Da água turva à água clara - o papel do coagulante

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  • 7/28/2019 Da gua turva gua clara - o papel do coagulante.

    1/3QUMICA NOVA NA ESCOLA N 18, NOVEMBRO 2003

    LL

    Recebido em 20/11/02, aceito em 14/5/03

    Alessandra de Souza Maia, Wanda de Oliveira e Viktoria Klara Lakatos Osrio

    A gua, captada em mananciais, torna-se potvel aps processamento em estaes de tratamentode gua. Uma das etapas do tratamento a de clarificao (remoo de slidos finos em suspensocausadores de turbidez). Neste experimento demonstrativo, as etapas da clarificao da gua soreproduzidas, explorando-se diversos conceitos e ilustrando processos de separao.

    disperses coloidais, coagulao/floculao, tratamento de gua

    Tratamento de gua: o papel do coagulante

    Embora parea um contra-senso,o nosso planeta, com cerca de70% de sua superfcie coberta

    por gua, dispe de apenas 0,3% degua doce acessvel. Vrias formasde poluio afetam essas reservas.O conceito de gua pura , entre-tanto, relativo, pois depende do usoa que a gua se destina (Azevedo,1999). Nos centros urbanos, as esta-es de tratamento de gua (ETA)

    so projetadas para fornecer conti-nuamente gua para o consumo hu-mano, atendendo a padres de pota-bilidade estabelecidos pelo governoe fiscalizados por autoridadessanitrias (Portaria MS no 1469). Agua, captada nos mananciais, se tor-na potvel passando por processosque destroem microorganismos,potenciais causadores de doenas,retiram sedimentos em suspenso econtrolam o aspecto e o gosto. Asprincipais operaes consistem em

    decantao, coagulao/floculao,filtrao e desinfeco (Grassi, 2001).

    A ordem das etapas e os reagentesempregados podem variar, depen-dendo das caractersticas iniciais dagua, do volume e da finalidade dotratamento.

    As etapas do tratamento envol-vendo a clarificao da gua, ou seja,a remoo de slidos finos em sus-penso que se apresentam como tur-

    bidez, podem ser reproduzidas numexperimento demonstrativo, em salade aula. O procedimento simples,porm permite explorar conceitossobre colides, solubilidade, pH ereaes qumicas, alm de ilustrarprocessos de separao.

    Material e reagentes

    2 bqueres de 1000 mL (ou jar-ros transparentes de boca larga)

    1 basto de vidro (ou espeto demadeira para churrasco) 2 funis 2 papis de filtro qualitativos (ou

    filtro de papel para coar caf) 2 bqueres de 600 mL (ou copos

    de vidro) 1 pipeta de 1 mL (ou seringa

    descartvel) 1 proveta de 50 mL (ou copinho

    de caf descartvel) gua a ser clarificada, obtida dis-

    persando terra em gua da tor-

    neira e filtrando em papel quali-tativo (visando evitar acidentese/ou contaminaes, no se re-comenda o emprego de guaturva natural de rio ou represa)

    gua de cal (soluo 0,02 mol/Lde Ca(OH)2, vide preparaoem Qumica Nova na Escola n.10, p. 52)

    Soluo de sulfato de alumnio(0,9 mol de Al/L) ou de almen

    de potssio (0,18 mol de Al/L) Retroprojetor

    Procedimento

    Coloque a gua a ser clarificada,que simula uma gua de represa, nosdois bqueres de 1 L at cerca dametade de sua capacidade e dispo-nha os mesmos sobre um retropro-jetor ligado, para serem iluminados debaixo para cima. Reserve um dos b-

    queres para comparao e adicioneao outro 1 mL de soluo de sulfatode alumnio ou, alternativamente,5 mL de soluo de almen. Agite eem seguida acrescente aos poucos50 mL de gua de cal. Agite branda-mente e deixe em repouso, obser-vando os dois sistemas. Aps cercade 15 minutos, filtre separadamenteos contedos dos dois bqueres ecompare os dois filtrados, iluminadosno retroprojetor.

    DiscussoConforme o experimento de-

    monstrado e enquanto se aguarda otempo de repouso, um paralelismocom os processos correspondentesque ocorrem nas ETA pode ser efe-tuado, utilizando esquemas e fotosdas instalaes (disponveis em stiosda Internet). Outras operaes, comodesinfeco e fluoretao, no abor-dadas neste experimento, tambm

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    podem ser comentadas.A gua a ser clarificada recebe o

    sulfato de alumnio e a gua de cal eingressa nos floculadores, onde submetida agitao mecnica (usodo basto de vidro na demonstrao).

    A seguir, dirige-se aos decantadores,onde permanece por 3 a 4 horas, tem-po necessrio para que as partculas

    maiores depositem-se no fundo dostanques. A Figura 1 ilustra o que ocor-re. A gua contendo as partculas queno se depositaram extravasa paracanaletas, no topo dos decantadores,e enviada aos filtros, constitudospor camadas sucessivas de antracitoe areia de vrias granulometrias, su-portadas sobre cascalho (uso de pa-pel de filtro, no experimento).

    Algumas informaes auxiliam a in-terpretao do experimento. A concei-tuao de colide e a influncia dotamanho das partculas na velocidadede sedimentao mostram a impossi-bilidade de remoo de partculascoloidais por decantao direta. Porexemplo, uma partcula esfrica de ummaterial com densidade 2,65 g/mL,cujo raio 100 nm (1 nm = 10-9 m),levaria 230 h para sedimentar, numpercurso de 30 cm, em gua a 20 C(Singley, 1998).

    A propriedade de dispersescoloidais de espalharem a luz (efeito

    Tyndall) permite constatar a presenade partculas coloidais nos lquidos,em vrias etapas do procedimento.

    A comparao entre os dois filtradosobtidos no final do experimento (Figu-ra 2) tambm se baseia nisso.

    A informao de que o hidrxidode alumnio um slido gelatinosopouco solvel importante para o

    reconhecimentodas funes dosreagentes, sulfatode alumnio comocoagulante e hi-drxido de clciopara corrigir o pH.

    A qumica dacoagulao rela-

    tivamente com-plexa, conformediscutido porGrassi (2001) eSingley (1998). Aspartculas coloi-dais de argilomi-nerais, presentesem guas naturaisturvas, apresentam cargas negativase se repelem. Para serem removidas,essas impurezas coloidais devem seaglomerar previamente decantaoe filtrao. O termo coagulao refe-re-se desestabilizao dos colides,provocada por agente qumico adicio-nado, enquanto a floculao o pro-cesso em que a agitao lenta pro-porciona condies para as partculasse aglutinarem, produzindo flocossuficientemente grandes. Nas ETAutilizam-se como coagulante sais dealumnio ou de ferro(III). Nas condi-es do processo de tratamento degua (pH 5 a 9), esses ctions pro-

    duzem hidrxidos gelatinosos poucosolveis, Al(OH)3 e Fe(OH)3. As es-pcies reativas que atuam sobre oscolides formam-se nos primeiros ins-tantes aps a adio do coagulante.So espcies catinicas, com propor-o hidroxila/metal inferior a 3, porisso interagem com as impurezascoloidais, carregadas negativamente.

    Se houver tempo disponvel, oexperimento pode ser efetuado pelosprprios alunos, divididos em grupos.Cada grupo pode utilizar diferentesquantidades e propores do coagu-lante e do alcalinizante. o que se fazdiariamente nas ETA, atravs dos tes-tes de jarra (jar-test), para definir, con-forme as condies da gua bruta, adosagem ideal dos reagentes para seobter gua tratada de boa qualidade.

    Aps esta aula e uma visita ETAda cidade, os alunos seguramentetero outra compreenso do que estenvolvido no simples fato de abrir umatorneira.

    Questes propostas

    1. Apresente as suas observaessobre o aspecto visual da gua derepresa e o aspecto visual da guatratada.

    2. O que se forma quando sulfatode alumnio e hidrxido de clcio somisturados? Escreva a equao da

    Figura 1: Etapas da decantao, aps a coagulao/floculao, no tratamento de uma gua bruta que apresenta turbidez elevada.

    Figura 2: Comparao entre a gua bruta apenas filtrada e agua tratada e filtrada.

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    QUMICA NOVA NA ESCOLA N 18, NOVEMBRO 2003

    Abstract:From Murky to Clear Water: The Role of the Coagulant Natural water becomes potable after processing in water-treatment plants. One of the water purification steps is clarification(removal of finely divided particles responsible for turbidity). In this demonstrative experiment, the steps involving water clarification are reproduced, exploiting several concepts and illustratingseparation processes.Keywords: colloidal dispersions, coagulation/flocculation, water treatment

    Referncias bibliogrficas

    AZEVEDO, E.B. Poluio vs. tratamen-to de gua. Qumica Nova na Escola, n.10, p. 21-25, 1999.

    GRASSI, M.T. As guas do planeta Ter-ra. Em: Giordan, M. e Jardim, W.F. (Eds.).Cadernos Temticos de Qumica Nova

    na Escola (Meio Ambiente), n. 1, p. 31-40, 2001.

    PORTARIA MS n. 1469. Ministrio daSade, 20/12/2000. Disponvel emhttp://www.funasa.gov.br/amb/pdfs/

    Tratamento de gua: o papel do coagulante

    portaria_1469.pdf.SINGLEY, J.E. Municipal water treatment.

    Em: The Kirk-Othmer encyclopedia ofchemical technology, 4a ed., Nova Iorque:John Wiley & Sons, v. 25, p. 526-540, 1998.

    Para saber mais

    GUIMARES, J.R. e NOUR, E.A.A. Tra-tando nossos esgotos: processos que imi-tam a natureza. Em: Giordan, M. e Jardim,W.F. (Eds.). Cadernos Temticos de Qu-

    mica Nova na Escola (Meio Ambiente), n.

    1, p. 19-30, 2001.JAFELICCI JR., M. e VARANDA, L.C.

    O mundo dos colides. Qumica Novana Escola, n. 9, p. 9-13, 1999.

    Na Internet

    http://www.mma.gov.br/port/srh/acervo.

    http://www.ocaminhodaagua.hpg.ig.com.br.

    http://www.tratamentodeagua.com.br/agua.

    reao.3. Comparando os dois filtrados

    obtidos (sem e com tratamento), pro-ponha uma explicao para os fatosobservados.

    Nota

    O experimento foi demonstrado

    para estudantes do 2o e 3o anos doEnsino Mdio, durante a fase final daOlimpada de Qumica SP-2002, reali-zada no Instituto de Qumica da USP,em junho de 2002.

    Alessandra de Souza Maia ([email protected]), ba-charel em Qumica pela USP, mestre e doutoranda

    em Cincias (Qumica Inorgnica) pela USP. Wandade Oliveira ([email protected]), bacharel com atri-buies tecnolgicas e licenciada em Qumica, mes-tre em Fsico-Qumica e doutora em Qumica Inorg-nica pela USP, docente do Instituto de Qumica daUSP.Viktoria Klara Lakatos Osorio ([email protected]), bacharel com atribuies tecnolgicas e licen-ciada em Qumica, doutora em Cincias (QumicaInorgnica) pela USP, docente do Instituto deQumica da USP.

    XII Encontro Nacional de Ensino de Qumica

    O ENEQ um evento que h 22 anos rene professores,pesquisadores, alunos de graduao, ps-graduao epessoas interessadas em discutir questes relativas Edu-

    cao Qumica.O primeiro ENEQ ocorreu em 1982, no Instituto de Qumica

    da UNICAMP. Desde ento, a cada dois anos e em diferentesregies, representantes da comunidade de educadoresqumicos de todo o pas tm se reunido; esses encontrosmuito contribuiram para a consolidao dessa comunidadee dos trabalhos e pesquisas por ela desenvolvidos. Temticasdiversificadas e geradoras de debates cada vez mais amadu-recidos demonstram a consolidao desta rea no Brasil.

    O XII ENEQ acontecer em Goinia, no Instituto deQumica da Universidade Federal de Gois, nos dias 27 a 30

    de julho de 2004, tendo como tema central As Novas PolticasEducacionais e seus Impactos no Ensino de Qumica. Aestrutura preliminar do evento prev minicursos, sesses depainis, conferncias, mesas redondas, palestras, e sessescoordenadas.

    Juntamente com o XII ENEQ acontecero o XIII EncontroCentro-Oeste de Debates sobre Ensino de Qumica e o IIIEncontro Centro-Oeste de Qumica.

    Para maiores informaes visite a pgina da UFG no en-dereo http://www. quimica.ufg.br/eneq/eneq.htm.

    Evento