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CURSO DE INSTITUIÇÕES DE DIREITO ROMANO Thomas Marky *** DUAS PALAVRAS Di st i nt o especi al i st a em Di r ei t o Romano, t endo convi vi do na I t ál i a com sum i dades como Ri ccobono, Ar angi o- Rui z e De Fr anci s- ci , para menci onarmos al guns dent re OS l um i nar es que conheceu, vem o Pr of essor THOMAS Mar ky l eci onando, com i nvej ável êxi t o, a t ão ár dua e pr ovei t osa ci ênci a de Papi ni ano, t ant o na Facul dade Paul i st a de Di r ei t o como em nossa Facul dade de Di r ei t o do Lar go de São Fr anci sco. Al ém do saber not ór i o, possui o Prof essor Mar ky i negávei s qual i - dades di dát i cas, t endo consegui do f or mar um gr upo de j ovens di scí - pul os vol tados, como el e e graças ao seu exempl o, para os est udos r omaní st i CoS em suas r el ações com o di r ei t o at ual . Of erece, agor a, o em i nent e pr of essor à j uvent ude est udi osa br asi - l ei r a o f r ut o de seu t i r ocí ni o, i ni ci ando- a na j usti at que i nj uSt i sci ent i a.  Trata- se de cur so de i nst i t ui ções de Di r ei t o Romano, dest i nado aos pr i nci pi ant es, sem dúvi da, mas r evel ando em suas l i nhas sóbr i as e cl ar as os si nai s ní t i dos do t r abal ho or i ent ado por i nt el i gent e i nt ui t o pedagógi co. Só um pr of essor , com ef ei t o, exper i ent e e ani mado pel o vi vo amor ao ensi no, ao cabo de vári os anos de trabal ho e de observa- ção paci ent e da psi col ogi a est udant i l , consegue el abor ar manual di gno do nome, ser vi ndo o obj et i vo de i ni ci ar as i nt el i gênci as nos el ement os duma ci ênci a. dando-l hes o essenci al e el i m i nando o supér f l uo. "Nada emexcesso" j á di zi amos Sete Sábi os. Como tudo, tam - bém a ci ênci a se adqui r e por gr aus. E saber pr opor ci oná- l a ao ní vel do di scent e é a mar ca di st i nt i va do ver dadei r o pr of essor . Por essa razão, temos o prazer de recomendar o curso do Pro- f essor Mar ky à cupi da l egum j uvent us, cer t os, por out r o l ado, de ver corr oborado pel os dout os nosso j ul gament o a r espei t o de seus méri t os di dát i c os . São Paulo, 15 de março de 1971. ALEXANDRE A. CORRÊA Prof essor cat edr áti co da Facul dade de Di r ei t o da Uni ver si dade de SÃo Paul o. PREFÁCIO À PRI MEI RA EDI ÇÃO Aqui est á o f r ut o de experi ênci as de doi s decêni os de magi st ér i o. Ao entregá-l o aos acadêm i cos de di rei to, não posso dei xar de expressar a m i nha prof unda grati dão aos am i gos Antoni o Mercado  J úni or e J osé Fr aga Tei xei r a de Car val ho, que, com t anta gener osi - dade e compet ênci a, me aj udaram a i mpri m i r-l he não só f orma verna- cul ar acei t ável , como, t ambém , a dar- l he conteúdo condi zente comos propósi t os que nos gui aram . São Paul o, nos i dos de março de 1971.  THOMAS MARKY Í NDI CE SI STEMÁTI CO Duas pal avras Prel ádo à pri mei ra edi ção I NTRODUÇÃO Ut i l i dade do est udo do di r ei t o r omano I nt r odução hi st ór i ca Parte I PARTE GERAL CAPI TULO 1

Curso Elementar de Direito Romano

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Direito Romano

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  • CURSO DE INSTITUIES DE DIREITO ROMANO Thomas Marky *** DUAS PALAVRAS Distinto especialista em Direito Romano, tendo convivido na Itlia com sumidades como Riccobono, Arangio-Ruiz e De Francis- ci, para mencionarmos alguns dentre OS luminares que conheceu, vem o Professor THOMAS Marky lecionando, com invejvel xito, a to rdua e proveitosa cincia de Papiniano, tanto na Faculdade Paulista de Direito como em nossa Faculdade de Direito do Largo de So Francisco. Alm do saber notrio, possui o Professor Marky inegveis quali- dades didticas, tendo conseguido formar um grupo de jovens disc- pulos voltados, como ele e graas ao seu exemplo, para os estudos romanstiCoS em suas relaes com o direito atual. Oferece, agora, o eminente professor juventude estudiosa brasi- leira o fruto de seu tirocnio, iniciando-a na justi atque injuSti scientia. Trata-se de curso de instituies de Direito Romano, destinado aos principiantes, sem dvida, mas revelando em suas linhas sbrias e claras os sinais ntidos do trabalho orientado por inteligente intuito pedaggico. S um professor, com efeito, experiente e animado pelo vivo amor ao ensino, ao cabo de vrios anos de trabalho e de observa- o paciente da psicologia estudantil, consegue elaborar manual digno do nome, servindo o objetivo de iniciar as inteligncias nos elementos duma cincia. dando-lhes o essencial e eliminando o suprfluo. "Nada em excesso" j diziam os Sete Sbios. Como tudo, tam- bm a cincia se adquire por graus. E saber proporcion-la ao nvel do discente a marca distintiva do verdadeiro professor. Por essa razo, temos o prazer de recomendar o curso do Pro- fessor Marky cupida legum juventus, certos, por outro lado, de ver corroborado pelos doutos nosso julgamento a respeito de seus mritos didticos. So Paulo, 15 de maro de 1971. ALEXANDRE A. CORRA Professor catedrtico da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo. PREFCIO PRIMEIRA EDIO Aqui est o fruto de experincias de dois decnios de magistrio. Ao entreg-lo aos acadmicos de direito, no posso deixar de expressar a minha profunda gratido aos amigos Antonio Mercado Jnior e Jos Fraga Teixeira de Carvalho, que, com tanta generosi- dade e competncia, me ajudaram a imprimir-lhe no s forma verna- cular aceitvel, como, tambm, a dar-lhe contedo condizente com os propsitos que nos guiaram. So Paulo, nos idos de maro de 1971. THOMAS MARKY NDICE SISTEMTICO Duas palavras Preldo primeira edio INTRODUO Utilidade do estudo do direito romano Introduo histrica Parte I PARTE GERAL CAPITULO 1

  • Direito objetivo. Conceito de direito e suas classificaes CAPITULO 2 Fontes do direito Costume Outras fontes do direito - Leis e plebiscitos - Senatus-consultos - Constituies imperiais - Editos dos magistrados - Jurisprudencia Evoluo histrica das fontes do direito CAPITULO 3 Norma jurdica Aplicao da norma jurdica Eficcia da norma jurdica no tempo e no espao CAPITULO 4 Direito subjetivo Conceito e classificao CAPITULO 5 Sujeitos de direito Pessoa fsica Capacidade jurdica de gozo - Liberdade (Status libertatis) - Cidadania (Status civitatis) - Situao familiar (Status familiae) Capitis deminutio Outras causas restritivas da capacidade Pessoa jurdica CAPITULO 6 Objetos de direito Conceito Coisas corpreas e incorpreas Res mancipi et res nec mancipi Coisas mveis e imveis Coisas fungveis e infungveis (no-fungveis) Coisas consumveis e inconsumveis Coisas divisveis e indivisveis Coisas simples, compostas, coletivas ou universais Coisas acessrias Frutos Benfeitorias CAPITULO 7 Ato jurdico Conceito Capacidade de agir Classificao dos atos jurdicos Vcio do ato jurdico - Simulao e restrio mental -Erro -Dolo - Coao Contedo dos atos jurdicos - Condio - Termo -Modo Representao Parte II DIREITOS REAIS CAPITULO 8 Propriedade Conceito

  • Limitaes da propriedade CAPITULO 9 Histria da propriedade romana Direito primitivo Propriedade quiritria Propriedade pretoriana Propriedade de terrenos provinciais Propriedade de peregrinos Unificao dos diversos tipos de propriedade CAPITULO 10 Co-propriedade Conceito CAPITULO 11 Posse Conceito Histria da posse CAPITULO 12 Aquisio da propriedade Conceito Modos originrios de aquisio da propriedade Modos derivados de aquisio da propriedade Usucapio (Usucapio) Praescriptio long temporis Praescriptio longissimi temporis Reforma do usucapio por Justiniano Perda da propriedade Aquisio e perda da posse CAPITULO 13 Proteo da propriedade Rei vindicatio Actio negatoria CAPITULO 14 Proteo da posse Interdictum uti possidetis Interdictum utrubi Interdictum unde vi Interdictum de vi armata Interdictum de precario CAPITULO 15 Direitos reais sobre coisa alheia Conceito Servides Servides prediais Servides pessoais - Usufruto -Uso - Habitao e trabalho de escravos e de animais Constituio, extino e proteo das servides Superfcie e enfiteuse CAPITULO 16 Direitos reais de garantia Conceito Fiducia cum creditore Pignus Hypotheca Efeitos dos direitos reais de garantia Parte III DIREITO DAS OBRIGAES CAPITULO 17 Obrigaes Conceito

  • Partes na obrigao Objeto das obrigaes Efeitos jurdicos da obrigao e responsabilidade pelo ina- dimplemento Mora - Mora do devedor (Mora debitoris, mora solvendi) - Mora do credor (Mora creditoris, mora accipiendO - Purgao da mora Obrigaes naturais CAPITULO 18 Fontes das obrigaes Conceito e evoluo histrica CAPITULO 19 Contratos Conceito Contratos formais Contratos do direito clssico Contratos reais - Mtuo (Mutuum) - Depsito (Depositum) - Comodato (Commodatum) - Penhor (Contractus pignoraticius) Contratos inominados Contratos consensuais - Compra e venda (Emptio venditio) - Locao (Locatio conductio) - Sociedade (Societas) - Mandato (Mandatum) Pacta Doao CAPITULO 20 Obrigaes "ex quasi contractu Conceito - Gesto de negcios (Negotiorum gestio) - Enriquecimento sem causa CAPITULO 21 Delitos Conceito e evoluo histrica - Furto (Furtum) - Roubo (Rapina) - Dano, danificao (Damnum injuria datum) - Injria (Injuria) - Dolo (Dolus malus) - Coao (Metus) Obrigaes ex quasi delicto CAPITULO 22 Garantia das obrigaes Conceito - Arras (Arrha) - Multa contratual Outras garantias - Fiana CAPITULO 23 Transmisso das obrigaes Conceito (Poena conventionalis) Delegatio Procurao em causa prpria (Procuratio im rem suam) Sistema das actiones utiles CAPITULO 24 Extino das obrigaes

  • Conceito - Pagamento (Solutio) - Compensao (Compensatio) - Novao (Novatio) - Extino da obrigao por acordo das partes - Fatos extintivos das obrigaes, independentes da vontade das partes Parte IV DIREITO DE FAMLIA CAPITULO 25 Famlia A famlia romana: conceito e histrico Ptrio poder - Aquisio e perda do ptrio poder CAPITULO 26 Casamento Conceito do matrimnio romano Esponsais Requisitos e impedimentos para contrair matrimnio . Efeitos do matrimnio Dissoluo do matrimnio Dote - Constituio do dote - Restituio do dote Doaes entre cnjuges CAPITULO 27 Tutela e curatela Conceito e histrico Espcies de tutela Poderes e obrigaes do tutor Curatela Parte V DIREITO DAS SUCESSES CAPITULO 28 Sucesso ("Successio in universum ius") Conceito e breve histrico Herana (Hereditas) Abertura da sucesso (Delatio hereditatis) Aquisio da herana (Acquisitio hereditatis) Hereditas jacens e usucapio pro herede Hereditas - bonorum possessio CAPITULO 29 Sucesso testamentria ("Successio secundum tabulas") Testamento Capacidade de testar (Testamenti factio activa) Capacidade de herdar (Testamenti factio passiva) Formas de testamento Contedo do testamento Testamentos invlidos CAPITULO 30 Sucesso legtima ("successio ab intestato") Conceito e histrico Sucesso legtima no direito quiritrio Sucesso legtima no direito pretoriano Sucesso legtima no direito justinianeu CAPITULO 31 Sucesso necessria ("successio contra tabulas") Sucesso necessria formal no direito quiritrio Sucesso necessria material Reformas de Justiniano na sucesso necessria CAPITULO 32

  • Colao ("Collatio") Conceito e histrico CAPITULO 33 Sucesso singular ("Successio Singularis mortis causa") Conceito Legado (Legatum) Fideicomisso (Fideicommissum) Indice alfabtico-remissivo Indice das fontes INTRODUO UTILIDADE DO ESTUDO DO DIREITO ROMANO A importncia do estudo do direito romano no precisa ser explicada, pois de conhecimento mesmo do leigo que o nosso di- reito e o de todos os povos do Ocidente derivam do direito romano. Portanto, ao estud-lo, vamos s origens do nosso prprio direito vigente. Por outro lado, no simples saudosismo ou preocupao eso- trica esse retorno s origens do nosso direito. Tem esse estudo um papel importante no currculo do curso de bacharelado das nossas Faculdades de Direito. O direito, como regulamentao do comportamento humano dentro da sociedade, tambm um fenmeno histrico. Suas regras no so fruto de pura especulao, nem conseqncia de inexorveis foras da natureza. Essas regras so produtos, sim, da longa expe- rincia humana e, por isso, para compreend-las, muito til, seno imprescindvel, conhecer sua evoluo histrica. Alm dessas consideraes tericas h outras, de valor prtico tambm, que falam da utilidade, seno da necessidade do estudo do direito romano no incio do curso jurdico. O curso elementar de direito romano um curso introdutrio. Corresponde s Institutas de Justiniano (sculo VI d.C.) e, respecti- vamente, ao modelo destas, que eram as Institutas de Gaio (sculo II d.C.). Elas eram obras didticas, visando iniciao dos estudantes no aprendizado sistemtico da cincia do direito. O cabealho das Institutas de Justiniano traz o ttulo esclare- cedor de "Instituies ou Elementos... ". Assim, o nosso curso, se- guindo uma tradio de quase dois milnios, tambm um curso elementar. E nesse papel de disciplina propedutica, com a funo de introduzir os alunos no estudo do direito (especialmente no do direito civil), que o direito romano tem uma utilidade incomparvel. Ele apresenta as categorias jurdicas fundamentais nas quais o direito moderno se baseia e, por isso, se presta magnificamente a dar aos principiantes uma viso geral de todo o sistema jurdico, especial- mente do direito civil. Ao mesmo tempo os inicia na tcnica do racio- cnio jurdico. Tudo isto com a vantagem de explicar as categorias bsicas conforme sua evoluo histrica, o que facilita a compreenso. INTRODUO HISTRICA O direito romano o complexo de normas vigentes em Roma, desde a sua fundao (lendria, no sculo VIII a.C.) at a codifi- cao de Justiniano (sculo VI d.C.). A evoluo posterior no ser objeto de nossos estudos, porque a codificao justiniania foi con- clusiva: foram recolhidos os resultados das experincias anteriores e considerada a obra como definitiva e imutvel. Realmente, a evoluo posterior dos direitos europeus baseou- se nessa obra de codificao, tanto assim que os cdigos modernos, quase todos, trazem a marca da obra de Justiniano.

  • Por isso consideramos a codificao de Justiniano como termo final do perodo que estudamos. Nos treze sculos da histria romana, do sculo VIII a.C. ao sculo VI d.C., assistimos, naturalmente, a uma mudana contnua no carter do direito, de acordo com a evoluo da civilizao ro- mana, com as alteraes polticas, econmicas e sociais, que a carac- terizavam. Para melhor compreender essa evoluo, costuma-se fazer uma diviso em perodos. Tal diviso pode basear-se nas mudanas da organizao poltica do Estado Romano, distinguindo-se, ento, a poca rgia (fundao de Roma no sculo VIII a.C. at a expulso dos reis em 510 a.C.), a poca republicana (at 27 a.C.), o principado at Diocleciano (que iniciou seu reinado em 284 d.C.), e a monarquia absoluta, por este ltimo iniciada e que vai at o fim do perodo por ns estudado, isto , at Justiniano (falecido em 565 d.C.). Outra diviso, talvez prefervel didaticamente, distingue no es- tudo do direito romano, tendo em conta sua evoluo interna: o perodo arcaico (da fundao de Roma no sculo VIII a.C. at o sculo II a.C.), o perodo clssico (at o sculo III d.C.) e o pe- rodo ps-clssico (at o sculo VI d.C.). O direito do perodo arcaico caracterizava-se pelo seu forma- lismo e pela sua rigidez, solenidade e primitividade. O Estado tinha funes limitadas a questes essenciais para sua sobrevivncia: guer- ra, punio dos delitos mais graves e, naturalmente, a observncia das regras religiosas. Os cidados romanos eram considerados mais como membros de uma comunidade familiar do que como indivduos. A defesa pri- vada tinha larga utilizao: a segurana dos cidados dependia mais do grupo a que pertenciam do que do Estado. A evoluo posterior caracterizou-se por acentuar-se e desen- volver-se o poder central do Estado e, conseqentemente, pela pro- gressiva criao de regras que visavam a reforar sempre mais a autonomia do cidado, como indivduo. O marco mais importante e caracterstico desse perodo a codi- ficao do direito vigente nas XII Tbuas, codificao feita em 451 e 450 a.C. por um decenvirato, especialmente nomeado para esse fim. As XII Tbuas, chamadas- sculos depois, na poca de Augusto (sclo I), fonte de todo o direito (fons omnis publici privatique iuris), nada mais foram que uma codificao de regras provavelmente costumeiras, primitivas, e, s vezes, at cruis. Aplicavam-se exclu- sivamente aos cidados romanos. Esse direito primitivo, intimamente ligado s regras religiosas, fixado e promulgado pela publicao das XII Tbuas, j represen- tava um avano na sua poca, mas, com o passar do tempo e pela mudana de condies, tornou-se antiquado, superado e impeditivo de ulterior progresso. Mesmo assim, o tradicionalismo dos romanos fez com que esse direito arcaico nunca fosse considerado como revogado: o prprio Justiniano, 10 sculos depois, fala dele com respeito. A conquista do poder, pelos romanos, em todo o Mediterrneo, exigia uma evoluo equivalente no campo do direito tambm. Foi aqui que o gnio romano atuou de uma maneira peculiar para a nossa mentalidade. A partir do sculo II a.C. assistimos a uma evoluo e reno- vao constante do direito romano, que vai at o sculo III d.C., durante todo o perodo clssico. Essa revoluo e renovao se fez, porem, por meios indiretos, caractersticos dos romanos e diferentes dos mtodos modernamente usados. A maior parte das inovaes e aperfeioamentos do direito, no perodo clssico, foi fruto da atividade dos magistrados e dos juris-

  • consultos que, em princpio, no podiam modificar as regras antigas, mas que, de fato, introduziram as mais revolucionrias modificaes para atender s exigncias prticas de seu tempo. Entre os magistrados republicanos, o pretor tinha por incum- bncia funes relacionadas com a administrao da Justia. Nesse mister, cuidava da primeira fase do processo entre particulares, veri- ficando as alegaes das partes e fixando os limites da contenda, para remeter o caso posteriormente a um juiz particular. Incumbia, ento, a esse juiz, verificar a procedncia das alegaes diante das provas apresentadas e tomar, com base nelas, a sua deciso. Havia pretor para os casos entre cidados romanos - era o pretor urbano - e havia tambm, a partir de 242 a.C., pretor para os casos em que figuravam estrangeiros. Era o chamado pretor peregrino. O pretor, como magistrado, tinha um amplo poder de mando, denominado imperium. Utilizou-se dele, especialmente, a partir da lei Aebutia, no sculo II a.C., que, modificando o processo, lhe deu ainda maiores poderes discricionrios. Por essas modificaes pro- cessuais, o pretor, ao fixar os limites da contenda, podia dar instru- es ao juiz particular sobre como ele deveria apreciar as questes de direito. Fazia isto por escrito, pela frmula, na qual podia incluir novidades, at ento desconhecidas no direito antigo. No s. Com esses poderes discricionrios, podia deixar de admitir aes perante ele propostas (denegatio actionis) ou, tambm, admitir aes at ento desconhecidas no direito antigo. Essas reformas completavam, su- priam e corrigiam as regras antigas (Ius praetorium est, quod praeto- res introduxerunt adiuvandi vel supplendi vel corrigendi iuris civilis gratia. D. 1.1.7.1). As diretrizes que o pretor ia observar eram publicadas no seu Edito, ao entrar no exerccio de suas funes. Como o cargo de pre- tor era anual, os editos se sucediam um ao outro, dando oportuni- dade a experincias valiosssimas. O resultado dessas experincias foi um corpo estratificado de regras, aceitas e copiadas pelos pretores que se sucediam, e que, final- mente, por volta de 130 d.C., foram codificadas pelo jurista Slvio Juliano, por ordem do Imperador Adriano. Note-se bem, entretanto, que esse direito pretoriano nunca foi equiparado ao direito antigo (ius civile). A regra antiga, pela qual o pretor no podia criar direito (praetor ius facere non potest), con- tinuou em vigor. Assim, esse direito pretoriano, constante do Edito e chamado ius honorarium, foi sempre considerado como diferente do direito antigo (ius civile) mesmo quando, na prtica, o substituiu. A essa caracterstica peculiar da evoluo do direito romano, temos que acrescentar uma outra, de igual relevncia. A interpretao das regras do direito antigo era tarefa importante dos juristas. Originariamente s os sacerdotes conheciam as normas jurdicas. A eles incumbia, ento, a tarefa de interpret-las. Depois, a partir do fim do sculo IV a.C., esse monoplio sacerdotal da inter- pretao cessou, passando ela a ser feita tambm pelos peritos leigos. Essa interpretao no consistia somente na adaptao das regras ju- rdicas s novas exigncias, mas importava tambm na criao de novas normas. Tal atividade jurisprudencial contribuiu grandemente para o de- senvolvimento do direito romano, especialmente pela importncia social que os juristas tinham em Roma. Eles eram considerados como pertencentes a uma aristocracia intelectual, distino essa devida aos seus dotes de inteligncia e aos seus conhecimentos tcnicos. Suas atividades consistiam em emitir pareceres jurdicos sobre questes prticas a eles apresentadas (res pondere), instruir as partes sobre como agirem em juzo (a gere) e orientar os leigos na realizao de negcios jurdicos (cavere). Exerciam essa atividade gratuitamente, pela fama e, evidentemente, para obter um destaque social, que os

  • ajudava a galgar os cargos pblicos da magistratura. Foi Augusto que, procurando utilizar, na nova forma de go- verno por ele instalada, os prstimos desses juristas, instituiu um privilgio consistente no direito de dar pareceres em nome dele, prn- cipe: ius respondendi ex auctoritate principis. Esse direito era conce- dido a certos juristas chamados jurisconsultos (Inst. 1.2.8). Seus pare- ceres tinham fora obrigatria em juzo. Havendo pareceres contras- tantes, o juiz estava livre para decidir. O mtodo dos jurisconsultos romanos era casustico. Examina- vam, explicavam e solucionavam casos concretos. Nesse trabalho no procuravam exposies sistemticas: eram avessos s abstraes dog- mticas e s especulaes e exposies tericas. Isso no impediu, entretanto, que o gnio criador dos romanos se manifestasse por inter- mdio dessa obra casustica dos jurisconsultos clssicos. O ltimo perodo, o ps-clssico, a poca da decadncia em quase todos os setores. Assim, tambm no campo do direito. Vivia-se do legado dos clssicos, que, porm, teve de sofrer uma vulgarizao para poder ser utilizado na nova situao caracterizada pelo rebaixa- mento de nvel em todos os campos. Nesse perodo, pela ausncia do gnio criativo, sentiu-se a neces- sidade da fixao definitiva das regras vigentes, por meio de uma codificao que os romanos em princpio desprezavam. No por acaso que, exceto aquela codificao das XII Tbuas do sculo V a.C., nenhuma outra foi empreendida pelos romanos at o perodo decadente da era ps-clssica. Aps tentativas parciais de codificao de partes restritas do di- reito vigente (Codex Gregorianus, Codex Hermogenianus, Codex Theo- dosianus), foi Justiniano (527 a 565 d.C.) quem empreendeu a gran- diosa obra legislativa, mandando colecionar oficialmente as regras de direito em vigor na poca. Encarregou uma comisso de juristas de organizar uma coleo completa das constituies imperiais (leis emanadas dos imperadores), que foi completada em 529 e publicada sob a denominao de Codex (de que no temos texto nenhum). No ano seguinte, em 530, determinou Justiniano que se fizesse a seleo das obras dos jurisconsultos clssicos, encarregando dessa tarefa Triboniano, que convocou uma comisso para proceder ao tra- balho ingente. A comisso conseguiu no prazo surpreendente de trs anos con- feccionar o Digesto (ou Pandectas), composto de 50 livros, no qual foram recolhidos trechos escolhidos de 2.000 livros (com trs milhes de linhas) de jurisconsultos clssicos. Os codificadores tiveram autorizao de alterar os textos esco- lhidos, para harmoniz-los com os novos princpios vigentes. Essas alteraes tiveram o nome de emblemata Triboniani e hoje so chamadas interpolaes. A descoberta de tais interpolaes e a restituio do texto original clssico uma das preocupaes da cincia romanstica dos ltimos tempos. Paralelamente compilao do Digesto, Justiniano mandou pre- parar uma nova edio do Codex, isto por causa da vasta obra legis- lativa por ele empreendida naqueles ltimos anos. Em 534 foi publi- cado, ento, o Codex repetitae praelectionis, o Cdigo revisado, cujo contedo foi harmonizado com as novas normas expedidas no curso dos trabalhos. Somente temos o texto desta segunda edio do Cdigo Justinianeu. Alm dessas obras legislativas, Triboniano, Tefilo e Doroteu, estes ltimos professores das escolas de Constantinopla e de Bento, elaboraram, por ordem de Justiniano, um manual de direito para estu- dantes, que foi modelado na obra clssica de Gaio, do sculo II a.C. Esse manual foi intitulado Institutiones, como o de Gaio, e foi publi- cado em 533.

  • Depois de terminada a codificao, a qual, especialmente o Cdigo, continha a proibio de se invocar qualquer regra que nela no estivesse prevista, Justiniano reservou-se a faculdade de baixar novas leis. Nos anos subseqentes a 535, at sua morte em 565 d.C., Jus- tiniano publicou efetivamente um grande nmero de novas leis, cha- madas novellae constitutiones. A coleo destas, intitulada Novellae, constitui o quarto volume da codificao justiniania. O Cdigo, o Digesto, as Institutas e as Novellae formam, ento, o Corpus Iuris Civilis, nome esse dado por Dionsio Godofredo, no fim do sculo XVI d.C. Foi mrito dessa codificao a preservao do direito romano para a posteridade. Parte I PARTE GERAL CAPTULO 1 DIREITO OBJETIVO. CONCEITO DE DIREITO E SUAS CLASSIFICAES O termo "direito", entre outros, tem dois sentidos tcnicos. Significa, primeiramente, a norma agendi, a regra jurdica. Assim, falamos de direito romano, de direito civil brasileiro, como com- plexo de normas. Noutra acepo, a palavra significa a facultas agendi, que o poder de exigir um comportamento alheio. Assim a entendemos quando falamos em "direito nossa casa", "direito aos filhos", "direito remunerao de nosso trabalho". No primeiro sentido trata-se do direito objetivo e no segundo, do direito subjetivo. No momento interessa-nos apenas o direito no sentido de di- reito objetivo, que o preceito hipottico e abstrato, cuja finalidade regulamentar o comportamento humano na sociedade e cuja carac- terstica essencial a fora coercitiva que a prpria sociedade lhe atribui. A famosa definio romana, pela qual os mandamentos do di- reito so: viver honestamente, no lesar a ningum e dar a cada um o seu (Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere, D. 1.1.10), no faz referncia a essa impor- tante caracterstica. Ns, entretanto, ao estudarmos o conceito, no podemos prescindir da anlise dessa sua caracterstica e de sua expli- cao. A fora coercitiva atribuda norma jurdica significa que a organizao social, o Estado, interfere para que o preceito seja obe- decido. Para esse fim, a regra jurdica contm, normalmente, alm do mandamento regulamentador da conduta humana (norma agende, uma outra disposio: a de estabelecer as conseqncias para o caso de transgresso da norma. Essa outra disposio da regra jurdica se chama sano (sanctio). A sano pode ser de dois tipos: de nulidade ou de penalidade. Pela primeira, a inobservncia do preceito legal gera, como conse- qncia, a invalidade do ato, que ser, assim, ineficaz. Por exemplo, o impbere no tem capacidade para vender, sozinho, seus bens. Ven- dendo nessas condies sua casa, o ato ser nulo, isto , sem eficcia jurdica. Por isso mesmo, tal sano se denomina restitutiva, pois visa ao restabelecimento da situao anterior transgresso. O outro tipo de sano a punitiva, que prev uma pena para o transgressor. Comumente a norma jurdica estabelece a sano de nulidade: a tal espcie de norma as fontes romanas chamavam lei perfeita (lex perfecta, Regulae Ulpiani, 1.1). A lex Aelia Sentia, por exemplo, do ano 4 d.C., declarava nulas as alforrias feitas contrariamente s suas

  • disposies (Gaio 1 .37 e 47). A lei menos que perfeita (lex minus quam perfecta, Reg. Ulp. 1.2) era, conforme as mesmas fontes romanas, a regra cuja sano no previa a anulao dos efeitos do ato transgressor, mas cominava uma punio. Era o que se dava no caso do casamento de viva antes de decorridos 10 meses da morte do marido; o casamento seria vlido, mas os cnjuges sofriam certas restries no campo do direito (D. 3.2.1). Por outro lado, a falta de sano caracterizava a lei imperfeita (lex imperfecta), que no cominava nem a nulidade do ato infrin- gente, nem qualquer penalidade. Por exemplo, a lei Cincia, que, em 204 a.C., proibiu a doao alm de certo valor sem estipular sano alguma para os transgressores. Logicamente, a regra de direito pode prever sano de nulidade e, tambm, punio, concomitantemente. lei desse tipo d-se hoje a denominao de lei mais que perfeita. Outros, contudo, enquadram essa modalidade entre as leis perfeitas. Assim eram as disposies da lei Julia de vi privata, de 17 a.C., que, proibindo o uso da fora, mesmo no exerccio de um direito, declarava nulo o ato e, alm disso, aplicava penalidade: um credor que, fazendo justia com as prprias mos, tomasse pela fora, em pagamento de seu crdito, um objeto pertencente ao seu devedor, perdia o crdito e tinha que devolver o objeto tambm. O direito, no sentido objetivo, pode ser classificado do ponto de vista histrico e sistemtico. Historicamente, temos que distinguir o ius civile do ius gentium. Na verdade, a distino baseia-se na diversidade dos destinatrios das respectivas regras. O antigo ius civile, tambm denominado nas fontes como ius Quiritium, destinava-se, exclusivamente, aos cidados ro- manos (Quirites): quod quisque populus ipse sibi ius constituit, id ipsius proprium est vocatUrque ius civile, quasi ius proprium civitatis (Gai. 1.1). Por outro lado, as normas consuetudinrias romanas, con- sideradas como comuns a todos os povos e por isso aplicveis no s aos cidados romanos (Quirites), como tambm aos estrangeiros em Roma, constituam o ius gentium: id quod apud omnes populos peraeque custoditur, vocaturque ius gentium, quasi quo iure omnes gentes utuntur. Populus itaque Romanus partim suo proprio, partim communi omnium hominum iure utitur (Gai. 1.1, cf. tambm Inst. 1.2.1). Para os juristas romanos da poca clssica, o ius gentium era um direito universal, baseado na razo natural (naturalis ratio, Gai. 1.1). Por outro lado, encontramos na codificao justiniania outra distino que contrape o ius gentium ao ius naturale (Inst. 1.2.2). Este seria constitudo de regras da natureza, comuns a todos os seres vivos, como as relativas ao matrimnio, procriao e educao dos filhos. Tambm havia distino entre ius civile, de um lado, e ius hono- rarium, de outro. A distino baseava-se na diversidade de origem das respectivas regras. O ius honorarium era o direito elaborado e intro- duzido pelo pretor que, com base no seu imperium (poder de mando), introduzia novidades, criava novas regras e modificava substancial- mente as antigas do ius civile. Essas regras, contidas no edito, eram as do ius honorarium, do direito pretoriano. Em contraposio, as regras do ius civile provinham do costu- me, das leis, dos plebiscitos e, mais tarde, tambm dos senatus-con- sultos e constituies imperiais. Assim, nesse contexto, o termo ius civile abrangia no s o antigo direito quiritrio, como, tambm, o mais novo ius gentium. Ainda a respeito da diviso de regras, quanto sua origem, pode-se falar de ius extraordinarium, que era o direito elaborado na poca imperial, mediante a atividade jurisdicional (quase legiferante)

  • do imperador e de seus funcionrios, que ento tinham substitudo o pretor nesse mister. Por outro lado, examinando as classificaes sistemticas, encon- tramos a distino entre direito pblico e direito privado. O primeiro regula a atividade do Estado e suas relaes com particulares e outros Estados. O direito privado, por sua vez, trata das relaes entre parti- culares: Publicum ius est quod ad statum rei Romanae spectat, pri- vatum quod ad singulorum utilitatem pertinet (Inst. 1.1.4 - D. 1.1.1.2). Relacionada ainda com esta distino aquela de ius cogens e de ius dispositivum (direito cogente e direito dispositivo). Cogen- te a regra que absoluta e cuja aplicao no pode depender da vontade das partes interessadas. Tem que ser obedecida fielmente; as partes no podem exclu-la, nem modific-la. Neste sentido os romanos diziam: ius publicum privatorum pactis mutari non potest (D. 2.14.38): o direito pblico no pode ser alterado por acordo entre particulares. Assim, para que houvesse compra e venda, precisava-se do acordo das partes sobre a mercadoria e preo. As partes no podiam alterar essa regra, celebrando compra e venda sem estipular o preo, por exemplo. O direito dispositivo, por sua vez, admitia uma autonomia de vontade dos particulares: suas regras podiam ser postas de lado ou modificadas pela vontade das partes. Assim, na compra e venda, o vendedor respondia pelos defeitos da coisa vendida. Essa era uma regra dispositiva, pois, por acordo expresso, as partes podiam excluir essa responsabilidade do vendedor. A distino entre ius commune e ius singulare referia-se, de um lado, s regras que visavam a uma regulamentao generalizada, apli- cvel a todas as pessoas e a todas as situaes nela previstas (ius commune). Por outro lado, as regras que valiam somente com relao a determinadas pessoas ou grupos de pessoas, bem como a situaes especficas, eram do ius singulare. Estas ltimas constituam, portan- to, excees s regras gerais e comuns. Por exemplo, as normas rela- tivas ao usucapio das coisas furtadas (j conhecidas pelas XII T- buas e reafirmadas pela lei Atnia do sculo II a.C.) eram regras do ius singulare. Outra classificao do direito objetivo se baseava na sua forma de criao. aquela feita de acordo com as fontes do direito. CAPTULO 2 FONTES DO DIREITO A produo das regras jurdicas se faz pelas fontes do direito. Elas so os rgos que tm a funo ou poder de criar a norma jurdica e, por isso mesmo, se chamam "fontes de produo". Exem- plo: os comcios (comitia), que votavam as leis em Roma. Por outro lado, podemos denominar "fontes de revelao" o produto da atividade dos rgos que tm aquele poder ou funo de legislar. Assim, a prpria regra jurdica, na forma como ela aparece ou se revela. Exemplo, a lei (lex rogata) resultante de uma proposta feita pelos magistrados e votada pelos comcios em Roma. COSTUME Entre as fontes do direito romano, no segundo sentido, est o costume, que, no perodo arcaico, foi quase que exclusivamente a sua nica fonte. O costume (mos, consuetudo, mores maiorum) a observncia constante e espontnea de determinadas normas de com- portamento humano na sociedade. Ccero o definiu como sendo apro- vado, sem lei, pelo decurso de longussimo tempo e pela vontade de todos: quod valunt ate omnium sine lege vetustas compro bavit (De inv. 2.22.67). Juliano o caracterizava como "inveterado": inveterata consuetudo (D. 1 .3.32. 1) e Ulpiano como "diuturno": diuturna con-

  • suetudo (D. 1.3.33). De qualquer modo, a observncia da regra con- suetudinra deve ser constante e universal. OUTRAS FONTES DO DIREITO Ao tratar das fontes do direito na poca clssica, Gaio, nas Institutas (Gai. 1.2), nem sequer menciona o costume entre elas. Para ele, as fontes so somente a lei (lex), os plebiscitos (plebiscita), os senatus-consultos (senatusconsulta), as constituies imperiais (consti- tutiones principum), os editos dos magistrados (edicta magistratuum) e a jurisprudncia (responsa prudentium). Leis e plebiscitos As leis e plebiscitos eram manifestaes coletivas do povo. As primeiras, leges rogatae, tomadas nos comcios, de que s participavam cidados romanos (populus romanus). Os comcios eram convocados pelos magistrados para deliberar sobre texto de lei por eles proposto. Os segundos, plebiscita, forma anmala de fonte de direito, eram decises da plebe, reunida sem os patrcios. Essas deliberaes passa- ram a ser vlidas para a comunidade toda desde que a lei Hortensia, em 286 a.C., assim determinou. Interessante observar que so pouqussimas as leis romanas de real importncia para o direito privado: no mais de 25. Conservou-se o nome de aproximadamente 800 leis nos 500 anos em que tais fontes produziram direito. Senatus-consultos Os senatus-consultos (senatusconsulta) eram deliberaes do senado, cuja funo legiferante foi somente reconhecida no incio do Principado (27 a.C. - 284 d.C.). Na Repblica, os senatus-consul- tos eram deliberaes do senado, dirigidas mormente aos magistrados. No Principado, eram propostos pelos imperadores e, no incio, consis- tiam, tambm, em instrues aos magistrados sobre o exerccio de suas funes. Mais tarde, a partir do imperador Adriano (117 - 138 d.C.), passou-se a aprovar simplesmente, por aclamao, a proposta do impe- rador (oratio principis), transformando-se, destarte, o senatus-consulto numa forma indireta de legislao imperial. Constituies imperiais As constituies imperiais eram disposies do imperador que no s interpretavam a lei, mas, tambm, a estendiam ou inovavam. As denominaes variavam, conforme o contedo ou natureza delas: edicta - ordenaes de carter geral, semelhana das ordenaes dos magistrados republicanos, de que trataremos logo a seguir; decreta - decises do imperador, proferidas num processo; rescripta - res- postas dadas pelo imperador a questes jurdicas a ele propostas por particulares em litgio ou por magistrados; mandata - instrues dadas pelo imperador, na qualidade de chefe supremo, aos funcion- rios subalternos. Editos dos magistrados Os editos dos magistrados so fonte de direito importantssima na Repblica (510 - 27 a.C.). A determinao da regra jurdica a ser aplicada pelo juiz na deciso de uma questo controvertida cabia ao magistrado, especialmente ao pretor. Essa funo se chamava jurisdio (jus dicere) e, no desempenho dela, os pretores tiveram prerrogativas bastante amplas, baseadas no poder de mando, denomi- nado imperium. Podiam eles, quando julgavam necessrio ou oportuno, denegar a tutela jurdica, mesmo contra as regras do direito quiritrio, ou, inversamente, conceder meios processuais a pretenses que no tinham amparo legal no mesmo direito. Assim, dependia de seu poder discricionrio a aplicao ou no daquelas regras do direito quiritrio.

  • Tinham eles outros meios processuais tambm para introduzir inova- es, a fim de ajudar, suprir e at corrigir as regras do direito quiritriO. Nesse mister, o pretor, tal qual os outros magistrados, promul- gava seu programa ao assumir o cargo, revelando como pretendia agir durante o ano de seu exerccio. Essa atividade normativa manifesta- va-se atravs do edito, como era chamado aquele programa. Com o edito, na realidade, o pretor criava novas normas jurdicas, ao lado das do direito quiritrio. Essas novas normas pretorianas no podiam derrogar o direito quiritrio, mas existiam paralelamente a ele. Embora houvesse a mudana anual dos magistrados, o edito passava a conter um texto estratificado, fruto da experincia dos ante- cessores, formando o chamado edictum tralaticium. Inovaes tambm podiam ser introduzidas pelo novo pretor, mediante o edito chamado repentinum. A redao definitiva do edito do pretor foi obra do jurista Slvio Juliano, por ordem do Imperador Adriano, por volta do ano 130 d.C. (Edictum Perpetuum Salvii Juliani). Tal compilao representou o fim da evoluo desta fonte de direito. Jurisprudncia Os pareceres dos jurisconsultos exerceram papel importante na evoluo do direito romano, desde os tempos antigos. As regras con- suetudinrias do direito primitivo, bem como as das XII Tbuas e e outras, todas bastante simples e rgidas, tinham que ser interpretadas para que pudessem servir s exigncias de uma vida social e econmica cada vez mais evoluda. Essa interpretao, nas origens remotas do direito romano, estava afeta aos pontfices, que eram chefes religiosos. Mais tarde, porm, passou a ser obra de juristas leigos (prudentes), conhecedores do direito. Eles inovavam, criavam novas normas, par- tindo das existentes: isto por meio d interpretao extensiva destas. Por exemplo: as XII Tbuas conheceram uma regra que punia, com a perda do ptrio poder, o pai de famlia que vendesse trs vezes o filho. Desta regra, a interpretao jurisprudencial criou o instituto da emancipao. Para isso, o pai deveria vender, formal e ficticia- mente, trs vezes seu filho a um amigo de confiana. Este o libertava imediatamente aps cada venda, com o que o filho voltava automati- camente para o poder do pai. Aps a terceira venda, porm, o filho libertado j no retomava sujeio do pai, cujo poder sobre ele assim se extinguia. A interpretatio prudentium, entretanto, no foi enquadrada entre as fontes do direito na poca republicana, que somente conheceu uma influncia de fato dos juristas de renome. O papel oficial dos juristas na atividade produtora de normas jurdicas comeou com o imperador Augusto (27 a.C. - 14 d.C.), que conferiu a jurisconsultos mais conhecidos e apreciados o privilgio de darem pareceres sobre questes de direito. Nesse mistr, eles podiam agir como expressamente autorizados pelo imperador: ius res- pondendi ex auctoritate principis. Por isso mesmo, esses pareceres vinculavam o juiz que decidia a causa, a no ser que houvesse pare- ceres contraditrios de igual valor. Posteriormente, os pareceres dos jurisconsultos (responsa), versando sobre a aplicao das regras jur- dicas aos mais variados fatos da vida, concorreram para a elaborao dos princpios fundamentais do direito e representaram, desse modo, a manifestao mais original do gnio criador dos romanos nesse campo. Durante o Principado, nos primeiros sculos de nossa era, uma pliade de ilustres juristas deu sua contribuio grandiosa ela- borao do direito de Roma. EVOLUO HISTRICA DAS FONTES DO DIREITO Historicamente considerando, o costume, as leis e os plebiscitos,

  • com a respectiva interpretao jurisprudencial, representaram as fontes do direito quiritrio (ius civile) na Repblica (510 a.C. - 27 a.C.) e o edito do pretor, evidentemente influenciado pelos senatus-consultos antigos, a fonte do direito pretorano (ius honorarium) na mesma poca. Essas fontes continuaram formalmente no perodo do Principado (27 a.C. - 284 d.C.). Entretanto, decaindo a importncia dos com- cios legislativos e estratificando-se o edito pretoriano com o Edito Perptuo de Slvio Juliano, a atividade legislativa passou alada do imperador. Ele a exercia, ento, pelos senatus-consultos por ele propostos e simplesmente aclamados pelos senadores. Depois, cada vez com menor disfarce, o imperador legislava por meio das constitui- es imperiais, que eram as normas jurdicas por ele expedidas. Na poca ps-clssica, de organizao poltica monrquica abso- luta (284 d.C. - 565 d.C.), a nica fonte de direito era, pratica- mente, a vontade do imperador, expressa em suas constituies. O conjunto de regras de direito por ele editadas chamou-se de leges, em contraposio ao direito elaborado pelos pareceres dos juriscon- sultos da poca clssica, cuja importncia jurdica e validade os impe- radores reconheceram e que se denominou jura. As compilaes ps- clssicas, culminando com a de Justiniano (527 d.C. 565 d.C.), con- tinham justamente leges e jura. O Cdigo de Justiniano compe-se das constituies imperiais. O Digesto uma coleo de fragmentos das obras e pareceres dos jurisconsultos clssicos. CAPTULO 3 NORMA JURDICA APLICAO DA NORMA JURDICA A norma jurdica contm disposies abstratas a serem aplicadas aos casos concretos que a vida apresenta. Por isso, sua aplicao pressupe o conhecimento perfeito, seguro e completo da norma jurdica abstrata e dos fatos concretos. A norma jurdica abstrata de conhecimento do juiz (iura novit cur ia). No a conhecendo, deve procurar conhec-la. Para esse conhecimento da norma jurdica o aplicador tem de proceder, de incio, a um trabalho de "crtica", para verificar se a norma vlida e se o texto autntico. Alm dessa "crtica externa" da norma jurdica, o aplicador tem que procurar estabelecer o verdadeiro sentido e alcance de seu texto. Essa atividade se chama "interpretao" da regra jurdica. Por ela se efetua a avaliao das palavras do texto da norma para conseguir obter-se seu significado verdadeiro e certo. A "interpretao" pode ser autntica ou doutrinal. A primeira a que se faz mediante uma nova norma jurdica expedida pelo rgo legiferante competente. A segunda, por meio do trabalho dos cultores do direito. Pode basear-se no exame gramatical, lgico, histrico ou dogmtico-sistemtico do texto e de sua origem. Quanto aos resultados da "interpretao", pode ela simplesmente confirmar o sentido (interpretatio declarativa), estend-lo (interpre- tatio extensiva) ou restringi-lo (interpretatio restrictiva). A arte de bem interpretar a norma jurdica a grande virtude do verdadeiro jurista: conhecer as leis no considerar seu texto, mas, sim, sua fora e majestade (scire leges non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potest atem) (Celso, D. 1 .3. 17). s vezes no bastam os mtodos de crtica e interpretao para o conhecimento do direito aplicvel, porque pode acontecer que no exista preceito abstrato para um determinado caso concreto. Verifi- cando-se tal hiptese, o aplicador do direito tem que suprir a lacuna da norma jurdica. Essa atividade se chama "analogia": por semelhana, presume-se a vontade do legislador.

  • Chama-se analogia legis quando se estende a aplicao de deter- minada regra a fatos nela no previstos. Chama-se analogia iuris, por sua vez, o processo de se criar uma nova norma para ser aplicada a um caso concreto, com base nos princpios gerais do sistema jurdico vigente. Voltando, agora, ao segundo aspecto da aplicao da norma jur- dica, pode-se dizer que ela pressupe o conhecimento objetivo dos fatos em discusso no caso concreto. Os fatos so comprovados por todos os meios de prova em direito permitidos, especialmente por documentos, testemunhas, depoi- mentos das partes, percias etc. Entretanto, s vezes, o direito se contenta com um aconteci- mento provvel, mas no provado, dos fatos e, at, com fatos inver- dicos. No primeiro caso fala-se da presuno e no segundo, da fico. Presuno (praesumptio) a aceitao como verdadeiro de um fato provvel. Aceitao com base numa simples alegao, sem neces- sidade de prova do fato. Por exemplo, a legitimidade do filho presu- mida quando ele nascido entre 180 e 300 dias depois da convivncia conjugal. Normalmente a presuno no absoluta; quer dizer, o contrrio pode ser provado. Em tal hiptese falamos da presuno simples (praesuniptio iuris tantum), pois, no exemplo, pode o marido apre- sentar contraprova. s vezes, porm, a contraprova no permitida. o caso da presuno de direito (praesumptio iuris et de iure). Por exemplo: a verdade da coisa julgada ou a presuno de se considerar ilegtimo o filho nascido alm de 300 dias aps a dissoluo da sociedade conju- gal pela morte do pai. Note-se que, na realidade, a presuno simples (praesumptio iuris) nada mais que a inverso do nus da prova: aceita-se uma situao provvel como verdadeira, dispensando-se a comprovao. Da decorre que cabe parte interessada a produo de prova con- trria para derrubar a presuno. A fico diferente da presuno, pois nela o direito considera verdadeiro um fato inverdico: fecha conscientemente os olhos diante da realidade. Assim era, no direito romano, a fico de considerar o nascituro como j nascido, sempre que se tratava de seus interesses (nasciturus pro iam nato habetur, quotiens de commodis ipsius partus agatur) ou a fictio legis Corneliae, que considerava o cidado romano que caa prisioneiro do inimigo e em seu poder falecia como tendo morrido antes de ser capturado. EFICCIA DA NORMA JURDICA NO TEMPO E NO ESPAO O direito romano destinava-se aos cidados romanos, pois ele se baseava no princpio da personalidade, em contraposio ao do territrio, pelo qual o direito se aplica a todos os que residem no respectivo territrio. Note-se; entretanto, que os estrangeiros tambm podiam estar em relaes jurdicas com cidados romanos, ou entre si, no territrio romano, caso em que o direito a eles aplicvel seria o ius gentium. A eficcia da regra jurdica se inicia comumente com a promul- gao, a no ser que ela disponha diferentemente a respeito da data em que deva entrar em vigor. A regra geral no direito romano era a da irretroatividade da norma jurdica, que assim se aplicava apenas aos acontecimentos e fatos posteriores sua entrada em vigor (C. 1.14.7). Esse princpio no era, contudo, absoluto. Admitia-se, tambm, a possibilidade de ter a norma efeito retroativo, desde que o legislador assim o quisesse. Entretanto, os casos j findos, com sentena ou por acordo entre as

  • partes, no podiam estar sujeitos a normas retroativas, pois nessas hipteses a lei que retroagisse estaria ferindo direitos adquiridos (C. 1.17.2.23). A regra jurdica em vigor aplicvel a todos. A ignorncia dela no isenta ningum de suas sanes: iuris ignorantiam cuique nocere (D. 22.6.9. pr.). No se aplicava, porm, essa norma rigorosa, no direito romano, aos menores de 25 anos, s mulheres, aos soldados e aos camponeses (rustici). A norma jurdica deixa de produzir seus efeitos quando termina sua vigncia, se o prazo estiver nela estipulado. No havendo estipu- lao de prazo, revoga-se a norma por uma que lhe seja contrria: lex posterior revocat priori. A revogao pode dar-se tambm pelo costume: quer por regra contrria por ele introduzida, quer pela simples inaplicao constante da norma (desuetudo). Esta ltima forma foi a caracterstica da evoluo do direito em Roma. As regras antiquadas, caindo em desuso, eram praticamente abolidas, ainda que no expressamente. CAPTULO 4 DIREITO SUBJETIVO CONCEITO E CLASSIFICAO Direito, no sentido subjetivo, significa a facultas agendi, que um poder de exigir determinado comportamento de outrem, po- der esse conferido pela norma jurdica. Assim, o direito subjetivo o lado ativo de uma relao jurdica, cujo lado passivo a obri- gao. Por exemplo, a regra que responsabiliza o vendedor pelos vcios ocultos da coisa vendida um direito no sentido objetivo. O direito de pedir resciso da venda pelo vcio descoberto na coisa recm-comprada um direito subjetivo do comprador. Os direitos subjetivos, por sua vez, no tm todos as mesmas caractersticas. Conforme o tipo do poder que representam e, por outro lado, de acordo com a obrigao que geram, podem ser clas- sificados. E, com essa classificao, na realidade, fazemos a diviso da matria do direito privado romano em conformidade com os con- ceitos da dogmtica moderna e traamos os planos de nosso estudo. Em grandes linhas, os direitos subjetivos (e obrigaes) so de dois tipos, decorrentes de relaes familiares ou patrimoniais. Os primeiros incluem os relativos ao casamento, ao ptrio poder e tutela e curatela. Os direitos subjetivos (e obrigaes) patrimoniais dividem-se em dois grupos: os direitos reais e as obrigaes. Os direitos reais so direitos que conferem um poder absoluto sobre as coisas do mundo externo. Sua caracterstica essencial valerem erga omnes: "contra todos". O comportamento alheio que o titular do direito subjetivo pode exigir o de todos, que so obri- gados a respeitar o exerccio de seu direito (poder) absoluto sobre a coisa. Os direitos obrigacionais, por sua vez, existem to-somente entre pessoas determinadas e vinculam uma (o devedor) outra (o credor). Por exemplo, o proprietrio tem um direito real sobre o prdio em que mora. Todos devem respeit-lo. Por outro lado, o locatrio de um prdio s tem direito obrigacional contra a pessoa que o alugou a ele. Pode exigir dele que o deixe morar no prdio, mas no tem direito nenhum contra outros, entre os quais pode estar o verdadeiro proprietrio tambm. Naturalmente, h direitos patrimoniais relacionados com os de famlia ou deles decorrentes. As relaes e modificaes patrimoniais decorrentes do faleci- mento de uma pessoa, intimamente ligadas tambm ao direito de

  • famlia, so tratadas pelo direito das sucesses. O nosso plano tratar desses direitos, iniciando pelo estudo dos direitos patrimoniais, por razes didticas, e continuando com os de famlia e das sucesses. Antes de examin-los, porm, necessrio explicar os conceitos e princpios gerais de nossa cincia, cujo conhecimento pressuposto necessrio para o bom entendimento da matria. Assim, estudaremos, como parte geral introdutria, o sujeito de direito, depois os objetos de relaes jurdicas e, ainda, os fatos jurdicos, que criam, modifi- cam ou extinguem direitos subjetivos. A defesa dos direitos subjetivos, que feita pelo processo, no ser tratada expressamente, mas seus princpios gerais sero mencio- nados sempre que necessrios ou teis para a melhor compreenso do assunto. CAPTULO 5 SUJEITOS DE DIREITO So as pessoas que possam ter relaes jurdicas e, portanto, direitos subjetivos, tanto do lado ativo (poder de exigir o comporta- mento de outrem), como do lado passivo (obrigao ao referido com- portamento nessa relao). Pessoa natural a pessoa humana. O direito, contudo, reconhece tambm personalidade, isto , a qualidade de sujeito de direito, a entidades artificiais, que so chamadas pessoas jurdicas. PESSOA FSICA A pessoa natural, tambm chamada pessoa fsica, o homem. Sua existncia se inicia com o nascimento. O nascituro no ainda pessoa, mas protegido desde a concep- o e durante toda a gestao, que o direito presume durar o prazo mnimo de 180 dias e o mximo de 300 dias (praesumptio iuris et de jure). J o direito romano conheceu essa proteo: considerava o nascituro como j nascido (fico), para fins de reservar-lhe vanta- gens: nasciturus pro iam nato habetur, quotiens de commodis ipsius partus agatur (cf. Gai. 1.147 e D. 1.5.7). O feto tem que nascer com vida e com forma perfeita. No pessoa o nati-morto. Por isso havia discusses entre os jurisconsultos romanos sobre o que significava sinal de vida do parto: seriam neces- srios vagidos ou bastariam quaisquer movimentos do corpo? O aborto e o monstro no eram considerados pessoas para fins de direito. Extingue-se a pessoa fsica com a morte do indivduo. Sua veri- ficao no dependia de formalidades no direito romano, que no co- nhecia o registro civil como nossa poca. Desconhecia, tambm, o direito romano, a declarao e a presuno de morte pelo desapareci- mento durante longo tempo. Quem tivesse interesse relacionado com o falecimento de alguma pessoa teria que produzir a respectiva prova. No direito justinianeu estabeleceram-se regras para o caso de vrias pessoas, principalmente da mesma famlia, perecerem em um mesmo acidente. Presumia-se que o filho impbere morrera antes do pai e o filho pbere depois (D. 34.5.9, D. h.t. 23). Essa presuno era simples (praesumptio iuris tantum), admitindo prova em contrrio. CAPACIDADE JURDICA DE GOZO Capacidade jurdica de gozo, tambm chamada capacidade de direito, significa a aptido do homem para ser sujeito de direitos e obrigaes. Modernamente todo homem tem capacidade de direito, desde o nascimento. No era assim no direito romano, pois nele se distinguiam diversas categorias de homens. Para ter a completa capacidade jurdica de gozo, isto , para ter a idoneidade de ter direitos e obrigaes, era necessrio, no di-

  • reito romano, que a pessoa fosse: 1.o) livre; 2.o) cidado romano; e 3.o) independente do ptrio poder (sui iuris, paterfamilias). Verifiquemos, pois, esses trs requisitos, examinando a liberdade (status libertatis), a cidadania (status civitatis) e a situao familiar (status familiae), pressupostos da capacidade jurdica de gozo em Roma. Liberdade (Status libertatis) Os homens podiam ser livres ou escravos, conforme as regras do direito romano. Eram livres aqueles que no eram escravos. Esses ltimos no podiam ser sujeitos de direito; eram apenas objeto de relaes jur- dicas. No podiam ter direitos ou obrigaes, nem, tampouco, rela- es familiares no campo do direito. A escravido era um instituto reconhecido por todos os povos da antiguidade. Sua origem vem da guerra: os inimigos capturados passavam a ser escravos dos vencedores. Mas no s os prisioneiros de guerra. Todos os estrangeiros que pertencessem a um pas que no fosse reconhecido por Roma, ainda que no estivesse em estado de guerra, eram considerados escravos, se cassem no poder dos romanos. O mesmo se dava com o romano que casse em mos do inimigo. Mas o cidado romano que se tornava prisioneiro de guerra do inimigo, ao voltar ptria, recuperava automaticamente a liberdade e todos os direitos que tinha antes de ser capturado (D. 49.15.5.2, D. 41.1.7 pr.). Isso se chamava ius postliminii. Outra fonte da escravido era o nascimento. Era escravo o filho de escrava, independentemente da classe social do pai (livre ou escra- vo). Foi somente o direito justinianeu que concedeu o favor da liber- dade ao filho de escrava que tivesse estado em liberdade em qualquer momento da gestao. Isso com base na fico estabelecida pela regra j mencionada, isto , a de que o nascituro era considerado co- mo j nascido (Inst. 1.4 pr., D. 1.5.5.2). Havia outras fontes da escravido, porm de menor importncia. Assim que algum podia ser reduzido condio de escravo a ttulo de pena, ou por insolvncia. O mesmo acontecia no direito antigo com o filiusfamilias vendido pelo pai fora dos limites da cidade de Roma. O direito clssico considerou os filhos assim vendidos pelo pai no mais como escravos, mas sim em situao especial (in causa mancipii). Posteriormente, Justiniano aboliu o instituto por completo. Quanto ao contedo da escravido, escravo no podia ser su- jeito de direitos, por lhe faltar a capacidade jurdica de gozo. No podia ter direitos privados nem pblicos. Sua unio conjugal (contu- bernium) no era casamento no sentido jurdico romano. No havia, assim, entre ele, a mulher e os filhos, relaes de parentesco, para fins de sucesso e outros. No tinha patrimnio e tudo que adquiria pertencia ao dono (Gai. 1.52). Este tinha sobre ele poderes to amplos como sobre as demais coisas de sua propriedade. Podia alien- lo; em princpio, at mat-lo. Entretanto, mesmo assim, a condio humana do escravo o distinguia da das outras coisas do patrimnio do dono. O direito romano reconheceu sempre a personalidade humana do escravo (persona servilis). Ele tambm participava, desde as ori- gens, do culto religioso da famlia. Seu tmulo era lugar sagrado, semelhana do dos livres. Matar um escravo era crime, a que, j na Repblica, correspondia a pena pblica do homicdio, pela lex Come- lia de sicariis. No perodo imperial, ao dono foi proibido seviciar os escravos. Podiam estes impetrar a proteo dos magistrados (Gai: 1.53). Do ponto de vista patrimonial, verificou-se, tambm, uma evo- luo favorvel ao escravo. J na Repblica o escravo podia possuir um pequeno peclio, cedido pelo seu dono, que ele geria livremente. Legalmente o peclio continuava a pertencer ao dono, mas na prtica estava sendo administrado pelo escravo, como se fosse dele.

  • A condio de escravo era permanente. O escravo sem dono, por qualquer razo que fosse (por exemplo, por ter sido abandonado), no se tomava livre. Continuava escravo, escravo sem dono (mes nullius). A atribuio da liberdade ao escravo fazia-se, ordinariamente, por meio de um ato voluntrio do dono e se chamava manumisso. Havia, contudo, a possibilidade de o escravo obter a liberdade por direta disposio de lei. O direito quiritrio (ius civile) conheceu trs formas de manu- misso, pelas quais o dono conferia a liberdade a seu escravo: a ma- numissio vindicta, a manumissio censu e a manumissio testamento. A manumissio vindicta nada mais era que a utilizao do pro- cesso judicial em que se discutia a questo de liberdade. muito instrutivo examinar em que este consistia. O problema vital da liberdade de uma pessoa era objeto de um processo, que se chamava vindicatio in libertatem ou vindicatio in servitutem, conforme se visasse a declarao da liberdade de uma pessoa que servia como escravo, ou da condio de escrava de uma pessoa que vivesse como livre. Para isso era necessrio que a pessoa, de cuja liberdade se tratasse, fosse defendida por um terceiro, cidado romano, capaz, chamado defensor da liberdade (adsertor libertatis). Assim, as partes no processo eram o dono (que alegava ser escrava a pessoa envolvida) e o defensor da liberdade desta. A questo era resolvida pelo juiz a quem o pretor remetia o caso para deciso. Na manumissio vindicta o dono utilizava esse processo. Pedia a um amigo que intentasse uma vindicatio in libertatem perante o pretor, como defensor da liberdade. Quando o defensor declarava sua frmula, alegando que o escravo era livre: Hunc ego hominem ex iure Quiritum liberum esse aio, tocava-o ao mesmo tempo com a vindicta (varinha), sinal do poder. O dono no contestava e o silncio dele era tido, processualmente, como confisso ou admisso da veracidade das alegaes da outra parte. Em face disto, o pretor declarava livre o escravo, sem remeter o caso ao juiz para ulteriores averiguaes e deciso final. Posteriormente, as formalidades to complicadas da manumissio vindicta foram simplificadas, passando ela a ser uma declarao sim- ples mas solene do dono perante o pretor e pela qual se conferia a liberdade ao escravo (Gai. 1.20, D. 40.2.23). A manumissio testamento, ou alforria testamentria, j era conhe- cida pelas XII Tbuas. O testador podia determinar no seu testa- mento que, com sua morte, o escravo fosse livre: Stichus servus meus liber esto (Gai. 2.267). A manumissio censu processava-se mediante a inscrio, com autorizao do dono, do nome do escravo na lista dos cidados livres da cidade. A lista era elaborada pelos censores a cada cinco anos. Alm desses modos de alforria do direito quiritrio, o pretor reconhecia outros, sem solenidades. Tais eram a alforria feita perante testemunhas (manumissio inter amicos), por escrito (per epistulam), fazendo-se sentar o escravo mesa (per mensam), colocando-se-lhe o chapu (per pileum). Tais modos tambm conferiam a liberdade. Mas enquanto a alforria, realizada por um dos modos do direito quiritrio e praticada pelo dono ex jure Quiritum, sem contrariar as restries legais impostas ao direito de manumitir, conferia, alm da liberdade, tambm a cidadania romana, a alforria pretoriana colocava o escravo libertado numa situao inferior. Neste caso, o liberto pas- sava a ter a posio de latino, por fora da lei Junia Norbana (19 d.C.), sendo chamado latino Juniano. A legislao de Augusto introduziu reformas em matria de alforria, restringindo-a consideravelmente. A lex Fufia Caninia (2 a.C.) limitou o nmero dos que podiam ser alforriados em proporo com o total dos escravos pertencentes ao dono (Gai. 1.42-43). A lex

  • Aelia Sentia (4 d.C.) foi alm: restringiu o direito de alforria, condi- cionando-o a uma certa idade do dono e dos escravos, declarando, por outro lado, nulas as manumisses praticadas em prejuzo dos credores do dono (Gai. 1.18 e 37). O escravo libertado se chamava liberto (libertinus ou libertus). Seus direitos polticos eram limitados. No campo do direito privado, encontrava-se sob o patronato do ex-dono. O patronato implicava uma relao de interdependncia entre o ex-dono, patrono, e o es- cravo, alforriado, liberto e at uma espcie de sujeio deste quele. Do patronato decorriam direitos e obrigaes recprocas, mas nem sempre equivalentes, entre as duas partes. Essa relao de patro- nato subsistiria enquanto o liberto vivesse, no se transmitindo, po- rem, aos seus herdeiros. Por parte do patrono, entretanto, a relao passava aos filhos, no caso de ele morrer antes do liberto. Quanto ao contedo do patronato, inclua ele, primacialmente o dever recproco de prestar alimentos no caso de necessidade. O liberto passava a ter o nome do patrono e devia a ele respeito e reve- rncia contnua (obre quium). Por isso, era-lhe proibido intentar aes criminais ou infamantes contra o patrono. E a propositura de qual- quer outra ao contra ele exigia a autorizao prvia do magistrado. Alm disso, o liberto devia certos servios ao seu patrono (operae). Finalmente, o patrono tinha um direito de sucesso legtima (bona) nos bens do liberto, visto que o liberto no tinha legalmente nem ascendentes nem parentes colaterais. O pretor garantia ao patrono a metade da herana do liberto que morresse sem deixar filhos ou que os deserdasse em vida. Essa metade da herana cabia ao patrono, mesmo contra outros herdeiros estranhos, nomeados em testamento pelo liberto. Com o favor imperial chamado natalium restitutio (D. 40.11.1), cessam totalmente os direitos do patronato e o liberto adquire, retroa- tivamente, a posio de um ingnuo, pessoa nascida livre, que nunca foi escrava. O ius aurei anuli era outro favor, tambm conferido pelo imperador, e pelo qual se eliminavam as restries poltico-sociais impostas aos libertos, como as de no poderem ser magistrados, no poderem ser nomeados senadores, no poderem servir nas legies do exrcito. Do ponto de vista dos direitos privados, o ius aurei anuli eliminava o impedimento matrimonial entre liberto e pessoa de classe senatorial, mas no extinguia os direitos do patronato. Com ele o liberto passava a ser um quase ingnuo. Ficavam livres por lei, a ttulo de punio do dono (edictum Claudii, D. 40.8.2), os escravos velhos e doentes por ele expostos; a ttulo de recompensa, o escravo que delatasse o assassino de seu amo (senatusconsultum Silanianum, 10 d.C.). Tambm ficavam livres por lei os escravos que vivessem em liberdade por mais de 20 anos. Os ingnuos so os nascidos livres e que nunca deixaram de o ser, desde o nascimento. No sofrem, destarte, nenhuma restrio decorrente de seu estado de liberdade. Cidadania (Status civitatis) Em princpio, o direito romano, tanto pblico como privado, valia s para os cidados romanos (Quirites). Os estrangeiros (peregrini) no tinham a capacidade jurdica de gozo no concernente aos direitos e obrigaes do ius civile. Entre- tanto, a eles se aplicavam as regras do ius gentium. O estrangeiro podia adquirir propriedades pelo direito dele, mesmo em Roma. Tam- bm podia fazer testamento, conforme as regras de sua cidade. So- mente os peregrini dediticii, os inimigos vencidos, cujo direito e inde- pendncia poltica no foram reconhecidos pelos romanos, estavam privados do uso de seu direito de origem. Eles se sujeitavam pura e exclusivamente s regras do ius gentium romano. Entre os estrangeiros, os latinos tinham uma posio especial.

  • Os latinos, vizinhos de Roma (latini prisci), tinham capacidade jur- dica de gozo semelhante dos cidados romanos. Tinham o direito de votar nos comcios (ius suffragii), quando se encontravam em Ro- ma, e podiam comerciar e contrair matrimnio: ius commercii e ius conubii. Com a extenso da cidadania romana a toda a Itlia, em 89 a.C., essa categoria de latinos deixou de existir. Como segunda cate- goria, porm, aparece a dos latini coloniarii, que eram os cidados das colnias fundadas por Roma e s quais fora dado o ius Latii. Estes gozavam da capacidade de ter os direitos privados (ius com- mercii e ius conubii), mas no os pblicos (ius suffragii e ius hono- rum). Essa categoria, tambm, desapareceu com a extenso da cida- dania a todos os habitantes livres do imprio, por Caracalla, em 212 d.C. (constitutio Antoniniana). Uma terceira categoria de latinos exis- tiu desde a lei Junia Norbana (19 d.C.) e sobreviveu s demais. Como foi mencionado, os escravos alforriados pelos modos pretorianos ou mesmo contra as disposies restritivas das leis de Augusto, adqui- riram a posio de latinos e no a de cidados romanos. Sua capaci- dade jurdica de gozo era mais restrita que a dos pertencentes as outras categorias de latinos. S tinham, os latini Juniani, o ius com- mercii inter vivos, o direito de serem sujeitos de relaes patrimoniais entre vivos. No podiam eles, pois, casar pelo ius civile, nem fazer testamento ou herdar. Diz-se que "viviam como livres, mas morriam como escravos" (Salvianus, adv. avar. 3.7). Por falecimento do latinus Junianus, seu patrimnio era devolvido ao patrono iure peculii, isto , no a ttulo de sucesso, mas como devoluo ao prprio dono. A cidadania romana adquiria-se por nascimento de justas npcias ou mesmo fora delas, se a me fosse cidad no momento do parto. Os filhos nascidos de matrimnio misto (isto , em que um dos cn- juges fosse estrangeiro) seguiam a condio de estrangeiro, de acordo com as disposies da lei Minicia (Gai. 1.78). Adquiria-se a cidadania tambm pela alforria quiritria, como j foi explicado. Alm disso, a cidadania podia ser conferida pelos comcios por determinao dos magistrados e, mais tarde, pelos impe- radores. A concesso podia ser feita a estrangeiro, quer em carter individual, quer como medida de ordem geral. Por exemplo, a exten- so da cidadania a toda Itlia em 89 a.C. e a todos os habitantes livres do imprio em 212 d.C. O cidado romano, desde que preenchesse tambm o requisito da independncia do poder familiar, tinha plena capacidade jurdica de gozo. Assim, ele podia ter a totalidade dos direitos pblicos e pri- vados e as obrigaes respectivas. Perdia-se a cidadania pela perda da liberdade. Podia-se, contu- do, perder a cidadania sem a perda da liberdade, como no caso do exlio, da deportao, da renncia. Situao familiar (Status familiae) Para ter a completa capacidade jurdica de gozo, era preciso que o sujeito, alm de ser livre e cidado romano, fosse tambm indepen- dente do ptrio poder. A organizao familiar romana distinguia entre pessoas sui uris (paterfamilias), independentes do ptrio poder, e pessoas alieni iuris, sujeitas ao poder de um paterfamilias. A inde- pendncia do ptrio poder no tinha relao com a idade. Um recm- nascido, no tendo ascendente masculino, era independente do ptrio poder, ao passo que um cidado de 70 anos, com o pai ainda vivo, era alieni iuris, isto , sujeito, na qualidade de filiusfamilias, ao po- der de seu pai. Os alieni iuris no eram absolutamente incapazes. Tinham plena capacidade no campo dos direitos pblicos: podiam votar e ser vo- tados para as magistraturas (ius suffragii e ius honorum) e, tambm, servir nas legies. No campo dos direitos privados podiam casar-se (ius conubii), desde que obtivessem consentimento do paterfamilias,

  • que, alis, exercia o ptrio poder tambm sobre os netos. Nas relaes patrimoniais, tudo o que o alieni iuris adquirisse, adquiria para o paterfamilias; nas obrigaes assumidas pelos alieni iuris a situao era diferente: o paterfamilias somente respondia excepcionalmente por elas. A evoluo do direito romano se caracterizou pela responsabili- zao sempre crescente do paterfamilias no respeitante s obrigaes contradas pelos seus familiares. Por outro lado, foi conferida cada vez maior independncia patrimonial aos alieni iuris por meio do desenvolvimento do instituto do peclio (peculium). Este era uma parte do patrimnio da famlia, entregue administrao direta dos alieni iuris. "CAPITIS DEMINUTIO" A situao da pessoa, quanto capacidade jurdica de gozo, era determinada pelos trs estados: o de liberdade, o de cidadania e o de famlia. Mudando-se qualquer um desses requisitos, mudava- se a situao jurdica da pessoa tambm, mudana essa que se cha- mava capitis deminutio. Embora representasse principalmente a perda de determinados direitos (sendo equiparada morte civil, cf. Gai. 3.153), a idia bsica da capitis deminutio no essa, mas a de-extin- o da personalidade do ponto de vista jurdico, para ser substituda por uma nova. Isso podia significar, tambm, uma mudana para melhor, como a passagem da situao de alieni iuris para sui iuris. Assim, pode-se falar de capitis deminutio no caso da emancipao. Tendo em vista os trs estados (liberdade, cidadania, famlia), requisitos da capacidade jurdica de gozo, trs podiam ser as altera- es sofridas por capitis deminutio: 1 .a) a perda da liberdade, que acarretava a capitis deminutio maxima; 2.a) a da cidadania, a mdia; e 3.a) a mudana no estado familiar, a capitis deminutio mnima. A perda da liberdade verificava-se quando o cidado romano caa prisioneiro do inimigo, servus hostium (Gai. 1.129). Embora ti- vesse perdido o prisioneiro sua capacidade de ter direitos e obrigaes, enquanto ele ficasse em poder do inimigo, sua situao era a de pendncia, pois, pelo ius postliminii, quando ele voltasse a Roma, recuperaria todos os direitos que anteriormente tivesse, como se nunca os houvesse perdido. Note-se, entretanto, que o ius postliminii se apli- cava to-somente aos direitos e no s situaes de fato. Estas ltimas tinham que ser restabelecidas. Essa distino ter sua aplicao com relao ao matrimnio e posse. Por outro lado, se o prisioneiro morresse nas mos do inimigo, pela fico introduzida pela lei Cornelia (fictio legis Corneliae), ele seria considerado como falecido antes de ter cado prisioneiro, isto , como falecido no estado de livre. Isso para o efeito de abertura da sucesso por sua morte. que no se podia abrir sucesso de pessoa morta na condio de escravo, tornando ineficaz o testamento even- tualmente deixado por ela (testamentum irritum factum). Perdia-se, tambm, a liberdade a ttulo de punio, como, por exemplo, no caso do ladro colhido em flagrante (fur manifestus). No direito arcaico, o devedor executado, que no conseguisse pagar sua dvida, tambm podia ser vendido como escravo, fora de Roma (trans Tiberim). A perda da liberdade acarretava a perda da cidadania e da si- tuao na famlia romana tambm, pois a liberdade era pressuposto da cidadania e do status familiae. Na capitis deminutio media, o cidado passava condio de estrangeiro pelo exlio voluntrio ou pelo imposto por punio (inter- dictio aqua et igni). A pena de deportao foi instituda por Tibrio (14-37 d.C.). Podia algum voluntariamente transferir-se para uma colnia latina. Era renncia cidadania romana, que representava capitis deminutio media tambm (cf. Gai. 1.131). A alterao no estado familiar representava a capitis deminutio

  • minima. Nesse caso o capite deminutus (quem sofreu a mudana) perde todas as relaes jurdicas (mas no as de consanginidade) com a famlia anterior, adquirindo novo estado familiar. Pode-se veri- ficar pela passagem de uma pessoa alieni iuris de sua famlia de ori- gem para uma nova famlia (adoo ou conventio in manum) ou para o estado de sui iuris (emancipao). Vice-versa, um sui iuris podia passar sujeio, na qualidade de alieni iuris, na famlia do adrogator (espcie de adoo). OUTRAS CAUSAS RESTRITIVAS DA CAPACIDADE Havia outras circunstncias que tinham influncia na capacidade jurdica de gozo. As mulheres no tinham capacidade para direitos pblicos e sofriam restries no mbito do direito privado tambm. A mulher no tinha direito ao ptrio poder, nem tutela, e no podia parti- cipar dos atos solenes na qualidade de testemunha. Restringiam a capacidade jurdica de gozo a intestabilitas, a infamia e a turpitudo, que eram penalidades impostas em conseqn- cia de atos ilcitos, penalidades que importavam na falta de honora- bilidade. A religio tambm, com os impedimentos matrimoniais, incapaci- dade de testar e de herdar, podia ser fator que concorresse para certas restries da capacidade jurdica. PESSOA JURDICA Como j mencionamos, alm da pessoa fsica, o direito reco- nhece personalidade tambm s pessoas chamadas jurdicas ou mo- rais, que so entidades artificiais. Trata-se de organizaes destinadas a uma finalidade duradou- ra, que so consideradas sujeitos de direito, isto , com capacidade de ter direitos e obrigaes. Pela doutrina moderna, a pessoa jurdica pode ser de duas esp- cies: corporao (universitas personarum), que a associao de pes- soas, e fundao (universitas rerum), que um conjunto de bens, destinados a uma determinada finalidade. Parece que o direito romano clssico somente conheceu as corpo- raes. As origens das fundaes, ns as encontramos somente no direito ps-clssico. A caracterstica essencial das pessoas jurdicas terem elas perso- nalidades distintas da de seus componentes, bem como terem patri- mnio e relaes de direito distintas das de seus membros: Si quid universitati debetur, singulis non debetur, nec quod debet universitas, singuli debent (D. 3.4.7.1). No direito romano, as corporaes incluam o Estado Romano (populus Romanus) e seu errio, as organizaes municipais e as colnias, todas estas predominantemente de carter pblico. Alm delas, havia associaes de carter privado, chamadas sodalitates, collegia e societates, que tinham fins religiosos, como os colgios de sacerdotes da era pag, ou fins econmicos, como as corporaes profissionais de artesos, as de comrcio e as sociedades dos cole- tores de impostos e tambm as associaes visando a garantir fune- rais decentes a seus membros. As fundaes comearam a surgir somente na poca crist. Con- siderou-se, ento, como sendo sujeito de direito um determinado pa- trimnio, vinculado a certas finalidades, especialmente para fins de beneficncia ou fins religiosos (piae causae). O ato constitutivo, pre- vendo a finalidade e regulando a sua organizao interna, bastava para constituir a fundao. Quanto s corporaes privadas, exigia-se para seu funciona- mento autorizao do senado e, posteriormente, do imperador. Para sua constituio, era necessrio o mnimo de trs membros

  • (tres faciunt collegium, D. 50.16.85). Tais corporaes eram reguladas pelos seus estatutos (lex colle- gii), que tinham que determinar, alm do fim social, tambm os rgos representativos (actores, syndici) da pessoa jurdica. O nascimento e extino das corporaes pblicas no interessam ao direito privado. Extinguia-se a pessoa jurdica quando sua finalidade era pre- enchida ou quando o senado, e mais tarde o imperador, revogava a respectiva autorizao para funcionar. Nas corporaes privadas, mo- tivo de extino era o desaparecimento de todos os seus membros. A fundao extinguia-se pela perda da totalidade do patrimnio. CAPTULO 6 OBJETOS DE DIREITO CONCEITO Coisa um termo de significado muito amplo. Usa-se para de- signar todo e qualquer objeto do nosso pensamento. Isto significa que a noo vulgar de coisa vale tanto para o que existe no mundo das idias, como no da realidade sensvel. Na linguagem jurdica, porm, coisa (res) o objeto de relaes jurdicas que tenha valor econmico. No o , portanto, aquilo que no possa ser objeto de tais relaes. Assim, no res o corpo celes- tial. Podem s-lo, contudo, no direito moderno, certas idias que repre- sentem valor econmico: patentes de inveno, obras de arte, direitos autorais. Os romanos faziam distino entre coisas em comrcio (res in commercio) e fora dele (res extra commercium). As primeiras eram equelas que podiam ser apropriadas por particulares. As segundas no podiam ser objeto de relaes jurdicas entre particulares pela sua natureza fsica ou por sua destinao jurdica. Assim, estavam excludas do comrcio as coisas dedicadas aos deuses, res extra com- merciunz divini iuris, e outras por razes profanas, res extra commer- cium humani iuris. Na primeira categoria encontramos as coisas sa- gradas, dedicadas diretamente ao culto religioso, como os templos (res sacrae), as coisas santas (res sanctae), que eram as consideradas sob a proteo dos deuses, como as portas e os muros da cidade, e as coisas religiosas (res religiosae), que eram os tmulos. Por razes de ordem profana, eram consideradas fora do comrcio (res extra com- mercium humani iuris) as coisas comuns a todos (res communes omnium), isto , as indispensveis vida coletiva ou a ela teis, como o ar, a gua corrente, o mar e as praias. Alm dessas eram conside- radas fora do comrcio as coisas pblicas, pertencentes ao povo ro- mano (res publicae), como as estradas e o Frum. Res in commercio podiam realmente estar no patrimnio de algum, ou encontrar-se fora de qualquer relao patrimonial. As ex- presses romanas res in patrimOnio e res extra patrimonium so usa- das nas fontes em dois sentidos: s vezes indicam a mesma distino que j fizemos entre coisas in commercio, suscetveis de serem objeto de relaes jurdicas, e coisas extra commercium; outras vezes ser- vem para distinguir aquelas que se situam efetivamente no patrim- nio de algum ou fora dele. Por razes didticas, preferimos a se- gunda interpretao. Portanto, as coisas extra patrimonium eram as que, em dado momento, no se encontravam no patrimnio de ningum, mas que poderiam ser apropriadas. Assim, as res nullius (coisas sem dono), as res hostium (coisas dos inimigos de Roma). No que se refere s coisas in commercio e ao mesmo tempo in patrimonio, h vrias outras classificaes que at hoje sobrevivem, feitas pelos romanos.

  • COISAS CORPREAS E INCORPREAS J Gaio (2.12-14) distingue entre as coisas corpreas e incor- preas (res corporales et incorporales). A diferena para ele reside na tangibilidade, sendo corpreas aquelas que podem ser tocadas e existem corporeamente. As outras, isto , as incorpreas, somente existem intelectualmente. A mesma distino foi conhecida por C- cero (Top. 5.27) e Sneca (Ep. ad Luc. 58.14), alm de outros. Na realidade, essa classificao jurdica servia para distinguir entre coi- sas e direitos, pois as primeiras so corpreas e os segundos incor- preos. "RES MANCIPI ET RES NEC MANCIPI" A distino entre res mancipi e res nec mancipi tem bases hist- ricas. As primeiras, para se lhes transferir a respectiva propriedade, requeriam a prtica das formalidades da mancipatio, ato solene do direito arcaico. As segundas podiam ser transferidas pela simples en- trega, sem formalidades (traditio). Faziam parte da categoria das res mancipi os terrenos itlicos (no os provinciais), os animais de tiro e carga (como o cavalo, a vaca, o burro), os escravos e as quatro servides prediais rsticas mais antigas, que eram via, iter, actus e aquaeductus. As demais coisas eram nec mancipi. COISAS MVEIS E IMVEIS O terreno e o que estivesse definitivamente ligado a ele distin- guiam-se das coisas transportveis e semoventes. J as XII Tbuas (450 a.C.) conheceram essa distino ao estabelecer prazo diferente pa- ra o usucapio delas. A terminologia coisas imveis e mveis (res immo- biles et res mobiles) mais recente. Ela data do perodo ps-clssico, quando modos especiais de aquisio de propriedade foram exigidos para as primeiras. COISAS FUNGVEIS E INFUNGVEIS (NO-FUNGVEIS) O termo "fungvel" no romano. Foi criado no sculo XVI por lrico Zsio, com base na definio romana de Paulo, que procurava precisar o princpio da substituibilidade das coisas: res quae in genere suo functionem recipiunt (D. 12.1.2.1) (coisas cuja funo consiste em serem determinadas pelo seu gnero). Fungveis so as coisas substituveis por outras do mesmo genero, qualidade e quantidade. Aparecem normalmente no comrcio como determinadas apenas pela sua quantidade, peso e medida: quae pon- dere numero mensura constant (Gai. 2. 196). So elas caracterizadas por pertencerem a um genero extenso, para o qual a individualidade de cada unidade componente no tem relevncia jurdica. Por isso so coisas facilmente substituveis entre si. Assim, o arroz, a farinha, o metal. Infungveis so as coisas especificamente consideradas, cujas caractersticas individuais impedem sejam substitudas por outras do mesmo gnero. Assim um quadro, uma esttua. COISAS CONSUMVEIS E INCONSUMVEIS H coisas que podem ser usadas uma s vez e outras que per- mitem uso repetido. As primeiras se exaurem com o seu uso normal e so chamadas coisas consumveis (quae usu consumuntur), porque quem as usou fica privado de utiliz-las mais de uma vez. o caso dos alimentos e das bebidas, que desaparecem com o uso normal; do dinheiro, que se gasta. Inconsumveis so as coisas suscetveis de uti- lizao constante, sem que sejam destrudas. Conservam, assim, mes- mo quando usadas, sua utilidade econmico-social anterior. Exemplo: um quadro, uma esttua, um vestido, um carro. Entre as coisas inconsumveis, os romanos da poca ps-clssica propuseram uma subclassificao, distinguindo as coisas realmente

  • inconsumveis das que perdem lentamente seu valor pelo uso repetido: quae usu minuuntur (D. 75. ruhr.). Assim, um vestido, um carro, em contraposio a um quadro, a uma esttua. Tratava-se, pois, de uma categoria intermediria entre as coisas consumveis e inconsumveis. COISAS DIVISVEIS E INDIVISVEIS O conceito jurdico da divisibilidade est intimamente ligado ao do valor econmico das coisas. Fsicamente toda e qualquer coisa pode ser dividida. Juridicamente, porm, a divisibilidade depende da circunstncia de a coisa repartida conservar ou no o valor propor- cional ao do todo. Divisveis so as coisas que podem ser repartidas sem perder esse valor proporcional, como um terreno, o arroz. Indi- visveis so aquelas cujo valor scio-econmico se reduz ou se perde com a diviso. o caso de uma esttua, de um carro. COISAS SIMPLES, COMPOSTAS, COLETIVAS OU UNIVERSAIS A distino romana e se refere a coisas simples - quod conti- netur uno spiritu (D. 41. 3. 30 e 6. 1. 23. 5) -, representando uma unidade orgnica, natural ou artificial. As coisas compostas - quod ex contingentibus, hoc est pluribus inter se cohaerentibus constat (D. 41.3.30) - so formadas da unio artificial de vrias coisas sim- ples. Assim, so simples um bloco ou uma esttua de mrmore, um escravo, e so compostas um edifcio, um carro. A terceira categoria, ou seja, a das coisas coletivas ou univer- sais, abrange um aglomerado de coisas simples, que s juridicamente esto ligadas entre si. Assim, um rebanho, uma biblioteca, constitu- dos respectivamente de vrias ovelhas ou de vrios livros, cujo nico liame a sua destinao jurdica comum. COISAS ACESSRIAS Ligado ao conceito de coisa composta, temos que examinar o dos acessrios e pertenas. A reunio de vrias coisas simples pode criar uma coisa completamente nova, que absorva todos os seus com- ponentes. Exemplo: um carro, que composto de centenas de ele- mentos. Mas pode verificar-se uma unio diferente, na qual uma coisa principal absorva uma outra coisa, considerada acessria. Por exem- plo: o terreno sempre principal e tudo o que a ele se junte aces- srio. Assim, as construes, as plantaes nele feitas. O acessrio segue sempre a sorte da coisa principal: accessio cedit principali (D. 34. 2. 19. 13). Podemos distinguir do conceito do acessrio o das pertenas (instrumenta), onde h um liame menos ntimo de uma coisa com outra principal. As pertenas conservam certa autonomia, mas sua destinao jurdica est ligada da coisa principal. Assim, os instru- mentos de trabalho (instrumenta fundi), destinados ao cultivo da ter- ra, esto ligados a ela, embora conservem certa independncia. FRUTOS Frutos so coisas novas produzidas natural e periodicamente por uma outra, que, por isso mesmo, se chama coisa frugfera. Por exem- plo: os frutos do solo, da rvore, o leite, as ovelhas do rebanho (assim consideradas, no direito romano, aquelas excedentes aps a compen- sao das ovelhas mortas pelas novas). Todas essas coisas so chama- das frutos naturais. As rendas obtidas com a locao ou o arrenda- mento de coisas so tambm consideradas frutos. So os frutos civis (loco fructuum, pro fructibus). Por razes filosficas, o parto da es- crava no era considerado fruto pelos romanos. Ele passava a per- tencer ao dono da escrava-me pelo nascimento. Enquanto faz parte da coisa frugfera, o fruto, por isso chamado pendente, no tem individualidade prpria, seguindo, assim, a sorte

  • da coisa principal. Destacado o fruto da coisa frugfera, fruto sepa- rado, passa ele a ter individualidade prpria e pode, ento, ser objeto de relaes jurdicas separadamente da coisa produtora. Neste ltimo aspecto, do ponto de vista jurdico, os frutos separados podem ser considerados como colhidos (percepti), a serem colhidos (percipiendi), j consumidos (consumpti) e tambm extantes, que so os colhidos e existentes no patrimnio de algum, aguardando o consumo oportuno e posterior. BENFEITORIAS Benfeitorias so os gastos com as coisas acessrias ou pertenas juntas coisa principal, para melhorar e aumentar a utilidade desta. Podem ser elas necessrias, quando imprescindveis para garantir a existncia e subsistncia da coisa principal. Por exemplo: telhado novo. So teis, quando aumentam a utilidade da coisa principal, que, po- rm, pode subsistir sem elas. Por exemplo: uma pintura nova no pr- dio. Volupturias so as de mero luxo, como uma piscina ao lado da residncia. CAPTULO 7 ATO JURDICO CONCEITO A doutrina do ato jurdico no obra dos romanos. As cons- trues dogmticas modernas a ela referentes, entretanto, tm bases romansticas. Exp-las-emos numa forma simplificada, a fim de servir de fundamento aos estudos posteriores. Os eventos, acontecimentos de toda espcie, so chamados fatos. Entre estes, h fatos que tm conseqncias jurdicas e h outros que no as tm. Chove, por exemplo. Normalmente no decorre nenhum efeito jurdico de tal fenmeno natural. Trata-se, neste caso, de um fato simples. Pode, entretanto, a chuva estragar uma colheita, aca- bando com os frutos a serem colhidos (percipiendi). Nessa hiptese, trata-se de um fato jurdico, de um evento que tem conseqncias jurdicas. Entre os fatos jurdicos distinguimos os fatos causados pela von- tade de algum dos fatos que se verificam independentemente dessa vontade. Os primeiros so os fatos jurdicos voluntrios, os segundos os fatos jurdicos involuntrios. Interessam-nos, naturalmente, mais os primeiros que os segundos. Os fatos jurdicos voluntrios, por sua vez, podem ser lcitos ou ilcitos, dependendo da sua conformidade ou no norma jurdica. Os fatos jurdicos voluntrios ilcitos so os delitos, mas nos interessam muito mais os fatos jurdicos voluntrios lcitos. Entre estes se destacam os atos jurdicos, que so manifestaes de vontade que visam realizao de determinadas conseqncias jurdicas. Ao ato jurd