se a lei é suspensa, o juiz tem duas hipóteses: se achar que a lei é inconstitucional, ele pode julgar o caso não aplicando a lei. Agora se ele

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acha que a lei é constitucional, ele deve suspender o processo, e esperar o julgamento do mérito. De qualquer forma, se uma decisão judicial se baseia numa lei e depois o STF venha a declarar que é constitucional: antigamente isso era matéria de rescisória. Recentemente, teve uma mudança no CPC criando mais uma hipótese para os embargos à execução: nos embargos à execução fundados em constitucionalidade da lei quando ela já tiver sido reconhecida pelo STF.

Então, a decisão na medida cautelar suspende a eficácia da lei. Em principio essa decisão não retroage. Quer dizer: os efeitos da lei mantidos até a decisão cautelar são mantidos. Agora é possível que o STF conceder eficácia retroativa à medida cautelar. Isso o STF já entendia e agora a lei 9868 prevê tal hipótese.

Quem é que concede a medida cautelar? Houve uma discussão entre o Marco Aurélio e os outros. O Marco Aurélio entendeu que era o relator. Mas a maioria entende que é o próprio plenário por causa da presunção de constitucionalidade. Não seria razoável um ministro do STF suspender a eficácia de uma lei para todo o país. Exceção: no recesso do STF, será o ministro de plantão. Se o STF numa liminar suspende a eficácia de uma lei, a lei anterior, em principio, volta a vigorar.

ADIN ajuizada pelo PT. O Conselho Federal da OAB pode ir lá e pedir uma medida cautelar? Sim. O STF entende que os legitimados podem requerer medida cautelar mesmo nas ADIN's que não ajuizarem.

Como fica o litisconsórcio no controle? Cabe litisconsórcio ativo? sim. Cabe litisconsórcio entre legitimados que podem ajuizar aquela ADIN. Que tipo de litisconsórcio ativo vai ser esse? Facultativo e unitário.

Existe litisconsórcio passivo? A questão passa a ser de saber se existe pólo passivo ou não. O Gilmar Ferreira Mendes entende que não existe pólo passivo na ADIN. A posição ortodoxa é que no pólo passivo vai estar quem elaborou a norma. Se a norma for um ato complexo, é cabível o litisconsórcio

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necessário e unitário. Agora entender que quem elaborou a norma ocupa o pólo passivo traz conseqüências processuais. Ex: se o presidente sancionou uma lei, ele esta no pólo passivo da ADIN. E ninguém pode estar no pólo ativo e no pólo passivo ao mesmo tempo. Para o professor ADIN não tem pólo passivo, sendo um processo objetivo.

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Rio 13/05/02

8ª AULA

Já traçado o fato de quem pode propor a ação, qual é a primeira fase do processo? É a que diz respeito à concessão ou não de medida cautelar. Para que serve uma medida cautelar numa ADIN? Para suspender a eficácia da norma até o julgamento do mérito da ação. Em regra, as medidas cautelares concedidas em ADIN's não declaram, produzindo efeitos ex nunc. Excepcionalmente se admite a concessão de medidas cautelares com eficácia ex tunc.

Vide art. 11 da lei 9868.

Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I deste Capítulo.

§ 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa.

§ 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.

Este parágrafo 2º esta ventilando um tema que a gente já tratou quando falamos sobre constituição no espaço: repristinação. Este fenômeno vai se dar no reconhecimento do mérito como tb na concessão de medida cautelar. Vale dizer: a Lei A revoga a Lei B. Numa ADIN se concede uma medida cautelar suspendendo a Lei A. Isso significa dizer que a Lei B volta a valer. Tecnicamente isso não é propriamente repristinação, mas eu utilizo este termo porque os livros utilizam.

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Então, em principio, as decisões na medida cautelar não retroagem e tem o condão de ressuscitar o vigor das normas que vigiam anteriormente ao advento daquelas que tiveram a sua eficácia suspensa.

A questão é teleológica: é mesmo medida cautelar ou é uma antecipação de tutela? Para o professor é uma medida cautelar porque o STF não esta produzindo antecipadamente os efeitos lá do futuro.

Quais são os pressupostos para a concessão da medida cautelar? São os mesmos: fumus boni iuris e periculum in mora. O fumus boni iuris vai se consubstanciar na plausibilidade da inconstitucionalidade da lei. O periculum in mora resulta da constatação de que a aplicação da lei até o julgamento do mérito poderia gerar danos que ao final do processo seriam de impossível recuperação. O STF vai fazer uma ponderação entre o fumus boni iuris e o fumus boni iuris inverso, porque pode ser que ele conclua que há algum fumus boni iuris mas se ele não estiver muito convencido da inconstitucionalidade da lei ele tb pode pensar assim: eu vou tirar essa norma e se no final do julgamento eu concluir que é constitucional a suspensão dos efeitos tb pode acarretar danos que serão impossíveis de serem recuperados. Então, não é uma lógica matemática. O fumus boni iuris significa que a manutenção da norma pode causar dano. Agora a retirada da norma da ordem jurídica tb pode causar dano. Vamos supor que o STF não tenha se convencido completamente que a norma é inconstitucional. Eles pensam: aparentemente a norma é inconstitucional. Se eu mantenho a norma, vou produzir o efeito X e depois vai ser difícil eu reparar os danos. Agora, se eu retiro a norma eu vou produzir o efeito Y, e depois tb vai ser difícil a recuperação dos danos. Logo, o STF tem que ponderar. Vamos imaginar que seja uma lei que criou um tributo. Se eu concedo a medida cautelar, os contribuintes não vão ter que pagar o tributo. E com isso o poder público vão vai receber recursos vitais para uma determinada questão. Se eu não concedo a medida cautelar, os contribuintes vão ter que pagar o tributo, sendo que ao final do julgamento poderá se decidir que a norma é inconstitucional. E com isso empresas quebraram pelo fato de terem que pagar o referido tributo. Ou seja, o STF tem que fazer uma ponderação, tem que ver os dois lados da moeda.

A medida cautelar no controle abstrato depende de requerimento, ou seja, não pode ser concedida de oficio. O requerimento pode ser feito pelo autor da ação ou por outro legitimado.

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Quem vai julgar a medida cautelar? O plenário. Exceção: no recesso do STF, o relator aprecia a medida cautelar ad referendum.

Vamos supor que o STF já apreciou o pedido de medida cautelar. O que ele fazer logo em seguida? Ele vai requisitar informações de quem fez a norma. Quem fez a norma tem que defender a validade do ato normativo impugnado? Não, quem exerce esse papel é o AGU. Há uma corrente que sustenta que essas entidades que elaboraram a norma compõem o pólo passivo da relação processual. Eu acho que não, mas de qualquer forma essas entidades vão ter no mínimo o ônus de prestar essas informações em 30 dias.

Vide art. 6º da Lei 9986.

Art. 6o O relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.

Parágrafo único. As informações serão prestadas no prazo de trinta dias contado do recebimento do pedido.

Qual é a relevância da prestação de informações em relação ao processo legislativo? Isso esta muito ligado à questão do principio da causa petendi aberta que a gente viu na aula passada. O STF não vai se ater aos argumentos expostos pelo autor da ação. Ele pode invalidar uma norma com base em causas diversas daquelas que tiverem sido ventiladas na petição inicial. Então, o autor pode não ter falado nada sobre o processo legislativo, não obstante o STF vai examinar a legalidade do processo legislativo. Por isso é sempre necessário que ele tenha as informações, dados concernentes a esse processo legislativo.

Antes de requisitar as informações o STF pode indeferir a petição inicial da ADIN.

Vide art. 4º da lei 9868.

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Art. 4o A petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator.

Parágrafo único. Cabe agravo da decisão que indeferir a petição inicial.

Com relação ao caput qual é o problema que a gente tem aqui? Inepta e não fundamentada não é juízo de mérito. Agora, improcedência é mérito. O que a gente viu sobre o julgamento de improcedência de uma ADIN? A gente falou sobre o efeito dúplice - a declaração da improcedência de uma ADIN equivale ao reconhecimento da constitucionalidade. Será que um ministro do STF pode declarar a constitucionalidade de uma lei com eficácia erga omnes vinculando a todo mundo? Para mim é incompatível com o principio da reserva de plenário do art. 97 da CF. Não há doutrina sobre isso. Eu vejo duas formas de equacionar essa questão: ou eu vou dizer que é um juízo de mérito que não faz coisa julgada (a ação é improcedente só que a lei continua com presunção relativa) ou eu vou dizer que houve um equivoco técnico. O que eu não posso admitir é que 1 ministro do STF decida que uma lei é constitucional e que isso vincule todo mundo porque essa vinculação é peculiar ao julgamento pelo plenário.

Vide art. 7º da lei 9868.

Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.

§ 1o (VETADO)

§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Com relação ao descabimento da intervenção de terceiros nós vimos que isso é conseqüência da natureza objetiva do processo. O instrumento de intervenção de terceiros visa à tutela de interesse concreto, subjetivo.

O parágrafo 2º introduz a figura do amicus curiae (do direito norte-americano - amigo da corte). A sua finalidade é abrir a discussão constitucional para outros sujeitos que embora não sejam partes formais do processo podem

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dar uma contribuição relevante. Vamos imaginar uma lei que descriminalize o aborto. O STF vai se confrontar com questões morais que dividem a sociedade. É interessante ouvir lá um órgão que represente os médicos, uma ONG de direitos de mulheres, etc. O amicus curiae não é um terceiro, ele não defende nenhum interesse dele. Ele propicia um debate aberto. O amis curiae tem a faculdade de participar. Ele não é chamado para participar. O parágrafo 2º é discutível porque diz que o despacho que admite ou não o amicus curiae é irrecorrível. O Gustavo Bijeimbog defende que dispositivo contraria o devido processo legal. Tem que haver recurso do relator para o plenário. O STF não vem dando muita atenção para a figura do amicus curiae. Já surgiu questão de ordem no STF se o amicus curiae poderia fazer sustentação oral, mas o STF decidiu que não pode fazer. Logo, para o STF, ao que me parece, o papel do amicus curiae é basicamente a apresentação de memoriais.

Vencida essa fase, o STF vai intimar o AGU. O texto constitucional fala de citação, mas o AGU não é réu do processo, logo ele é intimado para que se manifeste para defender a constitucionalidade do ato impugnado.

Vide art. 8º da lei 9868.

Art. 8o Decorrido o prazo das informações, serão ouvidos, sucessivamente, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, que deverão manifestar-se, cada qual, no prazo de quinze dias.

Houve uma discussão acerca da interpretação da norma constitucional que prevê a defesa do ato impugnado pela AGU. O Gilmar Ferreira Mendes que essa é uma faculdade do AGU. Para ele abre-se a possibilidade de se defender a validade do ato normativo impugnado. Chegou a acontecer o seguinte: o STF mandava o processo para a AGU e ele devolvia dizendo que na opinião dele a norma era inconstitucional e que ele não ia defender. O STF determinou, então, que fizesse a defesa pelos meios possíveis, pois não se tratava de uma faculdade, mas sim de uma obrigação. Fala-se, assim, que o AGU é o curador da presunção de constitucionalidade das normas. Seja a lei estadual ou federal, o AGU defende a validade da norma. Isso pode criar uma situação delicada porque o AGU é o braço jurídico do governo federal e o autor da ADIN

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eventualmente é o presidente da republica. O governo pode ter interesse que determinada norma seja considerada inconstitucional. Os legitimados não precisam ter capacidade postulatória, logo eles mesmos podem assinar a petição inicial. Se o AGU assinar a petição inicial representando o presidente da republica, delega-se ao substituto do AGU a defesa da norma.

No controle abstrato no plano estadual não se invoca o principio da simetria: ou seja, o procurador geral não fica obrigado a defender a validade da norma. Por que? O art. 125, par. 2º da CF que trata do controla abstrato no plano estadual não estabelece quais são os legitimados ativos. Leia este dispositivo. O próprio constituinte deferiu a decisão à constituição estadual. A constituição do RJ tem um elenco bem mais amplo do que a CF e incluiu o procurador geral do estado. Vejam que o AGU não tem legitimidade para propor ADIN em âmbito federal. Ora, o procurador geral tem legitimidade para propor ADIN e ao mesmo tem obrigação de defender a norma? Não. Há um parecer da PGE estabelecendo que no controle abstrato no plano estadual o procurador é ouvido, mas ele não está vinculado a nenhuma posição. Ele pode defender a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da norma. Vale dizer: ele está advogando o interesse do Estado, ele não vai ser um curador da presunção de constitucionalidade como o AGU.

Depois da manifestação do AGU, é colhido o parecer do PGR.

Vide art. 9º da lei 9868.

Art. 9º. Vencidos os prazos do artigo anterior, o relator lançará o relatório, com copia a todos os Ministros e pedirá dia para julgamento.

§1º. Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstancia de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

§2º. O relator poderá, ainda, solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos tribunais federais e aos tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito da sua jurisdição.

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§3º. As informações, perícias e audiências a que se referem os parágrafos anteriores serão realizadas no prazo de 30 dias, contado da solicitação do relator. "

ADIN, ADPF, ADC, ADIN por omissão - todas essas ações tem relator, mas não têm revisor.

O parágrafo 1º foi uma das mudanças mais relevantes no tratamento da ADIN. A visão clássica é no sentido de descabimento de provas no controle abstrato de constitucionalidade porque se afirmava que a questão constitucional só envolvia questão de direito. Só que a realidade é muito mais complexa. Vamos imaginar uma lei que trate de transgênicos e uma ADIN onde se alegue que a disciplina dada por essa lei pode causar danos à saúde e ao meio ambiente. Nesta controvérsia constitucional vão estar envolvidas questões de caráter técnico, que os ministros do STF não conhecem. Abriu-se a jurisdição constitucional abstrata à produção de provas. Agora, o prazo máximo para a realização da produção de provas é de 30 dias.

Vamos ao desfecho do processo, que é o julgamento. Como a gente já viu o órgão competente é sempre o plenário do STF. O STF é dividido em duas turmas. As turmas não julgam controle abstrato. Há um quorum de instalação de 8 ministros. O quorum de decisão é de maioria absoluta, ou seja, são de 6 ministros. O que pode acontecer? Ora, eu posso ter eventualmente um 5 a 3 ou um 4 a 4. O que eu faço? O art. 23 estabelece que:

Art. 23. Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos 6 ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade.

§ único: se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, estando ausentes ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos ministros ausentes, até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido.

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Então, 8 ministros, deu 5 a 3. Pára o processo e espera pelos outros 3 ministros. Se aparece um ministro e vota a favor deu a 6 a 3, acabou. Se, por outro lado, vota contra, fica 5 a 4. Espera-se a votação dos outros dois ministros.

Vamos imaginar que numa ADIN se alegue que há inconstitucionalidade formal, violação da isonomia e violação da razoabilidade. Aí 3 ministros do STF entendem que há inconstitucionalidade formal. 8 acham que não. Só que desses 8 aqui, outros 4 entendem que viola a isonomia, 7 acham que não. Eu já tenho 7 ministros do STF dizendo que a lei é inconstitucional, mas que alguns votos tem fundamentos diferentes. O STF faz o seguinte: ele não julga fundamento por fundamento. Ele analisa o conjunto. O professor acha que deveria ser computado voto fundamento por fundamento. Hoje o STF colhe os votos sem fazer o computo de fundamento por fundamento.

Obs: a resolução do TSE sobre o problema das coligações partidárias. Vocês acham que o Nelson Jobim, presidente do TSE, poderia votar na ADIN ajuizada contra essa resolução? Não. Só que o STF diz o seguinte: trata-se de processo objetivo e não existe impedimento e suspeição. É claro que a parcialidade do Nelson Jobim estava comprometida porque ele fez o ato.

O fato é que o STF até hoje só reconheceu o impedimento num único caso: o PGR que propôs a ADIN e depois foi nomeado ministro do STF. Então para o STF só existe impedimento quando o autor da ação tenha sido depois nomeado ministro.

Obs: a questão da ADIN contra a resolução do TSE foi a seguinte: tinha uma lei eleitoral que era dúbia em relação a essa questão da coligação. Aí o TSE editou uma resolução interpretativa da lei que optava por uma das exegeses possíveis. E a exegese do TSE é a seguinte: eu não posso coligar só para a eleição para presidente, se não estiver tb coligado nas eleições nos estados. O problema é que essa resolução do TSE foi editada faltando menos de 1 ano para o pleito eleitoral. E tem um artigo na CF que estabelece o principio da anualidade da lei eleitoral. O TSE disse: eu não estou contrariando a CF porque eu só estou interpretando uma lei. Foi ajuizada uma ADIN e o STF não conheceu a ADIN

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porque ele disser que era uma questão de mera ilegalidade, porque a resolução se reportava a uma lei, e não tinha validade na constituição.

Opinião do professor: a decisão do STF foi errada porque é evidente que resolução não era apenas declaratória, tanto não era declaratória que nas eleições anteriores não houve essa limitação para as coligações. É obvio que essa resolução mudou o direito. Qual o objetivo da anualidade da lei eleitoral? Manter as regras do jogo. Isso não ocorreu. A decisão do STF é errada porque ninguém estava dizendo que a resolução do TSE é incompatível com a lei. A lei não falava nada sobre a aplicação no tempo das suas normas. O que estava sendo dito é que a resolução feria a CF porque feria o principio da anualidade da lei eleitoral. O problema todo é que na faculdade aprendemos que o ordenamento jurídico é uma pirâmide. Mas nós podemos ter um decreto com fundamento de validade numa lei que viole diretamente a CF. Vamos imaginar o regulamento de imposto de renda. A lei não fala de como é o processo administrativo do imposto de renda. O regulamento disciplina sobre o processo, mas não respeita o contraditório. O regulamento não está violando a lei, mas sim a CF. Eu posso ter um regulamento de uma lei ferindo outra lei.

O art. 24 consagra o efeito dúplice ou ambivalente que a gente já falou.

Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória.

Será que o STF pode, julgando uma ADIN, decidir o seguinte: eu não tenho fundamentos para dizer que a lei é inconstitucional, mas eu acho tb que no caso o melhor não é afirmar que a lei é constitucional, mas sim deixar em aberto para que os juizes à luz das variáveis do caso concreto façam a sua avaliação? Essa possibilidade já foi utilizada algumas vezes no Brasil. É uma situação excepcional. ex: a questão da imposição do deposito recursal no processo administrativo. O cara que não tem dinheiro, será razoável impedir que ele recorra? Agora, será que por causa disso eu não posso criar um deposito recursal para impedir os recursos procrastinatórios? O juiz no caso concreto deve decidir. A lei 9868 não abre essa possibilidade, mas o professor acha que é possível.

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Quem está subjetivamente vinculado à decisão do STF no controle abstrato quando ele declara que a lei é constitucional? Quando o STF declara que a lei é inconstitucional, todo mundo está vinculado. Quando ele declara que a lei é constitucional, está todo mundo vinculado, menos ele. Isso a gente abstrai do art. 102, parágrafo 2º da CF e art. 28, parágrafo único da lei 9868. Isso tudo para permitir a evolução interpretativa da CF. Se o STF declara que a lei é constitucional, no futuro, poderá entender que essa mesma lei é inconstitucional dentro da nova realidade.

Vide art. 26 da lei 9868.

Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.

Prestem atenção: nos livros anteriores à lei. O Clemerson fala, por exemplo, fala que cabe o recurso da ação declaratória de constitucionalidade. Hoje não existe mais este recurso. O recurso cabível é embargos de declaração.

Vide art. 27 da lei 9868.

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Esse é um tema importantíssimo. Primeiro vou expor a visão tradicional e a plasmada na lei. Qual é a visão clássica? Deriva do julgamento Marbury x Madison, considerando que a lei é nula. Sendo nula, a decisão que a invalida retroage ab initio. Por que se diz que a lei é nula e não anulável? Porque se nós a considerássemos anulável isso significaria legitimar efeitos que a lei produz num determinado período apesar da sua contrariedade à CF. Seria dizer

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que a lei violou a CF durante 2 anos e que os seus efeitos produzidos são validados. Essa é a posição que desde a instituição do controle de constitucionalidade no Brasil é sustentada. Isso é pacifico? Não. O Kelson, por exemplo, defendia que a lei inconstitucional era anulável. No Brasil, essa tese do Kelsen foi defendida pelo Ministro Leitão de Abreu no STF e pelo Pontes de Miranda na doutrina. A Regina Néri Ferrari tb adota essa concepção. Por que a lei inconstitucional não é inexistente? Porque as leis têm presunção de constitucionalidade. Agora, vamos pensar do ponto de vista pragmático. Vamos imaginar uma lei que dê um aumento para um beneficio da previdência para aposentado e que haja um vicio formal que só venha ser reconhecido um ano depois. Você tem lá os velhinhos que receberam um pouquinho mais neste ínterim. Será razoável exigir que eles devolvam o valor que receberam a mais nesse período? Não. Mas esse seria resultado da aplicação do dogma da nulidade da lei inconstitucional. Então se é verdade que a lei inconstitucional, em tese, é nula , por outro lado esse principio não é absoluto, podendo ser ponderado com outros interesses, com outros valores que a constituição tb acolhe. O Barroso acha que a lei é inconstitucional porque a lei está relativizando a supremacia da constituição. O professor discorda dele. Para o Barroso: aplica-se in totum a retroatividade do efeito. Ele nunca escreveu sobre isso. Ele foi da comissão que elaborou da lei 9868 e ele, junto com a Carmem Lucia Antunes Rocha (de MG), foi voto vencido nessa questão. Hoje mitiga-se os efeitos obtidos no controle abstrato. O professor defende, entretanto, que quando o STF declara inconstitucional lei punitiva, deve existir a retroatividade.

Antes da lei, para o STF sempre havia retroatividade. Só que em alguns casos concretos, em controle difuso, ele já tinha aberto exceções. Ex: uma lei que dava aumento para juizes. A lei foi declarada inconstitucional e com base nisso a administração exigiu que os juizes devolvessem a quantia recebida indevidamente. A associação de magistrados se mobilizou e a questão foi até o STF. O STF disse então: a decisão vale para frente, o que já foi recebido não é necessário devolver, porque tem natureza alimentar, quem recebeu estava de boa-fé, etc. O outro caso foi a propósito de um tribunal qualquer que através de um ato normativo criou a figura do juiz de oficial ad hoc, nomeado pelo juiz para praticar certos atos e recebia pelos atos que praticava. O STF reconheceu a inconstitucionalidade mas manteve os atos praticados pelo oficial de justiça ad hoc. De alguma maneira, tb ponderou para conferir retroatividade plena à decisão que julgava a inconstitucionalidade da norma.

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A lei tem defeitos, mas essa abertura para que o STF dê eficácia não retroativa dependendo do caso é positivo. E um fato que na lei contribui para minimizar os riscos do que é regra se torne exceção, é o fato de se ter estabelecido um quorum diferente. Leia o art. 27. Então, se exige 2/3, ou seja, 8 ministros. Logo, 6 ministros podem declarar que a lei é inconstitucional, mas somente 8 podem restringir a retroatividade plena. Esse quorum mais elevado impede que se banalize essa mitigação.

Obs: até hoje o STF não aplicou o art. 27.

A gente tem então: a eficácia ex tunc (que é a regra), a eficácia ex nunc (que é a exceção) e a eficácia pró-futuro. O que é a eficácia pró-futuro? O STF di z o seguinte: a lei é inconstitucional, mas ele só afasta a lei a partir de um determinado momento do futuro que ele estabelece. Então ele diz: a lei é inconstitucional, mas nos próximos 3 meses ela continua valendo. O que justifica a eficácia pró-futuro? São as chamadas lacunas perigosas. Vamos imaginar que seja editada uma lei instituindo determinando a entrega de cesta básica para a população de uma região nordestina. A lei tem um vicio procedimental. Eu posso dizer que a lei é inconstitucional só que eu mantenho os efeitos da lei durante um determinado tempo. Com isso eu dou um espaço para que o legislador equacione a questão. O problema diz respeito ao limite dessa eficácia pró-futuro. A lei alemã fala em 1 ano. No Brasil não existe limite normativo. Devemos tirar da razoabilidade esse limite.

Obs:Lei inconstitucional não gera direito adquirido. Então, a razão de eu não dar retroatividade plena não é tutela de um direito adquirido.

Os fundamentos que justificam essa não retroatividade são: excepcional interesse social e segurança jurídica. São conceitos indeterminados, que vão ser avaliados caso a caso. O STF sempre que não atribuir a eficácia retroativa terá que fundamentar.

OBS.: Vamos imaginar que transitou em julgado uma ação que se fundamentou numa lei. O STF posteriormente declarou a inconstitucionalidade da lei. Como é que fica? A idéia clássica é que a coisa julgada é um limite à retroatividade da decisão do controle de constitucionalidade. Se já tem coisa

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julgada, eu até posso, se for o caso, ajuizar ação rescisória. A declaração da inconstitucionalidade não desconstitui in totum as decisões que se fundamentaram na lei porque a lei inconstitucional não é inexistente, ela é nula. Esse era o pensamento dominante.

O que aconteceu? No começo da década de 90 teve um boom de ações tributarias questionando as contribuições. Os contribuintes tiveram mais sucesso nas 1ª e 2ª instancias do que nos tribunais superiores. Nem sempre o governo conseguiu levar tais discussões para o STF. O governo ficou com uma quantidade enorme de ações rescisórias para propor, para poder cobrar de novo aqueles tributos que não tinham sido pagos. Quando estava terminando o prazo de 2 anos, o governo editou uma medida provisória, criando uma nova hipótese para os embargos à execução. Embargos à execução fundado na inconstitucionalidade da lei já reconhecida pelo STF. Quer dizer: se eu posso discutir a questão nos embargos à execução, logo não preciso mais da ação rescisória. Eu não saberia responder isso numa múltipla escolha porque toda a doutrina fala que a coisa julgada é um limite à retroatividade da decisão. Mas agora não é mais. Isso ainda não foi discutido. Isso é constitucional? Há quem alegue a inconstitucionalidade dessa medida dizendo que ela viola o art. 5º, inc. 36 da CF, ao violar uma restrição à coisa julgada.

Vide art. 28 da lei 9868.

Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Vou discutir primeiro as polemicas desse artigo. O primeiro ponto aqui é a distinção entre eficácia erga omnes e efeito vinculante. A CF só falou em efeito vinculante para ação declaratória de constitucionalidade - art. 103, par. 2º. E na lei ele está previsto tb para a ADIN. O que é efeito vinculante? Quando a emenda

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nº 3 criou a ADC se formaram duas correntes: uma corrente minoritária defendida pelo Clemerson e pelo Gilmar entendia que efeitos vinculantes significava que a fundamentação tb fazia coisa julgada no controle abstrato de ADC. Vale dizer: imagine que viesse uma medida provisória tratando de processo do trabalho. O STF julga uma ADC com relação a essa MP e declara inconstitucional. Para o Clemerson e para o Gilmar isso significaria que nenhuma MP jamais poderá tratar de processo do trabalho porque todo mundo fica vinculado a essa decisão. O efeito desse julgamento não seria só o de retirar da ordem jurídica aquela MP tratando de processo do trabalho, mas sim de firmar uma orientação de que MP não pode tratar de processo do trabalho. Seria algo semelhante ao commow law, no qual a fundamentação vincula. Mas não foi essa a orientação dada pelo STF. O STF restringiu o efeito vinculante à possibilidade do uso da reclamação. Vamos pensar: o STF numa ADC declarou que a lei X é constitucional. Aí, tempos depois, num caso concreto, o juiz incidentalmente afasta a lei X. O A foi o prejudicado, ele recorre para o TJ. O efeito vinculante iria possibilitar que o A se endereçasse diretamente ao STF, para que ele obrigasse o juiz ao seguimento de sua orientação através de um instituto chamado reclamação - previsto no art. 102, I, 'l" da CF. Reclamação antes da introdução do efeito vinculante era visto como prova do processo subjetivo. Segundo o STF, com a reclamação na ADC eu poderia levar diretamente ao STF o conhecimento de insubordinações contra a sua orientação praticadas por outros órgãos judiciais ou até mesmo administrativos. Então essa é a posição do STF sobre o que é o efeito vinculante. Mas o que aconteceu? A CF só falou do efeito vinculante para ADC e aí veio a lei e estendeu para ADIN. A lei podia fazer isso? Há duas correntes:

- Posição da OAB sustentada numa ADIN: o constituinte só quis efeito vinculante na ADC. O legislador estaria indo contra a vontade da CF.

- Posição que o professor acha certa: não houve silencio eloqüente da CF. Como a ADC e ADIN têm efeito dúplice, não faz sentido atribuir efeito vinculante a uma e não atribuir à outra.

Obs: A posição do STF, antes da lei, era a seguinte: ADC tem reclamação. ADIN não tem reclamação. O STF só admitia reclamação na ADIN quando a parte prejudicada pelo descumprimento da decisão fosse o próprio autor da ADIN.

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Obs: até hoje o STF não aplicou a reclamação da ADIN.

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

Vale a pena ler: julgamento do STF acerca da sua primeira decisão de ADC (sobre confins).

A ação declaratória de constitucionalidade foi criada para combater a industria de liminares. O que acontecia? Vinha uma lei que instituía um tributo. A lei tinha presunção de constitucionalidade e com isso começava a pipocar decisões judiciais para não pagamento do tributo. Se alguém quisesse declarar a invalidade da lei tinha um instrumento. Agora, às vezes, o governo estava convencido que a lei era constitucional e queria pacificar a questão. A justificativa é de governabilidade.

Em 1993 foi editada a emenda nº 3, sendo relator o Roberto Campos, que foi redigida pelo Gilmar Ferreira e o Ivens Gandra. E aí um fato curioso: adivinhem quem foi o advogado da ADIN contra a emenda nº 3? O Ivens Gandra. Ele foi contratado pela AMB, mas o STF não conheceu da ADIN por falta de pertinência temática. O STF julgou a primeira ADC sobre o confins. Existiam vários argumentos contra a ADC. Diziam:

- é uma nova avocatória que atinge o juízo natural - avocatória é uma figura que existia na constituição passada, em 1977, que dava a competência para o STF em qualquer processo do país puxar para si o processo. Dizia-se então que quando o STF declarava a constitucionalidade, isso seria igual uma avocatória. Ora, mas tal argumento não procedeu.

- Incompatibilidade com o contraditório e ampla defesa porque a decisão na ADC pode influir na esfera subjetiva de cada individuo e ele não tem como ir ao STF para defender a sua posição e porque no próprio processo abstrato da ADC não foi previsto o contraditório abstrato, como tem na ADIN através do AGU. O STF refutou tal entendimento dizendo que não se tratava de avocatória e dizendo que contraditório só existe no processo objetivo (e tem na ADIN porque o constituinte o quis, pois caso não quisesse não teria nenhum empecilho de não coloca-lo)

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O STF falou então o seguinte: a presunção de constitucionalidade das leis é relativa. Para que serve uma ação declaratória? para remover uma incerteza. Aqui é uma incerteza objetiva. Como eu evidencio essa incerteza? Demonstrando que existe dissídio jurisprudencial a propósito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma. Então a ADC não é uma consulta ao STF. O autor tem que demonstrar que há divergência na jurisprudência. Ele vai ter o ônus de trazer à baila decisões dizendo que a lei é constitucional e decisões dizendo que a lei é inconstitucional. O STF entende inclusive que não basta mostrar decisões dizendo que a lei é inconstitucional. Isso minimiza um pouco o problema da ausência do contraditório porque o autor é obrigado a juntar decisões contrárias.

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20/05/02

9ª AULA

A gente viu que o rol dos legitimados ativos da ADIN engloba uma série de entidades da sociedade civil, confederação sindical, partido político, etc. Essa foi uma das mais importantes mudanças positivas no controle de constitucionalidade. O rol da ADC, pelo contrário, se restringe. O rol esta no art. 103 da CF. Todos esses legitimados são universais. Na ADC não cabe condicionar pertinência temática.

Proposta a ação, a primeira questão que surge diz respeito ao cabimento ou não de medida cautelar. Aquela mesma possibilidade de indeferimento da inicial da ADIN, existe tb para a ADC. Assim como o agravo pelo plenário. Só que a CF não fala nada do cabimento da medida cautelar na ADC. Para a ADIN existe um artigo, para a ADC não existe. Então quando a ADC foi criada surgiu a polemica em torno da questão se era possível a concessão de medida cautelar. Vários juristas afirmaram que não era porque: em primeiro lugar seria desnecessário já que as leis tinham controle de constitucionalidade; em segundo lugar porque seria uma violência permitir que STF num juízo superficial proibisse todos os outros tribunais, incidentalmente, reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei. Averbados esses argumentos, o STF disse que cabe medida cautelar na ADC e que ela se fundamenta no poder geral de cautela, que é imanente à prestação jurisdicional. Para o STF não é preciso que haja uma norma expressamente atribuindo ao juiz o poder geral de cautela para que ele exista. Então o fato da CF não ter inserido nenhum artigo dizendo "cabe medida cautelar em ADC" não é relevante até porque o reconhecimento do cabimento de medida cautelar em ADIN se deu na ordem constitucional passada em que não havia norma expressa dizendo que cabe medida cautelar.

A lei 9868 veio a disciplinar o conteúdo da medida cautelar na ADC. E disciplinou, diga-se de passagem, no modo totalmente sem sentido. Vide art. 21 da 9868. Qual é o conteúdo da medida cautelar na ADC? É a suspensão de todos os processos dos quais estejam em jogo a aplicação da norma que está sendo discutida na ADC. Por que isso é irracional? Acompanhem o meu raciocínio: quando o STF dá a cautelar em ADC, ele o faz com base nos 2 pressupostos: periculum in mora (o STF diz que há o risco de se alguém não aplicar a norma

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nesse ínterim ser causado um dano de difícil reparação) e o fumus boni iuris (consiste na crença dos ministros de que a lei é inconstitucional). Pensem no seguinte: antes da medida cautelar, a lei tinha presunção de constitucionalidade e se o juiz achasse que a lei era constitucional ele aplicava a lei e julgava o caso. Agora o STF fala: eu tb acho que a lei é constitucional, mas o juiz não pode mais aplicar a lei. Vamos imaginar que haja uma mudança no CPC, alterando o prazo da contestação. Alguém alega que essa mudança é inconstitucional. O sujeito ajuíza uma ADC com relação à suspensão. A medida cautelar iria suspender todos os processos civis. O juiz acha que a lei é constitucional, a lei tem presunção de constitucionalidade e o STF tb acha que é constitucional, e o juiz tem que parar o processo, não podendo julgar. Isso agride o senso comum, agora é o que está escrito no artigo.

Em regra o efeito da medida cautelar na ADC tb é prospectivo, mas o STF já disse que ele pode dar efeitos retroativos suspendendo a eficácia de decisões judiciais anteriores à concessão da medida cautelar. Um caso famoso foi o dos servidores públicos com relação às leis impedindo a concessão de antecipação de tutela e de medidas cautelares para questões de vencimentos. E os juizes ainda concediam. O governo ajuizou a ADC º 4 e o STF concedeu uma cautelar não apenas impedindo que os juizes concedessem outra antecipação de tutela como tb cassando todas as antecipações de tutelas já concedidas no passado.

Leia parágrafo do art. 21 da lei 9868. Se demorar mais de 180 dias o julgamento de mérito, cai a medida cautelar.

Passada a fase da concessão ou denegação da medida cautelar, a gente vai seguir o mesmo tramite da ADIN com uma única exceção: não tem que ouvir o AGU defender a validade do ato normativo.

A lei não fala em amicus curiae, mas toda a doutrina vem dizendo ser possível amicus curiae na ADC.

Passa-se ao julgamento. Antigamente havia uma diferença importante entre ADIN e ADC com relação ao fato de que na ADC nós tínhamos o efeito vinculante e não tínhamos o efeito vinculante na ADIN. Agora, a lei tb estendeu o efeito vinculante à ADIN. Então o julgamento da ADIN e ADC são exatamente iguais.

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O STF já decidiu que havendo uma ADIN e uma ADC sobre a mesma norma, elas são reunidas e julgadas em conjunto. Então, o processo vai seguir o mesmo caminho.

CABE ADC EM ÂMBITO ESTADUAL? Há duas correntes:

1ª CORRENTE: jurisdição abstrata é exceção ao principio da separação dos poderes. O judiciário julga casos concretos. O controle abstrato é exceção, tanto é exceção que a CF só fala do ADC no plano federal, logo não seria possível a extensão através de norma de índole infra constitucional.

2ª CORRENTE (MAJORITÁRIA): pelo principio da simetria, a CE poderia prever a ADC em âmbito estadual.

Outra questão que o STF já discutiu diz respeito sobre a existência de efeito vinculante, não da decisão de mérito, mas da medida cautelar. A CF e a lei não falam em efeito vinculante da medida cautelar, mas o STF entendeu que pela medida cautelar na ADC, logo tb cabe na ADIN. Que a medida cautelar tem eficácia contra todos, isso é obvio por se tratar de controle abstrato!!! Qualquer decisão do controle abstrato vai valer contra todos. A gente quer saber se tem efeito vinculante. Vale dizer: se o STF concede uma cautelar numa ADC e o juiz continua tocando o processo, a parte prejudicada pode ir lá no STF com reclamação, sem haver decisão de mérito na ADC? O STF entendeu que sim.

ADIN POR OMISSÃO

Eu já expliquei para vocês o que era omissão total, parcial, absoluta e relativa. O que é uma inconstitucionalidade por omissão? Ela se manifesta quando existe uma obrigação de legislar que pesa sobre o legislador e ele descumpre ou cumpre de modo insatisfatório essa obrigação de legislar. Isso vai acontecer quando existir uma norma na CF que depender de regulamentação para produzir plenamente seus efeitos e essa regulamentação não venha a ser editada ou ela é editada de modo insatisfatório. Para cada norma que depende de regulamentação é como se houvesse outra ali não endereçada ao legislador dizendo "você tem que me disciplinar".

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A inconstitucionalidade por omissão diz respeito apenas à falta de edição de norma. Ex: se vagar um lugar no STF e fica 6 meses sem ninguém para ocupar este lugar. A gente tem aí uma inconstitucionalidade por omissão? não porque contra o ato omissivo do presidente da republica cabe mandado de segurança.

A inconstitucionalidade por omissão pode ser parcial ou total. Ex: salário mínimo. Ora, R$ 200,00 atende o art. 7º, IV da CF? Não. Vai ser uma hipótese de declaração da inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Quando eu afirmo que é inconstitucionalidade por omissão parcial, eu estou dizendo tb que a lei é editada é inconstitucional. Por que eu não vou pronunciar a inconstitucionalidade da lei editada? Se eu o fizer, vou agravar o vicio, porque volto a ter o salário mínimo de R$ 180,00. Essa é a inconstitucionalidade por omissão parcial. Em algumas situações a gente vai ficar numa zona nebulosa. Ex: houve um caso da regulamentação dos benefícios de assistência social devido aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não tivessem meios de prover a própria subsistência. Foi editada uma lei dizendo que não ter meios de prover a própria subsistência é possuir a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. Art.203, inciso V da CF. Só que esse valor, diga-se de passagem, é ridículo, pois um sujeito ganhando isso estaria com certeza passando fome. O STF disse que tratava-se de inconstitucionalidade por omissão parcial e vários autores diziam que eram inconstitucionalidade por ação, tendo que retirar a expressão 1/4. É uma hipótese nebulosa porque pode se conceber como ADIN ou como ADIN por omissão. Por isso, alguns autores, como o Clemerson, sustentam uma fungibilidade entre ADIN por ação e ADIN por omissão.

Na ADIN por omissão total ou parcial a questão é saber se existe ou não a norma. A ADIN por omissão absoluta e relativa diz respeito aos destinatários da norma. Ex: vamos imaginar que seja editada uma lei estabelecendo um reajuste para algumas categorias de servidores do estado do RJ. Qual é a natureza do vicio dessa lei? Ela é inconstitucional e deve ser eliminada da ordem jurídica? Se a gente eliminar a norma, eu vou tirar de quem faz jus. Agora, segundo o STF eu não posso estender o beneficio a título de isonomia, pois o judiciário não age como legislador positivo. Ele vai tratar esse caso como uma inconstitucionalidade por omissão e vai dar o nome de inconstitucionalidade por omissão relativa. Aqui o caráter absoluto/relativo diz respeito à extensão do vicio. Se o vicio atinge a todos os destinatários da norma, é absoluta. Se ele atinge apenas alguns, é relativa. Então, o caso típico de inconstitucionalidade por omissão relativa é de concessão de um

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beneficio que em si mesmo seja justo e válido mas que não contemple a todos que fariam jus. Vamos imaginar que venha uma lei criando um programa de bolsa para criança que vai à escola. Mas, a lei inclui somente as pessoas do norte fluminense. Uma família do RJ pretende a extensão para si. O judiciário vai dar? O STF fala que ele não pode dar, porque ele não pode estender beneficio a título de isonomia. Como eu poderia tratar essa questão? Dentro da inconstitucionalidade por omissão, quer dizer no controle abstrato o STF ou o TJ iria notificar o legislador conclamando que fosse editada uma lei que contemplasse todo mundo. Absoluta é quando atinge todo mundo. TODA INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO TOTAL É ABSOLUTA. Se não tem norma isso atinge a todo mundo. A INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL PODE SER ABSOLUTA OU RELATIVA. Ex: a parcial que decorre da lei do salário mínimo. É absoluta porque todo mundo que esta ganhando salário mínimo esta ganhando menos do que deveria. Agora, essa hipotética lei que concedesse reajuste para algumas categorias e não concedesse para outras, seria uma inconstitucionalidade por omissão parcial e relativa porque eu não estou atingindo a todos os destinatários da norma.

POSIÇÃO CONTRÁRIA À DO STF: o Alexy diz o seguinte: eu tenho que ponderar por um lado a intensidade da lesão à isonomia e do outro lado a separação de poderes. Porque se eu adoto irrestritamente essa posição de que o judiciário não pode estender beneficio a título de isonomia, eu estou favorecendo à total arbitrariedade na concessão do beneficio.

POSIÇÃO DO STF: SE UMA LEI CONCEDE UM BENEFICIO SOMENTE A UMA DETERMINADA CATEGORIA, DE DUAS UMA: OU O BENEFICIO É INJUSTO E EU ELIMINO (É CASO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR AÇÃO) OU O BENEFICIO É JUSTO (É CASO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL, E EU NOTIFICO O LEGISLADOR PARA ESTENDER, MAS EU NÃO POSSO ESTENDER PORQUE NÃO AJO COMO LEGISLADOR POSITIVO).

Obs: Quem tem um artigo sobre especificamente isonomia e controle de constitucionalidade é o Gilmar Ferreira Mendes, tratando a posição do STF, no livro "Controle de constitucionalidade e direitos fundamentais".

A gente recordou as categorias técnicas da inconstitucionalidade por omissão. Vamos falar agora da ação direta da inconstitucionalidade por omissão.

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Nós já vimos a origem. A origem da ação é a seguinte: não havia na ordem constitucional anterior e o constituinte se inspirou na constituição de Portugal. Na Alemanha não existe uma ação de ADIN por omissão, mas existe uma ação de controle abstrato, onde uma das decisões que a Corte Constitucional apontou foi equivalente a essa de notificação ao legislador. O que diz o texto constitucional? Vide art. 103, par. 2º da CF. O grande problema da inconstitucionalidade por omissão é: o que fazer diante de uma inconstitucionalidade por omissão? A doutrina dá uma resposta pouco eficaz: notifica-se o legislador para que ele edite a norma, mas não existe como obrigar o legislador a legislar. Quando se tratar de órgão administrativo, a lesão vai se revestir de um caráter mandamental. Eu fixo o prazo, se ele não cumpre o prazo, ele estará desobedecendo uma decisão judicial. Mas em 99,99% dos casos quem deve editar a norma é o legislativo, e nesse caso não há prazo.

Os legitimados são os do art. 103, que tb terão em alguns casos a pertinência temática. Cabe medida cautelar na ação por inconstitucionalidade por omissão? Não. O AGU tb tem que defender? Não porque não tem norma.

A lei 9868 tratou apenas da ADIN e da ADC, não falou nada da ADIN por omissão. Mas o professor acha que essas novas medidas tb devem ser utilizadas na ADIN por omissão, por se se tratar de controle abstrato.

Observação que a doutrina não comenta: para o professor no art. 103, par. 2º tem previsão expressa de que cabe regulamento autônomo no direito brasileiro em regra. O que é inconstitucional por omissão? Quando alguém não regulamenta a constituição. A constituição diz que em algumas hipóteses a omissão pode ser de órgão administrativo. O próprio constituinte diz isso. Órgão administrativo regulamentando a constituição é o quê? É regulamento autônomo.

Declarada a inconstitucionalidade por omissão, isso gera algum efeito jurídico prático? O professor acha que a inconstitucionalidade é ato ilícito, então se o STF declara que o congresso esta em mora na edição de uma norma, ele esta dizendo que o congresso cometeu um ato ilícito. O congresso é órgão de quem? Da União. O professor ajuizou uma ação civil pública para condenar a União em danos morais e materiais por não ter dado o reajuste para os servidores. Tinha um artigo na constituição dizendo que tinha que dar. O judiciário não pode fixar o valor do reajuste. O STF declarou que é uma inconstitucionalidade por omissão, logo trata-se de ato ilícito. Por isso enseja a responsabilidade pelo ato ilícito. É uma tese que não deve vingar.

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Vou falar um pouco do mandado de injunção para fazermos uma comparação. O mandado de injunção não tem nada a ver com controle abstrato, é jurisdição concreta. O dispositivo que prevê o mandado de injunção é o art. 5º, inc. 71 da CF. O mandado de injunção é criação brasileira. É um instrumento para a tutela da inconstitucionalidade por omissão no caso concreto. O constituinte foi lacônico, tratando apenas da hipótese de cabimento, mas não estabeleceu qual é o efeito da decisão. Aí na doutrina surgiram diversas correntes.

A questão central diz respeito aos efeitos do mandado de injunção. No inicio surgiram três correntes:

1ª corrente: José Afonso da Silva no passado: o que o STF vai fazer é substituir o legislador e elaborar a norma. O STF só vai fazer isso quando o legislativo estiver inerte, logo não feriria a separação dos poderes. Quase toda a doutrina criticou essa corrente.

2º corrente (majoritária na doutrina - Barroso, Clemerson, José Afonso da Silva atualmente): o STF não elabora a norma de modo geral e abstrato, ele elabora a norma para o caso concreto. ex: José impetrou mandado de injunção pelo fato de ter um direito previsto na CF e ele não pode usufruir desse direito por falta da norma. O STF vai fazer a norma para o José. Os efeitos se limitam ao réu do mandado de injunção. O julgamento seria um pouco parecido com o julgamento por equidade.

3ª corrente (JURISPRUDÊNCIA DO STF): identificou a decisão do mandado de injunção à proferida na ADIN por omissão, dizendo o seguinte: o STF vai notificar o órgão em mora para que elabore a norma, sem prazo(sendo legislativo) ou em 30 dias (sendo órgão administrativo). A doutrina toda criticou tal decisão no sentido de que tinha tornado o mandado de injunção sem utilidade. O STF está evoluindo aos poucos, mas não existe uma sedimentação das situações em que ele admite conceder efeitos concretos. Vou citar alguns casos. ex: art. 8º, par. 3º do ADCT. Os 12 meses se passaram e não foi editada nenhuma lei. Aí houve um mandado de injunção impetrado por um capitão. O relator foi o Sepúlveda Pertence. O STF ao invés de pura e simplesmente notificar o congresso sem marcar prazo, marcou prazo de 3 meses dizendo que se o congresso não fizesse a lei naquele prazo, o impetrante poderia ajuizar uma ação de reparação civil, com base no código civil, na justiça ordinária. Então ele já atribuiu o efeito concreto. Agora, notem bem: a tese da 2ª corrente diz o

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seguinte: o STF já tutela no mandado de injunção o direito lesado. Então, nesse caso ele já teria que fixar a indenização. Num outro mandado de injunção impetrado por uma outra pessoa, a propósito do mesmo artigo, o STF de cara já remeteu para as vias ordinárias, para a propositura da ação com base no código civil dizendo: naquele outro processo que eu dei o prazo de 3 meses para o congresso legislar, ele não o fez. Então, o impetrante com base nessa sentença pode ir à justiça comum e postular perdas e danos. Nesse julgamento ele ainda disse: se vier uma lei e ela der mais, isso beneficia o impetrante, se der menos, prevalece a coisa julgada. O outro caso em que ele adotou posição semelhante foi o do art. 195, par. 7º da CF. Não existia a lei e uma entidade filantrópica estava tendo que recolher contribuição para a seguridade. Ela impetrou o mandado de injunção. O STF notificou o congresso e deu prazo para ele fazer a lei. Mas, disse; se o congresso não fizer a lei nesse prazo, o impetrante vai poder gozar "isenção" desde que ele satisfaça os requisitos da imunidade das entidades de assistência social previstas para os impostos. Vou explicar porque ele fez isso: tem um artigo lá na constituição - art. 150 - que fala que as entidades de assistência social têm imunidades para os impostos. E essa imunidade já estava regulamentada, estava lá no CTN. Só que essa norma não valia para as contribuições de seguridade social. Então o que o STF fez? Ele mais uma vez abriu espaço para analogia.

Esses foram os únicos casos em que o STF fez isso. Vejam que ele não criou norma alguma. Ele foi colher uma outra norma no ordenamento para permitir a sua invocação analógica. O STF não dirimiu o conflito.

Tentaram fazer isso no limite constitucional de 12% de juros, utilizando a lei da usura por analogia. Aí o STF adotou a seguinte posição: nestes dois casos já mencionados quem era o sujeito passivo do direito material era a União e quem estava em mora era o congresso que é da União. Então havia uma identidade entre quem estava em mora e o sujeito passivo do direito material constitucional. Nos 12% quem será o sujeito passivo serão as instituições financeiras e quem esta em mora é o Congresso. Logo, o STF disse: QUANDO NÃO HOUVER IDENTIDADE ENTRE O SUJEITO PASSIVO E ENTIDADE EM MORA NA EDIÇÃO DA NORMA, ELE NÃO CONFERE EFEITOS CONCRETOS AO MANDADO DE INJUNÇÃO. Agora, essa é uma condição mas não suficiente. Quer dizer: Se não tiver isso ele não dá efeito concreto, mas ter isso não basta. Por isso no mandado de injunção impetrado em relação à falta da edição da norma que regulamente a greve do servidor público não foi dado o efeito concreto. ENTÃO, QUANDO O STF DÁ EFEITO CONCRETO? QUANDO ELE

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ENTENDER POR ANALOGIA CONSTRUIR, E ELE SAIA DA POSIÇÃO DE TER QUE FAZER A NORMA.

É uma matéria que está em andamento, e que por isso não existe um único entendimento. A regra é não dar efeitos concretos, mas existem essas possibilidades.

Caso interessante; o art. 7º fala do aviso prévio proporcional ao tempo do trabalho. Isso está regulamentado como um mês, ou seja, um cara trabalha 20 anos recebe o valor de um mês, trabalha um ano, recebe um mês. Aí, o STF deu uma liminar num mandado de injunção dizendo o seguinte: quem trabalhou por mais tempo, ficaria suspensa a prescrição com relação à diferença que você teria do aviso prévio que você pudesse receber a mais. Esse direito já era para você ter. Mas você não teve por causa do legislador. Então, você mantém isso e quando vier a lei você pode pedir a diferença.

Naquele caso do mandado de injunção do art. 195, par. 7º ele disse o seguinte: todas as execuções fiscais contra esse impetrante, relacionadas às contribuições para a seguridade ficam suspensas.

DISTINÇÕES

INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

MANDADO DE INJUNÇÃO

Controle abstrato Controle concreto.

O âmbito é mais amplo. Qualquer norma que não produza plenamente seus efeitos pode dar azo a uma ADIN

O âmbito se restringe às normas que definem direitos. ex: vamos imaginar que não tivesse sido

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por omissão. editada a norma que criou a AGU. Caberia uma ADIN por omissão, porque aqui não se tem direito.

A omissão pode ser total ou parcial A omissão deve ser total, porque o art. 5º fala da falta da norma.

A competência é sempre do STF Em relação à competência depende. Ex: imagine que estivesse faltando uma resolução para disciplinar as eleições. Mandado de Injunção no TSE.

O pólo passivo é ocupado pelos órgãos que estão em mora na elaboração da norma. Ex: norma de iniciativa privativa do presidente, quem estará em mora é o presidente do congresso. Se é uma lei estadual, que não é de competência privativa de ninguém, será legitimada passiva a assembléia legislativa.

Existe ampla discussão: para os autores que atribuem efeitos concretos ao mandado de injunção (o judiciário deve decidir o caso), o pólo passivo será ocupado tb pelo devedor do direito material. Nessa linha existem autores como o Barbosa Moreira e o Sergio Bermudes dizem que o pólo passivo será ocupado somente pelo devedor do direito material. Já autores como Barroso admitem que há litisconsórcio passivo necessário entre o devedor do direito material e o órgão ou entidade que estiver em mora na elaboração da norma.

A tese do STF é no sentido de não dar efeitos concretos e diz que quem integra o pólo passivo é quem tem que elaborar a norma.

O pólo ativo esta no art. 103 da CF. Em principio o pólo ativo é

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ocupado pelo sujeito que tem o direito. Tem-se admitido, porém mandado de injunção coletivo. E, além disso, tanto a lei complementar 75, como a lei 8625, prevêem que o MP tem legitimidade para impetrar mandado de injunção na defesa dos direitos que lhe cabe tutelar.

ARGÜIÇÃO DO DESCUMPRIMENTO DO PRECEITO FUNDAMENTAL - ADPF - LEI 9882

A argüição já estava prevista no texto originário da CF, no art. 102, par. 2º. Leia. Aí, se tentou ajuizar uma argüição antes da lei e o STF não conheceu dizendo que era norma de eficácia limitada e que dependia de regulamentação. Ninguém sabia que figura era essa. A historia do dispositivo é uma historia de equivoco. Na Alemanha existe um instrumento chamado Verfassungsbeschwerde, que consiste no seguinte: o sujeito tem um direito fundamental violado e lá não existe controle concreto. Por meio desse instrumento, ele vai à Corte Constitucional e faz valer o direito dele. Na Espanha, tem um instrumento chamado Recurso de Amparo. A idéia do José Afonso da Silva era trazer uma figura dessas para o direito brasileiro. Esse instrumento no Brasil é inútil porque aqui nós temos o controle difuso, nós temos a inafastabilidade do controle jurisdicional. Então, qualquer direito violado vai ter proteção. Por isso, se demorou tanto tempo para se regulamentar a ADPF. Só que quando ela foi posta na constituição, a lógica era da cidadania. Mas aí o governo(Gilmar Ferreira Mendes) resolveu pegar isso e usar para um outro lado. A idéia era mais uma vez frear a indústria de liminares. Eles criaram a ADPF como um instrumento que permita o STF decidir questões vinculando todo mundo e com isso obstando o controle difuso em situações nas quais os controles já existentes de controle de constitucionalidade não funcionaram. Houve uma espécie de apropriação da ADPF para outros fins. O governo agiu de má-fé porque o anteprojeto da lei dizia que qualquer cidadão tinha legitimidade para propor ADPF, mas o governo vetou esse artigo. Agora, a lei da ADPF é confusa. Vamos ler a lei.

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Leia o art. 1º. Quando é que cabe ADPF? "Evitar ou reparar lesão a preceito fundamental decorrente de ato do poder público". Olha que abrangência. Eu pergunto: O Executivo não é poder público? O judiciário não é poder público? O legislativo não é poder público? Então isso não é só controle de normas. Isso pode ser controle de normas, mas pode ser controle de decisão judicial, controle de ato da administração. Não se falou tb se o ato do poder público é municipal, estadual ou federal. Outra coisa: preceito fundamental. O que é preceito fundamental? Surgiram duas correntes:

- Manoel Gonçalves Filho: não há hierarquia entre as normas da constituição, então preceito fundamental é qualquer artigo da constituição. Quer dizer o parâmetro da ADPF é a própria constituição.

- Doutrina dominante: o parâmetro é menor, são só as normas mais importantes da constituição. O legislador se valeu, de propósito, de um conceito jurídico indeterminado. Com certeza, a gente pode extrair do direito positivo alguns dados. Por exemplo, a constituição prevê algumas cláusulas pétreas. Estas matérias seriam preceitos fundamentais. Mais exemplos de preceitos fundamentais: Os princípios fundamentais do art. 1º, os objetivos da republica. Agora, quem vai definir é o STF. E se é verdade que não existe hierarquia do ponto de vista formal, existe na verdade uma hierarquia axiológica. Vale dizer: há normas que são mais relevantes que outras, por consagrarem valores maiores.

Ato do poder público então abrangeria, em tese, ato administrativo, ato judicial e ato legislativo. E o ato pode tb ser omissivo.

Mais um dado: "evitar ou reparar lesão a preceito fundamental". O Clemerson Cleve escreveu um artigo no livro "Hermenêutica e Jurisdição Constitucional", da editora Del Rey, e ele entende que esse evitar está consagrando o controle concentrado preventivo de constitucionalidade.

Ler o inciso I do parágrafo único do art. 1º da lei. Aqui a gente tem uma inovação superimportante. A gente já viu que para o STF não cabe controle abstrato de direito anterior à CF. Para ele é revogação. Na ADPF tem uma norma

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expressa dizendo que pode. A gente já viu que o STF não admite ADIN de lei municipal. Para a ADPF tem uma norma expressa. Ora, é uma inovação importante. O Alexandre de Moraes afirma que essa norma é inconstitucional porque o legislador ampliou a competência do STF. O professor acha que ele está errado, porque a lei não está estendendo, está é regulamentando a ADPF.

O inciso II foi vetado. O processo de elaboração das leis está em parte disciplinado na constituição federal. Agora o que acontece dentro de cada casa, a CF não diz. O STF diz o seguinte: se viola a CF cabe controle preventivo e repressivo. Para o STF quando se viola um regimento interno, não cabe controle porque é ato interna corporis. Esse inciso II previa o controle de violação a regimento em ADPF.

O parágrafo único diz assim: caberá tb a ADPF. Aí o inciso 1º diz: ato normativo federal, estadual, municipal anterior e posterior à CF. O que significa esse também? Mostra que isso não é só um controle de normas, é possível, em tese, a ADPF de ato administrativo e ato jurisdicional. Existe um limite que decorre do principio da subsidiariedade da ADPF - art. 4º, parágrafo 1º. Quer dizer: se tem outro meio, eu não uso ADPF. Ex: eu não vou compor uma ADPF de um ato administrativo, se cabe mandado de segurança.

Quais são os dois tipos de ADPF que existem? Autônoma e incidental.

1. ADPF AUTÔNOMA: é uma espécie de controle abstrato nos casos em que não há outro remédio para controle abstrato. Ex: ADIN por lei municipal, ADIN de lei anterior à CF. ex: eu proponho ADPF para retirar da ordem jurídica uma lei de 87, cuja aplicação esta violando um preceito fundamental. Ex: eu proponho uma ADPF para controlar um regulamento de lei que esta violando a constituição. Então, como o STF não admite ADIN de regulamento de lei, eu proponho a ADPF. Ex: eu proponho uma ADPF para invalidar uma lei municipal. Nesse contexto é que esta sendo julgada a ADPF ajuizada contra a lei do salário mínimo. O PT e o PDT ajuizaram uma ADPF contra a lei do salário mínimo dizendo o seguinte: ora, ADIN não dá porque se trataria de inconstitucionalidade por omissão parcial e não se resolveria nada. Logo os instrumentos existentes não são suficientes para sanar a lesividade. Por 6 a 5 o STF conheceu a ADPF. Agora, vai ser julgado o mérito. Temos que acompanhar o resultado.

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2. ADPF INCIDENTAL: a ADPF não está prevista expressamente, mas se abstrai do parágrafo único, inciso I quando se diz: quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional. A gente extrai isso tb do art. 6º, par. 1º da lei. Quer dizer: a argüição surge de um processo.

Ex: A tem uma ação contra B. Neste processo existe uma controvérsia constitucional relevante. No passado, se o STF achasse que era muito relevante ele utilizava a avocatória. A ADPF vai servir quase que como uma avocatória, porque é possível se levar essa discussão da controvérsia para o STF, o qual resolvendo valerá para todas as partes de processos semelhantes. Quem pode ajuizar a ADPF? Deveriam ser as partes, mas este dispositivo foi vetado da lei. Art. 3º. Ex: Jose contra a União. A questão atinge a União? O presidente tem legitimidade. Agora se a questão atingir o José, ele não terá legitimidade. Ele terá que representar ao PGR. Só que o STF matou isso usando o principio da subsidiariedade.

São as duas as formas de se conceber a subsidiariedade.

- Uma mais formal dizendo a seguinte: ora, se cabe qualquer instrumento para defender o direito, não cabe a ADPF.

- A outra defendida pelo Gilmar: a ADPF é, sobretudo, instrumento voltado para tutela da ordem jurídica. Eu não tenho que verificar se no caso concreto há um meio para se sanar a lesividade, porque sempre haverá um meio. Ex: ação de A contra B. Juiz adotou uma decisão de matéria constitucional que prejudicou o B. Há recurso possível mas o legitimado pode levar a questão para o STF por meio de ADPF porque o recurso possível resolve a questão para o A e para o B, mas não para todas as pessoas que estão envolvidas na questão.

Obs: Este era o discurso do governo. Com esse discurso, a ADPF incidental iria se tornar um instrumento importantíssimo. Só que até agora o STF aplica o principio da subsidiariedade ao pé da letra. Então sempre que surgir uma ADPF incidental, não se conhece porque da decisão cabe recurso.

Obs: pelo STF só quando no caso concreto não houver outro meio de sanar a lesividade caberia ADPF. Só que nós sabemos que sempre cabe uma medida.

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A ADPF autônoma é muito discutida na prática. O processo da ADPF é parecido com o processo da ADIN. Leia art. 2º da lei. O parágrafo foi mantido apesar do inciso I ter sido vetado. É uma atecnia legislativa. É um artigo inócuo, porque a parte já podia procurar o PGR.

Artigo 3º da lei - o rito do processo é praticamente igual. Vou destacar as diferenças. Na ADIN, o AGU tem que defender a constitucionalidade do ato normativo impugnado, já na ADPF não existe previsão (ele é intimado, mas não defende). Os prazos na ADPF são mais exíguos do que na ADIN. Em relação ao julgamento é igualzinho ao julgamento da ADIN. A OAB ajuizou uma ADIN contra toda a lei 9882. Existe uma tendência a considerar a lei inconstitucional.

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10ª AULA

27/05/02

CONTROLE EM ÂMBITO ESTADUAL

É possível discutir o controle de constitucionalidade da constituição estadual. O controle concreto e difuso é igualzinho. A única distinção que se apresenta é no sentido da inexistência da suspensão da eficácia pelo senado. A constituição estadual pode determinar que o tribunal de justiça suspenda a eficácia das leis estaduais e municipais do TJ se a decisão definitiva por maioria absoluta considerar contrarias à constituição estadual.

Agora, existe tb o controle abstrato em âmbito estadual. Vide art. 125, par. 2º da CF. o texto constitucional fala numa espécie de ADIN em âmbito estadual. Será que alem dessa ADIN, a constituição estadual pode criar uma outra espécie de controle? Existem duas correntes:

1ª corrente: não pode porque controle de constitucionalidade abstrato é exceção, e a jurisdição é prestada num conflito concreto. Isso é uma conseqüência do princípio da própria separação de poderes. E esse princípio é uma cláusula pétrea, que deve permear a interpretação das outras normas. Como a constituição no plano estadual só previu uma espécie, não poderia existir uma ação declaratória, uma ADIN por omissão, etc.

2ª corrente: DOMINANTE: pelo princípio da simetria é cabível. Os mecanismos deveriam ser simétricos aos da CF.

Funcionamento da representação de inconstitucionalidade: funciona como uma ADIN. Quais são as dificuldades? Mais da metade dos artigos das constituições estaduais são copias da constituição federal. Então o que se pergunta é: quando o dispositivo da constituição estadual é idêntico a outro da CF, ele pode ser parâmetro para controle abstrato aqui no TJ? Alguns autores diziam que não porque isso implicaria em converter o TJ em guardião da CF, usurpando a competência do STF. Mas a posição que prevaleceu no STF é de que qualquer norma da constituição estadual pode ser parâmetro para o controle abstrato no TJ, mas quando a norma

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for repercussão de outra existente da CF, dessa decisão do TJ vai caber recurso extraordinário para o STF. Recurso extraordinário sui generis.

Existe alguma hipótese de recurso extraordinário com decisão de eficácia erga omnes? Sim, conforme acima já dito.

Quando a lei é estadual, às vezes a representação de inconstitucionalidade no TJ vira uma ADIN no STF. O STF determina que o TJ suspenda o julgamento da representação de inconstitucionalidade e ele vai julgar a ADIN. Se ele julgar procedente a ADIN, essa ação aqui perde o objeto. Se ele julgar improcedente a ADIN, ele vai estar dizendo que a norma é compatível com a CF e aí o TJ pode continuar o julgamento para aferir a compatibilidade da norma com a constituição estadual. Ele não pode é invalidar a norma com base num dispositivo estadual igual ao da CF porque ele estaria se sobrepondo ao STF. O STF diz o seguinte: se existiu o fundamento autônomo de inconstitucionalidade no plano estadual essa ação continua. Se não existiu acabou aí a historia.

Repetindo: ADIN no plano federal e representação de inconstitucionalidade no plano estadual. Primeiro vai ser julgada a ADIN e essa representação fica suspensa. Se o STF acolher a ADIN, essa ação perde o objeto(não tem mais norma para controlar). Se o STF rejeitar a ADIN, ele esta dizendo que a lei é constitucional à luz da CF e aí esse julgamento continua mas só em relação a fundamento autônomo.

Essa possibilidade de concomitância pode haver agora com relação a uma representação de inconstitucionalidade e uma ADPF. Para o professor vai se seguir o mesmo raciocínio.

Na medida em que eu reconheço que cabe controle de constitucionalidade do TJ para o STF, eu não tenho como circunscrever aquelas hipóteses em que a constituição estadual reproduz dispositivo da CF. Se cabe recurso extraordinário, ele vai ser possível sempre que a decisão do TJ violar a CF. Esse vai ser um dos casos mas não o único.

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Cabe o controle concreto no âmbito do controle abstrato em âmbito estadual? Sim. Imagine que um dispositivo de uma lei estadual viole um artigo da constituição do estado, o qual por sua vez viola um artigo da CF. É ajuizada uma ação de representação de inconstitucionalidade contra essa lei. O TJ vai poder exercer o controle abstrato da constituição estadual em face da constituição federal? Não. O TJ, como qualquer órgão jurisdicional, é guardião da CF. O controle difuso, concreto da CF cabe a qualquer tribunal e em qualquer tipo de processo. O TJ vai reconhecer incidentalmente a inconstitucionalidade da norma da constituição estadual e na parte dispositiva ele vai julgar improcedente essa representação de inconstitucionalidade. Quer dizer: ele não vai tirar a norma da constituição estadual, só quem pode fazer isso é o STF pelo controle abstrato. Ele vai reconhecer no controle abstrato a inconstitucionalidade incidental da norma que é parâmetro.

Quem é o legitimado ativo para a representação de inconstitucionalidade?

A CF não definiu, quem vai definir é a constituição estadual. O STF entende que não é necessário haver o princípio da simetria. A constituição do estado do RJ determina um elenco vastíssimo de legitimados. Houve uma ADIN contra a constituição do estado do RJ e o STF rejeitou a ADIN dizendo que a constituição estadual é livre para decidir quem seriam os legitimados, mas só não poderia atribuir a legitimação para um único órgão. Aqui no RJ surgiu uma questão interessante, que caiu na ultima prova da PGE: era visível numa determinada ação que o interesse do Estado era que ela fosse julgada procedente. O PGE tinha que defender a validade da norma? Se a gente for pensar em termos da simetria, no âmbito federal o AGU defende a norma. Mas o PGE não tem que defender a norma porque a constituição estadual deu a legitimidade para ele ajuizar a representação de inconstitucionalidade. Logo, o PGE é ouvido nas representações de constitucionalidades mas ele não esta previamente condicionado a defender a norma.

Pode a administração pública, sem intervenção jurisdicional, se recusar a aplicar uma lei alegando que ela é inconstitucional? Existem duas posições:

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- 1ª CORRENTE: NÃO por causa da presunção de constitucionalidade das leis, princípio da legalidade, da segurança jurídica. O fato de que agora a administração tenha acesso ao controle abstrato.

- 2ª CORRENTE - defendida pelo Barroso e doutrina dominante: SIM, porque a lei inconstitucional é nula logo não geraria efeitos e com isso não vincularia a própria administração. Se o cidadão pode, a administração deve não cumprir a lei inconstitucional. O administrador que age assim, o faz por sua conta e risco. Ele está sujeito às conseqüências do seu ato (ele pode ser condenado a ressarcir).

No direito comparado nenhum país permite que a administração pública descumpra uma lei sob argumento de inconstitucionalidade, a não ser os EUA.

Tem uma súmula do STF dizendo que o TCU pode em seus julgamentos reconhecer incidentalmente a inconstitucionalidade de lei. TCU exerce atividade administrativa, não exerce atividade jurisdicional. Os ministros do TCU são agentes políticos.

E o legislador pode fazer controle de constitucionalidade? Antes da lei pode mas e depois? Eu posso editar uma lei declarando que a outra lei é inconstitucional. O STF já apreciou essa questão. O Collor editou uma medida provisória criando um tipo penal. Aí todo mundo criticou. Ele editou outra medida provisória declarando a inconstitucionalidade da primeira. Foram ajuizadas duas ADIN's e o STF julgou antes a ADIN contra a MP que tinha declarado a inconstitucionalidade e aí disse não podia pois estava usurpando a competência do próprio STF.

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