153

D. Maria I - A Vida Notável de uma Rainha Louca - Jenifer Roberts.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • INTRODUO

    D.Maria I indiscutivelmente merecedora de estima e de respeito,embora no tenha os atributos que faam dela uma grande rainha.Ningum poderia ser mais amvel, mais caridosa ou mais sensvel,emboraestasqualidadessejamdiminudasporumaexcessivadevooreligiosa.

    DuquedeChtelet,1777

    D. Maria I de Portugal tem sido tratada de forma pouco amvel pelahistoriografia. Enquanto alguns autores a colocam de parte, como se fosseapenas uma louca religiosa, outros relegam os seus anos no trono para umabrevenotaderodap,encafuadaentreosperodosmaisdramticosdogovernodemarqusdePombaledaGuerraPeninsular.Contudo,elamerecebemmais,no apenas por ter sido uma mulher bondosa, cujo principal infortnio foiherdaracoroa,mastambmpelofactodeasuahistriaserumparadigmadaprincipal disputa do sculo XVIII entre a Igreja e o Estado, entre as velhassuperstieseapocadarazo.Arainhaencarnavafielmenteascontradiesdesse tempo,poisapesardos

    seusfortesinstintosnadireodeumareligiotradicional,soubecompreender,pelo menos em alguns aspetos, o Iluminismo, tendo mesmo adotado umaabordagem humanitria dos assuntos de Estado. Mulher frgil e delicada,adaptou-semalmonarquiaeaintensalutapelopoderentreaIgrejaeoEstadoajudouadestrui-la.Emborasetenhaesforadoporgovernarbemopas,comosconselhosdos

    seusministros,D.Maria tinha pouco interesse pela poltica. Foi tambm porisso que no escrevi uma histria poltica, concentrando-me mais nascomplexidadesdasuavidaprivada,assimcomonosprincipaisacontecimentosenaspersonalidadesdesseperodo.A principal fonte utilizada nesta obra foi a correspondncia dos

    embaixadoresbritnicosemLisboa,particularmenteRobertWalpole(sobrinhode Sir Robert Walpole, o primeiro-ministro de Inglaterra), o qual escreveucartas muito elucidativas e divertidas. Apreciei a sua companhia enquantotrabalhava com os documentos doEstado e do ForeignOffice nosArquivosNacionaisesentiasuafaltaquandofoiparacasadelicena.Outrafrtilfonte

  • foiodiriodomarqusdeBombelles,embaixadorfrancsemPortugalduranteosanos1786-1788,queeradeliciosamenteindiscretonaspginasdoseudirioprivado.Noverode1788,D.MariapassoutrsdiasnaRealFbricadeVidrosda

    MarinhaGrande,daqualeraproprietriooinglsWilliamStephens.Algumassemanas mais tarde, a irm dele, Philadelphia, escreveu uma carta, srecentementedescoberta,descrevendoesteacontecimentoniconahistriareal.OseucorrespondenteeraThomasCogan,umprimodeLondres,queguardouacartajuntodosseuspapisparticulares.Quandomorreu,em1792,osseusbenspassarampara o filho,ThomasWhiteCogan, antigo reitor deEastDean, noSussex, falecido em 1856.Mais de um sculo depois, os documentos foramoferecidos ao West Sussex Record Office como parte dos restos dedocumentosdoadvogadodoSr.W.P.Cogan,tendosidodescobertosnumacasa em Chichester no incio da dcada de 1960. Enquanto a carta dePhiladelphia permanecia intacta e desconhecidanos arquivos, eu escrevia umlivrosobreWilliamStephenseariquezaqueesteacumulounaMarinhaGrande(Glass:TheStrangeHistoryoftheLyneStephensFortune),peloqueaproveitoparacitarasmemriasdoDr.WilliamWithering,quandovisitouafbricaem1793:

    OSr.StephensteveahonradereceberarainhaeafamliarealdePortugaldurante trsdias,em1788.OsacompanhantesdeSuaMajestade, juntamentecomovastofluxodepessoasdoscamposemredor,formavamumaassembleiadevriosmilhares.Foramempregadostrintaedoiscozinheirose proporcionados estbulos para oitocentos e cinquenta e trs cavalos e mulas. Para crdito dahonestidade e da sobriedade dos portugueses, s se perderam duas colheres de prata de entre assessenta dzias que foram usadas e, embora fosse colocado vinho nos aposentos usados peloscriados,nemumnicohomemfoivistobbado1.

    Afora uma breve meno visita da rainha no livro de contabilidade naMarinhaGrande,estafoianicarefernciaquepudeencontraracercadeumaocasio que parecia to excecional. O Dr. Withering que era membro daLunarSocietyofBirminghamtinhaareputaodeserumhomemcuidadoso,diligente e ningum o podia acusar de ser exagerado, porm duvidei da suaprodigiosamemrianestaocasio.AfamliaStephenseraprovenientedeDevonedaCornualha,logonoter

    sidoageografiaaconduzir-meaoWestSussexRecordOffice.Contudo,depoisdapublicaodeGlass,ocurador juntoumaisalgunsmanuscritosao stiodainternetAccesstoArchives(umprojetoquereneoscatlogosdearquivosde

  • todooReinoUnido).Umdia,aodigitar,poracaso,MarinhaGrandenostiodainternet,encontreiaseguintereferncia:RelatoporPhiladelphiaStephensdeumavisitadaRainhaedaFamliaRealdePortugalMarinhaGrande,25dejulhode1788.Se Glass foi inspirado pela minha admirao por William Stephens, a

    presenteobradevemaissuairm,cujorelatodavisitarealproporcionaumaviagemintimistaaomundodamonarquiaabsolutauminstantneodavidadacorte na velha Europa, apenas um ano antes da Revoluo Francesa tercomeadoamudarafacedocontinente.Esteestudoofereceaindaaoleitorumretrato simpticodeD.Maria, nas suas ltimas semanasde felicidade, poucoantes das tragdias que provocaram a sua insanidade e o infeliz epteto deMaria,aLouca.

    NomesettulosFoi mantida a ortografia portuguesa para os membros da famlia Bragana,assimcomoparaosreisespanhis.Uma das principais figuras deste perodo Sebastio Jos de Carvalho e

    Melo,conhecidohistoricamentecomomarqusdePombal,equeusouonomeCarvalhoatterrecebidoottulodecondedeOeiras,em1759.Dezanosmaistarde, tornou-senoprimeiromarqusdePombal.Comalgumas excees, noincio da histria, o nome Pombal foi sempre usado. Omesmo se aplica aoprimeiro-ministro de D. Maria, o visconde de Ponte de Lima (cujo ttuloanterioreraviscondedeVilaNovadeCerveira).Refira-sequeerahbitoalgumasfamliasnobresteremdoisttulosaomesmo

    tempo,comoporexemplo:duranteavidadoterceiromarqusdeTvora,oseufilhomais velho usou o ttulo de quarto marqus de Tvora, pelo que eramconhecidos,respetivamente,comoomarqusvelhoeomarqusnovo.Assuasmulheres tambmeramdenominadasamarquesavelhaeamarquesanova.Eraaindaprticacomum,umhomemjuntaronomedesolteiradasrespetivas

    mes ao apelido paternal, ligando os dois com um e (Carvalho e Melo,Seabra e Silva, Melo e Castro). Estes homens eram normalmente chamadospeloprimeirodessesnomes(Carvalho,Seabra,Melo).

    MoedaetaxasdecmbioA unidade bsica da moeda portuguesa era o real, uma unidade de valorinsignificante. Ummilhar de ris (plural de real) correspondia amil-ris. Ocruzadovalia400ris,omoidoredezvezesestaquantia:4000ris ou4mil-

  • ris.Duranteoperodonarrado,alibrainglesavaliaapenastrsmil-risemeio.

    Os valores variveis da libra esterlina no so um indicador de confiana ereferncia para os valores atuais damoeda portuguesa,mas, para se ter umaideiadeescala,1em1750valeriaatualmente160.Estacifradeclinoupara131em1770,para108em1790epara66em1807.

    ApndicesO relato de Philadelphia Stephens sobre a visita real Marinha Grande transcritocomoprimeiroapndice.Osmembrosda famlia realusavamfrequentementeomesmonome (Joo,

    Jos, Mariana). Para fcil referncia, incluiu-se nos apndices uma lista dasprincipaisfigurasdesterelato.

    CitaesPara reduzir o nmero de referncias no texto, as citaes dos embaixadoresbritnicosedoscnsulesnosoreferenciadasindividualmente.Asrespetivascartaspodemserencontradas,porordemcronolgica,nosArquivosNacionaisemKew,srieSP89paraosanosat1780, inclusive;esrieFO63apartirdessadata.

    AgradecimentosGostariadeagradeceraoSr.JosPedroBarosa,quedespertouomeuinteressepelaMarinhaGrandeemeajudoucomasrefernciasmaisarcaicasdorelatodavisitadeD.Maria fbricadevidro.Estou tambmgrataaLusdeAbreueSousa,pela anlisedo livrode contabilidadenaMarinhaGrande; aChristineRobinson, pelas tradues de cartas e documentos; e aW. Stephen Gilbert,Hilary Green e Peter e Yvonne Taylor, pela leitura do manuscrito e pelasinmerassugestesteis.A autorizao para reproduzir material original foi concedida pelo West

    Sussex Record Office, e gostaria tambm de agradecer Oxford UniversityPressporautorizarousode43palavrasdeJournalsofaResidenceinPortugal1800-1801andaVisittoFrance1838,deRobertSouthey(editadoporAdolfoCabral,ClarendonPress,1960).Comosempre,estouprofundamentegrataaomeumaridopelasuapacincia

    aolongodosanos,pelacompanhiaeajudanamaiorpartedasminhasviagens,epelasuatolernciaenquantoeutrabalhavalongashorasnomanuscrito.Devo-lhemuitomaisdoqueestaspalavraspodemexprimir.

  • 1Withering,I,314-315

  • Naverdade,ahistriamaisnodoqueumquadrodecrimesedeinfortnios.

    VoltaireLIngnu,1767

  • PRLOGO

    3defevereirode1792

    Quando naquelamanh de inverno de 1792 o cu se iluminou, a tenso nopalciorealdeSalvaterraeratremenda.Ningumtinhadormidonessanoite.Asbrasasaindaestavamquentes,oscandeeirosfaziamsombrasnasparedeseumgrupodemdicosfalavaemvozbaixacomumagitadojovemdevinteequatroanos.D.JoodeBragana,prncipeherdeirodePortugal,sentia-setotalmenteintil.Erajumjovemindecisonosseusmelhoresdias,mas,nestemomento,notinhaqualquerideiadoquehaviadefazernumasituaoassazsingular.Navspera,arainhaemexercciosuametinhaensandecidodurantea

    representao de uma pea no teatro do palcio. Guinchara e uivara durantetoda a noite, andando em passadas largas, enquanto puxava os cabelos e osvestidos,gritandodemedoeaflio.Osseuscriadosrodeavam-na.Tentavamacalm-la o melhor que sabiam. Estavam porm aterrorizados com a merahiptesedetocarnarainhaeofenderoprotocoloreal.Amanhdespontavaenevoadaecinzenta.Tinhachovidodurantevriosdias

    eahumidadeentranhara-senosquartosdopalcio.Oscriados,atarefadosnosapartamentos,empacotavamosvestidosreais,preparando-separalevararainhaparaoseupalcio,emLisboa.Norio,oBergantimRealfora limpo e polido,com o drago dourado da proa a brilhar atravs da chuva miudinha dessamanh.Oslacaiostinhampreparadoacabinadouradacomtapetesealmofadasde veludo encarnado e oitenta remadores apresentavam-se vestidos de librvermelhaeamarela.Umarefeio ligeiraumamerenda foipreparadanascozinhas e levada para bordo, com travessas de comida requintadamentepreparadas,bemcomogarrafesdeguamineral,vinhoelimonada.D.Maria s foi trazida do palcio quando tudo ficou pronto, sendo logo

    ladeadapelas suasduas irms, que a seguravampelosbraos, e seguidapeloseu filho com uma expresso de desespero no rosto. Debaixo de um plioerguido sobre a sua cabea, para a proteger da chuva, foi conduzida para amargem do rio e sentada nas almofadas de veludo da cabina. Os barqueirosmergulharamosremosnaguaeobergantimmoveu-selentamenteaolongodorioTejo.AviagematLisboalevouvriashoras.QuandooBergantimRealchegou

  • cidade, a grande praa, junto ao rio, estava cheia de populares que tinhamouvido rumores sobre a indisposio da rainha e procuravam ver a suasoberana.Assimqueobergantimatracou,foramlevantadosquarentaremosnavertical,eamulherenlouquecidalevadaparaumcocheetransportadaatravsda praa para o Senado da Cmara.Algum tempo depois, a sua face plidaapareceu numa janela que dava para a praa, sendo recebida com vivas damultidoquealiaesperava.Na noite seguinte, a gravidade do seu estado foi finalmente anunciada

    nao. Os sinos tocaram, imagens sagradas foram trazidas para os seusapartamentos,procissesreligiosasatravessaramasruas.Precespelapreciosasade de Sua Majestade foram entoadas noite e dia em todas as igrejas econventosdacidade.Mas,comoaprpriarainhadisseraumdia,nemmdicosnempadrespodiaminverterosdecretosdodestino.

  • PARTEI

    PrincesaHerdeira

  • 1InfnciaReal

    QuemnoviuLisboa,noviucoisaboa.Antigoprovrbioportugus

    Cinquentaeseteanosantes,essamesmapraajuntoaoriooTerreirodoPaoforapalcodeumaimensaalegria.Eratambmumatardehmidadeinverno.As borrascas subiam o Tejo e a chuva enchera poas na praa e no cais demrmore junto s guas. A oeste, localizava-se o palcio da famlia deBragana,majestosoesoberbo.Osquartoseoscorredoresestavamiluminadospor candelabros e velas de sebo, enquanto os criados transportavamapressadamente recipientes com gua quente e roupa de cama lavada. Umaprincesadedezasseisanosdavaluzasuaprimeiracriana.sseishorasdatarde,quandofezforaegritoupelaltimavez,nasceuuma

    raparigaque, depois de crescer, se tornaria noprimeiromonarca femininodahistriaportuguesa.Deacordocomoscostumes,obebassomoudocorpodamevistadeumapequenamultidodepadres,cortesos,ministros,mdicosecriados.Arecm-nascidafoirecolhidanosbraosdasuaav,levadaparaumasala adjacente e apresentada ao av, o rei D. Joo V, e ao pai, o prncipeherdeiroD.Jos,osquaisseajoelharamparaagradeceraDeusobemsucedidoparto.Assimqueanotcia foianunciada, logose juntouumagrandemultidono

    TerreirodoPao.Oarreverberavacomosaplausos,comodobrardossinosecom os tiros de canho. Os coches dos diplomatas estrangeiros depressachegaram ao palcio. Fui imediatamente corte, escreveu o embaixadorbritnicoparaLondresnessamesmanoite,porquemedisseramqueassimerahbitoetiveaudinciascomafamliarealparaosfelicitar.Recomendoqueacartadefelicitaesdoreinotardeequesejaenviadanoprximobarco,poisestacortemuitosensvelataispormenores.Ascelebraesprolongaram-sedurantemaistrsdias,comosfoguetesnoar,

    os sinos a tocar e as velas nas janelas, que o povo de Lisboa acendia ao

  • escurecer, iluminando a cidade durante a noite. OTeDeum foi cantado nasigrejase,a9dejaneirode1735,acrianafoilevadacapelarealebatizadacom grande pompa e cerimnia com o nome deMaria Francisca IsabelJosefaAntniaGertrudesRitaJoanadeBragana.

    Maria nasceu na cidade mais rica e opulenta da Europa, uma LisboaenriquecidapelasminasdeouroedediamantesdoBrasil.Frotascarregadasdepedras emetaispreciosos chegavamdoRiode Janeiro, todosos anosumariqueza que foi usada pelo seu av para engrandecer a Igreja portuguesa demodoaestapoderrivalizarcomoVaticanoempompaeesplendor.Emteoria,D.JooVeraummonarcacompoderesabsolutos.Naprtica,era

    apenasumescravodossacerdotes.AIgrejaeraainstituiomaispoderosadopas,beneficiandodetalmaneiradaindulgnciadorei,quenosesabiaondeaautoridade eclesistica terminava e a autoridade do monarca comeava. ACompanhiade Jesus tinha indiscutvelpoder e influncia, controlando todoosistemadeensino,confessando todaa famlia reale tendoconstrudo,sempreemnomedadefesadafcatlica,umaconsidervelteiadepoderesportodooreino.O arcebispo de Lisboa, conhecido como patriarca, tinha sido elevado

    dignidadedepontfice.Usavavestes similaressdoPapaeeraauxiliadoporumSacroColgiodevinteequatropreladosqueenvergavamtrajesescarlates.Nohnomundonenhumeclesistico, escreveu JosephBaretti, amigodoDr.Johnson,quesejarodeadodetantapompacomoestePatriarca2.Oreiconstruaconventoseigrejas,cobria-oscommrmoresraroseenchia-

    osdetesouros:altaresdeouroepratacravejadosdepedraspreciosas,quadroseesculturasdeItlia,bibliotecascommilharesdelivros.Asuaalegriaeramasprocisses religiosas, escreveu Voltaire. Quando se apegava construo,edificava mosteiros; quando queria uma amante, escolhia uma freira3. OconventoprediletodeD. JooeraodeOdivelas,onde tinhaumapartamentoforradode tapeteseespelhos.Doisdosseusmuitos filhosbastardosforamaliconcebidos.Entretanto, a sua esposa, a rainha D.MariaAna de ustria, deu-lhe seis

    filhoslegtimos,trsdosquaissobreviveramatidadeadulta:Brbara,JosePedro.Numa invulgar dupla cerimnia, na fronteira comEspanha, em 1729,Brbaracasou-secomFernandodeBourbon,prncipeherdeirodeEspanha,eoprncipe herdeiro de Portugal, D. Jos, casou-se com a irm de Fernando,MarianaVitria,deapenasdezanos.Foiumdosmaisbrilhantesmomentosdahistria portuguesa. Toda a gente sabe, escreveu o embaixador britnico

  • trinta anos depois, que o custo imenso da roupa e do equipamento para oduplo casamento celebrado na fronteira com Espanha deprimiu as famliasnobresdurantelargosanos,notendoalgumasaindarecuperadodessaferida.MarianaVitriaatingiuapuberdadeem1732.D.Josjuntou-se-lhenacama

    de casal e rapidamente a corte ficou ansiosamente espera de notcias. Asucesso dos Bragana dependia da fertilidade de Mariana e houve grandejbilo quando ao fimde dois anos foi anunciada a gravidez da princesa.Marianasceua17dedezembrode1734e,duranteosdozeanosseguintes,ocasalrealaindadeuluzoutrastrsfilhas:Mariana,DoroteiaeBenedita.As quatro irms cresceram juntas na corte e passavam bastante tempo em

    Lisboa.Afachadasuldopalciodavaparaumportosemprecheiodebarcos,comquasecincoquilmetrosdelargura,enquantoaorienteficavaoTerreirodoPao,queeraopontodeencontrodacidade,poisnestapraadecorriamvriascerimniasreligiosasetouradasaosdomingostarde.Procisses de penitentes encapuzados juntavam-se neste local durante a

    Semana Santa, descalos, com correntes compridas e pesadas presas aostornozelos, as quais faziam um rudo sinistro. Eles transportavam pedras oucruzes s costas e chicoteavam-se a si prprios com tanta fora que as suascostas estavam vermelhas e inchadas devido violncia repetida daschicotadas4. Duas vezes por ano, em autos de f presenciados commuitadiligncia pelo av de D.Maria emembros da corte, a praa enchia-se dearchotesedepiras flamejantes,enquantoasvtimasdaSanta Inquisioeramgarroteadasequeimadassobasjanelasdopalcio.Imagens religiosas, tanto as mais violentas como as mais harmoniosas,

    povoaram a infncia da princesa D. Maria. Passava longas horas nas suasdevoes,encantadacomoritual,enlevadadeprazerenquantoosmsicosreaistocavam e cantavam em igrejas ricamente ornamentadas. Assistia s missasmatinais,sprecesdofimdatardenacapeladopalcioeaindahaviaumdiadedicadoaumsantoouumafestareligiosapelomenosumavezporsemana.Maria sentava-seao ladodamena igrejae, em todosos servios religiosos,MarianaVitriabeijavaaspginasdoseulivrodeoraes,sendoseuhbitobeijarosnomesdeDeus,deNossaSenhoraede todosos santoseanjosemtodososlivrosqueabrisse5.Tambmnocampo,ondeD.Jootinhavriospalcioscomparquesdecaa

    quepermitiamqueasuafamliaseentretivessecomosapaixonantesdesportossanguinrios, assistiam a festividades religiosas. O imenso palcio deMafra,que tanto tinha apartamentos reais como alojava vrias centenas de fradesfranciscanos, foimandadoconstruirporD. Jooparacumprirovoto feitonanoitedoseucasamentodeconstruirumconventodedicadoaS.Franciscosea

  • sua mulher lhe desse filhos. O palcio em Belm acolhia uma escola deequitao para treinar os cavalos reais, e foi a que D. Maria aprendeu acavalgar.Ocastelodosmouros,emSintra,proporcionavaumrefgioprximonocalordoveroeastapadasdecaaemSalvaterradeMagoseVilaViosagarantiamexcelentescondiesparaaprticadessedesporto.Quandoafamliaviajavadeumpalcioparaooutro,asuamobliaerecheio

    de casa seguiam com ela: camas, mesas e cadeiras, tapearias e carpetes,espelhos,serviosdemesa,pratasevidros.Acortenopodiadarumpassosem levar consigo a moblia, escreveu um francs que viveu em Lisboa,porqueafamlianotemnadaemmaisdoqueumlugaraomesmotempoeno podemudar demorada sem a levar sempre consigo, atmesmo as suascamasearoupadecama6.Umnmeroprodigiosodeveculos,umamisturadadecarruagensnovase

    velhas,erarequisitadoparacadaviagem,assimcomocavalosemulasparaasdiferentes etapas. E quando chegavam ao destino, os criados tinham detrabalhar com grande rapidez para preparar o alojamento: camas e mveismontados, tapearia pendurada e outros tapetes estendidos no cho. Oscozinheirossuavamnacozinhaparaprepararaprimeirarefeio,enquantooscriados desempacotavamo guarda-roupa real.Nos estbulos, os cavalos e osarreios eram preparados e polidos porque a famlia iria levantar-se cedo, namanhseguinte,ansiosaqueestavapormontaracavaloecaar.

    AprincesaD.Mariatinhaapenasseteanosdeidadequandooseuavsofreuumatrombosequelheparalisouoladoesquerdodocorpo.Foramfeitasprecesnasigrejaseconventos,osassuntosdeEstadoforamesquecidoseprocissesreligiosasencheramasruasnoiteediaapartirdoinstanteemqueadoeceu.Osmdicosaconselharam-noairabanhosnasCaldasdaRainha,naesperanadequeaimersoemguasquentesesulfurosasoajudassemarestaurarasade.Foiumaviagemdedezhorasatcidadetermal,tendoafamliapartidoa9dejulho de 1742, de barco pelo rioTejo acima atVilaNova daRainha, ondecarruagensesperavamparaoslevaremporterraatsCaldas.RegressaramaLisboaa17deagosto.Seissemanasmaistarde,oreisofreu

    novo ataque, um espasmo que o privou dos sentidos durante meia hora.Foramcanceladastodasasapariespblicas,exceodeumautodef,a4denovembro,queduroucatorzehorasefoiumafontedefadigaparamuitaspessoascommais sadeque foramobrigadasaassistir.D. Joo sofreuumaterceira trombose a 12 de novembro e nunca mais deixou de manifestartremuras violentas, que se repetiam quase todas as semanas e se

  • prolongavam,svezes,pordiasinteiros.Isto ps fim s visitas regulares aos palcios na provncia, apesar de os

    mdicosaindaacreditaremnosefeitosbenficosdastermasedeasuafamliaoteracompanhadosCaldastrezevezesemoitoanos.Decadavezquefaziamaviagem,omobiliriorealeosadereosviajavamcomelesesemprequeoreisesentiamalnocaminhoacomitivainteiratinhadevoltarparatrseregressaraLisboa.A rainha tornou-se regente sempre que D. Joo estava demasiadamente

    doente para se reunir com os seus ministros, mas, na maioria das vezes, osoberanoreservavaosassuntosdeEstadoparasiprprio.Asqueixasacercadainexperincia de D. Maria Ana avolumavam-se, mas D. Jos, o prncipeherdeiro,recusavaumpapelmaisativo,oquedeixavaanobrezadescontente.SuaMajestadeesttodoente,escreveuocnsulbritnico,que,nomelhordos casos, dormita, sendo muito impertinente, no despachando nada, e,contudo,querendoquetudopassepelassuasmos7.Enquanto a sua sade se deteriorava, D. Joo passava os dias a assistir a

    cerimnias religiosas na igreja patriarcal. A perna e o brao j paralisadoscomearam a inchar consideravelmente, ao mesmo tempo que o monarcasofriadefrequentesataquesdedelrio.Emsetembrode1749,oreifezasualtimaviagemsCaldas.Quando regressouaLisboa a6deoutubro, estava,segundooembaixadorbritnico,numamelancoliamaisprofundadoquedeoutrasvezes, porque tinha alimentadoa ideiadequemorreria antesde ter ossessenta anos completos, j que nenhumprncipe daCasa deBragana tinhaatingidotalidade.Apesar dos seus pressgios, D. Joo sobreviveu ao seu sexagsimo

    aniversrio, a 22 de outubro.Quando o calor do vero de 1750 chegou, elepermaneciadeitado, inchadocomoedema,mal sepodendomexer.Oquartoestava cheio de padres e frades que recitavam oraes e seguravam imagenssagradas,entreelesumjesutaGabrielMalagrida,umhomemtratadocomrevernciapelocasalreal,queacreditavaqueelefosseumsantoouprofeta.D. Joo V morreu a 31 de julho, ao fim de uma longa enfermidade,

    acompanhadadesintomasvrioseextraordinrios.Osmdicos fizeramumaautpsia onde, como explicou o embaixador britnico, foi encontrada umagrande quantidade de gua na cabea e no peito, que se supe ter sidoprovocadapelosmdicoscomgrandessangriaseoutrasevacuaes.OcorpofoilevadoparaaigrejadeS.VicentedeForaparasersepultadono

    mausolureal.Osdoisfilhosdomonarca,D.JoseD.Pedro,acompanharamocaixoatsportasdopalcio,masnoseguiramnocortejo.Deacordocomcostumes antigos, todos osmembros da famlia ficavam confinados aos seus

  • apartamentosduranteosoitodiasseguintesmorte,semveremningumanoserosseusprprioscriados.Apesardeoreiterpermanecidotantotempoemagonia,nosetinhamfeito

    quaisquer planos para a transferncia de poder, pelo que a corte ficoudesorientada aquando da sua morte. D. Jos, o novo monarca, estava todesesperadoque,porengano,duplicouaduraodolutodacorteordenandoquedurassedoisanosemvezdeum,eficouhorrorizadoquandosoubequeasua me planeava retirar-se para um convento. Implorou-lhe at ela terconcordado em permanecer no palcio para o aconselhar sobre questesgovernamentais,amaisimportantedaqualseriaanomeaodosseusministros.

    2Baretti,I,107

    3Maxwell,17

    4Whitefield,12-14

    5Baretti,I,110

    6Carrre,75-77

    7Parker(cnsulbritniconoPorto),25deabrilde1744(SP89/43)

  • 2PrincesadoBrasil

    Onovoreiindeciso,extremamenteinsegurodesiprprioetemconscinciadequeasuaeducaofoibastante

    negligenciada.AbrahamCastres,3dejulhode1751

    OpaideD.Mariacontavatrintaeseisanosquandoascendeuaotrono.Diziam-nodeboaestatura,masinclinadoparaacorpulncia,detraosregulares,comolharimpacienteevivo,ecomohbitodemanterabocaalgoaberta8.Quanto me, D. Mariana Vitria, era uma pessoa muito agradvel, com olhosescuros, perspicazes e penetrantes9. O embaixador britnico achava-aexpedita e afvel nas audincias oficiais, respondendo alegremente aoscumprimentos e tendo longas conversas com ele. Inteligente e espirituosa,queixava-sefrequentementedomarasmoedamonotoniadacorteportuguesa.D.Josfoiformalmenteentronizadonumdiaquenteesoalheirodomsde

    setembro,comamulheraseulado.Acerimniafoiumaaclamaoenoumacoroao,poisesteritualforaabandonadonosculoXVI,apsD.SebastioterperdidoavidaeodiademanumcampodebatalhaemMarrocos,mas,aindaassim, era uma cerimnia esplendorosa. Tinha sidomontado umpavilho noTerreiro do Pao e, na tarde de 7 de setembro, a praa era um tumulto depessoaseoportoestavacheiodebarcos.AssimqueD.Josfezojuramento,amultido gritou Viva o Rei, soaram trompetas, repicaram os sinos e aartilhariadisparouumasalvadevinteeumtiros.D.Mariaestavasentadanumadasalasdopavilho,comasuaaveassuas

    irms.Ao longo dos anos, os seus pais tinham tido quatro filhas, e sofridoquatro abortos espontneos, mas no tinha havido nenhuma gravidez desde1746,eosmdicos jno tinhammuitasesperanas.Aprincesa tinhaquinzeanose,enquantoobservavaosseuspaisnocentrodopalco,estavacientedoseu futuro papel. Portugal no tinha nenhuma lei slica que exclusse asmulheresdasucesso,peloqueamenosqueasuamedesseluzumrapaz

  • oquepareciaimprovvel,herdariaacoroaetornar-se-ianaprimeiramulheragovernaropas.Tendo crescido numa corte descrita como muito enfadonha e cheia de

    cerimnias at o embaixador britnico se referia ao tdio excessivo doprotocoloreal,Mariaestavafamiliarizadacomasmuitasformalidadesdavidano palcio.Agora, como herdeira do trono, teria de desempenhar um papelaindamaisimportante.Asuaprimeiraaudinciaoficialcomoprincesaherdeira,com o ttulo hereditrio de princesa do Brasil, teve lugar a 10 de agosto.Tratava-se de um beija-mo, um intrincado procedimento de vnias e degenuflexes, em que os membros da corte beijavam as mos esticadas darealeza.Assistiuamaiscerimniasduranteassemanasseguintese,noinciodeoutubro,foicomafamliaparaopalcio-conventodeMafra.D. Jos, perturbadopelas suas novas responsabilidades, sentiu necessidade

    dearfrescoedeexerccio,tendoviajadoparaMafra,emparteparaparticiparnasfestasdeS.Francisco,mastambmporcausadacaaaoveadoeaojavalinoparquerealnasproximidades.

    ***

    Tantoonovoreicomoa rainhaeramamantesdacaae,embreve,a famliacomeouapassarmaistemponocampo.Noinciodejaneiro,asbarcaasreaislevavam-nosrioacimaatSalvaterradeMagos,ondecaavamdurantevriassemanaselevavamumavidamuitojovial.Naprimavera,faziamaviagemdetrsdiasatVilaViosa,pertodafronteiracomEspanha.OsmesesdeveroerampassadosemBelm,ondepraticavamotiroeafalcoaria,eemexcursesaMafraparamaiscaadas.D.MarianaVitriaeraumaexcelenteamazona,comacaratisnadapelosol,

    devidoslongashoraspassadasacavalo.Montavacomoumhomem,comumapernadecada ladodasela,usandocalesdecouropretoscobertosporumasaiavelha,eeraperitaemtiro.Houveacidentesde temposa temposdedospartidos,umombrodeslocadoouaocasioemqueotirofalhouumaperdizeroouafontedoseumarido,masnadadesviavaocasalrealdoseudesportofavorito. Em Salvaterra, quase nunca passavam um dia sem estar a cavalodurante cinco, seis e muitas vezes oito ou dez horas, especialmente em diasdedicadosaojavali,queocorriamcombastantefrequncia.AoutrapaixodeD.Joseraamsica,nomeadamenteaperaitaliana,pois

    tocava violino com um conhecimento considervel e tinha planos paratransformarasuaperanamaisproeminentedaEuropa.Opalciorealem

  • Lisboa possua o seu prprio magnfico teatro, construdo com imensadespesa, omelhor da sua dimenso naEuropa, o palco ultrapassando tudo oquesetinhavistonognero10,eoreideuordensparaqueseconstrusseumgrande teatro de pera na cidade e outro perto dos terrenos de caa deSalvaterra.Oscantoresemsicosreaisacompanhavamomonarcanassuasviagensaos

    palcios no campo e havia espetculos vrias vezes por semana. Todos ospapisfemininoseramcantadosporcastrati,porqueD.JoscomooseupaieraumlibertinoeD.MarianaVitriaeraexcessivamenteciumenta.Arainhanoselimitouabanirtodasasmulheresdaperareal,tambmproibiuassuascriadas de aparecerem na presena do rei e diz-se que escolheu asmulheresmaisvelhasemaisfeiasdacorteparaserviremcomosuasdamasdehonor.Apesardosseusesforos,D.Jostinhavriasamantes,incluindoamarquesa

    novadeTvora.Durantearepresentaodeumaperanacorte,emjunhode1755,umvisitante reparouqueamarquesanovadeTvoraestavademuitoboasrelaescomorei;nofizeramoutracoisasenoolharemumparaooutrotantoquantoseatreveramnapresenadarainha11.Algunsmesesmais tarde,uma histria inconveniente corria por Lisboa. D. Mariana Vitria assimversavaaintrigaestavadepnumavarandaemBelmaobservarD.Josamontar a cavalo, em baixo, na praa. Quando um dos cortesos da rainhaelogiouaformagraciosacomooreimontava,arainhavirou-separaomarqusvelhodeTvoraque estava, dep, a seu lado e disse: verdadequeo reimontabemacavalo,mastemdeadmitirquemontamelhorquandoestcomasuanora12.

    Em setembro de 1752, D. Jos assinalou o segundo aniversrio da suaaclamao com uma srie de touradas e de peras em Lisboa, incluindoexibiesdeum famosocastrato italiano. A corte, escreveu o embaixadorbritnico, est totalmente ocupada com touradas, concertos e peras, quasetodososdiasdasemana.Trsmesesmais tarde, D.Maria atingiu o seu dcimo oitavo aniversrio,

    umaocasiocelebradacomumbeija-monopalcio.Aprincesa,quesetinhatornadoalta,magra,comtraosbemdefinidoseumsorrisocaloroso,aceitouoscumprimentos dos embaixadores estrangeiros e membros da corte com umaelegnciagraciosa.Apesardeterumaeducaolimitadainstrudaporpadresjesutas,semnfasenosassuntosdeEstadoeraumamulherfeita.Falavaeliafrancs, a lngua diplomtica das cortes da Europa, sabia latim e estudavareligioeteologia.Aprendeuadesenhareapintarcomosmelhoresartistasdo

  • pas,estudoucantocomDavidPerez,omestredemsica italiano,e tantoelacomoasirmssabiamtocarbemvriosinstrumentos.Amvel e afetiva, tmida e envergonhada, D. Maria sofria de acessos de

    melancoliaedealgumaagitaonervosa.Tinhaherdadoareligiosidadedoseuav e, sendo profundamente servil para com a Igreja, pensou diversas vezesentrarparaumconventoparasetornarfreiraepassarosseusdiasemorao.Comumasimplicidadeinfantil,oseuquartoestavacheiodelivrosdedevooedeimagensdesantasdetodosostamanhosefeitios13.AfdeD.Mariafoireforadanoverode1753,quandoestevesportasda

    mortecomumafebreinflamatriaviolenta.Aprincesaficoudoentea29dejunho durante uma pera no palcio e, medida que a febre aumentava, osmdicos iam-na sangrando. Finalmente, tendo sido sangrada seis vezes,achou-se que estava em tal perigo iminente que o nncio apostlico foimandadoviratodaapressaparalhedaraextrema-uno.Emsimultneo,arainhaordenouquetrouxessemumaimagemdemadeiradeJesusqueestavanoconventodaGraa.Essaimagem,queseacreditavaterpoderesmiraculosos,eraconhecidacomo

    Senhor dos Passos. Mostrava Jesus, em vestes purpreas e com coroa deespinhos,atransportarumacruzenormeaosombros,curvadopelopesoatoseu corpo estar quase dobrado em dois14.A esttua foi transportada para opalciocomgrandepompaecolocadanoquartodeD.Maria.Aprincesa,que tinha estado deitada num estado deplorvel durante mais de vinte equatro horas, sentiu, na manh seguinte, alguns dos piores sintomascomearemadesaparecer.A 8 de julho perante a alegria universal D. Maria estava

    consideravelmente melhor. O embaixador britnico atribuiu a suarecuperaoaummdicoalemoque,descobrindoanaturezadaenfermidade,props remdios prprios para as febresmalignas e salvou a vida da amvelprincesa.Porm,aprincesaD.MarianuncaduvidouquetivessesidooSenhordosPassosasalvar-lheavida.A imagem foi levada de volta ao convento com a maior pompa e

    solenidadee,nofinaldoms,afamliajsetinhamudadoparaoseupalcioem Belm. Enquanto D. Maria procurava recuperar as foras, durante asquentessemanasdevero,umdosministrosdeseupaiganhavapoder.

    Sebastio Jos deCarvalho eMelo o futuromarqus dePombal era umhomemimponente,de1,80metrosdealtura,comumacaracompridaetraoselegantes.Nascidoem1699,numafamliadabaixanobreza,poucotinhafeito

  • na vida at ser nomeado, aos quarenta anos, embaixador de Portugal emLondres.Quatroanosmais tarde, foimandadocomoenviadoespecialcortedeViena,umaposioquemanteveataoseuregressoaLisboa,em1749.Oembaixadorbritnicoreferia-seaotemperamentodifcilechicaneirode

    CarvalhoeMelo,masocasamentocomumaaristocrataaustracaf-locairnosfavoresdamedeD. Jos, tambmelanatural daustria.D. JooVnuncatinha confiado em Carvalho e Melo chamando-lhe um homem com umcoraopeludo,masasuavivatinhamuitoinflunciasobreofilhoefoielaquem aconselhouD. Jos a nome-loministro dosNegcios Estrangeiros, omaisbaixodostrslugaresdeministro.O novo rei era, como o embaixador referiu, indeciso, extremamente

    insegurodesiprprioecomaconscinciadequeasuaeducaoforabastantenegligenciada.Mal preparadopara o poder,D. Jos seguiuos conselhosdesua me sobre a nomeao dos seus ministros, mas mostrou sempre poucointeressepelogoverno,preferindopassaroseutemponaperaounacaa.Emoutubro de 1750, o embaixador observou que, embora os ministros seencontrassemcomD.Jostodososdias,tinhampoucainfluncianele,oquedeu origem a muitos pasquins, alguns bastantes insolentes, vrios dos quaisapareceram no quarto de cama do rei e outros pregados nos portes dopalcio.D.Joseratambmirritvelefcildelevar, traosqueCarvalhoeMelo

    umadministradormuitointeligenteecapazrapidamentecomeouaexplorar.O ministro infatigvel, ativo e expedito, escreveu o encarregado denegcios francs,nooutonode1750.Tendoconquistadoaconfianadoreiemtodososassuntosdepoltica,ningumlhelevaamelhor15.Seismesesmaistarde,oembaixadorbritnicoescreveuqueCarvalhoeMeloestavaaganharterrenonasboasgraasdoreie,ataoverode1751,ocorreuumamudanasubtilnoequilbriodopoder.Comoescreveuoembaixadoremjulho:

    Sua Majestade mostrou no incio do seu reinado mais suspeio do que confiana nos seusministrosnodespachodosassuntosdeEstado,mas,comoosministros,particularmenteoSenhorCarvalho, encontraram formas de se creditarem perante ele, os assuntos tm sido tratados comrapidezpoucocomum,comoreiamostrarumanotveldocilidadeepacinciaparadespacharoquelheeracolocado,emmuitomaiorgraudoqueseriadeesperardeumprncipetopoucohabituadoaosnegciosdoreino.

    Oequilbriodepodercontinuouaalterar-se.Comooministrotemoseupnoestribo,escreveuoembaixador,emjunhode1753,ascoisasmudarammuitofavoravelmentepara o seu lado.Em fevereirode1754, a rainha-me tinha

  • perdidoasuainflunciasobreofilhoearrependia-semuitodelheterindicadooSenhorCarvalho.

    AmedeD.Josnoviveuosuficienteparaselamentardurantemuitomaistempo. Tendo setenta anos, a sua sade deteriorava-se, pelo que pediu aojesutaGabrielMalagridapara a preparar para amorte.Quandoo seu estadopiorou, em julho, o embaixador britnico descreveu os seus sintomas numdespachoparaLondres.Aprimeiraqueixa,escreveuele,eraumasupressodaurina que, tendo durado dois dias, acabou por ser removida por remdiosapropriados. Receia-se que a verdadeira enfermidade seja uma hidropisia nopeito.A12deagosto,vriasmanchaslvidasapareceramnassuaspernaseomdicoalemoavisouD.Josquesuamemostravasinaisdemortificaointerna.D.MariaAnamorreudoisdiasmaistarde,tendomantidotodosossentidos

    at ao ltimomomento.O seu corpo foi enterrado num convento de freirasalems, que ela tinha fundado na cidade, e o corao foi enviado para a suafamlia original, na ustria, onde todos os que a conhecem sabem que elesempreesteve.D.Josfezlutopelaperdadesuame,comotinhafeitoapsamortedeseupai,levandoafamliaparaocampoparapassarotempoacaar.Oembaixadorcomentoualgunsmesesmaistardequeoreieacortenotmestadonacidadenosltimostempos.Noms de setembro seguinte, a frota anual do tesouro chegava a Lisboa:

    vinte e seis naus doRio de Janeiro, carregadas de ouro e de diamantes; umbarcodeMacautransportandovintemilhesdecruzadosdeouroemp,embarraseemmoedas;dezanovebarcosdaBaacomumtesouroquevaliadoismilhesdecruzados;etrsbarcosdeGoa,numdosquaisregressavaaLisboaomarqus velho de Tvora, depois de ter sido vice-rei da ndia.A nomeaohaviasidofeitaporD.JooVeomarqustinhaviajadoparaGoa,emfevereirode1750,levandoasuamulher,ofilhomaisvelho,edeixandoasuanoraemLisboaparadespertaraatenodeD.Jos.Oprncipeherdeiroatforaaocaisparasedespedirdeles.

    8Wraxall,I,11

    9Ibid.,I,34

    10Hervey,Journal,125-126,179

    11Ibid.,179

  • 12Cormatin,I,122-123

    13Beckford,Journal,262

    14Whitefield,5

    15Cheke,DictatorofPortugal,50

  • 3Terramoto

    Numquartodehora,estagrandecidadeficouemrunas.EdwardHay,15denovembrode1755

    A20deoutubrode1755,oembaixadorbritnicoenviouumdespachoparaosecretriodeEstadoemLondres.Noacontecenadaporaqui,escreveuele,quemereaaatenodeSuaMajestade.Doze dias mais tarde, a manh de 1 de novembro estava anormalmente

    quente,comosolabrilharnumcusemnuvens.OpovoestavanasigrejasacelebraramissadoDiadeTodososSantosquando,snoveemeia,seouviuumrudosemelhanteaodasrodasdapesadacarruagemdoreiachocalharnasruas.A terraestremeceue, emseguida, foi sacudidanummovimentoverticalque fazia lembrar uma carroa a ser violentamente conduzida sobre umempedrado grosseiro. O capito de um barco que estava no porto viu osedifciosdeLisboaabalanaremparaafrenteeparatrs,comomilhoaovento,antesdecomearemacair, levantandovastasnuvensdep.Numquartodehora,escreveuocnsulbritnico,estagrandecidadeficouemrunas.Quandoopcomeouaassentar,viram-semagotesdepessoasacambalear

    entrepilhasdepedrasdespedaadas:

    Velhos, novos, homens emulheres, procurando os seus pais, filhos, parentes e amigos, muitosdoentes,muitosestropiadospelaquedadecasas,algunsmortoseamaiorparteseminus,nuncasevira nada to triste frades e padres dando a absolvio, confessando e rezando com todos; oscocheseasliteiras,oscavaloseasmulas,enterradosnocho;pessoassobasrunaspedindoajudaeningum conseguindo chegar junto a elas; velhos, quase incapazes de andar, sem sapatos oumeias.16

    Ossobreviventesabriramcaminhoentreasrunas,dirigindo-separaamargemdo rio,ondeestariama salvodosprdiosquedesabavam.Mas,pouco tempodepois,asguasdoTejorecuaram,seguindo-seavisodeumaondagigantea

  • dirigir-se para a cidade. Ao virar os meus olhos para o rio, escreveu ummercadoringls:

    Apercebi-medeasguasestaremacrescerdeumamaneiranadausual.Numinstante,apareceuumaenormequantidadedegua,levantando-secomoumamontanha.Veioaespumar,arugir,edirigiu-separaamargemcomuma impetuosidade talque,embora todos tivessemcorridoparasalvaravida,muitosforamlevadospelagua.17

    TrsmaremotossubiramTejoacimanessamanh.Barcosforamarrancadosssuas ncoras e esmagaram-se uns contra os outros, enquanto as guasinundavamaszonasbaixasdacidade.Osmaremotosdestruramedifciosjuntosmargensdo rio, levaramocaisdoTerreirodoPao, forradoamrmore,edestruramtudonoseucaminho.Asrplicascontinuaramafazer-sesentirdurantetodaamanhe,noincioda

    tarde, a maior parte da cidade estava em chamas.A queda de cortinas e demadeiras sobre as velas acesas para o Dia de Todos os Santos em todas asigrejas e capelas conduziu ao desencadeamento de numerosos incndios, osquaisembrevesejuntariamnumavastaconflagrao.Aspessoasfugiramparaos subrbios, andando sobre runas, por um caminho pejado de mortos emoribundos:

    Emalgunslocaishaviacoches,comosseusdonos,cavalosecondutoresquasefeitosempedaos.Aqui havia mes com crianas nos braos, ali havia senhoras ricamente vestidas. Padres, frades,cavalheiros, mecnicos, alguns com as costas ou as pernas partidas, outros com grandes pedrasassentes no peito. Alguns estavam quase enterrados no lixo, pedindo socorro em vo, sendodeixadosamorrercomorestodaspessoas.18

    Quandoanoitechegou,osespaosabertosemtornodeBelmestavamcheiosdegenteconfusaeassustada.medidaqueescurecia,todaacidadeaparecianum incndio to brilhanteque as pessoas fixavamos olhos nas chamas eficavamaolharcomumpesarsilencioso, interrompidoapenaspelosgritosdemulheresecrianassemprequeaterrarecomeavaatremer,oqueacabouporacontecercomtantafrequncianessanoitequeostremoresnoparavamnemporumquartodehora19.

    Afamliareal,noseupalcioemBelm,aindanemestavavestidaparaodiaquandoaterracomeouaestremecer.D.Jossaltouporumajaneladorsdochoquandosentiuoprimeiroabano,seguidopelamulherepelasfilhasuns

  • minutosmaistarde,aindaemroupasdedormireembrulhadasemlenis.Durante as horas que se seguiram, os criados ergueram incessantemente

    tendasparaainstalaodacorte,enquantoD.Mariaolhavaparaleste,aolongodoTejo,paraanuvemdepqueestava suspensa sobreas runasdeLisboa.Observou as guas a subirem e a recuarem, enquanto as ondas gigantes seelevavamnorioe,quandoveioaescuridodanoite,viuosfogosnacidadeailuminaremocu.Nessanoite,aprincesaficouna tendamontadanos jardinsdopalcio.Sentiua terraacontinuara tremer,ouviuosgritosdos refugiadosem Belm. Era difcil dormir durante as longas horas de escurido, mas omuito desejado dia apareceu finalmente e o sol levantou-se com grandeesplendorsobreacidadedesoladademanh20.Era umnovo dia brilhante e soalheiro.Os incndios continuavam a arder.

    Alimentados por um vento de nordeste, arderam durante mais cinco dias elevou algum tempo at que o povo de Lisboa pudesse regressar cidade eandar com dificuldade sobre as runas. No possvel exprimir em lnguahumana,escreveuocapitodeumnavioqueseaventurouairaterra:

    Que horrvel foi entrar na cidade depois do fogo ter sido extinto. Olhando para cima, ficava-seespantadode terroraoverpirmidesde fachadasarruinadas,umas inclinadasparaumlado,outrasparaooutro.Depois,ficava-seespantadodeterroraoolharparaoscorposmortos,seisousetenummonte,esmagadosatmorte,meioenterradosmeioqueimados,enoseencontravasenopessoaslamentandoosseusinfortnios,torcendoasmosegritandomisericrdia,ofimdomundo.21

    D.Josficouesmagadopelacatstrofe.QuandoCarvalho,cujacasanoBairroAlto ficara intacta, chegou a Belm algumas horas depois do terramoto, foiencontraroreirodeadodepadresnumestadodetotaldesorientao.Oquequesefaz?,perguntou-lheD.Jos.Enterrarosmortos,respondeuCarvalho,ecuidardosvivos.Recebendo plenos poderes para restaurar a ordem, o futuro marqus de

    Pombal viveu no seu coche durante oito dias. Escreveu mais de duzentasproclamaes, encorajou as pessoas a procurarem sobreviventes entre osescombroseaproporcionaremalimentaoeabrigoaosquehaviamperdidoascasas.Duranteumperododevinteequatrohoras,noingeriusenoumpratodesopatrazidopelasuamulher,quesetinhapostoaocaminho,entreasrunas,ataoseucoche.Os cadveres foram recolhidos para bateles, rebocados para o mar e

    deitados pela borda fora. Foram enforcados saqueadores e os seus corposficaram expostos para dissuadir outros. Navios que chegassem com

  • carregamentos de peixe,milho e carne eramobrigados a vender a sua carga;enquanto os barcos que partiam eram revistados procura de tesourosroubados.Abriram-secaminhosentreasrunas,foramrequisitadosarmaznseorganizaram-se centros de alimentao. Erigiram-se abrigos nos espaosabertos,foramcavadaslatrinaseestabeleceram-sehospitaistemporriosparaosferidoseosindigentes.Entretanto,a famliareal foi instalada toconfortavelmentequantopossvel

    nas tendas de Belm, embora se tenha levado vrios dias a organizar omobilirio, os adereos, as suas roupas e os artigos de toucador. A 5 denovembro,quandooembaixadorbritnicofoiapresentarcondolncias,D.Josrecebeu-o commais serenidade do que eu esperava, enquanto a rainha e asprincesasmandaramdizerque,estandonastendasenoestandovestidasparaaocasio, gostariam que as isentasse de aceitar os meus cumprimentospessoalmente.D.Mariaapareceunovamenteempblicoa16denovembro,quandoelaea

    famliaparticiparamdescalosnumaprocissosolenedepenitnciadirigidapelo patriarca, nos subrbios ocidentais da cidade. Rplicas continuavam aabanaraterra,porvezescomviolncia,eoseuvigsimoprimeiroaniversrio,a17 de dezembro, passou largamente desapercebido. Cinco diasmais tarde, aprincesa assistiu a uma audincia oficial na que era conhecida como tendareal,quandooseupaiagradeceuaoembaixadorbritnicoarespostarpidaaodesastreporpartedoseugoverno.TinhamsidoenviadosdeInglaterrabarcoscarregadoscommoedasdeouro,

    alimentos,sapatos,roupa,picaretas,ps,psdecabra,eosagradecimentosdeD.Josforamexpressosnasuahabituallinguagemefusiva.NumacartaescritaparaLondres,a24dedezembro,oembaixadorregistavaqueoreiea rainhatinham falado com umamistura de complacncia e ternura, tanto no aspetocomo no tom de voz, e mostraram claramente a emoo que ia nos seuscoraes.Dezenasdemilharesdepessoas tinhammorrido,esmagadaspelaquedade

    pedras e fachadas, afogadas pelos maremotos, queimadas pelas chamas. Opalcio no Terreiro do Pao estava em runas, assim como o novo teatro deperadeD.Jos,aigrejapatriarcal,osconventos,asigrejasecapelas,evriosmilhares de lojas e de casas. D. Maria e as suas irms prepararam gazes eligaduras para os feridos, enquanto os criados remexiam os escombros dopalcio.Noinciodejaneiro,jtinhamencontradoamaiorpartedosdiamantesreais, assimcomovinteeduas toneladasdeprata, eD.Maria ficoudeliciadapor saber que o Senhor dos Passos tinha sido salvo intacto das runas doconventodaGraa.

  • Belm, a cinco quilmetros da rea de maior devastao, tinha sofridopoucosestragos.Opalcioeraestruturalmenteslido,masD.Josinsistiuquea famlia ficassenas tendas enquantoumnovopalcio, feito emmadeira, eraconstrudonacolinadaAjuda,aliprximo.Osterroresdoterramotoficaramtogravadosnasuamente,explicouumvisitanteaLisboa,queoreipreferiaresidir em edifcios demadeira ou em tendas, pormuito pobres e incmodosque fossem, a ter de se defrontar com os perigos ligados a um edifcio empedra22.As tendas reais eram frias durante osmeses de inverno e a chuva entrava

    pelascosturas.OscriadosfizeramoseumelhorparaproporcionarcaloreluxoaD.Maria,trazendoacoleodebonecassantasdopalcio,enchendoatendacomtapetesetapearia,mantendoasbraseirasacesaseempilhandocobertasnacama,masaprincesanoestavahabituadaataisdesconfortos.PerturbadaportantaspessoasteremmorridoenquantocelebravamamissadoDiadeTodososSantos, foi confortada pelo seu confessor jesuta, que lhe assegurou que odesastreforaocastigodeDeuspelosseuspecados.Entretanto,nosespaosabertosemtornodeBelm,milharesdepessoassem

    casa viviam em abrigos provisrios de madeira e tela. Os negcios estavamparalisados,haviapoucacomidae,comoconsequnciadadestruiodetantasigrejas,ospadresouviamasconfissesedirigiamosserviosreligiososaoarlivre.

    Em janeiro de 1757, a famlia real deixou Belm pela primeira vez desde oterramoto, encetando a viagem de cinquenta quilmetros rio acima atSalvaterra deMagos. Quando a barcaa real passou em frente cidade, D.Maria olhou para as igrejas e conventos em runas, os escombros do palcioreal,olixoacumuladonoTerreirodoPao.Nosevnada,escreveuJosephBaretti, que tinha chegado num barco proveniente de Falmouth, a no sergrandesmontes de lixo, de onde aparecem os desgraados restos de paredesdestrudasoudepilaresquebrados23.AfamliagostoudecaaremSalvaterraesregressouaBelmemmaro.

    Quatro meses mais tarde, o novo palcio de madeira estava pronto para serocupado.EraaBarracaReal,umedifciocomprido,deumsandar,descritopor um observadormaledicente como uma estrutura muito mesquinha, semqualquer tipo de magnificncia24. Ao mesmo tempo que D. Maria seestabelecianasuanovacasa,uminglsWilliamStephensabriaumafbricadecalnosubrbiodeAlcntara,aquilmetroemeiodeBelmpelaestradadeLisboa.

  • Destinados a fornecer argamassa para a reconstruo da cidade, os seusfornos de cal foram construdos segundo um desenho moderno, industrial,como jamais fora visto em Portugal. Das janelas do palcio, D. Mariaobservava o fumo a sair pelas chamins e, quando passava em frente aosportes da fbrica, via, por vezes, Stephens de p, no ptio, a olhar para ococherealquepassava.

    16ThomasJacomb,1denovembrode1755(Macaulay,TheyWenttoPortugal,273-274)

    17Anaccountbyaneye-witness,11

    18Ibid.,16

    19Ibid.,18

    20GentlemansMagazine,1756,67--68

    21Ibid.,1755,561

    22Wraxall,I,17

    23Baretti,I96-97

    24Cormatin,I,118

  • 4AAscensodePombal

    Oministrotemtodaagestodosassuntosdestereino.Temmopesadaefazcomquetodasasclassesdepessoaso

    temam.EdwardHay,1demarode1766

    O facto de a casa de Pombal no ter sido destruda pelo terramoto era naopinio deD. Jos um sinal de orientao divina, prova de que oministrotinha sido enviado porDeus para o ajudar nesta hora de necessidade.A suainfluncia sobre o rei aumentou muito com esse acaso, assim como a suaeficientegestododesastre,quefezcomque,emmaiode1756,fossenomeadoprimeiro secretrio de Estado, com a pasta dos assuntos internos. Como foiexpressopelocnsulbritnico,oSenhorCarvalhoagoraoatorprincipale,comefeito,primeiro-ministro,porquenadasefazsemele.Pombalencaravao terramotocomoumacontecimentonatural,masosseus

    planospararestauraraordemeramtravadospeloclero,que insistiaemqueodesastreeraumcastigodeDeus.Nasproximidadesdoprimeiroaniversrio,ojesutaGabrielMalagridapublicouumpanfletoemqueatacavaaspolticasdePombaleemalusoaumaretaliaodivina:

    Aprende,ohLisboa,queodestruidordasnossascasas,palcios,igrejaseconventos,arazoparaamortede tantaspessoaseaschamasquedevoraramtantasquantidadesde tesouros,soosvossosprpriospecadosabominveis.escandaloso fingirqueo terramoto foi apenasumacontecimentonaturalporque,sefosseverdade,nohaverianecessidadedearrependimentoedetentarevitarafriade Deus. necessrio dedicar toda a nossa fora ao arrependimento. Deus observa-nos, com ochicotenamo.25

    Pombal, que tanto tinha trabalhado para restaurar a ordem na cidade, ficoufurioso.Acusouosjesutasdeusaremodesastreparaassustarmentesfracasesupersticiosas. Persuadiu o nncio apostlico a mandar Malagrida para

  • Setbal, cinquenta quilmetros a sul de Lisboa, e rascunhou um decretodenunciando o panfleto como fantico, malicioso e hertico. Entretanto,vrios jesutas tinham comeado a conspirar contra o marqus, com as suasintrigas a serem difundidas na corte, onde os nobres tambm ferviam emressentimentosporteremperdidoamaiorpartedoseupoderedasuainflunciajuntodorei.CarvalhoeMelomostrouasuaforapelaprimeiravez,noverode1756,ao

    arquitetar a desgraa de D. Diogo de Mendona, um dos seus colegassecretrios de Estado. Mendona, que tinha cimes de Pombal, fora toindiscretoqueo criticara em jantares e j se falava emconspirao.A31deagosto,foibanidodeLisboa,tendotidoapenastrshorasparadeixaracidade.Passados poucos meses, soube-se que tinha sido preso e deportado paraAngola.E,comotantosoutrosqueforamexiladosparaaquelacolniaafricana,morreu por l, devido aos efeitos do clima extremo, s doenas e malimentao.Mendonanoestevesozinhonasuaruna.Tendo-seconvencidodequeos

    jesutasestavamenvolvidosnaconspirao,PombalpersuadiuD.Josaafastarda Barraca Real todos os confessores da Companhia de Jesus. Mandadosregressaraosconventosdasuaordem,deixaramopalcioa19desetembro.D.Maria perdeu assim o seu confessor, Timteo de Oliveira, um homem quemuitorespeitava.Emjunhode1758,aCompanhiadeJesusfoibanidadetodosos negcios, proibida de pregar e ouvir confisses. Pombal justificou estasmedidas com uma suposta conspirao dos jesutas contra o governo daAmrica doSul,mas, como observou o embaixador britnico, a ordemdosjesutas muito poderosa neste pas e a sua desgraa , ainda mais,extraordinria.D. Jos foi cmplice destas aes contra os jesutas ao assinar os decretos

    que Pombal lhe punha frente. O embaixador francs registou que o reimostravasinaisdealgumatensonervosanoverode1758,talvezapreensivoe pensando que o seuministro estaria a ir longe demais. Parecia, escreveu oembaixador,fracoeansioso,comoseprevissealgumagrandecalamidade26.

    A31deagosto,chegouumacartadeMadridinformandoD.Josdamortedasua irm Brbara, mulher de Fernando VI de Espanha. De acordo com oscostumes,ordenoufamliaquesefechassenosapartamentosduranteoitodiaseimpsumlutonacortedeseismeses.Infelizmente,escreveuoembaixadorbritnico a 13 de setembro, a execuo desta ordem foi interrompida pelaindisposio de SuaMajestade, porque hbito desta corte pr gala quando

  • qualquermembrodafamliarealsangrado.Soube-sequeoreiteriacadonaBarracaReal,nanoitede3desetembro,e

    feriraobraoe,umavezqueforaaconselhadoanotratardenenhumassuntodurantealgumtempo,asuamulherfoiregenteduranteasuaindisposio.D. Jos que devia estar confinado aos seus aposentos na noite de 3 de

    setembro, fazendo luto pela sua irm, aproveitou para sair s escondidas dopalcio e visitar a sua amante, a marquesa nova de Tvora. Era uma noiteescuraasegundaapsaluanovae,naviagemderegresso,poucoantesdameia-noite,quandoa sua liteirapassavaporumcaminhoestreito, apareceramtrscavaleirosmascaradosqueabriramfogo.Oprimeirotirofalhou,osegundoe o terceiro foram-se cravar na parte de trs da liteira. D. Jos no ficouseriamentemaltratado o tiro feriu-o ligeiramente no ombro e no brao e,quando os cavaleiros fugiram na escurido, pediu aos seus criados para olevaremdiretamenteacasadocirurgiorealnaruadaJunqueira.O rei regressou a Belm, depois de receber tratamento, e mandou um

    mensageiro chamaromarqus aopalcio.Namanh seguinte, a conselhodePombal,foianunciadaahistriadaqueda.Noentanto,espalharam-serumorespela cidade e, a 13 de setembro, o embaixador britnico explicava que atentativadeassassinatotinhaalarmadograndementeacorte,ondeeraabafada,mas fala-se nela no estrangeiro mais pblica do que prudentemente sobre oestadoemqueestariaestainfeliznaoseoreitivessecado.EnquantoD.Mariaficavahorrorizadacomarealidade,Pombalviunelauma

    oportunidadenica.Asuaambioeraaumentaraprosperidadecomercialdopase,comoafirmouaoembaixador,emanciparanaodasujeioSdeRomaeerradicarvelhospreconceitosdasmentesdaspessoassupersticiosas.Mas tambmhaviaum ladodespticono seucarter, sendocapazdeabrigarrancoresantigos.Nasuajuventude,pediraemcasamentoumafilhadafamliaTvora e os Tvoras, no gostando do seu passado provinciano, t-lo-ocorridodesuacasa.TambmoduquedeAveirosetinhatornadouminimigo.SendoonobremaisimportantedePortugal,nuncaesconderaquenogostavadePombale foielequemencabeouaoposioaomodo indolentecomoD.JosgovernavaoseupaseaPombalcomoprimeiro-ministrodorei.Nos trs meses seguintes, Pombal utilizou espies para reunir provas

    contraosaristocrataseosseusconfessoresjesutasatprenderossuspeitosa13dedezembro.Nelesincluam-seoduquedeAveiroetodaafamliaTvora:omarqusvelhoeasuamulher,amarquesavelha;osseusquatroirmos;osseusdoisfilhos,omaisvelhodosquaisomarqusnovoeraomaridodaamantedeD. Jos; e os seus dois genros, conde deAtouguia emarqus deAlorna.Foram tambmpresos trezepadres jesutas, incluindoGabrielMalagrida, que

  • tinhasidoguiaespiritualdamarquesavelha,eTimteodeOliveira,confessordeD.Mariaataoseurecenteafastamento.PombalconvenceuaindaD.Josapermitirousodatortura,presidindoaos

    procedimentos enquanto cinquenta prisioneiros eram interrogados na roda.Torturaram-se criados para extrair informao sobre os seus empregadores, eforam torturados nobres para trarem os seus amigos. Os julgamentoscomearam a 9 de janeiro e os vereditos conhecidos de antemo foramanunciados trs diasmais tarde.Os acusados foramdados comoculpadosdetraioedezdelesforamexecutadosnodiaseguinteemBelm.SeisdoscondenadoseramaristocrataseD.Mariaconhecia-osbem.Diz-se

    que ter implorado misericrdia a seu pai quando as sentenas foramanunciadas,masD.Josnoseemocionoucomassuaslgrimas.Durantetodaa noite, os carpinteiros trabalharam no cadafalso, colocando seis rodas naplataforma, uma para cada um dos nobres.Deitada na sua cama, naBarracaReal,D.Mariaouviuossonsdistantesenquantoserravamepregavamduranteanoite.Caaumachuvamiudinhanessamanh,quando,umaum,oscondenados

    chegaram ao local de execuo. A marquesa velha em primeiro lugar. Foidecapitada. Depois vieram os seus dois filhos e um dos genros, o conde deAtouguia.Cadaumfoiatadoaumaroda,opeito,aspernaseosbraosforampartidos com martelos antes de um garrote lhes pr termo vida. Os seuscadveresestavamaindaemexposionarodaquandooduquedeAveiroeomarqus velho subiram ao cadafalso para sofrerem o mesmo tratamento.Finalmente, foi queimado vivo o ltimo dos assassinos e deitado fogo plataforma,reduzindoacinzasoscorposdosexecutados.Nodiaseguinte,D.MariaassistiuaumaaudinciaoficialnaBarracaReal

    pararecebercumprimentosporseupaiterescapadomortee,a15dejaneiro,acompanhouafamliaigrejadaNossaSenhoradoLivramento,emAlcntara,onde foicantadoumTeDeum para celebrar a execuodos inimigosdo rei.Foi a primeira vez que D. Jos apareceu em pblico desde a tentativa deassassinato e acenou o seu leno no ar com ambas asmos, uma depois daoutra,paramostrarmultidoquenotinhaficadocomferimentosduradouros.Nos trs dias seguintes, o rei e a sua famlia assistiram s Festas do

    Desagravo em Santa Engrcia e, a 19 de janeiro, deixaram Belm parapassaremseissemanasemSalvaterra.Doisanosantes,quandoabarcaarealaremos subira oTejo,D.Maria tinha visto as runas deLisboa espalhadas aolongododestrudocais;agorapareciaquetinhacomeadoumreinodeterror.Nohamaispequenademonstraodeinsatisfao,explicouoembaixadorbritnico, mas h muitos murmrios e lamentos contidos em relao s

  • medidasdeumcertograndeministro.ComosmbolofinaldadesgraadasfamliasTvoraeAveiro,assuascasas

    foramdemolidaseosrespetivosterrenosforamsalgadosparaquenadamaisalicrescesse.Tendointimidadoaaristocracia,Pombalcontinuouasuacampanhacontraos

    jesutas,que,emjulho,foramprivadosdassuasescolasecolgios.Algumassemanasmaistarde,noprimeiroaniversriodeterescapadoaospistoleiros,D.JosassinouumdecretoexpulsandoosjesutasdePortugaledassuascolnias.As palavras do diploma, sem dvida redigido por Pombal, referiam-se-lhescomorebeldesnotrios,traidores,inimigoseagressorescontraapessoadorei,contra a paz pblica deste reino e contra o bem comum dos seus sbditos.Comotal,forambanidos,proscritoseexterminadosparasempreparaforadoreinodePortugaledosseusdomnios.Noveanosantes,quandoD.Jossubiraaotrono,opaseragovernadopelo

    monarca,pelaIgrejaepelaaristocracia.Agora,anobrezaeaIgrejatinhamsidoarrasadasePombaleranaprticaditadordopas.Asmasmorrasenchiam-sede pessoas suspeitas de intrigas, eram homens e mulheres feitos prisioneirossemjulgamento.NingumseatreviaadiscutirpolticaouacriticarasaesdePombal, sendo ilegal falar da conspirao dos Tvoras. Tantas pessoas tmsidolanadasparaaprisoporcausadisso,escreveuumvisitantedeLisboa,queaspobresalmasseassustammenodealgunsnomes27.

    25CitadoemKendrick,137-138

    26Cheke,DictatorofPortugal,110

    27Baretti,I180

  • 5UmCasamentoTranquilo

    Hquantotempoequoardentementeanobreza,todoopovodestereino,suspiravamporesteevento.LordeKinnoull,7dejunhode1760

    D. Maria celebrou o seu vigsimo quinto aniversrio com um beija-mo naAjuda,conscientedequeoseupai tinhaabdicadodassuasresponsabilidadesparacomopas.D.JosparticipavaempoucasreuniesdeEstado,raramenteconcediaaudinciasaosministrosestrangeirose, colocando todaaautoridadenasmosdePombal,limitava-seaassinarosdocumentosquelhecolocavamfrente, frequentementesprimeirashorasdamanh,depoisde terpassadoosdiasacavaloeasnoitesnapera.Escritoresdessa pocaaludiammelanclica expressodeD.Maria e era

    publicamente sabido que a sua mente estava profundamente impressionadacomatrgicamortedoduquedeAveiroedosseusassociados,cujodestinoelalamentavacomonomerecidoeinjusto28.AprincesadetestavaomarqusdePombal por causa da sua perseguio Igreja, assim como pela sua tirania.TentouacreditarqueD. Josse tinhacomportadohonestamente,masos seusinstintosdiziam-lhequeoministroe,porarrastamento, tambmoseupaitinhapropositadamenteperseguidoosrepresentantesdeDeusnaterra.Vinteecincoanoseraumaidadetardiaparaocasamentodeumaprincesa.

    A me de D. Maria tinha-se casado com dez anos e sua tia Brbara comdezassete,mastambmeraaprimeiravezqueumamulhereraherdeiradotronode Portugal. Conforme explicou o embaixador britnico, a sucesso umponto muito delicado e igualmente difcil e importante. Nos termos daschamadasLeisdeLamego,do sculoXII,D.Maria estavaproibidadecasarcomumprncipeestrangeiro:

    Seoreinotiverdescendentemasculinoetiverumafilha,elaserrainhadepoisdamortedorei,desdequesecasecomumnobreportugus.Sersempreobservadaaleisegundoaqualafilhamais

  • velha do rei no pode ter outro marido que no seja um lorde portugus para que os prncipesestrangeirosnosetornemmonarcasdoreino.Seafilhadoreicasarcomumprncipeouumnobreestrangeiro,elanoserreconhecidacomorainha.29

    Apesardestas leis, ocorreramvrias tentativasde arranjarumcasamento comum prncipe estrangeiro, incluindo o duque de Cumberland, terceiro filho deJorge II de Inglaterra, e um dos tios espanhis deD.Maria. No deram emnada, o mesmo acontecendo a uma atrao entre D. Maria e D. Joo deBragana, primo direito do seu pai.As regras acerca do casamento de umaprincesaherdeiranuncatinhamsidotestadasereceava-seque,seD.Mariasecasasse com um aristocrata portugus, a sucesso fosse disputada pelosmembrosmasculinosdafamliaBragana.Oavtinhapropostoumasoluologoem1749,sugerindoqueaprincesa

    casassecomo seu tioPedro,o irmomaisnovode seupai,masD.MarianaVitria ops-se veementemente ideia. Suspeitava-se que D. Pedro tinhagrandeinflunciasobreoseuirmoe,receandoquetivesseambiodepoder,elaconseguiriaqueD.Josadotasseoseupontodevista.Aomesmotempo,osinimigosdeD.Pedroespalharamrumoresdequeeleeraimpotente,quesofriade um defeito natural que no permite que se tornemarido da princesa doBrasilequeoobrigar,comtodaaprobabilidade,aentrarparaumconvento.Pombal tambm encarava D. Pedro com suspeita, tendo numa ocasio

    persuadido D. Jos a bani-lo para a sua casa de campo em Queluz, algunsquilmetrosaoestedeLisboa,comopretextodequeestariaaplanearumgolpecontra ele, mas D. Maria demoveu seu pai. Era verdade que D. Pedro nogostavadePombal,mastambmerainofensivoecedoperdeuasuaambiodejovem. Os rumores de que era impotente desapareceram, as pessoascontinuaram a falar em casamento, que em 1754 era impacientementeesperadoporpessoasdetodasasclassese,naprimaverade1760,D.Joseasuamulhertinhammudadodeideias.D.PedrotinhamaisdezoitoanosdoqueD.Maria,eeraumhomemsimples,

    sem interesse pelos assuntos do Estado e, tal como a sua sobrinha,profundamente devoto, estando constantemente ocupado em preces eprocisses30.EstavaareconstruirasuacasaemQueluz,aqualseriaembreveconvertidanumaminiaturadeVersalhes,umpalciorococrodeadodejardinsformais,laranjais,cascatasdeguaefontes.Queluztinhadivertimentosluxuososduranteosmesesdevero,comofestas

    privadascircunscritasaosmembrosdafamliarealeseuscavalheirosedamasdehonor.As festasde24 e29de junho,osdiasdedicados aS. Joo e aS.Pedro, eram particularmente elaborados, com corridas de cavalos, touradas,

  • banquetes e concertos na sala de msica onde cantavam a rainha e as suasfilhas. Quando escurecia, os jardins eram iluminados por milhares de velas,iluminaesmveispassavamemfrentefachadadopalcioefogodeartifciorebentavanocu.

    Namanhde6de junhode1760,o embaixadorbritnico estevenaBarracaRealparaumaaudinciaemhonradoaniversriodorei:

    Quecalhounumdiatoextraordinrio,quandoacorteestavatoagradavelmentesurpreendidacomumadeclaraobem-vindadasintenesdeSuaMajestade,queumcasamentofossecelebradonessanoite entre o seu irmo, o infante D. Pedro, e a sua filha, a princesa do Brasil. No preciso demencionarqueanobrezaetodoopovodestereinosuspiraramporesteacontecimentodurantemuitotempoecommuitoardorouqueaquaseinesperadaocorrnciafoirecebidacomgrandeeuniversalalegria.

    Foiumcasamentotranquiloparaospadresreais,celebradoemprivadonacapela da Barraca Real. Cinco anos depois das perdas provocadas peloterramoto, o pai deD.Maria garantia que a nobreza no obrigada amaisdespesas. O rei tinha conscincia do custo do seu prprio casamento, em1729,eagora,atravsdaatenopaternaldeSuaMajestade,ascoisasforamgeridasdeformaanohaverdespesaadicionalemguarda-roupa.Assimqueacerimniatevelugar,foiordenadaacelebraodetrsdiasde

    jbilo pblico. Tocaram os sinos, dispararam os canhes e as pessoasacenderam velas nas janelas.Nessa noite, de acordo com um ritual antigo, ameeasirmsdeD.Mariaprepararam-naparaacamamatrimonial.Despiram-na,perfumaram-lheocorpo,deitaram-naentreosdelicadoslenisdelinhoeesperaramatD.Pedroentrar,subirparaacamaedeitar-seaseulado.D.Mariadeliciou-secomocasamento.Gostavadocorpoquentedomarido

    e,nanoitedocasamento,seguindooexemplodoseuav,prometeuconstruiruma igreja e um convento dedicados ao Corao de Jesus de que ela eraespecialmente devota se tivesse a graade ter um filho.Osmembrosdacortecomentaramoseuradiantesorriso,masPombaliriaembrevelanarasuasombrasobreasprimeirassemanasdefelicidadeconjugal.Primeiro, o dspota expulsou do pas o nncio apostlico, ele que tinha

    estadodesdehalgumtempoatentarcortarrelaescomoVaticano,acusandoo nncio de se intrometer no governo de Sua Majestade e fomentar umasedioperigosaentreossbditosdorei,tinhaagoraumadesculpa.Onnciono tinha iluminadoo seuedifcioparacelebrarocasamentoeomarqusde

  • Pombaldecidiuentender issocomouminsulto famlia real.A14de junho,naspalavrasdoprprionncio:

    Foi-me trazida umaordempara abandonarLisboa emumahora,mas os cinquenta soldados quetrouxeramaordemnomederamsequerumminuto.Oseucomandantelevou-mepressaparaumbarcosemmedartempoparafecharaminhaescrivaninha,atravessadooTejotransportou-meataorioCaiaemquatrodias.Naestrada,notivecamaequasenadaparacomer,e tudoistosemsaberporqu.31

    Estepasso,escreveuoembaixadorbritnico,deixouespantadosmuitosquenuncapensaramemverumatalmedidatomadaemPortugal.Seis dias depois da partida do nncio, Pombal prendeu dois membros

    senioresdaaristocracia,ocondedeS.LourenoeoviscondedeVilaNovadeCerveira, ambos acusados de intrigarem com o nncio, embora o seuverdadeirocrimefosseodeseremdemasiadamente livresnassuasconversas.VilaNovatinhasidoembaixadoremMadridduranteseteanoseera,segundooembaixador, um homem de notvel experincia, honra e integridade. SoLourenoeraumamigodeD.Pedroe era conhecidopor serumapessoadeesprito.QuandosedissequeacasadePombal tinhasidosalvado terramotopelaDivinaProvidncia,eleassinalouqueDeustambmtinhapreservadoaruaSujaaruadosbordis,umapiadaqueoministronoapreciou.Finalmente,a21dejulho,PombaldesterroudoisdostiosdeD.Maria,filhos

    bastardosdeD.JooV,banindo-osparaumconventonascolinasdoBuaco.D. Jos tinha elevado os seusmeio-irmos posio de prncipes de sanguereal,masPombalacusava-osagorade secorresponderemcomonncioedeestarem profundamente comprometidos em todas as suas intrigas. Dizia-sequeumdosprncipes,esperanadoemcasarcomD.MariaedesapontadocomocasamentodelacomD.Pedro,setinhaconluiadocomonncioeosjesutas.Umaexplicaomaisprovvelencontra-senahistriadeumadiscussoentrePombaleosprncipesqueacaboucomumdelesapuxaracabeleiradoministroeabater-lhecomelanacara32.

    As festas de D. Pedro tornaram-se ainda mais grandiosas depois do seucasamento e, a 29 de junho como uma honra especial o embaixadorbritnico foi conduzido atravs dos jardins de Queluz para apreciar asfestividades do dia de S. Pedro. Pde assim assistir a uma tourada e a umconcertopelosmsicosreais,apreciarumbanquetenumatendaefazerpartedaaudinciaquandoD.MarianaVitriaeassuasfilhascantaram.Oembaixador

  • anotoucuidadosamenteassuasimpresses:

    A rainha, que uma amante superior de msica, canta com aquele conhecimento perfeito queescondetodososdefeitosdavozesempreproporcionaprazer.Asprincesas,ensinadasporDavidPerez, omelhormestre daEuropa, demonstram sempre umexcelente gosto.A segunda,Mariana,podeserequiparadasmelhorescantoras,tantonavozcomonaexecuo,eamaisjovem,Benedita,cujapessoaextremamentebonitaeagradvel,cantaencantadoramente.

    Todo o entretenimento, concluiu ele, era o mais principesco emagnificente que eu alguma vez vi e a serenidade da noite fez justia aoesplendordaocasio.Todososdomingosdevero,dapartedatarde,oreieafamliaassistiama

    touradasnaarenademadeiradoCampoPequeno.JosephBarettifaziapartedaaudincia, a 31 de agosto, e viu-os sentarem-se no camarote real. D. Jos,escreveu ele, estava vestido de azul com alguns diamantes; D. MarianaVitriaeassuasfilhasestavamcheiasdejoias.Nofinaldatarde,quandoooitavotouroestavaaserarrastadoparaforada

    arena, um grupo de carteiristas saltou as barreiras gritando: Terramoto!Terramoto!, gritos esses que aterraram os espectadores. D.Maria e as suasirms levantaram as mos, os leques e as vozes, como eu podia ver pelamaneira como abriam as suas bocas, enquanto os espectadores saltaramprecipitadamente para a arena, guinchando e correndo como loucos. Osladresfizeramumbomnegcionessatarde,muitoshomensperderamosseuslenos e muitas mulheres os seus chapus, j para no falar de espadas,relgios,colaresebrincos33.Trs dias mais tarde, no segundo aniversrio da tentativa de assassinato,

    BarettiassistiuaumacerimniaemBelm.Tinhasidoconstrudoumpavilhono exato lugar, o interior coberto de sarja vermelha com franjas de fioprateado,oaltarnocentrogloriosamenteadornadocomcastiaisdeouroeprata. E, durante uma cerimnia luxuosa orquestrada por Pombal, D. Joscolocouaprimeirapedraduma igrejamemorialdestinadaa comemorar a suafugadosatiradores.Primeiro chegou o marqus de Pombal com a sua escolta de quarenta

    homensa cavalo,que seguiamo seucochecomas espadasdesembainhadas.Depois, veio o patriarca numa caravana de quarenta coches, seguido pelafamlia real emcarruagenspuxadaspor seis cavalosmalhados.Asprincesasvinham magnificamente vestidas, escreveu Baretti, com saias de armaoamplaecomascabeas,ospeitos,osbraos,ascinturaseospsbrilhandocomjoias.Elaspareciamtovivas,saltandodocochecomtantadesenvoltura.

  • Era um dia quente e as janelas do pavilho estavam totalmente abertas,dandoaBarettiumavisoclaradoquesepassava.QuandoD.Mariaeassuasirmsseajoelharampararezar,asuamecomeouumfuriosoataquedebeijosnaspginasdoseu livrodeoraes,maisdequarentaempoucosminutos.FoicantadooTeDeumcommuitorudodemsicaedepoisD.Jos,D.Pedro e omarqus deixaramos seus assentos.Descerampara umburaco nocho onde ps de prata, martelos de prata e outras ferramentas de pedreirotinhamsidocolocadasjuntamentecompedras,tijoloseargamassa.D. Jos colocou algumasmoedas de ouro e de prata no fundo do buraco.

    Tapou-ascomumapedraeostrshomensagarraramnassuaspsepuseram-seacobrirapedracomtijoloseargamassa,batendonostijoloscomosmartelostalcomofora indicadopeloarquiteto.Algumasmulheresqueestavamaolharatravsdasjanelasriramsemmoderaodospedreiros,porqueeleseramalgodesastrados no seu novo ofcio, e isto destruiu um pouco a gravidade dosespectadores.Peranteorisocontidodamultido,D.Jos,D.PedroePombaldeixaramo

    buraco e regressaram aos seus assentos. O patriarca celebrou missa e osmsicosreaistocaramecantaramgloriosamente34.

    28Wraxall,I,35

    29LeisdeLamego(citadoemCormatin,II,215-216)

    30Cormatin,I,126

    31Baretti,I,256

    32Cormatin,I,132

    33Baretti,I,87,92-93

    34Ibid.,I,106,109-111

  • 6FelicidadeNupcial

    D.Mariaeraexemplaremtodasasobrigaesedeveresdavidaprivada

    ummodelodefelicidadenupcial.SirWilliamWraxall,1772

    A seguir ao casamento, D. Maria e D. Pedro apareciam lado a lado emaudinciasoficiais,masnoparticipavamemassuntosdeEstado.Confinavam-se religio e vida familiar, enquanto Pombal continuava a sua vendettacontraaIgrejaeignoravaofactodeopasestarenvolvidonaGuerradosSeteAnoseD.Jos tersidoatacadoumasegundaveznoparquedecaadeVilaViosa.D.Mariaconcebeuoitofilhosemquinzeanos.Doisresultaramemabortos

    espontneos,trsmorreramnainfnciaetrssobreviveramatidadeadulta.OseuprimeirofilhonasceunaBarracaRealpoucoantesdameia-noitede20deagostode1761,numquartocheiodepadres,secretriosdeEstado,cortesosecriados.Eraofilhopeloqualelatinharezado;chamou-lheJos,comoopai,eacidadecelebrou-ocomrepiquesdesinos,tirosdecanhoeiluminaes.Oprncipe foi batizado na capela do palcio, sete diasmais tarde,masD.

    Maria no reapareceu empblico at 24 de setembro, quando assistiu a umacorridadetourosemhonradoseufilhorecm-nascido.Asuafelicidadenestaocasiofoiensombradapor tersabidoqueGabrielMalagrida,opadrequeosseus avs tinham venerado como santo e profeta, tinha sido enforcado equeimadonapiraquatrodiasantesnaprincipalpraadeLisboa.MalagridaeraojesutamaisconhecidodePortugal,razosuficienteparaque

    Pombaloodiasse;oseupanfletoacercadoterramototinhaapenasaumentadoodesejo de vingana do ministro. Velho e cansado, e quase certamenteenlouquecido,Malagridatinhaestioladoemprisesdurantemaisdedoisanosat que Pombal descobriu uma forma de se ver livre dele. Entregou-o Inquisioecuidoueleprpriodaacusao:heresia,blasfmia,falsasprofecias

  • eporterfeitomauusodaPalavradeDeus.Oautodefnanoitede20desetembrocontoucomopaideD.Maria,oseu

    maridoetodaacortenaassistncia.Milharesdepessoasjuntaram-senapraae, enquanto observavam o garrote a apertar a garganta do velho padre,enquantoviamalenhaemchamas,recrutadoresdeslocavam-seentreamultidoparaapanharemjovensparaservirnoexrcito.AguerranaEuropaameaavatornar-senumconflitoalargado.AneutralidadeportuguesaestavaemperigoumaalianaentreaFranaeaEspanha tinhaabertoaporta invasoeasdefesas do pas estavam num estado lastimvel, totalmente negligenciadas,afundadasnomaisdeplorvelestado.Em maro de 1762, os governos francs e espanhol exigiram saber se

    Portugalestariadispostoa renunciaralianacomInglaterrae fecharosseusportosaosbarcosbritnicos.Noinciodemaio,depoisdeD.Josterrecusadoestespedidos,forasfranco-espanholasatravessaramafronteiraanorte.PombalinvocouavelhaalianaeaGr-BretanhaenviouoitomilsoldadosparaLisboa.Chegaram em junho e, antes demarcharem para o norte para defrontarem oinimigo, os oficiais foram convidados para os festejos de Queluz. Foramconduzidos atravs dos jardins, como tinha acontecido com o embaixadorbritnico dois anos antes e, depois de assistirem a uma tourada e de teremcomidoumaceia elegante,osoficiais foram levados salademsicaparaouviremcantararainhaeasprincesas.Algumaspequenasbatalhastiveramlugarduranteosmesesseguintes,masa

    guerra na Europa estava a chegar ao fim. O exrcito invasor retirou-se emoutubro e poucas semanas depois foi declarado o cessar-fogo. Finalmente,Pombal podia virar-se para um projeto que lhe era muito querido, areconstruodeLisboa.Poucassemanasapsoterramoto,tinhadiscutidopelaprimeiravezasbases

    paraumacidademodernaseelevardasrunas,umametrpolederuas largas,construda em quadrcula com passeios para pees e um bom sistema deesgotos.Parapermitirqueotrabalhofosserealizadorapidamenteesemgrandescustos, a conceodosprdios era simples, umestilode edifciosde fachadalisa com varandas de ferro forjado, um estilo que ficou conhecido comopombalino. Este trabalho deveria ter comeado em 1757, mas, sobretudo,devido s preparaes para a guerra, o seu plano foi adiado por sete anos,enquantoacidadecontinuavasoterradapelosescombros.A reconstruo comeou durante o comprido e quente vero de 1764.Os

    pedreirosiniciaramotrabalhonapartebaixa,juntoaoTerreirodoPao,masareconstruodopalcio realnoeraumadasprioridadesdePombal.Emvezdisso,foirenomeadapraadoComrcioedelimitadaporedifcioscomerciaise

  • militares.

    ***

    Entretanto, D.Maria sofria um aborto espontneo do seu segundo filho, emoutubro de 1762, decorria o sexto ms de gravidez. Em setembro do anoseguinte, deu luz um rapaz, que, no entanto, s sobreviveu trs semanas,uma perda que ela aguentou com surpreendente foramoral e resignao.Teveum filho saudvel, o prncipe Joo, emmaiode1767, e foime, outravez,dezmesesmaistarde.A sua quinta gravidez estava quase no fim quando, a 8 de dezembro de

    1768, assistia a uma representao do Tartufo de Molire, num teatro deLisboa.Apeaerasobrehipocrisiareligiosa.Tartufo,oarqui-hipcrita,exibiauma falsa piedade para captar as boas graas de um burgus rico e, depois,roubava-lhe o dinheiro e a mulher. O papel principal era representado comvestesdejesuta.Aaudincianotevedificuldadeemreconhecerosubtextodaproduoetrspessoasforampresasporexprimiremosseussentimentoscomdemasiadaliberdadesobreoassuntodanovapea.Nodiaseguinte,PombalordenouaprisodeumdosclrigosfavoritosdeD.

    Maria.OidosobispodeCoimbra,MigueldaAnunciao,pertenciafamliaTvora e era descrito pelo embaixador britnico como rabugento, teimoso,irritadio.Oseucrimeconsistiuemescreverumacartapastoral condenandovrios livros que tinham sido especificamente sancionados pela Real MesaCensria, um corpo secular criado por Pombal para retirar Inquisio asquestesdacensura.Opreladofoicondenadomorteportraioporumalonga listadeprojetosdestinadosacontrariarea subverterogovernodeSuaMajestade,mas,tendoemvistaasuaidade,foi-lhepoupadaaexecuo.Emvez disso, foi trazido para Lisboa sob guardamilitar e feito prisioneiro numfortesituadonafozdorioTejo.Seisdiasdepoisdaprisodobispo,D.Mariadeu luzoseuquartofilho,

    umaraparigachamadaMariana.A23dedezembro,cpiasdacartaofensivaa qual, segundo Pombal tinha sido quase certamente ditada por Roma foramqueimadaspelocarrascopor seremfalsas, sediciosase traidoras, eomarqus disse ao embaixador britnico que tinha recebido plena autoridadepara tomar todas as medidas necessrias para silenciar as maquinaes deeclesisticosturbulentos.Quo formidvel uma faoeclesistica emqualquerpas, avanavao

    embaixadornumdespachoparaLondres.Aconstnciadosfavoresdoreieo

  • vigor com que oministro pratica todas as suasmedidas talvez lhe permitamdominarahidraeclesistica,masnovascabeassurgironamesmaproporoemqueoutrassocortadas.

    D.JospodeterautorizadoPombalaperseguiroclero,masasuaconscinciaestavaprofundamenteabaladapelaruturacomoVaticano.Quandocelebrouoseuquinquagsimoquintoaniversrio,emjunhode1769,o reisabiaqueseupai tinha sofridouma trombosequase fatal,maisnovo, comcinquenta edoisanos.OmarqusdePombalrestabeleceuasrelaescomRoma,paraqueoreinomorresse sem absolvio papal.O corte tinha durado dez anos, o temposuficiente para ser atenuadoodomnioda Igreja sobreos assuntos nacionais.TinhasidocriadoumEstadosecular,aIgrejaestavasobocontrolodogovernoe os poderes da Inquisio eram reduzidos. Como observou o embaixadorbritnico, embora ele se tenha resolvido a readmitir o leo, tinha agora asgarrascortadaseosdentesextrados.Umnovonncioapostlicofoinomeadoemagostoe,a16desetembro,D.

    Josagradeceuaoseuministrodando-lheottulopeloqualeleconhecidonahistria:marqusdePombal.Cincosemanasmais tarde,a famlia realdeixouLisboaparaumaestadiaprolongadaemVilaViosa.Foramcaartodososdiase, namanh de 3 de dezembro, o rei partiu para a caada frente dos seusajudantes, at que ao passar por um porto de entrada num parque de caafechadoumhomemaltoefortevestidodecamponsoatacoucomumavarademadeira,umpaucompridocomumapontamaioremaispesadadoqueaoutrapontaqueformavaapega.O homem, um arrieiro chamado Joo de Sousa, deu trs golpes no rei: o

    primeiroacertou-lhenoombro,osegundoferiu-lheamoeoterceiroacertounocavaloatrsdasela.Osajudantesdoreigaloparamparaosalvar,masSousacombateucommuitovigoreconseguiuferirdoisdelesantesdeserdominado.D. Jos, que s sofreu ferimentos ligeiros na mo e no ombro, continuou acaada,enquantoSousaeralevadoparaasmasmorras.Nessa tarde, foi grande a agitao no palcio, com D. Mariana Vitria

    encolerizadapor ter estadopertodeperdero seumarido eD.Maria aterradapelaperspetivadeherdaro trono to subitamente, posiopara aqual estavapenosamentemalpreparada.FoienviadaumamensagemurgenteparaPombal,emLisboa,oqualenvioudoismagistradosparainterrogaroprisioneiro.Sousasentia-seprejudicadopelorei.Assuasmulastinhamsidorequisitadas

    paraaviagemdacorteparaVilaViosaeumadelasfoidetalformabrutalizadaquemorreunocaminho.TinhapedidoumaindemnizaoaD.Jos,masoseu

  • pedido foi ignorado. Sentia-se maltratado, estava zangado e, dizia-se,parcialmente enlouquecido. Todavia, Pombal preferiu responsabilizar aSociedade de Jesus. O ataque, afirmou, fora uma conspirao jesuta, umamisso suicida; o arrieiro tinha lutado to valentemente comos seus captoresporqueesperavamorrerssuasmos.Sousa,disseeleaoembaixadorbritnico,no estava nem enlouquecido nem bbado, mas era o mais insolente doshomensvivoseestavacalmocomoosfanticoscostumamestar.Enquanto o prisioneiro era levado acorrentado paraLisboa, e torturado na

    presenadePombalededois juzes,D.Josdeixoudeassistira reuniesdeEstado.Umdestacamentodecavalariaacompanhava-onasexpediesdecaaeossoldadosescoltavam-nosemprequedeixavaopalcio.Elenoseafastadois passos do seu coche sem ser atravs de filas de guardas, escreveu oembaixador a 13 de janeiro, e quando aos sbados vai ouvir a missa numconventodeLisboa,osguardasescoltam-noataoaltar-mor.Durantevriosmeses, o rei esteve ausente de todas as audincias pblicas e, quandoreapareceu,sentava-senumtronoparticularmentealtoatrsdeumabalaustrada.D. Jos tinha plena conscincia da sua prpria falta de educao e, sem

    dvida encorajado por Pombal, dava ordens para que o seu netomais velhorecebesse uma educaomais apropriada.Algunsmeses antes, Pombal tinhanomeado Manuel do Cenculo Vilas Boas, um dos seus conselheiros maisinteligentes,comoconfessordoprncipe.Agora,Cenculo,nomeadobispodeBeja, tornava-se tambm precetor. Garantia assim que o rapaz aprenderiageografia,geometriaedireito,oferecendo-lhelivrosparalerincluindoobrasdeErasmoedeRacineeincutindoumaabordagemmaissecularaosassuntosdoEstado.

    ***

    O novo nncio apostlico chegou a Lisboa a 28 de maio de 1770, sendorecebidocomentusiasmopelopovodacidade,queseajoelhou,aosmilhares,nasmargensdorioenquantoosbarcosaremosofaziamatravessarorioatpraadoComrcio.OTeDeum foicantadonacapelareale,a4dejulho,D.Maria conversou com ele quando foi Ajuda para a sua primeira audinciaoficial.A17dedezembro,onncioofereceuumbanqueteparacelebrarotrigsimo

    sexto aniversrio de D. Maria. Era um gesto diplomtico de importantesignificadoporonncioanteriornotercelebradoocasamentodaprincesadezanosantes.DeviatersidoumaocasiofelizparaD.Maria,pelacombinaoda

  • sua f religiosa com o regresso de um nncio apostlico e a sua feliz vidaconjugal. Em vez disso, foi afetada pela ansiedade, por a sua irmDoroteiaestaramorrernaBarracaReal.A sademental deDoroteia tinha-se deteriorado desde os tempos em que

    cantaratodocementenosconcertosdeQueluz.Estavadoentehmaisdeseteanos, como seu estado a ser descrito comohisteria, acompanhada por umaquasetotalfaltadeapetitequeareduziuaumestadodeextremafraqueza.Osmdicosreceitavamsangriasconstantes,oqueaenfraqueciaaindamais,atsuamortea14dejaneirode1771.Tinhatrintaeumanosdeidade.Maisumavez,edeacordocomatradio,afamliaconfinou-seaopalcio

    duranteoitodias,findososquaisforamtodosparaSalvaterra.DoroteianosaadaBarracaRealhalgunsanos,peloqueasuamortenoimpediuacaada.D.Mariacaouveadosejavalise,poucotempoapsoseuregressoAjudaemabril, deu luz o seu sexto filho. No vero, apreciou os divertimentos emQueluze,a22desetembro,teveumabortoespontneo.

    ***

    Pombalestavaagoranoapogeudoseupoder.Aidade,escreveuuminglsqueoconheceunessaaltura,nopareciaterdiminudoovigor,afrescuraouaatividadedassuasfaculdades.Fisicamente,eramuitoaltoemagro;asuacaraeracomprida,plida,magraecheiadeinteligncia.Embora tivesse tolerado o regresso do nncio, Pombal continuou a sua

    batalhacomaIgreja.Tinhaexpulsoosjesutasdopasedassuascolnias,mascontinuava obcecado por eles, atribuindo todos os acontecimentos que oaborreciamaumaconspiraojesuta.AFranaeaEspanhatinhamseguidooseu exemplo e tinhamexpulsadoaordemdos seus territrios eos trspasesestavamagoraatrabalharatravsdoscanaisdiplomticosparapersuadiroPapaatomarmedidasmaisdrsticascontraaCompanhiadeJesus.Aomesmotempo,omarqusreformavaosistemadeensinoquetinhasido

    dirigidopelosjesutas,atsuaexpulso.FundouumColgiodosNobrescomum currculo esclarecido (lnguas estrangeiras, matemtica e cincias); abriuuma escola comercial para ensinar contabilidade e comrcio; e, em 1772,reformouaUniversidadedeCoimbra.Estabeleceufaculdadesdematemticaede cincias, introduziu a fsica newtoniana e ordenou a construo delaboratrios,deummuseudehistrianaturaledeumobservatrio.Atualizouafaculdadedemedicina,permitindoadissecaodecadveres,aqualtinhasidoanteriormenteproibidapor razes religiosas,assimcomooestudodahigiene,

  • porque mais fcil conservar a sadedoque recuper-ladepoisde ter sidoperdida35.Pombal fomentou pessoalmente estas reformas, em setembro de 1772, a

    nica vez durante os seus anos como ministro em que viajouindependentemente da corte. Fez a viagem para Coimbra com um estatutoquasereal,regressandonofinaldeoutubroparacontinuarassuastramascontraos jesutas. E, dez meses mais tarde, concretizou a sua grande ambio,recebendonotciasdeRomaquelhederamamaiordassatisfaes.OPapatinhasucumbidopresso;tinhaabolidoaCompanhiadeJesus.Abulapapal foi assinadaa21de julhode1773e,deacordocomRobert

    Walpole,onovoembaixadorbritnico,Pombalficoualtamentegratoporesteltimo passo para a extino de um corpo que contestava h tantos anos,especialmenteporquelheseriapermitidoomritodetersidooprimeironoseupas que se aventurara a atacar abertamente a sociedade. Para celebrar esteacontecimento, o Te Deum foi cantado nas igrejas e as iluminaes eentretenimentos que Pombal tinha ordenado e que ningum se atreveu adesobedecerduraramtrsdias.

    35Maxwell,102

  • 7ASucesso

    Oreiestmuitoindisposto.RobertWalpole,8deagostode1774

    Emjaneirodoanoseguinte,SalvaterraeLisboaforampalcodeuminesperadovolte-face.Tudocomeoucomachegadadafamliarealaopavilhodecaa,quandonumaconversaprivadacomumdossecretriosdeEstado,amedeD.Mariafoiinformadadequehaveriaplanosparaalteraralinhadesucesso.Pombal tinha conscincia de que os seus esforos para criar um Estado

    secularseriamdestrudosseD.Mariaascendesseaotrono.Oseufilho,prncipeD. Jos tinha sido educado pelo Cenculo Vilas Boas durante quase quatroanos.EraumalunoestudiosoqueabsorviaasopiniesliberaisdoseuprofessoreaintenodePombaleraultrapassarodireitodeD.Mariaaotronoenomearoseu filhomaisvelhocomoherdeiro,naprtica, introduzindouma lei slica.Ele tinhatrabalhadonesteseuplanoemgrandesegredoeapenas trspessoastinhamdeleconhecimento:Pombal,oreieumoutrosecretriodeEstado,JosdeSeabraeSilva.Jos de Seabra, um homem talentoso, muito aplicado e com extensos

    conhecimentos tinha cado nas boas graas de Pombal, em 1767, quandoeditouumlivrodepropagandaantijesuta,umaobranaqualtodososmalesdahistriarecentedePortugaleramfirmementeatribudosCompanhiadeJesus.Quatroanosmaistarde,foinomeadosecretriodeEstadoe,empoucotempo,tornou-se no substituto no oficial do marqus. Homem de confiana dePombal, era ponto assente que, na altura adequada, ele assumiria o papel deprimeiro-ministro.Porm,SeabratinhaboasrelaescomD.MarianaVitriaecomD.MariaeD.Pedroenogostavadoplanoparamodificarasucesso.PombaljnoiacomD.Josparaosseuspalciosnocampohvriosanos,

    preferindoficaremLisboaa tratardosassuntosdogoverno.Outrosministrosseguiam a corte e, no incio de 1774, Seabra acompanhou a famlia real aSalvaterra,aproveitandoaausnciadePombalparafalarasscomarainha.

  • D. Mariana Vitria era uma mulher espirituosa e capaz, com uma boacapacidadedecompreensoeumamentecivilizada36.Elanuncatentouganharpoderouconseguir influnciapoltica,masdesconfiavadePombaleesta suaintrigaerademasiadoimportanteeplausvelparaserignorada.Contoufilhaaconspirao e D. Maria, que estava grvida de quatro meses do seu stimofilho,resolveudefender-se,sendoumadaspoucasvezesqueteveacoragemdeofazer.RelembrandoaalturaemquequasemorreradefebreeoSenhordosPassos

    foralevadoparaoseuquarto,econvencidadequeaesttualhesalvaraavida,viuasinaisdequeDeustinhapreservadoasuavidaparaqueherdasseotronoerestabelecesseopoderdaIgreja,sobretudo,porestarconscientedaeducaoliberaldoseufilhoerecearquesesubisseaotronoemvezdelaapoiasseaspolticassecularesdePombal.Decidiu, ento, falar com seupai.Confiante que estava a comportar-se no

    interesse da Divina Providncia, pediu-lhe para reconsiderar e falando comenergia e convico pouco usuais, disse-lhe que se recusaria a assinarqualquerpapelearenunciaraoseudireito,dadoporDeus,aotrono37.D.Josconsolou-ae,agoraqueosegredotinhasidodescoberto,percebeuqueavidano palcio se tornaria impossvel se permitisse que Pombal avanasse com oplano.A 15 de janeiro, quando regressou a Lisboa para assistir Festas do

    Desagravo de Santa Engrcia, D. Jos informou Pombal de que havia umtraidor ao seu servio. Embora no tenha dito o nome do homem nem anatureza da traio, a mudana de opinio acerca da sucesso fez PombalperceberquespoderiatersidoSeabra.Como foi expresso por Walpole, o marqus de Pombal espera muito

    daqueles que favoreceu e implacvel quando as suas opinies sofremoposio.EscreveuumdecretoaafastarSeabradassuasfunes,exilando-opara as terrasde seupai, naprovncia, edando-lhevinte equatrohorasparadeixar a cidade. O rei assinou o decreto a 16 de janeiro e, quando Seabrachegou aBelmvindodeSalvaterra, recebeuordenspara ir imediatamente acasadePombal.SeabradeixouLisboanamanhseguinte.Emabril,foipresoemantidonum

    fortepertodoPorto.Odestinodopobresenhor,escreveuWalpole,pioradedia para dia. Em outubro, foi embarcado para o Rio de Janeiro, onde foimantidoprisioneironumailhaantesdesercolocadonoutrobarcoparaAngola.Chegou a Luanda, emmaro de 1775, e foi aprisionado no forte de PedrasNegras, onde teriamorrido vtimado clima se umavelhamulher negra notivessetomadocontadele38.

  • ***

    Este episdio dramtico teve repercusses significativas na famlia real e emJosdeSeabra.fcilde imaginarochoquedeD.MarianaVitriaedesuafilhaquandofoiconhecidoodestinodeSeabra,ministroquetinhasidoumseufavorito. So tambm fceis de conceber as discusses familiares que seseguiram.Poucosdiasdepois,D.MarianaVitria ficoudoente, supostamentecom reumatismo, permanecendo indisposta durante vrios meses.Simultaneamente,D.Josdeixoudecaarnarealidade,nofaziajqualquerexerccio.Oreieraumhomemgordoevolumosoe,quatrosemanasdepoisdeD.Mariadarluzumafilha,Clementina,a9dejunho,omonarcateveasuaprimeira trombose, sofrendo de tonturas na cabea e de fraqueza num dosladosdocorpo.ComoWalpoleexplicou:

    AalteraonoseuestadodesadepodetersidoprovocadoporumarpidatransiodeumavidaativaparaumamaissedentriaaqueSuaMajestadesetemdadodesdeocomeodadoenadarainhaemSalvaterra.Antes disso, costumava andar a caar seis a oito horas todosos dias, emqualquercondioclimatricaeemtodasasestaes,ameiododiamesmonotempomaisquentedoano.

    O rei tem uma compleio sangunea e tem sido muito descuidado quanto ao que come srefeies,asquaistmsidoemgeraldotipomaissaborosoemenossaudvel.Temjhvriosanosaspernas inchadas, sinais certosdeummauhbitodocorpo.Estascircunstncias, adicionadasaofactodeSuaMajestadeterchegadoaumaidadequetemsidofatalparaasuafamlia,tornamoseuatualestadodesademaiscrtico.

    D. Josnunca recuperou a suavivacidade.Erasangrado frequentemente efoiaconselhadoairabanhosemAlcaarias,pertodeLisboa,maspermaneceunumestadodeprimidoemuitoindisposto.Oreirecusava-seafazerexerccioerebentou-lheumaferidanumadassuaspernas.TambmD.MarianaVitriacontinuava fraca. Para desgosto de D.Maria, os seus pais tinham perdido ointeressepelavida.Noforamparaocampocomodecostumeemnovembro,embora, contra o conselho dos mdicos, tenham viajado para Salvaterra emjaneiro,ondeD.Jossofreuvriosataquesduranteosmesesseguintes.Regressaram Aju