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CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO BIANCA DOS SANTOS CHAVES LIVRAMENTO CONDICIONAL NOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS: ASPECTOS JURÍDICOS MANAUS 2017

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO BIANCA DOS SANTOS … · A Lei dos Crimes Hediondos foi editada em 1990 trazendo em seu corpo uma série de normas aos condenados pela prática desses

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CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

BIANCA DOS SANTOS CHAVES

LIVRAMENTO CONDICIONAL NOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS: ASPECTOS JURÍDICOS

MANAUS 2017

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

BIANCA DOS SANTOS CHAVES

LIVRAMENTO CONDICIONAL NOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS: ASPECTOS JURÍDICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de Bacharel em Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM / ULBRA. Orientador: Armando Souza Negrão

MANAUS 2017

BIANCA DOS SANTOS CHAVES

LIVRAMENTO CONDICIONAL NOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS: ASPECTOS JURÍDICOS

TERMO DE APROVAÇÃO

Este Trabalho tem como objetivo a Conclusão de Curso, submetido a

julgamento e posterior aprovação para obtenção do título de Bacharel

no Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus.

Banca Examinadora:

____________________________________ Orientador

CEULM

____________________________________ Prof. (a) CEULM

___________________________________ Prof. (a) CEULM

Manaus: _____/_____/_____.

"O fim do direito é a paz. O meio de que

se vale para alcançá-la é a luta”.

Rudolf Von Ihering

AGRADECIMENTOS

Ao Deus da minha vida, que eu acredito, por ter me dado existência e a

Nossa Senhora Aparecida, a quem eu sou devota por me permitir conquistar novos

objetivos.

Agradecer minha mãe, Graciete Chaves e meu pai Alcebiades

Gaiôso, pelo carinho, dedicação, atenção, compreensão e acima de tudo apoio para

que eu pudesse ir em busca das minhas vitórias.

À minha família, fazerem parte desse momento tão importante que é o

final de uma etapa da minha vida, a minha irmã Bruna e minhas avós por

participarem desse momento tão esperado por todos nós.

Aos professores Ingo e Rubens, em especial ao orientador Armando

Negrão, pela disponibilidade e pelo carinho que se dedica ao seu trabalho.

Aos amigos de graduação, pela amizade e pelo incentivo ao decorrer do

curso.

A todos, que de certa forma contribuíram para a conclusão desta etapa.

RESUMO

O Objetivo Geral da presente monografia é analisar a Lei nº 8.072 de1990, de Crimes Hediondos, suas alterações, complexidades, seus aspectos e a Progressão de Regime trazida pela Lei nº 11.464, de 2007. Já os Objetivos Específicos são: Estudar os pressupostos, requisitos e espécies de livramento condicional; Destacar as principais características dos crimes hediondos; Determinar em que situações o livramento condicional poderá ser aplicado aos crimes hediondos, bem como o rigor da legislação com relação aos autores desse tipo de crime e a evolução doutrinária e jurisprudencial que culminou na edição de leis mais benéficas. A metodologia é o processo pelo qual se atinge este objetivo. É o caminho a ser trilhado para produzir conhecimento científico, dando as respostas necessárias de como foi realizada a pesquisa, quais métodos e instrumentos utilizados, bem como as justificativas das escolhas. O instituto do livramento condicional há mais de um século não recebeu qualquer atenção legislativa no sentido de adequá-la a nova dinâmica de execução penal construída a partir da Constituição Federal de 1988, assim como se verifica nas demais normas de direito, em especial as atinentes à execução de pena. Dessa forma, entende-se que tal norma que prescreve a perda de todos os dias do período de prova não fora recepcionada pela nova ordem Constitucional no seu aspecto material. Visto que não se leva em consideração o período em que o apenado cumpriu satisfatoriamente as suas obrigações. Apenas, com base na literal disposição legal, sem nenhum parâmetro de proporcionalidade, desconsidera todo o período em que esteve no gozo de livramento, pois é suficiente para subsunção total do ato às normas que regem o instituto do livramento condicional.

Palavras-chave: Livramento condicional; Crimes hediondos; Pena.

ABSTRACT

The General Objective of this monograph is to analyze Law No. 8,072 of 1990 on Hedged Crimes, its changes, complexities, its aspects and the Regime Progression brought by Law No. 11,464 of 2007. The Specific Objectives are: To study the assumptions, requirements and species of conditional release; Highlight the main characteristics of heinous crimes; Determine in what situations conditional release can be applied to heinous crimes, as well as the strictness of the legislation regarding the perpetrators of this type of crime and the doctrinal and jurisprudential evolution that culminated in the edition of more beneficial laws. Methodology is the process by which this goal is achieved. It is the path to be taken to produce scientific knowledge, giving the necessary answers of how the research was carried out, what methods and instruments used, as well as the justifications of the choices. The institute of conditional release for more than a century has not received any legislative attention in order to adapt it to the new dynamics of criminal execution built from the 1988 Federal Constitution, as it is verified in the other rules of law, especially the pertinent ones to execution of sentence. Thus, it is understood that such rule that prescribes the loss of every day of the probationary period was not received by the new Constitutional order in its material aspect. Since it does not take into account the period in which the victim has satisfactorily fulfilled his obligations. Only on the basis of the literal legal provision, without any parameter of proportionality, does it disregard the whole period in which it was in the enjoyment of release, since it is sufficient for total subsumption of the act to the norms that govern the institute of conditional release.

Keywords: Conditional release; Heinous crimes; Feather.

SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 9

2 PENA: ASPECTOS GERAIS ................................................................................. 11

2.1 Conceito e os principais aspectos da pena .................................................... 11

2.2 Finalidades da pena .......................................................................................... 18

2.3 Sistema penitenciário ....................................................................................... 20

3 CRIMES ................................................................................................................. 26

3.1 Conceito de crime ............................................................................................. 26

3.2 Da composição do crime e seus elementos ................................................... 28

3.3 Da sociologia criminal e criminologia ............................................................. 30

3.4 Do criminoso e da ação criminosa .................................................................. 32

3.5 Das diferentes personalidades ........................................................................ 33

3.6 Crimes hediondos ............................................................................................. 34

4 LIVRAMENTO CONDICIONAL ............................................................................. 36

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 42

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 44

9

I INTRODUÇÃO

A Lei dos Crimes Hediondos foi editada em 1990 trazendo em seu corpo

uma série de normas aos condenados pela prática desses crimes, as quais eram

muito mais rigorosas, comparadas às demais normas do Código Penal. Dentre tais

regras, destaca-se o cumprimento da pena em regime integralmente fechado (art. 2º,

§1º, da Lei n. 8072/90).

Desde então, tal dispositivo passou a ser alvo de críticas por parte da

doutrina e da jurisprudência, principalmente por se entender que esse regramento

vai de encontro ao princípio da individualização da pena, consubstanciado no art. 5º,

inciso XLVI, da Constituição Federal. Individualizar a pena consiste em dar ao preso

a oportunidade de reinserir-se na sociedade, através de mudança no

comportamento, ressocializando-se. Porém, da maneira como estava disposto na

Lei n. 8.072/1990 esta possibilidade inexistia para os crimes hediondos.

Após a Lei n. 11.464/2007, restou evidente a possibilidade de progressão

de regime prisional dos crimes hediondos, quando atendidos os requisitos objetivos,

presentes no art. 2º, §1º, da Lei n. 8.072/1990, e subjetivos, presentes no art. 112,

da Lei n. 7.210/1990, passando-se assim a adequar a norma vergastada ao sistema

adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro que é o penitenciário progressivo.

O tema em debate mostra-se de fundamental relevância no âmbito

acadêmico e social, uma vez que abordar temáticas mais rigorosas, como é o caso

dos crimes hediondos, revela-se como uma necessidade da nossa sociedade, em

virtude de tais crimes terem uma maior lesividade e repercussão, merecendo uma

maior reprovação do Estado. No entanto, não se deve considerar qualquer crime

desumano ou cruel, mas apenas aqueles crimes que o legislador elencou como

hediondo em uma relação categórica.

É indiscutível que a opinião pública colabora para a execução da lei de

crimes hediondos, e em suas variações no decurso do tempo, no entanto, salienta-

se que isso é consequência de cada momento histórico, tendo que a lei se adequar

ao período em que vige, para não ser ultrapassada e cair em desuso.

Atualmente esta lei foi abrandada, possibilitando o livramento condicional

sem dentre outros benefícios, contudo, revela-se que esta alteração não surgiu de

um avanço social, isto é, pela redução de crimes desta natureza, nada obstante, tais

10

crimes ainda estão altamente presentes e esse “alívio” não beneficia em nada ao

enfrentamento desses crimes, não podendo o problema carcerário ser justificativa

para essa alteração na lei.

Assim, resta um momento de grande reflexão, uma vez que diversos

crimes hediondos estão ocorrendo no nosso meio, para entender os propósitos que

levaram o legislador ordinário a retirar a impossibilidade da concessão de livramento

condicional, omitindo-a do texto, não parecendo justo com a sociedade e um pouco

utópico achar que tais mudanças representam um avanço e que irá interferir na

diminuição da prática de tais delitos.

O Objetivo Geral da presente monografia é analisar a Lei nº 8.072

de1990, de Crimes Hediondos, suas alterações, complexidades, seus aspectos e a

Progressão de Regime trazida pela Lei nº 11.464, de 2007.

Já os Objetivos Específicos são: Estudar os pressupostos, requisitos e

espécies de livramento condicional; Destacar as principais características dos crimes

hediondos; Determinar em que situações o livramento condicional poderá ser

aplicado aos crimes hediondos, bem como o rigor da legislação com relação aos

autores desse tipo de crime e a evolução doutrinária e jurisprudencial que culminou

na edição de leis mais benéficas.

A metodologia é o processo pelo qual se atinge este objetivo. É o

caminho a ser trilhado para produzir conhecimento científico, dando as respostas

necessárias de como foi realizada a pesquisa, quais métodos e instrumentos

utilizados, bem como as justificativas das escolhas.

Utilizando-se a classificação de Marconi e Lakatos (2014, p. 116), tem-se

que o método de abordagem a ser adotado será o dedutivo, que tem como definição

clássica ser aquele que parte do geral para alcançar o particular, ou seja, extrai o

conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a “hipóteses concretas”.

Tomando ainda por referência a classificação dos referidos autores será

adotada a seguinte técnica de pesquisa neste projeto: documentação indireta – com

observação sistemática, abrangendo a pesquisa bibliográfica de fontes primárias e

secundárias (doutrinas em geral, artigos científicos, dissertações de mestrado, teses

de doutorado, etc.), além de documentação oficial (projetos de lei, mensagens, leis,

decretos, súmulas, acórdãos, decisões, etc.).

11

2 PENA: ASPECTOS GERAIS 2.1 Conceito e os principais aspectos da pena

A cada dia que passa, a humanidade desvenda novas necessidades e

alcança novos objetivos. Estas transformações ocorrem em todas as áreas do

conhecimento humano, e entre elas, na ciência jurídica. O Direito é dinâmico.

Acompanha a desenvolvimento da sociedade, adaptando-se às suas celeumas.

Dentro dos ramos do Direito, encontramos no Direito Penal o modelo fiel e legítimo

de adaptação social.

Diante desse fato, os legisladores tentam suprir no máximo as

necessidades do presente, mas visando o futuro, com isso tem que estudar seus

anseios, suas revoltas, seus atos violentos, a criminalidade. Bem como, encontrar

formas de prevenir e combater a criminalidade através da aplicação justa de uma

penalidade.

Como bem jurídico a ser tutelado pelos dispositivos legais, a liberdade é

um direito fundamental assegurado pela Constituição Brasileira (1988), em seu

artigo 5º, e inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei;”.

Além de um fenômeno social, o delito é na realidade, um episódio na vida

de um indivíduo. Não podendo, portanto, ser dele destacado e isolado, nem mesmo

ser estudado em laboratório ou reproduzido. Não se apresenta no mundo do dia-a-

dia como apenas um conceito, único, imutável, estático no tempo e no espaço. Ou

seja: "cada delito tem a sua história, a sua individualidade; não há dois que possam

ser reputados perfeitamente iguais." Evidentemente, cada conduta criminosa faz

nascer para as vítimas, resultados que jamais serão esquecidos, pois se delimitou

no espaço a marca de uma agressão, seja ela de que tipo for (moral; patrimonial;

física; etc...).

A reflexão filosófica sobre a pena é parcialmente um efeito na

compreensão de um castigo. Uma geração de sociólogos, criminólogos e penalistas

se desencantou com os efeitos de reabilitação (como medida para reduções na

reincidência de infrações) de programas realizados em prisões destinadas a esse

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fim. Isto levou ao ceticismo sobre a possibilidade da própria finalidade da

reabilitação no âmbito da filosofia penal existente. A estes foram adicionados

ceticismo sobre os efeitos de dissuasão de punição (seja especial, que visa o

infrator, ou geral, destinada ao público) e como um objetivo eficaz para prosseguir

no castigo. Essa ideia de apenas dois possíveis objetivos racionais para prosseguir

na prática da punição sob a lei: defesa social através encarceramento, e

retributivismo fez com que os defensores de políticas públicas insistissem que a

melhor coisa a fazer com os condenados era para aprisioná-los, na crença de que a

maneira mais econômica para reduzir a criminalidade era incapacitar reincidentes

conhecidos através de encarceramento, ou até mesmo a morte (GRECO, 2009).

Ao tempo em que o entusiasmo para o encarceramento foi crescendo a

insatisfação com a pena de prisão indeterminada - crucial para qualquer esquema

de reabilitação por causa do critério que concede as penas - por razões de equidade

levou os analistas de política de pesquisa para uma outra abordagem. A equidade

na sentença parecia mais provável ser alcançável se uma sentença penal fosse

determinada em vez de duração indeterminada (Allen, 1981). Mas mesmo a

condenação determinada não seria justa a menos que as penas que fossem o que

os condenados mereciam. Assim nasceu a doutrina dos "desertos justos" na

sentença, o que efetivamente combina as duas ideias. Por esta via os objetivos de

incapacitação e retribuição veio a dominar e, em alguns trimestres substituem

completamente os objetivos de reabilitação e de dissuasão em as mentes de

políticos e teóricos sociais.

Paralelamente a estes desenvolvimentos amplamente sócio legais,

filósofos estavam criando seus próprios argumentos, revivendo vistas clássicas

associadas com Kant e Hegel, que estabeleceram duas ideias principais que se

encaixam surpreendentemente bem com aquelas pontuadas anteriormente. Em

primeiro lugar, os filósofos solicitaram que a reforma de condenados, não tivesse o

objetivo, ou mesmo um objetivo subsidiário entre vários, da prática de punição. Além

de ser um objetivo prático, é moralmente defeituoso por dois motivos: Ele não

respeita os apenados despreza os infratores e dá a eles o direito de ser punido pelo

delito intencionalmente causado (BITENCOURT, 2001). Em segundo lugar, a justiça

ou equidade na punição é a tarefa essencial da sentença, e uma pena só ocorre a

partir da culpabilidade do ofensor e o dano causado pelo crime a vítima e a

13

sociedade (GRECO, 2009). Em suma, apenas a punição é punição

retributiva. Filósofos chegaram a essas conclusões porque eles argumentaram que

havia aspectos retributivos irredutíveis a punição - na própria definição da prática,

nas normas que regem a justiça na punição e no propósito de prática também.

Foucault (2002) apresenta a prática da punição sob a lei como sujeito a

forças gerais da sociedade que refletem as formas dominantes de poder social e

político - o poder para ameaçar, coagir, suprimir, destruir, transformar - que

prevalecem em qualquer época. E ele também cultivou uma profunda desconfiança

para com as alegações de que a sociedade contemporânea tinha humanizado

significativamente as formas de punição por abandonar a brutalidade corporal

selvagem que prevaleceu nos velhos tempos, em favor do sistema carcerário de

concreto e aço escondido da era moderna.

Foucault surgiu a partir de uma abordagem histórica, sócio-econômica, e

psicodinâmica da punição. Objetivos professos de punição, normas que restringem o

uso do poder na busca desses objetivos, a aspiração pela justiça na punição - tudo

isso, se Foucault, vir a mascarar outras (não necessariamente consciente) intenções

entre reformadores que desmentem a ostensiva racionalidade (para não dizer

racionalização) de seus objetivos desde o Iluminismo. Assim, o movimento contra a

pena capital no final do século XVIII, não é para ser explicada (ou, provavelmente,

justificada) pela influência de cálculos utilitaristas racionais conscientes do tipo que

Beccaria e Bentham argumentaram lhes tinha convencido a opor-se à pena de

morte.

Duas características, pelo menos, de explorações de Foucault para a

prática do castigo na sociedade ocidental merecem menção aqui. Primeiro, ele

ignorou as distinções analíticas que os filósofos na tradição anglo-americana tinham

se familiarizado. Nenhum filósofo desempenha qualquer papel visível na sua

percepção da teoria ou a prática de punição. Alguns intérpretes podem não só

reconhecer isso, eles vão mais longe e afirmam que Foucault não oferece pontos de

vista filosóficos sobre a punição em tudo - porque a análise conceitual e normativa e

a busca de princípios em que a política de descanso são a melhor forma obscura e

indiretamente perseguida em seus escritos. Em vez disso, assim que esta

interpretação declara, ele é apenas um comentador social (ou alguma outra forma

de humanista crítico). Mas esta interpretação deixa de fazer-lhe justiça. Pontos de

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vista de Foucault são, pelo menos em parte, inegavelmente filosóficas. Não só eles

emitem reivindicações que não são obviamente hipóteses empíricas testáveis,

envolvem reflexões de grande escala sobre e reinterpretações da natureza humana,

as instituições públicas e no ponto de práticas punitivas (FOUCAULT, 2002).

Em segundo lugar, Foucault implicitamente desafia a própria ideia de

qualquer forma de justificação da prática da punição. Ele é, à sua maneira, um

pensador paradigmático cujas opiniões sobre a punição pode ser chamada de anti-

fundamentalista. O que emerge da sua obra é a visão de que o que passa para a

justificação de punição (como com qualquer outra prática social) está

indissoluvelmente amarrada com suposições, crenças - em suma, com a ideologia -

que não têm fundamento racional independente. A própria ideia de que as

instituições penais podem ser justificadas é suspeita, auto-ilusória. Foucault mais do

que qualquer outro pensador recente que tem refletido sobre as instituições da

punição na sociedade ocidental, trouxe historicista, anti-analíticos, e convicções anti-

fundacionistas juntas, semeando assim profunda incerteza sobre como e até mesmo

se aborda a tarefa de punição.

Em todos estes aspectos, Foucault deve ser visto como o sucessor

moderno para Friedrich Nietzsche - Foucault do grande predecessor embora não

reconhecida na filosofia da punição. Mais do que qualquer pensador antes ou

depois, Nietzsche entendeu que a maneira de punição é sobre determinada pelas

concessionárias de todo tipo e sobrevive agora sob esta, agora sob a interpretação

de seus propósitos - porque o desejo de punir (e, assim, subordinar, coagir,

transformar) outras pessoas é tão profundamente enraizado na natureza humana

(NIETZSCHE, 1997, apud, FOUCAULT, 2002).

Definir o conceito de pena deve ser mantida distinta de justificar a

punição. A definição de pena é, ou deveria ser, de valor neutro, pelo menos a ponto

de não incorporar quaisquer normas ou princípios que tendem a justificar tudo o que

recai sob a própria definição. Para colocar isso de outra forma, a pena não deve ser

suposta e nem ser justificada, ou mesmo parcialmente justificada, embalando a sua

definição de uma forma que praticamente garante que o que conta como punição é

automaticamente justificada.

Justificando a prática ou instituição de punição deve ser mantida distinta

de justificar qualquer ato de punição. Por um lado, é possível ter uma prática de

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punição - um sistema de ameaça autorizado e legítimo - pronto e esperando, sem ter

qualquer ocasião de infligir o castigo ameaçado de ninguém (porque, por exemplo,

não há crimes ou não condenado e sentenciado criminosos). Por outro lado, o

subsídio deve ser feito para a possibilidade de que a prática da punição pode ser

justificada, mesmo que um determinado ato de punição - uma aplicação da prática -

não é. A pena é uma sanção penal decorrente da prática de um crime.

Greco (2009) destaca que a pena é consequência natural imposta pelo

Estado quando alguém comete uma ação típica, ilícita e culpável (conceito analítico

de crime), abrindo a possibilidade para o Estado fazer valer seu poder/dever de

punir, observando sempre os princípios constitucionais.

Por não ser o escopo da presente pesquisa, a análise aprofundada do

conteúdo de cada elemento para a configuração do crime não será realizada.

As penas podem ser: privativas de liberdade, restritivas de direitos e

multa.

O autor supracitado ensina ainda que na antiguidade a privação de

liberdade como sanção penal não existiu, servindo apenas como guarda do réu até o

julgamento, havendo como sanção penal, as penas de morte, corporais e

infamantes.

Na antiguidade não havia a privação de liberdade como sanção penal,

existia, no entanto, salas de suplícios para a pena de morte. Neste longo período

histórico também se recorriam às penas corporais (mutilações e açoites), segundo

Foucault (2002, p. 41) “o suplício judiciário deve ser compreendido também como

ritual político”, pois através dos espetáculos realizados em praça pública, o Judiciário

manifestava seu poder.

Durante séculos a prisão era utilizada com a finalidade de contenção e

custódia do preso, que esperava em condições subumanas a sua execução ou era

usada como meio de reter os devedores até que pagassem suas dívidas, assim o

devedor ficava à disposição do credor como seu escravo a fim de garantir o seu

crédito (BITENCOURT, 2001).

Nos tempos medievais a Lei Penal tinha como principal objetivo provocar

o medo coletivo, nesta época a pena continuava com a finalidade de custódia,

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aplicável àqueles que seriam submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por

um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas.

As sanções estavam submetidas aos arbítrios dos governantes. Mas

nesta época, surgiu a prisão de Estado, para recolher os inimigos do poder, real ou

senhorial, que tivessem cometido delitos de traição. Dividido em duas modalidades:

1) Prisão de Custódia, onde o réu espera a execução da pena, como por exemplo, a

morte, o a açoite; 2) Detenção Temporal, onde era perpetua ou até receber o perdão

real.

Bitencourt (2001) pontua ainda que neste mesmo período surgiu a prisão

eclesiástica que se destinava aos clérigos rebeldes e respondia às ideias de

caridade e fraternidade da igreja, dando ao internamento um sentido de penitência e

meditação. Segundo Foucault (2002), a punição como o suplício, com passar do

tempo, deixou de ser espetáculo, e o supliciado se tornou objeto de pena e

admiração por suportar todo o processo de seu suplício. Greco (2009) assinala que

a pena privativa de liberdade foi um avanço na história das penas. Com a prisão

canônica, criada para aplicação em alguns casos dos membros do clero, fazendo

com que se recolhessem às suas celas para se dedicarem, em silêncio, à meditação

e se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se com Deus.

Na Idade Média, a privação da liberdade como custódia e não como pena

prevalece, tendo a lei penal o objetivo do medo coletivo através de barbáries

sangrentas, verdadeiros espetáculos para as multidões.

Sobre as atrocidades diante da coletividade, Bitencourt (2003, p.192)

aduz que “fazem da execução pública mais uma manifestação de força do que uma

obra de justiça; ou antes, é a justiça como força física, material e temível do

soberano que é exigida”.

Segundo pontua Bitencourt (2003), na Idade Média surgiu a prisão de

Estado e a prisão eclesiástica, a primeira destinada aos inimigos do poder, que

cometeram traição ou mesmo por serem adversários políticos, e a segunda,

reservada aos clérigos rebeldes. Ambas as prisões, foram as precursoras a se

destinarem ao cumprimento de penas. Nos séculos XVI e XVII, a pobreza se

estende pela Europa. Os miseráveis para sobreviverem utilizam-se das esmolas,

17

roubos e assassinatos, iniciando-se, um movimento de transcendência com a

criação de prisões destinadas à correção dos infratores.

Com o Iluminismo, pelas ideias de Beccaria (apud Greco, 2009), em sua

obra, “Dos Delitos e das Penas” de 1764, começou a ecoar a voz de indignação com

relação ao tratamento dado aos seres humanos por seus semelhantes, sendo este o

marco para mudança de mentalidade quanto à cominação de penas, havendo hoje

maior preocupação com a integridade física e mental dos condenados.

A igreja teve a consciência que deveria ser aplicado na sociedade civil,

inspirando a prisão moderna, as primeiras penitenciarias e clássicos sistemas

penitenciários como o celular e o auburniano. Durante a idade moderna entre os

séculos XVI e XVII a pobreza se abateu e se estendeu por toda Europa. As guerras

religiosas acabaram com parte da riqueza da França. Vitimas da escassez

subsistiam das esmolas, roubo e assassinatos. E o problema espalhou por toda

Europa, “e claro que por razões de política criminal era evidente que, ante tanta

delinquência, a pena de morte não era uma solução adequada, já que não podia

aplicar a tanta gente” (BITENCOURT, 2001, p. 15).

Conforme ensinamentos de Bitencourt (2001), o protesto contra os

suplícios foi encontrado em toda parte na segunda metade do século XVI, tornando-

se intolerável pelo povo. A crise da pena de morte deu origem a pena privativa de

liberdade, que demonstrava ser o meio mais eficaz de controle social. A pena

passou ser a prisão de reclusão, trabalho forçado, a servidão, interdição de domicílio

e a deportação, com a finalidade de reformar os delinquentes.Surgem casa de

trabalho na Inglaterra, em Worceter no ano de 1697 e Dublin, com notável êxito

alcançado em pouco tempo, se estendeu por vários lugares da Inglaterra. No fim do

século XVIII já havia vinte e seis prisões.

Greco (2009, p. 553), salienta que “em Amsterdam em 1596, criaram-se a

casa de correção para homens, Rasphuis que se destinava a tratar a pequena

delinquência”. Para os crimes mais graves ainda aplicavam-se outras penas, como

açoite, pelourinho etc. Criaram-se também “a Spinhis para as mulheres e em 1600,

uma seção especial para jovens”.

As penas privativas de liberdade constituem o núcleo central de todos os

sistemas punitivos do mundo contemporâneo. De acordo com o que preleciona

18

Zaffaroli (2002, p. 79) “quando a prisão se converteu na principal resposta

penalógica, a partir do século XIX, acreditou-se que poderia ser o meio adequado

para conseguir a reforma do delinquente”. Esse otimismo inicial desapareceu, e

atualmente predomina uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças

sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional.

Mas também não pode-se pensar que a pena privativa de liberdade surgiu

só porque a pena de morte estava em crise. Uma das causas de grande importância

foi a razão econômica, com a crise da época, o confinamento adquiriu outro sentido.

Usando a mão-de-obra dos reclusos para a prosperidade geral, uma vez que a pena

consistia em trabalho pesado, visando alcançar a maior produtividade possível.

Portanto não se pode afirmar que a prisão surgiu com o impulso de um ato

humanitário, com o objetivo exclusivo de obter a reforma do delinquente.

2.2 Finalidades da pena

O atual CPB, em seu Artigo 33, prevê como espécies de penas privativas

de liberdade, a reclusão e detenção, podendo aquela ser executada sob o regime

fechado, semiaberto ou aberto, e esta somente sob o regime semiaberto e aberto,

sendo a mais marcante diferença entre as espécies.

A modernidade, com suas redes burocráticas, trouxe um sistema penal

codificado e rígido, servido de instituições, organizações e atores próprios, que

muitas vezes em importantes áreas da política criminal. Destacado crítico do regime

punitivo tradicional e ícone da criminologia crítica, Alessandro Baratta refuta a

possibilidade da pena privativa de liberdade, na modernidade, cumprir a sua

declarada função, já que, na sua concepção, ressocialização e capitalismo não

andam juntos:

A prisão surgiu como uma necessidade do sistema capitalista, como um instrumento eficaz para o controle e a manutenção desse sistema. Há um nexo histórico muito estreito entre o cárcere e a fábrica. A instituição carcerária, que nasceu junto com a sociedade capitalista, tem servido como instrumento para reproduzir a desigualdade e não para obter a ressocialização do delinquente. A verdadeira função e natureza da prisão está condicionada a sua origem histórica de instrumento assegurador da desigualdade social [...] O sistema penal facilita a manutenção da estrutura vertical da sociedade, impedindo a integração das classes baixas,

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submetendo-as a um processo de marginalização [...] A estigmatização e o etiquetamento que sofre o delinquente com sua condenação tornam muito pouco provável sua reabilitação (BARATTA, 2003, p. 103).

Pelo Artigo 43 do CPB, as penas restritivas de direitos são: I - prestação

pecuniária;

II - perda de bens e valores;

III – (Vetado);

IV - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;

V - interdição temporária de direitos;

VI - limitação de fim de semana.

A pena de multa é de natureza pecuniária, devendo o juiz se ater a

situação econômica do réu de acordo com o Artigo 60 do CPB, sendo considerado

em seu cálculo o sistema de dias-multa de acordo como o § 1º do mesmo Artigo.

Sobre a finalidade da aplicação das penas, Prado (2002) reforça as

seguintes teorias: Teoria Absoluta, para qual a pena é retributiva para compensar o

mal causado pelo agente ao praticar o crime, sendo o efeito preventivo alheio a sua

essência; Teoria Relativa, segundo a qual a pena possui finalidade preventiva, seja

através da prevenção geral, que objetiva, por meio da punição, que sirva de

exemplo, evitar futuras ações criminosas dos demais indivíduos, bem como, pela

prevenção especial, através da qual, pela punição, evita-se a reincidência do agente

punido. Predominante na atualidade é a Teoria Unitária ou Eclética, que concilia os

fins da retribuição e das prevenções geral e especial.

Todavia, hodiernamente, não apenas a retribuição e a prevenção são os

escopos das penas. Há a intenção da aplicação humanizada das mesmas,

principalmente com a humanização do sistema penal, valorizando o agente apenado

como ser integral, resgatando valores e o transformando para o retorno de forma

harmoniosa e pacífica à sociedade.

Neste sentido, indubitável é a importância das penas como forma punitiva

e preventiva dos crimes, contudo, não se pode perder de vista a necessidade de

recuperação do apenado para seu retorno ao meio social, pois, mais cedo ou mais

20

tarde este cumprirá sua pena e deixará o cárcere, sendo um homem melhor ou pior,

dependendo do tratamento a que foi submetido.

2.3 Sistema penitenciário

Segundo Tácito (2003), o modelo de Estado implantado, no pós-guerra,

principalmente na Europa, representou um certo avanço social, reconhecidamente

eficaz por um período significativo, no sentido de atingir os objetivos de sua

existência: assegurar a proteção social e reduzir as desigualdades.

O Estado de Bem-Estar (Welfare State), Estado Social, ou Estado de

Providência, aqui tratado em sentido estrito, pode ser definido como um modelo de

Estado que tem por objetivo garantir condições mínimas de alimentação, saúde,

habitação, educação, que devem ser assegurados a todos os cidadãos não como

benesse, mas como direito inerente ao fato de ser cidadão (BERTOTTI, s.d.).

Apesar de haver variações nestes modelos estatais, identifica-se um

núcleo comum, que identifica o Estado Social, de Bem-Estar-Social ou Providência,

no sentido de assegurar ao cidadão uma vida protegida dos riscos sociais, variando,

no entanto, a intensidade e a amplitude dessa proteção.

Estas formas de Estado têm a sua consolidação ligada diretamente ao

constitucionalismo contemporâneo, que teve seu início com a constituição mexicana

de 1917, e a constituição de Weimar, da Alemanha de 1919.

O desenvolvimento desse modelo de Estado está intimamente

relacionado ao processo de industrialização e aos problemas sociais gerados a partir

dele. A Grã-Bretanha foi um país que se destacou na construção de mecanismos de

proteção social com a aprovação, em 1942, de uma série de Leis, com providências

nas áreas da saúde e escolarização. Nas décadas seguintes, outros países

seguiriam o seu exemplo (LAPORTA, 2011).

O mesmo autor corrobora ainda que ocorreu também uma grande

ampliação dos serviços assistenciais públicos, principalmente, nas áreas de renda,

habitação e previdência social. Paralelamente à prestação de serviços sociais, o

Estado do Bem-Estar passou a intervir fortemente na área econômica, atividades

produtivas a fim de assegurar a geração de riquezas materiais junto com a

diminuição das desigualdades sociais.

21

Segundo Laporta (2011), pode-se afirmar que o que distinguiu o Estado

do Bem-Estar de outros tipos de Estado não foi somente a intervenção estatal na

economia e nas condições sociais com o objetivo de melhorar os padrões de

qualidade de vida da população, mas principalmente o fato dos serviços prestados

serem considerados direitos dos cidadãos, que nesta concepção deveria ser

protegido pelo Estado contra os riscos sociais.

Boaventura de Souza (1994 apud BOFF, 2000), identifica quatro

elementos estruturais que estão na base do desenvolvimento do Estado

Providência:

Primeiro, um pacto social entre o capital e o trabalho sob a égide do Estado, cujo objetivo último é compatibilizar democracia e capitalismo; segundo, uma relação sustentada, mesmo se tensa entre duas tarefas do Estado potencialmente contraditórias: a promoção da acumulação capitalista e do crescimento econômico e a salvaguarda da legitimação; por terceiro, um elevado nível de despesas no consumo social; quanto uma burocracia estatal que internalizou os direitos sociais como direitos dos cidadãos, em vez de benevolência estatal.

Com o aprofundamento e a incorporação de novos elementos,

apareceram também novos riscos sociais, entre eles: o envelhecimento da

população e a consequente diminuição da população ativa; a maior participação das

mulheres no mercado de trabalho que resultou uma crescente necessidade de

serviços sociais de proteção a infância, o progresso tecnológico que contribuiu

inegavelmente para o desemprego de longa duração e o subemprego.

O Estado de Bem Estar Social passou a apresentar problemas de

estrutura, pois deixou de ter apenas a obrigação de cobrir doenças, desemprego e

terceira idade; e passou a assumir desemprego de longa duração, proteção ao meio

ambiente e desenvolver políticas públicas capazes de reduzir as desigualdades

econômicas e sociais decorrentes do capitalismo vigente.

Diante desse contexto, deu-se início as crises que já aguardavam para

eclodir, e ainda no final da década de sessenta do século XX, começaram a ser

constatadas, do ponto de vista estrutural, conceitual, institucional e funcional.

A falta de recursos para que o Estado de Bem Estar Social cumprisse seu

papel e as atuais demandas da sociedade, levou ao questionamento da viabilidade

desse modelo de Estado e até que ponto o mesmo poderia ser reduzido.

Para que esse modelo de Estado se sustentasse, era imprescindível, pois

que o interesse coletivo viesse a se sobrepor ao particular, e que os atores sociais

22

agissem sempre dentro de um sentimento de comunidade, com a redução da

desigualdade, e que os recursos fossem direcionados de forma universal o toda a

coletividade.

Esse cenário de crise, como era esperado, permitiu o surgimento de

novas concepções em sentidos diretamente opostos aos do Estado de Bem Estar

Social, que a uma velocidade impressionante foi ganhando força no plano

internacional e concomitantemente foi apontando caminhos novos, trata-se do que

se convencionou chamar de “ideário neoliberal”.

No dizer Braga (2010), nesse novo cenário, o mercado assumiria o papel

de regulador das relações econômicas e sociais, outrora ocupadas pelo Estado, e

este reduziria seu tamanho de tal forma que não representasse um ônus significativo

àquele.

A ideia do Estado mínimo, certamente, também colaborou para o

crescimento do fenômeno da globalização, o qual produziu uma mudança radical

das relações econômicas e desenhou um duro cenário no campo social, pois

sustentada no consenso econômico neoliberal, cujas principais inovações

institucionais são: restrição a regulação estatal na economia; novos direitos de

propriedade internacional para investidores estrangeiros, inventores e criadores de

inovações suscetíveis a serem objeto de propriedade intelectual; subordinação dos

Estados a agências multilaterais, tais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário

Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Isso tudo constituiu-se numa forma deliberada, sem precedentes, de

concentração de rendas e aprofundamento das desigualdades entre os países e

dentro deles. O Estado no mundo globalizado abandona seus cidadãos à liberdade

negativa de uma competição mundial e limita-se a colocar à disposição infraestrutura

para fomentar as atividades empresariais.

Mas, para Braga (2010), há de se reconhecer que um componente que

agravou ainda mais o processo de exclusão social foi a deliberada opção de se

combater o déficit público em detrimento de investimentos que estivessem aptos a

minimizar os efeitos decorrentes de novos riscos sociais, muitos deles advindos do

modelo de globalização que foi se consolidando, exclusivamente, do aspecto

econômico.

Em vista disso, vivemos um momento de transição, pois se de um lado o

modelo do Estado de Bem Estar Social entrou em crise, por outro o modelo, que

23

Braga (2010) denominou de “Fundamentalismo no mercado” também vive hoje uma

crise aguda e letal. A insegurança causada leva a discussão e busca atual de

caminhos alternativos – no sentido de se construir um novo modelo cuja

preocupação principal esteja centrado na “pessoa humana”, sem se deixar de

reconhecer o insubstituível papel do Estado.

Depois da criação do modelo inglês, se deu em meados do século XVII a

criação do modelo americano de penitenciárias, onde se destacam os seguintes:

Sistema Pensilvânico ou Filadélfico era utilizado o isolamento celular absoluto, não podendo os presos manter qualquer forma de comunicação com seus companheiros. Este sistema foi muito criticado porque era retirado do ser humano uma necessidade humana: a de se comunicar. No dizer de Edgar Magalhães Noronha, ”a cela é um túmulo do vivo”. O Sistema Auburniano, que prevaleceu nos Estados Unidos, surgiu em Auburn em 1818, também chamado de Silent System. Neste sistema, o isolamento era noturno, o trabalho era inicialmente realizado nas suas próprias celas e, posteriormente, em tarefas grupais, durante o dia, isso tudo em absoluto silêncio, sendo proibido visitas, lazer e prática de exercícios (BATISTELA E AMARAL, 2013).

Portanto, o sistema filadélfico, ou isolamento absoluto é fundamentado na

obrigação do silêncio absoluto, na meditação, na religiosidade e no isolamento

celular. Estudiosos consideram, por uma análise ideológica, que o sistema é “um

eficiente instrumento de dominação”. (Bitencourt, 2003, p.63), pois seria aplicável

não apenas àquelas relações da penitenciária, estendendo-se a outros tipos de

relações sociais. Pavarini e Melossi (apud Bittencourt, 2003, p. 63) encaram o

sistema com sendo “uma estrutura ideal que satisfaz as exigências de qualquer

instituição que requeira a presença de pessoas sob uma vigilância única, que serve

não somente às prisões, mas às fábricas, hospitais, escolas, etc.”.

O sistema auburniano como se percebe, foi um sistema que pode ser

considerado um divisor de águas para a sobrevivência do sistema prisional naquele

tempo, mas para a sua sobrevivência em longa escala, como acontece até os dias

de hoje, fora necessária uma implementação na sua forma de atuação.

Para isso fora criado pelos ingleses o sistema progressivo, que é utilizado

até os dias de hoje, mais conhecido como o sistema de progressão de regimes,

onde na teoria era para se conseguir a diminuição da população encarcerada nas

unidades prisionais, através da progressão para regimes como o semiaberto e o

aberto (BATISTELA E AMARAL, 2013).

24

Segundo Foucault (2002, p. 130) “o sistema Auburniano não representa

meio reformador e ressocializador de delinquente, mas age como forma de

imposição e manutenção de poder”.

O sistema panótico foi uma das maiores contribuições de Benthan para o

sistema penal.

Foucault (2002) nessa linha, destaca sobre a onipresença e onisciência

do poder, que demonstra através dos sistemas de vigilância europeus nos tempos

de epidemia, em que era estabelecida uma hierarquia que determinava a vigilância,

e consequente controle, sobre a população. Da rua ao centro das cidades, passando

pelas quadras e bairros, todos eram vigiados e deveriam obedecer às ordens de

quarentena. Isso ele exemplificou como uma sociedade disciplinar, que obedecia

tanto pelo temor do contágio, quanto pelo poder da vigilância. Foucault citava

também as técnicas de reclusão individual, incluindo asilos, hospitais psiquiátricos e

penitenciárias, como uma expressão do poder disciplinar determinado pela

separação. Esse poder era exercido por uma espécie de duplo comando, um

discricionário por impor a quem imputado o conceito de perigoso e outro

discriminatório por determinar as regras de exclusão, ou afastamento, da sociedade

aos previamente indicados.

Esses exemplos são para o autor “um conjunto de técnicas e de

instituições” (FOUCAULT, 2002, p. 176) que tinham como objetivo controlar e corrigir

os ditos anormais, utilizando-se de “dispositivos disciplinares” com esse fim. O

panóptico seria uma expressão desses dispositivos. Nesse esquema não seria mais

necessária a reclusão nos moldes tradicionais, mantendo o recluso escondido, mas

sim vigiado, pois a vigilância constante, ou a impressão de sua existência, seria mais

eficiente. Os detidos seriam mantidos separados entre si, o que evitaria os riscos da

aglomeração e facilitariam o controle. “A multidão, massa compacta, local de

múltiplas trocas, individualidades que se fundem, efeito coletivo, é abolida em

proveito de uma coleção de individualidades separadas. “ (FOUCAULT, 2002, p.

177). Sendo o efeito merecedor de destaque dessa situação um estado de

“consciência” de vigilância constante, o que garantiria um certo automatismo na

manutenção do poder, sendo fundamental que o cidadão se sinta vigiado, e não que

realmente o seja, fabricando “efeitos homogêneos de poder”. Uma aposta numa

submissão espontânea ao poder pela simples consciência da vigília constante.

25

Portanto, verifica-se que no Panótico o indivíduo é observado a todo

instante sem que veja quem o observa. Essa é a finalidade do sistema panótico,

incutir no apenado mesmo após a sua saída da instituição a sensação de estar

sendo vigiado, o que fará com que limite sua conduta de forma a não transgredir a

norma penal. Afirma Foucault (2002, p.168):

Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe disso, retoma por sua conta as limitações do poder; fá-las funcionar espontaneamente sobre si mesmos; inscreve em si a relação de poder na qual ele desempenha simultaneamente os dois papeis: torna-se o princípio da sua própria sujeição.

Para Foucault (2002, p. 163) o sistema panótico faz parte de um

desenvolvimento progressivo de uma sutil tecnologia de poder nos seguintes termos:

“O panótico é um autêntico zoológico: o animal está substituído pelo homem –

agrupado ou individualmente – e o rei pela monarquia de um poder furtivo”.

Salienta-se que a ideia de estabelecimentos prisionais representou um

verdadeiro avanço ao direito de punir, o sistema penitenciário, surgiu com a

necessidade de reabilitação e recuperação dos que feriam as regras sociais, com o

fim de abolir as penas desumanas e proporcionar ao apenado chances de

reinserção social, objetivando principalmente uma reforma moral e uma preparação

do recluso para sua vida em sociedade, conforme se observa em Noronha (2001, p.

202) “Os estabelecimentos penitenciários representam a evolução do direito de

punir e conter os agressores do crime. A sanção penal percorreu um longo caminho

histórico até chegar à condição atual, qual seja a pena privativa de liberdade. ”

No entanto, verifica-se que a sociedade evoluiu e juntamente com ela a

criminalidade, fato este não acompanhado pelas políticas prisionais, o que tornou o

sistema prisional degradante sobre todos os aspectos.

26

3 CRIMES

3.1 Conceito de crime

O Código Penal Brasileiro não traz uma definição do que é crime, apenas

se limita, em sua Lei de Introdução, explicitar as penas cabíveis em caso de

cometimento de crimes. Diz o código que aos crimes cabem penas de reclusão ou

detenção, alternativamente ou cumulativamente com pena de multa.

Dessa forma somente nos é possível diferenciar crime de contravenção,

visto que o artigo 1o da Lei de Introdução ao Código Penal só nos fornece meios

para análise das penas aplicadas. Como explica Bitencourt (2013, p. 145):

A Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro (Decreto Lei n. 3914/41 faz a seguinte definição de crime: Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”. Essa lei de introdução, sem nenhuma preocupação científico-doutrinária, limitou-se apenas a destacar as características que distinguem as infrações penai, as quais como se percebe, restringem-se à natureza da pena de prisão aplicável.

E mesmo sob esse prisma diferenciador não existe dados que se bastem,

pois, determinados crimes podem ser repreendidos apenas com multa. Favorável a

este entendimento encontra Celso Delmanto (2012, p. 18) que discorre sobre o tema

da seguinte maneira:

No Brasil, só há dois tipos de infrações penais: 1.os crimes (também Chamados delitos); 2. as contravenções. Na verdade, inexiste um dado exato que sirva de divisor entre crime e contravenção. Nem mesmo a diferença entre as penas (citada pela Lei de Introdução ao Código Penal) é critério suficiente, pois crimes há que podem ser punidos só com pena de multa.

A conceituação jurídica do crime é ponto culminante e, ao mesmo tempo,

um dos mais controversos e desconcertantes da moderna doutrina penal, este já era

o pensamento de Hungria (1978), afirmando ainda que "o crime é, antes de tudo, um

fato, entendendo-se por tal não só a expressão da vontade mediante ação

(voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de movimento

27

corpóreo), como também o resultado (effectus sceleris), isto é, a consequente lesão

ou periclitação de um bem ou interesse jurídico penalmente tutelado."

Reconhecendo a predominância na doutrina do conceito de crime como

fato típico, antijurídico e culpável, Jesus (apud Paranhos, 2010) apresentava duas

inconsistências relativas a tal corrente: 1ª) sendo a culpabilidade normativa, isto é,

juízo de reprovação do agente e de sua conduta, estando, portanto, na "cabeça do

juiz", como poderia fazer parte do crime?; 2º) nos casos de exclusão da ilicitude

(legítima defesa, por exemplo) é o próprio código penal que nos fala "não há

crime..." (art. 23, do CPB), enquanto nas excludentes de culpabilidade (e.g. art. 26

do CPB, inimputabilidade), o dispositivo legal nos informa que "é isento de pena...".

Sabemos que a definição formal visa apenas o aspecto externo do crime,

podemos assim, citar alguns conceitos de crime, vejamos: “Crime é qualquer ação

legalmente punível”; (MAGGIORE, 2011, p. 189); “Crime é toda ação ou omissão

proibida pela lei sob ameaça de pena”; 3 “Crime é uma conduta (ação ou omissão)

contrária ao direito, a que a lei atribui uma pena” (PIMENTEL, 2013, p. 02). ·, ou

seja, apenas no aspecto formal, crime é a violação da lei penal incriminadora.

O conceito material busca definir a razão que levou o legislador a prever a

punição dos autores de certos fatos e não de outros. Assim, temos alguns conceitos

materiais de crime: “Crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem

jurídico protegido pela lei penal” (NORONHA, 2009, p. 105); “Crime é a ação ou

omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou

interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena, ou

que se considere afastável somente através da sanção penal” (FRAGOSO, 2010, p.

149) conclui-se assim, que no aspecto material conceitua-se o crime como sendo

uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena,

porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem jurídico individual ou coletivo.

Sob o ponto de vista Formal, crime é toda conduta que desrespeita a Lei

Penal estabelecida pelo Estado. E o conceito Material diz que crime é toda conduta

que afete bens jurídicos de maior importância.

28

Conforme preceitua Greco (2013, p. 53):

Os conceitos formal e material não traduzem com precisão o que seja crime. Se há uma lei editada pelo estado, proibindo determinada conduta, e o agente a viola, se ausente qualquer causa de exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, haverá crime. Já o conceito material sobreleva o princípio da intervenção mínima quando aduz que somente haverá crime quando a conduta do agente atentar contra os bens mais importantes. Contudo, mesmo sendo importante e necessário o bem para a manutenção e subsistência da sociedade, se não houver uma lei penal protegendo-o, por mais relevante que seja, não haverá crime se o agente vier atacá-lo, em face do princípio da legalidade.

Como pode-se intuir, os conceitos formal e material não conseguem

definir com exatidão o que vem a ser crime. Perfaz-se assim, a teoria analítica do

crime que estuda os elementos constituintes das infrações penais, estabelecendo,

dentro da Teoria Geral do Crime quais as suas características. É feita uma análise

fragmentada do crime, para a qual se estabeleceu elementos caracterizadores, sem

os quais não ocorrerá o delito.

3.2 Da composição do crime e seus elementos

Quatro são os elementos passiveis de discussão acerca das

características analíticas de composição do crime. São eles O Fato Típico,

Antijurídico, Culpável e Punível. Em países como a Alemanha, França e Rússia

adota-se a concepção tripartida, para eles o crime é Fato Típico, Antijurídico e

Culpável. Nesta forma de compreensão a punibilidade não compõe o crime, pois é

mera consequência do cometimento desse. Seguindo esse entendimento podemos

citar Assis Toledo (2011, p. 81):

A pena criminal, como sanção específica do direito penal, ou a possibilidade de sua aplicação, não pode ser elemento constitutivo, isto é, estar dentro do conceito de crime.

Defendendo a concepção quadripartida podemos mencionar Basileu

Garcia que sustentava que a Punibilidade também integrava tal conceito, sendo o

crime uma ação Típica, Antijurídica, Culpável e Punível.

29

Majoritariamente aceita entre nossos doutrinadores (dentre eles Damásio,

Dotti, Mirabete e Delmanto), a Teoria Geral do Crime no Brasil, apresenta o aspecto

bipartido ou dicotônico. Isso quer dizer que para os brasileiros o crime se apresenta

como Fato Típico e Antijurídico sendo a Culpabilidade pressuposto de aplicação de

penas.

Mas mesmo dentro de um conceito bipartido, importante é o estudo da

culpabilidade, mesmo sendo considerado simples pressuposto de aplicação de

pena. De nada seria útil a previsão penal de crimes se punições não fossem

impostas, a lei penal seria uma inutilidade pública declarada. Devido a isso, a

culpabilidade (mesmo que somente de forma didática) ainda é matéria esboçada

dentro do contexto da Teoria Geral do Crime.

Voltemos a observar os dois tipos de infrações que existem no Brasil, que

são a Contravenção e o Crime. Pois, agora, importante se torna o esclarecimento de

que não há entre eles diferenças elementares. Tanto o crime quanto a contravenção

decorrem de ações Típicas e Antijurídicas, restando diferença entre a gravidade dos

danos que as condutas podem causar aos mais variados bens jurídicos protegidos.

De uma forma geral, a concepção analítica de crime, nos oferece

múltiplos elementos e características, para que em seus bojos possamos conceituar

a infração penal. Mas não se procura, dessa forma, fragmentar o crime que é uno e

indivisível em sua existência.

Nas lições de Rogério Greco (2013, p. 148) podemos concluir o raciocínio

estabelecido anteriormente, pois este também prevê a unidade do crime apesar do

seu estudo ser realizado de forma compartimentada:

Embora o crime seja insuscetível de fragmentação, pois que é um todo unitário, para efeitos de estudo faz-se necessária a análise de cada uma de suas características ou elementos fundamentais, isto é, o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade (visto que Greco é vinculado a concepção tripartida do crime). Podemos dizer que cada um desses elementos, na ordem em que foram apresentados, é um antecedente lógico e necessário à apreciação do elemento seguinte.

30

Greco (2013, p. 149) exemplifica e explica os elementos do crime da

seguinte forma:

Assim, se alguém, dirigindo um automóvel em via pública, com todas as cautelas necessárias, atropela fatalmente um pedestre que, desejando cometer suicídio, atira-se contra o veículo, não pratica o delito de homicídio culposo, uma vez que, se não agiu com culpa, tampouco com dolo, não há falar em conduta. Se não há conduta não há fato típico e, como consequência não há crime. Neste caso, elimina-se o crime a partir do estudo do seu primeiro elemento – o fato típico. Somente quando o fato é típico, isto é , quando comprovado que o agente atuou dolosa ou culposamente, que em virtude de sua conduta adveio resultado e, por fim, que o seu comportamento se adapta perfeitamente ao modelo abstrato previsto na lei penal, é que poderemos passar ao estudo da antijuridicidade.

3.3 Da sociologia criminal e criminologia

A Criminologia estuda o crime em sua dinâmica e a sociologia da

criminalidade preocupa-se em demonstrar as tendências delinquentes dentro de um

contexto social. Do crime e seus efeitos surge a criminologia que é a parte dos

estudos sociológicos que objetiva analisar as causas do crime e da criminalidade.

Como aspecto da sociologia do direito, surge a sociologia da criminalidade que

estuda as regularidades tendenciais da delinquência e suas relações com outras

realidades sociais.

Em geral, a relação que essas ciências apresentam com a teoria do crime

é determinada pela imputação das sanções determinadas pelas leis aos seus

violadores. Algumas vezes pode determinar até atipicidades como, por exemplo, o

princípio adequação social. Auxiliam o Estado na determinação de uma política

criminal adequada, que irá estabelecer quem é o criminoso, quais os crimes que

devem ser combatidos, quem deve ser punido, quem deve ser protegido. Para a

Teoria Geral do Crime Brasileiro trata-se da culpabilidade que está “fora” dos

Elementos Constitutivos do Crime, mas sobre isso faremos futuras ponderações.

Suas funções básicas consistem em informar a sociedade e os poderes

públicos sobre o delito, o delinquente, a vítima, reunindo um núcleo de

conhecimentos que permita compreender cientificamente o problema, preveni-lo e

intervir de modo positivo no comportamento do homem infrator.

31

Há uma “criminologia positiva ou tradicional” que estuda as condutas dos

criminalizados e que, ao deixar o sistema penal fora de seu objetivo, está aceitando

a ideologia veiculada por ele, desta maneira convertendo-se em uma ideologia de

justificação do sistema penal e do controle social de que este forma parte.

Há uma série de conhecimentos tecnológicos e psicológicos que,

aplicados ao sistema penal e sua operatividade, põem de manifesto processos de

seleção estigmatizantes, corrupção e compartimentalização que denunciam

claramente o conteúdo ideológico dos discursos jurídicos e criminológicos

tradicionais.

Muito cuidado devemos tomar em relação a esta “criminologia de

mercado”, que se perde em conteúdos ideológicos e justificadores do sistema penal.

Pois estaríamos distorcendo a função principal da criminologia, que é estudar a

conduta criminosa para prevê-la e repreendê-la.

Segundo Piarangeli (2007), a criminologia, chamada de “ciências da

conduta”, é a disciplina que estuda a questão criminal do ponto de vista

biopsicossocial, ou seja, integra-se com as ciências da conduta aplicadas às

condutas criminais. Da criminologia centrada na conduta criminalizada, surge a

“criminologia de reação social”, a partir de que, sem criminalização não há “crime”.

Mas como surge essa criminalização?

Existem várias teorias, e pela “criminologia de reação social”, o crime

decorre diretamente ou em conjunto com determinadas situações sociais. Surge,

dessa forma, dentro do caráter social da criminologia a sociologia da criminalidade.

Mas frente ao fato dessas ciências não serem autônomas (ou seja, são

complementos, apêndices uma das outras), não podemos analisar apenas o fator

social desencadeador dessa “criminalização”. Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p. 30)

fala que “não dispensa a Sociologia Criminal a colaboração de outras ciências ou

técnicas que auxiliam o estudo do crime como fato social”.

Situações sociais desfavoráveis, por si só, podem ou não desencadear

um comportamento criminoso, mas a probabilidade aumenta quando essas

situações somam-se a uma pré-disposição comportamental do indivíduo. Essa pré-

disposição é o alvo de estudo da parte biológica e psicológica da criminologia

(biopsico + social).

32

Mirabete (2007, p. 31) em seus estudos também diz que:

As ciências que compõe essa classificação (divisão entre biologia criminal e sociologia criminal) têm íntima correlação, confundindo-se e interpretando-se, muitas vezes, o âmbito de seus estudos. Estuda-se na Biologia Criminal o crime como fenômeno individual, ocupando-se essa ciência das condições naturais do homem criminoso em seu aspecto físico, fisiológico e psicológico. A sociologia criminal estuda o crime como expressão de certas condições do grupo social. Preocupa-se, essa ciência, preponderantemente, com fatores externos na causação do crime bem como de suas consequências para a coletividade.

3.4 Do criminoso e da ação criminosa

Muitos tipos de crimes e uma alarmante insegurança corroem as

estruturas tradicionais do mundo moderno. Em alguns lugares, as complicações se

sucedem, e no Brasil não poderia ser diferente. Perdido e confuso o homem

moderno é agressivo, violento. Grita para uma sociedade que não escuta, não toma

conhecimento de sua existência, como reação, ele entrega-se ao crime.

Dessa insustentabilidade explode a ação criminosa e o criminoso. Mas

quem é esse criminoso? Para Muccheilli (2013) os criminosos dividem-se em falsos

delinquentes, trata-se dos agentes que tem sua culpabilidade excluída por falta de

imputabilidade, e em delinquentes verdadeiros. Estes últimos seriam os que

apresentam plena ou parcial imputabilidade.

Portanto para a ação humana ser criminosa terá ela que se ajustar à

conduta descrita em lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo o autor no juízo

de censura ou de reprovação social. Considera-se, desse ponto de vista, o delito

como ação Típica, Antijurídica e Culpável.

A doutrina majoritária brasileira entende que o crime é formado por Fato

Típico e Antijurídico e que a Culpabilidade é mero requisito de aplicação de pena.

Portanto, os inimputáveis, para a teoria geral do crime no Brasil, cometem crime e

que para eles, não são aplicáveis as penas correspondentes à infração.

Então esses “falsos criminosos” teriam menor possibilidade de conhecer

de seu ato criminoso e se portar frente a ele. Pois o ato criminoso é a soma das

tendências criminais de um indivíduo com sua situação em geral e sua capacidade

33

de resistir. As tendências criminais de uma pessoa e suas resistências a elas podem

resultar em uma ação criminosa (antissocial) ou em um ato socialmente aceitável.

Assim diante de uma inimputabilidade não se cogitará de punição ao

agente, mas de tratamento de uma situação anormal. Ocorrendo imputabilidade

junto ao Fato Típico e Antijurídico teremos uma verdadeira responsabilização

criminal.

3.5 Das diferentes personalidades

Uma pessoa bem formada e bem constituída poderá ter rompido

lacunarmente o seu equilíbrio e praticar um crime, por reação. Conquanto seja uma

conduta judicialmente prevista (típica), difere do teor geral de comportamento dessa

pessoa (psicologicamente é atípico), trata-se de um crime eventual (o agente possui

personalidade normal). Pode ocorrer defeito da personalidade, por má constituição

ou por má formação, e o ato criminoso chega a ser expressão de caráter. É o que se

dá as personalidades psicopáticas e personalidades delinquentes.

Em criminologia distingue-se a dinâmica do ato agudo da responsável

pelo comportamento delinquêncial crônico.

No ato agudo (ato grave), o agente tem a personalidade bem formada:

integrou os valores básicos de sua cultura; aceitou ajustar-se à sociedade, à família

e ao trabalho; é tido e havido como obediente à lei. Um ato delituoso não combina

com o feitio de sua personalidade, cujos traços básicos se conservam para além da

ação criminosa.

No comportamento delinquêncial crônico (processo de maturação

criminal), o agente não integrou ou até rejeitou os valore comuns da sua cultura;

passou a aceitar com naturalidade a prática delituosa; tem comprometimento da

critica e do senso ético; a reincidência é usual; o arrependimento é questionável. A

personalidade domina a circunstância e o crime se converte em “estilo de vida”.

Para que um crime seja possível, é necessária a ocorrência de dois

fatores, duas condições: o ambiente no momento do crime e a personalidade do

agente.

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Considera-se “normal” o indivíduo que, apesar de seus problemas,

traumas e conflitos, apresenta-se como “ajustado” até o tempo da prática antissocial

considerada, na realidade trata-se do indivíduo comum, que permanece obediente à

lei até uma infração de certo modo inesperada.

Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo (2015, p. 285) em seus estudos

sobre psicopatologia forense diz que:

O que se procura estabelecer é se o indivíduo carrega ou não sinais patológicos que são características das principais moléstias mentais conhecidas, ou seja, o conceito de normalidade vem por exclusão. È normal todo indivíduo que não tem sinais próprios de nenhuma enfermidade mental catalogada e que, por isso, consegue viver em sociedade de forma harmônica.

3.6 Crimes hediondos

A Constituição Federal deu origem aos crimes hediondos em seu artigo

5º, inciso XLIII.

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

Dois anos mais tarde, em 1990, surge a Lei de Crimes Hediondos, nº

8.072, tendo nos anos seguintes algumas alterações.

Crimes hediondos são os crimes tipificados pela Lei nº 8.072/90 e com

alteração pela Lei nº 8.930/94 e nº 9.695/98. Para Amêndola Neto (2007, p. 30)

“embora tenha ocorrido esta reformulação em 1994, a mesma não se preocupou em

conceituar o ‘crime hediondo’, apenas incluiu e/ou exclui os tipos penais do Código

Penal”.

Nas palavras de Vicente Amêndola Neto (2007, p. 30):

[...] o texto do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal deu origem à Lei nº 8.072/90. O legislador infraconstitucional não se preocupou, contudo, em conceituar o crime hediondo. Em vez de fornecer uma noção clara, explícita, concreta do que entendia ser essa modalidade de atuação criminosa, preferiu adotar um sistema

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bem simples, ou seja, o de rotular, com a expressão ‘hediondo’, alguns tipos descritos no Código Penal ou em lei especial.

Para alguns autores, dentre eles Alberto Silva Franco (2011), a palavra

“hediondo” induz à crime “repugnante”, “asqueroso”, de grande clamor popular,

porém, esta é uma ideia equivocada para a grande maioria da doutrina, pois crime

hediondo não tem uma conceituação específica e sim, tipos penais que o tornam

hediondo.

Tecnicamente, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo

não são propriamente crimes hediondos, porquanto não definidos como tal pelo

legislador comum (art. 1º da Lei 8072/90), mas ASSEMELHADOS OU

EQUIPARADOS, por força do artigo 5º, XLIII, da CF.

A equiparação promovida tem por escopo deferir a esses três crimes o

mesmo tratamento (regime jurídico) conferido aos crimes hediondos. Pretendeu a

CF, portanto, que esses crimes se assemelhassem aos hediondos em suas

consequências penais e processuais penais.

De acordo com Capez (2012, p. 195), para a classificação e definição de

crime hediondo, o legislador propôs três critérios: o legal, o judicial e o misto.

De acordo com o sistema legal, os crimes hediondos devem ser

indicados em rol taxativo da lei, não cabendo ao juiz avaliar se um crime pode ser

considerado hediondo ou não.

O sistema misto, por sua vez, contém proposta intermediária,

entendendo que os crimes hediondos seriam indicados em rol exemplificativo da

lei, ficando livre ao juiz decidir quais casos poderiam ser considerados hediondos,

além dos elencados em lei.

Dos três sistemas, o que prevalece no Brasil é o legal. Apenas a lei, de

modo taxativo, pode dizer o que é considerado crime hediondo ou não, ao julgador

apenas resta aplicar as consequências legais ao caso típico.

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4 LIVRAMENTO CONDICIONAL

Considerado a última etapa do sistema penitenciário progressivo por

Roberto Lyra (apud. MARCÃO, 2009), o livramento condicional “é a liberdade

provisória concedida, sob certas condições, ao condenado que não revele

periculosidade, depois de cumprida uma parte da pena que lhe foi imposta”

(MARQUES apud. MARCÃO, 2009, p. 185).

O livramento condicional (também chamado de liberdade condicional) é

um benefício aplicável na fase de execução penal aos condenados ao cumprimento

de pena privativa de liberdade, no qual “se concede a liberdade antecipada[…],

frente à existência de pressupostos e condicionada a determinadas exigências

durante o restante da pena (MIRABETE apud NUNES, 2012, p. 137).”

O instituto está regulamentado tanto no Código Penal (CP), que data de

1940 (Consigna-se que o artigo 83 do CP sofreu alterações pela Lei n.º 7.209, de 11

de julho de 1984), como na Lei de Execução penal (LEP), que data de 1984.

Nesta senda, uma observação inicial deve ser feita: o livramento

condicional está disciplinado em Diplomas Legais anteriores ao Texto Magno de

1988. Logo, por força do princípio da supremacia das normas constitucionais (eis

que a Constituição deve, de fato, constituir algo!), é inafastável a necessidade de

(re) leitura da matéria à luz da Carta Maior, a fim de averiguar a compatibilidade (ou

não) das disposições infraconstitucionais atinentes ao benefício.

Nucci (2009, p. 1043) entende: “é a antecipação da liberdade para quem

cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridos determinados requisitos,

alguns objetivos, outros subjetivos, conforme dispõe o art. 83 do Código Penal”.

Por este artigo, o juiz poderá conceder este benefício ao condenado a

pena privativa de liberdade igual ou superior a 02 (dois) anos se:

I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes; II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso; III - comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto; IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração; V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. Parágrafo único - Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará

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também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir.

Como condição obrigatória, também são necessárias a obtenção de uma

ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto ao trabalho; comunicar

periodicamente ao juiz sua ocupação; não mudar do território da comarca do Juízo

da Execução, sem prévia autorização deste (art. 132, §1º, da Lei de Execuções

Penais).

Com relação à Progressão de Regime, o parágrafo §1º do artigo 2º da Lei

nº 8.072/90, que impunha o regime integralmente fechado e a consequente

impossibilidade de progressão do regime de cumprimento de pena, foi, em 2006,

declarado inconstitucional por maioria do Supremo Tribunal Federal (seis votos e

cinco), em Habeas Corpus de nº HC 82959/SP, relator Ministro Marco Aurélio,

23.02.2006. (HC-82959). Para os ministros, o §1º do art. 2º da referida lei, conflitava

com a garantia da individualização da pena prevista no artigo 5º, XLVI, da

Constituição Federal de 1988.

Veja-se que o caput e o inciso V do dispositivo sub examine proíbem a

concessão do benefício em duas situações: 1) aos condenados à pena privativa de

liberdade inferior a 2 (dois) anos; e 2) aos reincidentes específicos em crimes

hediondos ou equiparados.

No que concerne ao caput, verifica-se, de plano, que a vedação

implicitamente estampada (eis que permite ao juiz conceder o benefício apenas aos

condenados à pena privativa de liberdade igual ou superior a dois anos) é

manifestamente desarrazoada e contrária à CF, por afronta aos preceitos da

isonomia, individualização da pena e proporcionalidade.

É cediço que a intentio legis alinhavada por de traz do (velho) artigo 83,

cabeça, do CP tem em vista que, não raras vezes, condenados à penas privativas

de liberdade inferiores a 2 anos são beneficiados com sanções alternativas, de

modo que, em princípio, não haveria necessidade da concessão da liberdade

condicional.

A irrazoabilidade da norma, no entanto, diz respeito às situações

igualmente corriqueiras onde os indivíduos são condenados à penas inferiores a 2

anos e não são agraciados, em razão de seus antecedentes, por sanções

alternativas ou pela suspensão da execução da pena.

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Ora, consoante prevê a legislação, estas pessoas jamais poderiam ser

beneficiadas com a liberdade condicional durante a execução da pena, pelo simples

fato de ostentarem uma condenação de pouca monta, isto é, inferior a 2 anos de

prisão.

Trata-se, a toda evidência, de situação surreal e desproporcional. Uma

interpretação meramente gramatical do art. 83, caput, do CP, desvinculada da

principiologia constitucional, permite afirmar que uma pessoa condenada à pena de

1 ano e 11 meses de reclusão deverá cumprir a sua sanção integralmente

segregada no cárcere, uma vez que não poderá usufruir da liberdade condicional.

O contrassenso, conforme menciona Mendes (2012) é que o condenado a

uma pena de grande monta, como, por exemplo, de 27 anos de reclusão (ou

qualquer outra igual ou superior a dois anos) poderá, perfeitamente, gozar do

benefício, bastando que atenda aos demais requisitos delineados no art. 83 do

Código Penal.

Beira aos olhos, portanto, a desproporcionalidade – e o excesso punitivo

– da norma: condenados que cometeram crimes menos graves e que sofreram uma

punição mais branda não podem usufruir da benesse.

Ou seja: recebem, na prática, tratamento mais rigoroso do que aqueles

que praticaram delitos de relevante gravidade e foram sentenciados a altas penas,

como se só os apenados mais “perigosos” merecessem usufruir do livramento

condicional! Não bastasse, esta vedação vai contra o objetivo primordial da LEP: a

reeducação dos sentenciados (art. 1º da Lei n.º 7.210/1984).

Dessa maneira, segundo Nunes (2012), é de clareza solar a

incompatibilidade da vedação (implícita) delineada no caput do art. 83 do CP com os

princípios da individualização da pena, proporcionalidade e isonomia, devendo o

intérprete, a fim de resguardar a supremacia das normas constitucionais, realizar

interpretação em conformidade à Carta Maior, pena de não receptividade da norma.

No que pertine a vedação da concessão do livramento condicional aos

condenados reincidentes específicos em crimes hediondos ou equiparados (inciso V

do art. 83 do CP), levando em conta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,

conclui-se se tratar, também, de disposição contrária à Carta da República de 1988.

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Primeiramente, sabe-se que o fundamento desta proibição decorre de

uma diretriz político criminal que pretende reprimir de forma mais rigorosa as

pessoas que reincidem na prática dos crimes tidos como os mais gravosos do

ordenamento jurídico: os delitos hediondos ou equiparados (Lei n.º 8.072/1990).

Todavia, o óbice legal, novamente, é desproporcional e irrazoável, pois,

como ensina Gilmar Mendes (2012, p. 569), “os direitos mais básicos do apenado

não podem ser totalmente desconsiderados em favor de uma opção política radical.”

Sem adentrar no tema da (utópica) “ressocialização”, é de notório

conhecimento que o objetivo primordial da execução da pena é a reinserção social e

que, para tanto, foi adotado o sistema progressivo de execução penal (art. 112,

caput, da LEP), segundo o qual o retorno ao convívio social dos apenados deverá

ocorrer gradualmente.

Nesse quadro do processo executivo, o livramento condicional cumpre um

papel de extraordinária relevância: permite o cumprimento de parte da sentença em

liberdade, possibilitando a readaptação ambiental dos condenados, que voltam a

experimentar o gosto da liberdade e do convívio social – ambiente bastante diferente

das masmorras brasileiras a que estavam acostumados.

Quanto ao sistema progressivo, importa salientar que o antigo §1º do

artigo 2º da Lei n.º 8.072/90 vedava a progressão de regime aos condenados por

crime hediondo ou equiparado. Isto é, o cumprimento da pena deveria ocorrer em

regime integralmente fechado.

Contudo, como é cediço, o STF, nos autos do HC n.º 82.959-7, declarou a

inconstitucionalidade deste dispositivo. Na oportunidade, o Min. Marco Aurélio, forte

no postulado da individualização da pena, assentou que a “progressão no regime de

cumprimento da pena, nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão

maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio

social. ”

Na mesma senda, a Corte Suprema também reconheceu a

inconstitucionalidade da redação ulterior do §1º do art. 2º da Lei dos Crimes

Hediondos, dada pela Lei n.º 11.464/2007, que determinava que os condenados

pela prática de crimes hediondos ou equiparados deveriam iniciar o cumprimento da

sanção no regime fechado (regime inicial fechado).

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O STF, por entender que esta norma afrontava ao direito fundamental da

individualização da pena, posto que estabelecia um tratamento abstrato e genérico

pautado somente na natureza abstrata do delito, desvinculado da pessoa do

apenado, das circunstâncias do fato e do quantum de pena aplicado, decidiu pela

incompatibilidade com a Carta Maior.

Destarte, levando em conta a finalidade principal da execução penal, que

é a reinserção social, por uma questão de coerência lógico-argumentativa, pode-se

afirmar que a vedação abstrata – desvencilhada do princípio da individualização da

pena, isto é, da pessoa do apenado, das circunstâncias do fato, da quantidade da

reprimenda imposta etc. – da concessão do livramento constitucional, prevista no

art. 83, V, do CP, é, também – e pelos mesmos motivos que a vedação da

progressão de regime e o regime inicial fechado foram declarados inconstitucionais!

–, contrária à Constituição Federal.

Com efeito, o raciocínio é mesmo. Não existem grandes diferenças entre

a antiga proibição de progressão de regime aos condenados por crimes hediondos

ou equiparados – a qual foi declarada inconstitucional pelo STF – e a vedação do

inciso V do art. 83 do CP.

Prima facie, porque ambas (vedações) refletem sobre o princípio

estruturante da “ressocialização”. Em segundo lugar, pois, não há qualquer

razoabilidade e proporcionalidade em proibir o livramento condicional aos

reincidentes específicos por crimes desta natureza (hediondos ou equiparados),

quando, hodiernamente, admite-se a progressão de regime (e, inclusive, o benefício

da prisão domiciliar) (NUNES, 2012).

O texto constitucional, ademais, não estabeleceu restrições à progressão

de regime ou ao livramento condicional. A única ressalva feita pelo constituinte diz

respeito à inviabilidade de concessão de anistia, graça e da liberdade provisória

mediante fiança aos indivíduos que perpetraram infrações penais de natureza

hedionda ou equiparada, o que nada tem a ver com o instituto do livramento

condicional (art. 5º, XLIII, da CF).

Destarte, forte no princípio da supremacia das normas constitucionais e

na linha histórico-interpretativa do STF, salvo melhor juízo, o caput e o inciso V do

artigo 83 do CP estão em desconformidade com a Carta Maior, devendo-se primar,

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com urgência, por uma interpretação conforme à Constituição, sob pena de não

receptividade das disposições.

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CONCLUSÃO

A Lei dos Crimes Hediondos foi editada em 1990 trazendo em seu corpo

uma série de normas aos condenados pela prática desses crimes, as quais eram

muito mais rigorosas, comparadas às demais normas do Código Penal. Dentre tais

regras, destaca-se o cumprimento da pena em regime integralmente fechado (art. 2º,

§1º, da Lei n. 8072/90).

Desde então, tal dispositivo passou a ser alvo de críticas por parte da

doutrina e da jurisprudência, principalmente por se entender que esse regramento

vai de encontro ao princípio da individualização da pena, consubstanciado no art. 5º,

inciso XLVI, da Constituição Federal. Individualizar a pena consiste em dar ao preso

a oportunidade de reinserir-se na sociedade, através de mudança no

comportamento, ressocializando-se. Porém, da maneira como estava disposto na

Lei n. 8.072/1990 esta possibilidade inexistia para os crimes hediondos.

O instituto do livramento condicional há mais de um século não recebeu

qualquer atenção legislativa no sentido de adequá-la a nova dinâmica de execução

penal construída a partir da Constituição Federal de 1988, assim como se verifica

nas demais normas de direito, em especial as atinentes à execução de pena. Dessa

forma, entende-se que tal norma que prescreve a perda de todos os dias do período

de prova não fora recepcionada pela nova ordem Constitucional no seu aspecto

material. Visto que não se leva em consideração o período em que o apenado

cumpriu satisfatoriamente as suas obrigações. Apenas, com base na literal

disposição legal, sem nenhum parâmetro de proporcionalidade, desconsidera todo o

período em que esteve no gozo de livramento, pois é suficiente para subsunção total

do ato às normas que regem o instituto do livramento condicional.

Ainda, outro fator observado é que ao desconsiderar todo o período de

prova, o fundamento legal é o descumprimento das obrigações estabelecidas

quando da concessão do livramento condicional. Neste peculiar o instituto parece

ser considerado como uma relação obrigacional privada

Por fim, conclui-se que a Lei dos Crimes Hediondos é um exemplo claro

de como não se deve legislar em matéria penal. As reações contrárias levantadas ao

texto, pelas vozes de insignes doutrinadores pátrios é uma demonstração positiva de

que a nossa ciência penal alcançou um nível de amadurecimento tal que não se

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deixa ser suplantada pela inconsciência e arroubo do legislador de momento, que

levado pelas correntes radicais da sociedade, acha que o Direito Penal é a solução

para o apaziguamento das tensões sociais que, em grande parte, geram a

criminalidade.

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REFERÊNCIAS

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