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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
1
A LITERATURA PARANAENSE NO ENSINO MÉDIO
Autora: Dinara Maria Zanon1
Orientador: Adão de Araújo2
Resumo
O presente artigo apresenta os resultados de uma intervenção pedagógica aplicada aos alunos de 3º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins, em Curitiba. A metodologia utilizada na referida intervenção foi baseada na Estética da Recepção ou Método Recepcional, a partir do estudo de contos da obra “Em busca de Curitiba perdida”, de Dalton Trevisan. O objetivo primordial da intervenção foi o reconhecimento e a valorização da literatura produzida no Estado do Paraná e a intrínseca relação desta com os leitores – alunos do Ensino Médio - possibilitando a criação de uma identidade cultural entre eles. A principal conclusão a que se chegou é que os autores paranaenses são pouco conhecidos entre os alunos e que, mesmo nas aulas de literatura brasileira, não são trabalhadas as obras destes escritores. Assim, a partir das análises realizadas, pretende-se estabelecer novas estratégias para esta disciplina, incluindo em seu objeto de estudo os autores paranaenses, a fim de conhecer a sua obra e relacioná-la dentro do contexto histórico-social em que estão inseridos os alunos. Além disso, também se pretende, a partir da leitura destes autores, ampliar o campo de análise textual, com o objetivo de firmar uma identidade cultural entre a obra aqui produzida e os leitores – alunos do Ensino Médio.
Palavras-chave: Literatura paranaense; Estética da Recepção.
1 Introdução
O presente artigo, baseado na Estética da Recepção ou Método Recepcional
(1979), de Hans Robert Jauss, discute o papel do leitor, aluno de 3º ano do Ensino
Médio, na leitura de contos de Dalton Trevisan, como forma de conhecer e valorizar
1 Especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Católica do Paraná (1996). Graduada em Letras pela Universidade Católica do Paraná (1995). Professora do Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins.
2 Mestre em Literatura. Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
2
os escritores paranaenses e, assim, criar ou fortalecer uma identidade cultural.
O estudo de Literatura Brasileira nas séries que formam o Ensino Médio
justifica-se na medida em que proporciona aos alunos, além do conhecimento
relativo às obras e aos autores nacionais, uma melhor compreensão acerca do
período histórico artisticamente retratado. Diz-se, então, que a Literatura sempre
reflete, mesmo que com matizes meramente inventados, fatos históricos, sociais e
políticos presentes num determinado momento da sociedade em que vivemos.
Ao estudar as Escolas Literárias e seus respectivos autores e obras, estuda-
se, também, ainda que superficialmente, momentos importantes da história do
Brasil, bem como fatos ocorridos em outros países e que influenciaram o momento
literário ali retratado. A Literatura, portanto, além de entretenimento, também
colabora na compreensão da história, causando, em determinados momentos, uma
interdisciplinaridade de conteúdos.
Entretanto, percebeu-se que, apesar de destacarem-se em algumas Escolas
Literárias, pouca relevância tem se dado aos autores paranaenses. Não se nega a
contribuição dos clássicos da literatura nacional, mas também não se pode
desconsiderar os nossos escritores regionais, até porque esta é uma das formas de
fortalecimento de nossa identidade cultural. Deve-se continuar a estudar os
expoentes da produção literária nacional, mas não se pode esquecer de que no
Paraná existem escritores de destaque e que devem ser conhecidos e estudados
adequadamente.
A partir da experiência em sala de aula, percebeu-se que, apesar de alguns
autores de literatura paranaense destacarem-se no contexto literário brasileiro,
pouca relevância tem se dado ao estudo de suas obras. Deste modo, não é difícil
entender porque os alunos, especialmente do Ensino Médio, praticamente
desconhecem alguns dos mais importantes autores da literatura paranaense. A
exceção ocorre quando a obra de um destes autores é escolhida como leitura
obrigatória de um concurso vestibular. Fora desta situação, pouco se lê e pouco se
conhece acerca da literatura produzida no Estado do Paraná.
3
A falta deste estudo acarreta, mesmo que indiretamente, uma falta de
valorização da cultura regional, que determina, por sua vez, a identidade cultural do
povo paranaense: se a literatura produzida no Paraná não é conhecida pelos
próprios paranaenses não há que se falar em identidade cultural do Paraná.
Além disso, ao deixar de estudar as obras paranaenses, também ficam
esquecidos fatos e histórias próprios de nosso Estado e que, salvo se comentados
na aula de História, nunca serão conhecidos pelos estudantes. Deste modo, o
estudo de uma parcela da literatura paranaense, além de propiciar ao aluno o
conhecimento da cultura e costumes da sociedade paranaense, também serve para
mostrar aspectos históricos, bem como sociais e políticos do Paraná.
Assim, o estudo dos contos de Dalton Trevisan pelos alunos do 3º ano do
Ensino Médio justifica-se na medida em que é por meio da leitura dos mesmos que a
produção literária do Estado do Paraná será conhecida e, deste modo, poderá existir
uma identificação entre a obra e o leitor, possibilitando a criação de uma identidade
cultural.
Objetivou-se, portanto, uma melhor interação entre a tríade: obra, autor e
leitor, tendo como base o Método Recepcional ou Estética da Recepção, a fim de, ao
mesmo tempo em que se mostra a riqueza da literatura produzida no Estado do
Paraná, também se possa estreitar a identidade existente entre os leitores e o modo
cultural do local em que os mesmos estão inseridos.
Durante a implementação do projeto de intervenção foram estudados, de
modo genérico, os autores contemporâneos de Literatura paranaense, e, de modo
mais detalhado, foi realizado um estudo acerca da obra de Dalton Trevisan,
especialmente os contos do livro “Em busca de Curitiba perdida”, possibilitando aos
alunos conhecer melhor a obra de um expoente da literatura paranaense,
contextualizando-a temporal e espacialmente.
Também, a partir dos contos de Trevisan, destacou-se a importância do papel
do leitor no entendimento dos mesmos e a perspectiva da construção de uma
identidade cultural.
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2 Implementação do Projeto de Intervenção
2.1 A literatura em sala de aula
O estudo da literatura é, sem dúvida alguma, importantíssimo para a
formação da identidade cultural de um povo. Talvez seja este o principal motivo que
justifica a existência da disciplina de Literatura Brasileira nos principais currículos
escolares do País.
A professora Alice Vieira ao tratar da importância do tema, afirma que:
A literatura tem sido, ao longo da história, uma das formas mais importantes de que dispõe o homem, não só para o conhecimento, criação e recriação desse conhecimento. Lidando com o imaginário, trabalhando a emoção, a literatura satisfaz sua necessidade de ficção, de busca de prazer”. (VIEIRA, 1990, p. 11)
A literatura, portanto, mostra-se essencial para o desenvolvimento das
pessoas, pois por meio dela é possível conhecer lugares nunca antes visitados,
ampliar conhecimentos culturais, conhecendo novas formas de agir e de pensar.
É na escola que se dá, na maioria dos casos, a aproximação do aluno-leitor
com o livro literário, e consequentemente com todas as relações que possam existir
entre ambos.
Deste modo, portanto, a literatura se justifica em todos os sentidos: seja para
conhecer melhor os fatos que constituem a história do Brasil, seja para permitir que
o leitor vislumbre outras formas de pensamento, possibilitando, assim, que o mesmo
desfrute de formas novas de ver a vida.
Então, percebe-se que:
O contato com a literatura não é mero contato, é encontro. Neste encontro, ocorre a fruição. Fruir é desfrutar, colher os frutos, sem realizar demasiados esforços, o que não significa ler preguiçosamente... como quem nada quer. Ler é colher, escolher entre as linhas do texto aquilo que nos é oferecido. (PERISSÉ, 2006, p. 72)
5
A literatura, portanto, apresenta-se como uma das formas a ser escolhida pelo
leitor e que proporciona ao mesmo a oportunidade de conhecimento, permitindo que
ele, por meio de sua eleição, abstraia e selecione aquilo que julgar mais pertinente
às suas necessidades.
O estudo de Literatura, seja um estudo nacional ou regional, indistintamente,
é imprescindível para que o aluno conheça melhor os aspectos existentes no
contexto em que está inserido. É importante conhecer as características históricas e
sociais da sociedade a que pertencemos para melhor entender os fatos nela
ocorridos.
O conhecimento da Literatura Regional, portanto, se justifica pelo fato de que
é por meio do estudo das partes que se chega ao conhecimento do todo, neste
caso, a Literatura Brasileira. É por meio do estudo das produções literárias locais
que é possível formar o panorama da literatura nacional, percebendo as
características próprias de cada região e formando, assim, elementos identificadores
destas regiões.
Entretanto, nas aulas de Literatura Brasileira há uma ênfase muito grande nos
autores clássicos nacionais, deixando-se de lado autores modernos, principalmente
aqueles que figuram como expoentes da literatura regional do Paraná.
O conhecimento de, pelo menos, alguns autores e obras da literatura
paranaense faz-se necessário, pois é a partir deste conhecimento que a identidade
cultural é criada. Então, é imprescindível fazer com que a produção literária do
Paraná figure no rol dos livros trabalhados em sala, pois só assim pode-se conhecer
e reconhecer o valor e a qualidade da literatura aqui produzida.
A implementação do projeto de intervenção ocorreu no segundo semestre de
2010, em turmas de terceiro ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Presidente
Lamenha Lins, em Curitiba. Inicialmente, explicou-se aos alunos acerca do
Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – do Governo do Estado do
Paraná e seu objetivo de fomentar projetos para melhorar a educação pública
ofertada neste Estado.
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A primeira atividade realizada na implementação do projeto de intervenção
tinha como objetivo avaliar a opinião dos alunos quanto à importância do estudo da
Literatura Brasileira.
Dentre as variadas respostas, destacou-se a importância da literatura como
forma de conhecer a cultura de um povo e conhecer fatos históricos, além de
apontar a literatura como uma forma de entretenimento, de “viajar no tempo”.
As respostas obtidas corresponderam ao que se esperava: os alunos
concordaram que o estudo da Literatura Brasileira era importante, não apenas para
conhecer autores e obras, mas também numa interação com os movimentos
históricos e sociais, formadores de uma unidade nacional.
A partir da constatação de que é importante o estudo da Literatura Brasileira,
passou-se para a segunda atividade, que consistia em saber se os alunos
conheciam os autores de literatura paranaense.
Cada um deles recebeu uma lista em que figuravam diversos nomes de
autores nacionais, nesta ordem:
– Mário Quintana
– Dalton Trevisan
– Paulo Leminski
– Erico Veríssimo
– Cristóvão Tezza
– Helena Kolody
– Moacyr Scliar
– Domingos Pellegrini
A atividade consistia apenas em reconhecer qual ou quais dos autores da lista
pertenciam à literatura paranaense.
O resultado foi bastante satisfatório, visto que a maioria dos alunos conseguiu
identificar uma boa parte dos autores, principalmente Paulo Leminski e Dalton
Trevisan.
A intervenção pedagógica foi proposta em duas turmas, uma pela manhã e
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outra no período da tarde, totalizando 68 alunos. Nesta atividade compareceram 65
alunos, os quais marcaram, absolutamente, Paulo Leminski e Dalton Trevisan como
autores de literatura paranaense.
Ao perguntar o que conheciam sobre estes dois autores, foram obtidas
respostas variadas, tais como: empréstimo do nome à Pedreira Paulo Leminski, em
relação ao primeiro; autor da peça “O vampiro e a polaquinha”, em referência ao
segundo.
De acordo com as respostas, tem-se graficamente o seguinte resultado:
Percebe-se, deste modo, que todos os alunos presentes nesta atividade
identificaram Dalton Trevisan e Paulo Leminski como autores da literatura
Gráfico 1: Autores de literatura paranaense
Paulo LeminskiDalton Trevisan
Helena KolodyCristóvão Tezza
Domingos Pellegrini
0
10
20
30
40
50
60
70
8
paranaense. Em relação aos demais, houve, pode-se acreditar, uma tentativa de
acerto, mas sem muita certeza.
Quanto ao questionamento acerca do tipo de literatura que os dois autores
mais citados produziam, os alunos não conseguiram identificar com certeza os
gêneros textuais dos mesmos. Alguns lembraram da peça “O vampiro e a
polaquinha”, texto dramático que ficou em cartaz durante muitos anos em Curitiba,
produzida a partir de textos de Dalton Trevisan. Alguns “arriscaram”, em relação a
Paulo Leminski, o gênero lírico, mas não conseguiram relacioná-lo com o haicai,
modalidade que o tornou conhecido nacionalmente.
A discussão sobre o ensino específico de literatura paranaense em sala de
aula, principalmente nas turmas que integram o Ensino Médio, também foi objeto de
estudo no Grupo de Trabalho em Rede (GTR), modalidade à distância, em que
participam professores da Rede Pública do Estado do Paraná, devidamente inscritos
e que, além de receberem certificado de participação, contribuem imensamente para
a intervenção pedagógica prevista pelo PDE.
Os professores participantes do GTR – Literatura paranaense no Ensino
Médio – quando questionados sobre a importância em estudar os autores de
literatura paranaense nas aulas de literatura, concordaram, absolutamente, que
todos os professores deveriam reservar um tempo de suas aulas de literatura para
estudar estes autores e suas obras.
Entretanto, foi consenso também admitir que dificilmente “sobra” tempo para
trabalhar com Paulo Leminski ou Dalton Trevisan, por exemplo. Trabalha-se apenas
o conteúdo presente no livro didático, ou seja, são mostrados aos alunos os
expoentes da literatura nacional, as escolas literárias, principais características e
obras mais importantes. Além disso, para as turmas de terceiro ano do Ensino
Médio, há também a lista de leitura obrigatória do concurso vestibular, no nosso
caso, o concurso da UFPR, em que também há a necessidade de trabalhar, ainda
que superficialmente, os livros e autores presentes na referida lista. Então, as
possibilidades ficam cada vez menores e por fim, praticamente nada é trabalhado
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em termos de literatura paranaense.
A terceira atividade desenvolvida sugere que os alunos conheçam mais a
respeito de Dalton Trevisan, autor escolhido para representar o estudo da literatura
paranaense no Ensino Médio.
A escolha de Dalton Trevisan como escritor representativo da literatura
produzida no Estado do Paraná deve-se ao fato de que ele é reconhecido como um
dos melhores contistas da literatura brasileira. Em 1996, recebeu o Prêmio Ministério
da Cultura de Literatura pelo conjunto de sua obra e em 2003, dividiu com Bernardo
Carvalho o maior prêmio literário do país – o 1º Prêmio Portugal Telecom de
Literatura Brasileira – com o livro “Pico na Veia”.
Também é relevante o fato de que Dalton Trevisan ainda continua
escrevendo, o que garante a sua obra uma mobilidade de novas construções, pelo
motivo do autor revisar e reescrever seus contos a fim de torná-los mais concisos e
objetivos. Tem-se, deste modo, uma espécie de literatura em construção, uma
literatura viva que pode ser renovada pelo autor em qualquer momento, fato que não
é possível em obras já eternizadas pelo tempo.
Além disso, seus contos integram diversas antologias e já foram publicados
em vários países, como Suécia, Alemanha, Venezuela, Dinamarca, Argentina,
Portugal, Estados Unidos, Polônia, Holanda e Itália. Na Hungria, por exemplo,
alguns de seus contos inspiraram uma série de TV. No Brasil, teve textos adaptados
para o cinema e a televisão. Sem dúvida, é o autor com maior notoriedade nacional,
considerado um dos melhores contistas brasileiros.
A obra escolhida para o desenvolvimento deste projeto foi o livro “Em busca
de Curitiba perdida”; nele, o autor reúne textos já publicados anteriormente, com
alterações que lhe dão uma fisionomia renovada. São contos, crônicas e poemas
que sintetizam e exemplificam a obra do autor.
A atividade desenvolvida pelos alunos consistia em apresentar informações a
respeito de Dalton Trevisan e de sua obra. Comentou-se acerca da importância do
livro “Em busca de Curitiba perdida”, que figurou, há algum tempo, no rol de livros de
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leitura obrigatória para o concurso vestibular da Universidade Federal do Paraná.
Discutiu-se também acerca de algumas características de Trevisan, tais como a
ambientação de seus textos na antiga Curitiba, a repetição dos nomes dos
personagens – sempre Maria e João, os personagens famosos como Nelsinho – o
vampiro de Curitiba, enfim, informações sobre o autor escolhido para representar a
literatura paranaense.
A atividade foi considerada satisfatória na medida em que os alunos
pesquisaram sobre a vida e a obra de Dalton Trevisan, percebendo a importância do
mesmo no cenário nacional e a necessidade em estudar sua obra.
Quanto aos professores participantes do GTR, discutiu-se também a respeito
do autor em questão e foram trocadas informações sobre o modo como trabalhar
determinados assuntos em Trevisan. Um dos professores participantes trabalha
frequentemente com a obra de Trevisan na perspectiva dramática, em que seus
alunos trabalham o texto escolhido e o representam, mantendo suas características
originais ou então, o que é mais interessante, fazem uma adequação temporal a
partir do texto original.
As atividades desenvolvidas nesta fase inicial do projeto de intervenção
pedagógica tiveram como objetivo a aproximação do objeto de estudo – Dalton
Trevisan e o livro “Em busca de Curitiba perdida” - com a realidade do aluno,
fazendo com que este pudesse conhecer melhor o autor e sua obra para,
posteriormente, analisar com maior eficiência os textos de Trevisan, relacionando-os
com seu conhecimento de mundo, concordando com eles ou modificando-os.
2.2 O papel do leitor na construção da identidade cultural do povo paranaense
O leitor, independente da capacidade de discernir os fatos e situá-los num
contexto histórico apropriado, não figurava, até a pouco tempo, entre as partes que
formavam a obra literária. A obra era produzida e interpretada de acordo com a ideia
do autor; não se admitindo outra leitura nem perspectivas diversas daquelas
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apresentadas por quem criou a obra literária. Entendia-se que a passividade do leitor
era uma qualidade inerente a ele. Tem-se então que:
O leitor clássico é um sujeito passivo, ainda que dele se exija a capacidade de estabelecer relações de causalidade, tanto entre as partes do texto, quanto entre os juízos contidos no texto e outros de juízos de mundo. Sua passividade resume-se no fato de que não pode intervir no próprio texto, devendo submeter-se a sua estrutura, à medida que esta está irrecorrivelmente agregada a uma sequência causal, determinada internamente, desde o início até o fim. (SENNA, 2010)
Entende-se, portanto, que o leitor não era considerado uma das partes que
formam o processo da leitura, visto que o mesmo apenas recebia a obra acabada,
não podendo refutá-la ou mesmo abstrair dela significados diferentes daqueles
pensados pelo autor.
Entretanto, a partir da década de 60, o papel desempenhado pelo leitor
recebe um tratamento diferente. Surge, pela perspectiva inovadora de Hans Robert
Jauss, um novo tipo de leitor, com autonomia para ler a obra de acordo com as suas
percepções, integrando definitivamente os atores obra, autor e leitor.
A Estética da Recepção, como foi denominada, teve início em 1967 na
Universidade de Constança, na Alemanha, quando Hans Robert Jauss, seu
idealizador, proferiu uma conferência intitulada “O que é, e com que fim se estuda
história da literatura?”, a qual, mais tarde, ficou conhecida como “A história da
literatura como provocação à ciência literária”.
A ideia central da Estética da Recepção baseia-se na importância do leitor no
contexto da obra literária como um todo, enquanto mecanismo passível de múltiplos
entendimentos, sempre em razão do tipo de leitor que a consome. Jauss, portanto:
Sugere que o foco central de toda interpretação textual deve recair sobre o leitor e seus processos de recepção e não exclusivamente sobre o autor e os mecanismos envoltos na concepção dos mesmos. (NASCIMENTO DA SILVEIRA; MOURA, 2007, p. 126).
Deste modo, percebe-se que o leitor, pelo prisma da Estética da Recepção,
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adquire um status superior ao que estava destinado anteriormente: passou de
simples decodificador de mensagens a construtor do próprio conhecimento. Vê-se
que Jauss
[…] acredita que todo signo passível de leitura não se configura apenas como um reflexo dos eventos sociais que possibilitaram sua concepção. São, antes, um constructo social e cultural que, a partir de sua historicidade, desempenha um papel ativo na produção das possíveis interpretações de cada leitor, na medida em que envolve e ativa as estruturas intelectuais, emotivas e sensoriais dos mesmos. (NASCIMENTO DA SILVEIRA; MOURA, 2007, p. 126).
Assim, nota-se que o leitor, à luz da Estética da Recepção, ganha liberdade
quanto ao entendimento da leitura que realiza. Constrói, deste modo, um significado
de acordo com as concepções sociais e culturais inerentes a ele, isto é, sua
interpretação é construída a partir das experiências e conhecimentos que o mesmo
possui. Percebe-se então que
[…] todo leitor deve ser compreendido como um sujeito autônomo que circula e se apossa livremente do texto, criando, a partir de seus anseios, habilidades intelectuais e lugar social, suas próprias interpretações para o signo que manipula. (NASCIMENTO DA SILVEIRA; MOURA, 2007, p. 126).
A Estética da Recepção, apesar de ser um movimento bem articulado e
conhecido da maioria dos professores, ainda não recebeu a atenção destes no
processo relativo à leitura. Percebe-se que ainda tem mais valia aquilo que o autor
disse do que aquilo que o leitor abstraiu da leitura realizada. Assim, a opinião do
aluno (o leitor) não é valorizada enquanto mecanismo de produção de sentido.
Deste modo,
O método recepcional é estranho à escola brasileira, em que a preocupação com o ponto de vista do leitor não é parte da tradição. Via de regra, os estudos literários nela tem se dedicado à exploração de textos e de sua contextualização espaço-temporal, num eixo positivista. O relativismo de interpretação e, portanto, de leitura, não é tópico de consideração no âmbito acadêmico, o que se explica pela tendência ao autoritarismo da própria cultura brasileira, que endeusa seus expoentes, temerosa de expô-los à crítica. (BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 81)
13
Via de regra, após o trabalho de leitura são discutidos aspectos presentes no
próprio texto ou relativos ao autor do mesmo. Discutem-se características das
personagens e os demais elementos da narrativa, assim como os objetivos
almejados no momento da produção da obra em questão.
Não há uma preocupação, pelo menos imediata, do leitor com a obra em si.
Entende-se, entretanto, que é justamente pela fusão do leitor e obra que se poderá
chegar a um conhecimento melhor da própria obra. Deste modo, cada vez que
ocorrer a interferência do leitor, melhor será o entendimento do mesmo em relação
aos aspectos retratados no livro.
A valorização do leitor, visto como elemento ativo no processo de leitura, é o
enfoque adotado nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do
Paraná, que aponta a Estética da Recepção como o norte para o ensino de
Literatura nos Colégios Públicos do Estado. Objetiva-se, deste modo, a formação de
[…] um leitor capaz de sentir e de expressar o que sentiu, com condições de reconhecer, nas aulas de literatura, um envolvimento de subjetividades que se expressam pela tríade obra/autor/leitor, por meio de uma interação que está presente na prática de leitura. A escola, portanto, deve trabalhar a literatura em sua dimensão estética. (PARANÁ, 2008, p. 58)
Assim, de acordo com a Estética da Recepção, estudada e redefinida por
Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar como Método Recepcional, tem-se
que:
A atitude receptiva se inicia com uma aproximação entre texto e leitor, em que toda a historicidade de ambos vem à tona. As possibilidades de diálogo com a obra dependem, então, do grau de identificação ou de distanciamento do leitor em relação a ela, no que tange às convenções sociais e culturais a que está vinculado e à consciência que delas possui. (BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 84)
Deste modo, o leitor ao “dialogar” com a obra literária abstrairá dela
elementos culturais, históricos e sociais importantes para a caracterização da
sociedade a que pertence, formando, a partir disso, um embasamento para a
construção de uma identidade cultural, a qual pode ser definida como
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[...] um conjunto vivo de relações sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que estabelece a comunicação de determinados valores entre os membros de uma sociedade. Sendo um conceito de trânsito intenso e tamanha complexidade, podemos compreender a constituição de uma identidade em manifestações que podem envolver um amplo número de situações que vão desde a fala até a participação em certos eventos. (SOUSA, 2010)
Entende-se que a formação da identidade cultural de um povo pode ser criada
ou reafirmada a partir daquilo que os mesmos possuem em comum, como, por
exemplo, a sua produção literária. Então, quando as pessoas que estão inseridas
num mesmo contexto conhecem a produção cultural extraída deste meio, vinculam-
se pela afinidade dele abstraída. Logo, ao mostrar aos alunos a literatura produzida
em seu meio, quer seja, os contos de Dalton Trevisan, pretende-se que os mesmos
possam se identificar e criar elementos que os vincule ao espaço em que vivem.
As atividades desenvolvidas neste momento do projeto de intervenção tinham
o objetivo de ultrapassar o simples conhecimento acerca do autor e de sua obra;
almejavam, por assim dizer, descobrir efetivamente o mecanismo dos contos de
Trevisan, relacionando a leitura com a sua experiência de vida, com o seu
conhecimento, enfim, valorizando a perspectiva do leitor em relação ao livro e ao
autor.
Nesta fase do projeto iniciou-se o trabalho utilizando-se o Método
Recepcional, o qual teve a pretensão de atingir os seguintes objetivos: efetuar
leituras compreensivas e críticas; ser receptivo a novos textos e a leitura de outrem;
questionar as leituras efetuadas em relação ao seu próprio horizonte cultural;
transformar os próprios horizontes de expectativas, bem como os do professor, da
escola, da comunidade familiar e social.
O Método Recepcional é dividido em cinco etapas, com tempo de aplicação
variável, dependendo da turma em que se pretende trabalhar. São elas:
A primeira etapa é o momento de determinação do horizonte de expectativa do aluno/leitor. O professor precisa tomar conhecimento da realidade sócio-cultural dos educandos, observando o dia a dia da
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sala de aula. Informalmente, pode-se analisar os interesses e o nível de leitura, a partir de discussões de textos, visitas à biblioteca, exposições de livros, etc.Na segunda, ocorre o atendimento ao horizonte de expectativas, o professor apresenta textos que sejam próximos ao conhecimento de mundo e às experiências de leitura dos alunos. Para isso, é fundamental que sejam selecionadas obras que tenham um senso estético aguçado, percebendo que a diversidade de leituras pode suscitar a busca de autores consagrados da literatura, de obras clássicas.Em seguida, acontece a ruptura do horizonte de expectativas. É o momento de mostrar ao leitor que nem sempre determinada leitura é o que ele espera, suas certezas podem ser abaladas. Para que haja o rompimento, é importante o professor trabalhar com obras que,partindo das experiências de leitura dos alunos, aprofundem seus conhecimentos, fazendo com que eles se distanciem do senso comum em que se encontravam e tenham seu horizonte de expectativa ampliado, consequentemente, o entendimento do evento estético. Após essa ruptura, o sujeito é direcionado a um questionamento do horizonte de expectativas. O professor orienta o aluno/leitor a um questionamento e a uma autoavaliação a partir dos textos oferecidos. O aluno deverá perceber que os textos oferecidos na etapa anterior (ruptura) trouxeram-lhe mais dificuldades de leitura, porém,garantiram-lhe mais conhecimento, o que o ajudou a ampliar seus horizontes.A quinta e última etapa do método recepcional é a ampliação do horizonte de expectativas. As leituras oferecidas ao aluno e o trabalho efetuado a partir delas possibilitam uma reflexão e uma tomada de consciência das mudanças e das aquisições, levando-o a uma ampliação de seus conhecimentos. (PARANÁ, 2008, p. 74-75)
A primeira etapa deverá conter tudo aquilo que o aluno valoriza, como suas
crenças, seu estilo de vida, suas preferências relativas ao trabalho ou ao lazer; se
possui algum tipo de preconceito, além da área que lhe interessa para leitura.
Os textos escolhidos para iniciar esta etapa de leitura foram “Canção do
exílio”, “Em busca de Curitiba perdida” e “Curitiba revisitada”, todos eles tendo como
enfoque a questão do espaço em Dalton Trevisan, no caso, a cidade de Curitiba.
Após a primeira leitura, discutiu-se acerca da importância que tem o espaço
escolhido por Dalton Trevisan para ambientar uma boa parte de suas histórias. É um
elemento comum entre o autor e seus leitores, que os identifica culturalmente; é
uma das maneiras de fazer com que o leitor sinta-se parte da obra literária como um
todo.
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Também foi lembrado o fato de vários escritores terem utilizado sua cidade
natal ou aquela que adotaram como tal como cenário para suas obras, como, por
exemplo a Bahia, meticulosamente retratada por Jorge Amado ou o Rio Grande do
Sul, descrita pelo escritor Érico Veríssimo.
Ao retratar Curitiba, Dalton Trevisan revela uma cidade bem diferente desta
que agora conhecemos, evidenciando suas qualidades e lamentando as
modificações trazidas pelo tempo.
É possível revisitar a cidade por meio dos contos de Trevisan, conhecendo
melhor os hábitos e o comportamento das pessoas que aqui viviam. Ao utilizar a
cidade de Curitiba como cenário de muitos de seus contos, Dalton Trevisan
consegue uma aproximação do leitor com a cidade, fazendo com que o mesmo
sinta-se inserido no contexto retratado na ficção.
A partir desta ideia existe a possibilidade de criar uma identidade cultural, ou
seja, um sentimento de identificação de um grupo em relação a aspectos sociais ou
culturais por eles divididos.
Neste sentido, a partir das ideias de Stuart Hall entende-se que “uma
identidade cultural enfatiza aspectos relacionados a nossa pertença a culturas
étnicas, raciais, linguísticas, religiosas, regionais e/ou nacionais” (HALL, 1999, p.
37). Assim, entende-se que se o leitor deparar-se na obra que está lendo com
elementos próprios que circundam a sua realidade (como sua cidade, por exemplo),
existe uma possibilidade de o mesmo identificar-se mais com aquela cultura. Então,
se a literatura produzida no Estado do Paraná estiver mais presente nas aulas de
Literatura, aumentam as perspectivas de que exista uma identidade entre obra e
leitor, fazendo com que se crie uma identidade cultural mais evidente em nossa
cidade ou nosso Estado.
Na atividade em questão, os alunos fizeram a leitura dos três contos
anteriormente citados e relacionaram o modo como o autor retratou a sua cidade,
comparando-a com a cidade atual. Depois da leitura dos três contos os alunos
apontaram as críticas feitas pelo escritor em relação a cidade de Curitiba,
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posicionando-se contrário ou favorável a elas.
Finalmente, os alunos responderam à pergunta: Você acha que existe, por
viverem na mesma cidade, uma relação de aproximação entre o leitor e a obra?
Os resultados mostraram que, para os alunos, a cidade retratada por Dalton
Trevisan não reflete a cidade atual, onde eles vivem. A Curitiba de Dalton, antiga e
distante, não se parece com a cidade de hoje, modelo de qualidade de vida, cidade
moderna e produtora cultural importante.
Entretanto, no que se refere às questões do Método Recepcional pode-se
afirmar que, mesmo não existindo uma relação de proximidade entre autor e leitor
pelo fato de viverem na mesma cidade (na ficção e na vida real), não se pode negar
que houve o cumprimento da primeira fase. Atingiu-se a determinação do horizonte
de expectativa, pois os alunos conheceram mais a respeito de Dalton Trevisan e
parte de sua obra. A atividade seguinte tinha como objetivo atingir a segunda fase do Método
Recepcional, ou seja, o atendimento ao horizonte de expectativa em que são
apresentados aos alunos textos que sejam próximos ao conhecimento de mundo e
das experiências de leitura dos mesmos. Deste modo, optou-se em trabalhar textos
que tratassem das relações humanas presentes nos contos de Dalton Trevisan.
Para trabalhar esta etapa foi escolhido o conto “Clínica de Repouso”,
publicado pela primeira vez no livro “O pássaro de cinco asas”, em 1974, que trata
do tema de abandono dos idosos em casas de repouso pelos seus familiares, os
quais, mesmo sabendo das péssimas condições destes locais, deixam lá seus
parentes e continuam vivendo suas vidas, acreditando que nada devem àquelas
pessoas.
Dalton Trevisan, por meio de seu narrador, explora as relações humanas sem
idealização, tanto as relações familiares quanto as amorosas, dando-lhes um
desfecho, na maioria das vezes, trágico. A professora Stael Moura da Paixão
Ferreira, no artigo “Uma leitura dos contos de Dalton Trevisan: sexualidade, ironia,
conflitos e desastres amorosos”, define o conto de Trevisan do seguinte modo:
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É o conto de crítica social ou de costume, que, sem sombra de dúvida, expressa uma sequência de desfechos súbitos e rudes. Destacamos que o autor revela o cotidiano, demonstrando a falta de identidade e, por vezes, de coerência das atitudes humanas, através de cenas de brutalidade e degradação. (FERREIRA, 2010)
O modo frio e desumano com que trata das questões familiares, por exemplo,
tende a fazer com que as pessoas fiquem chocadas e assustadas com tais
comportamentos (desrespeitar os idosos, interná-los em asilos, etc), entretanto, é o
que acontece frequentemente.
Esta atividade consistia em ler o conto “Clínica de repouso” e discutir a
questão do idoso em nossa sociedade. Foi possível perceber que os alunos, de
modo geral, trocaram experiências, aumentando, deste modo, o atendimento ao
horizonte de expectativa da leitura.
A questão dos direitos dos idosos também entrou em discussão e muitos
lembraram do Estatuto do Idoso, meio legal criado para proteger a pessoa idosa
quando esta não tem quem a proteja, efetivamente.
Percebe-se, assim, que a segunda etapa do Método Recepcional também foi
atingida, pois os alunos superaram a temática ofertada pelo conto, buscando novas
perspectivas para o mesmo, ampliando sua visão de mundo a partir das
experiências de todos os participantes do grupo.
A terceira fase do Método Recepcional consiste na ruptura do horizonte de
expectativas. É neste momento que se mostra ao leitor que nem sempre
determinada leitura é o que ele espera, que aquilo que ele imagina para um texto
não se efetiva, enfim, que o texto pode romper com as certezas que ele havia
construído no decorrer da leitura. Esta etapa deve dar prosseguimento à etapa
anterior por meio de oferecimento de textos que se assemelhem aos anteriores em
um aspecto apenas: o tema, o tratamento, a estrutura ou a linguagem. Entretanto,
os demais recursos compositivos devem ser radicalmente diferentes, de modo a que
o aluno ao mesmo tempo perceba estar ingressando num campo desconhecido,
mas também não se sinta inseguro demais e rejeite a experiência.
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Para a transição entre as fases 2 e 3, ou seja, entre o atendimento e a ruptura
do horizonte de expectativas optou-se por manter a mesma linha temática, quer
seja, as relações humanas presentes nos contos de Dalton Trevisan.
Nesta fase, sabe-se que o importante é que os textos dessa etapa
apresentem maiores exigências aos alunos, seja por discutirem a realidade
desautorizando as versões socialmente vigentes, seja por utilizarem técnicas
compositivas mais complexas.
As experiências de leitura, nesta etapa, também precisam manter um vínculo
com as da etapa anterior que seja garantido pelo material literário, mas divergirem
quanto às estratégias de trabalho adotadas. Estas não serão repetitivas ou
desgastadas pelo uso, apelando não só para o espírito crítico dos alunos, mas
exigindo deles participação no planejamento das mesmas. A proposta deve
representar sempre um desafio por caminhos não percorridos anteriormente pela
turma.
Para trabalhar esta terceira fase foram escolhidos os contos “Uma vela para
Dario”, publicado pela primeira vez em 1964 no livro “Cemitério de Elefantes”, que
explora a degradação das relações humanas, mostrando a indiferença das pessoas
em relação ao outro, impessoalizando qualquer ato de humanidade e “Uma negrinha
acenando”.
Em “Uma vela para Dario”, as pessoas não se comovem com o sofrimento
alheio, em vez disso, assistem à cena como se a mesma fosse para ser apreciada e,
na medida do possível, tiram proveito da situação. Não tentaram salvar a vida de
Dario, pois o mesmo era pesado demais para ser transportado até a farmácia e,
levá-lo ao hospital, foi impossível, pois não tinha ninguém para pagar a corrida de
táxi.
Então, Dario morreu, sozinho, apesar da multidão que assistia ao episódio.
Depois de morto, ainda foi roubado, coisificado, pisoteado, transformado em nada.
Ricardo Barbacena, doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), durante uma oficina de contos do Festival de Inverno de
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Porto Alegre, tratou do conto de Dalton Trevisan. Sobre o conto “Uma vela para
Dario”, ele afirmou que:
A profundidade do conto é extrema. Trevisan, diz Ricardo, mostra a cidade como ela é, "uma máquina de coisificar qualquer um", de "tirar qualquer identidade", de "matar humanos". A cidade é de uma violência intensa e mesmo as piores mortes tornam-se a espetacularização para a sociedade. Tudo se dá de forma efêmera e rapidamente esquecida. Amanhã estará no jornal, talvez, mas depois de amanhã, haverá outras notícias no mesmo jornal. Vítimas igualmente esquecidas, sem nome, sem identidade, anônimos do centro e da vida urbana. (BARBACENA, 2010)
O conto foi publicado pela primeira vez em 1964 e, pelo estilo inconfundível
de Trevisan, teve os “excessos” retirados, ao longo do tempo, pelo autor. Apesar da
época ser bastante longínqua do nosso tempo, a situação retratada e,
principalmente, o comportamento das pessoas, parece-me, sofreram poucas
alterações.
Dalton Trevisan, como já foi possível perceber, tem uma temática bem ampla
e sempre atual. O conto “Uma negrinha acenando”, publicado no livro “Meu querido
assassino”, de 1983, exemplifica bem a atualidade dos contos de Trevisan.
Nele, explora-se a questão da prostituição de meninas no Brasil, quase
sempre motivada pela pobreza e violência. A personagem pede carona a um
motorista e conta a sua história. O texto é composto por um diálogo constante, com
perguntas e respostas objetivas, mostrando a simplicidade da personagem e todas
as mazelas que tomam conta da população mais pobre. A situação vivida pela
personagem é aceita pela mesma com naturalidade, ela não reclama de sua
condição, já sabendo que não existe possibilidade de mudança. Além desta questão,
também há uma crítica em relação à saúde pública no Brasil.
A partir da leitura dos dois contos, em que se mantém a temática das relações
sociais abordadas por Dalton Trevisan, trabalha-se com a finalidade de romper o
horizonte de expectativas. Tal fato ocorre à medida que se percebe que é
impossível modificar o comportamento das pessoas, alterar as situações que hoje
estão impostas como normais, enfim, quebra-se a possibilidade de mudanças, de
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um final feliz.
No Grupo de Trabalho em Rede – GTR – foi apresentado o projeto de
intervenção pedagógica, bem como o conteúdo que seria trabalhado e os objetivos
pretendidos. O projeto foi encaminhado para análise dos professores cursistas do
GTR, os quais participaram efetivamente sugerindo atividades e materiais que
poderiam ser trabalhados.
A quarta fase do Método Recepcional refere-se ao questionamento do
horizonte de expectativas. Nela o aluno/leitor deverá perceber que os textos
oferecidos no momento anterior (ruptura) ofereciam uma dificuldade maior de leitura
e compreensão, porém, justamente por isso, garantiram-lhe mais conhecimento, o
que o ajudou a ampliar seus horizontes.
Nesta fase, e ainda com o conto “Uma vela para Dario”, os alunos fizeram
uma comparação do texto original publicado em 1964 com o mesmo conto
publicado mais recentemente. Perceberam que Dalton Trevisan reescreve seus
textos com o objetivo de sintetizá-los, retirando dos mesmos qualquer excesso
desnecessário, sem alterar, é claro, o sentido que os mesmos produzem.
Esta quarta fase, a exemplo das demais, também foi atingida, pois os alunos
conseguiram perceber a evolução transcorrida desde a primeira leitura, em que
apenas leram sobre o autor e sua obra até a última leitura, em que se discutiu
acerca da temática trabalhada.
A quinta e última etapa do Método Recepcional é a ampliação do horizonte de
expectativas, em que as leituras e o trabalho efetuado a partir delas possibilitem
uma reflexão e uma tomada de consciência das mudanças e das aquisições,
levando o aluno a uma ampliação de seus conhecimentos.
Não se pode assegurar que esta última etapa, bem como a criação de uma
identidade cultural, tenham sido atingidas na totalidade. O que ocorreu é que o
tempo disponível para a implementação do projeto não foi suficiente para a
aplicação efetiva de todo o Método Recepcional. Deste modo, pretende-se ampliar o
referido projeto, implementando-o em todas as séries de modo a atingir as cinco
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fases que norteiam o Método Recepcional, garantido, também, um melhor
conhecimento dos autores de literatura paranaense numa perspectiva de criação de
identidade cultural.
3 Conclusão
O estudo dos autores de literatura paranaense no ensino médio é importante
na medida em que, por meio desta atividade, também serão conhecidos outros
aspectos da formação cultural e política do Estado do Paraná.
Percebeu-se, no decorrer da implementação do Projeto Pedagógico, que a
atividade de leitura ainda é bastante deficiente nas salas de aula. Alguns alunos
participantes do projeto, inicialmente, resistiram quanto a essa atividade, rotulando-a
de maçante e desnecessária. Aos poucos, entretanto, todos participaram das
atividades propostas, com dedicação bem variada.
Ao tratar da questão da deficiência da leitura entre os alunos, percebeu-se
que, frequentemente, esta prática era proposta sem um objetivo maior, ou seja, a
intenção era apenas a leitura de um determinado material e apenas isso. Não existia
o objetivo de buscar outros conhecimentos a partir da leitura realizada, ela tinha um
fim em si mesma, descaracterizando toda a sua função social.
Sabe-se que das cinco etapas que compõem o Método Recepcional, as três
primeiras são atingidas naturalmente pelos alunos de Ensino Médio, são elas:
1)Determinação do horizonte de expectativa – é o conhecimento, por parte do
professor, da realidade sócio-cultural dos seus alunos.
2)Atendimento ao horizonte de expectativas – o professor apresenta textos próximos
ao conhecimento e experiências de leitura dos alunos.
3)Ruptura do horizonte de expectativas – é o momento de mostrar ao leitor que nem
sempre determinada leitura é o que ele espera. Para que haja o rompimento, é
importante o professor trabalhar com obras que, a partir das experiências dos
alunos, aprofundem seus conhecimentos.
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4)Questionamento do horizonte de expectativas - o professor orienta o aluno a um
questionamento e a uma autoavaliação a partir dos textos oferecidos. O aluno
deverá perceber que os textos oferecidos na etapa anterior possuíam maior
dificuldade, mas, por outro lado, proporcionaram-lhe mais conhecimento, o que
ampliou seus conhecimentos.
5)Ampliação do horizonte de expectativas – as leituras oferecidas ao aluno
possibilitam uma reflexão e uma tomada de consciência das mudanças e das
aquisições, levando-o a uma ampliação de seus conhecimentos.
As duas últimas etapas, entretanto, dependem, para serem atingidas, de uma
boa orientação do professor e de vontade do aluno em aprender mais.
As atividades iniciais foram desenvolvidas sem nenhum empecilho; os alunos
atenderam à solicitação de responder sobre a função e a importância da literatura,
bem como fizeram pesquisas sobre a vida e obras de Dalton Trevisan.
No Grupo de Trabalho em Rede – GTR – também houve a participação
efetiva dos professores cursistas, dando sugestões e relatando práticas de como
trabalhar com textos literários em sala de aula. Também concordaram que o tempo
reservado para o estudo de Literatura, principalmente a produzida no Estado do
Paraná é exíguo, não proporcionando um estudo adequado de nossos escritores.
Nas atividades seguintes houve uma participação importante, tanto dos
alunos quanto dos professores participantes do GTR, porém, não se pode afirmar
que todas as etapas do Método Recepcional foram atingidas plenamente. Existiu,
inegavelmente, a tentativa de romper com o horizonte de expectativas com o
objetivo de ampliar os conhecimentos dos alunos e sua visão de mundo. Sabe-se
que isso só não aconteceu pelo pouco tempo para a aplicação do projeto. Percebe-
se que o Método Recepcional, indicado pelas Diretrizes Curriculares da Educação
Básica do Estado do Paraná, que aponta o método como o norte para o ensino de
Literatura nos Colégios Públicos do Estado, ainda está muito aquém do desejado.
Pretende-se, para o próximo ano letivo, inserir no planejamento educacional o
estudo dos autores de literatura paranaense, trabalhando-se a partir da perspectiva
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do Método Recepcional.
Além disso, também pelo pouco tempo disponível, não foi possível verificar
de modo imediato a construção de identidade cultural. Seria necessário um período
maior de estudo, bem como um trabalho mais detalhado em termo literários.
De qualquer modo, reafirma-se a partir do projeto de implementação
“Literatura paranaense no ensino médio” uma necessidade latente em trabalhar e
valorizar os nossos escritores.
Referências
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ZILBERMAN, Regina. Leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1988.
Sítios consultados
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