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D. AFONSO HENRIQUES D. AFONSO HENRIQUES GRANDES PROTAGONISTAS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL

D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

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D. AFONSO

HENRIQUESD. AFONSO

HENRIQUES

GRANDES PROTAGONISTAS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL

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GRANDES PROTAGONISTAS

DA HISTÓRIA DE PORTUGAL

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© Editora Planeta DeAgostini, S.A. | Lisboa | 2004

Direitos reservados para a língua portuguesa

COORDENADOR CIENTÍFICO: António Simões do Paço

AUTORIA: Manuel Margarido

PROJECTO GRÁFICO: Alexandra Paulino

PAGINAÇÃO: Alexandra Paulino

IMPRESSÃO: Cayfosa – Quebecor Santa Perpètua de Mogoda [Barcelona]

Impresso em Espanha – Printed in Spain

Depósito Legal 203371/03

ISBN 972-747-882-4

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D. AFONSOHENRIQUES

GRANDES PROTAGONISTASDA HISTÓRIA DE PORTUGAL

Manuel Margarido

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Filho de um ambicioso nobre borguinhão, um jovem vai ser edu-

cado desde tenra idade para encabeçar o mais improvável dos desígnios:

dar corpo a um reino encravado entre a poderosa coroa de Leão e a conso -

lidada presença muçulmana na Península Ibérica. Apenas a obstinação

quase cega, a sua teimosia infatigável e uma coragem a toda a prova

poderiam dar origem ao reino de Portugal.

A FORMAÇÃO

DO CONDADO

PORTUCALENSE

D. HENRIQUE E D. TERESA. Pormenor de pintura do século XVII, de autor desconhecido.

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No início de 1080 um acontecimento vai ter conse-

quências marcantes para o nascimento da nação por-

tuguesa. Afonso VI de Leão, Castela e Galiza é alertado

para uma grande concentração de forças inimigas, reuni-

da pelo emir de Marrocos, tendo em vista a invasão dos

seus territórios.

Afonso VI não perde tempo. Afinal, ele tinha feito

da decisão e da coragem com que enfrentara os muçul-

manos a chave da sua glória de rei unificador. Sabe que

tem de conseguir congregar o maior número de homens

para fazer frente aos almorávidas de Iussuf. Alia-se ime-

diatamente ao rei Sancho de Aragão e, ao mesmo tempo,

reúne homens de armas de todas as suas províncias, da

Galiza e das Astúrias. De igual modo atrai para o seu lado

poderosos cavaleiros franceses que, acompanhados pelos

seus séquitos, vêm em busca de glória e de riqueza.

Dois desses cavaleiros franceses virão a desem-

penhar um papel crucial na evolução política dos estados

cristãos da Península. Raimundo, filho de Guilherme I,

conde da Borgonha; e Henrique, filho de Henrique da Bor-

gonha, sobrinho direito da rainha Constança de Leão e so-

brinho-neto de S. Hugo, abade de Cluny.

O conflito desencadeia-se. Afonso VI, autoprocla-

mado imperador de todas as Espanhas, toma a importante

praça de Toledo, chega a Santarém e a Lisboa em 1094. Em

paga dos serviços dos nobres franceses, Afonso VI oferece

a D. Raimundo a mão de Urraca, sua filha legítima. Raimun-

do tornava-se, deste modo, senhor da Galiza. A D. Henrique

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DOIS FIDALGOS DA BORGONHA

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é concedida a mão de D. Teresa, filha ilegítima de Afonso

VI e da dama Ximena Moniz. O casamento realiza-se em

1096. O território que lhe é concedido para governar, a Sul

da Galiza, estende-se do Minho ao Mondego, a título here -

ditário. É o Condado Portucalense.

Raimundo experimentou desde logo dificuldades

na administração dos seus vastos territórios. A partir de

1096, já as terras que iam do Minho até ao Tejo eram ad-

ministradas por Henrique, diminuindo consideravelmente

o poder de Raimundo. O marido de D. Teresa governava

agora, de facto, a província portucalense e era senhor de

importantes propriedades no seu interior.

O governo e a vida de D. Henrique encontram-se

pouco documentados, como é aliás natural naquele tem-

po. É certo que terá lutado em diversas ocasiões contra os

muçulmanos, mas também aproveitado as divisões entre

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HENRIQUE DA BORGONHA GANHA FORÇA

CONDE

D. HENRIQUE

E D. TERESA

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estes, cindidos entre os partidários de Iussuf (Marrocos) e

os naturais dos territórios do Sul da Península. É conheci-

da a peregrinação de Henrique a Santiago de Compostela.

Mais duvidosa é a sua presença na segunda cruzada aos

territórios da Síria, em 1101. Se nela participou, pouco por

lá se deteve, porque existem registos da sua presença em

Portugal no ano de 1105.

A homens com o po -

der e a ambição de Henrique

e Raimundo, este agora con-

finado aos territórios da Ga -

liza, deveria desa gradar a

vassalagem que tinham de

prestar ao velho Afonso VI,

embora os seus títulos fos-

sem hereditários. A pouco e

pouco deve ter germinado

no espírito de Henrique a

ideia da autonomização, a

passagem do seu território

à categoria de reino. Rai -

mundo, por seu lado, em vir-

tude do casamento com a

herdeira legítima, Urraca,

aspirava ao trono de Leão por morte de seu sogro.

Mas os caprichos dos amores e as sortes ditadas

pela vontade do mais forte iriam baralhar estas preten-

sões. Afonso VI tinha um filho da bela Zaida, filha do emir

de Sevilha, Ibn-Abed. Chamava-se o moço Sancho e era

meio-irmão de Urraca e de Teresa. Urraca, porém, apesar

D. RAIMUNDO

DA BORGONHA.

Tumbo A,

catedral

de Santiago

de Compostela.

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de mulher, tinha uma vantagem na corrida à sucessão: era

filha de mãe cristã. Mas, por outro lado, contrariava-a uma

enorme desvantagem: Afonso VI pretendia que Sancho

fosse o seu herdeiro e futuro rei, tendo mesmo elaborado

um testamento nesse sentido, que legitimava amplamente

Sancho.

Henrique e Raimundo vêem os seus interesses

ameaçados. Então fazem um acordo secreto para, em co -

ligação, obterem pelas armas o que o velho rei lhes ne ga -

va. Em 1106 negoceiam em segredo, oferecendo Raimun-

do, a troco do apoio de Henrique, a província de Toledo ou

a Galiza e parte de um tesouro. Henrique ficaria, assim,

senhor de todos os territórios até à margem direita do Tejo

e com as mãos livres para conquistar o Sul aos muçul-

manos.

Porém, uma sucessão dramática de acontecimen-

tos vem baralhar esta intrincada teia de ambições. Em

1107 Raimundo falece e os planos de Henrique caem por

terra. No ano seguinte é a vez de Sancho, o favorito de

Afonso VI, morrer em luta contra os mouros. Envelhecido

e provavelmente amargurado com a morte do filho dile -

cto, Afonso VI entrega a alma ao criador em 1109. Deste

modo, por golpes do destino, a ambiciosa Urraca muda

subitamente de estatuto. Agora é viúva. E rainha. Para ela,

a ordem de importância destas duas condições terá im-

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UMA ALIANÇA DE CONVENIÊNCIA

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portância variável, conforme os

interesses do momento e os

apetites de ocasião.

Henrique era agora vas-

salo da meia-irmã de sua mu -

lher. Tal facto deve ter em muito

contrariado o nobre borguinhão,

que se sentia profundamente

ligado ao condado que admi -

nistrava e para o qual desejaria,

certamente, a autonomia. De

novo se lhe coloca a hipótese do

uso da força, pelo que, em 1110,

parte para França, já a cunha-

da havia sido aclamada rainha,

para buscar o conselho do

abade de Cluny, seu protector,

ou mesmo procurando reunir

uma força militar. Não se sabe

como, mas será preso antes de atravessar os Pirenéus, em

circunstâncias misteriosas. Acabou por se escapar.

Entretanto, pouco depois de ser coroada, Urraca

casa em segundas núpcias com o belicoso Afonso I, rei de

Aragão. A pequena história fala dos apetites carnais in-

saciáveis de Urraca, que a terão apressado para um casa-

mento extemporâneo. Na verdade, as razões de Estado

tiveram um papel muito importante, aliando dois Estados

que eram potenciais inimigos. Em breve se verificaria, con-

tudo, que os entendimentos políticos conviviam mal com

os desentendimentos do casal de soberanos.

D. HENRIQUE

DA BORGONHA.

Tumbo A,

catedral

de Santiago

de Compostela.

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Henrique da Borgonha foi o pai de D. Afonso Henriques,

primeiro rei de Portugal. Terá nascido em Dijon por volta de

1057 e morreu em Astorga em Abril ou Maio de 1112 (há quem

diga que em 1114). Era o quarto filho do duque Henrique da

Borgonha e tinha origens bem nobres, sendo bisneto de Rober-

to I, rei de França.

O magno conflito contra os muçulmanos levou-o, por con-

vite, a alinhar nas forças de D. Afonso VI. Veio para a Penín-

sula com o seu parente Raimundo da Borgonha. Estes príncipes

depressa demonstraram muito valor em combate, tendo rea -

lizado importantes feitos bélicos. Como recompensa do seu pre-

cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha

legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que

era bastarda), a Henrique.

Em 1093 Afonso VI cruza o Mondego e conquista territórios

que vão até Lisboa, ampliando as possessões cristãs até ao Tejo.

Toma então a iniciativa de dividir, debaixo da sua soberania,

vastas partes do seu imenso território. A Raimundo concede o

condado da Galiza, e a Henrique, o Condado Portucalense, mas

sob a autoridade de Raimundo, até em função do estatuto dife -

rente das suas filhas.

Parte do Condado Portucalense é reconquistada pelos muçul-

manos em 1095. Então Afonso VI decide entregar plenos poderes

a Henrique, desobrigando-o da dominância de Raimundo, tan-

to que este, em 1097, já governava independentemente o seu

condado. Com os seus territórios estabilizados, Henrique toma

a decisão, comum à época, de partir em cruzada. Em 1101 parte

D. Henrique da Borgonha

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de Portugal. Sabe-se que esteve em Roma e é possível que te -

nha ido até Jerusalém. Torna aos seus territórios em 1105, sem

se saber que façanhas militares cometeu.

Além de grande homem de armas e governador, D. Hen-

rique vai mostrar-se mestre no jogo diplomático, assestando a

sua atenção em minar a tutela de Afonso VI. Ele bem sabia que

Raimundo tinha aspirações ao trono de Leão e Castela, visto

Afonso VI não ter filho legítimo varão e ser D. Urraca, mulher

de Raimundo, legítima herdeira. Afonso VI, contudo, tinha uma

preferência especial pelo seu filho ilegítimo, D. Sancho. Ambos

os borgonheses tinham a temer que o poder fosse entregue a

este jovem. Por isso, os dois primos da Borgonha vão estabele-

cer um pacto para anular um eventual testamento desfavorável,

mediante o qual Henrique apoia a causa de Raimundo e Urra-

ca, concedendo-lhe este o domínio da Galiza ou Toledo e um

terço do seu tesouro. Raimundo, porém, morreu em Outubro

desse mesmo ano. D. Sancho, pouco tempo depois. Henrique

vê a oportunidade de receber de mão beijada para a sua Tere-

sa e para ele a herança do velho Afonso VI, que entretanto es-

tava no fim dos seus dias. Restava, porém, D. Urraca e o seu

filho, Afonso, fruto da união desta com Raimundo. D. Henrique

não consegue os seus intentos.

Entretanto, D. Urraca casa com D. Afonso, rei de Aragão e

Navarra (casamento que viria a ser anulado pelo papa, em vir-

tude do grau de parentesco). Entre os recentes marido e mu -

lher estabelece-se o conflito, e Henrique vai tomar o partido da

cunhada. É nestas reviravoltas que se desloca o fidalgo bor-

gonhês a Astorga, local onde falece. O seu corpo está sepulta-

do numa capela da Sé de Braga.

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Urraca e Afonso I depressa se inimizam com uma

intensidade invulgar, obrigando à intervenção da Igreja,

que pede ao papa a anulação do casamento, com o con-

veniente argumento do grau de parentesco demasiado

próximo dos cônjuges. Todos os reinos e províncias de Es-

panha se agitam.

Na Galiza explode a

revolta. Alegavam os fidal-

gos galegos que o testa-

mento de Afonso VI previa

que, em caso de segundas

núpcias de D. Urraca,

reinaria na Galiza o filho

desta e de D. Raimundo,

Afonso Raimundes. D. Afon-

so de Aragão vai responder

com extrema agressividade,

expulsando o bispo de Tole-

do, que assinara a bula do

divórcio, prendendo os bis-

pos de Leão e de Burgos,

substituindo os principais

administradores de Castela

e Leão por homens da sua

confiança. Invade a Galiza

à frente de poderoso exército, numa guerra predatória, ar-

rasando tudo à sua frente. Urraca já só podia contar com

o apoio da Galiza para fazer frente a este seu segundo

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UM ESTRANHO CASAL

AFONSO VI DE

LEÃO E CASTELA.

Catedral

de Santiago

de Compostela.

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marido, mas as resistências estavam a enfraquecer. Será,

contudo, capaz de expulsar o aragonês, que se vê obriga-

do a regressar a casa.

Então ocorre uma surpreendente reviravolta. Urra-

ca reconcilia-se com o marido. Será a primeira de várias

peripécias neste tumultuoso casamento, que têm como

pano de fundo os conflitos latentes entre Castela e Leão,

por um lado, e Aragão, por outro. Entretanto o que sucedeu

a Henrique, conde portucalense? Sabe-se que esteve ao la-

do de Afonso I de Aragão na batalha de Valtierra contra o

rei de Saragoça, em Janeiro de 1110, prestando-lhe serviço

de vassalagem. Aguardava melhores dias, e eles viriam.

A oportunidade política surge como consequência

de mais uma das reviravoltas sentimentais, ou intrigas

políticas, de D. Urraca. Aliando-se aos nobres de Leão e

Castela, apoiada pela Galiza, a rainha declarara, de novo,

guerra ao seu marido. Este, perante forças de tal monta,

propõe de novo a Henrique o restabelecimento do pacto

secreto de aliança que ambos haviam celebrado.

Henrique junta as suas tropas às de D. Afonso de

Aragão e, nos campos de Espina, em Outubro de 1110, tra-

va-se uma batalha em que D. Urraca é derrotada, tendo

ainda nela perecido o seu amante, o que demonstra que

na guerra, como no amor, Urraca não perdia tempo, ape-

sar de perder algumas batalhas.

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VOLTAS DO DESTINO

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Afonso de Aragão ataca então o reino de Leão e a

Galiza, derrotando os partidários de D. Afonso Raimundes,

que se aprestavam a aclamá-lo.

Onde estava o nosso D. Henrique? Estaria ele ao la-

do do seu aliado, combatendo nesta furiosa expedição

vingadora? Não, D. Henrique não acompanhou D. Afonso

de Aragão pelo simples motivo de que, secretamente, se

tinha encontrado com Urraca, a qual teve artes de com

ele se reconciliar, prometendo-lhe o mesmo que o segun-

do marido lhe havia prometido. No jogo da intriga e da

traição, Henrique demonstrava não possuir menor talen-

to que os demais.

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A PENÍNSULA

IBÉRICA

em princípios

do século XII.

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Em Janeiro de 1111, na conferência de Palência, D.

Urraca reparte os seus estados com D. Teresa e D. Hen-

rique. Entretanto, faz as pazes com Afonso de Aragão, pe-

lo que Henrique, furioso com a má fé da rainha, vai cer-

car o casal em Sahagún, com a ajuda de Afonso

Raimundes. A ameaça dos almorávidas obriga Henrique a

retornar às suas terras portucalenses.

Um novo desentendimento entre a rainha de Leão

e o rei de Aragão ainda lhe alimentará as esperanças de

uma aliança que lhe traga finalmente um reconhecimen-

to dos seus interesses. Voltará a assinar um acordo com a

cunhada.

Porém, para ele, já era tarde. Encontrando-se na

cidade de Astorga, morre em Abril ou princípios de Maio

de 1112. Chora-o D. Teresa. Deixa um filho varão de 3 anos,

chamado Afonso Henriques, nascido em 1109, segundo a

maior parte dos historiadores.

Teresa vai prosseguir integralmente os objectivos

do marido. Necessariamente mantida na sombra pela

acção do ambicioso cônjuge, chega agora, para ela, o mo-

mento da ribalta. Mudará D. Teresa os modos e as práti-

cas políticas que marcaram anos sucessivos de intrigas e

traições familiares?

De maneira nenhuma. Afinal, era irmã de Urraca,

e não lhe diferia muito em temperamento, talvez à ex-

cepção das inclinações luxuriosas, apesar do que depois

muitos historiadores sobre esse assunto escreveram. Além

disso, fora mulher de Henrique e com ele muito deve ter

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IRMÃS DESAVINDAS

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aprendido, senão mesmo ensinado. Agora, D. Teresa vai

prosseguir os mesmos fins pelos mesmos meios.

Recebida na corte, D. Teresa convence D. Afonso de

Aragão de que a sua irmã Urraca o está a tentar envene-

nar, facto no qual o ingénuo e belicoso Afonso imediata-

mente acredita, acusando a mulher publicamente e ex-

pulsando-a.

D. Urraca não dá parte de fraca, acolhe apoios em

todas as partes do reino e o marido tem de fugir às pres-

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TÚMULO DE

D. HENRIQUE.

Sé de Braga.

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sas para Aragão. Em seguida ferve-lhe o desejo de vingança

pela traição da irmã Teresa, que é obrigada a refugiar-se

nas suas terras. Vendo que a sua causa se encontrava muito

debilitada, é uma submissa D. Teresa que se apresenta na

cúria régia de Oviedo, em 1115, para prestar vassalagem

à irmã. Mas é mais que certo que este fosse um gesto de

pura oportunidade táctica e habilidade política, um gesto

para ser esquecido logo após ter sucedido.

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Page 20: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

Para o Condado Portucalense, mais uma vez será a situação

polí tica na Galiza a ditar as reviravoltas da História. Os nobres gale gos,

liderados por Pedro Froilaz e Pedro Nuñes, partidários de D. Afonso

Raimundes, vão sublevar-se contra D. Urraca que não reconhecia, por

razões de poder, os direitos do seu filho.

As tropas da rainha de novo se levantam contra os nobres da

Galiza e, numa fase inicial, parece que vencerão a contenda. Porém,

Pedro Nuñes persiste na resistência e apela à ajuda da condessa portu-

calense. D. Teresa, já esquecida dos votos de vassalagem, vai encontrar

a oportunidade de vingança.

O NASCIMENTO

DE UM REI

ACLAMAÇÃO DE AFONSO HENRIQUES.

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Unida aos líderes galegos, D. Teresa cerca a irmã no

castelo de Suberoso. O conflito pende para o lado de Ur-

raca, mas à custa de negociações que darão novas terras

à condessa, nomeadamente os bispados de Ourense e Tui.

Era uma espécie de meia vitória, apenas contrariada pelas

renovadas incursões dos árabes no território do condado,

tendo ultrapassado o Mondego. Nos anos seguintes, as hos-

tilidades continuariam em toda a Península, apenas susti-

das pela enérgica acção do cunhado de Teresa, D. Afonso

de Aragão. Finalmente, os conflitos abrandaram. A con-

dessa podia respirar um pouco e pôr em ordem os seus

territórios. Até quando?

O partido de Afonso Raimundes continuou sempre

activo. Aproveitando a eleição de Calisto II como novo dono

da cátedra papal, o incansável bispo Gelmines, que sem-

pre conspirara contra a rainha leonesa, vê a oportunidade

de fazer valer os interesses do presuntivo monarca galego.

Afinal de contas, o novo papa era tio de Afonso Raimundes.

Assim, o bispo da Galiza vai conseguir que o arcebispado

de Braga seja transferido para Compostela, a troco do apoio

a Raimundes.

D. Urraca não perde tempo. Fazendo-se acompa -

nhar pelo próprio filho, Afonso Raimundes, assegura o

apoio de importantes fidalgos galegos, afirmando a ne-

cessidade de combater Teresa, que alegadamente usurpara

Tui. Gelmines, fazendo igualmente jogo dúplice, acom-

panha-a na expedição, que tem como cenário as margens

do rio Minho. Mas, em breve, as tropas de D. Urraca atra -

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ACONTECIMENTOS DRAMÁTICOS

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vessam o rio, descendo até ao Douro, deixando para trás

campos e aldeias saqueados a ferro e fogo. Desta vez é

Teresa que fica cercada no castelo de Lanhoso, com forças

inferiores e em situação muito precária.

Entretanto, o bis-

po Diogo Gelmines pen-

sa em mudar de partido.

Com o pretexto de ter

de se deslocar a um con-

cílio, abandona Urraca,

que imediatamente per -

cebe a tramóia. Esta

deixa-o partir, mas com-

preende que é urgente

voltar à Galiza, sob pe-

na dos danos que a

rédea solta do bispo lhe

podem causar. Então,

mais uma vez as cir -

cuns tâncias favorecem

D. Teresa. As pazes são

feitas com a irmã, que

inesperadamente lhe

concede vastos domí -

nios do próprio reino de

23

MAIS CONSPIRAÇÕES

D. URRACA DE LEÃO E CASTELA.

Catedral de Santiago de Compostela.

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Leão e lhe garante, paradoxalmente, os bispados de

Ourense e Tui, que haviam sido o motivo para aquele con-

flito. D. Teresa mal acredita nos acasos do destino que se

viraram a seu favor.

De rompante, D. Urraca reentra na Galiza, pren-

dendo o poderoso bispo. A lendária rainha, a mulher dos

mil caprichos e traições, vai defrontar, uma vez mais, a

acérrima oposição dos nobres mais valorosos da Galiza,

entre os quais Pedro Froilaz de Trava e o seu próprio filho,

Afonso Raimundes. Obrigada a libertar o bispo, Urraca

está perante uma derrota, que será a definitiva. É claro

que D. Teresa colaborou com os galegos, mais uma vez

traindo a irmã. As forças da orgulhosa monarca desvane-

ciam-se. Morre em Março de 1126, deixando o trono ao seu

fi lho, Afonso Raimundes, coroado como Afonso VII, o

seguidor em nome de seu avô. O filho do nobre borgui -

nhão que chegara à Península à procura de aventura e

riqueza era agora rei. Aceitaria ele a ideia de um novo reino

entre o Minho e o Tejo?

Nos cinco anos que medeiam entre 1121 e 1126

D. Teresa vai dedicar-se à administração do seu condado.

Afinal, ela havia quase duplicado o território portucalense,

que ocupava agora parte da Galiza e de Leão e se esten-

dia até às águas taganas. Contudo, o problema político de

fundo persistia. O seu marido fora obrigado a prestar vas-

salagem a seu pai, e ela, a sua irmã. Agora tinha de prestar

de novo votos de vassalagem ao seu sobrinho, o novo rei

de Leão e Castela, D. Afonso VII. No seu peito ardia o de-

sejo que já animara o marido. A independência e a coroa

de Portugal.

25

Página do

APOCALIPSE

DO LORVÃO

com iluminuras

de cavaleiros.

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Quem eram, nessa altura, as forças importantes no

Condado Portucalense? De um lado havia a velha nobreza

e os ricos-homens do condado, fiéis a D. Henrique e cer-

tamente animados pela bandeira da independência daque-

le território que consideravam seu; mas uma nova classe

de fidalgos ganhava peso junto de D. Teresa, fruto dos anos

de alianças mais ou menos consolidadas: os nobres gale-

gos que acompanharam a condessa nas suas andanças

A GÉNESE DE UM NOVO REINO

CASTELO

DE LANHOSO.

Aqui se

defendeu

D. Teresa,

em 1121,

do ataque das

tropas de sua

irmã D. Urraca.

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Egas Moniz

Era irmão de Ermígio Moniz, que, até à morte, ocorrida em

1135, foi homem de posição significativa no território do Con-

dado Portucalense, exercendo importantes funções que se ex-

tinguiram com o seu desaparecimento.

27

estavam agora solidamente implantados junto desta e

eram os seus conselheiros favoritos.

Entre este grupo de origem galega encontrava-se

Fernão Peres de Trava, filho de Froilaz de Trava, o conde

galego que tanto batalhara contra Urraca. Fernão Peres

em breve se transforma numa espécie de regente de

facto do condado, alimentando especulações de concubi-

nagem com Teresa, que viriam a servir de pretexto futuro

para a legitimação de Afonso Henriques como sucessor

natural à liderança das terras portucalenses.

E o que era feito do jovem Afonso Henriques? Não

é de esperar que, com a agitada vida política e militar que

D. Teresa levava, tivesse muito tempo para cuidar do seu

rebento. Pelo contrário, havia que o entregar aos cuidados

de um fidalgo de cepa antiga, indiscutível portugalidade e

convicções firmes. Assim é que, desde tenra idade, Afonso

Henriques é entregue aos cuidados de Egas Moniz e de sua

família. Egas Moniz era um daqueles nobres de velha cepa,

que se havia distinguido tanto no campo militar como na

administração prudente dos seus importantes domínios.

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Com a morte do irmão, Egas Moniz torna-se uma figura

relevante e o mais destacado na corte de D. Afonso Henriques,

durante os complicados momentos políticos e militares que este

viveu. Assume o cargo de mordomo-mor, o mais importante

junto do rei, e certamente teve papel de relevo no aconselhamento

diplomático e bélico, quer se tratasse de contendas com reinos

cristãos vizinhos, quer o assunto fosse a reconquista cristã das

terras dominadas pelos muçulmanos. Receberá do rei generosas

doações em terras. Deste modo, possuía uma vintena de terras

e coutos, que se situarão sobretudo nas margens do Douro e

em diversas localizações beirãs.

Egas Moniz é objecto de uma das mais famosas e co-

moventes histórias de fundo lendário que se contam desde a

origem de Portugal. Numa manobra política terá dado a sua

palavra por D. Afonso Henriques ao imperador de Leão e Cas -

tela. No incumprimento do prometido, apresenta-se com a

família perante o imperador com cordas no pescoço a fim de

lavar com honra a sua palavra, mesmo que para tanto apenas

28

Fragmento

do TÚMULO

DE EGAS

MONIZ,

no mosteiro

de Paço

de Sousa.

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houvesse reparação com a sua morte. Esta história, provavel-

mente criada no reinado de D. Afonso III, é um dos mitos ca -

valeirescos fundadores de uma identidade nacional, que dá um

relevo imorredouro ao nome de Egas Moniz.

Homem de fundo carácter religioso, Egas Moniz fará, per-

to do fim da vida, múltiplas doações a instituições de carácter

religioso, especialmente ao mosteiro beneditino do Salvador de

Paço de Sousa, onde foi sepultado. Aí se mandou fazer, na se-

gunda metade do século XIII, nova sepultura com baixos relevos

que descrevem visualmente a saga da honra deste singular

homem, cujo nome ficará sempre indissociavelmente ligado a

D. Afonso Henriques.

29

A EDUCAÇÃO DO JOVEM AFONSO

A educação de Afonso Henriques terá sido feita à

boa maneira medieval, própria da nobreza, adestrando-se

nas artes da guerra, da caça, do salão. Mas Egas Moniz terá,

igualmente, induzido no jovem Afonso Henriques a ideia

de que este estava destinado a cumprir o desígnio de seu

pai, tornando o condado numa nação independente. Por

isso, o fidalgo tinha uma clara noção do valor precioso do

destino do jovem que lhe fora confiado. É lendário, mas

revelador, que Egas Moniz repetisse ao rapaz vezes sem

conta as últimas palavras de D. Henrique: «Filho, toma es-

forço em meu coração, toma a terra que eu deixo (...) não

percas dela coisa alguma.»

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Ainda segundo a lenda, o jovem nasceu defeituoso

das pernas, chegando a dizer-se que as tinha coladas às

costas. Nada disto se pode comprovar, nem plausível se

apresenta. É natural que, com as condições do seu tempo,

30

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o rapazito algum defeito apresentasse. Certo é que se livrou

dele, a ponto de crescer com envergadura invulgar para a

época, sendo as poucas fontes relativas (e incertas) con-

cordantes que D. Afonso Henriques viria a ser um homem

muito grande, «quase um gigante» para aquela época. Mas

a lenda da cura do defeito do futuro rei não deixa de fa -

zer sentido no contexto místico-religioso da época, con-

ferindo-lhe, com esse mito, uma espécie de predestinação

divina.

Nas móveis relações de força da época, o jovem rei

de Leão e Castela precisava de definir prioridades. Para

além da infindável luta contra os mouros, as hostilidades

para com Afonso I de Aragão, seu padrasto, estavam na -

turalmente acesas. Empenhado em defrontar inimigos de

tal monta, D. Afonso VII decidiu temporariamente manter

calmas as querelas que o opunham à tia a propósito do

renitente Condado Portucalense. Tanto assim é que se

desloca a Zamora e com ela assina um acordo de amizade,

na presença de Fernão Peres.

Eram tréguas breves. Em breve as pazes são feitas

com Aragão e o jovem rei sente que é agora a altura para

colocar a irmã de sua mãe no sítio que mais lhe agrada.

No início de 1127 reúne poderosas tropas na Galiza e en-

tra na região de Entre-Douro-e-Minho, arrasando tudo por

onde passa. De uma penada, D. Teresa era obrigada a

O NOVO REI DE LEÃO E CASTELA

D. AFONSO

HENRIQUES.

Estátua

proveniente

da igreja de

Santa Maria

da Alcáçova,

em Santarém

(hoje no Museu

do Carmo, em

Lisboa).

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prestar vassalagem ao sobrinho e perdia todas as terras

que havia ganho desde o tempo de Afonso VI. Nada podia

desagradar mais aos fidalgos portugueses, indispostos ain-

da por cima com a influência que os galegos tinham jun-

to de D. Teresa.

Para os portugueses de linhagem, com palavra na

condução dos destinos do condado, desejando vivamente

a sua independência, D. Teresa não passava de uma re-

gente enquanto seu filho não adquirisse a maioridade. É

este sentimento que vai, paulatinamente, gerar a existência

de dois partidos: os defensores de D. Afonso Henriques,

enquanto legítimo herdeiro do Condado Portucalense; e

os apaniguados de D. Teresa, com Fernão Peres à cabeça,

dispostos a tudo para manter a situação privilegiada em

que se encontram. A dependência do Condado Portucalen -

se da Galiza era a linha orientadora desta facção que ia

contra a tradição da fidalguia do Minho e dos nobres por-

tucalenses que mantinham o espírito e o ideal do conde

D. Henrique.

D. Afonso Henriques permaneceu em casa de Egas

Moniz até cerca dos seus doze anos. Tendo nascido pos-

sivelmente em 1109, era agora, a caminho da adoles cên -

cia, um jovem resoluto e com uma falange determinada

de apoios. Em contrapartida, sua mãe encontrava-se ca-

da vez mais desamparada, rodeada de uma clique de in-

teresses que não viam na manutenção do poder mais do

32

SURGE UM LÍDER NATURAL

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que a possibilidade de expandirem riqueza e influência.

Quando Afonso Henriques chega aos catorze anos, D. Tere-

sa é já uma mulher na defensiva. E sabe o que a espera.

É com esta idade que o jovem exerce, por suas

próprias mãos, um gesto de grande simbolismo. Armou-

-se a si próprio cavaleiro em Zamora, acto apenas permi-

tido a um príncipe real. Era esta a dimensão das

ambições de Afonso Henriques, «compa -

nheiro dos fidalgos». Dominar um condado

que devia vassalagem a Leão, dele fazer um

reino, dele ser o rei. As condições estavam

maduras. O futuro reino tinha já, nessa

época, uma estrutura administrativa,

jurídica e militar equiparável a um

verdadeiro reino. Mas faltava ainda

muito penar para atingir tal objecti-

vo. A começar por um problema dila -

cerante: afastar a mãe do poder. Ao

armar-se cava leiro, Afonso Henriques

estava, de facto, a desafiar o partido

da mãe.

Inicialmente D. Teresa vai

agir com alguma prudência. É

certo que manda prender D. Paio,

arcebispo de Braga, partidário do

jovem Afonso Henriques. E cada

mais vez outorga poderes a Fer-

não Peres, a ponto de muitos his-

toriadores alvitrarem a pos-

sibilidade de serem amantes.

Estátua de

D. AFONSO

HENRIQUES

situada junto

do castelo de

Guimarães.

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Para Fernão Peres de Trava, um casamento com a condessa

seria um óptimo passo, confirmando de facto os poderes

que já possuía. Mas, para a hábil Teresa, isso significaria

o fim do seu desejo de independência tendo-a a ela, ou ao

seu filho, como soberanos. É por isso possível que D. Tere-

sa tenha dado algumas esperanças ao fidalgo galego, sem

contudo as concretizar. Interessava-lhes certamente uma

forte aliança com a mais forte casa galega, o poderoso clã

dos Trava. Mas nenhuma fonte permite afirmar que se te -

nha realizado o casamento.

34

Era filha ilegítima de Afonso VI de Leão. Casou com Hen-

rique de Borgonha, que assim se tornou conde de Portucale, por

volta de 1096. Como dote recebeu justamente o Condado Por-

tucalense e o de Coimbra.

Torna-se regente do condado com a morte do marido e vai

procurar, como ele, ampliar e consolidar os seus domínios. Em

1116 alia-se à família galega dos condes de Trava. D. Teresa

vai então estabelecer pactos contra a sua irmã Urraca, de-

fendendo o sobrinho D. Afonso Raimundes e os seus direitos.

Quando morre D. Urraca e Afonso Raimundes se torna Afon-

so VII, o confronto entre os nobres portucalenses e D. Teresa

eclode, tendo esta sido vencida em S. Mamede (1128) e desti-

tuída pelo filho, refugiando-se na Galiza, onde morreria ao fim

de dois anos.

D. Teresa, a mãe adversária

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Enquanto isso, o partido de Afonso Henriques forta -

lecia-se. O rapaz revelava-se cada vez mais audacioso e

empreendedor, assumindo atitudes e comportamentos de

um verdadeiro chefe. Egas Moniz já não esconde o seu in-

condicional apoio. Mas, com ele, estão igualmente Gonça-

TÚMULO DE

D. TERESA.

Sé de

Braga.

UM CONFLITO FAMILIAR

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lo Mendes da Maia, que passaria à história como O Lidador,

tais foram os seus feitos militares, e os ricos-homens, mes-

nadas de concelhos, alcaides. Enfim, a maior parte dos

homens que contavam no condado, acompanhados pelos

seus séquitos.

D. Teresa, por seu lado, contava apenas com o apoio

dos galegos, o que não era pouco. De Fernão Peres de Tra-

va ao seu pai, Pedro Froilaz, passando pelo sempre activo

bispo Gelmines, todos conspiravam para integrar o con-

dado nos domínios da Galiza. D. Teresa era verdadeira-

mente refém deste desígnio. Fernão Peres, que possuía o

título de conde de Coimbra e manobrava de facto os des-

tinos do reino, vai fazer tudo por tudo para abortar os in-

tentos daqueles que, agora, eram claramente vistos como

insurrectos. Nem D. Teresa se deixava enganar. Mas uma

nova humilhação a esperava, que iria desencadear os

dramáticos acontecimentos que se lhe seguiram.

D. Afonso VII, livre dos conflitos que o apoquen-

tavam nos territórios orientais da Península, obriga a tia

a vir prestar-lhe vassalagem. Para a nobreza portuguesa é

o fim. A mulher de D. Henrique deixou de lhes merecer

qualquer espécie de respeito e os preparativos começam.

D. Afonso Henriques tem dezassete anos. Para aquele tem-

po era um homem feito e temperado, que já se exercitava

havia tempo conquistando terras a eito, conforme a ocasião

se proporcionava. Agora era a mãe que tinha de enfrentar.

Não hesitou.

Estando D. Teresa em Guimarães, apresenta-se

Afonso Henriques com os seus homens. Nos campos de

São Mamede as duas forças avistam-se. Corre o dia 24 de

36

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Julho de 1128. A batalha, violenta e sanguinária para al-

guns, apenas um recontro ajustado, para outros, trava-se.

As forças de D. Teresa cedem a pouco e pouco. Finalmente

é a debandada dos partidários da mu lher de Henrique da

Borgonha. D. Teresa foge para as suas terras da Galiza. É

nesses domínios que virá a morrer em 1 de Novembro de

1130, sem que alguém já lhe desse apoio. Fernão Peres de-

pressa se tornará amigo do jovem Afonso Henriques. Leal,

ao que parece.

O Condado Portucalense está, finalmente, nas mãos

do filho de D. Henrique, o fidalgo estrangeiro que viu nas

terras de seu pai o sonho de construir uma nação inde-

37

CASTELO DE

GUIMARÃES.

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pendente. Imbuído do espírito do seu pai, cuidadosamente

alimentado por Egas Moniz, Afonso Henriques terá, ago-

ra, que enfrentar o mesmo dilema que qualquer um dos

seus progenitores sofreu: como libertar aquele embrião de

reino das garrras de Leão e da vassalagem a D. Afonso VII,

seu primo?

38

Carta de doação da igreja de S. Bartolomeu

de Campelo por D. Afonso Henriques, 1129,

onde primeiro aparece a palavra PORTUGAL.

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As notícias dos acontecimentos de S. Mamede, e da tomada do

poder por parte do seu jovem primo não deixam indiferente D. Afonso VII

de Leão e Castela. Deverá ter avaliado cuidadosamento o novo perigo

constituído pela intrepidez do fidalgo, e encarado imediatamente como

prováveis os seus objectivos de soberania.

BRAÇO DE FERRO

COM O REI DE LEÃO

EGAS MONIZ PERANTE O REI DE LEÃO, por Roque Gameiro (pormenor).

39

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D. Afonso VII sabe que se torna vital travar a tem-

po qualquer veleidade do condado à independência. E de-

seja que, o mais depressa possível, Afonso Henriques lhe

preste vassalagem, como

já antes os seus tios, con -

trafei tos, haviam feito. Por

isso, o soberano leonês não

he sita. Livre dos conflitos

com o padrasto de Aragão,

diri ge-se rapidamente ao

Condado Portucalense, com

for te exército. Não deixa de

ser admirável (e podemos

verificá-lo ao longo da nar-

rativa de todos os aconteci -

mentos desta época) a es-

pantosa destreza com que

estas massas humanas,

pesadamente armadas, cer-

tamente mal abastecidas,

se deslocam ao longo de

vastos territórios.

Certo é que, em 1129,

as forças de D. Afonso VII, pujantes e em número muito

superior às de Afonso Henriques, cercam o castelo de

Guimarães. Tudo indica que apanham os portucalenses

de surpresa. Prova-o o facto de não terem mantimentos

para suportar um longo cerco. Ao rei sobravam múltiplas

D. AFONSO VII

DE LEÃO

E CASTELA.

Catedral

de Santiago

de Compostela.

40

UM PRIMO PERIGOSO

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hipóteses: submeter pela vassalagem, aprisionar ou mes-

mo destroçar as forças do primo.

Neste cerco começa um dos mais obscuros, e igual-

mente lendários, episódios da história de Portugal. Todas

as fontes são apócrifas, pelo que qualquer narrativa terá

um fundo de lenda, sendo difícil distinguir com precisão

os detalhes do ocorrido.

Mas certo é que a intervenção de Egas Moniz, e o

seu dramático desenlace futuro, retratam a envergadura

moral de um homem de carácter heróico, à idealizada

maneira medieval, por contraste com a política mesqui -

nha, de alianças e traições, meias verdades e grandes men-

tiras usuais naquele tempo.

Conta-se que D. Afonso Henriques não desejava

prestar vassalagem ao primo. Pelo menos mostrou pe -

rante essa inevitabilidade a maior relutância. Então, o ve -

lho Egas Moniz toma a decisão mais difícil da sua vida.

Sabe que a parte dos portucalenses está condenada, não

tendo hipótese alguma de manter prolongadamente o cer-

co. E avalia com justeza as consequências. Vencido Afon-

so Henriques, era o fim do sonho de criar um reino, o ter-

mo de qualquer veleidade no nascimento de Portugal.

Então terá descido do castelo, indo ao encontro de

Afonso VII. Apesar de a lenda referir que a ele se dirigiu

sozinho, tal não parece crível. Deverá ter sido acompa -

41

UMA AMARGA MENTIRA

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Pormenor

do TÚMULO

DE EGAS MONIZ.

nhado por um pequeno séquito, tendo eventualmente

chegado a estar a sós com o rei, procurando concretizar o

difícil objectivo a que se propunha.

Afonso VII sabe quem ele é e qual a sua importân-

cia. Não lhe escapa que era um dos mais importantes fi-

dalgos portucalenses e aquele que teria, certamente, maior

influência sobre o jovem rebelde. É um homem que im-

porta ouvir. E o que Egas Moniz, senhor de Ribadouro, tem

para lhe dizer reveste-se de uma profunda delicadeza. No

fundo, nada mais era que uma habilidade, que lhe viria a

sair muito cara na honra e na consciência.

Em primeiro lugar, Egas Moniz deve logicamente ter

lembrado ao rei Afonso VII que estava a perder o seu tem-

po em Guimarães, quando tantas batalhas o esperavam

42

Page 42: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

contra os infiéis. Este argumento tinha, efectivamente, um

peso de significado naquele tempo. Depois, ter-lhe-á afir-

mado que Afonso Henriques, ao enfrentar sua mãe, ape-

nas estava a lutar pelos seus direitos contra os nobres gale-

gos que tentavam usurpar o governo do condado das mãos

de D. Teresa. Também esta razão se apresenta lógica, crí -

vel, para o monarca de Castela e Leão.

Mas D. Afonso VII queria mais e vai dizê-lo, sem de-

tença, a Egas Moniz. Se D. Teresa havia prestado vassalagem

ao rei de Leão, forçoso era agora que o seu filho renovasse

esse laço. De outro modo seria um insurrecto e nada mais

lhe restaria senão manter o cerco ao castelo de Guimarães

e tomá-lo pela força ou pela paciência. Ora este era o nó

central de toda a questão. Perante a situação, o velho fi-

dalgo encontra uma tortuosa via, que compromete a sua

honra. Para não obrigar a palavra de D. Afonso Henriques,

afirma gravemente que o jovem filho de D. Teresa lhe iria

prestar vassalagem nas primeiras cortes que tivessem lu-

gar. Como garante, Egas Moniz apresentou... a sua palavra.

Há subtileza e brutalidade no acto. Ao dar a sua

palavra, Egas Moniz não tinha falado pela língua de Afon-

so Henriques. Era a sua língua que falara, pormenor sub-

til que fazia toda a diferença. Por outro lado, ao dar como

boa a palavra dada, mais que suspeitando, sabendo não

ser esse o interesse de Afonso Henriques, Egas Moniz deu-

43

O VALOR DA PALAVRA DADA

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-se conta da brutalidade de uma trama que viria a abalar

os alicerces da sua consciência. Esperava-o, com toda a

certeza, a desonra.

O rei leonês ponderou. Vinda de quem viera, aque-

la afirmação bastou-lhe. Nada mais exigiu. Confiou naque-

le que era o homem mais influente junto do jovem rebelde.

De imediato deu ordens para levantar o cerco, levando as

suas tropas para outras paragens, para outras pelejas mais

a sul, para o eterno combate aos infiéis. No fundo estava

satisfeito. Não perdera homens, não desgastara o seu

exército, não demorara muito tempo.

O tempo encarregar-se-ia de lhe mostrar com crueza

o erro que cometera. Sozinho, Egas Moniz deve ter vivido

as amarguradas horas em que um homem de bem percebe

com clareza que perdeu o tesouro maior que possuía. A

honra.

Plenamente convencido com a palavra de Egas Mo-

niz, D. Afonso VII vai de novo retomar as pelejas com o seu

padrasto (1129) não descuidando as fronteiras sempre es-

batidas e belicosas com o mundo islâmico. No Condado

Portucalense, o jovem conde não se conformava com a

perda das terras galegas ganhas a D. Urraca no tempo de

sua mãe. Dá então início a uma longa série de ofensivas e

recuos, que caracterizarão para sempre os seus primeiros

anos de comando.

44

TRAIÇÃO

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Com o primo a pelejar em terras da Cata lu -

nha, Afonso Henriques rompe as hostilidades,

inutilizando para sempre a palavra do velho

Moniz. Em boa verdade não fôra ele quem

dera a palavra. Por isso, no dealbar dos

seus vinte anos, ruma à Ga -

liza com um exército va -

lo roso, em 1130. Afonso

VII, mesmo à distância,

percebe ime diata mente

o perigo, mas não foi ne -

cessário acorrer à refrega.

D. Afonso Henriques não consegue

obter o apoio dos fidalgos galegos

com que contava para engrossar

as fileiras. Prudente, retorna aos

seus territórios.

O acto tem, contudo, uma consequência dramáti-

ca. Egas Moniz sente que a sua palavra fôra quebrada.

Reúne os filhos, chama junto a si a sua mulher, Teresa

Afonso, e parte ao encontro do rei de Leão e Castela para

saldar a dívida de honra que sentia dentro de si. O pe nhor,

o resgate, era a sua vida, e a dos seus.

Longa e penosa deve ter sido a viagem, no final da

qual impendia, sobre toda a casa de Egas Moniz, o cas -

tigo mortal. Consigo leva até os servos e diz a lenda que,

ao chegarem junto de D. Afonso VII, todos vestiam as ves -

tes dos sentenciados, uma mortalha branca de pano cru,

ostentando ao pescoço as cordas com as quais seriam

enforcados.

CAVALEIRO

MEDIEVAL.

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Pode imaginar-se o espanto do rei e da sua corte

perante este cenário que, se não fosse dramático, seria

patético. A confusão, a perplexidade é geral. O que fazer

com este homem que se apresenta não só a si, mas toda

a sua família, para pagar com a vida um compromisso de

honra, num tempo em que a palavra política varia ao sa-

bor dos temperamentos e dos acontecimentos?

Parece que a primeira pulsão de D. Afonso VII foi

sentenciar o portucalense, deste modo desagravando a

ofensa, a traição. Mas prontamente foi exortado por todos

os que o rodeavam, admirados pelo carácter e pela hon-

radez de Egas Moniz. Então o rei decide em direcção di-

ametralmente oposta. Tão grande manifestação de dig-

nidade merecia apenas uma e uma só decisão. Estava Egas

Moniz livre, bem como todos os seus familiares. E não ape-

nas livre. Declarou o rei que a sua palavra se encontrava,

a partir de agora, intacta e restituída, pelo que podia par-

tir em paz.

No condado, provavelmente desconhecendo estes

acontecimentos, Afonso Henriques afadigava-se em tra-

balhos, lutando contra alguns renitentes fidalgos galegos

que ainda eram do partido de sua mãe, travando breves

escaramuças com os mouros, dirimindo litígios entre os

povos e maus administradores. A pouco e pouco consoli-

dava o seu poder e liderança, afirmando uma personali-

dade que a todos cativava, conquistava ou infundia temor.

Mas a inclinação da conquista estava-lhe no sangue

tanto quanto o desejo de independência. Cinco anos de-

46

EXPIAÇÃO E PERDÃO

EGAS MONIZ

PERANTE

O REI DE LEÃO,

por Roque

Gameiro.

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pois da sua primeira arremetida em terras galegas, ei-lo

de novo à frente das suas tropas, invadindo, saqueando,

deixando atrás de si um rasto de destruição. Mais uma vez

a sua tentativa será em vão, sendo expulso pela fidalguia

galega. Não desiste, porém. Refaz as tropas e atira-se com

valentia contra quem o havia derrotado, sendo desta vez

vencedor. Chega a erigir um castelo (Celmes), mas desta

vez a parada é mais alta. Sabedor dos atrevimentos do pri-

mo, D. Afonso VII vem ao combate com as suas tropas. Cer-

ca a fortificação e nela serão aprisionados muitos dos mais

importantes fidalgos portugueses.

De novo nas suas terras, Afonso Henriques con-

gemina vinganças, como seu pai fizera, como sua mãe não

deixara nunca de fazer. Bastam-lhe dois anos para uma

nova ocasião. Humilhado por D. Afonso VII, Garcia Ramires,

rei de Navarra fôra igualmente obrigado a prestar home-

nagem ao monarca de Leão e Castela. O inconformismo

dos dois, Henriques e Ramires, vai uni-los numa causa co-

mum: dar combate a Afonso VII. Assim decidem a invasão

por ocidente e por oriente das terras do poderoso monar-

ca. Ao conde portucalense juntam-se alguns condes gale-

gos que lhe aumentam o poder militar. Com estas forças,

Afonso Henriques provoca uma tremenda razia na Galiza,

conquistando terras e praças umas atrás das outras com

uma facilidade que, mesmo a ele, dizia surpreender.

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O JOVEM INTEMPESTIVO

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Mas é então que novo golpe do destino se vem opor

aos seus planos. Não na frente de batalha galega. Muito

mais a sul surgiam notícias alarmantes. Os muçulmanos

investiam pelo território portucalense adentro e amea -

çavam já Leiria, castelo da maior importância estratégica

para a defesa do território e charneira para qualquer acção

de conquista futura. Apesar da excepcional defesa de Paio

Guterres, alcaide de Leiria, o castelo acabou por ser ocu-

pado, tendo o alcaide escapado por pouco, reu nindo-se ao

seu senhor portucalense. Afonso Henriques consegue

suster a ofensiva mourisca, mas depressa lhe chegam ao

conhecimento as consequências da sua expedição galega,

o reverso da medalha.

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CASTELO

DE LEIRIA.

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Após ter vencido o aliado navarro de Afonso Hen-

riques, D. Afonso VII toma conhecimento das pesadas der-

rotas que o infante portucalense havia infligido nos seus

territórios. Furioso, ruma à Galiza enquanto o jovem filho

de D. Teresa mede forças com os mouros. Em Tui, o monar-

ca castelhano força a reunião dos nobres com o objectivo

de invadir o Condado Portucalense e punir severamente a

traição. Uma vez mais Afonso Henriques encontra-se no

fio da navalha.

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O ÚLTIMO

COMBATE

DO LIDADOR,

por Roque

Gameiro.

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Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador

Este famoso barão português dos séculos XI e XII, era fi -

lho de um bastardo do rei Ramiro II de Leão. O seu cognome

deriva da fama que grangeou no combate denodado que, em

inúmeras lides de armas, desencadeou contra os Mouros.

Filho de D. Mem Gon çalves, terceiro chefe da casa dos Mai -

as, em Gonçalo Mendes da Maia se baseia uma narrativa do

Nobiliário do conde D. Pedro, que o imortaliza como a figura

principal de uma célebre acção guerreira perto de Beja, contra

o rei Almoliamar, quando o velho portucalense contava já 95

anos de idade.

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A velha escola diplomática dos seus ancestrais vai salvar D. Afon-

so Henriques da fúria do primo. Propõe-lhe um acordo de paz, no qual

faz importantes cedências. Jura-lhe amizade e respeito territorial, pro -

mete auxílio contra qualquer inimigo, obriga-se a subjugar nobres

rebeldes contra D. Afonso VII, propõe-se restituir terras.

A INDEPENDÊNCIA

DE PORTUGAL

Retábulo da capela do Salvador em Terroso, Póvoa de Varzim, representando D. AFONSO

HENRIQUES A AGRADECER A DEUS O «MILAGRE DE OURIQUE».

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Para selar este pacto de amizade, assinado em 1137,

são convocados os mais altos dignitários da igreja, com

destaque para o arcebispo de Braga, D. Paio.

Parecia que o destino do Condado Portucalense es-

tava encontrado. Permanecer em vassalagem na esfera do

reino de Leão. Mas isso era ignorar o carácter e a per-

sistência de D. Afonso Henriques. Apenas esperava, como

já anteriormente o fizera, a melhor oportunidade para de

novo quebrar os acordos celebrados com o seu primo. Afi-

nal, para ele, as terras que seu pai lhe legara, e pelas quais

lutara com a própria mãe, eram mais importantes que

quaisquer tratados, acordos ou vínculos que pudesse tac-

ticamente estabelecer.

Agora, era tempo para reorganizar os seus territórios,

equipar as tropas, fortalecer os ânimos. Novas ocasiões se

apresentariam. Disso estava Afonso Henriques certo. De

novo o tempo lhe veio a dar razão.

É evidente que D. Afonso Henriques foi obrigado a

remeter-se a uma atitude discreta durante algum tempo.

Afinal de contas fôra severamente pisado pela bota do seu

primo, comprometendo-se com cedências que só a custo,

mas com astúcia, se vira compelido a aceitar.

E, mais uma vez, com renovada energia, D. Afonso

Henriques se vira para as terras da Galiza. De novo toma

Tui, mas é travado pelos homens de Fernão Joane e ele

próprio sai ferido da contenda. Profundamente irritado

com mais esta aventura traiçoeira do primo, Afonso VII

reúne as suas tropas e invade o Condado Portucalense,

54

UM PACTO DE CONVENIÊNCIA

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dando caça ao jovem infante. Mas este resiste, infligindo

pesadas baixas à guarda avançada do monarca de Leão.

Estão, agora, reunidas as condições para o acon-

tecimento decisivo na instauração da soberania por-

tuguesa. Afonso Henriques conduz o seu exército para en-

frentar o corpo principal das tropas de Afonso VII, que se

aquartelara nas terras de Valdevez. Os exércitos estão, fi-

nalmente, à vista um do outro.

Seguindo a tradição

medieval, antes da bata lha,

travaram-se justas

que opu nham os

me lhores ca va lei -

ros de cada um

dos lados. A supe-

rioridade que os

leo neses sentiam

em breve se revela vã. Os ca va leiros portugueses vencem

os homens de Afonso VII, que ficam, de acordo com os cos-

tumes da época, prisioneiros da parte vencedora.

Ainda assim a superioridade do exército leonês é

evidente. Mas a perda dos seus principais chefes e a im-

pressão causada pela valentia dos portucalenses causa

profunda impressão aos homens de Afonso VII. Quando a

batalha de Valdevez finalmente se vai travar estão já fa-

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O RECONTRO DE VALDEVEZ

JUSTA.

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talmente desmoralizados. O monarca espanhol decide pru-

dentemente não perder as suas tropas, pedindo tréguas,

negociadas pelo arcebispo de Braga. As pazes são feitas.

Estamos em 1140 e Afonso Henriques acabara de obter

uma vitória muito importante. Mesmo a tempo.

Aproveitando-se do afastamento das tropas cristãs,

os mouros haviam desencadeado furiosa investida, toman-

do o importante castelo de Leiria, destruindo o castelo e

avançando para norte, chegam até Trancoso, que destroem.

De novo tem o jovem chefe dos portucalenses que

defender as suas terras. Cruza o Douro em Lamego e des-

barata as tropas dos «infiéis» em duas fulminantes sur-

tidas bélicas nas terras de Valdevez.

A partir do recontro de Valdevez, Afonso VII parece

desistir de colocar na ordem o primo. Preocupado com os

atribulados trabalhos de manter em ordem os reinos de

Castela e Leão, defrontando sistematicamente os mouros,

tendo a braços o conflito com Aragão e Navarra, é como

se desistisse de manter em vassalagem o insistente in-

fante do condado ocidental.

Não admira que D. Afonso Henriques se tenha

começado a intitular rei de Portugal após Valdevez. Talvez

mesmo antes se arrogasse já ao título, que nenhum valor

teria se não fosse aprovado pela única instância que es-

tava acima dos reis da cristandade: o próprio papa.

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AFONSO VII CONFORMA-SE

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Por enquanto, era tempo para Afonso, quase de fac-

to se lhe poderia agora chamar Afonso I, arrumar a casa.

Ou seja, levar o mais longe possível a consolidação do ter-

ritório a sul e, se possível, conquistar terras aos sarracenos.

Os alvos eram evidentes. Santarém, importante cidade

moura com uma excepcional situação geográfica para a

defesa, e Lisboa, a riquíssima urbe, considerada por todos

inexpugnável, graças às suas fortificações.

Afonso Henriques

sabe fazer alianças, apro -

veitar as oportunidades.

Sabendo da existência de

uma frota francesa fundea-

da ao largo de Gaia, a cami -

nho das cruzadas do Ori-

ente, alicia os estrangeiros

para invadirem Lisboa,

prelúdio da entrada, poste-

rior, em Santarém. A tenta-

tiva foi vã. Não tinham as

duas forças conjuntas, os

franceses por mar e os por-

tugueses por terra, meios

para tomarem tão difícil

objectivo. Os de França par -

tem, carregados dos despojos possíveis. Afonso de Portu-

gal retira, dedicando-se a tarefas menos belicosas, mas

igualmente imperativas. Vai proceder, nomeadamente, à

reconstrução do castelo de Leiria, de grande importância

estratégica.

CASTELO

DE SANTARÉM.

Restos da

muralha árabe

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O poder de D. Afonso Henriques estava, definitiva-

mente, consolidado. Então, como se se dissesse resignado,

D. Afonso VII convoca-o para um encontro em Zamora.

Corria o ano de 1143, e nesse local são estabelecidas pazes

duradouras, apagados todos os desagravos e, de facto, re-

conhece-se o Condado Portucalense como uma entidade

política autónoma de Leão. Nascia Portugal. Afonso Hen-

riques, o obstinado e conflituoso herdeiro de Henrique da

Borgonha e D. Teresa, tornava-se, na prática, o primeiro rei

de Portugal. Ainda que formalmente dependente de Afon-

so VII, na prática D. Afonso Henriques deixava de prestar

vassalagem ao primo.

Agora governava um território que, para todos os

efeitos, era independente. Apenas precisava da aprovação

papal para se considerar de direito um dos reinos ibéricos.

Era um pormenor. Mas um pormenor com imensa im-

portância.

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REINO E REI, FINALMENTE!

CARTA DE 1139

onde, pela

primeira vez,

Afonso

Henriques

se intitula rei

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Em primeiro lugar, havia que colocar o jovem Esta-

do sob a protecção da Igreja, jurando-lhe fidelidade e obe-

diência. É o que o jovem rei vai fazer, enviando a Inocên-

cio II, através do cardeal Guido de Vico, missiva ao papa

na qual lhe reconhecia a soberania sobre o novo reino, o

que, na prática, implicava que Roma o reconhecesse.

Como Inocêncio II tivesse morrido, o processo pas-

sa para as mãos do novo papa, Celestino II, que virá igual-

mente a morrer em pouco tempo. É então Lúcio II que se

encarregará do problema. Vai fazê-lo de modo dúctil, ou,

em linguagem corrente, dando «uma no cravo, outra na

ferradura».

Tratará Henrique como dux (chefe) em vez de rei,

designará o condado como «terras» em vez de reino. Se re-

conhecia a separação de Leão e Castela, não lhe outorga-

va a condição a que D. Afonso Henriques aspirava. Terão

de decorrer quase quarenta anos (1179), para que, final-

mente, o senhor da cátedra de Roma, Alexandre III, à cus-

ta de generosas ofertas pecuniárias, se dignasse a reco -

nhecer o estatuto real do novo Estado. Era nessa altura

Afonso Henriques já muito velho. Mas nem por isso deve

ter ficado menos feliz.

Na sequência da missiva dúbia de Lúcio II, o rei de

Leão e Castela ainda protestará quanto aos seus termos,

apesar de tudo favoráveis aos interesses de Afonso Hen-

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UMA RESPOSTA INSATISFATÓRIA

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Nascido por volta de 1100 na região de Coimbra, passou a

juventude em França, onde estudou. Regressado a Portugal cer-

ca de 1126, fundou (ou reorganizou) o mosteiro de S. Cristóvão

de Lafões. Em 1131 fundou o mosteiro de Santa Cruz de Coim-

bra. Em 1136 foi nomeado bispo do Porto e, dois anos depois,

transferido para Braga.

Pode dizer-se que foi, junto com D. Afonso Henriques, um

dos grandes artífices da independência de Portugal, trabalhando

incansavelmente pelo engrandecimento do estatuto de Braga

D. João Peculiar, arcebispo de Braga

riques. Mas Afonso VII, no seu íntimo, estava já resignado

à existência daquele pequeno reino resiliente, comanda-

do por um chefe persistente e tenaz que apenas via na

consolidação da independência a consumação dos

desígnios de seu pai, de sua mãe e da nobreza que desde

cedo acalentara nele as esperanças de uma liberdade ini -

maginável nos tempos medievais, apenas possível graças

a tremendas ousadias e incríveis feitos de armas.

Era, portanto, Afonso Henriques rei de facto.

O destino do Condado Portucalense, do agora reino

de Portugal, pertencia-lhe. O que fazer? Sempre e sempre

o mesmo: lutar. Pelejar contra os mouros, defender, ali -

cerçar e expandir os territórios do Sul. Afinal de contas,

esta era a guerra mais legítima que um rei cristão podia

travar.

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como arquidiocese, contrariando as pretensões hegemónicas de

Santiago de Compostela e de Toledo. Nesse contexto se insere

a integração das dioceses de Lamego, Viseu, Lisboa e Évora

como sufragâneas de Braga contra as pretensões das suas

concorrentes peninsulares.

Muito provavelmente deve também ter sido D. João a ins -

pirar a diligência diplomática de, em 1143, Afonso Henriques

co locar os seus territórios sob vassalagem directa à Santa Sé.

Foi ele, aliás, quem se deslocou a Roma para entregar ao papa

a carta Claves regni prestando vassalagem ao papa.

No recontro de Valdevez, foi D. João Peculiar o medianeiro

entre Afonso Henriques e o rei de Leão. E em 1147 esteve na

conquista de Lisboa, tendo sido ele a dirigir a alocução aos

cruzados convocando-os para o combate.

Morreu em Braga a 3 de Dezembro de 1175.

61

CARTA DE

COUTO AO

MOSTEIRO

DE TIBÃES.

O documento

mais antigo

em que Afonso

Henriques

é referido

como rei

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De novo se lhe afiguram como alvos os mais im-

portantes centros dos «infiéis». Lisboa e Santarém. As dis-

senções entre os Almorávidas e os Almóadas, partes rivais

no complexo mosaico dos muçulmanos peninsulares, vão

dar-lhe uma valente ajuda.

Mas são sobretudo a astúcia e o ardil, tão peculiares

em D. Afonso Henriques que se diria ter alma de caçador

furtivo, que vão contribuir sobremaneira para os seus feitos

de armas nos anos que se seguiriam. Seriam os anos das

grandes conquistas.

Santarém foi o primeiro objectivo. Mas era um os-

so duro de roer. A urbe árabe, situada num alto morro, era

rodeada de amplas e férteis planícies, fáceis de controlar.

Por isso era considerada impossível de tomar. Afonso I vai

recorrer à sua melhor arma: a manha. Envia um dos seus

homens de confiança, Mem Ramires, em missão secreta,

para analisar cuidadosamente a urbe, as suas fortificações,

arruamentos, acidentes geográficos.

Ramires cumpre a sua missão e, chegado à corte

que se reunia então em Coimbra, afirma com certeza que

a cidade era tomável e que ele próprio desejaria seguir à

frente da ofensiva. Mas como?

Um belo dia, Afonso Henriques dirige-se a Santarém

rodeado apenas de alguns cavaleiros, em vez de um exérci-

to poderoso. Qual seria o plano dos portugueses? Estava-

-se em Março de 1147, e na manhã do terceiro dia de cami -

nhada os homens pararam nas cercanias de Santarém.

Afonso Henriques manda então avançar dois dos seus ho -

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O DESEJO DE CONQUISTA

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mens para parlamentarem com o alcaide da cidade. Co-

municam-lhe aqueles a presença do rei português.

O local onde se terá travado esta importante batalha tem

sido longamente discutido pelos histo ria dores, que ora a si tuam

na região de Leiria ou no Riba tejo, ora no Alentejo. Não é aqui

o lugar para desenvolver este tópico, nem tomar partido por

uma das localizações indi-

cadas. A importância que

foi dada à batalha resulta,

mais do que das forças

muçulmanas em presen ça,

da vontade de atribuir-lhe

um significado mítico, co-

mo legitimadora da fun-

dação da nacionalidade.

Afonso Henriques teria aí

sido aclamado rei, sendo

erguido pelos seus guerrei -

ros sobre o pavês (escudo

cerimonial), à moda germâ -

nica. Assim se explicaria,

A batalha de Ourique

AFONSO HENRIQUES invoca Cristo

antes da batalha de Ourique.

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segundo José Mattoso, que o seu escudo viesse a ser guardado

quase como uma relíquia sobre o seu túmulo em Santa Cruz

de Coimbra.

Para reforçar este simbolismo, teria sido ainda invocada

uma intervenção divina a confirmar Afonso Henriques como

paladino da «verdadeira fé» no combate contra o Islão.

Simbolismos à parte, o certo é que a batalha de Ourique,

travada em 1139, constituiu a primeira grande vitória de Afon-

so Henriques contra forças numerosas dos mouros.

64

Evidentemente que o alcaide de Santarém reforça

as defesas durante o período definido pelos portugueses.

Mas este decorreu sem que nada de especial ocorresse. Ao

fim dos três dias, abranda a guarda. Excelente, pensou o lí -

der dos cristãos. Dirige-se para sul e levanta acampamen -

to em Pernes. Aí traça os seus planos. Divide os homens

em doze grupos de dez unidades, as quais, com escadas,

subi riam por um lado da fortificação que se encon tra va

desguarnecido. Mal aí chegassem, deveriam seguir lestos

ao longo da corredoura da muralha e abririam a porta que

permitiria a entrada das tropas situadas no exterior.

A manobra foi difícil. Apesar de facilitada pela es-

curidão nebulosa da noite, os homens, pesadamente car-

regados com as suas armaduras, vislumbram duas sen-

tinelas. Não eram elas, em si mesmas, o perigo, mas sim

SANTARÉM CONQUISTADA

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o alerta que poderiam lançar. Houve que esperar pacien-

temente que estes se deixassem dormir. Os cristãos subi-

ram então a encosta, com Mem Ramires à frente. Tentam

fixar as escadas e, em momento dramático, são des -

cobertos. Mas, com resolução, neutralizam as sentinelas.

Mais escadas se fixam, mais homens sobem abruptamente.

Correm aos gritos das tropas de Afonso Henriques: «São

Tiago!... São Tiago!...». Os cristãos que se encontram no in-

terior da fortaleza tentam, em vão, abrir a porta pelo lado

de dentro. Acaba por ser a golpes de marretada que as

tropas de Afonso Henriques, do lado de fora, abrirão a reni -

tente entrada.

O que se segue é indiscritível, mesmo para os

padrões do tempo. Todos os sitiados que se encontram são

BATALHA

DE OURIQUE.

Painel

de azulejos

do Pátio

dos Canhões,

Museu Militar,

Lisboa.

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passados pelo fio da espada, a cidade é submetida a ferro

e fogo, saqueada, pilhada, inteiramente vencida. Não havia

distinção entre populações civis e sitiados em armas. To-

dos os que foram apanhados conheceram a morte, uma

imagem de marca da actuação de conquista de D. Afonso

Henriques que viria a espalhar-se como fogo em palha se-

ca nas populações muçulmanas do Sul de Portugal, e que

muito contribuiria para a fama do rei cristão, cruel e

impiedoso, furioso e implacável.

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D. Mafalda, ou Mahaut. Também conhecida como D. Matilde.

Primeira rainha de Portugal, mulher de D. Afonso Henriques,

D. Mafalda, primeira rainha de Portugal

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com quem casou em 1146. Era filha de Amadeu II, conde de

Sabóia e Piemonte, vassalo do imperador romano-germânico e

da condessa Mafalda de Albon.

O casamento de D. Afonso Henriques correspondeu a um

desejo de estabelecer relações fora da órbita de Leão e Castela,

nomeadamente com os condados da Sabóia e da Borgonha, num

esforço de afirmação de independência política.

Teve sete filhos : Henrique, Mafalda, João, Sancha, D. San-

cho I, Urraca e Matilde.

67

ILUMINURA

de Simon

de Beninc

(século

XVI).

Museu

Britânico.

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Santarém, a porta do Tejo, a inexpugnável fortaleza que dava

acesso a Lisboa, estava tomada. Não pela guerra frontal de dois exérci-

tos, a prática convencional e com a qual Afonso Henriques nunca teria

muita sorte. Mas pelo ardil de um homem que tinha alma de salteador

astuto, de ardiloso congeminador de planos capazes de derrotar as praças

mais importantes das províncias do Sul. Em Santarém demonstrou-se,

como em nenhuma outra conquista, o génio e o estilo peculiar do filho de

Henrique da Borgonha.

A CONQUISTA

DE LISBOA

TOMADA DE LISBOA AOS MOUROS, pintura a óleo de autor desconhecido.

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O destino era agora evidente: Lisboa. E mais uma

vez as circunstâncias do acaso vão ajudar o nóvel rei

cristão. Em Junho de 1147 cinco embarcações fundeiam

na foz do Douro, fugidas de uma terrível tormenta no mar.

Faziam parte de uma gigantesca frota que, vinda das ter-

ras do Norte da Europa, seguia para as cruzadas e se dis-

persara no mar. A frota tinha o Porto como ponto de en-

contro e, em breve, aí se encontram 190 navios das mais

diversas procedências, com quase 15 000 homens a bor-

do. Alemães e flamengos, bretões e britânicos, norman-

dos, lorenos e aquitanos. Uns tinham-se entregue à cruza-

da por verdadeiro espírito cristão. Outros, como os bretões,

eram piratas profissionais, que da expedição apenas as-

piravam ao saque.

O objectivo de tão vasta expedição era a Palestina,

a defesa do Santo Sepulcro e das ordens Templária e Hos-

pitalária, que dele haviam tomado cuidado. Por terra

seguiam já o imperador da Alemanha e o rei de França

com os seus exércitos.

Afonso Henriques, mal sabe desta notícia, encon-

trando-se ainda em Santarém, envia imediatamente uma

missiva ao bispo do Porto, D. Pedro, de modo a que este

convencesse tamanha força expedicionária a uma nova

tentativa de tomada de Lisboa. Para os homens embarca-

dos a perspectiva parecia tentadora. Por um lado, teriam

de fundear nas proximidades de Lisboa; por outro, a fama

das riquezas da opulenta cidade da foz do Tejo fez aguçar

a cobiça de saque daquelas tropas, muitas delas consti-

70

OBJECTIVO: LISBOA

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FORAL DO PORTO.

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tuídas por homens das mais baixas condições sociais das

suas próprias nações.

O bispo do Porto vai reunir os chefes da missão num

cemitério da cidade. Podemos imaginar a cena. Centenas

de homens, falando as mais diversas línguas, de carac-

teres e disposições diferentes, ouvindo a inusitada pro-

posta de invadir uma cidade que nem lhes tinha sequer

passado pelos planos. D. Pedro pronuncia-se em latim. A

confusão deve ter sido grande. Mas, graças ao esforço dos

que sabiam traduzir, acabam por se entender.

Por um lado, D. Pedro acena com o apelo da cruz,

fazendo ver a grandeza de recuperar tão importante cidade

aos «infiéis», que nela se encontravam há já quatro sécu-

los; por outro lado, alicia com o vil metal, descrevendo as

enormes riquezas de Lisboa e o valor do saque que a sua

conquista proporcionaria. Por fim, os chefes expedicionários

das diversas nacionalidades concordam na aventura béli-

ca. Os dados estão lançados e todos se dirigem à Lisbunah

dos mouros.

Era um desígnio tremendo. Pela sua importância es-

tratégica, em primeiro lugar. Uma vez tomada, Lisboa abria

as portas para a conquista de todo o Sul; mas, funda-

mentalmente, pela extraordinária qualidade das fortifi-

cações lisboetas erguidas pelos árabes. Uma sólida e com-

pacta muralha, dentro da qual se edificara a cidade, colo-

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ALIADOS PROBLEMÁTICOS

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cada numa colina de muito difícil acesso. E, sobretudo,

uma guarnição de 15 000 homens bem armados e prepara-

dos, em princípio capazes de resistir a qualquer tentativa

de invasão, por muito forte que fosse.

A armada larga do Porto a 26 de Junho, trazendo

consigo o bispo do Porto e o arcebispo de Braga, D. João

Peculiar, que sempre haveria de ser um dos mais fiéis

apoiantes de Afonso Henriques. Dois dias depois chegam

à foz do Tejo. Alguns dos homens desembarcam imedi-

atamente, envolvendo-se em recontros esporádicos que

apenas tive ram o condão de alertar os sitiados, que recol-

heram às bem fortificadas muralhas do castelo.

No dia seguinte, Afonso Henriques chega a Lisboa,

acompanhado por vastas e bem treinadas tropas. Desde

logo se reúnem as duas forças atacantes. Para planear o

ataque? Não! Para discutir a distribuição dos lucros que a

tomada da urbe proporcionaria. São longas as discussões.

Afonso Henriques alega que o seu reino é pobre, mas que

a cidade é rica e recompensará devidamente todos. Os

chefes normandos, essencialmente piratas, duvidam das

intenções do rei. Afinal, ainda estavam recordados do an-

terior assalto a Lisboa, e bradavam que, dessa vez, Afon-

so não cumprira o prometido.

Porém foi possível estabelecer um acordo. Os ter-

mos do mesmo eram mais que generosos para os es-

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EM MARCHA

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trangeiros. Os bens móveis capturados seriam distribuí-

dos exclusivamente pelos forasteiros, tal como os resgates.

Todos os cruzados que se quisessem fixar em Portugal ob-

teriam casa e terra, sem necessidade de pagamento de de-

terminados impostos. E D. Afonso Henriques foi obrigado

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a jurar que não abandonaria a luta a não ser em caso de

perigo mortal. O pacto estava traçado. O assalto ia começar.

A primeira preocupação do rei cristão foi propor a

rendição pacífica ao alcaide árabe. Manobra mais diplo -

mática que outra coisa. Bem sabiam os mouros o que os

esperaria caso se rendessem. Isto apesar de o arcebispo

de Braga, o emissário enviado a parlamentar, ter prometi-

do a integridade de pessoas e bens em caso de rendição.

Nisso se não fiaram os sitiados, e com razão. Ninguém

poderia evitar que, em caso de pacífica entrega do caste-

lo, as hordas de soldados estrangeiros pilhassem e saque-

assem a seu bel-prazer.

O alcaide terá, em consequência, negado a rendição

e respondido: «Fazei o que couber em vossas forças, nós

faremos o que for da divina graça.»

As forças dispuseram-se estrategicamente. Afonso

Henriques ocupou a actual colina da Graça, sitiando o

castelo pelo norte. Flamengos e alemães ocuparam a parte

oriental pelo rio, e grande influência viriam a ter no decor-

rer dos acontecimentos, pela sua disciplina e sentido tác-

tico. No lado poente postaram-se os ingleses e os nor-

mandos.

Foi combinado atacar no dia seguinte, mas estes

abriram imediatamente hostilidades na zona ocidental,

na zona da actual baixa pombalina, tal era o desejo de

75

PLANOS GORADOS

CERCO

DE LISBOA.

Em cima, forças

de Afonso

Henriques;

à esquerda,

ingleses,

aquitanos

e bretões;

à direita,

flamengos

e alemães.

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acção que os movia. Apesar de se defenderem bem, lançan-

do enormes quantidades de flechas e de pedras, os mouros

cederam terreno, deixando nas mãos dos atacantes parte

do casario fora das muralhas. À medida que a noite caiu,

o terreno torna-se uma traiçoeira contrariedade, esprei-

tando perigo em cada rua, em cada esquina.

Percebendo que não podem recuar, os chefes ingle-

ses decidem investir até chegarem a um cemitério onde

reuniram forças e repeliram os inimigos para dentro das

muralhas. Na escuridão da noite, o casario da parte oci-

TOMADA

DE LISBOA

AOS MOUROS,

pormenor

de têmpora

de Almada

Negreiros.

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dental ardia. Na manhã seguinte chegam reforços. Mas os

homens que tanto queriam conquistar aquela praça de-

pressa se aperceberam de que a empresa não seria fácil.

O avanço dos ingleses e dos normandos teve uma

consequência inesperada, de que nem mesmo eles ini-

cialmente se aperceberam, mas que se viria a revelar de-

cisiva para o desfecho da contenda. Nos terrenos con-

quistados encontrava-se, em amplos armazéns subterrâ-

neos, a reserva de alimentos da cidade. Todos os cereais e

vegetais, em enormes quantidades, deixavam agora de

poder servir de alimento aos sitiados. Nos longos meses

de cerco que se seguiriam, a fome, mais do que qualquer

acção militar, ditaria a lenta agonia dos sitiados, que se

aguentaram admiravelmente com tão rigorosa privação.

Também os flamengos e os normandos não con-

seguiram esperar pelo dia seguinte. Entraram pelas estrei -

tas ruas do lado oriental com rapidez e grande violência,

acabando por se envolver em lutas corpo-a-corpo, e con-

quistaram sólidas posições.

Agora, as forças árabes haviam recuado para den-

tro das primeiras muralhas, pelo que tudo o que as rodea-

va estava em mãos cristãs. Significava isto que o cami -

nho da vitória seria mais fácil? Puro engano. Ao longo dos

dias que se seguiram tentaram os cristãos toda a espécie

de ataques, rápidos e vigorosos, numa tentativa de des-

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IMPASSE

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gastar os sitiados. Estes, igualmente, faziam surtidas com

a velocidade de um relâmpago, atacando fulminantemente

e refugiando-se tão depressa quanto tinham investido. Se

eram perseguidos pelas tropas aliadas, imediatamente

uma chuva de flechas, pedras e todos os objectos capazes

de agredirem caíam das muralhas sobre os perseguidores

que subiam a encosta.

Estes logravam, por vezes, chegar às muralhas com

escadas, a fim de tentarem uma entrada na inexpugná vel

defesa mourisca. Mas os defensores acabavam sempre por

incendiar as escadas, ou então lançar pez a ferver sobre

os poucos temerários que se atreviam a subi-las.

A demora começa a enervar profundamente os nor-

mandos, que começam a avaliar se não valeria muito mais

a pena estarem nesse momento a saquear tranquilamente

navios árabes nas águas do Mediterrâneo. Na verdade, to-

dos concordavam que, atacando como estavam a atacar,

jamais conseguiriam tomar o castelo.

Tudo vai ser tentado. Constroem-se catapultas, na

tentativa de bombardear as muralhas e assim abrir bre-

chas. Chega a erguer-se uma torre com cerca de vinte me -

tros de altura, puxada por bois, na tentativa de anular a

desvantagem que a altura proporcionava aos defensores.

O enorme trabalho que deu construir estes engenhos foi

destruído num ápice, quando os árabes os queimaram com

um cerrado ataque de flechas incendiárias.

Este facto desesperou ainda mais os sitiantes. E tão

impotentes se sentiam, que chegaram mesmo a congemi -

nar o plano de cavar um túnel que pudesse fazer entrar

os homens no reduto dos muçulmanos. De novo a empresa

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se revela vã. Os homens que tentavam escavar o túnel

eram imediatamente mortos pelos defensores, pelo que

depressa se desistiu de tal ideia.

A exasperação grassava nas hostes cristãs. Os dias

passavam e não havia maneira de tomar Lisboa. Para se

entreterem, dando vazão à sua frustração, as forças es-

trangeiras dedicaram-se à pilhagem, um pouco por todo

o lado. Arrasaram os campos de Sintra, então ainda em

mãos dos mouros. Atacaram perto de Almada, regressan-

do a Lisboa com oitenta cabeças de inimigos espetadas em

varas, que mostraram aos sitiados, os quais suplicaram a

graça de os sepultar, o que lhes foi concedido.

Do lado dos mouros talvez a esperança ainda re-

sidisse no auxílio dos seus irmãos de Palmela, Alcácer ou

Évora. Mas tal socorro nunca veio e a fome começava a

fazer muitas vítimas no interior do castelo. Quase duas

centenas de milhar de pessoas, refugiadas muralhas den-

tro, definhavam a pouco e pouco. Para eles, a situação era

desesperada, ainda que houvesse água em abundância.

O desfecho da contenda acabaria, contudo, por acon-

tecer. A oriente das muralhas, os alemães e os flamengos,

os mais organizados sitiantes, começaram a escavar um

grande buraco, um túnel, aproveitando a topografia do lo-

cal, que os defendia dos projécteis inimigos. Conseguiram

escavar até debaixo da muralha da alcáçova. Mas o ob-

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UM NOVO CURSO PARA A CONQUISTA

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jectivo não era penetrarem na fortificação. Em vez disso,

encheram o túnel de madeira, à qual lançaram fogo. O

calor produzido pelo incêndio do material combustível foi

de tal ordem que parte da muralha ruiu. Estava finalmente

aberta uma passagem que só à força de homens podia ser

defendida.

Este feito, realizado a 16 de Outubro, mudou radi-

calmente o curso dos acontecimentos. Inicialmente os

mouros defendem-se com excepcional valentia, batendo-

-se durante horas e repelindo os flamengos e os alemães.

Também os portugueses e os ingleses tinham re-

tomado a iniciativa, construindo nova torre, mais alta que

a primeira e defendida do fogo por um revestimento de

couro cru e por um sistema de molha com água. A 21 de

Outubro conseguem, finalmente, entrar dentro da alme-

dina, abrindo as portas que deixaram entrar os primeiros

cristãos. É neste transe que nasce a conhecida história de

Martim Moniz, talvez de fundo lendário, na qual o fidal-

go, atravessando-se entre uma das portas e a umbreira,

não permitiu aos mouros que a fechassem, apesar de lhe

ter sido cortada a cabeça. A posição dos sitiados estava

perdida.

Estala, entretanto, a discórdia entre os aliados. Os

mouros haviam pedido tréguas, e como penhor das suas

intensões, entregam alguns reféns a D. Afonso Henriques.

CERCO

DE LISBOA,

por Roque

Gameiro.

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VALENTIA SEM LIMITES

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Logo parte dos estrangeiros, sobretudo os normandos, se

subleva, alegando que o combinado com o rei lhes dava a

eles a guarda de reféns e respectivo resgate. Parece que

D. Afonso Henriques teve uma das manifestações de cólera

que caracterizavam o seu temperamento. Reúne os chefes

estrangeiros e diz-se pronto a enfrentar pelas armas os

amotinados. Só a prudência e a diplomacia dos chefes es-

trangeiros conseguiu evitar o pior, submetendo, com difi-

culdade, os seus encarniçados seguidores.

Ao longo da sua presença no cerco de Lisboa, um cruzado

inglês vai escrever a Osberto de Bawdsley um extraordinário

relato dos acontecimentos, que permanece, pela sua rigorosa

descrição, como um dos documentos fundamentais para a com-

preensão global da conquista de Lisboa. (Em rigor, não se sabe

se a carta-relatório foi escrita a Osberto ou se foi escrita por

ele mesmo: inicia-se por «Os'b. de baldr. R. salutem», o que não

permite determinar quem foi o seu autor.) Aqui se transcrevem

alguns excertos, vivos e de grande pitoresco, que nos dão bem

conta da visão e da mentalidade medievais perante um acon-

tecimento de tão grande transcendência.

[...]

Expedição a Almada. Represálias

Sucedeu ... que certo dia alguns dos nossos passaram o Tejo

A carta a (de?) Osberto de Bawdsley

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para irem pescar do lado de Almada. Efectivamente, o areal

daquela praia era mais favorável para os pescadores. Caíram

sobre eles os mouros daquela zona, mataram bastantes e

levaram com eles alguns cativos, cinco dos quais eram bretões.

Os nossos ficaram indignados com isso e, discutido o assunto

entre todos, foi decidido que duzentos cavaleiros com qui -

nhentos peões seriam enviados a Almada para a saquearem.

À hora de fazerem a travessia, os colonienses e os flamengos,

por má vontade ou por receio, ou por outro motivo que não co -

nheço, retiraram os seus do nosso grupo para não atravessa -

rem. Por essa razão, os normandos, os ingleses e os que se

mantinham connosco e estavam do nosso lado, malogrados na

constituição de grupo que abrangesse a todos, entregaram a

expedição prevista a Saério de Archelle com uns trinta cava -

lei ros e uma centena de peões, para mais. Depois de terem mata-

do em combate mais de quinhentos mouros, trazendo cerca de

duzentos cativos e mais de oitenta cabeças, o que não deixou

de ser motivo de grande alegria para os nossos e de grande aba-

timento dos inimigos, regressaram eles vitoriosos no mesmo

dia, tendo perdido um apenas dos nossos.

(...)

Inicia-se a construção de uma torre móvel e a escavação de

uma mina (16 de Outubro)

É então que, por sua vez, os nossos se empenham mais no

trabalho e se lançam a escavar um fosso subterrâneo entre a

Torre e a Porta de Ferro, com o fim de deitarem abaixo a mu-

ralha. Porque estava demasiado acessível aos inimigos, ao ser

descoberta depois de iniciado o cerco à cidade, foi extremamente

danosa para os nossos, tendo-se gasto muitos dias a defendê-

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-la sem êxito. Além disso, são levantadas pelos nossos duas

balistas: uma, colocada junto à margem do rio era accionada

pelos marinheiros, outra situada frente à Porta de Ferro esta-

va às ordens dos cavaleiros e dos seus acompanhantes. Es-

tavam todos eles organizados em grupos de cem e, mal se ou-

via o sinal para saírem os primeiros cem, outros cem entravam;

de forma que no espaço de dez horas tinham sido disparadas

cinco mil pedras. Acção desta natureza extenuava extrema-

mente os inimigos. É então a vez de os normandos, os ingleses

e os que com eles se encontravam começarem a fazer uma torre

móvel de 83 pés de altura. Os colonienses e os flamengos re-

Traçado

da muralha

ou CERCA

MOURA

(repare-se

no antigo

braço

do Tejo que

subia da

Baixa até

ao Palácio

da Indepen -

dência).

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começam a escavar novo fosso subterrâneo frente à muralha

da parte mais alta do castelo a fim de a deitarem abaixo; era

uma construção de merecer elogios, com cinco entradas, com

um pouco menos de 40 côvados de largura na frente, e con-

cluíram-na em menos de um mês.

(...)

Desmoronamento dum lanço da muralha; avança a torre

móvel.

Minada, pois, a muralha e atafulhada com lenha para arder,

nessa mesma noite, ao cantar do galo, um pano das muralhas

de cerca de trinta côvados ruiu por completo.

No entanto, já antes se tinham ouvido os mouros que es-

tavam de vigia às muralhas gritarem angustiados que, para

porem fim de imediato a um trabalho ininterrupto, estavam

dispostos a partilhar o dia supremo com a morte e que não ti -

nham medo de a enfrentar, mas seria para eles satisfação má -

xima se eles se trocassem a si mesmos pelos nossos. Na reali-

dade, era fatal ir até um ponto de onde era inevitável não voltar;

em boa verdade, se em qualquer parte a vida acabasse bem,

não se diria que ela era breve; de facto, duraria quanto devia,

não quanto podia e não seria contada por quanto tempo tinha

durado, mas pelo modo como tinha corrido bem, e impor-lhe-

-iam apenas uma cláusula boa.

Os mouros, pois, acorrem todos, cada de sua parte, a de-

fender a brecha da muralha, tapando-a com uma barreira de

cancelas. Foram então os colonienses e os flamengos e tentaram

entrar, mas foram rechaçados. Efectivamente, embora a mu-

ralha tivesse ruído, a configuração do terreno impedia-lhes a

entrada pelo simples aterro existente. No entanto, como não

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podiam atacá-los de perto, atormentavam-nos com o arremes-

so de setas incessantes e violentas, de tal forma que eles, para

se defenderem e como que evitando não ficar feridos, ao man-

terem-se imobilizados, pareciam ouriços de espinhos.

Assim se defenderam dos atacantes até à hora prima do

dia, altura em que se retiraram para os seus acampamentos.

Por sua vez, os normandos e os ingleses, que vêm armados

para renderem os seus companheiros, aprestam-se para

tomarem em primeira-mão a entrada aos inimigos que já hou-

vessem sido feridos e estivessem esgotados. No entanto, ainda

que impressionados com a vozearia, foram impedidos de o faze -

rem pelos comandantes dos flamengos e dos colonienses, os

quais instavam connosco para que intentássemos a entrada,

com as nossas máquinas, por onde quer que fosse possível, pois

diziam que aquela abertura fora conseguida por eles e não por

nós. Desta forma, porém, são rechaçados da entrada por todos

os modos durante alguns dias.

Finalmente foi levada a bom termo a nossa máquina de

guerra, envolvida a toda a volta por vimes e couro de boi para

evitar que fosse atingida pelo fogo ou pela violência das pe-

dras. Foi além disso intimado a todos os dos navios que fizessem

mantas de guerra e abrigos entrançados com varas.

(...)

O combate final

Afugentados os inimigos da torre e da muralha, vizinha da

nossa máquina, com a chegada da noite descansámos um pouco,

tendo todos regressado ao acampamento, mas deixando de

guarda cem cavaleiros dos nossos e cem dos franceses, com

frecheiros e besteiros e alguns jovens ligeiramente armados.

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TOMADA

DE LISBOA

AOS

MOUROS,

têmpora

de Almada

Negreiros,

1947.

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Ora, na primeira vigília da noite, a maré-cheia envolveu a

máquina e impedia que os nossos tivessem caminho para sair

ou para entrar. Tendo os mouros descoberto que a maré nos

isolava, a pé, atacaram a máquina com duas companhias de

homens através da dita porta, enquanto outros, em multidão

inacreditável, por cima das muralhas, tendo acarretado mate-

riais de lenha com pez, estopa e azeite com substâncias in-

cendiárias de toda a espécie, começam a atirá-los à nossa

máquina. Outros ainda lançavam sobre nós uma chuva insu-

portável de pedras.

Havia, porém, debaixo das asas da máquina, entre ela e a

muralha, um abrigo de vimes que em língua vulgar toma o

nome de gato valisco, em que se mantinham sete mancebos da

província de Ipswich que tinham trazido sempre esse abrigo

atrás da máquina. Ali debaixo, juntamente com os que se en-

contravam em andares inferiores, alguns dos nossos procu-

ravam, tanto quanto lhes era possível desfazer os materiais in-

flamáveis, mas em vão. Outros, por seu lado, tendo aberto co-

vas debaixo da máquina e aí permanecendo, dispersavam as

bolas de fogo. Uns, nos andares cimeiros, através de postigos

regavam de cima os couros que se retesavam; aí havia uns ren-

ques de vassouras de cauda, pendentes da parte de fora, que

molhavam toda a máquina. Os restantes, porém, dispostos em

linha de batalha, resistiam com ardor aos que tinham avança-

do desde a porta.

Foi assim a máquina defendida nessa noite em esforço di -

gno de admiração, por um punhado dos nossos, sob a ajuda de

Deus, sem grandes feridas, enquanto a maior parte dos mouros,

pelo contrário, mais perto ou mais longe, tinham caído mortos.

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(...)

A Lisboa mourisca rende-se aos cristãos. (21 de Outubro,

terça-feira)

Cerca, porém, hora décima, na baixa-mar, os nossos jun-

tam-se na praia para aproximarem a máquina até quatro pés

das muralhas e assim lançarem uma ponte com maior facili-

dade. A defender esta parte da muralha chegam os mouros vin-

dos de toda a parte. Ao verem, porém, a ponte já içada uns dois

côvados e nós já prestes a entrar, como se nem a vida viesse a

ser deixada aos vencidos, gritam em grandes brados e, à nos-

sa vista, depõem as armas, baixam os braços e suplicam

tréguas, ao menos até ao dia seguinte.

Intervindo Fernão Cativo, por parte do rei, e Hervey de

Glanville, pela nossa, foram concedidas tréguas e recebidos lo-

go de seguida cinco reféns, tendo sido acordado em como du-

rante a noite não atacariam as nossas máquinas ou como eles,

entretanto, não procederiam a qualquer reparação que revertesse

em nosso prejuízo; além disso, durante a noite, deviam deli -

berar como é que nos entregariam a cidade no dia seguinte; se

é que era assim que queriam decidir entre eles, pois, caso con-

trário, o resto ficaria sujeito à sorte das armas.

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ALCÁÇOVA

CASTELO

DE S. JORGE.

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Afonso conseguiu, impondo a sua força e o poder real, meter na

ordem todas as tropas aliadas. A 23 de Outubro de 1147 reúnem-se os

chefes de todas as facções e juram fidelidade ao rei ao longo do tempo em

que se encontrassem em território português.

ALARGAMENTO

PARA SUL

Iluminura de Simon de Beninc para a ÁRVORE GENEALÓGICA DA CASA REAL DE PORTUGAL,

século XVI, onde pode ver-se uma panorâmica de Lisboa.

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É então estabelecida a ordem pela qual as tropas

entrariam na cidade: à frente os ingleses e normandos,

seguidos dos flamengos e alemães. A eles entregariam os

mouros todo o ouro e bens de valor que possuíam. As casas

seriam revistadas e, caso algo de valor fosse encontrado

que não tivesse sido entregue, seria o proprietário punido

com a morte.

Os acontecimentos não decorreram exactamente

como o previsto. Os flamengos e os alemães entraram

primeiro, levando consigo, ainda por cima, mais que os 260

homens estipulados, aproveitando-se da brecha que ha -

viam aberto na muralha; os normandos e os ingleses tive -

ram que se resignar com a segunda plateia deste depri-

mente espectáculo, onde os esquálidos e humilhados

muçulmanos vinham entregar as riquezas que a sua co-

munidade acumulara ao longo de quatro séculos de

domínio da cidade da foz do Tejo. Por fim, entraram os por-

tugueses, com o arcebispo de Braga à frente, elevando nas

mãos uma grande cruz. Por fim, entraram D. Afonso Hen-

riques e os chefes estrangeiros.

Mal findou a triste cerimónia de rendição e entre-

ga do espólio, deu D. Afonso Henriques a tão aguardada

liberdade de saque. Como loucos, os mercenários correram

pelas vielas, matando, roubando o que ainda havia para

roubar, violando as mulheres, entregues que estavam à

demência de uma violência sem peias.

A 25 de Outubro abrem-se as portas da cidade para,

uma vez terminado o saque, deixar sair a pobre população

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A RENDIÇÃO DE LISBOA

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que sobrevivera. Eram ainda milhares e milhares de al-

mas, exaustas pela fome, abatidas pela desgraça e pela

humilhação. Foram quatro dias de uma imensa procissão

de pessoas que se diriam mortas-vivas, dirigindo-se, cam-

pos fora, para terras de mouros, onde se pudessem sentir

seguros. A 29 de Outubro de 1147, exactamente quatro

AS PRIMEIRAS IGREJAS EM LISBOA: à esquerda, Capela de Santa Maria dos Mártires;

dentro das muralhas, a Sé Patriarcal; à direita o convento de São Vicente de Fora

SÉ PATRIARCAL E O CONVENTO DE SÃO VICENTE DE FORA em representações do século XVI

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meses após o início das hostilidades, tudo estava con-

sumado. A conquista de Lisboa era o maior feito bélico de

D. Afonso I, e tinha uma importância estratégica enorme.

Não apenas defendia todos os territórios a norte, como era

a base de futuros ataques para o tão desejado Sul, de ri -

cas praças e ainda mais ricos campos de cultivo. Lisboa

era a chave para a consolidação de Portugal como nação.

Afonso Henriques toma imediatamente disposições

administrativas e religiosas. Transforma a mesquita em

igreja cristã, a actual Sé Patriarcal de Lisboa, designando

o padre inglês Gilberto como o primeiro bispo da cidade,

sob o domínio da igreja de Braga, doando-lhe a capela de

Santa Maria dos Mártires, que os cristãos haviam começa-

do a construir durante o cerco. Para si mesmo, como

residência, Afonso I guardou o mosteiro de São Vicente de

Fora, que igualmente se havia começado a construir.

A seguir à conquista de Lisboa, todo o mundo

muçulmano do Sul treme. A tomada da cidade e, sobre-

tudo, a violência de que se revestira é rapidamente espa -

lhada pelos fugitivos que se acolhem nas praças mouras

mais próximas. A palavra tem o efeito da espada. Em Sin-

tra, os habitantes e a guarnição, tomados pelo pavor do

que lhes poderia acontecer, abandonam o castelo, que se-

ria de muito difícil conquista. Aos cristãos bastou-lhes en-

trar por ali adentro. Com a tomada de Sintra, as posições

94

APÓS A CALMA, NOVOS OBJECTIVOS

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cristã e moura ficaram delimitadas com clareza pela fron-

teira geográfica do Tejo. Palmela e Almada cairão por sua

vez do mesmo modo, ultrapassando o jovem reino os limi -

tes transtaganos. Nas terras de Sintra, de Lisboa, de San-

tarém, a pouca população muçulmana que restou vai ficar

confinada à servidão, trabalhando nos campos.

Entretanto, D. Afonso Henriques interrompe o seu

ciclo de conquistas. Dedica-se à administração do reino.

Mas o seu temperamento, duramente forjado nos campos

95

FORAL DADO

A LISBOA,

em 1179,

por D. Afonso

Henriques.

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PORTUGAL

EM MEADOS

DO SÉCULO XII,

após a

conquista

de Lisboa.

96

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de bata lha, deve ansiar por novas conquistas, novas aven-

turas nas terras férteis que se avistam da torre do caste-

lo de Palmela. O próximo objectivo tem um nome bem

definido: Alcácer do Sal.

Corria o ano de 1153. À época, Alcácer, nas margens

do Sado, era uma das mais importantes praças mouras do

Sul da Península, sendo um importante entreposto co -

mercial de diversas mercadorias, entre as quais o sal, que

lhe viria a definir o nome. Ora o castelo de Alcácer era

considerado dificilmente possível de tomar pela força

das armas. Mas, sabemos já, a obstinação era um dos traços

de carácter do rei português, agora na casa dos quarenta

anos.

A obstinação e o ardil. Em vez de se rodear de

poderoso exército, faz-se acompanhar de apenas sessen-

ta homens. Deveriam tentar alguma manobra de surpre-

sa, como em Santarém. Contudo, são emboscados e só com

grande valentia escapam de uma luta desigual, obrigan-

do os mouros a recuarem até ao castelo, que uma força

tão reduzida não podia atacar, agora que o elemento de

surpresa desaparecera. Ainda por cima, Afonso Henriques

ficara ferido na peleja.

Recua o rei, tratando das feridas do corpo e da al-

ma. Iria ele desistir daquela cobiçada praça? Era não co -

nhecer o seu carácter. Socorre-se de velhos métodos, já

ALCÁCER

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experimentados. Envia o inglês Gilberto, bispo de Lisboa,

à sua pátria de modo a arregimentar mercenários para a

tomada de Alcácer. Mal chegaram os ingleses, Afonso Hen-

riques juntou-os às suas tropas e correu a cercar Alcácer.

Em vão. A defesa foi pertinaz e os ingleses, mais interes-

sados nos proveitos de mercenários que no espírito de

cruzada, em breve se desinteressam.

Desistiria Afonso Henriques? Nem pensar! Aprovei-

tando a presença de nova armada de cruzados em águas

de Lisboa, no ano de 1157, o monarca faz uma proposta

ao seu comandante, Thierry de Flandres. Essa proposta de-

veria, tal como na conquista de Lisboa, envolver bens ma-

teriais avultados e o direito de saque. Novo exército se

reúne. E uma terceira investida organiza-se. E de novo a

resistência é tão pertinaz que os homens desmoralizam,

sobretudo os estrangeiros, que sonham com as riquezas

do Oriente.

Restos

da ANTIGA

MURALHA

DE ALCÁCER.

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Tanto pior, terá pensado Afonso Henriques. Orga-

niza uma quarta tentativa de conquista de Alcácer, num

cerco convencional apenas com as suas tropas. Mas é de

tal modo cerrado o cerco, que nada entra ou sai das mu-

ralhas de Alcácer. Condenados à fome, os muçulmanos

são, finalmente, derrotados, a 24 de Junho de 1158, no fi-

nal de dois meses de duros recontros.

A vingança de Afonso I é terrível. Furioso com tão

denodada resistência, ele e as suas tropas matam todos

os homens de armas que encontram e sujeitam o povo

que vivia dentro das muralhas às piores atrocidades.

A resposta do mundo islâmico não podia tardar.

Havia que pôr travão naquele ousado rei cristão, Ibn Her-

rik, como lhe chamavam. Abd-el-Mumem, emir de Marro -

cos, prepara uma poderosa força militar com quase 20 000

homens. Entram na Península, preparam-se em Granada

e depois avançam contra os portugueses, comandados por

Abu-Mohamed-Ibn-Hafss. Afonso Henriques trava a bata -

lha em campo aberto. Enfrentando o temível exército

mouro, os cristãos são clamorosamente derrotados, per-

dendo mais de 6000 vidas e deixando enorme número de

prisioneiros para trás. Só muito a custo Afonso Henriques

e alguns dos seus homens mais fiéis conseguem escapar.

Satisfeito, o emir de Marrocos pensou ter infligido

definitiva lição ao impertinente monarca português, pelo

99

UMA PESADA DERROTA

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que retirou as suas forças de volta ao Norte de África. Era

não conhecer Afonso Henriques. Subestimá-lo foi sempre

a pior decisão dos seus adversários, como sabemos desde

Afonso VII.

Logo em 1162 consegue conquistar-se Beja para o

lado português, seguindo a mesma táctica que tão bons

resultados dera em Santarém. Tomada de surpresa, Beja

caiu sem resistência. Nada parecia detê-lo no afã de con-

quistar novas terras para o seu reino. O objectivo seguinte

CAVALARIA

MUÇULMANA.

100

RUMO AO SUL

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era tão grande e tão importante como o fora Santarém, ou

até talvez Lisboa. Évora, a rica cidade muralhada, na vas -

tidão da planície, era agora motivo de cobiça. Mas como

se haveria de conquistá-la?

Neste ponto da história afonsina, os acontecimen-

tos adquirem contornos de lenda. Na verdade a conquista

de Évora não se deve directamente a Afonso Henriques,

mas a um homem que fora de sua confiança e que Hen-

riques tornara proscrito. Geraldo Geraldes, conhecido pela

alcunha de «o Sem Pavor».

Como se refere, tudo na conquista de Évora tem

cunho lendário. E o que a lenda conta, em substância, é

que o nobre Geraldo, oriundo de uma família da Beira, fo-

ra um dos mais valentes homens dos exércitos de Afonso

Henriques. Tão destemido e corajoso se portava nas bata -

lhas que D. Afonso, ele próprio um valente militar, se

mostrava espantado com tamanha desenvoltura guerreira,

a ponto de o designar como «o Sem Pavor». Parece que,

num desacato ocorrido na corte, Geraldo terá morto ou -

tro cavaleiro, sendo por esse acto sujeito a terrível casti-

go, possivelmente a pena de morte. Por isso fugiu.

Na serra de Montemuro encontrou Geraldo refúgio

para ele e para os seus homens, mandando inclusivamente

construir um castelo próprio. E aí passou a viver, recor-

rendo certamente a algumas pilhagens e surtidas de ar-

mas para se alimentar e ao seu séquito, amealhando al-

guma riqueza em proveito próprio, cavaleiro feudal sem

feudo nem rei que agora era. Em breve a sua fama de cora -

gem começou a atrair toda a espécie de foragidos, ban-

doleiros, proscritos, aventureiros. Tinha à sua volta mais

101

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de 500 homens a cavalo e respectivos peões. Deveriam ser

perto de 3000 os homens que rodeavam Geraldo, num

exército privado que era já considerável e representava

uma ameaça ao poder real.

Para alimentar e satisfazer semelhante horda, a pi -

lhagem e o saque tornaram-se frequentes, aterrorizando

populações. Menos mal para o rei que Geraldo pilhasse

mouros. Mas ele e os apaniguados faziam-no tanto às po -

pulações muçulmanas como cristãs. A posição política de

Geraldo estava a ficar muito delicada.

Geraldo sabia que aquele estado de coisas não po-

dia continuar. Chegaria o dia em que a fúria de Afonso

Henriques, a sua lendária cólera, viria cortar a cabeça

daquela hidra que se espalhava em terras de seu reino.

Mesmo valente, mesmo com um considerável número de

homens, Geraldo Geraldes tinha clara noção de que ja-

mais conseguiria vencer o monarca. Nem provavelmente

o desejava. Mas como conseguir o perdão, em vez de ver

a cabeça cortada?

Então, o cavaleiro vai provar que não é apenas

destemido, mas também tem cabeça. Congemina um plano

que, a dar resultados, levaria D. Afonso Henriques não ape-

nas a perdoar-lhe como, certamente, a cumulá-lo de hon-

rarias.

102

GERALDO, O SEM PAVOR

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Reuniu então o foragido os seus homens. Não lhes

revela o plano mas, com cinco dos mais fiéis companheiros,

dirige-se às portas de Évora, o centro de uma vasta região

que impedia ao rei cristão o domínio quase total do Sul.

Geraldo, chegado a Évora, pede para falar com o al-

caide da cidade. Este recebe-o com des -

confiança, sabedor das turbu lências que

este causava. Mas Geraldo tem uma ideia

simples para lhe propor. Como ele, alcaide,

sabia, D. Afonso Henriques odiava-o e

perseguia-o, querendo a sua morte. Por is-

so, vinha propor uma aliança com o alcaide

de modo a derrotar os exércitos do rei.

Para o chefe mouro a ideia parecia

agradável. E por isso o tratou com todas as

honras, hospedando-o durante dois dias e,

chave do plano de Geraldo, mostrando-lhe

minuciosamente toda a cidade de que tan-

to se orgulhava. O cavaleiro aceitou de bom grado o trato

gentil, e aproveitou bem a ocasião para identificar a fun-

do todas as defesas da cidade, muralha a muralha, torreão

a torreão.

Acompanhado até às portas da cidade pelo alcaide,

Geraldo agradece e promete vir a cumprir os acordos feitos.

E é com grande satisfação que regressa ao seu castelo. Ago-

103

AUDÁCIA SEM LIMITES

GERALDO

GERALDES,

o Sem Pavor.

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ra conhece a fundo Évora e as suas fraquezas. Reúne de

novo os seus homens, em Novembro de 1166. Caminharam

de noite, esconderam-se de dia. Chegados às proximidades

de Évora, aquartelam-se, sempre escondidos. Então, sobe

Geraldo sozinho a torre de atalaia, decapitando o guarda

que nela se encontrava e defenestrando a filha deste, que

se encontrava com o seu pai. Desce a torre e escolhe uma

centena de homens para se aproximarem das portas da

cidade, agora sem a vigilância do guarda.

Então subindo de novo à torre, ateia um incêndio

no seu alto, sabendo que este era um sinal dos mouros no

caso de serem atacados. Alertado, o alcaide junta as suas

forças e sai de supetão para fora das muralhas, deixando

abertas as portas do burgo. E foi com este expediente que

Geraldo «o Sem Pavor» à frente dos seus homens entra

pela muralhas adentro, fechando as portas atrás de si e

começando imediatamente a matar quem quer que se lhe

apresentasse pela frente. Fechados do lado de fora, os

mouros foram presa fácil dos restantes homens de Geral-

do. Estava conquistada a riquíssima praça da planície, e o

saque ocorreu instantâneo e brutal.

Geraldo Geraldes não perde tempo. Manda imedia -

tamente avisar D. Afonso Henriques da conquista da

cidade, que lhe oferece, bem como um quinto do valor do

saque, ao mesmo tempo que humildemente pede perdão

pelos agravos passados.

Evidentemente, D. Afonso I fica exultante. Perdoa

Geraldo e nomeia-o alcaide-mor de Évora. O rei percebe

imediatamente a extrema importância da conquista. Uma

vez caída Évora, dificilmente resistirão as outras praças

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muçulmanas que a rodeiam, e que constituem os últimos

bastiões do Sul. Rapidamente ruma para os territórios sar-

racenos, conquistando sucessivamente Moura e Serpa.

Sem se deter, toma Trujillo e Cáceres e possui, agora, um

importantíssimo território do que fora o Al-Gharb dos

muçulmanos. El-rei de Portugal exulta. E ainda quer mais,

na sua sede de conquista.

É então que a sua co-

biça se vai virar contra ele

de forma tremenda.

105

D. AFONSO HENRIQUES.

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Com a morte de Afonso VII, foram os reinos de Castela e Leão

divididos pelos seus dois filhos. Sancho, o primogénito, herdou Castela,

enquanto Fernando toma conta de Leão, incluindo a Galiza e a Estre -

madura. Esta partilha teria consequências de monta para a sorte do

monarca português.

OCASO

DE UM GRANDE REI

D. AFONSO I, REI DE PORTUGAL.

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Sancho vai gozar pouco tempo as benesses do poder.

Em breve morre, deixando um filho varão de menor idade,

Afonso VIII. Fernando, o seu irmão, parece encontrar a

oportunidade de se apoderar dos territórios do irmão,

exigindo a tutela do seu sobrinho, intento a que se opõem

os nobres de Castela. Chegam a terçar-se armas, com o

leonês a conquistar Toledo.

Ora Fernando admirava profundamente D. Afonso

Henriques e os seus feitos de armas, que haviam dizima-

do os sarracenos. E, jogando habilmente no terreno da

política, percebe que terá todas as vantagens em aliar-se

ao agora já idoso rei, fundamentalmente para ter um

poderoso apoio no confronto latente que o instigava con-

tra os castelhanos.

Sendo solteiro, Fernando cobiça casamento com

uma das filhas de Afonso I, propondo-lhe um encontro,

que veio a realizar-se em Cela-Nova, no ano de 1160. É uma

reunião frutuosa e de grande entendimento, prometendo

o monarca português a mão de sua filha Urraca. O casa-

mento veio a efectuar-se em 1165. Para Portugal, o en-

tendimento não podia ser melhor. Ele confirmava, de fac-

to, o estatuto de igualdade entre o novo reino e aquele de

que fora vassalo. Com este casamento, Leão tornava um

facto incontornável o estatuto de Estado independente do

antigo condado rebelde.

Ficaria sossegado o coração do velho combatente

lusitano? Aceitaria ele de bom grado esta nova aliança

com o vizinho e genro? Jamais se saberá o que passou pela

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AFONSO GANHA UM GENRO

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cabeça do destemido guerreiro português. O que é certo

é que, a pretexto da fundação de Ciudad Rodrigo levada

a cabo por D. Fernando, D. Afonso I declara constituir

esta uma ameaça. Acto contínuo ataca a nova urbe à fren -

te das suas tropas, acompanhado pelo seu filho, o infante

D. Sancho.

D. Fernando pasma. Estava a braços com sérias

querelas com os castelhanos, mas não tem outro remé dio

senão vir impor respeito ao obstinado sogro. As suas for -

ças são muito mais poderosas que as portuguesas. De-

frontam-se na batalha de Arganal e os portugueses são

derrotados em toda a linha, sendo Afonso I forçado a fu-

gir, deixando prisioneiros muitos dos seus, que logo D. Fer-

nando, magnânimo, manda libertar.

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E FAZ UM INIMIGO

CARGA

DE CAVALARIA

COM LANÇAS.

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D. Afonso Henriques não vai apaziguar-se com a

generosidade do genro. Bem pelo contrário. A história da

sua vida demonstra até que ponto uma derrota o encar-

niçava ainda mais no desejo de vingança. Estava-lhe no

sangue. Deste modo, reúne de novo as suas tropas, e ei-lo

de partida em furiosa investida contra a Gali za. Quantas

vezes já o fizera!

De novo entra

em Tui, onde as

forças portuguesas

ar ra sam tudo em

volta, praticando

enormes actos

de crueldade.

Continua a sua

sanha conquis -

tadora, de terra

em terra, Galiza

adentro, até que

a paciência de Fernando se esgota e de novo vem sitiar

as tropas do pai de sua mulher. Cerca os portugueses no

cas telo de Cedofeita, perto de Pontevedra. Os homens de

D. Afonso Henriques acabam por se render, diz-se que por

interpretarem como mau agoiro um raio que fulminou

uma das torres, guarnecida de besteiros.

E o que faz o monarca portu guês? Dirige-se a toda

a pressa para sul, tentando conquistar Badajoz, que per-

tencia a povos muçulmanos que se encontravam sob a

protecção do reino de Leão. Chegado a Badajoz, acolitado

pelo intrépido Geraldo Geraldes, «o Sem Pavor», Afonso

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Henriques depressa conquista e devassa a cidade, para

grande ira de Fernando, que tem a obrigação de defender

a po pulação da cidade que à sua guarda se confiara.

Com um ímpeto excepcional, Fernando II chega a

Badajoz, onde um Afonso I impante, agora cercado mas

nem por isso acobardado, sai ao campo para travar de no-

vo batalha com as tropas leonesas. É completamente der-

rotado e, ainda mais grave para a sua honra e dignidade,

parte uma perna ao cair do seu cavalo.

Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, en-

contra-se pela primeira vez em toda a sua vida prisioneiro,

e logo do genro. Envelhecido, tolhido pela doença, o orgu -

lhoso rei vai implorar pela sua liberdade, pedindo perdão

pelos desmandos que provocara.

D. Fernando mantém o sogro cativo durante dois

meses. Depois, com uma demonstração de magnanimi-

dade, concede-lhe a liberdade, a troco da entrega das ter-

ras tomadas, 20 cavalos de batalha e uma grande quantia

em ouro. No total, Afonso Henriques foi obrigado a de-

volver 25 castelos ao rei leonês.

Afonso Henriques regressa a Portugal na Primavera

de 1169. Está agora com 60 anos. Nunca mais pode voltar

a montar a cavalo, devido à perna que ficara para sempre

inválida. Afirma-se mesmo que ficou confinado a uma

cadeira.

Vira-se o ancião para o filho Sancho, que contava

dezasseis anos. Arma-o cavaleiro com essa idade. Nele de-

posita todas as esperanças, certamente convencido de que

em breve chegaria a sua hora. Viveria, espantosamente,

mais uma década e meia.

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Segundo rei de Portugal, filho de D. Afonso I e de D. Ma -

falda. Casou em 1174 com D. Dulce de Aragão. Por volta de

1170 passou a comparticipar da administração pública, pois

o seu pai estava doente. Após a morte de seu pai foi solene-

mente aclamado em Coimbra, em Dezembro de 1185.

Foi um grande administrador, tendo acumulado no seu rei -

nado um verdadeiro tesouro. Foi cognominado de o Povoador

por, segundo Faria e Sousa, se ter dado à «reidificacion de lu-

gares, cidades e castelos, fundando muitos de novo» e por ter

«favorecido a agricultura». Conquistou Silves, que era na al-

tura uma cidade com 20 000 a 30 000 habitantes e uma das

mais ricas cidades do ocidente peninsular, e também Albufeira.

Passou a intitular-se rei de Portugal e dos Algarves. Porém,

Silves seria reconquistada pelos mouros, tal como Alcácer,

Palmela e Almada, ficando apenas Évora na mão dos por-

tugueses.

Os laços que D. Afonso Henriques estabelecera com a

Santa Sé foram quebrados e o conflito atingiu grande violên-

cia. D. Sancho I procurou furtar-se ao pagamento de um censo

anual de 2 marcos-ouro estabelecido por seu pai, alegando que

este já pagara 10 anos adiantados. O papa reclamou, dizendo

que essa soma fora uma oferta e ameaçando-o com a ex -

comunhão caso não pagasse a dívida. D. Sancho I acabou por

recuar e pagar a soma reclamada.

Entretanto, surgiu novo conflito, certamente relacionado

com as disputas pelo poder entre Santiago de Compostela e

Braga. Este envolveu o bispo do Porto, D. Martinho Rodrigues,

D. Sancho I

112

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que pretendeu anular certas reformas levadas a cabo pelo seu

antecessor. Os cónegos e o povo portuense revoltaram-se, com

o apoio do rei, e as casas dos cónegos fiéis ao bispo foram saque-

adas e as igrejas arrombadas. O papa Inocêncio III tomou o

partido do bispo e excomungou D. Sancho. Este reagiu com vio -

lência, prendendo o bispo, saqueando e demolindo as suas casas,

e respondendo ao papa de forma tão «pouco respeitosa e au-

daciosa» como só «os heréticos» o haviam feito, nas palavras

do próprio Inocêncio III.

No final da sua vida, D. Sancho I haveria de reconciliar-se

com o papa, acatando as exigências dos seus delegados.

113

D. SANCHO I.

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Sabendo da derrota de Afonso Henriques, e dese-

joso de vingar afrontas antigas, o emir de Marrocos prepara,

a toda a pressa, um forte exército para invadir as terras

portuguesas. Fá-lo com tal su -

ces so que chega até Santarém,

a querida Santarém de D. Afon-

so I, e rapidamente a toma.

Estamos no ano de 1171 e

o velho guerreiro devia ferver,

amarrado à cadeira onde era

obrigado a repouso forçado. De-

via estar a congeminar planos

de contra-ataque, talvez sob o

co mando de seu filho Sancho,

quando mensageiros lhe trazem

uma notícia a todos os títulos

surpreendente. Fernando II aca -

ba va de entrar em terras portu -

guesas com um vasto exército, e

dirigia-se para as zonas domi-

nadas pelos mouros.

O velho conspirador que

Afonso nunca deixara de ser te -

me o pior. Certamente que o seu

genro se queria aproveitar da

fragilidade portuguesa e parti -

lhar os despojos com os muçul-

manos. Às pressas envia men-

D. AFONSO

HENRIQUES.

114

A GENEROSIDADE DE FERNANDO II

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115

A 13 de Dezembro de 1143, pouco mais de dois meses após

a conferência de Zamora, em que Afonso VII de Leão e Castela

reconheceu o título de rei a D. Afonso Henriques, este último

coloca Portugal sob a vassalagem do papa, recusando expres-

samente aceitar qualquer outro senhorio secular no território

que administrava.

Segundo vários autores, entre eles o jurista Prof. Freitas do

Amaral, este acto – mais do que o reconhecimento do título de

rei (para se proclamar imperador, interessava a Afonso VII ter

A bula «Manifestis probatum»

sageiros a Fernando II para se inteirar das suas inten ções.

Rogava-lhe que esperasse pelo menos ver-se ele livre dos

infiéis para depois lhe poder dar combate. A resposta não

se faz esperar e vai colher desprevenido o ardiloso cons -

pirador que habitava em Afonso I. O rei de Leão ali esta-

va, em terras portuguesas, para proteger o sogro e o seu

reino!

Incrédulo, o rei de Portugal meditava. No lugar de

Fernando, é possível que tivesse feito exactamente o con-

trário. A generosidade do genro, após as afrontas que lhe

fizera, deixava-o confundido. O rei de Leão, por sua vez,

representou intimidação suficiente para que o emir Ius-

suf avaliasse imediatamente os riscos que corria e reti-

rasse em boa marcha para os seus territórios. A integri-

dade de Portugal estava, por enquanto, restituída.

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116

A BULA MANIFESTIS PROBATUM, de 23 de Maio de 1179, pela qual o papa Alexandre III

reconhece D. Afonso Henriques como rei de Portugal.

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sob a sua alçada alguns reis, o que não equivalia a abdicar de

reclamar autoridade sobre eles) – corresponde a uma «decla -

ração unilateral de independência».

A reacção do papa Lúcio II foi cautelosa. Em Maio de 1144,

na carta Devotionem tuam, aceita a vassalagem e o tributo

anual de quatro onças de ouro e promete defendê-lo «do assalto

dos inimigos visíveis e invisíveis», embora não o trate por rei,

mas antes por dux.

Só pela bula Manifestis probatum, de 23 de Maio de 1179,

é que o papa Alexandre III «certificou» plenamente o direito de

D. Afonso Henriques à coroa portuguesa, reconhecendo como

seus todos os territórios conquistados aos muçulmanos.

Embora não existam documentos históricos re -

lativos à marinha militar portuguesa nestes anos, é de

admitir que nos dez anos que decorrem entre a conquista

de Lisboa e a de Alcácer do Sal, em que a actividade mi -

litar marítima na zona entre Tejo e Sado deve ter sido

intensa, o número de galés portuguesas se tenha manti-

do, pelo menos, na casa das dez unidades. Também é muito

natural que depois da conquista de Alcácer do Sal as acções

de corso dos muçulmanos na costa portuguesa tenham

diminuído.

Subitamente, vinte anos mais tarde, provavelmente

na Primavera de 1179, quando nada o fazia prever, entrou

117

OS PRIMEIROS FEITOS NAVAIS

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no estuário do Tejo a frota de Sevilha, num total de nove

galés, sob o comando de Ganim ben Mardanis, que cap-

turou duas galés portuguesas que estariam de vigia e as-

solou os arredores da cidade, regressando a Sevilha com

um riquíssimo despojo.

Na sequência deste ataque terá D. Afonso Henriques

encarregado um fidalgo chamado D. Fuas Roupinho de re-

activar a nossa frota e reorganizar a vigilância costeira.

Terá então este proposto ao rei uma acção de re-

taliação contra Sevilha, que mereceu a sua aprovação. E,

possivelmente no Verão de 1179, largou do Tejo a frota por-

tuguesa, sob o comando de D. Fuas Roupinho, em que iria

embarcado o príncipe D. Sancho, a qual, depois de ter

saqueado Saltes, nas proximidades de Huelva, subiu o

Guadalquivir até Sevilha onde destruiu várias galés muçul-

manas e saqueou o arrabalde da cidade, regressando tri-

unfante a Lisboa. Uma retaliação perfeita em relação à

acção realizada meses antes pelos muçulmanos!

Não se conformaram estes com a ousadia dos

cristãos e logo no ano seguinte, 1180, ripostaram, envian-

do de novo a sua frota para a costa portuguesa, ainda sob

o comando de Ganim ben Mardanis, ao que parece com

ordem de destruir a frota portuguesa e, se possível, cap-

turar D. Fuas Roupinho.

Pormenor

de iluminura

do século XVI

onde se vê

a cidade

de LISBOA.

118

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Depois de, mais uma vez, ter saqueado o arrabalde

de Lisboa, a frota muçulmana dirige-se para São Marti -

nho do Porto onde desembarca a gente de armas que, por

terra, se dirige a Porto de Mós, o lugar de residência de

D. Fuas Roupinho. Porém, nas proximidades desta vila, os

muçulmanos são derrotados pelas forças que D. Fuas con-

seguira apressadamente reunir tendo sido todos, muito

provavelmente, mortos ou feitos prisioneiros. Entre estes

últimos contava-se Ganim ben Mardanis.

O que parece mais evidente é que na sequência des-

ta acção a frota muçulmana se tenha recolhido a Alcácer

do Sal, que era então a principal base naval dos árabes na

costa ocidental da Península Ibérica, a fim de se refazer

antes de seguir viagem para Sevilha. Por seu turno, D. Fuas

Roupinho ter-se-á dirigido para Coimbra a fim de dar con-

ta ao rei, que aí se encontrava, do desfecho do combate

que tivera com os muçulmanos. Sabendo já D. Afonso Hen-

riques das depredações que a frota de Ganim ben Marda-

nis tinha feito nos arredores de Lisboa e talvez até que a

mesma se achava em Alcácer do Sal, ordenou a D. Fuas

Roupinho que reunisse de imediato a frota portuguesa e

fosse tentar destruí-la.

É natural que D. Fuas tenha começado por reunir

todas as galés que se encontravam nos portos do Norte e

com elas se tenha dirigido para Lisboa onde se terá re-

forçado com as galés e a gente de armas que ali havia. De-

pois, a 15 ou 20 de Julho, saiu para o mar, com a intenção

de se ir colocar sobre a barra do Sado. Porém, ao dobrar o

119

ESTRONDOSA VITÓRIA

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120

PORTUGAL

EM 1185,

à morte

de D. Afonso

Henriques.

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A partir de 1131, D. Afonso Henriques passa a residir

normalmente em Coimbra e o mosteiro de Santa Cruz torna-

-se o centro espiritual da monarquia portuguesa. Coimbra não

só do ponto de vista da estratégia militar era um centro mais

bem situado do que os outros mais a norte do primitivo Con-

dado Portucalense, como do ponto de vista religioso tinha uma

Santa Cruz de Coimbra

121

cabo Espichel, tropeçou com a frota muçulmana que, por

mero acaso, iniciava a viagem de regresso a Sevilha, en-

volvendo-se com ela numa encarniçada batalha.

O número de galés portuguesas andaria à roda da

dezena, talvez dez ou onze (conforme se poderá deduzir

dos acontecimentos posteriores), o que daria a D. Fuas uma

ligeira superioridade numérica sobre o seu adversário.

Por outro lado é natural que as guarnições dos

navios muçulmanos estivessem bastante desfalcadas e

consideravelmente desmoralizadas com a derrota sofri da

em Porto de Mós. Seja como for, a batalha terminou com

uma vitória estrondosa dos portugueses, que captura ram

todas as galés inimigas e entraram com elas triunfalmente

em Lisboa.

Segundo as fontes árabes, D. Afonso Henriques terá

então conferido a D. Fuas Roupinho, como prémio pela

vitória que alcançara, o título de almirante, o primeiro da

história de Portugal.

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122

MOSTEIRO

DE SANTA

CRUZ de

Coimbra.

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tradição de resistência moçárabe à imposição da liturgia ro-

mana. Em 1111, coincidindo com uma ofensiva dos Almorávi-

das, tinha havido um conflito grave na cidade, em que Martim

Moniz aparece associado ao prior do cabido, Martinho Simões,

chefiando os moçárabes numa revolta contra o partido dos

«francos». Assim, também para pôr fim às antigas tradições

moçárabes e impor a unidade religiosa (segundo a liturgia ro-

mana), Santa Cruz adquire uma importância capital.

Afonso Henriques atribuirá a Santa Cruz de Coimbra, se-

gundo José Mattoso, «direitos eclesiásticos em Leiria e de grandes

domínios em todo o vale do Mondego, na faldas setentrionais

da serra da Estrela e numa vasta área à volta de Coimbra».

A igreja de Santa Cruz tornar-se-á o panteão da monar-

quia portuguesa e é lá que ainda hoje repousam os restos mor-

tais do primeiro rei de Portugal.

123

Na corte, Afonso Henriques, o homem que erguera

um reino à força das armas, definhava a pouco e pouco.

Os últimos anos da sua vida foram dedicados à educação

dos filhos. D. Sancho, em primeiro lugar. Desde os doze

anos que o adestrava nas artes da guerra, e bastas vezes

se fizera acompanhar pelo jovem em pelejas múltiplas.

Com indisfarçável orgulho vira-o retornar de Sevilha car-

regado de tesouros conquistados. Aquele que seria para

sempre conhecido como O Conquistador via no jovem San-

O FIM DO GRANDE MONARCA

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cho um digno sucessor, capaz de manter a integridade da

nação que ele criara. E nisso não se enganou.

Totalmente dedicado à vida familiar, sofreu grande

desgosto com a prematura morte de sua filha Mafalda,

que estava destinada a casar com Raimundo Berenguer,

conde de Barcelona. Desgosto idêntico ao que sofrera com

a morte da sua amada esposa, que tão cedo o deixara.

Urraca também já não habitava com ele, casada que

estava com Fernando II, ainda que mais tarde a repudi-

asse, entregando-a ao convento. Restava-lhe Teresa, for-

mosa e inteligente, a sua última grande companhia.

Até essa filha se irá embora. Preso de amores por

ela, Filipe, conde da Flandres, corteja-a e, após longas

manobras diplomáticas, finalmente consegue convencer

o velho rei a ceder, num acordo que se veio a revelar de

grande importância estratégica para uma nação que, ao

criar laços com outros Estados do Norte da Europa, se li -

bertava da mitigada condição de reino encastoado num

recanto peninsular.

Já sem razões para viver, falece D. Afonso

Henriques a 5 de Dezembro de 1185, com 74

anos de idade. Como infante governara 12

anos. Como rei, 45. Foi o rei com mais longo

reinado na história de Portugal. Por seu dese-

jo, sepultaram-no no Mosteiro de Santa Cruz,

em Coimbra, ao lado de sua mulher.

BRASÃO DE D. AFONSO

HENRIQUES em pintura

anónima do século XVIII.

124

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125

TÚMULO DE D. AFONSO HENRIQUES em Santa Cruz de Coimbra.

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126

Página da CHRONICA DE D. AFONSO HENRIQUES.

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127

CRONOLOGIA

A PRIMEIRA

IMAGEM

CONHECIDA

DE D. AFONSO

HENRIQUES.

Originalmente

na igreja de

Santa Maria

da Alcáçova,

em Santarém,

está hoje no

Museu do

Carmo, em

Lisboa.

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1105Pacto sucessório entre D. Raimundo

e D. Henrique, em que o primeiro

se compromete, por morte

de Afonso VI, a entregar-lhe

o governo da Galiza ou de Toledo

em troca do seu reconhecimento

por D. Henrique como rei de Leão.

Março Nascimento de Afonso

Raimundes (que viria a ser

o imperador D. Afonso VII).

1107Morte de D. Raimundo.

1087D. Henrique e D. Raimundo

da Borgonha chegam à Península.

1090-01Casamento de D. Raimundo

com D. Urraca, filha de Afonso VI

de Leão. Este entrega-lhe o condado

da Galiza.

1096Casamento de D. Henrique

da Borgonha com D. Teresa, filha

de Afonso VI. Este entrega-lhe os

condados Portucalense e de Coimbra.

128

CRONOLOGIA

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1109 (?)Nascimento de Afonso Henriques,

filho de D. Henrique e de D. Teresa.

1112Morte do conde D. Henrique.

1117D. Teresa começa a usar o título

de rainha.

1126Morte de D. Urraca e coroação

de Afonso Raimundes como

D. Afonso VII.

129

CRONOLOGIA

Page 129: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

1127Cerco de Guimarães por D. Afonso

VII para submeter Afonso Henriques

e obrigá-lo a cumprir os deveres

de vassalagem.

1128Junho Batalha de S. Mamede, de

que Afonso Henriques sai vitorioso.

130

CRONOLOGIA

Page 130: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

1130Morte de D. Teresa.

1131Início da construção do mosteiro

de Santa Cruz de Coimbra.

1136Egaz Moniz assume o cargo

de mordomo-mor.

1137Tratado de paz de Tui, entre

D. Afonso Henriques e D. Afonso VII.

1139Batalha de Ourique, com vitória

de Afonso Henriques sobre os

muçulmanos; começa a utilizar

o título de rei.

131

CRONOLOGIA

Page 131: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

1140Os mouros destroem o castelo

de Leiria.

1141Recontro de Valdevez. Pazes entre

Afonso VII e Afonso Henriques.

1142Afonso Henriques

recupera o castelo

de Leiria.

1143Tratado de Zamora: Afonso VII,

imperador de Leão e Castela,

reconhece o o título de rei

a D. Afonso Henriques.

Afonso Henriques coloca o reino

sob a protecção (vassalagem lígia)

da Santa Sé. Ambos os aconteci -

mentos contribuem para que este

ano seja considerado como

o da independência de Portugal.

1145Casamento de D. Afonso Henriques

132

CRONOLOGIA

Page 132: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

com D. Mafalda (ou Matilde),

filha do conde Amadeu II de Sabóia

e Piemonte.

1147Conquista de Santarém e – com

a ajuda dos cruzados – de Lisboa.

1148A conselho de D. João Peculiar,

arcebispo de Braga, Afonso

Henriques restaura as dioceses

de Viseu e Lamego, que haviam

pertencido à metrópole de Mérida

e eram, por conseguinte, sufra -

gâneas de Santiago de Compostela.

Os bispos nomeados para estas

dioceses são sagrados pelo arcebispo

de Braga, o que leva aos protestos

de Afonso VII junto do papa.

133

CRONOLOGIA

Page 133: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

1158Conquista cristã de Alcácer do Sal,

com a ajuda de cruzados.

1160Afonso Henriques recebe em Tui

o conde de Barcelona, Raimundo

Berenguer IV, para negociar com ele

o casamento de seu filho Raimundo

com a princesa Mafalda.

Afonso Henriques e Fernando II

de Leão encontram-se no mosteiro

beneditino de Celanova, na Galiza,

1153Fundação em Portugal da abadia

cisterciense de Alcobaça.

1157Morte do imperador Afonso VII

e divisão dos seus estados. Início

dos reinados de Fernando II,

de Leão, e de Sancho III,

de Castela, filhos de Afonso VII.

134

CRONOLOGIA

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celebrando um acordo que restituía

a Fernando II a cidade de Tui

e o respectivo território.

1165Conquista definitiva de Évora

por Geraldo sem Pavor; toma ainda

as cidades de Trujillo e Cáceres.

D. Afonso Henriques encontra-se

com Fernando II de Leão em

Pontevedra e selam novo acordo

de paz.

1166Foral de Évora. Geraldo sem Pavor

toma os castelos de Montánchez,

Serpa e Juromenha; instala-se

nesta última, assediando Badajoz.

Fernando II de Leão casa-se

com Urraca Afonso, filha

de Afonso Henriques.

135

CRONOLOGIA

Page 135: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

1174Casamento de D. Sancho, filho

de Afonso Henriques, com D. Dulce,

filha de Raimundo Berenguer IV,

rei de Aragão.

1169Desastre de Badajoz: Fernando II

de Leão, aliado dos almóadas,

aprisiona o rei de Portugal, que

é ferido gravemente numa perna.

O príncipe D. Sancho é chamado

a participar na adminis-

tração do reino.

136

CRONOLOGIA

Page 136: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

1179Reconhecimento da independência

de Portugal pelo papa Alexandre III

(bula Manifestis probatum).

D. Afonso Henriques quadruplica

o censo que pagava à cúria romana,

pagando de uma só vez 1000 peças

de ouro.

1184Os Almóadas recuperam territórios

até à linha do Tejo. Cercam

Santarém, mas não conseguem

tomá-la. O emir de Marrocos, Iacub

Iussuf, morre na sequência de um

ferimento sofrido durante o assédio.

A defesa da cidade é dirigida

por D. Sancho, o herdeiro do trono

português.

1185Morte de D. Afonso Henriques,

primeiro rei de Portugal.

137

CRONOLOGIA

Page 137: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

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Page 139: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

Página 7, Arquivo Distrital de Braga/Universidade do

Minho; páginas 10, 12, 15, 23 e 40, Catedral de Santiago

de Compostela; páginas 19 e 35, Sé de Braga/IPPAR; páginas

24, 38, 58, 61 e 116, Arquivo Nacional Torre do Tombo;

página 28, Mosteiro de Paço de Sousa/IPPAR; páginas 30

e 127, Museu do Carmo; páginas 50 e 95, Arquivo Histórico

Municipal, Lisboa; página 53, Capela do Salvador, Terroso,

Póvoa de Varzim; páginas 55 e 110, in «Camões e as Artes

Plásticas»; página 65, Museu Militar, Lisboa; páginas 66,

91 e 118, Museu Britânico; página 74, gravura de Vieira

Lusitano na obra «El Alfonso del Cavallero Don Francisco

Botello de Morais y Vasconcellos», Lucae, 1716; páginas 84

e 96, Alexandra Paulino; página 89, desenho de Domingos

Vieira Serrão e gravura de Ioan Schorquens, da obra

«Viagem da Catholica Real Magestade Del Rey D. Filipe II

N. S. ao Reyno de Portugal», por João Baptista Lavanha,

Madrid, 1622; página 93, in «Perspectiva de Lisboa»,

de G. Braunio, século XVI; página 105, in «Elogios dos Reys

de Portugal»; páginas 107 e 113, in «Lusitanorum Regum

Icones Ordine Temporum Expositae»; página 124, Academia

das Ciências; página 126, Biblioteca Municipal do Porto.

140

FOTOS E ILUSTRAÇÕES

Page 140: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

141

D. Teresa, a mãe adversária

UM CONFLITO FAMILIAR

BRAÇO DE FERRO

COM O REI DE LEÃO

UM PRIMO PERIGOSO

UMA AMARGA MENTIRA

O VALOR DA PALAVRA DADA

TRAIÇÃO

EXPIAÇÃO E PERDÃO

O JOVEM INTEMPESTIVO

Gonçalo Mendes da Maia,

o Lidador

A INDEPENDÊNCIA

DE PORTUGAL

UM PACTO DE CONVENIÊNCIA

O RECONTRO DE VALDEVEZ

AFONSO VII CONFORMA-SE

34

35

39

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31

32

A FORMAÇÃO DO

CONDADO PORTUCALENSE

DOIS FIDALGOS DA BORGONHA

HENRIQUE DA BORGONHA

GANHA FORÇA

UMA ALIANÇA DE CONVENIÊNCIA

D. Henrique da Borgonha

UM ESTRANHO CASAL

VOLTAS DO DESTINO

IRMÃS DESAVINDAS

O NASCIMENTO DE UM REI

ACONTECIMENTOS DRAMÁTICOS

MAIS CONSPIRAÇÕES

A GÉNESE DE UM NOVO REINO

Egas Moniz

A EDUCAÇÃO DO JOVEM AFONSO

O NOVO REI DE LEÃO E CASTELA

SURGE UM LÍDER NATURAL

ÍNDICE

D. AFONSO

HENRIQUES

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142

ÍNDICE

UMA PESADA DERROTA

RUMO AO SUL

GERALDO, O SEM PAVOR

AUDÁCIA SEM LIMITES

OCASO DE UM GRANDE REI

AFONSO GANHA UM GENRO

E FAZ UM INIMIGO

D. Sancho I

A GENEROSIDADE DE FERNANDO II

A bula «Manifestis Probatum»

OS PRIMEIROS FEITOS NAVAIS

ESTRONDOSA VITÓRIA

Santa Cruz de Coimbra

O FIM DO GRANDE MONARCA

CRONOLOGIA

BIBLIOGRAFIA

FOTOS E ILUSTRAÇÕES

99

100

102

103

107

108

109

112

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REINO E REI, FINALMENTE!

UMA RESPOSTA INSATISFATÓRIA

D. João Peculiar,

arcebispo de Braga

O DESEJO DE CONQUISTA

A batalha de Ourique

SANTARÉM RECONQUISTADA

D. Mafalda, primeira rainha

de Portugal

A CONQUISTA DE LISBOA

OBJECTIVO: LISBOA

ALIADOS PROBLEMÁTICOS

EM MARCHA

PLANOS GORADOS

IMPASSE

UM NOVO CURSO

PARA A CONQUISTA

VALENTIA SEM LIMITES

A carta a (de?)

Osberto de Bawdsley

ALARGAMENTO PARA SUL

A RENDIÇÃO DE LISBOA

APÓS A CALMA,

NOVOS OBJECTIVOS

ALCÁCER

Page 142: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),
Page 143: D. AFONSO HENRIQUES. Afonso... · cioso apoio, Afonso VI, rei de Leão, entrega a mão de sua filha legítima, D. Urraca, a Raimundo, e a de D. Teresa ou Tareja (que era bastarda),

O fundador de Portugal é uma personalidade paradoxal.

Simples na determinação em consolidar e dar

independência ao condado herdado de seus pais, é pelas

armas, tanto quanto pela política, que atinge os seus

intentos. Complexa pela multiplicidade de obstáculos

que enfrentou: familiares, militares, diplomáticas, e pela

constante inventiva que empregou para as superar.

Figura primordial da nossa história, desde jovem

se revela como um homem que tem um destino. E vai

cumpri-lo, nem que para isso tenha de enfrentar a própria

mãe. Com muito mais convicção enfretará Mouros

e outros inimigos. Mas é nos intervalos da história,

no que se pode perceber que tenha sido a sua vida pessoal,

que se descobre um homem afectuoso e piedoso,

bem diferente da imagem de um colérico que tudo e todos

trespassa com a sua inauguradora espada.

D. Afonso Henriques não constitui apenas uma referência

de carácter «paterno» para os portugueses. É também

um exemplo do génio e do temperamento de um povo

singular, que irá permanecer uno e independente, contra

todas as probabilidades da História.

GRANDES PROTAGONISTAS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL