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1 Da Ilha da Madeira à Itapira : percurso de famílias imigrantes portuguesas até as fazendas de café paulistas no final do século XIX Nelly de Freitas* No século XIX, com uma pressão demográfica aliada à demanda de mão de obra nas indústrias, com a revolução nos transportes e o desenvolvimento econômico dos novos continentes, a Europa viu desenvolverem-se e acelerarem-se os movimentos migratórios, com claros impactos na evolução de sua população. Objeto de inúmeros estudos, a emigração portuguesa não escapou à tais movimentos, que constituíram uma válvula de escape para as tensões sociais e os problemas no campo (Vieira, 1988:264; Ferraz, 1994:85). Apesar de suas relativas dimensões e população, a Ilha da Madeira – localizada nas rotas marítimas, a 900 kilométros de Lisboa e 800 das costas africanas – representou, juntamente com o arquipélago dos Açores, grande parte da diáspora portuguesa em termos comparativos. A população da Madeira, em sua maior parte campesina, cresceu a um ritmo constante num espaço limitado dando resultado a um dos números mais altos de densidade do país em finais do século XIX 1 . Cercada pelo Atlântico, alvo de graves crises agrícolas (sobre as crises agrícolas: Corvo, 1854; Vasconcellos, 1876; Ribeiro, 1985; Branco, 1987; Nepomuceno, 1994 e Câmara, 2002), em constante contato com os estrangeiros vindos para o turismo ou a negócios, a população madeirense não hesitava em emigrar. Chamados pelos parentes, amigos ou vizinhos já instalados no estrangeiro, os Madeirenses rumaram para lugares como Demerara, Havaí e Brasil. *Doutoranda em História sob orientação do professor Luiz-Felipe de Alencastro na Université Paris-Sorbonne. Banca de tese marcada para o dia 4 de Abril de 2013. 1 Apesar da desigual distribuição interna, o distrito do Funchal apresentava a segunda maior densidade de Portugal, vindo logo depois do distrito do Porto. Em 1864 ela era de 135.9 hab/km2 (sendo 147.7 na Madeira e 33.4 no Porto Santo) e em 1900, era de 184.8 hab/km2 (sendo 200.2 na Madeira e 54.8 no Porto Santo) (Rodrigues, 2004:31).

Da Ilha da Madeira à Itapira : percurso de famílias ... · insulares, dos Açores majoritariamente, mas também da Madeira, para o sul do Brasil (Rau, 1965; Piazza, 1999 e Santos,

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Da Ilha da Madeira à Itapira : percurso de famílias imigrantes portuguesas até as fazendas de café paulistas no final do século XIX

Nelly de Freitas*

No século XIX, com uma pressão demográfica aliada à demanda de mão de obra nas

indústrias, com a revolução nos transportes e o desenvolvimento econômico dos novos

continentes, a Europa viu desenvolverem-se e acelerarem-se os movimentos migratórios, com

claros impactos na evolução de sua população. Objeto de inúmeros estudos, a emigração

portuguesa não escapou à tais movimentos, que constituíram uma válvula de escape para as

tensões sociais e os problemas no campo (Vieira, 1988:264; Ferraz, 1994:85).

Apesar de suas relativas dimensões e população, a Ilha da Madeira – localizada nas

rotas marítimas, a 900 kilométros de Lisboa e 800 das costas africanas – representou,

juntamente com o arquipélago dos Açores, grande parte da diáspora portuguesa em termos

comparativos. A população da Madeira, em sua maior parte campesina, cresceu a um ritmo

constante num espaço limitado dando resultado a um dos números mais altos de densidade do

país em finais do século XIX1.

Cercada pelo Atlântico, alvo de graves crises agrícolas (sobre as crises agrícolas:

Corvo, 1854; Vasconcellos, 1876; Ribeiro, 1985; Branco, 1987; Nepomuceno, 1994 e

Câmara, 2002), em constante contato com os estrangeiros vindos para o turismo ou a

negócios, a população madeirense não hesitava em emigrar. Chamados pelos parentes, amigos

ou vizinhos já instalados no estrangeiro, os Madeirenses rumaram para lugares como

Demerara, Havaí e Brasil.

*Doutoranda em História sob orientação do professor Luiz-Felipe de Alencastro na Université Paris-Sorbonne. Banca de tese marcada para o dia 4 de Abril de 2013. 1 Apesar da desigual distribuição interna, o distrito do Funchal apresentava a segunda maior densidade de Portugal, vindo logo depois do distrito do Porto. Em 1864 ela era de 135.9 hab/km2 (sendo 147.7 na Madeira e 33.4 no Porto Santo) e em 1900, era de 184.8 hab/km2 (sendo 200.2 na Madeira e 54.8 no Porto Santo) (Rodrigues, 2004:31).

2

Exatamente este último destino exerceu, desde o século XVI, uma forte atração sobre

os povos insulares. Desde os primórdios da colonização do território, lá encontram-se muitos

portugueses vindos dos arquipélagos atlânticos.

A chegada dos primeiros madeirenses foi ligada ao desenvolvimento da cultura da

cana de açúcar na colônia americana. Seguiram-lhes os aventureiros e os perseguidos pela

religião. No século XVIII, esses movimentos migratórios intensificaram-se com o apoio

oficial da Coroa portuguesa que, num objetivo de defesa do território brasileiro, enviou casais

insulares, dos Açores majoritariamente, mas também da Madeira, para o sul do Brasil (Rau,

1965; Piazza, 1999 e Santos, 2008).

Os fluxos migratórios de madeirenses continuariam no século XIX. No arquipélago

português, o contexto de crises econômicas regulares aumentava grandemente a miséria da

população, que via na emigração um meio para sobreviver. Do outro lado do Atlântico, o

processo de abolição da escravatura no Brasil e o crescimento da cultura do café na Província

do Rio de Janeiro, mas sobretudo na de São Paulo, provocaram uma evolução nas políticas de

imigração sobretudo em São Paulo onde a política de imigração subsidiado desencadeou as

entradas de estrangeiros no Estado, ainda que a forma de recrutamento dos emigrantes e as

condições na chegada originassem muitas vezes propagandas contra o fenômeno, então

chamado de “escravatura branca” (Vieira, 2004:18).

Mesmo se há uma vasta historiografia sobre movimentos migratórios de madeirenses

para certos destinos como Ilhas Sanduíches (Nordyke, 1989; Silva, 1996; Castro Caldeira,

2005) ou Guiana Britânica (Menezes, 1994; Ferreira, 2006; Ribeiro, 2006), e mesmo se já

existem bases de dados, ainda que genéricas, sobre o perfil demográfico dos madeirenses no

período (Rodrigues e Pinto, 1989; Oliveira, 1996), reflexões sobre o impacto das migrações

para alguns destinos (como para o Estado de São Paulo, Brasil) na demografia da ilha, bem

como análises sistemáticas de fontes estatísticas conhecidas ou ainda inéditas (como listas de

passaportes ou listas de passageiros mantidas no Brasil, entre outras) oferecem possibilidades

até agora pouco exploradas pelos historiadores demográficos sobretudo considerando que

durante muito tempo, a historiografia brasileira focava mais sobre a imigração italiana ou

japonêsa e, sobre os Portuguêses, os estudos tratavam mais do Rio de Janeiro (RIBEIRO,

3

1987; MENEZES, 1992, 1996, 2008), deixando pouco visibilidade aos emigrantes

madeirenses (TELO DA CORTE, 2002).

O trabalho a ser aqui desenvolvido faz parte de uma ampla pesquisa doutoral sobre o

impacto da evolução da emigração na segunda metade do século XIX e de medidas de

controle de população sobre a sociedade insular do Distrito do Funchal2. Nesse sentido,

seguindo o exemplo dos estudos sobre a emigração portuguesa nos Estados Unidos realizados

pela historiadora Maria Ionnis Baganha (BAGANHA: 1988) e convencida que a história dos

Madeirenses no Brasil podiam somente ser conhecida cruzando as fontes madeirenses e

brasileiras, pesquisas foram realizadas nos arquivos brasileiros nos Estados de São Paulo e do

Rio de Janeiro (arquivos estaduais e nacional) e nos da Ilha da Madeira onde foram levantadas

ainda desconhecidas e pouco trabalhadas listas de passageiros provenientes da Ilha da

Madeira.

Com objetivo de dar mais visibilidade aos emigrantes madeirenses, cuja história no

Brasil era “invisível”, segundo expressão utilizada no estudo da historiadora Andréa Telo da

Corte, por inserir-se muitas vezes na dos Portugueses (TELO DA CORTE, 2002: 18), foi

realizada uma base de dados à partir do cruzamento dessas listas distintas afim de analisar o

fluxo migratório madeirense em direção à um dos principais portos brasileiros no final do

século XIX, Santos, no Estado de São Paulo, entre 1886 e 1899. Esse método de cruzamento

de fontes nós permitiu, assim, de descobrir e seguir a trajetória de algumas famílias que da

Madeira se instalaram, depois de ter desembarcado em Santos, na cidade de Itapira no Estado

de São Paulo.

A cultura de café que, chegando do Pará se expandiu na província do Rio de Janeiro

até as terras paulistas, permitiu a criação e o desenvolvimento de cidades. Não escapando

desse contexto, é graças ao café, que o povoado de origem de Itapira, chamado então « Penha

do Rio Peixe » pude crescer e a economia se desenvolver. Nessa cidade nova, criada em 1858

(o nome de « Itapira » apareceu somente a partir de 1890), o espaço estava ocupado desde o

2 A lei de 25 de Abril de 1835 supprimiu as províncias e comarcas e a partir de 1836, com as Ilhas, Portugal foi divido em Distritos (17 no continente e 4 nas ilhas adjacentes, sendo o do Funchal para o arquipelago da Madeira) e Concelhos, chefiados respectivamente por governadores civis e administradores.

4

século XVII por habitantes que cultivavam milho e cana de açucar (DE FREITAS, 2002). Em

1880, com a expansão do café, os trilhos da linha Mogiana chegaram finalmente e se

prolongaram até a cidade visinha de Mogi Mirim.

Além da população de origem, descendente dos Português, Índios e Espanhois, o

espectro da abolição da escravatura e a necessidade de mão de obra crescendo constamente

contribuíram à chegada, num primeiro momento, de família imigrantes alemães e depois

italianas e portuguesas (DE FREITAS, 2002). Na base de dados elaborada para a tese de

doutoramento, conseguimos descobrir que, entre 1886 e 1899, depois de ter passado pela

Hospedaria do Imigrante de São Paulo, 142 emigrantes madeirenses rumaram até essa cidade.

Nos trabalhos de doutorado, Itapira tornou-se um destino de interesse particular depois

da descoberta, quando da última viagem de pesquisa nos Arquivos Regionais da Ilha da

Madeira, de um documento permitindo completar as informações sobre alguns emigrantes

madeirenses. Enquanto as investigações estavam chegando ao fim e que pensavamos ter visto

o que precisava, um documento chamou nossa atenção. Era um artigo publicado no jornal « A

Tribuna de Itapira » e cujo título, muito evocador, não podia nos deixar impassível :

« Famílias madeirenses em Itapira » (DE FREITAS, 2002).

O autor, Charles de Freitas, revela pesquisas que conduzia fazia doze anos sobre a

história dessa cidade onde tinha nascido e, sobre a população. Depois de resumir a história de

Itapira e da Ilha da Madeira, o autor cujo antepassados vinham justamente dessa ilha

portuguesa, aborda o tema da emigração descrevendo a história de alguns emigrantes

madeirenses chegados na cidade no final século XIX. Assim, foi possível cruzar as

informações contidas nesse artigo com a base de dados elaborada a partir das listas de

passageiros saídos do porto do Funchal-Madeira a destino de São Paulo e, as listas dos

indivíduos chegados no porto de Santos e descobrir um pouco mais da história desses

emigrantes insulares.

• A família de Antonio de Freitas

5

A presença no Brasil desta família, a do autor, data da viagem realizada por Antonio

de Freitas e Francisca Marques de Sousa de Jesus, ambos originários da freguesia do Faial no

concelho de Santana (costa norte da Ilha da Madeira).

Casados desde 1874, obtiveram um passaporte para o Brasil no dia 6 de Julho de 1888,

quando o chefe de família tinha 39 anos3. Com essa informação dada no artigo, nós referimos

à base de dados e achamos, para nossa maior satifação, a dita família. Como sublinhava

Charles de Freitas no jornal, Antonio embarcou no porto do Funchal no dia 7 de julho de 1888

no navio alemã Baltimore, com sua esposa Francisca e sete filhos : Manuel, Maria, Antonio,

Domingos, Christina, Antonia e Virginia, respectivamente de 11, 9, 7, 6, 4, 2 anos e a última,

de alguns meses. Uma sobrinha do Antonio, Maria de Freitas, 18 anos – filha da irmã Maria

Marques de Freitas e do cunhado António Gomes Garcês – fez a viagem com eles deixando

atrás dela os pais. Junto com essa família viajou também Maria Dionisia da Silva, uma tia do

Antonio de 53 anos.

Foi a primeira e única viagem.

Depois da travessia de vinte dias, toda a família desembarcou no porto de Santos, no

dia 28 de Julho do mesmo ano. O que o autor não indica no artigo, mas que podemos

confirmar, é que depois do desembarque, Antonio e os seus, subiram no trem da São Paulo

Railway até a Hospedaria do Imigrante do Brás-São Paulo, onde o chefe de família foi

registrado como sendo agricultor. Pelo contrário, o que nos ignoravámos quando construimos

a base de dados e que as pesquisas do Charles revelou, é o destino que seguiram depois de ter

saído da Hospedaria, Itapira, assim como a vida futura desses emigrantes madeirenses.

Foi na fazenda Engenho das Palmeiras, onde a cultura de café começou por volta de

1850, que a família instalou-se4. Logo após a chegada, um dos filhos do casal, Antonia (2

anos) faleceu, seguida um ano depois da irmã, Virginia. Nas terras paulistas, Antonio e

Francisca Marques tiveram sete otros filhos : Jesuína, José, Carolina, Luzia, João, Virginia e

3 Arquivo Regional da Madeira (A. R. M.). Processo de passaporte n. ° 76. Passaporte n. ° 1296, para Antonio de Freitas, Francisca Marques de Sousa de Jesus, os filhos entre os quais, Manuel, que tinha então 12 anos, e Maria, uma sobrinha. [Disponível em http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/passaportespt/CListaPassapview.asp?CF3digoPas=9061, consultado em Agosto de 2012]. 4[Disponível em http://www.sfreinobreza.com/FAZENDAS%20DE%20ITAPIRA.htm, consultado em Outubro de 2012].

6

Joaquim, respectivamente nascidos em 1890, 1892, 1895, 1896, 1898, 1901 e 1904. Esse fato,

revela bem o mantimento das tradições e das culturas da Madeira, onde a forta natalidade

dentro dos casais era uma caractérística importante. No começo do século XX, a família

deixou a fazenda Engenho e instalou-se na zona urbana, na Rua da Penha (DE FREITAS,

2002), onde Antonio faleceu no dia 6 de Março de 1934, seguido alguns anos depois, dia 4 de

Dezembro de 1943, por Francisca, depois de ter dedicado a vida toda à agricultura5.

Ilustração 1 – O casal Antonio de Freitas e Francisca Marques de Sousa de Jesus na frente da casa na rua da Penha – Itapira

Fonte : Charles DE FREITAS. « Famílias madeirenses em Itapira »..., op. cit., Foto sem data. Reprodução de

Paulino Santiago, arquivo do autor.

5 Apoiamos-nós também no blog de Sérgio de Freitas (primo em segundo graú de Charles de Freitas), que também fez pesquisa sobre essa família de Itapira. [Disponível em http://www.sfreinobreza.com/fram.html, consultado em Outubro de 2012].

7

Manuel, o primeiro filho e bisavô do autor do artigo, partilhou a vida dele entre os

trabalhos agrícolas e o comércio. Segundo as informações colhidas, ele cuidava das fazendas

« Boa Vista » e « Tapera grande » administrando, no mesmo tempo uma loja de seco e

molhados6. Casado em 1903 com uma italiana, teve dez filhos dentro dos quais, Antero – avô

do autor – ele faleceu na mesma cidade, no dia 25 de Dezembro de 1958 (DE FREITAS,

2002)7.

Ilustração 2 – Manuel de Freitas na frente da loja que possuia na Rua da Penha-Itapira

Fonte : Charles DE FREITAS. « Famílias madeirenses em Itapira »..., op. cit., Foto sem data. Reprodução de

Paulino Santiago, arquivo do autor.

6 [Disponível em http://www.sfreinobreza.com/fram.html, consultado em Outubro de 2012]. 7 O blog de, Sérgio de Freitas, citado previamente, faz referência aos filhos de Manuel, família direita de Charles e dele mesmo. Mais informações disponíveis em http://www.sfreinobreza.com/fram.html, consultado em Outubro de 2012].

8

A maioria dos irmãos e irmãs de Manuel ficaram também em Itapira, demonstrando

assim uma mobilidade reduzida dos emigrantes depois do desembarque no porto de Santos.

Somente Maria e Christina parecem ter deixado Itapira no percurso da vida.

Efetivamento, Maria morreu na cidade de São Paulo em 1963, depois de ter casado,

em 1897, com um conterrâneo originário de Porto Moniz (costa norte da ilha da Madeira),

Manoel Gonçalves Lambaz8, com o qual teve catorze filhos. Relativamente a Christina, ela

morreu sem filhos em Londrina, no Estado do Paraná, depois de ter sido casada com o primo

Alberto de Freitas de Jesus – casado em primeira boda com uma das irmãs da Christina,

Jesuina, que morreu em 1912. Aqui, é possível notar a repitição de um outro aspeto da vida na

Madeira onde, por causa da tradição ou falta de oportunidade por causa da exiguidade do

espaço ou da emigração, os casamentos aconteciam dentro de uma área restrita. Essa tradição,

permaneceu no tempo pois, a historiadora Andréa Telo da Corte, estudando a imigração de

famílias madeirenses em Niterói – Rio de Janeiro no meio do século XX, fez também

referência à este tipo de laço quando relembrou a história de Maria Augusta dos Santos

emigrando no Rio de Janeiro com seu marido, que era um primo de primeiro graú (TELO DA

CORTE, 2002 : 173-174).

Finalmente, a propósito do destino dos dois otros irmãos embarcados na Madeira com

6 e 7 anos de idades, Antonio e Domingo permaneceram em Itapira onde casaram, em 1908

para o primeiro, 1913 para o outro e criaram família, sempre numerosas (cinco filhos para

Antonio, oito para seu irmão). Domingo morreu em 1956, e Antonio, em 1969.

A sobrinha de Antonio de Freitas, que saiu da Madeira junta, Maria de Freitas, ela

casou cinco anos depois de ter chegada em Itapira e teve nove filhos. Segundo o autor do

artigo, os pais dela, Maria Marques de Freitas e António Gomes Garcês, chegaram em Itapira

alguns anos depois da filha. Conseguiram tirar passaporte em 1912 o seja, 24 anos depois da

partida da filha9. Não conseguimos obter mais informações sobre a tia nem sobre os sete otros

filhos que Antonio e Francisca tiveram depois da chegada no Brasil. Sabemos somente que

8 Alguem, com um nome similar, também oriundo de Porto Moniz e viajando em 1895, foi encontrado na nossa base de dados. Entretanto, por causa de falta de informações sobre essa pessoa, não foi possível confirmar que era o mesmo indivíduo. 9A. R. M. Processo de passaporte n. ° 113. Passaporte n. ° 1163. [Disponível em http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/passaportespt/CListaPassapview.asp?CF3digoPas=27869, consultado em Outubro de 2012].

9

três dentre eles passaram a vida em Itapira e que os otros morreram na cidade de São Paulo

(DE FREITAS, 2002).

Depois de ter apresentado o destino dessa família constituída pelo Antonio de Freitas,

o bisneto conta também o que aconteceu com um dos nove irmãos e irmãs do Antonio que

também fez a experiência, João de Freitas (DE FREITAS, 2002).

Casado com Maria Xavier de Freitas desde 1886, João obteve um passaporte para que

ele, a esposa e os três filhos (Cristina, 7 anos, João, 4 anos et Antonia, 3anos) pudessem viajar

até São Paulo em 1897. Efetivamente, encontramos-los nas fontes e na nossa base de dados10.

Segundo as listas de embarque, João era agricultor, tinha deixado o norte da ilha da Madeira

para morar na costa sul, em Tábua, no concelho de Ponta do Sol.

Subiu a bordo do navio francês Italie com a família no dia 31 de Março de 1897 antes

de desembarcar, em Santos, em 14 de Abril do mesmo ano, recrutado pelo contrato de 7 de

Março de 1897, assinado entre o governo do Estado de São Paulo e o agente italiano Angelo

Fiorita. Subsidiada, a família não pagou a viagem e, depois da estadia na Hospedaria do

Imigrante de São Paulo, rumou à cidade de Capivari, onde devia instalar-se na fazenda do

proprietário Nardi de Vasconcellos11.

Essas informações foram, por uma parte, contradita pela pesquisa de Charles de

Freitas o qual, em vez de confirmar a chegada da família no Brasil, indica a permanência do

casal na Madeira, onde Maria teria dado luz ao Manuel. Entretanto, mesmo se nos arquivos

regionais da Madeira não tem documentos comprovendo o nascimento dessa criança, sabemos

que o casal voltou na Ilha pois, em 1904, nasceu uma filha, Georgina12.

10 A. R. M. Processo de passaporte n. ° 141. Passaporte n. ° 33. [Disponível em http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/passaportespt/CListaPassapview.asp?CF3digoPas=17817, consultado em Agosto de 2012]. 11 Informações tiradas dos livros de matrículas da Hospedaria de São Paulo. 12 Georgina completou essa família numerosa. Os filhos do João e Maria Xavier eram : Maria, nascida em 27 de Fevereiro de 1887 ; José, nascido em 27 de Janeiro de 1889 ; Cristina, nascida em 21 de Setembro de 1890 ; João, nascido em 1° de Janeiro de 1893 ; Antonia, nascida em 11 de Novembro de 1894 e, finalmente, Georgina nascida em 30 de Julho de 1904. [http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/baptismospt/ClistaBaptismoslist.asp?x_Pai=jo%E3o+de+freitas&z_Pai=LIKE%2C%27%25%2C%25%27&x_Mae=maria+xavier+de+freitas&z_Mae=LIKE%2C%27%25%2C%25%27, consultado em Outubro de 2012]. Charles DE FREITAS. « Famílias madeirenses em Itapira »..., op. cit.,

10

Além de revelar a história dos antepassados dele, o autor do artigo relata também os

acontecimentos com otras famílias de emigrantes madeirenses que vieram se instalar em

Itapira no final do século XIX, como os Martins, os Cabeleiras ou os Caires, dos quais

podemos conhecer o percurso com mais detalhes cruzando as informações com nossa base de

dados.

• Família de João Pereira Martins

Nascido na freguesia do Faial (Santana-Madeira), João casou com Teresa de Freitas de

Jesus, da mesma cidade, em 1860. Antes da escolha da emigração, o casal morou um tempo

no Faial e depois se mudaram para a freguesia do Monte, no concelho do Funchal.

Segundo as fontes consultadas, confirmando assim as informações dadas por Charles

de Freitas, o casal tomou a decisão de deixar a ilha – ele tinha 50 anos, a esposa, 44 anos –

com os três filhos : Antonio, de 23 anos, Maria, de 24 anos, e Manoel, de 13 anos, juntos com

a cunhada do João, Antonia Candida de Jesus, então com 50 anos de idade. Depois a obtenção

do passaporte para São Paulo13, a família embarcou finalment a bordo do navio alemã

Hannover, no dia 7 de Janeiro de 1887. Também, não pagaram o transporte porque tinham

sido contratado pelas autoridades brasileiras, o agente tendo recebido para cada um, uma

subvenção de 80$000 réis. Desembarcados no porto de Santos após ma travesia de 17 dias,

em 23 de Janeiro de 1887, os Martins ficaram na Hospedaria de São Paulo antes de rumar até

« Penha do Rio Peixe » (chamada Itapira desde 1890).

Sem mais informações, seja sobre o filho Manuel ou a cunhada, o artigo de Charles de

Freitas indica que a filha Maria casou, em 1890 e na mesma cidade, com um Madeirense

originário de Boaventura (concelho de São Vicente, na costa norte da ilha da Madeira). Os

filhos dessa união casaram em Itapira com otros insulares (a filha com o Açoriano e o filho,

com uma Madeirense oriunda de Arco da Calheta, concelho da Calheta, na costa sul da ilha).

13 A. R. M. Processo de passaporte n. ° 49. Passaporte n. ° 1224. [Disponível em http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/passaportespt/CListaPassapview.asp?CF3digoPas=7417, consultado em Agosto de 2012].

11

• Família de José de Freitas Cabeleira.

Essa família viajou junto com os Martins, no navio Hannover, chegado em Santos no

dia 23 de Janeiro de 1887. Oriundo de Boaventura (concelho de São Vicente, costa norte da

ilha), José casou, em 1881, Quitéria Júlia de Freitas, víuva de Manuel Gomes Pereira mãe de

Manuel, Maria e Carlos (DE FREITAS, 2002). Dessa segunda união, nasceram Augusta e

Joaquina. Todos embarcaram com destino ao Brasil depois da obtenção do passaporte no final

do ano de 188614.

Igualment subsidiados (os pais tinham então 33 e 32 anos e os filhos, 11, 8, 6, 4 e 1

anos), passaram pela Hospedaria do Imigrante de São Paulo antes de seguir para o destino

final. Em relação a essa informação, as fontes indicam São Paulo como destino final enquanto

o artigo menciona Itapira. Esse fato aponta as dificuladades enfrentadas pelos pesquisadores

para saber se a indicação de « São Paulo », nas fontes, queria dizer a cidade ou o Estado (DE

FREITAS, 2002).

Continuando seu relato, Charles indica que José morreu em Itapira no dia 21 de Abril

de 1921 e Quitéria, em 23 de Maio de 1905. Também, sempre segundo o Charles, a filha

chamada Augusta casou nesta cidade, em 1899, onde morreu em 1958, assim como a otra

filha, Joaquina, casada em 1904 e falecida em 1980. No Brasil, o casal teve otros filhos:

Balbina de Freitas, cresceu e viveu em Itapira até falecer em 1958, e José de Freitas, nascido

em 1895.

Os três filhos do primeiro casamento de Quitéria instalaram-se igualment em Itapira :

Carlos faleceu no ano após a chegada, em 1888, e Manuel casou-se com uma conterrânea de

Estreito de Câmara de Lobos em 1893. Em relação à Maria, não conseguimos mais

informações.

Alguns mêses depois da partida do Hannovre para Santos no começo de 1887, foi no

Berlin que viajaram uma otra família indicada por Charles de Freitas, a de Manuel de Caires.

14 A. R. M. Processo de passaporte n. °125. Passaporte n. ° 1142. [Disponível em http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/passaportespt/CListaPassapview.asp?CF3digoPas=7338, consultado em Agosto de 2012].

12

• Família de Manuel de Caires

Originária de Gaula, concelho de Santa Cruz, onde nasceu em 1865, Manuel casou

com Justina de Jesus em 1886. Logo depois do nascimento do primeiro filho, Luiz, o casal

decidiu emigrar e tentar melhorar de vida no Brasil onde levaram também com eles, Maria da

Encarnação, 10 anos, irmã de Manuel e Antonia da Encarnação, sua tia, de 53 anos de idade.

A família desembarcou do navio Berlin em Santos em 2 de Março de 1887, e como os

precedentes emigrantes, passaram pela Hospedaria de São Paulo que deixaram para a cidade

de Ribeirão Preto, como informam as listas dessa instituição. Sem poder confirmar uma falha

nas listas ou se a família mudou de rumo depois de Ribeirão Preto, porque segundo o artigo

de Charles de Freitas, ela dirigiu-se rapidamente até Itapira onde, Justina, esposa de Manuel,

faleceu no dia 29 de Abril de 1887.

Víuvo, Manuel casou de novo no dia 17 de outubro de 1888 com a conterrânea, Maria

Cristina Corrêa, originária do Estreito de Câmara de Lobos, chegada no Brasil com os pais em

novembre de 1886 (DE FREITAS, 2002). Dessa união nasceu Virginia, falecida em Itapira

em 1955, Américo, nascido em Itapira na fazenda de Tapera Grande em 1897, Antonio de

Caires, nascido em 1901 em Itapira e falecido na cidade visinha de Mogi Mirim em 1990.

A história dessas algumas famílias não permitiu, infelizmente, tirar grandes conclusões

sobre a vida levada, do outro lado do Atlântico, pelos emigrantes madeirenses que deixaram o

espaço insular entre 1886 e 1899. Entretanto, com as semelhanças obervadas nas linhas acima

(natalidade importante, casamentos principalment dentro da comunidade madeirense e as

vezes com parentes mais ou menos próximos), é possível perguntar-se, se não era, finalmente

um modelo de evolução demográfica, seguido pela maioria desses insulares.

Além disso, é exatamente a tese apontada por Susana Caldeira na intervenção que fez

sobre a emigração madeirense no Havaí no Colóquio organizado na Madeira, em Novembro

de 2012, sobre o tema do papel das mulheres na diáspora insular. Nesta ocasião, Caldeira

sublinha a influência da figura feminina nesta «comunidade muito pouco permeável, por

13

exemplo, a nível dos casamentos, que eram entre madeirenses e, normalmente, entre

madeirenses católicos. Por isso é que hoje, o legado deixado pelos madeirenses no Havai é tão

visível ainda, porque foi um grupo que conseguiu manter os seus hábitos, costumes e

tradições durante muitos, muitos anos15 ».

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15 Colloque organisé au Centro de Estudos de Historia do Atlântico: “As mulheres e as mobilidades”, le 15 novembre 2012. [Accessible en ligne sur http://online.jornaldamadeira.pt/artigos/papel-da-mulher-valorizado-em-col%C3%B3quio-no-ceha#.UKYCpfxWnJY.facebook, consulté le 16 novembre 2012].

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